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Acesso a medicamentos: o caso do Canabidiol para pacientes do SUS
Em 18.04.2015 preocupante manchete da Folha de São Paulo anunciou que “Famílias
ainda recorrem a canabidiol ilegal para driblar burocracia”. Embora sejam compreensíveis as
razões humanitárias, é importante destacar que com a devida orientação jurídica é possível a
obtenção de tratamentos usualmente não atendidos pelo SUS, inclusive o Canabidiol (CBD).
Destinado ao tratamento de epilepsias especialmente de pacientes na infância e
adolescência, o medicamento teve seu regime jurídico alterado pela ANVISA no início do ano.
Desde janeiro,1 abandonou a relação de substâncias de uso proscrito para integrar a lista de
substâncias de uso controlado.2 Tal medida se harmoniza com a Resolução nº 2.113/2014 do
Conselho Federal de Medicina, a qual regulamentou “o uso compassivo do canabidiol como
terapêutica médica, exclusiva para o tratamento de epilepsias na infância e adolescência
refratárias às terapias convencionais”.
Com base na nova legislação, recentemente, paciente no Paraná, atendido pelo
escritório DENIS BORGES BARBOSA ADVOGADOS obteve sucesso no fornecimento de
Canabidiol. O jovem demandante com apenas três anos de idade apresenta severa patologia
que causa crises convulsivas desde os 4 meses de vida. Em juízo, comprovou-se, entre
outros elementos, a necessidade do medicamento, a insuficiência do protocolo do SUS, eis
que foram tentados vários outros fármacos, mas não se mostraram suficientes.
É importante lembrar que as políticas públicas de acesso à saúde estruturam um
sistema em que são definidos medicamentos que integram os protocolos do SUS. Chamada
de Lista do SUS, a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), define os
medicamentos assegurados no âmbito do SUS.
Em casos especiais, todavia, pode ser necessário o atendimento à saúde com
medicamentos não previstos na RENAME. Tal perspectiva se alinha com o caráter
prospectivo dos direitos fundamentais, os quais se apresentam, nas palavras de Alexy como
mandados de otimização3 voltados a uma eficácia progressiva.4 Nessa linha, como aponta
Ana Lúcia Pretto Pereira, prima-se pelo mais amplo alcance da norma jusfundamental,
quando da definição do conteúdo; depois analisa-se a possibilidade de restrição da norma
1 ANVISA. RESOLUÇÃO RDC Nº 3, de 26 de janeiro de 2015. Diário Oficial da União, 28.01.2015.
2 A repeito, confira-se a lista C1 da Portaria ANVISA nº 344/1998 (o Regulamento Técnico sobre substâncias e
medicamentos sujeitos a controle especial), atualizada inúmeras vezes e que regula define os controles e proibições de
substâncias no país. 3 ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. (Trad.: de Ernesto Garzón Valdés). Madrid
(Espanha): Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 86.
4 Sobre os direitos prestacionais, explica Clève, que “o seu cumprimento implica uma caminhada progressiva
sempre dependente do ambiente social no qual se inserem, do grau de riqueza da sociedade e da eficiência e elasticidade
dos mecanismos de expropriação (da sociedade, pelo Estado) e de alocação (justiça distributiva) de recursos” (CLÈVE,
Clèmerson Mèrlin. Revista de Direito Constitucional e Internacional, n. 54. Ano 14. São Paulo: RT, jan./mar. de 2006,
p. 28-39).
com base em dados da realidade”.5A Constituição Federal, em seus arts. 6º. caput, e 196, em
proteção reforçada pela Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8080/1990), art. 2º, caput e seu §1º
assegura a proteção da saúde. Ademais a legislação inclui expressamente no campo de
atuação da Administração Pública a “assistência terapêutica integral, inclusive
farmacêutica”, como dispõe o art. 6º da Lei 8.080/90.
Sem desconhecer os vários argumentos para restrição à saúde, tais como a
escassez de recursos, uso racional de fármacos, limites à judicialização, crítica ao ativismo
judicial, o fato é que em muitos casos os medicamentos preconizados na RENAME não se
mostram eficazes ao paciente, a Lista do SUS não significa a exclusão de todas as demais
possibilidades. Com efeito, respeitados critérios adequados, várias exceções são cabíveis,
tais como, (i-) insucesso ou ineficácia parcial do tratamento; (ii-) limite do uso de
medicamento (por conta de efeitos colaterais e riscos); (iii-) doenças e comorbidades
associadas.
A Resolução nº 2.113/2014 do Conselho Federal de Medicina determina diversas
exigências para fornecimento, a serem demonstradas: (i-) prescrição por médico
especialista em neurocirurgia ou psiquiatria; (ii-) cadastro específico do médico junto ao
Conselho Federal de Medicina para prescrição do Canabidiol; (iii-) falha na resposta com
anticonvulsionantes; (iv-) o CBD deverá ser utilizado em adição às medicações que o
paciente vinha utilizando anteriormente.
Compõe a Resolução anexo que aponta que “estudos têm demonstrado ação
terapêutica do canabidiol em crianças e adolescentes com epilepsia refratária aos
tratamentos convencionais, embora até o momento sem resultados conclusivos quanto à sua
segurança e eficácia sustentada, o que exige a continuidade de estudos”.
É importante ressaltar que indevidamente associado à maconha, o Canabidiol não
tem efeitos psicoativos, assim ninguém vai empregar com finalidade não terapêutica.6
Injustificado o preconceito contra o fármaco.
Portanto, pela via legalmente adequada é possível o acesso a medicamentos
mesmo excepcionando a lista do SUS, concretizando o direito fundamental à saúde, à vida,
como verdadeira projeção da dignidade da pessoa humana.
Gabriel Schulman é Consultor em Direito da Saúde do escritório DENIS BORGES BARBOSA
ADVOGADOS. Mestre em Direito pela UFPR. Doutorando em Direito Civil pela UERJ.
5 PEREIRA, Ana Lúcia Pretto. Reserva do Possível. Judicialização de Políticas Públicas e Jurisdição
Constitucional. Curitiba: Juruá, 2015. p. 247. 6 Conforme exposição de motivos da Resolução CFM Nº 2.113/2014: “Como o CBD não tem efeitos
psicoativos e não afeta a cognição, possui um perfil de segurança adequado, boa tolerabilidade, resultados positivos
em testes com seres humanos e um amplo espectro de ações farmacológicas”. (Official Journal of the Brazilian
Psychiatric Association Psychiatry Volume 34 - Supplement 1 - June/2012).