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CLAUDIA APARECIDA FRANCISCO DEMOCRACIA, COMUNISMO E REFORMAS NA VENEZUELA DE RÓMULO BETANCOURT (1940-1964) FRANCA 2007

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CLAUDIA APARECIDA FRANCISCO

DEMOCRACIA, COMUNISMO E REFORMAS NA VENEZUELA DE

RÓMULO BETANCOURT (1940-1964)

FRANCA

2007

CLAUDIA APARECIDA FRANCISCO

DEMOCRACIA, COMUNISMO E REFORMAS NA VENEZUELA DE

RÓMULO BETANCOURT (1940-1964)

Dissertação, apresentada à Faculdade de Histó-ria, Direito e Serviço Social ,da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para a obtenção do Título de Mestre em Histó-ria. Área de Concentração : História e Cultura Política

Orientador: Prof. Dr. Alberto Aggio

FRANCA

2007

Francisco, Claudia Aparecida Democracia, comunismo e reformas na Venezuela de Rómulo Betancourt (1940-1964) / Claudia Aparecida Francisco. –Franca : UNESP, 2007 Dissertação – Mestrado – História – Faculdade de História, Direito e Serviço Social – UNESP. 1. Partidos políticos – História – Venezuela. 2. Rómulo Betancourt – Política e governo – Venezuela, 1940-1964. CDD –987.063

CLAUDIA APARECIDA FRANCISCO

DEMOCRACIA, COMUNISMO E REFORMAS NA VENEZUELA DE

RÓMULO BETANCOURT (1940-1964)

Dissertação apresentada à Faculdade de História, Direito e Serviço Social ,da Universi-dade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para a obtenção do Título de Mestre em História. Área de Concentração: História e Cultura Política

BANCA EXAMINADORA

Presidente: ___________________________________________________________

Prof. Dr. Alberto Aggio – UNESP/ FHDSS

1º Examinador: ________________________________________________________

2º Examinador: ________________________________________________________

Franca, 10 de dezembro de 2007

Dedico este trabalho às minhas eternas amigas e

companheiras: Fátima e Tatiana

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço às duas pessoas mais importantes da minha vida, minha mãe,

Fátima e minha irmã, Tati. E agradeço a Deus, por iluminar os meus caminhos e apaziguar o

meu coração nos momentos mais difíceis dessa longa jornada, e ainda por colocar no meu

caminho pessoas maravilhosas que me ajudaram de diversas formas a confeccionar essa dis-

sertação, seja por uma palavra amiga, por dicas importantes, pela amizade, pelo companhei-

rismo, dedicação e carinho. E com certeza, sem todo esse apoio, nada do que foi feito aqui

seria possível.

Agradeço especialmente e infinitamente ao meu orientador, Alberto Aggio, pela confi-

ança, apoio, dedicação, paciência, atenção, preocupação e respeito. A sua orientação, sempre

impecável, foi um exemplo, para a minha atividade profissional e com certeza por toda a mi-

nha vida. As suas orientações sempre atentas, interessadas e preocupadas, além das com as

suas palavras de apoio me transmitiram coragem e confiança para continuar, servindo como

um importante estímulo nos dias difíceis, e ajudando-me a enfrentar as dificuldades que en-

contrei nesses anos.

Agradeço às minhas eternas amigas Miriam e Sandra, que sempre estiveram ao meu

lado em todas as circunstâncias, com muita paciência, amizade e companheirismo. Agradeço

especialmente a minha amiga Dayane, pela amizade incondicional estando presente em todos

os momentos da minha vida, sempre com uma palavra de confiança e conforto. A todas as

minhas amigas e amigos da Unesp, Elisa, Lucas, Ana Paula, Fernanda, Marlene, Thais, Mari-

ana, Ísis, Carol, Michele, Reginaldo, Lívia, Fernanda, Tati, Aline, Sr. Ângelo, Débora que

acompanharam todos esses anos e fizeram desses anos um período mais alegre e doce.

Especialmente a todos da Oficina Pedagógica Leste 4, a Claudia, Elenyr, Ana Maria,

Cristina, Valéria, Virgínia, Yádia, Denise, Waldemar, Edna, Edna Requião, Silvia, Márcia,

Dora, Teresinha, Tânia e Sílvio. Essa grande família que me acolheu com muito respeito, ca-

rinho e amizade, e com quem aprendi muitas coisas que não tem preço. À Oficina Pedagógica

Leste 3, que também me receberam muito bem, e com muito carinho. E especialmente á Cida,

que foi para Portugal atrás da sua felicidade e encontrou para a felicidade de suas amigas que

sempre estarão torcendo por ela com muitas saudades.

À minha grande amiga Catalina Banko, que sem dúvida foi como uma segunda mãe

quando estive na Venezuela para fazer as pesquisas. E sem dúvida, sem ela e o seu incondi-

cional apoio, essa pesquisa não seria possível.

Ao pessoal da Venezuela que sempre estiveram torcendo para que tudo desse certo,

principalmente á Loudes Ortega e Virgínia Betancourt da Fundación Rómulo Betancourt que

me receberam, ajudando no levantamento de toda a documentação da pesquisa. À Maria Ga-

briela e Otávio da Universidad Central da Venezuela (UCV), por me acompanharem em vá-

rios lugares, como livrarias, bibliotecas e toda a UCV com muita paciência e atenção. À Ma-

ria Teresa Romero, que mesmo com pouco tempo conversou comigo sobre o Rómulo Betan-

court, ajudando-me a entender muitos temas relacionados á sua trajetória, e agradeço também

à Raquel Gamus pelo apoio, e pela simpatia com que me recebeu para conversar sobre os te-

ma da minha pesquisa.

À todos do Sindifícios pela generosidade, carinho e amizade, principalmente a minha

querida amiga Eliana, que também acompanhou muitos momentos desse caminho. Às minhas

amigas do Mariúma, Fabiana, Luciana e Anali, pessoas que tive o prazer e a oportunidade de

conviver por muito tempo, compartilhando os momentos mais divertidos da minha estadia em

São Paulo. À Vilma, pela amizade, carinho e atenção, a Kathia, Vera, Deusane, Cecília e Sa-

mira pela amizade e dedicação.A todas as minhas companheiras e amigas do Ávila, entre elas,

Cláudia, Marli, Mariângela, Ângela, Luciene, Sônia, Almir, Marli Cavalcante, agradeço pelo

apoio, nos bons e maus momentos e pelos sorrisos que vocês me proporcionam em momentos

tão difíceis.

Agradeço à banca de qualificação, composta pelos professores Agnaldo Souza Barbo-

sa e Pedro Geraldo Tosi, pela atenção e dedicação na leitura do texto e pelas sugestões para a

pesquisa.

Aos funcionários da Unesp pela atenção e paciência, especialmente a todos da biblio-

teca, a Enide, Lurdinha, Marcio, e principalmente a Laura e Lurdinha que me ajudaram muito

na configuração da dissertação, com muita paciência e dedicação.

E mais uma vez agradeço a Anito, pelos momentos de satisfação e alegria que me

proporcionou durante esses anos e a Charlotte pela extrema dedicação e carinho, estando

sempre do meu lado durante todos esses anos.

E por fim, agradeço a todos que de várias formas contribuíram para que esse sonho se

tornasse uma realidade, e que não estão citados aqui, mas sabem da sua importância pelas

suas palavras de estímulo e pelo apoio em momentos cruciais.

“Oh! Bendito o que semeia

Livros...livros à mão cheia...

E manda o povo pensar!

O livro caindo n’alna

É germe – que faz a palma,

É chuva – que faz o mar.”

Castro Alves

RESUMO

No período de 1928 a 1964, Rómulo Betancourt constituiu e construiu a sua trajetória política e intelectual na Venezuela. Esse percurso esteve diretamente ligado ao processo de democra-tização do país, e principalmente entrelaçado com a fundação da Acción Democrática (AD), além da discussão com os comunistas. Em 1928, com a “Geração de 28”, Betancourt iniciou os seus projetos políticos. A consolidação desses aconteceu a partir de 1931, com o Plan de

Barranquilla e outras propostas formuladas por organizações políticas encabeçadas por ele. Para Betancourt, os partidos políticos desempenhariam um papel central ao assegurar a demo-cracia pois, esses estabeleceriam um diálogo entre os setores sociais e o Estado. O percurso político de Betancourt foi marcado por exílios, pela busca incessante pela democracia e tam-bém pela necessidade de fundar um partido político que congregasse a idéia de democracia e de modernização. Em 1945, após um golpe de Estado, uma Junta Revolucionária assumiu o poder, liderada por Rómulo Betancourt, iniciando o período conhecido como Triénio (1945-1948). Nesse momento, Rómulo Betancourt efetuou o seu projeto, no entanto, esse foi inter-rompido por um golpe militar em 1948, resultando no seu terceiro exílio. Durante o exílio, ele e outras lideranças políticas assinaram o Pacto de Punto Fijo em 1958, com o objetivo de favorecer a convivência entre os partidos, e a estabilidade política. Após 1958, a vida política venezuelana assumiu novos contornos, com a formação de uma cultura política democrática. Palavras-chave: Democracia; Comunismo; Partidos Políticos; Rómulo Betancourt; Venezula

ABSTRACT

Between 1928 and 1964, Rómulo Betancourt constituted and built his political and intelectual trajectory in Venezuela. It was strictily related to the democracy process in the contry, and mainly linked to the Acción Democrática foundation, besides the discussion with the communists. In 1928, with the “Generación del 28”, Betancourt began his political projects.

The consolidation of them happened from 1931 on, with the “Plan de Barranquilla” and other purposes formulated by political organizations headed by him. For Betancourt, the political parties would play a major role to assure democracy for these would establish a dialogue between social sectors and the State. Betancourt’s political trajectory was marked by exiles, the unceasing seek for democracy and also by the need of founding a political party which joined democracy and modernization ideas. In 1945, after a State Stroke, the Junta

Revolucionária took over the power, commanded by Rómulo Betancourt, so it started a period knows as Triénio (1945-1948). At this point, Rómulo Betancourt executed his project, nevertheless, it was interrupted by a militar stroke in 1948, what resoluted in a third exile. During the exile, he and other political leaders signed the Pacto de Punto Fijo in 1958 whose aim was to help the relationship between the parties and the political estability. After 1958, the Venezuela political life got new with the formation of a democratic political culture. Key words: Democracy; Communism; Political Parties; Rómulo Betancourt; Venezuela.

LISTA DE SIGLAS

AD Acción Democrática

ARDI Agrupación Revolucionária de Izquirda

CEN Comité Executivo Nacional

COPEI Comité de Organización Política Eleitoral

FEV Federação dos Estudantes da Venezuela

IC Internacional Comunista

MIR Movimiento de Izquierda Revolucionária

ORVE Organización Venezolana

PCV Partido Comunista Venezuelano

PDN Partido Democrático Nacional

PRV Partido Revolucionário Venezolano

PSV Partido Socialista Venezolano

UCV Universidade Central da Venezuela

UPM Unión Patriótica Militar

URD Unión Republicana Militar

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................ 12

CAPÍTULO 1 RÓMULO BETANCOURT: DA “GERAÇÃO DE 28” À ACCIÓN DE-

MOCRÁTICA ................................................................................................ 18

1.1 Rómulo Betancourt e a “Geração de 28” ....................................................................... 19

1.2 A formação do PDN, o marxismo e o leninismo de Rómulo Betancourt.................... 33

1.3 O PDN, a discussão com o PCV e a formação da AD ................................................... 39

CAPÍTULO 2 A FUNDAÇÃO E AS BASES DA AD ......................................................... 50

2.1 O pensamento democrático e a idéia de partido na modernização venezuelana....... 51

2.2 Rómulo Betancourt e a fundação da AD........................................................................ 65

2.3 A formação da AD, o pensamento de Rómulo Betancourt e o processo de mo-

dernização venezuelana: algumas interpretações................................................... 73

CAPÍTULO 3 A ACCIÓN DEMOCRÁTICA E O “TRIÉNIO DEMOCRÁTICO”

(1945-1948) .................................................................................................80

3.1 O “Triénio Democrático” (1945-1948): processo de formação, consolidação e

declínio.............................................................................................................................. 81

3.2 As interpretações do “Triénio Democrático”.................................................................. 99

CAPÍTULO 4 DEMOCRACIA E REFORMAS NA VENEZUELA DE RÓMULO BE-

TANCOURT........................................................................................107

4.1 A travessia do exílio ao Pacto de Punto Fijo.................................................................108

4.2 Democracia e reformas: do Pacto de Punto Fijo ao governo de Rómulo

Betancourt........................................................................................................................117

4.3 O Pacto de Punto Fijo e a construção da nova cultura política venezuelana.............128

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 135

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 138

APRESENTAÇÃO

Desde o início do século XX, a Venezuela teve a sua trajetória política marcada pelos

regimes ditatoriais. Uma das ditaduras mais longas foi a do general Juan Vicente Gómez, de

1908 a 1936. Durante esse período, emergiu no cenário político um grupo de estudantes da

Universidade Central de Caracas (UCV), entre eles, Rómulo Betancourt, estudante do curso

de Direito. Esses estudantes iniciaram uma série de manifestações e movimentos de contesta-

ção contra a ditadura, o que os levou a serem conhecidos – inclusive a partir de uma autode-

nominação – como a “Geração de 28”, que lideraria a ruptura com a estrutura política gome-

cista.

Rómulo Betancourt surgia, pela primeira vez, no cenário político do país, assumindo

uma posição de liderança daquele grupo de jovens. A sua participação na “Geração de 28”

destacou-se pelo interesse em formar um grupo de estudantes que compartilhavam o mesmo

objetivo, a revolução, vista como o único meio para acabar com a ditadura.

A “Geração de 28” difundiu novos valores políticos entre a juventude e também fez

parte dos processos históricos que marcaram a transformação da Venezuela em uma socieda-

de moderna. Com o seu surgimento, diversas organizações e atores políticos emergiram, com

o objetivo de fundar os posteriores partidos políticos que a Venezuela iria conhecer. Liderada

por atores políticos que atuaram no sentido de unir teoria e prática política, esses partidos se

tornaram os principais agentes da transformação e, à esquerda, os responsáveis pelas interpre-

tações do marxismo no país. Formaram-se nessa conjuntura aqueles atores políticos que se

transformariam posteriormente nos alicerces da democracia no país.

A partir da “Geração de 28” e enfrentando a ditadura, Betancourt conheceu as mazelas

do exílio e também procurou conhecer novas teorias, entre elas, o marxismo, além de agregar

novos adeptos ao seu grupo político. À medida que vivenciou esses novos contextos, as suas

propostas para acabar com a ditadura ganharam novos contornos. Nos próximos anos Betan-

court se tornaria o líder de um dos partidos mais importantes do país, a Acción Democrática

(AD), e a principal liderança da democracia venezuelana.

O sonho de implantar a democracia na Venezuela resistiu a todos os entraves impostos

pelos governos ditatoriais e pelos grupos de oposição. Esse período que segue de 1941 a 1964

foi marcado pelas lutas políticas contra a ditadura, com a construção e consolidação dos parti-

dos políticos, por um intenso e conflituoso diálogo com os comunistas e por longos anos de

exílio, até que uma nova etapa pudesse ser iniciada, com um golpe em 1945, encabeçado por

civis e militares, liderados por Betancourt. O período ficou conhecido como o Triénio Demo-

crático, que durou apenas três anos, de 1945 a 1948, sendo interrompido por um novo golpe

militar, em 1948, instaurando novamente a ditadura no país por quase dez anos. Em 1958,

uma Junta composta por civis e militares, dirigida pelos principais partidos do país destituiu o

general Pérez Jiménez, finalizando mais um período ditatorial. No mesmo ano, o Pacto de

Punto Fijo foi instituído no país, com a proposta de manter a estabilidade constitucional, com

novas regras para o jogo político e disseminando os elementos que formariam uma nova cul-

tura política no país.

O primeiro capítulo, intitulado “Rómulo Betancourt, a “Geração de 28” e o Comunis-

mo” acompanha os primeiros momentos da trajetória de Rómulo Betancourt e visa cumprir o

papel de uma análise introdutória ao nosso tema. Ela é essencial para compreender a trajetória

do pensamento político de Rómulo Betancourt e seus diversos contextos entre a década de

1940 e 1960.

Durante essa etapa inicial, destacamos a “Geração de 28”, vista a sua importância por

representar o primeiro movimento efetivo no sentido de implementar uma ação política con-

testatória ao regime ditatorial vigente. O grupo de estudantes componentes da “Geração de

28”, exilados após uma série de manifestos, durante o exílio, organizou-se em diversos grupos

políticos que originariam, mais tarde, os principais partidos políticos do país. Nesse momento

de exílio, Rómulo Betancourt iniciou uma fase de reflexão e constantes leituras teóricas que

posteriormente passaram a dirigir a sua ação política. A partir das suas reflexões sobre a reali-

dade venezuelana, suas leituras e discussões, Betancourt esboçou os primeiros elementos que

comporiam parte importante do seu pensamento. A sua participação na “Geração de 28”, o

posterior exílio, de 1928 a 1935, fez com que Betancourt interagisse com diversas realidades

políticas durante o seu itinerário. Betancourt percorreu diversos países, como Costa Rica e

Colômbia, e chegou a participar efetivamente de organizações e partidos, como o Partido

Comunista da Costa Rica, o que o levou a construir preliminarmente uma concepção sobre o

comunismo, o comunismo latino-americano e sua relação com a Internacional Comunista.

Essa relação com o comunismo, a princípio, pela coincidência de alguns temas, foi de apro-

ximação, mas posteriormente a tendência foi a de um efetivo afastamento. Essa postura defi-

niu-se dessa forma pois Betancourt percebeu o distanciamento da teoria comunista em relação

à realidade latino-americana.

De suas leituras, Betancourt entendeu ainda que elementos do marxismo e do leninis-

mo eram fundamentais para compreender e modificar a realidade venezuelana. O leninismo,

enquanto teoria para a ação e composição da estrutura partidária, tornar-se-ia importante para

conduzir a sua ação política e poderia o auxiliar em um objetivo importante: o de organizar de

um partido político. Para Betancourt, o partido político seria o principal veículo para alcançar

o seu principal objetivo na Venezuela, o estabelecimento da democracia, além de favorecer a

manutenção do poder.

Nessa etapa da trajetória de Betancourt instalou-se em sua prática política o conjunto

de temas recorrentes no seu projeto nacional, especialmente, a necessidade de fundação de um

partido político, o nacionalismo (que compreendeu a questão da luta contra o imperialismo),

os problemas sociais no país, a questão do petróleo, a busca pela unificação dos países latino-

americanos, os conflitos teóricos e práticos com os comunistas, as suas aproximações com o

leninismo e com o marxismo, e, por fim, a sua idéia central: a consolidação da democracia na

Venezuela e na América Latina.

O segundo capítulo, “A fundação e as bases da Acción Democrática”, analisa o perío-

do de formação e fundação da AD, destacando a presença do seu líder, Rómulo Betancourt. O

período aberto em 1941 foi marcado pela sucessão presidencial, pela legalização do PDN

(Partido Democrático Nacional) e a fundação e legalização da AD, momento ímpar na trajetó-

ria política do país. Para Betancourt, a sucessão presidencial, com a vitória do general Medina

Angarita, significou também o retorno do exílio e um novo ordenamento político das oposi-

ções políticas. Em setembro de 1941, o PDN deu lugar à versão definitiva do partido político

idealizado por Rómulo Betancourt, a AD. Nesse momento, a AD instituiu-se como um partido

de caráter nacional no país, difundindo-se através de jornais e avançando pelo país através da

organização de sindicatos, grêmios e ligas camponesas.

Com a fundação da AD, Betancourt encontrou a possibilidade de efetuar o seu projeto

político nacional, anteriormente esboçado pelo PDN. Durante esse período, Betancourt e o seu

grupo político reuniram elementos para colocar em andamento o que mais tarde seria conhe-

cido como “Triênio Democrático”. Nesse processo de formação, fundação e consolidação da

AD, destacou-se a relação com o PCV (Partido Comunista Venezuelano), estabelecendo-se

um conflito ideológico entre esses partidos em razão das disparidades relacionadas à teoria e

prática política. A partir de 1945, dentre as propostas de Betancourt e da AD, podemos desta-

car a prioridade da formação de um projeto de modernização compatível com a realidade e as

necessidades do país. A realidade econômica era um dos pontos de partida, principalmente a

reforma agrária e a questão do petróleo. A AD defendeu um programa nacionalista, com tintas

latino-americanistas, e também uma proposta democrática para a Venezuela e para a América

Latina.

O terceiro capítulo “A Acción Democrática e o “Triénio Democrático”” discute o pro-

cesso de construção da AD e o Triénio. No ano de 1945, Rómulo Betancourt e a AD vislum-

bram a possibilidade de efetivar o seu projeto de modernização idealizado para a Venezuela e,

ao mesmo tempo, estabelecer as novas diretrizes políticas, sociais e econômicas anteriormente

idealizadas com o objetivo de democratizar o país, visando mudanças em todos os setores da

sociedade. Para concretizar essas mudanças, a AD e Betancourt não encontraram meios legais

ou constitucionais, visto que o país continuava sob o regime ditatorial. Com isso, a AD bus-

cou apoio em setores da população, pois esse partido já era reconhecido nacionalmente, e

também entre os militares e optou pela via insurrecional para colocar em andamento os seus

propósitos. Em 17 de outubro de 1945, a intitulada junta cívico-militar, a Junta Revolucioná-

ria, composta pela AD e membros da UPM (Unión Patriótica Militar), destitui o presidente, o

general Isaias Medina Angarita e institui o período conhecido como o “Triénio Democráti-

co”.

Esse período foi marcado por mudanças no campo político e social, compreendido

como um novo momento político no país, com o fim de um longo período ditatorial. Além

disso, pode ser compreendido como a primeira e breve etapa de uma mobilização política vi-

sando implementar efetivamente o regime democrático no país.

Na historiografia que analisa o “Triénio Democrático” e os motivos da sua interrup-

ção, diversos autores apontam a crise que culmina no golpe de 1948 tendo como fator central,

a política populista implementada por Betancourt e pela AD, um partido que segundo essa

interpretação, tem na sua origem a matriz populista. A partir disso, as características populis-

tas trariam a derrocada do partido e da sua política com o golpe militar.

Um novo golpe militar em 1948 voltou a instaurar o regime ditatorial na Venezuela

por mais 10 anos. Esse golpe foi mobilizado por setores da sociedade insatisfeitos com a ges-

tão da AD, como os militares que se aliaram em meio a um ambiente político instável, em

virtude de um crise de consensos entre as forças políticas e setores da sociedade.

O último capítulo intitulado “Democracia e reformas na Venezuela de Rómulo Betan-

court”, analisa o período da última ditadura que se iniciou em 1948 e terminaria em 1958,

com o estabelecimento da chamada democracia do Pacto de Punto Fijo. A partir de 1948,

Rómulo Betancourt seguiu novamente para o exílio, iniciado em 23 de janeiro de 1949, e a

partir daí, reuniu novamente membros da AD e das demais forças políticas, buscando estraté-

gias para reorganizar o partido e retomar as atividades iniciadas a partir de 1945, continuando

o processo de democratização na Venezuela e recolocando em andamento o seu projeto na-

cional. A organização da AD, único partido considerado ilegal no país, manteve o seu foco de

resistência, organizado pelo CEN (Comitê Executivo Nacional), dirigido pelos exilados, for-

mando novas células do partido no exterior.

Durante o exílio, Betancourt adotou uma postura mais moderada, abandonando a radi-

calidade do seu discurso e da sua ação em relação às mudanças na Venezuela. A essa altura,

para Betancourt, um processo intitulado revolucionário não seria mais coerente com o atual

momento do país. Ele não abandonou os seus objetivos principais, a consolidação da demo-

cracia, o seu projeto nacional e a consolidação da hegemonia da AD. Apenas modificou as

estratégias para alcançá-los.

Dentre essas novas estratégias, a política de consensos e os acordos estabelecidos entre

os diversos setores da sociedade que anteriormente se opuseram à Betancourt, como a Igreja

Católica, militares e certos setores industriais mostraram-se fundamentais para a nova política

de alianças celebrada pelo Pacto de Punto Fijo, em janeiro de 1958, que congregou os interes-

ses dos diversos setores da sociedade, favorecendo a manutenção da hegemonia da AD no

país após 1958.

CAPÍTULO 1

RÓMULO BETANCOURT: DA “GERAÇÃO DE 28” À ACCIÓN DEMOCRÁTICA

1.1 Rómulo Betancourt e a “Geração de 28”

Na década de 1920, um grupo de estudantes da Universidade Central da Venezuela

(UCV) emerge no cenário político do país em razão da contestação que passam a fazer em

relação ao regime ditatorial do general Juan Vicente Gómez. Entre esses jovens estava Rómu-

lo Betancourt. Mais tarde, ele se destacaria no cenário político venezuelano por tornar-se um

dirigente histórico de um dos principais partidos políticos do país, a Acción Democrática

(AD). Rómulo Betancourt irá se configurar também em um dos expoentes do pensamento

político venezuelano, tornando-se uma das principais lideranças políticas do país no século

XX.

A postura adotada por esse grupo de jovens durante a década de 1920 deu início a um

longo período de contestação política na Venezuela. Eles propuseram o rompimento de uma

estrutura política que sobrevivia desde o início do século XX1. Esse grupo se definiu como

uma geração2, a chamada “Geração de 28”.

Em um de seus escritos, Rómulo Betancourt descreve o ambiente de inquietação e

movimentação política na Venezuela daquele período:

Mesmo com uma espécie de muralha chinesa ao nosso redor, pelos seus in-terstícios chegavam aqui os ventos que sacudiam o mundo, reflexos do epi-sódio histórico que foi a Revolução Russa de 1917 e das mudanças sociais que aconteceram no ocidente europeu com o final da Primeira Guerra Mun-dial. As notícias sobre a Revolução mexicana, em sua etapa de maior alcan-ce americano, tudo isso chegava como um estímulo poderoso. E nossos o-lhos juvenis brilhavam ao ler em algumas revistas as notícias das lutas uni-versitárias de Córdoba, das manifestações nas ruas de Lima, do início da ba-talha que livraria Cuba do “Machadato”. Em razão dessa inquietude insur-gente que comovia os jovens americanos, resolvemos organizar a Semana do Estudante (BETANCOURT, 1956, p.67, grifo do autor).

A obra de Ortega y Gasset, intitulada “El tema de nuestro tiempo”, uma das bases inte-

lectuais da “Geração de 28” e de Rómulo Betancourt, influenciou-os, principalmente nas no-

ções de geração e de intelectual. A partir daquele momento elas passaram a freqüentar o pen-

samento de Rómulo Betancourt, especialmente no que se refere à visão do intelectual como o

dirigente da grande massa. Para Betancourt, naquele momento, a revolução era o único meio

1 O país atravessava um longo período ditatorial sob o governo do general Juan Vicente Gómez desde fevereiro

de 1908. O final dessa fase ditatorial ocorre apenas em 1945. 2 Essa denominação foi dada pelos próprios componentes da geração, que partiram do conceito de geração elabo-

rado pelo filósofo espanhol Ortega y Gasset.

possível para que a Venezuela pudesse romper com a ditadura gomecista, conforme o que ele

escreve em carta a 24 de agosto de 1928:

“Revolução” deve ser a consigna para salvar a nossa pobre pátria; a “reação” é apenas um acidente em um processo histórico dos povos, acidente de fina-lidade imediata, diga-se fatal, sem influenciar em nada os modos de ser e de viver coletivos. “Reacionário foi Gómez quando tirou Castro do poder [...] a Venezuela jovem e pensante, a que vai às aulas, está honradamente pronta para “fazer” a pátria não com discursos arrebatadores, sim com um trabalho firme, construtivo, fundamentalmente revolucionário (BETANCOURT, 1990, p. 52, grifo do autor).

A “Geração de 28” difundiu novos valores políticos e sociais, especialmente entre a

juventude, iniciando um processo de reflexão com vistas à elaboração de uma nova ideologia

para o desenvolvimento econômico e político do país. Eles criaram uma imagem de nação que

foi capaz de estimular a construção de uma consciência nacional. Para além dos seus objetivos

mais imediatos, a importância dessa geração ultrapassou os objetivos dos seus criadores, pois

nesse grupo se formaram os principais atores políticos responsáveis pela gestação e consoli-

dação da democracia no país. Um dos seus principais objetivos estava em despersonalizar a

ação do grupo. Naquele momento, essa atitude significava despersonalizar o poder, simboli-

zando o enfraquecimento da centralidade de Gómez. Dessa forma, a palavra geração, no con-

texto da “Geração de 28”, foi uma parte de um momento histórico e não historiográfico, sendo

uma criação dos seus componentes e não uma qualificação conceitual posterior (ACEDO DE

SUCRE; NONES MENDOZA, 1987).

O surgimento da “Geração de 28” pode ser compreendido também como parte dos

processos históricos que marcaram a transformação da Venezuela numa sociedade moderna.

Como se sabe, ao tornar as relações sociais mais complexas e modificar ou destruir formas

tradicionais de organização social, a modernidade traz à tona novas formas de organização

social, expressando esse processo em todas as esferas da vida. No caso venezuelano, os valo-

res e conceitos tradicionais coexistiram com os novos valores e conceitos difundidos pelo

processo de modernização. Essa entrada na modernidade propiciou a elaboração de novos

atores políticos e a posterior reconfiguração da vida política do país, com a criação dos parti-

dos políticos que posteriormente se tornaram o eixo central da democracia venezuelana.

Essa esfera de mudanças foi captada por Betancourt quando este afirmou, em dezem-

bro de 1928, que a sociedade venezuelana estava mudando graças a um componente social

indispensável ao processo revolucionário, proposto pelos jovens da “Geração de 28”:

Enquanto o protesto nacional esteve paralisado nas elites, escassas numeri-camente e sem respaldo das massas, o cárcere, o assassinato, e o desterro dos que concordavam com a ordem de coisas dominantes foi eficaz. Agora,

quando o protesto é popular, quando alinha em uma frente única de luta to-das as reservas combativas da república, o cárcere e o arsênico produzem resultados negativos. Gómez e seus incondicionais apenas conseguem inten-sificar nas massas o espírito de luta e afirmar na sua consciência o dever de responder decididamente aos gestos e sacrifícios de seus melhores homens, a sua vanguarda lutadora (BETANCOURT, 1990, p. 118)

Esse processo de mudanças que o país conheceu durante esse período trouxe à tona ese

novo grupo social que a partir desse momento passou a ser considerado como essencial: as mas-

sas. A partir desse processo de contestação, as massas passaram a atuar de forma mais ativa, diri-

gidas pelos grupos políticos contestatórios, ao mobilizar-se contra o regime de Gomez.

A “Geração de 28”, seus antecedentes e os acontecimentos políticos posteriores a ela

mostraram os limites da ditadura do general Juan Vicente Gómez, vigente desde 1908. Os

primeiros movimentos estudantis contra a ditadura iniciam-se em 1912, quando os jovens

elaboram um documento contra o governo. Em 1928, foi fundada a Federação dos Estudantes

da Venezuela3 (FEV), presidida por Jóvito Villalba4. A partir dela surgiria a “Geração de 28”

e a idéia da Semana do Estudante5, realizada em 1928. Esse evento contou com agitações pú-

blicas, principalmente com os discursos de Jóvito Villalba e de Rómulo Betancourt sobre a

situação política do país, as restrições às liberdades individuais e sobre o imperialismo.

Nos primeiros tempos, esse movimento era disperso e sem um plano de ação e um

programa político definido, ele era composto por estudantes que buscavam, a partir de leituras

e discussões, compreender o seu país e construir alternativas para romper com o gomecismo.

Betancourt, em uma carta aos seus companheiros em fevereiro de 1930, explica como esse

grupo político esteve temporariamente organizado:

Atuamos esporadicamente, sem o esforço contínuo que reclama a empresa que dedicamos nossas vidas; e quando o fazemos, é anarquicamente, sem disciplina nem controle. Desejo que minhas sugestões, concretizem o que em conversas privadas, estabelecemos mais de uma vez com alguns dos exilados da FEV, ao ampliar e modificar, segundo o critério dos grupos que nos deram uma norma de ação harmônica, para poder apresentar aos inimigos de dentro e de fora ape-nas uma frente de luta (BETANCOURT, 1990, p. 128)

3 A Federação dos Estudantes da Venezuela (FEV) foi fundada em 1928, por estudantes da Universidad Central

de Venezuela (UCV). A FEV foi um órgão responsável pela coordenação de todos os centros de representação estudantil. Ela era presidida por Jovito Villalba e Raúl Leoni (segundo presidente).

4 Os estudantes Jóvito Villalba, Rómulo Betancourt, Pio Tamayo e Prince Lara fizeram parte da “Geração de 28” e no exílio iniciaram o processo de formação dos grupos políticos na Venezuela. Muitos desses grupos poste-riormente se converteram nos principais partidos no país como a Acción Democrática (AD), a Unión Republi-cana Democrática (URD) e o Parido Comunista Venezuelano (PCV).

5 A Semana del Estudiante foi celebrada de 06 a 12 de fevereiro. O seu objetivo era o de arrecadar fundos para a realização e fundação da FEV.

O governo de Gómez deteve as principais lideranças dos estudantes, no entanto, os

demais estudantes e a população reagiram às prisões com pequenas manifestações em Caracas

e em outras cidades do país. Essa indignação social ocorreu porque as jornadas de fevereiro e

abril de 1928, em meio a uma tentativa de golpe militar, geraram uma inquietação por parte

da população. Após a tentativa de golpe militar, conhecido como Sublevación del Cuartel

Miraflores ou “El Cuartelazo”6, a repressão do governo intensificou-se. A conspiração, com

vários estudantes envolvidos pretendia apoderar-se do quartel de Miraflores, mas fracassou.

Seus participantes foram perseguidos e presos, entre eles Jóvito Villalba e Rómulo Betan-

court, que em junho de 1928 foi preso e embarcou para Táchira, na ilha de Curaçao, onde

permaneceu desterrado até janeiro de 1929.

Em Curaçao e posteriormente na Costa Rica, Rómulo Betancourt abandonou a sua tendên-

cia literária e empenhou-se em formular reflexões acerca de problemas sociais, políticos e econômi-

cos. Nesse momento, ele inicia suas leituras sobre a indústria petroleira venezuelana e mundial, a-

proveitando inclusive a sua proximidade das refinarias de petróleo de Curaçao e Aruba. Um dos

principais problemas vistos por ele foi a questão da mão-de-obra a baixos custos.

A situação venezuelana passa a ser um dos elementos fundamentais nas reflexões de

Betancourt. Para ele e para os seus companheiros de grupos, a Venezuela, diferente do que

muitos afirmavam sobre a população do país, estava pronta para a luta armada, com condi-

ções de reivindicar a sua autonomia política, e escreve:

Afirma o companheiro Pardo que a Venezuela está morta para a ação, que vê com indiferença os esforços feitos para libertá-la, que não responderá a ne-nhum outro movimento armado que intente contra a Ditadura. Como escrevi a esse companheiro, seu erro evidente ao chegar a essas conclusões, deriva-se da posição falsa em que se situou para enfocar a situação do país. Exten-deu a toda Venezuela a apatia covarde e satisfeita dos “Boultons e compani-a”, esquecendo-se de como as ruas de Caracas, nas montanhas de Portugue-sa, em Curazao, em Coro, em Cunamá, em Santa Ana del Pilar, o povo ve-nezuelano, a massa anônima bateu com valentia, contra os exércitos de Gó-mez. E são com esses homens, os “alpargatudos” e com os “pataensuelo” é com eles que vamos fazer a guerra [...]. Sintetizando: o que em um país se chama democracia: as massa populares, resolvendo subverter o regime dita-torial, seja lá de que forma e custe o que custar (BETANCOURT, 1990, p. 128, 129, grifo do autor).

Ao identificar as massas populares como um dos principais veículos da mudança no

país, Betancourt na mesma carta, ainda afirma que outros grupos podem se agregar ao movi-

6 A Sublevación del Cuartel Miraflores ou “El Cuartelazo” aconteceu na madrugada do dia 07 de abril de 1928.

Nessa ocasião, um grupo de estudantes, entre eles Rómulo Betancourt e vários oficiais tentaram destituir o presidente. Eles tomaram o Palácio Miraflores sem sucesso, pois o presidente estava em Maracay. No evento, o general Eleazar Lopez Contreas derrota o grupo, resultando no exílio dos estudantes envolvidos.

mento político emancipador, como os jovens e as mulheres, destacando enfaticamente o papel

decisivo desses grupos na revolução contra Gómez:

A oposição no país é quase nula. O povo, verdadeiramente revolucionário, disposto a toda hora matar pela revolução, não sabe falar a não ser pela boca de um fuzil. Esperar dele atitudes cívicas, gestos de cidadão é inútil. No momento de usar um rifle, pegará sem vacilar. Enquanto isso estará indife-rente, sem compreender o seu alcance, verá passar ao seu lado atitudes de renúncia. É a massa silenciosa, sofrida, valente. É a reserva e a esperança da revolução. A única que responderá ao chamado da juventude, força militante e empreendedora. Ao lado da juventude, alentando-a, com o seu fervor e com o seu entusiasmo, está a mulher, o melhor e o mais puro de uma pátria minguada. A juventude e a mulher: estão ai, são as duas únicas forças impul-soras da renovação política e social do país. Sintetizando: Duas forças mili-tantes e uma passiva formam a frente oposicionista dentro do país. Os jovens e a mulher são força impulsoras; as massas, força neutra, mas decisiva quan-do um estímulo poderoso – o da ação armada – age com estímulo sobre a sua dinâmica. Nelas a revolução encontra a sua potência, esperando quem a co-loque em andamento (BETANCOURT, 1990, p. 129).

A partir desses escritos, Betancourt teorizou como um processo revolucionário deve

ser colocado em andamento, a forma assumida por ele e os atores políticos envolvidos, além

de começar a definir a sua concepção de grupo de vanguarda e o princípio da discordância

com os comunistas, ao afirmar que não será apenas a classe operária a responsável pela revo-

lução. Como vimos acima, em seu entendimento, seriam as classes, composta pelas massas

populares, as mulheres e os jovens. Nesse momento, Betancourt inicia, a partir de suas leitu-

ras teóricas preliminares e da análise das condições históricas do país, uma adaptação da teo-

ria marxista à realidade venezuelana.

Em outubro de 1929 e início de 1930, Betancourt viaja para Costa Rica onde começa a

escrever ensaios relacionados aos problemas venezuelanos, focando-se especialmente nas

denúncias da ditadura de Gómez. Ele trata também de assuntos latino-americanos e mundiais

ligados ao imperialismo, ao nacionalismo, à economia política, ao petróleo e à questão agrá-

ria. Para Betancourt em relação à produção e exportação de petróleo

[...] era necessário conhecer bem o nosso maior inimigo, o “yanqui petrole-ro” [estado-unidense]. Precisamos estar cientes de que a Venezuela está jo-gando no campo da produção mundial de petróleo. Por isso, seria imprescin-dível dedicar uma atenção especial à esse aspecto da luta [contra o imperia-lismo] (BETANCOURT, apud AGUSTIN CATALÁ, 2005, p. 114, grifo do autor).

Para Rómulo Betancourt, o nacionalismo antimperialista era uma atitude, além de se

constituir em ações que os estados “progressistas” e os povos explorados deveriam colocar em

prática. Para Maria Teresa Romero (2005), o nacionalismo era a resposta que Betancourt ofe-

recia ao problema do imperialismo. Para ele, cada país devia tomar decisões unilaterais contra

o imperialismo, nacionalizando terras e indústrias, mantendo uma posição política autônoma.

Para isso, seria importante, nas suas palavras,

[...] criar uma economia nossa, vitalizando a produção agrícola e pecuária, mediante uma reforma agrária, com crédito e garantias de mercado e a dire-ção técnica do Estado proporcionando: impulso a industrialização do país; rompimento das relações que nos unem e nos subordinam, como nação e como Estado, às finanças internacionais; e resgatar da miséria, da exploração e do abandono as classes trabalhadoras do país (BETANCOURT apud A-GUSTIN CATALÁ, 2005, p. 170 ).

Além das questões ligadas ao petróleo, uma das grandes preocupações analíticas de

Betancourt também começa a se esboçar. No exílio, a partir de 1928, ele inicia leituras sobre o

pensamento marxista, anarquista e comunista, buscando uma formação intelectual ligada a

essas tendências, ao viajar para Barranquilla, Santo Domingo, Panamá e Trinidad Tobago. As

principais bases do seu pensamento político evidenciam-se nesse momento, assumindo uma

tendência marxista nas suas análises e deixando evidente a sua insatisfação em relação à pos-

tura adotada pelos partidos comunistas. Ao comunicar-se com Haya de La Torre em fevereiro

de 1930, Betancourt define como seria a prática política do seu grupo:

Evitaremos os manifestos no estilo antigo, cheios de invocações a “sagrada democracia”, e os de novo cunho, explorado pela verborréia pseudo-socialista dos esquerdistas radicais tropicais, onde a massa é oferecida como um prato de fácil digestão temperado por tipinhos que se agrupam em “célu-las”, a ditadura proletária. Palavras de ordem, cinco, seis, definindo posições de luta frente ao imperialismo, ao latifúndio, a exploração do homem pelo homem. Com essas palavras de ordem levantaremos nossas bandeiras por todo o país. Faremos a revolução, a revolução pequeno-burguesa, diriam os ortodoxos de laboratório, os alquimistas de biblioteca, os intelectuais puros [...] a única revolução possível em um grupo social como o nosso, onde ja-mais fizeram uma agitação socialista, onde quase não existe industrialização, nem maquinaria, onde os trabalhadores nem se agruparam em sindicatos pro-fissionais de auxílio mútuo, onde os camponeses não estão integrados por índios fáceis de conduzir, apenas pela mestiçagem, individualista, desconfi-ada, fanfarrona, que não se rende a outra força que não seja a do caudilho a cavalo. Essas revelações devem estar sendo estranhas a você. Talvez ouviu muitas vezes Machado, Carlos Leon, De La Plaza afirmarem nos motins do PC do México que o PRV na Venezuela está respaldado por sindicatos revo-lucionários que eles dirigem desde a capital asteca – por ondas, será – uma revolução classista no país. Mentem descaradamente com uma falta de res-ponsabilidade e de honra revolucionária, o que não deixa de ser surpreenden-te pelo fato de ser adotada essa atitude com tática de luta por todos os servos da II Internacional na América Latina (BETANCOURT, 1990, p. 134, grifo do autor).

E Betancourt prossegue a sua crítica à postura adotada pelo partido de formação co-

munista, o PRV (Partido Revolucionário Venezuelano), o único partido oposicionista no país

naquele momento, enfatizando o seu posicionamento e a incoerência do PRV frente a reali-

dade venezuelana:

Sendo “revolucionários”, ou simulando serem, caem no providencialismo. Concebem a existência desse pretendido conceito de luta de classes como se caísse do céu, como um dom milagroso. Não nego o problema social na Ve-nezuela. Reconheço-o tanto que formo a frente revolucionária e levo a proje-ção do meu trabalho para além da destruição do regime ditatorial e do esta-belecimento da democracia demoliberal. Mas tenho suficiente honra para não subestimar forças que apenas se esboçam, com o objetivo, como fazem os camaradas do PRV e como fazem todos os companheiros de vagabunda-gens “celulares” semelhantes, de vestir-me com a glória vaidosa de ser o Lê-nin em pequena escala de una revolução comunista no trópico (BETAN-COURT, 1990, p. 135, grifo do autor).

A partir de 1928, o exílio seria então o ambiente de formação dos primeiros grupos po-

líticos que iriam formar alguns dos principais partidos, dentre eles o Partido Comunista Vene-

zuelano (PCV) e a Agrupación Revolucionaria de Izquierda (ARDI), ambos fundados em

1931.

Como vimos, em outubro de 1928, a Federação de Estudantes de Venezuela (FEV)

pronunciou-se contra Gómez através de uma carta, levando à prisão de seus mentores, o que

fez com que estes entrassem em contato com outros presos políticos. A partir desse momento,

muitos desses estudantes definiram suas posturas políticas e ideológicas. Nessa fase, vários

grupos literários e círculos de estudos se formaram, inspirados nas ações, na inquietude e nos

questionamentos desencadeados pelos eventos anteriores do mesmo ano.

Parte do grupo de estudantes, presos em 1928, estiveram durante quatorze meses, de

outubro de 1928 a novembro de 1929, no cativeiro de Castillo Libertador e conviveram com

Pío Tamayo e Arévalo Gonzáles, que formam um grupo de esquerda, de orientação comunis-

ta, agrupados na chamada “tienda roja”7. A importância do doutrinamento de Pío Tamayo se

destaca, pois a partir da “tienda roja” formaram-se os primeiros comunistas na Venezuela

(ACEDO DE SUCRE; NONES MENDOZA, 1987).

A outra parte dos exilados permaneceu nas regiões do Caribe e em parte da América

do Sul. Eles fundaram a já mencionada Agrupación Revolucionaria de Izquierda (ARDI), em

1931, e participaram do Grupo de Estudios Marxistas, organizado em Barranquilla, na Co-

lômbia. A ARDI foi a primeira célula do futuro Partido Democrático Nacional (PDN). A

ARDI centrou seus estudos em leituras do marxismo e não teve pretensões de se tornar um

partido político, preferindo ser um grupo revolucionário cujo objetivo foi o de fazer estudos

7 A “Tienda roja” era um grupo composto por leitores de obras consideradas marxistas. Os componentes da “ti-

enda roja” difundiam as idéias comunistas entre os jovens que chegavam. Muitos dos componentes da “tienda roja” formaram o Partido Comunista Venezuelano (ACEDO DE SUCRE; NONES MENDOZA, 1987).

permanentes sobre a realidade do país. Em janeiro de 1932, Betancourt escreve para os seus

companheiros sobre a ARDI:

Nosso grupo hoje será de trabalho, de organização, de estudo e também de combate. Amanhã, dentro da Venezuela, reunidos com os rapazes de Castil-lo, com os ultra-radicais, enfim, buscaremos acordos com todos que profes-sem as distintas matrizes da esquerda. [...] A ARDI é provisória. Nos servirá para nos organizarmos por poucos meses que ficaremos imigrados. No nosso país, acordados concretamente sobre o próprio campo dos acontecimentos, fundaremos uma organização com finalidades claramente definidas [...] De-saparecidas as condições em que estamos atualmente (sem outro contato a-lém das correspondências, com desacordos de matrizes entre uns e outros, etc), poderemos fundar o nosso partido, como a expressão orgânica de um pensamento comum a todos, firme e sólido. Penso que para o nosso trabalho, deve-se concretizar atividades como: intensificarmos o núcleo marxista defi-nido pelo grupo, o estudo da nossa realidade para que no momento do re-gresso estejamos aptos para responder com soluções concretas os problemas que nos sejam apresentados (BETANCOURT, 1990, p. 336-367, grifo do autor).

O primeiro documento elaborado pela ARDI foi o Plan de Barranquilla, assinado em

12 de março de 1931 e publicado no mesmo ano em Barranquilla, na Colômbia. O texto con-

tém duas partes: a primeira é uma análise histórica e a segunda é a apresentação de um pro-

grama de governo. Na primeira parte, a linguagem é próxima à marxista, com referências crí-

ticas aos comunistas8 e com o uso de termos e expressões que se referem diretamente à dialé-

tica materialista9. Para Germán Carrera Damas (1994), o propósito do Plan de Barranquilla

não estava apenas em formular um programa de ação revolucionária. O seu objetivo estava

também na definição de uma prática política que pudesse ser compartilhada por todos os

componentes da ARDI, como uma forma de definir quem concordava com as propostas desse

Plano.

Os autores do Plan de Barranquilla buscaram uma interpretação marxista e revolucio-

nária da realidade social, política e econômica da Venezuela. Em 29 de julho de 1931, Betan-

court esclarece em carta que a posição ideológica do grupo está condensada no Plan de Bar-

ranquilla e afirma:

Eu redigi o Plan de Barranquilla, refletindo o pensamento da esquerda mo-derada da emigração, chamando-se marxista e acreditando honradamente que está sendo leal à ideologia marxista, e que não acredita na possibilidade de substituir Gómez por um governo operário-camponês. Acreditamos que será necessário um governo de transição, nitidamente burguês, que aprovei-taremos para doutrinar e organizar as nossas classes produtoras para levá-las

8 No Plan de Barranquilla, Rómulo Betancourt e os demais companheiros do grupo esboçam as primeiras críti-

cas à ação política comunista. Eles referem-se ao tipo de ação revolucionária comunista, considerada imedia-tista, não conseguindo resolver a longo prazo os problemas venezuelanos.

9 O caráter revolucionário e comunista que foi atribuído ao Plan de Barranquilla justifica-se em muitos casos pela linguagem utilizada, repleta de termos marxistas (ACEDO DE SUCRE; NONES MENDOZA,1987).

ao triunfo e não a mil fracassos que até agora os esquerdistas radicais intran-sigentes com suas táticas intransigentes vem condenando as massas da Amé-rica Latina (BETANCOURT, 1990, p. 299).

O objetivo do documento foi o de fazer uma análise histórica a partir de conceitos

marxista com uma finalidade política. Cinco dos componentes do grupo de Barranquilla se

tornariam, mais tarde, membros da AD entre eles Rómulo Betancourt, Raúl Leoni, Valmore

Rodriguez, Ricardo Montilla y César Camejo10. No Plan de Barranquilla afirma-se:

Nós, com os critérios mais realistas e positivos, nutridos de doutrina e de his-tória, acreditamos que a elevação do nível político e social das massas não pode ser alcançado apenas sobre as bases da independência econômica. Por isso, articulamos nossa plataforma com postulados de ação social e antimpe-rialista, transcendendo conscientemente e com coragem as aspirações adia-das por aqueles que acreditavam que bastava moralizar a administração e re-formar quatro ou cinco artigos da Constituição para que a Venezuela come-çasse a realizar o seu destino de nação (BETANCOURT, 1997, p. 170).

Esse documento teve um caráter analítico e programático, com uma orientação antim-

perialista, anti-latifundiária e nacional-revolucionária. Ele evidenciou e denunciou aspectos da

realidade venezuelana como a aliança com o capital estrangeiro e a “casta” latifundiária, a-

pontada como a base de sustentação do “gomecismo”. O documento também afirma a neces-

sidade da luta em nome da transformação do país (MAZA ZAVALA, 1984).

A partir do Plan de Barranquilla, Rómulo Betancourt começou a tratar de problemas

relacionados à exportação de petróleo, a maior riqueza do país. Por outro lado, é a partir desse

momento que Rómulo Betancourt passa a evidenciar mais claramente a sua relação conflituo-

sa com os comunistas. Nesse texto, podemos identificar os primeiros elementos que formaram

os alicerces para consolidação da sua principal obra política: a fundação da AD, enfatizando a

função e a importância do partido político nos processos de mudanças no país: “Os que escre-

vem este plano comprometem-se a lutar pelas reivindicações sustentadas nele e a ingressar

como militantes ativos no partido político que se organizará dentro do país nas suas bases

(BETANCOURT, 1990, p. 242)”.

E, no seu ensaio “Con quién y contra quién estamos”, publicado em 1932, Betancourt

começa a precisar a forma e o pensamento que regeria o partido político:

Estamos ardorosamente convencidos da urgência em disciplinar forças hoje anarquizadas, dentro do molde rigoroso da ideologia e da tática do partido, e de acordo com essa convicção, nosso grupo já está unido por algo mais completo e obrigatório – a disciplina de partido – que aqueles vínculos vagos

10 O grupo que redigiu e assinou o Plan de Barranquilla era composto também por outros membros entre os

quais figuraram Pedro A . Juliac, Simon Betancourt, Carlos Peña Uslar, P. J. Rodrigues Berroeta, Mario Plaza Ponte, Rafael Angel Castillo e Juan J. Palácios.

– “solidariedade de geração”, “amizade pessoal”, etc. – que até ontem, não mais, nos amalgamava confusamente. Já construímos até aqui e para o ama-nhã, o núcleo inicial de um partido político revolucionário, consciente do que quer e seguro do que pode fazer, e de confessa e militante filiação socia-lista (BETANCOURT, 1990, p.394, grifo do autor).

Para Manuel Caballero (2004), o Plan de Barranquilla não foi apenas um programa

político. Ele também foi considerado o primeiro ensaio venezuelano de historiografia marxis-

ta. Os redatores do documento fizeram uma análise da história venezuelana a partir de concei-

tos marxistas, assumindo também uma ação de caráter revolucionário. A análise histórica será

o meio que impulsionará à ação. O grupo afirma que teses mecanicistas não solucionariam

questões mais complexas a longo prazo. O grupo de Barranquilla afirma que

A nossa revolução deve ser social e não meramente política. Liquidar Gó-mez e com ele o “gomecismo” significa liquidar o regime latifundiário cau-dilhista, exige a necessidade de destruir uma certa ordem de coisas, nos seus fundamentos econômicos e sociais, que está profundamente enraizada em uma sociedade onde a questão da injustiça permanece. Devem ser as nossas conquistas primordiais: a proteção efetiva para o proletariado urbano, melho-rando e elevando o seu padrão de vida; um pedaço de terra, sem capatazes e sem patrão para o camponês despossuído pela ganância do fazendeiro; edu-cação popular intensiva, primária e técnica para ambos estratos sociais; luta aberta contra os vícios que consomem a trama moral e física dos nossos ho-mens, essas são conquistas imediatas, sem as quais a nossa próxima revolu-ção será uma das “clássicas danças de espadas” venezuelana, sem transcen-dentais repercussões no organismo social. A nossa vitória significa o deslo-camento do poder de todo homem ou partido de raízes militaristas ou lati-fundiárias, pois eles, depois de cem anos de fracasso dos ideais democráti-cos, latifundiários são inimigos históricos da cultura e dos benefícios das massas (BETANCOURT, 1997, p, 67).

O Plan de Barranquilla retoma uma idéia central da “Geração de 28”, com a desper-

sonalização do poder, visando romper com o “gomecismo” no país. Critica o conjunto de prá-

ticas políticas antidemocráticas que caracterizou o período do “gomecismo”. A visão ideal de

democracia compartilhada pelo grupo aspirava a uma gestão revolucionária em um contexto

de participação efetiva de todos os grupos ou classes sociais. O Plan de Barranquilla foi, en-

fim, um documento elaborado com o objetivo de compreender a sociedade venezuelana, com-

pondo um modelo explicativo particular, com elementos que viabilizariam a ação política:

A análise profunda da sociedade venezuelana, a confrontação de seus pro-blemas em relação à problemas semelhantes de outros povos da América La-tina, a aplicação dos métodos da ciência social contemporânea ao estudo da sua evolução histórica, o esforço para ir além das explicações superficiais dos fenômenos para buscar suas causas definitivas nos convencem de que o despotismo foi, na Venezuela, como no resto do continente, a expressão de uma estrutura social e econômica de características diferenciadas (BETAN-COURT , 1997, p. 63).

Ao utilizar conceitos marxistas, o Plan de Barranquilla aborda teoria e ação política

através da análise histórica. Na primeira parte, o documento afirma que

[...] as massas venezuelanas estão “definitivamente convencidas da necessi-dade de armar-se” cumprindo a mais fundamental de todas as condições ob-jetivas para colocar “na ordem do dia” a insurreição através da rigorosa dia-lética materialista”. Diante do desenrolar dos acontecimentos que levarão fa-talmente à revolução, qual é a atitude dos setores da oposição de vanguarda dentro e fora do país? De expectativa ou de esforço e trabalho centrado ex-clusivamente em uma finalidade imediata: a derrota do gomecismo. Se a primeira atitude é indigna e vergonhosa, a segunda mesmo justa, até certa medida, é condenável, vista a sua ação unilateral. Simultânea à tarefa con-creta de mobilizar elementos para a luta armada, deve-se desenvolver viva-mente outra análise dos fatores sociais, políticos e econômicos que permitam um prolongamento da ordem das coisas que se pretende destruir (BETAN-COURT, 1997, p. 62)

Nessa passagem, o Plan de Barranquilla refere-se à ação dos comunistas, criticando o

fato de eles se considerarem um partido que se intitula a vanguarda do proletariado e, baseado

nesse convencimento, praticarem ações políticas de caráter unilateral. Mesmo assim, no início

da década de 1930, Betancourt propôs uma organização conjunta com os comunistas. Ele pro-

pôs uma política ampla, no momento em que os comunistas propunham uma política sectária

baseada no confronto classe contra classe. Esse fator contribuiu para a criação de um outro

grupo com fundamentos políticos diferentes dos comunistas, que emerge como uma alternati-

va no interior das esquerdas, consolidado sob a forma de um partido político, o Partido De-

mocrático Nacional (PDN).

A partir de 1931, as primeiras divergências ideológicas começaram a evidenciar-se. As

tendências políticas passaram a estar mais definidas a partir dessa fase e havia – muito em

função da ação dos estudantes – um claro repúdio à ditadura “gomecista” e a toda e qualquer

solução baseada em personalismos ou militarismos. Essa situação conturbada amenizou-se

apenas em 1936 em função de que, a 17 de dezembro de 1935, falece o ditador Juan Vicente

Gómez, alterando o cenário político do país.

Gómez morreu em dezembro de 1935, deixando um país convulsionado, sem dívidas e com as arcas cheias de dinheiro. Um povo enfermo e miserá-vel. Uma institucionalidade primitiva e um país submetido ao capital estran-geiro. Os venezuelanos saíram às ruas tentando destruir os símbolos de Go-méz e do gomencismo. Mas, ainda que tenham sido saqueados edifícios e queimado os símbolos de vinte e sete anos de ditadura, o gomencismo se perpetuou nos seus herdeiros (ARUJ, 2003, p. 240).

Entre os anos de 1933 e 1935, a morte de Juan Vicente Gómez era iminente e Betan-

court adota uma posição mais definida e categórica em relação ao projeto de transformação

venezuelana pós-gomecista. Partindo de uma análise mais estrutural dos problemas venezue-

lanos, coloca-se um projeto revolucionário, marxista e antimperialista, tendendo a libertar a

sociedade venezuelana dos seus exploradores internos e externos, convertendo-a em uma so-

ciedade do tipo socialista. Trata-se de um projeto fundamentado, em quanto programa míni-

mo, nas proposições da ARDI, estabelecidas no Plan de Barranquilla, em relação ao seu pro-

grama máximo, nas idéias do Partido Comunista da Venezuela (ROMERO; TINOCO; RO-

MERO, 1990, p. 31). Em agosto de 1935, Betancourt resume seu pensamento:

Discutindo o programa mínimo de reivindicações imediatas a todo momento, aproveitando qualquer oportunidade, estabelecendo clara e concretamente seu programa integral, por um governo do tipo proletário, é o único que po-de assegurar pão e possibilidades de um desenvolvimento integral às massas despossuídas e exploradas (BETANCOURT, 1990, p. 32).

Nesse contexto, assume o cargo interinamente o general Eleazar Lopes Contreas e nele

permanece até 19 de abril de 1936. No mesmo ano, um grupo de estudantes ligados ao PCV e

a ARDI, que estavam exilados, regressaram ao seu país. Os estudantes ligados a ARDI retor-

naram com objetivos claros de instaurar um regime com liberdades civis, baseado na convi-

vência democrática e resolver os problemas econômicos que assolavam o país.

A proposta de López Contreas buscava uma transição a partir de uma “abertura lenta e

gradual”11 , evitando dar uma sobrevida ou mesmo continuidade ao governo de Goméz. Na

verdade, dar continuidade ao governo anterior não era mais possível, vistas as mudanças his-

tóricas processadas no país nos últimos anos. Na década de 1930, as alterações no quadro so-

cial e político tornavam-se evidentes com a formação da ARDI e do PCV em 1931. Os traba-

lhadores já começavam e se organizar e fazer reivindicações e a população não aceitava pas-

sivamente as ordens do governo.

Analisando esse momento da história política venezuelana, Maza Zavala (1984) pro-

curou demonstrar a tendência democrática de López Contreas, caracterizando-o como um

“homem de transição”, pois em um primeiro momento a sua gestão chegou a propor uma re-

forma democrático-liberal, mas manteve certos procedimentos repressivos. Ele apenas agiu de

acordo com o momento histórico e com as suas possibilidades políticas. No entanto, contra-

pondo-se ao presidente de transição ou o democrático-liberal, sempre se sobressaia o ditador,

cerceando e reduzindo as liberdades individuais. Em janeiro de 1936, ele decretou a suspen-

são dos direitos constitucionais, alegando um perigo de sublevação popular iminente contra a

11 Essa chamada abertura “lenta e gradual” proposta por López Contreas resultou no regresso dos estudantes

exilados, na legalização da ARDI e do PCV (por um curto prazo) e em alterações na Constituição, ampliando os direitos civis (MAZA ZAVALA, 1984).

paz, a ordem, a propriedade privada, e prevendo um perigo comunista, encomendando à polí-

cia secreta a confecção de um material com o levantamento de todos os comunistas do país,

esse material recebeu o nome de Libro Rojo12.

A reação popular foi realizar uma manifestação na praça Bolívar, no dia 14 de feverei-

ro de 1936, tendo como resposta uma violenta ação repressiva por parte do governo. O fato

desencadeou uma reação coletiva, levando a outra manifestação no mesmo dia. Esse levante

popular contou com a presença de vários setores sociais, chegando ao Palácio presidencial de

Miraflores, onde se exigiu o restabelecimento dos direitos constitucionais.

Nessa fase, temos o surgimento da Organización Venezolana (ORVE), ela nasce com

os objetivos de construir uma nova concepção de “democracia responsável”, com critérios

mais formais e técnicos, buscando unir os venezuelanos e expressando a necessidade de uma

interrupção das discordâncias doutrinárias, com ideais anticomunistas e com a idéia de que os

problemas venezuelanos são essencialmente técnicos e não políticos. Esse grupo foi composto

por políticos de formação marxista, intelectuais anticomunistas e de tendências positivistas e

liberais. A idéia de uma frente única de reconstrução do país e o fim do estado autoritário era

o objetivo que os unia. Esse grupo passou por momentos em que assumiram comportamentos

políticos distintos. Durante os primeiros meses colaborou com o novo governo mas, no se-

gundo semestre de 1936, assumiram um caráter mais radical (MARTÍNEZ, 2004).

A ORVE, composta por um grupo de intelectuais com uma visão política inspirada nos

princípios da modernização institucional e técnica da administração pública, visava, segundo

seus componentes a conciliação, concentrando-se nos problemas cruciais da nação em torno

dos quais requeria um esforço de compreensão, consenso e concentração de energias em todos

os setores. Esse grupo posicionou-se entre a esquerda e a direita, buscando alcançar os princí-

pios técnicos que deveriam orientar as ações do governo através de propostas equilibradas e

sem autoritarismo (MARTÍNEZ, 2004, p. 132-133).

Um de seus membros mais importantes, Mariano Picón Salas, recomendava mais cri-

térios políticos e uma maior racionalidade técnica na solução dos problemas venezuelanos:

12 O Libro Rojo é um material que foi elaborado a pedido do presidente Eleazar Lopez Contreas no ano de 1936.

Ele divide-se em duas partes, a primeira refere-se a documentos selecionados pela polícia secreta do governo. Nesta seção podem ser encontradas fotos de militantes, a chamada “cartilha do militante”, e uma lista de militantes que são definidos como militantes. Essa parte tinha o objetivo de legitimar através de provas forjadas, a sua ligação com o Partido Comunista Venezuelano, e através disso poderem ser perseguidos e exilados. Isso ocorreu quando o PCV voltou à ilegalidade. Militantes de outros grupos políticos foram acusados e definidos como comunistas de acordo com essa lista, como Rómulo Betancourt. Na segunda parte do Libro Rojos, existem correspondências avulsas de vários membros do PCV e da ARDI, além do Plan de

Barranquilla.

A improvisação e o capricho que predominou na nossa administração públi-ca deveria ser substituída em uma nova Venezuela, seria o que chamo de “organização ou sindicalismo dos técnicos” [...]. É uma idéia que existe des-de os grupos políticos mais conservadores na Europa, como os grupos da “L’Action Française”. É uma idéia moderna que como em muitas outras, co-incidem com as direitas e esquerdas inteligentes (PICÓN SALAS, 1936 apud MARTÍNEZ, 2004, p. 132, grifo do autor).

Em relação à instauração da democracia no país, o grupo destaca a importância do Es-

tado:

Queremos uma democracia, mas uma democracia responsável onde as fun-ções do Estado não sejam dominadas pelas forças do dinheiro, pelo suborno ou pela violência [...]. O Estado deve unificar e conciliar a discórdia coletiva [...]. Queremos direitos mas, também queremos deveres (BRUNI CELLI, 1936 apud MARTÍNEZ, 2004, p. 133).

Por outro lado, a reflexão sobre o papel do Estado recebe um papel de destaque entre

as esquerdas. Elas convenceram-se de que para dar suporte a uma “democracia política com

conteúdo econômico” era necessária a transformação não apenas das relações feudais que de

acordo com as esquerdas dominavam as relações sociais e produtivas do campo e de sua ati-

vidade agrícola, e para isso seria importante contar com um Estado de orientação econômica

distributiva, democratizador, soberano e nacionalista. O discurso sobre a definição e a função

do Estado variaram no decorrer dos anos. Para a ARDI o Estado deveria ser um Estado nacio-

nalista, anti-monopolista e antimperialista. Durante o primeiro semestre de 1936, a ORVE

concentra as funções de um Estado que terá responsabilidade na unificação, organização e no

desenvolvimento nacional, devendo ser um: “Estado moderno que realize a unidade política,

econômica e moral da nação [...] um Estado nacional que ofereça justiça, proteção e eficiência

a todos os venezuelanos [...] que unifique e concilie a discórdia coletiva” (PROGRAMA DEL

ORVE, 1936, apud SOSA ABASCAL, 2001, p. 144).

Diante das mudanças que o país atravessava, a grande questão que se colocava era a

respeito de quais seriam os atores políticos que conduziriam o processo de renovação da vida

política venezuelana, bem como o processo de modernização do país. Como expressão do

clima da época, a questão implícita, era a de como o país entraria na modernidade. Nesse sen-

tido, sobressaiu-se a importância da “Geração de 28”, uma vez que foi por seu intermédio que

nasceram as principais organizações políticas. Posteriormente, essas organizações políticas

converteriam-se em partidos políticos, como o PCV e o PDN. Os atores políticos que emergi-

ram desse processo buscaram conectar teoria e prática política. Vista a trajetória dos princi-

pais dirigentes dessas organizações, não há como não reconhecer que eles foram os principais

intérpretes da teoria marxista no país, entre eles, Rómulo Betancourt e Jóvito Villalba, funda-

dores da Acción Democrática (AD) e da Unión Republicana Democrática (URD).

É nesse contexto histórico que emerge e desenvolve-se o pensamento político de Ró-

mulo Betancourt. Ele foi construído em meio a sua vida política, que engloba, entre outros

momentos, a sua participação na “Geração de 28”, no Partido Comunista da Costa Rica, em

1932, na formação do PDN, em 1937, no seu período de ilegalidade e exílio no Chile, na lega-

lização do PDN, em 1941 e na fundação da Acción Democrática (AD), no mesmo ano. A

formação desse pensamento político colaborou e foi influenciada enormemente por esse con-

texto de superação da ditadura e construção da democracia venezuelana, que só encontraria

uma relativa normalidade a partir a década de 1940.

1.2 A formação do PDN, o marxismo e o leninismo de Rómulo Betancourt

Para Rómulo Betancourt era necessário elaborar e implantar elementos que possibili-

tassem a construção da democracia no país a partir da construção de sujeitos que conduzissem

a vida política, ou seja, uma sociedade civil com capacidade interventora, capaz de mudar a

realidade vigente de forma participativa. Para isso, foram mobilizados elementos do nacional-

popular, visando atingir todos os âmbitos da sociedade. Betancourt buscou o instrumento e o

meio para combinar a vontade de participação popular e a centralização política, no intuito de

conter conflitos.

Manuel Caballero (2004) afirma que para Betancourt, o melhor modelo político para

aquele momento seria o leninista. O leninismo enquanto projeto de transformação da socieda-

de seria suficientemente eficiente como uma técnica para a conquista e conservação do poder.

No entanto, a partir de leituras de textos de Betancourt percebe-se que a referência a Lênin

acontece, porém não se caracteriza como a base do seu projeto político. Algumas referências

são encontradas no que se refere à estrutura e organização partidária entre outros temas, como

a autodeterminação das nações. Quanto às estratégias para a manutenção do poder e transfor-

mação da sociedade venezuelana, Betancourt insiste na análise das condições históricas do

país à luz de conceitos oriundos do marxismo, sem que ele incorporasse o leninismo como

uma teoria e prática política na plenitude do mesmo.

Nessa análise desenvolvida por Caballero (2004), existe uma busca por um termo ou

um conceito que explique a postura política adotada por Betancourt. No entanto, Betancourt

não incorpora plenamente uma teoria como a do leninismo. Ele assimila temporariamente

alguns elementos e transita pelos conceitos marxistas de acordo com sua análise da conjuntura

histórica venezuelana. Dessa forma, entendemos que nomeá-lo como leninista não explica o

seu pensamento e a sua ação política. A política partidária foi um elemento inspirado no leni-

nismo e evidencia a sua proximidade em relação a esse tema, mas não define em linhas gerais

a sua prática política em relação a partidos políticos e ao seu projeto político.

Nesse projeto político, supunha-se a necessidade de reconstruir a estrutura política, so-

cial e cultural na Venezuela, sob a direção de um partido político. O Plan de Barranquilla,

publicado em 1931 e, posteriormente, o artigo de Rómulo Betancourt “Com quién estamos y

contra quién estamos” de 1932, publicado no periódico Venezuela Futura, constituem a base

desse projeto. A partir desses escritos é possível apreender os elementos que compuseram

esse novo projeto político e essa nova etapa do processo de modernização política no país.

O artigo “Con quién estamos y contra quién estamos” parte da afirmação de que na

Venezuela existiu a tirania de um homem sobre o resto do país, referindo-se à Gómez e ao

gomecismo. Rómulo Betancourt, a partir de uma perspectiva marxista analisa a ditadura ve-

nezuelana, identificando a ausência de uma classe capaz de dirigir o Estado em um contexto

de imperialismo.

Betancourt inicia o seu ensaio em desacordo com a tese da hegemonia andina. Para e-

le, essa análise é formal e superficial, não privilegiando a realidade nacional. Para ele, uma

tese que justifica o problema nacional pela imposição de uma região sobre o resto do país, não

estava de acordo com a situação histórica venezuelana. Ele nega a dimensão dada ao regiona-

lismo e afirma que a tese da hegemonia andina não explica o problema venezuelano porque “a

tirania de Gómez é dialeticamente a tirania de uma classe – a classe capitalista nacional e in-

ternacional – exercida sobre as massas trabalhadoras da população (classes médias, proletari-

ado urbano e trabalhadores rurais)” (BETANCOURT, 1997, p.72 ).

Neste ensaio, ele vai evidenciando a sua proximidade a elementos leninistas, ao refe-

rir-se ao princípio da autodeterminação dos povos, tema discutido por Lênin13, quando afirma

que

[...], ao ponto de que hoje somos apenas uma semi-colônia com permissão para ter o seu hino e sua bandeira, não temos autodeterminação para resolver e considerarmos melhor os nossos problemas internos e internacionais (BE-TANCOURT, 1997, p. 100 ).

Betancourt define, nesse mesmo ensaio, os atores do conflito histórico existente na

Venezuela e se considera

13 Lênin, na obra “Problemas de política nacional e internacionalismo proletário”, fala da autodeterminação das

nações e a define pela autonomia das nações com a formação de um Estado nacional independente.

[...] fiel ao método do materialismo histórico, dentro do campo da luta de classes. É possível descobrir na raiz de todos os nossos problemas sociais, apenas aspectos do conflito universal entre as forças que criam as riquezas dos povos – as trabalhadoras – e as que exploram essa riqueza e seus produ-tores, em benefício de minorias parasitárias – as capitalistas (BETAN-COURT, 1997, p. 89).

E, a partir dessas definições, ele começa a esboçar o seu conceito de classe, que será

utilizado como fundamento do PDN e posteriormente da AD, levando à dissidências no inte-

rior das esquerdas, em especial, a relação conflituosa com o PCV. Para Caballero (2004), Be-

tancourt ampliou e em certo sentido afastou-se do conceito marxista de classe, pois para ele, a

classe trabalhadora não se restringe apenas ao proletariado urbano. No seu ensaio, Betancourt

afirma estar

[...] com as classes exploradas, com o “camisa-de-mochila”, com o “pante-on-en-suelo”, com os peões das fazendas de gado, com os servos dos lati-fúndios de café, com os operários das companhias de petróleo, com os de-pendentes das “pulperías”, com os “medianeros” dos engenhos, com o pe-queno comerciante arruinado pela concorrência capitalisa, com o pequeno proprietário absorvido pela grande propriedade, com o professor de escola e dos intelectuais proletarizados e que a preços miseráveis vendem a sua ciên-cia, com soldados recrutados à força, com o funcionário público subalterno, com toda classe, em resumo, integrada por nossos homens de músculo ou de pensamento e que por salários de fome entregam sua força de trabalho ao governo e aos patrões particulares nacionais ou estrangeiros. Serão essas classes trabalhadoras, revolucionariamente orientadas, rigorosamente disci-plinadas, dignificadas pela consciência de seu destino e pelo fanático con-vencimento de que a lógica da história as marcaram como sucessoras da burguesia no governo do povo, e atualizarão nossas possibilidades nacionais, forjando um tipo de Estado novo, antimperialista e socialista, instrumento do povo para a realização da justiça social (BETANCOURT, 1997, p. 101-102, grifo do autor).

Esse ensaio traz um esboço das diretrizes do pensamento político de Rómulo Betan-

court, a sua análise da realidade venezuelana e, através desse estudo, os elementos de como

estabelecer estratégias de ação. Para isso, ele retoma a teoria marxista no seu ensaio, conside-

rado o primeiro trabalho marxista na Venezuela juntamente com o Plan de Barranquilla. Há

nesse texto um “resgate” da história política venezuelana para legitimar a sua visão política do

país e para buscar a partir dela meios para criar e mobilizar uma estratégia política. A partir da

sua análise crítica da história política venezuelana, ele descreve como deveria ser o governan-

te que substituiria o presidente Gómez. Ele deveria ter uma

[...] percepção clara e científica dos nossos problemas políticos, econômicos e sociais; fervoroso propósito de responder a todas as reivindicações das nossas massas ignorantes e exploradas, não as tornando apenas instrumentos para a realização da justiça social; energia implacável e sem fraqueza, o bas-tante para livrar o país da dominação imperialista e para destruir os funda-

mentos econômicos da aliança capitalista caudilhista, e não a certidão de ba-tismo para ver se nasceu ou não em uma zona interditada como a andina (BETANCOURT, 1997, p. 91).

Na sua ação política, Betancourt distinguiu-se dos comunistas do PCV e das propostas

da Internacional Comunista no interior da esquerda venezuelana e latino-americana. Em vir-

tude de sua opção teórica e principalmente pela sua prática política, que vislumbrava a demo-

cracia, ele combinou leituras do marxismo e do leninismo com análises da questão nacional,

conferindo a ele uma especificidade em relação à sua interpretação do marxismo. Para Betan-

court, uma das maiores contribuições do leninismo esteve na estratégia de organização parti-

dária. Para ele, o partido político resumiria diversas experiências históricas anteriores, condu-

zindo à despersonalização do poder e à luta contra a anarquia (CABALLERO, 2004, p.357 -

360).

Com os partidos políticos seria possível debater assuntos voltados às questões políti-

cas, visando romper com o modelo ditatorial personalista “gomecista” até então presente no

país. A mudança do personalismo para o partidarismo ocorreu de forma lenta até que os parti-

dos se consolidassem, mudando o curso da sua vida política.

Diante das mudanças na vida política do país, consideramos que a trajetória política de

Rómulo Betancourt confundia-se, em certos momentos, com história política venezuelana. No

entanto, ao colocarmos essa questão, não estamos totalmente de acordo com autores que afir-

mam que Rómulo Betancourt foi o “pai da democracia venezuelana”14. Concordamos com os

mesmos quando afirmam sobre sua importância na criação e participação intensa em um pro-

jeto político que objetivava a democracia no país. Entendemos que um processo democrático,

como o venezuelano, não se reduziu à criação e fundação de um único ator político. Ele foi

elaborado por um grupo político solidamente organizado, com um projeto político específico

e com objetivos claros de instaurar a democracia. Vista a sua atuação junto às diversas cama-

das da sociedade venezuelana foi possível instaurar a democracia política no país.

Rómulo Betancourt e seus companheiros sempre mantiveram o princípio da desperso-

nalização do poder. Por isso, ele foi favorável à formação de uma organização política que

privilegiasse a disciplina interna do grupo com um projeto político para a nação. O partido

14 Afirmar que Rómulo Betancourt foi o “pai da democracia” venezuelana significa retomarmos a idéia do per-

sonalismo que na década de 1940 já estava se diluindo no país, em favor do partidarismo. Com isso, não pre-tendemos minimizar a importância de Rómulo Betancourt na história venezuelana. Estamos, ao discordar des-sa afirmação, definindo diretrizes de análise opostas à afirmação de que Rómulo Betancourt e a AD foram po-pulistas, como serão desenvolvidos e discutidos no segundo e terceiro capítulos desse trabalho. Diversos auto-res compartilham essa análise de populismo, entre eles, Arturo Sosa Abascal (2001), Luis Ricardo Dávila (1988), D. F. Maza Zavala (1984), entre outros.

nasce com o objetivo de renovar a vida política nacional, buscando ativar os elementos nacio-

nais e populares, como forma de expressar uma “vontade nacional”. Para Betancourt,

[...] abordar e resolver os fastidiosos problemas traçados pela realidade ve-nezuelana é uma tarefa que não pode ser realizada por apenas um homem, seja qual for a força que ele disponha e quanto esteja particularmente provi-do de geniais dotes de estadista. A transformação da Venezuela em um sen-tido de progresso que irradia pelos estratos mais profundos da nacionalidade, requer um esforço unânime do povo, comandado pela organização partidária de vanguarda. Uma organização que conjugue e complemente a vocação re-volucionária e o rigor realista. Uma organização que se agrupe e se sujeite-se a uma disciplina partidária, com base em um programa concreto e inspire uma mística criadora para todas as classes populares da nação. Um partido liberal ou um partido comunista não poderiam cumprir na Venezuela esse papel histórico apenas possível para uma organização de plataforma doutri-nária e de estrutura interna democrática e antimperialista (BETANCOURT, 1997, p.170-171).

Aos partidos foi delegada a importante tarefa de fundar e manter o jogo democrático

no país nas décadas seguintes. No seu processo de formação, na década de 1920, intitulavam-

se como uma geração, uma fase em que as idéias ainda não estavam definidas e posicionadas

teórica e estrategicamente. Posteriormente, nas décadas de 1930 e 1940, esse grupo de estu-

dantes consolidou-se, a partir de uma base teórica e prática, sob a forma dos partidos políticos

PDN e PCV. Afirmamos que os partidos políticos na Venezuela exerceram uma função vital

para a instalação e manutenção do jogo democrático no país, como a sua base de sustentação,

pois com eles assegurou-se a rotatividade de idéias e o amplo diálogo político, não permitindo

o retorno dos personalismos no país.

Rómulo Betancourt possuía uma filosofia de poder, ele distinguia com muita clareza a

diferença entre poder, que é o domínio sobre a sociedade, e governo, que é o exercício da ad-

ministração pública, e sua opção sempre foi pelo poder, exercido através do partido político.

O partido de inspiração leninista foi a base para um novo pensamento, para uma nova

ação e posteriormente uma nova situação, criando também novas condições para a mudança.

De acordo com as condições políticas do país, elementos do marxismo e do leninismo apare-

ceram como caminhos para os que almejavam transformações na sociedade. Betancourt es-

creve:

Os partidos, por mais doutrinários e de massas que sejam, sempre são con-duzidos por seus líderes. Quando Lênin disse isso foi um escândalo para a-queles com mais pudores, não me recordo se em 1903, nos dias da aparição do ‘Proletariado’ ou na sua saída da redação da velha ‘Iskra’. Contestando, com a sua dificultosa dialética, Lênin clareou e definiu perfeitamente o papel dos líderes, dos chefes de partidos, e essa definição era: os partidos cami-nham por onde caminham os seus dirigentes [...]

Esse setor, o tímido e amorfo Valmore15 é “carne de cañon”, que nos servirá somente para volume [de membros] e não me importa que seja atrasado. Sempre se bota maturidade (BETANCOURT, 1932 apud CABALLERO, 2004, p. 355, grifo do autor)

O leninismo de Betancourt concentrou-se na questão da organização partidária, com a

disciplina interna, e na organização de um partido em escala nacional, com uma política de

alianças, Manuel Caballero (2004), menciona a política de alianças como um elemento leni-

nista componente no pensamento de Betancourt, idéia que Betancourt teria ampliou, utilizan-

do-a no âmbito da sua definição de classe e na ação política do seu partido, o PDN e posteri-

ormente a AD. No entanto, ao analisarmos os escritos de Betancourt, podemos perceber que a

mudança no conceito de classes pode ser oriunda de uma análise das condições históricas da

Venezuela à luz de conceitos do marxismo e em confronto com o ideário do comunismo da III

Internacional Comunista. Em suas cartas, Betancourt sempre evidencia a sua concepção de

classes em oposição ao conceito de classe do PCV, e não apenas como o resultado de uma

política de alianças.

Betancourt mantém uma relação de afastamento e aproximação do marxismo e do le-

ninismo. O lugar da democracia no esquema leninista também não era compatível com as

idéias de Betancourt. Para ele, a democracia não era apenas um meio para concluir a revolu-

ção socialista, era algo a ser alcançado e mantido na sociedade. Isso difere do esquema leni-

nista de revolução, onde em um determinado ponto do estágio revolucionário, a democracia

burguesa seria desmantelada, juntamente com todas demais as instituições burguesas. Em

julho de 1931, Betancourt esclarece seu posicionamento frente à teoria leninista ao citar o

próprio Lênin, afirmando que:

Nossa plataforma é avançada – pelo menos acreditamos honradamente nisso – mas é articulada em seu aspecto político e em seu aspecto econômico, se-guindo aquele conselho de Lênin, daqueles que se esquecem dos esquerdis-tas radicais... “é necessário constatar a sangue frio o estado real de consciên-cia e de preparação de toda a classe e não apenas de sua vanguarda comunis-ta, e não apenas de seus indivíduos avançados” (Lênin, La maladie infantile du communisme, p. 59-60). [...] buscamos a formação de uma frente única provisória composta pelos setores explorados da cidade e do campo, semi-proletários, artesãos, pequenos industriais, camponeses pobres, professores das escolas, vendedores com salários de fome, etc., para levá-los inicialmen-te a batalhas contra a frente reacionária, resultado do entendimento entre o capital financeiro imperialista e o bloco burguês – caudilhista nacional. E es-sa tática é consequência imediata da crença acima afirmada, a de que o con-teúdo da nossa revolução será democrático. Lênin fala sobre essas resolu-ções: “é absurdo falar de revolução democrática e limitar-se a opor simples-mente o proletariado e a burguesia, pois esta revolução reflete um período

15 Valmore Rodrigues foi um dos principais membros do Partido Comunista Venezuelano (PCV).

da evolução em que a massa fundamental da sociedade encontra-se entre o proletariado e a burguesia e constitui um setor camponês pequeno-burguês muito extenso.” Arrancar o controle da burguesia, mediante a incorporação de suas reivindicações ao nosso programa, a esta “população camponesa e pequeno-burguesa gigantesca, capaz de sustentar a revolução democrática, mas não a revolução socialista (Lênin, Páginas Escogidas, 56-57).” (BE-TANCOURT, 1990, p. 282, 283, grifo do autor).

A definição de classes também foi um ponto que fez com que ele se afastasse do mar-

xismo e do leninismo. Como foi exposto, no seu ensaio “Con quién y contra quién estamos”,

Betancourt apresenta um conceito de classe ampliado, afastando-se do conceito marxista de

classe e por conseqüência dos comunistas.

Ele fundou um partido de classes, composto pela classe trabalhadora que abrigava

também o campesinato, setores das classes médias baixas urbanas. Fundou um partido nacio-

nal e para isso percorre todo o país compondo a sua rede de organização e conhecendo a po-

pulação local e a geografia do país. Posteriormente, Betancourt funda um partido civil, a AD,

reprovando o uso da força, amenizando o radicalismo de sua ação política, posicionamento

oriundo de um processo de mudanças pelas quais ele passou durante a sua trajetória após

1945, caracterizando uma nova postura política. Em seu pensamento, no âmbito da política,

dever-se-ia reconhecer a diversidade e buscar substituir a coerção pela persuasão, eliminando

a força como solução de problemas. E essa postura o faz transcender do campo da teoria para

a prática, permitindo que o seu projeto político saísse do plano da teoria, para se tornar uma

prática política, lançando as bases de um regime e de um sistema político que alcançaria al-

guma longevidade na vida política venezuelana.

1.3 O PDN, a discussão com o PCV e a formação da AD

Nas décadas de 1930 e 1940, diversas questões animavam as discussões políticas na

América Latina. Na Venezuela, entre as esquerdas, as discussões transitavam por temáticas

como a da questão nacional, do fim da ditadura, da instauração do comunismo e da implanta-

ção da democracia. Essas discussões atravessavam os partidos políticos venezuelanos, especi-

almente o PCV e PDN, ainda que cada um deles obviamente preferisse atingir suas metas por

meios próprios.

O contexto internacional era marcado pela política do New Deal, as ondas fascistas e

nazistas, a Guerra Civil Espanhola e a ação da Internacional Comunista sob a direção de Sta-

lin, convertida em uma arma internacional na defesa da revolução soviética frente ao nazismo

e ao capitalismo. E é nesse contexto que nasce o PDN, com a finalidade de organizar a ação

das esquerdas não comunistas, nacionalistas e democráticas, com o objetivo de conduzir o

processo de modernização no país. O tema da modernização sempre esteve no centro das pre-

ocupações desse partido, pois as forças políticas discutiam entre si para definir como o pro-

cesso de modernização seria conduzido no país.

O Partido Democrático Nacional (PDN) foi fundado em 14 de fevereiro de 1937, pro-

curando estabelecer um espaço na esquerda, distinto do Partido Comunista. Não era um parti-

do instrumental, pois declarava abertamente que seu objetivo principal era alcançar o poder

político e governar o país. Para Arturo Sosa Abascal (2001), o PDN buscou uma alternativa à

compreensão de história segundo o modelo comunista e o modelo positivista, com um forte

teor nacionalista. Para Rómulo Betancourt, o nacionalismo do PDN combatia o imperialismo,

o capital norte-americano e o modelo de Hitler e de Mussolini.

Nesse contexto, Betancourt compreende que externamente era preciso estar atento aos

Estados Unidos e argumenta em torno da necessidade de um entendimento com esse país, sem

que isso se confunda com uma entrega de todos os bens a eles, e afirma,

[...] insisto sempre na necessidade de um entendimento inter-americano. Não é sem razão que utilizo o termo inter-americano em vez do tão utilizado “pan-americano”, este termo simboliza toda uma vergonhosa etapa de sujei-ção de vinte povos aos mandos de Washington. E deforma uma realidade que não pode ser escamoteada, se é sobre o terreno da lealdade e da franque-za pretende-se iniciar algum novo tipo de entendimento entre os Estados U-nidos e “nós”: os que vêm das Américas. Uma saxônica, que pela sua própria evolução interna tornou-se imperialista e seguirá sendo, a não ser que se ope-rem profundas mutações na sua organização econômica; do outro lado, a la-tino-americana, que sofre uma interferência econômica do capital financeiro internacional, especialmente o norte-americano e o britânico, onde está a o-brigação histórica de lutar pela sua plena independência (BETANCOURT, 1997, p. 191).

Mesmo com as suas divergências em relação à política externa norte-americana, ca-

racterizada como imperialista e os problemas relacionados com a política petroleira venezue-

lana, Rómulo Betancourt interessou-se pela política interna norte-americana, especialmente

pelo papel desempenhado pelo Estado na sociedade. Para ele, essa política oferecia uma res-

posta global aos países vitimados pela crise, com a ajuda dos Estados Unidos. O seu objetivo

era o de recuperar a capacidade produtiva e distributiva da economia, remodelando as rela-

ções entre setores sociais, principalmente entre Estado e sociedade e entre capitalistas e traba-

lhadores. Com o New Deal, o Estado passou a assumir um papel mais interventor e estabele-

ceu regulações e leis, visando uma melhor distribuição da riqueza, além de implantar um con-

junto de instituições com o objetivo de proteger os grupos sociais enfraquecidos. Rómulo Be-

tancourt evidencia a influência de Roosevelt no seu pensamento político:

O mau uso do poder capitalista pode terminar com o sistema tão deasacredi-tado do capital. Esta frase condensa o critério de todo um vasto setor social. Está integrado por gente com a mente lúcida que, sem renunciar a sua adesão à ordem social atual, criticam a teimosia suicida com que os donos do di-nheiro socavam os alicerces do capitalismo. Porque não fazem outra coisa quando se amontoam nas bases da organização social que ocupam, uma classe privilegiada, a dinamite do descontentamento das massas famintas, oprimidas. Roosevelt e os que pensam como ele, aspiram o prolongamento da existência da organização social atual, adequando-a aos novos tempos. Modernizando-a. Humanizando-a. Está claro que a cada dia está mais firme e mais consciente a exigência dos setores trabalhista por uma participação maior na riqueza dos povos. E que não bastam os argumentos da força para reprimir a ânsia irrefutável dos despossuídos por desfrutar também do seu lugar ao sol. [...] Estas reflexões não podem se limitar apenas ao que ocorre nos Estados Unidos. O fenômeno dos setores privilegiados manifestando-se coléricos contra aqueles que exigem parte de seus privilégios em nome da tranqüilidade social é um fenômeno universal (BETANCOURT, 1938 apud SOSA ABASCAL, 2001, p. 48-49).

Sob a ótica de Betancourt, as propostas de Roosevelt se transformariam em uma lição

importante, pois o New Deal abria espaço para uma nova coalizão social com um projeto de

unidade social e inaugurava uma agressiva política comunicativa de “portas abertas” à im-

prensa e à opinião pública. Roosevelt passou a ser visto como um reformador, com um projeto

de participação nacional, tendo o governo federal como o agente central nas tomadas de deci-

são.

Para Betancourt, o PDN precisava obter as condições necessárias para se tornar o in-

terlocutor da esquerda democrática, pois representava um setor organizado na sociedade ve-

nezuelana com propostas ideológicas consistentes e um programa alternativo voltado para a

modernização do país. Seu objetivo era o exercício do poder político e a melhor maneira de

obtê-lo seria convertendo-se em uma força política democrática legalmente reconhecida e

legitimada pela população (SOSA ABASCAL, 2001, p. 191).

Para o PDN, a democracia seria a base permanente do sistema político e da sociedade

venezuelana. O partido vinculava à democracia o fim da exploração econômica, visando o

progresso social, e nesse sentido não aceitava a tese da “ditadura do proletariado” e da ditadu-

ra da vanguarda do proletariado. A democracia possuía um valor civilizatório, representava o

moderno, a superação da barbárie. A concepção pedenista se distinguia da concepção liberal e

da comunista, pois para os comunistas a democracia era um instrumento e para os liberais a

democracia não reduziria as injustiças sociais no campo da produção e da cultura. Em setem-

bro de 1939, o PDN definia a sua visão de democracia econômica em sua primeira “conferên-

cia”:

O PDN busca a conquista do poder para realizar um governo do tipo demo-crático, dando a este conceito um conteúdo mais profundo do que o proposto pelo liberalismo clássico. Para nós, um regime democrático implica a efeti-vidade das atividades públicas. E fundamentalmente, a modificação profun-da da organização econômica do país e a democratização da estrutura da e-conomia nacional. Não concebemos a democracia a não ser como um regime governamental e que ao mesmo tempo, permita o livre jogo das forças soci-ais e se empenhe, no campo, com a abolição do latifúndio, das relações feu-dais de propriedade, intervenha nas cidades, na produção industrial e desen-volva o comércio, protegendo decidida e abertamente todas as forças vivas, em especial, os setores menos beneficiados da riqueza, que são os trabalha-dores manuais e intelectuais (AGUSTÍN CATALÁ, 1981, p. 107).

Para os membros do PDN, colocar em andamento o processo de democratização ne-

cessitaria efetuar rápidas e profundas mudanças no interior da sociedade venezuelana. Desse

ponto de vista, o PDN, diferencia-se da ORVE que visava uma democracia institucional, pre-

ocupada em unir os venezuelanos sem preocupar-se com questões sociais ou econômicas. O

PDN visava essas mudanças, mas em função da assimilação do conceito de classe – pensado

por Betancourt inicialmente no Plan de Barranquilla e no seu ensaio “Con quién y contra

quién estamos” – incorporava os grupos sociais desprivilegiados ao seu programa e a sua a-

ção, concentrando na noção de povo os maiores beneficiários desse processo de transforma-

ções. Para o PDN, a democracia deveria ter um viés participativo com um forte apelo econô-

mico expresso na sua política social.

Segundo o PDN, posicionar-se como esquerda significava distanciar-se dos liberais, à

medida que excluía a base individualista do pacto social que originava a sociedade política e o

livre mercado sem a intervenção do Estado, como mecanismo de concessão de recursos eco-

nômicos. A proposta pedenista não se identificava com a “coletivização” ou a planificação

estatal em todas as atividades relacionadas à produção e distribuição das riquezas. Ele se opu-

nha ao internacionalismo proletário do comunismo, e ao internacionalismo imperialista, como

forma de desenvolvimento do capitalismo liberal que não respeitava as fronteiras nacionais.

(SOSA ABASCAL, 2001).

O nacionalismo expressado pelo PDN traz o conceito de “nacionalismo revolucionário

e amplo”, resgatando a influência da ARDI, que associava o nacionalismo ao antimperialis-

mo, como uma forma de não se submeter ao imperialismo, e com a influência do aprismo, à

necessidade do monopólio estatal como forma de um nacionalismo econômico, princípio ori-

undo de reflexões acerca do petróleo e a necessidade de nacionalizar a produção desse produ-

to, um tema inicialmente discutido por Betancourt no seu primeiro exílio, quando escrevia

sobre os problemas venezuelanos. Essa idéia de nacionalismo surge também em oposição ao

domínio do capital estrangeiro, e na proteção do desenvolvimento das indústrias nacionais.

No momento em que Betancourt forma o seu partido, ele consegue projetar-se na soci-

edade buscando efetivar todo o ideário proposto pelo PDN. O seu objetivo principal esteve

além da agitação política e da propaganda doutrinária local. Ele almejava, internamente, uma

organização de partido com um alcance nacional. A presença do leninismo, nesse momento, é

bastante reforçada. Podemos enfatizar aqui os laços de Rómulo Betancourt com o leninismo

por meio dos seus próprios escritos. O seu interesse pelo leninismo ocorre após 1929, ainda

que mantenha uma relação conflituosa com os comunistas. A fase em que esteve na Costa

Rica, entre 1932 e 1935, Betancourt escreve a Mariano Picón Salas uma carta onde declara

que é demasiado realista

[...] para importar o socialismo marxista com o mesmo critério servil e colo-nialista dos avós da década de 10, quando transplantavam na América as constituições jacobina, sem adapta-la previamente à nossa realidade, que é distinta da européia. Esse trabalho de adaptação do socialismo marxista à nossa realidade significa estudar, trabalhar e construir uma analise e uma investigação própria; coisas inacessíveis a maior parte do leninistas dos tró-picos (AGUSTIN CATALÁ, 2005, p. 186).

A autonomia do partido se tornou também um tema fundamental na discussão entre os

pedenistas e comunistas porque, para os comunistas, o partido se tornava uma mera agremia-

ção de interesses individuais. No entanto, para os pedenistas, a consulta, o diálogo e a discus-

são eram fundamentais, visto que buscavam um partido como uma organização orientada para

a conquista do poder político, com o objetivo de realizar um programa político sustentado em

bases ideológicas igualmente compartilhadas pelos seus membros. O PDN não possuía uma

proposta classista no sentido marxista, pois a sua base estava nas classes e nos setores sociais

que buscavam uma transformação democrática e antimperialista no país. Para o PDN, o povo

venezuelano era formado por uma diversidade de estratos e setores sociais, representando o

povo real e não o povo ideal, no sentido que os comunistas lhe atribuíam. Assim, a definição

de classes se apresentava como o grande dilema dos partidos, levando-os muitas vezes a drás-

ticos antagonismos. Na linguagem dos protagonistas, as divergências entre o PDN e o PCV

concentravam-se no debate sobre o sujeito político e o processo de transformação social, ou

seja, quem conduziria a revolução. Para o PCV, seria o proletariado, dirigido pelo partido de

vanguarda, o Partido Operário, e para o PDN, o veículo da transformação era o povo (SOSA

ABASCAL, 2001, p. 204).

A relação conflituosa entre o PCV e o PDN tornou inviável qualquer aliança duradou-

ra entre eles. O grande ponto de cisão entre os dois partidos estava na leitura do marxismo e,

por conseqüência, nas determinações da Internacional Comunista. Para o PDN, o PCV tornou-

se apenas uma parte da Internacional Comunista, sem preocupar-se com a questão nacional,

ignorando a realidade venezuelana. Por outro lado, o PDN optou pelo rompimento com a In-

ternacional Comunista e, por conseguinte, com o PCV, optando por um programa político que

privilegiava a questão nacional.

Como afirmamos acima, as distinções entre o PDN e o PCV deviam-se também às

concepções de sujeito histórico, o que nos remete aos debates das esquerdas latino-

americanas, pois se refere diretamente às formas de concepção do “fazer” e compreender a

política, acabando por diferenciar as esquerdas. Nesse sentido, o pedenismo apresentava-se,

portanto, como distinto tanto do liberalismo como do comunismo. Especialmente em relação

a estes últimos, contestava a sua auto-definição como vanguarda política da classe operária,

mas também a ênfase dos comunistas em conquistas imediatas, além da sua visão instrumen-

tal e etapista da democracia.

No seu exílio, Rómulo Betancourt também esteve no Chile de novembro de 1939 a ja-

neiro de 1941, país considerado por ele como de grande importância, em razão da experiência

da Frente Popular e da importância do Partido Socialista Chileno. No exílio, Betancourt pro-

curou conhecer o país, com o objetivo de buscar uma efetiva colaboração política. Nesse mo-

mento, ele já tecia diversas críticas ao papel desempenhado pela Internacional Comunista,

pois para ele era necessária uma coordenação política latino-americana de esquerda democrá-

tica. O maior problema da Internacional Comunista, em sua opinião, esteve na falta de aten-

ção às especificidades das nações latino-americanas e na falta de autonomia das organizações

nacionais comunistas.

A Internacional Comunista concebia as Frentes Populares como a unidade das organi-

zações operárias aliadas às organizações burguesas de esquerda, com o objetivo de enfrentar o

fascismo (SOSA ABASCAL, 2001, p. 170-173). No entanto, Betancourt definia a sua con-

cepção de frente única:

Quando falava de frente única, entendia que na base teria gente sem antece-dentes políticos duvidosos e por esse fato aceitaria nosso programa de luta, indicando o seu propósito de estar disposto a lutar contra a ordem burguesa. Esse conceito de frente única é algo diametralmente oposto ao que professa-vam e praticavam estes stalinistas castrados, dóceis ao comando da III, nos anos posteriores à morte de Lênin (BETANCOURT, 1990, p. 409).

O PDN propôs-se a passar de uma organização “frentista” a uma organização única, a

um partido da esquerda venezuelana. Para os pedenistas esta seria a melhor resposta à repres-

são do governo. Dessa forma, as esquerdas tornar-se-iam uma organização unificada que po-

deriam planejar e controlar a ação das massas, ampliando a sua ação por todos os setores da

sociedade venezuelana, convertendo-se em uma forma alternativa de poder. Alguns comunis-

tas radicais caracterizaram o PDN como liberal e burguês. Em contraposição, os pedenistas

contestavam essa caracterização e afirmavam os propósitos revolucionários do partido e sua

maior capacidade de defender os interesses da população. O PDN defendia os interesses de

diversos grupos da sociedade que compunham as diversas realidades do país, como os operá-

rios, camponeses, funcionários, pequenos comerciantes, pequenos industriais, estudantes e

intelectuais revolucionários. O inevitável afastamento entre o PCV e o PDN aconteceu, assim,

porque enquanto os dirigentes comunistas sentiam a necessidade de converter-se em uma Se-

ção Venezuelana da Internacional Comunista, os dirigentes da esquerda democrática pedenis-

ta buscavam autonomia em relação àquela organização:

Do nosso choque com os fiéis a linha da III podem resultar duas soluções, uma: ou bem nós constituímos dentro do PCV uma ala oposicionista, ou bem nós constituímos, à margem da III, um partido revolucionário, intitulado ou não comunista, em luta aberta contra a burguesia criolla e imperialista, aspi-rando capturar o poder político para desenvolver um programa mínimo revo-lucionário (um Plano, com adições possíveis, mas sem perder o eixo princi-pal, pois ele será para nós apenas como um guia). O que nós não podemos ser é “intelectuais sem partido”. [...]. Nos unimos por uma mesma convic-ção: a de que a tática radical da III, sobretudo em relação ao antimperialis-mo, é extremamente perigosa, porque os resultados positivos não correspon-dem ao alarme para a definitiva emancipação dos trabalhadores. [...] Em sín-tese, amalgamamos uma verdadeira frente ideológica, com critérios firmes, com uma ideologia sem dúvidas, com a intenção de poder amanhã deslocar-se de dentro do PCV, da ala stalinista mesmo que com dificuldades, dos co-roinhas domesticados do Buró del Caribe (BETANCOURT, 1990, p. 354-355, grifo do autor).

No entanto, romper com o mito da unidade das esquerdas significaria converter-se em

um traidor da causa popular e um aliado da direita, vista a dispersão que causaria, e isso am-

pliaria o espaço político do governo e das forças reacionárias, neutralizando o movimento

popular. Outro problema estava na militância, que era pequena e difícil de mantê-la em meio à

clandestinidade. Dessa forma, as dificuldades impediam a ruptura entre o PDN e o PCV; no

entanto, a incompatibilidade ideológica e política se mostrou evidente.

O PDN foi, muitas vezes, denominado como um partido reacionário ou anti-

revolucionário e a favor do imperialismo, identificado com as burguesias nacionais. O pede-

nismo era, para os comunistas, uma ideologia burguesa disfarçada com o uso superficial do

marxismo.

A aproximação do PDN com o APRA era compreensível, pois existiam semelhanças teó-

ricas. Rómulo Betancourt relacionava-se com líderes apristas com o objetivo de gerar laços entre

os partidos nacionalistas de esquerda democrática. Durante a sua trajetória, Rómulo Betancourt

aproximou-se diversas vezes do aprismo, adotando a proposta de uma “Frente Única” para a revo-

lução, que faz parte do ideário aprista. Em 1924, Haya de la Torre não apenas caracterizou o A-

PRA como uma “Frente Única”, como sublinhou a necessidade de frentes únicas latino-

americanas, como uma estratégia de ação revolucionária. Esta orientação ideológica que Betan-

court outorga ao grupo estudantil e à Revolução é marcadamente aprista. O programa do APRA

também inclui temas ligados ao imperialismo, ao latifúndio e a todo tipo de exploração. Em 12 de

outubro de 1932, Betancourt explica a sua atitude mais reservada em relação ao APRA. Esta se

originou das críticas de seus companheiros que ele acatou disciplinadamente. Mas ele manteve

uma certa simpatia por esse partido vista a sua postura heterodoxa diante do partido marxista, e o

seu interesse por soluções genuinamente americanistas, além do seu incômodo diante de radica-

lismos excessivos (ROMERO; TINOCO; ROMERO, 1990, p. 19-20).

O termo social-democrata também foi associado ao PDN, com o intuito de desqualifi-

car o pedenismo por um argumento stalinista, remetendo-se à polêmica entre mencheviques e

bolcheviques, que resultou na divisão do Partido Operário Social-Democrata russo antes da

Revolução de Outubro de 1917. Mas a questão discutida através desses argumentos estava na

divergência de opiniões sobre a forma do processo que culminaria na revolução e o papel de-

sempenhado pela burguesia e pelo proletário. Para os comunistas, os pedenistas baseavam-se

na ideologia burguesa, por isso eram social-democratas, aqueles que trairiam a revolução so-

cialista, conformando-se apenas com um avanço até essa etapa. Além dessa análise, Caballero

(2004), também nomeia Betancourt como um social-democrata, porém esse autor baseia-se

em outra linha da social-democracia, representada por E. Berstein, além do fabianismo britâ-

nico. Na visão desse autor, a aproximação de Betancourt em relação a essa linha da social-

democracia, pode ajudar a compreender o seu afastamento do PCV, além das reformas mo-

dernizadoras e da busca por mudanças através de reformas legislativas. Como já foi explicita-

do, em certos momentos da trajetória de Betancourt, principalmente quando esteve na ORVE,

é possível aproximarmos essas características, identificando a ORVE com essa tendência so-

cial-democrata. Esse grupo, ao enfatizar a necessidade de estabelecer uma democracia basea-

da em uma tecnicidade da política, minimizando a importância de mudanças profundas na

sociedade, privilegiando reformas legislativas, pode aproximar-se de elementos da social-

democracia. No entanto, anteriormente, com a ARDI e posteriormente com o PDN, essa ten-

dência diluiu-se, dando lugar a um projeto político voltado para mudanças econômicas na

sociedade, com um alto teor de radicalismo na sua prática política, perdendo elementos que a

identifiquem plenamente com a social-democracia. Mas, com isso não negamos a possibilida-

de de elementos da social-democracia permanecerem no projeto político do PDN, posterior-

mente no projeto político da AD e como ferramentas na análise da realidade venezuelana.

A análise do pensamento político de Rómulo Betancourt nos coloca diante de diversas

interpretações acerca da sua trajetória política e intelectual e uma das temáticas que emergem

está ligada à vinculação de Betancourt ao marxismo. No prólogo de seu livro Problemas Ve-

nezolanos (1940) ele define a sua posição política:

Estou e sempre estarei na trincheira do povo. Luto e lutarei sempre nas filei-ras da esquerda. Porém, defendo a solução dos problemas nacionais da Ve-nezuela, imposta pela estrutura do país e pelo clima histórico em que vive. Estas soluções são diferentes das medíocres panacéias do liberalismo, inope-rante e historicamente esgotado, e das fórmulas soviéticas (BETANCOURT, 1997, p. 170).

A partir desse trecho do livro de Betancourt, Caballero (2004) afirma que Betancourt não é

marxista, apenas leninista. Entendemos que a referência aos soviéticos no trecho, refere-se à III In-

ternacional Comunista e a um conjunto de práticas que Betancourt nunca concordou. O que sempre

existiu foi uma forte recusa ao marxismo da III Internacional, e isso difere do seu posicionamento

frente aos conceitos do marxismo. Para ele era necessário discuti-los, analisando a possibilidade de

serem utilizados como um método de análise dos processos históricos venezuelanos. Betancourt

sempre destacou a diferença entre o marxismo a ser aplicado a Venezuela e o marxismo stalinista da

III Internacional Comunista, como nesse texto de maio de 1931:

Na Venezuela, reconhecer a existência do problema do camponês – com esse simples reconhecimento nos divorciamos para sempre da burguesia liberal, que apenas reconhecem problemas de ordem política na realidade venezue-lana – a partir disso, duas soluções nos são colocadas: a expropriação sem indenização de todos os latifundiários, aplicando com todo o rigor a linha política marxista-leninista; ou a expropriação, ou melhor, o confisco dos lati-fúndios de Gómez, seus familiares e amigos. Bem, adotar a primeira fórmu-la, é reconhecer que o caráter da nossa possível revolução, terminando com Gómez, será socialista e não simplesmente burguesa-liberal, com um conte-údo mínimo de reivindicações sociais. É dizer, cair no radicalismo, e mesmo que bem intencionado, não deixa de ser menos romântico e anti-materialista, característico dos companheiros da extrema esquerda que aspiram a sovieti-zação do país como resultado imediato da queda do atual regime. Além des-sa solução de ordem doutrinária existe outra, concreta, objetiva, venezuela-

na, que nos obriga a descartar a primeira fórmula (BETANCOURT, 1990, p. 263-264, grifo do autor)

Diversos epítetos foram atribuídos à Rómulo Betancourt buscando compreender os caminhos

e descaminhos da sua trajetória política e intelectual. A caracterização de leninista foi atribuída a ele

como um termo quase auto-explicativo. O mesmo acontece com outras expressões atribuídas a Betan-

court na tentativa de sintetizar a sua trajetória e compreender a sua política. Para Arturo Sosa Abascal

(2001), Rómulo Betancourt poderia ser definido como um comunista criollo em razão de sua postura

radical nas primeiras décadas de atuação política. Outro termo usualmente utilizado por autores como

Luis Ricardo Dávila (1992) é o de “populista” ou “populista de conciliação” (Juan Carlos Rey, 2004).

Esses autores fazem uso desse conceito para explicar um conjunto de posturas políticas que se apro-

ximam, segundo esses autores, de personagens políticos também intitulados populistas, de acordo com

características que indicariam que existe um domínio das práticas reconhecidas como populistas. E

também utilizam o conceito de populismo para explicar os desdobramentos dos processos políticos

venezuelanos nesse período e nas próximas décadas.

Ao analisarmos a trajetória política e intelectual de Rómulo Betancourt, não preten-

demos nomea-lo para compreender o seu pensamento e a sua ação política, pois, para nós,

durante o período de 1940 a 1960, ele teve como objetivo buscar soluções para os problemas

venezuelanos e, para isso, buscou elementos que o auxiliassem nesse propósito, o de interpre-

tar a Venezuela e usar essa análise como um instrumento, como uma ferramenta para direcio-

nar a sua ação política. Para alcançar esse objetivo, elementos do leninismo, do marxismo, da

social-democracia, do aprismo, e do comunismo (com severas restrições) foram essenciais na

sua trajetória. Para ele, o melhor resultado desse processo de interpretação e ação política se-

ria a instauração da democracia.

Para o PDN, a aplicação correta da análise marxista, longe das fidelidades stalinistas e

ambições de controlar todas as esquerdas, estava no reconhecimento da necessidade de orga-

nizar a população. Ela seria entendida a partir de sua diversidade real e preparada para o exer-

cício do poder. O PDN representaria a criação de um instrumento adequado para avançar nas

conquistas democráticas, liderando as transformações das relações fundamentais da sociedade

venezuelana.

A AD viria a ser, em certa medida, o sucedâneo do PDN. A perspectiva que animou

Rómulo Betancourt e seus partidários, no inicio da década de 1940, era a de buscar todas as

alternativas para consolidar a democracia na Venezuela. Para isso era preciso romper com o

regime ditatorial vigente no país e com sua cultura autoritária.

Como vimos, Rómulo Betancourt percorreu uma longa trajetória que contou com vá-

rios exílios, passando pela Costa Rica, Colômbia, Chile, entre outros países. Nesse período,

buscou compreender a realidade venezuelana, a partir de suas leituras do marxismo e do leni-

nismo, que assumiram um caráter particular pelo crivo da sua interpretação.

Como vimos, as suas interpretações teóricas e a sua leitura da realidade venezuelana o

levaram a estabelecer uma relação conflituosa com o Partido Comunista Venezuelano, uma

vez que as análises de ambos a respeito da realidade venezuelana mostraram-se incompatí-

veis. Em setembro de 1941, AD foi fundada, congregando todos os anseios de Betancourt em

romper com o regime ditatorial vigente e implantar um regime democrático na Venezuela.

CAPÍTULO 2

A FUNDAÇÃO E AS BASES DA ACCIÓN DEMOCRÁTICA

2.1 O pensamento democrático e a idéia de partido na modernização venezuelana

A década de 1940 assistiu a uma etapa decisiva na história venezuelana. O ano de

1941 se iniciou com a sucessão presidencial, em 05 de maio de 1941, quando o general Isaias

Medina Angarita assumiu a presidência do país. A partir dessa data o cenário político do país

passou a viver sob novas configurações. Essa fase foi marcada por avanços na vida política

nacional, pois naquela nova gestão, os partidos políticos foram legalizados, podendo atuar

sem grandes restrições. É nesse cenário político que se dá o avanço nas discussões relaciona-

das aos rumos assumidos pelo processo de modernização. As discussões tinham como base a

articulação entre a modernização, a democracia e o papel dos partidos políticos nesse proces-

so, bem como a posterior configuração da sociedade e suas formas de participação da mesma

nesses processos políticos.

Diversas medidas da gestão de Medina Angarita foram compreendidas como o início

do processo democrático no país, caracterizado pela legalização de partidos políticos no país,

entre eles, o PDN e posteriormente a AD. Esse partido encontrou nessa gestão o momento

mais favorável para a sua fundação e institucionalização. E, sem dúvida, a fundação e a lega-

lização desse partido contribuiu de forma definitiva para o processo de democratização políti-

ca no país.

O PDN foi legalizado em junho de 1941, mas a perspectiva de seus líderes era formar

um novo partido. Mesmo antes da legalização do PDN, em 11 de maio de 1941, seus líderes

decidiram que o nome do novo partido seria Acción Democrática (AD), criando um comitê

para organizá-lo. Dois meses depois da sua legalização, o presidente Medina Angarita autori-

zou o funcionamento da AD, em 13 de setembro de 1941. E, nesse dia, realizou-se a primeira

assembléia pública do partido. Com o novo nome, o partido foi presidido por Rómulo Galle-

gos e Rómulo Betancourt.

A fundação da AD ocorreu em um momento importante na vida política do país, foi

considerada por muitos autores, como o início da democratização política no país pois, esse

processo iniciado por López Contreas, que contou com a institucionalização e a concessão de

alguns direitos à população, apesar do um rígido controle, continuou de uma forma mais am-

pla com a gestão de Medina Angarita.

Com o governo de López Contreas e posteriormente com o de Medina Angarita temos

o desenvolvimento do processo de modernização no país. O processo de modernização, inici-

ado no governo de López Contreas, enfatizou a economia, através de uma visão evolucionista

da política, excluindo a necessidade de uma democracia social e política e, dessa forma, con-

tribuiu para a polarização das propostas de modernização no país. Oposta ao modelo de mo-

dernização do governo de López Contreas, a proposta de uma democratização social e políti-

ca, com ênfase na mobilização social, animava a chamada esquerda moderada, representada

pelo PDN (MARTÍNEZ, 2004).

A partir de 1941, a modernização16 passou a ser o tema discutido entre as distintas

forças políticas no país. Dentre os demais idealizadores da modernização, Rómulo Betancourt

também se insere nesse grupo, através do seu projeto nacional, com o tema da modernização

sempre atrelado ao da democracia, unindo análises teóricas com análises da realidade nacio-

nal.

As principais divergências entre os projetos de modernização apontavam a luta para

definir quem seria o sujeito histórico capaz de conduzir o projeto modernizador. Essas diver-

gências se centravam na estratégia para executar esse projeto modernizador, de acordo com as

prioridades de cada um dos grupos políticos. Para Patrícia Soteldo Rojas (1999), as divergên-

cias se localizavam entre os projetos modernizadores da corrente elitista e da corrente demo-

crática e nacionalista. A primeira corrente era representada pelos aliados do governo do gene-

ral López Contreas e Medina Angarita. Para eles, o Estado seria o instrumento desse grupo,

pois ele possuiria os recursos necessários para a transformação da economia, prioridade dessa

corrente, além de assegurar a sua permanência no poder. Essa corrente identificou o surgi-

mento dos partidos políticos e a luta conseqüente desse surgimento, como um desperdício de

energias para o desenvolvimento do país. Para eles, os direitos políticos e o exercício da de-

mocracia seriam uma consequência da modernização, e antecipá-los poderia estagnar o pro-

cesso modernizador e, por isso, as demais dimensões da vida democrática não foram prioritá-

rias para esse grupo. A prioridade esteve em assegurar a existência de um país industrializado

e moderno. Nesse sentido, a democracia se convertia na meta final e não em um meio para

alcançar a modernização.

A corrente democrática nacional, representada principalmente pelo PDN, considera-

va-se a própria representante do sujeito histórico do seu projeto modernizador, ou seja, a

grande massa, o povo. O povo precisaria de uma vanguarda que o representasse, ou seja, o

partido político, organizando atividades sistemáticas, com o objetivo de consolidar a demo-

16 O conceito de modernização corresponde à mobilização social. Modernizar-se não é um ato de destruição do

tradicional, nem a repetição da experiência dos países considerados modernos. Não é a consequência de um estado final de plenitude, onde todas as boas coisas vem juntas, seguindo-se a partir disso, o “fim da história”. A modernização é um processo de atualização das nações que não querem ficar fora da dinâmica internacional fundamental, independentemente da forma que esta foi dirigida. Ela é um processo de aprendizagem de habilidades que os sistemas requerem para responder as exigentes mudanças nos diversos setores (SALAMANCA, apud MARTÍNEZ, 2004, p. 62).

cracia. Essa corrente enfatizava a necessidade de um regime democrático representativo, com

o sufrágio universal, onde as eleições diretas e universais legitimariam o acesso ao governo e

a hegemonia do poder político. Por congregar essas características, essa corrente moderniza-

dora posteriormente rompeu com o positivismo e com o comunismo (SOTELDO ROJAS,

1999, p. 25).

Para Betancourt, os primeiros anos da gestão de Medina Angarita foram marcados por

um lento processo de democratização em alguns âmbitos da vida política venezuelana. A livre

expressão de pensamento e a legalização dos partidos foram aspectos fundamentais nessa ges-

tão, que incluiu a fundação da AD. No seu discurso do primeiro ano da AD, Betancourt falou

da importância do partido na vida política do país,

A Acción Democrática celebra hoje o seu primeiro ano de vida. Doze meses primordiais passaram-se desde a nossa primeira assembléia pú-blica no Nuevo Circo de Caracas. E temos a convicção de que este a-niversário de vida de um partido político independente deve ser moti-vo de regozijo venezuelano, não apenas para os que formamos com fervor de convencimento, agora em suas fileiras. Porque o fato de que podemos nos organizar e crescer nacionalmente, revela fundamental-mente duas coisas. A primeira, que era tão caprichosa como falsa, a do critério dos que negavam a capacidade do venezuelano para a organi-zação, a disciplina e o desinteressado entusiasmo, valeria melhor di-zer: o patriótico entusiasmo. A segunda, que já pertence ao passado, a um passado que é doloroso e vergonhoso, foi a crença de que um país civilizado apenas deve escutar a palavra inapelável de quem o gover-na. [...] Dissemos no começo da nossa atuação pública que não sería-mos um partido “caraquenho” fechado dentro dos postos de controle policial da capital, atentos exclusivamente às palpitações de nossa pre-tensiosa metrópole. Somos apenas um partido nacional, que irá à pro-víncia com a sua palavra e com a seu discurso, para contribuir com a sua incorporação ativa na vida política da Nação. [...] É muito interes-sante observar que os militantes do partido, vem de todas as classes produtoras do país, conforme a orientação de organização exclusiva-mente democrática. Não somos um partido integrado exclusivamente por operários e camponeses, já que é bem definida e melhor conheci-da, a nossa apreciação de que um partido uniclassista não é capaz de comandar exitosamente o povo venezuelano nas suas mais importan-tes conquistas. Por isso, na Acción Democrática trabalham coordena-damente industriais e comerciantes de mentalidade evoluída e moder-na, profissionais e operários, camponeses e agricultores, intelectuais e artesãos (BETANCOURT, 1999, p. 232-233, grifo nosso).

Em artigo publicado no periódico Acción Democrática, em 02 de maio de 1942, Ró-

mulo Betancourt apresenta a sua opinião sobre a mensagem anual do presidente Medina An-

garita às Câmaras Legislativas, reunidas no Congresso em 25 de abril de 1942. Para Betan-

court,

No período do governo do General Medina, é certo que ocorreu liber-dade de organização política e que os partidos como o nosso, atuaram sem outros impedimentos derivados de leis antidemocrática, como a chamada de “Ordem Pública”. Pela borda, tira-se oficialmente essa pratica dissimulada, tão própria do quinquênio lopecista, de legalizar organismos políticos, para logo restringir enganosamente o exercício do direito constitucionalmente garantido aos venezuelanos de organi-zar-se em partidos e associações lícitas. [...] O exercício de outras li-berdades democráticas, entre elas, a livre expressão do pensamento, também foi respeitada pelo atual governo. Nesse sentido, dentro de uma apreciação global e de conjunto, o saldo da atual Administração foi positivo, e diferente do quinquênio do seu antecessor não houve coação, o fechamento de jornais e perseguição de escritores (BE-TANCOURT, 1999, p. 227-229).

Apesar dos aspectos positivos da gestão de Medina Angarita, a sua eleição para o perí-

odo de 1941 a 1945, significou o triunfo da elite cívico-militar, assegurando a sua permanên-

cia no poder ao manter o seu domínio sobre o aparelho estatal. A diferença estabelecida entre

o governo de Medina Angarita e do general Gómez fez com que ele assegurasse esse poder

através da sua imagem de modernizador. Essa imagem de modernidade encerrava a concep-

ção evolutiva da democracia. Ao anunciar as diretrizes de seu governo, definia-se que a de-

mocracia se limitaria ao rígido cumprimento das leis e a consolidação dos princípios liberais

constitucionais, destacando também a necessidade de diversificação e equilíbrio da economia

venezuelana (SOTELDO ROJAS, 1999, p. 28).

Diante da plataforma de governo de Medina Angarita, o projeto político de Rómulo

Betancourt para modernizar o país se encontrava em uma posição antagônica. Vista a sua de-

finição de democracia e de modernização, ele advertiu a população quanto as restrições de-

mocráticas daquele governo:

Em um país como a Venezuela, com uma estrutura marcadamente presiden-cialista, as palavras do presidente adquiriram uma particular transcendência. O Poder Executivo direciona todos os atos do Estado, além dos golpes que deformam a vida institucional do país com um Congresso que acaba sendo um prolongamento, ou apêndice daquele grupo. A integração de ambas as Câmaras, por uma esmagadora maioria de funcionários públicos, [...], deter-mina que a vontade legislativa e executiva confunda-se, identificando-se plenamente (BETANCOURT, 1999, p. 227).

O projeto político da AD teve como base a democratização da sociedade, localizada

em um contexto de modernização social e política. Betancourt esboçou uma idéia de moder-

nidade, diretamente ligada ao programa da AD e de democracia que envolveria toda a socie-

dade venezuelana, destacando o papel do Estado no processo de democratização e de moder-

nização. Em relação à vida econômica do país, Betancourt chama a atenção para a importân-

cia do Estado no projeto político do partido:

Temos um particular interesse no problema econômico do país, o da produção nacional. Do exterior nos vem muito pouco, e menos será o que amanhã nos virá. Assegurar o abastecimento interno requer uma ação planificada, audaciosa, de vasto alcance. Esta ação não pode rea-lizar-se na Venezuela a não ser pelo Estado, mobilizando, a seu conju-ro, a iniciativa privada. E se reclamamos algo, com uma urgência de obsessivos por uma grande idéia, é que o Estado venezuelano cumpra sem mais demoras essa função de governar na vida nacional. Claro que, respeitando os legítimos interesses privados dos produtores, e desdenhando as ameaças e coações da enquistada e soberba oligarquia da usura (BETANCOURT, 1999, p. 234).

O projeto político de Betancourt e da AD destacou a importância do desenvolvimento

econômico do país, pois entendiam que um dos grandes problemas estava no fracasso da eco-

nomia nacional. Betancourt afirmava que o país era rico e paradoxalmente empobrecido, des-

tacando a importância do papel do Estado no desenvolvimento do país. O Estado venezuela-

no, segundo ele, manejava milhões de bolívares com a produção de petróleo, mas contava

com a pobreza da maioria da população. A partir dessa situação,

Acción Democrática disse em seu programa que em um país de rique-zas e possibilidades econômicas como o nosso, não tem por que estar agoniado de necessidades insatisfeitas. E que apenas requer o acordo de um plano científico, audacioso e bem elaborado de impulso à pro-dução nacional, alcançando uma era de prosperidade. Nosso partido considera que, para esse propósito, o Estado venezuelano tem uma ta-refa central por realizar. Devido às peculiaridades da nossa estrutura econômica, o Estado venezuelano conta com uma disponibilidade de dinheiro e com recursos de toda ordem, o que o sinaliza como pionei-ro, como o “baquiano”, nesta tentadora empresa da reconstrução na-cional (BETANCOURT, 1999, p. 321, grifo nosso).

O discurso de Rómulo Betancourt pronunciado em 01 de junho de 1942 no Teatro O-

límpia, tratou também de assuntos relacionados a situação econômica do país, evidenciando o

papel do Estado

O Estado, pelo seu determinante peso específico na vida nacional, é o que deve tomar a iniciativa de planificar em todos os aspectos da pro-dução, distribuição e o consumo, realizando uma enérgica política e-conômica de guerra. Ao sustentar a tese de que a economia nacional deve se planificar, isso não significa que nós defendemos uma sorte de capitalismo de Estado, dentro do qual deixe a iniciativa privada su-

bordinada por completo à vontade oficial. Defendemos a elaboração de um plano harmônico em conjunto em que se acorde o Executivo, com todos os fatores que intervenham no processo de produção e dis-tribuição de riqueza, a fim de que o país aproveite esta hora de incer-teza para vitalizar a sua agricultura e para dar um audacioso impulso na sua indústria (BETANCOURT, 1999, p. 336).

O papel do Estado se tornava fundamental na vida política e econômica do país pois,

ele teria a função de distribuir a renda de forma igualitária, sem privilégios, além de intervir

na economia sem prejudicar a iniciativa privada, primando pelo amplo desenvolvimento eco-

nômico

A democratização real de todos os órgãos do poder público não pode se adiar mais. [...] A política social restrita e com a falta de contato di-reto com o povo, receoso e desconfiado deve ser eliminada. O concei-to de que é com a mentalidade de clã que se deve dirigir o destino do país, optando por sistema a voz independente e o critério que não este-ja mediado ao cargo público, deve ser abolido. O executivo deve dar beligerância a sugestão responsável que emerge da rua, expressa atra-vés dos partidos políticos sérios e de periódicos da confiança popular, abandonando, de uma vez por todas, esse receio simples e mesquinho contra quem não ocupa um cargo no escalão (BETANCOURT, 1999, p. 213).

O tema da intervenção estatal sempre esteve presente nos textos de Betancourt, além

de compor o programa da AD. Ele sempre destacou a importância da participação efetiva do

Estado no processo de modernização ao viabilizar a democratização no país. No programa

político da AD e no projeto político modernizador e democrático de Rómulo Betancourt, o

Estado sempre ocupou um papel importante. Nos seus artigos “El “Intervencionismo” estatal

autocrático”, publicado em 19 de setembro de 1944, e no artigo “El Intervencionismo de Es-

tado en países democráticos”, publicado em 20 de setembro de 1944, Rómulo Betancourt

enfatiza a questão da intervenção do Estado:

Existe uma superficial propensão a confundir o intervencionismo de Estado com as tendências socializantes. E a dividir os homens entre democratas reacionários, segundo o seu maior ou menor fervor pela ingerência estatal na vida econômica dos povos. Essa tentativa de ca-librar a mentalidade política de um indivíduo, ou de um grupo de in-divíduos, segundo o grau de adesão ou de repúdio que manifestam frente ao intervencionismo estatal, é uma flagrante bobagem. [...] Sem medo de errar, pode-se assegurar que atualmente não existe nenhum país do mundo, democraticamente governado, onde o Estado seja um espectador passivo diante dos processos econômicos. O intervencio-nismo estatal é um fato definitivamente incorporado à realidade do nosso tempo. Esse intervencionismo estatal dos países democráticos corresponde à necessidade de proteger a maioria desbotada do afã de

extorsão das hipertrofiadas potências do dinheiro. É a resposta neces-sária ao processo de concentração de fabulosos capitais em poucas mãos. Os consórcios ou monopólios, com os seus métodos de cobran-ça injusta do consumidor, e das indústrias e comércios médios provo-caram a reação defensiva da coletividade. Essa reação cristalizou, em organismos estatais, modos de impedir o literal esmagamento dos se-tores economicamente débeis de uma sociedade, pelos tentáculos dos grandes trusts (BETANCOURT, 1999, p. 400-403, grifo do autor).

Para Betancourt, a intervenção estatal é uma prática política que visa defender as ca-madas sociais menos favorecidas que enfrentavam a pobreza, e ao mesmo tempo, defende a produção nacional frente o capital estrangeiro:

Alguns argumentam que não existe nenhuma dessas formas de inter-vencionismo estatal nos templos idílicos do liberalismo econômico, quando muitos países se enriqueceram e prosperaram. Nos Estados Unidos, Henry A. Wallace, em seu estupendo estudo sobre a gênese e as características da Constituição norte-americana, fala do anseio que consiste no retorno a esse perdido paraíso do “laisser-faire”. A verda-de é que o monopólio, o consórcio, o trust, são conjuntamente, fatos fatais dentro do sistema capitalista de produção e a negação do livre cambio. O intervencionismo de Estado, como réplica da coletividade ao controle por alguns dos recursos econômicos de um povo, resulta em uma derivação também fatal da forma que em nos nossos dias as-sume a concentração de capitais (BETANCOURT, 1999 p, 404, grifo nosso).

Nesse período de formação e consolidação da AD, além de formular o seu projeto po-

lítico, Rómulo Betancourt dedicou-se a percorrer todo o país para compreender os seus pro-

blemas e estabelecer estratégias. À medida que ele avançava a sua pesquisa em escala nacio-

nal, ganhavam novos contornos e revelavam a sua crescente força política junto à sociedade.

Ele percorreu todo território nacional, divulgando o programa político da AD, buscando a

adesão de novos militantes, com base no seu princípio elementar: “nem um distrito, nem um

município sem seu partido” (BETANCOURT, apud, SOTELDO ROJAS, 1999, p. 34).

Três mil quilômetros de estrada percorrida em “dois para quatro” (ou “cuca-racha”, como se diz em Zulia), e o saldo de distância percorrido nesse giro pelo ocidente venezuelano foi desbravador. Um aspecto mais positivo, foram os delegados do Diretório do Partido do Povo, vindos da Cordilheira e de Zulia. Em termos pessoais, uma reserva de profundas emoções, um estímulo acumulado em nossa intimidade para continuar a luta. Em termos políticos, uma maior estabilidade na organização das nossas seções e a exposição do programa realista da Acción Democrática a multidões fervorosas. Em termos nacionais, um trabalho de integração venezuelana, uma ofensiva motorizada e desmanteladora contra a criminosa discussão inter-regional, criada por po-litiqueiros de aldeia, por míopes caciques de casebres, interessados em im-pedir a unificação total do povo (BETANCOURT, 1999, p. 221).

Em seu artigo publicado no El País, de 19 de janeiro de 1944, intitulado “Fracasó una

Arepería”, Betancourt contou a história de seus amigos que fecharam uma pequena indústria

produtora de arepas de milho na cidade de Caracas. Ao contar esse incidente, Betancourt

mostrou através dele um dos problemas da economia venezuelana. Ele dizia que

O fracasso da areperia de Garcia Arocha e Alfredo Cortina tem a sua raiz na desarticulação da economia venezuelana. Este absurdo até ago-ra insolúvel – porque o Estado venezuelano tem um santo horror de encarar com energia os problemas – constituído pela disparidade exis-tente entre o preço que os agricultores vendem pelos seus frutos e o preço pago pelo consumidor, depois de passar pelas forcas “caudinas” dos intermediários. Essa empresa que fechou as suas portas não podia pagar o elevado preço a que se cobra o preço do milho. [...] O Estado deve intervir energicamente para colocar o pão de milho ao alcance do consumidor. É a obrigação dele. O seu dever é o de velar pela saúde pública, e além do mais, deve fazê-lo como ato de contrição. Porque se o consumo de pão de trigo é vetado para vastas camadas da popula-ção venezuelana, deve-se à insaciável voracidade fiscal do governo, que multiplica o seu dinamismo quando cobra impostos e desloca-se com lentidão para eliminar tributos (BETANCOURT, 1999, p. 369-370, grifo nosso).

No projeto político da AD, o Estado assumiria esse papel, aliado à preocupação com a

questão nacional, justificada por um conhecimento dos problemas regionais venezuelanos. A

partir desses temas, formular-se-ia uma proposta com a construção de uma economia moder-

na, aliada a um programa social, garantindo a cidadania social. No artigo citado acima, Betan-

court enfatizou o papel central do Estado no gerenciamento da vida política, econômica e so-

cial do país. Ele apontava a incapacidade do Estado naquele momento para gerenciar a eco-

nomia do país, não intervindo na economia local quando necessário, levando-a ao fracasso,

como aconteceu na história descrita no artigo.

Para Betancourt, a participação do Estado, a questão nacional e o partido político eram

elementos que contribuiriam decisivamente no processo de modernização, pois a modernidade

significava também romper com a tradição. Para ele, um partido nacional era, em primeiro

lugar, o unificador de regiões, sem o predomínio de nenhuma região sobre outra, de acordo

com a contestação da tese da hegemonia andina, compondo um partido das massas. A sua

concepção de um partido, com bases e propósitos nacionais, remetia-se à compreensão da

realidade venezuelana e afirmava que:

[...] “se a nossa realidade é distinta, desde o princípio, nossa tática de luta também deve ser distinta. [...] Estou convicto de que fizemos mais pela Ve-nezuela tratando de estudar os problemas que amanhã vamos resolver como parlamentares e como homens de Estado”. (BETANCOURT, apud NJAIM, 1989, p. 154).

A idéia de partido político para Betancourt sempre esteve vinculada a um projeto polí-

tico para a Venezuela e posteriormente para a América Latina. Para Njaim (1989), a trajetória

da concepção de partido para Betancourt, teve como objetivo estabelecer os alicerces para a

incorporação de um novo ator político, o próprio partido político, buscando um novo tipo de

ação política, que viabilizasse a sua permanência na sociedade.

Na Venezuela, o partido político desempenharia um papel central no processo de de-

mocratização política. A partir da instauração da dinâmica partidária, implementou-se uma

nova lógica política no país, construindo novos sujeitos históricos, com a incorporação da

população no processo político, mesmo que de uma forma tímida.

A necessidade de incorporar o povo ou as “massas” – expressão usada naquela mo-

mento – ao mundo dos direitos, cultura, liberdade e justiça social era uma preocupação de

Betancourt, pois isso significava democratizar o país e avançar o processo de modernização.

Seu objetivo era o de converter o povo em sujeitos de sua própria trajetória histórica, através

da implementação de mecanismos que permitissem a tomada de decisões referentes ao bem-

estar social.

As aspirações de Betancourt presentes na luta para constituir uma organização partidá-

ria democrática e nacionalista que incluísse todas as classes, teriam plenas condições de se

concretizarem com a legalização do PDN, posteriormente assumindo o nome de AD. Algu-

mas dimensões constitutivas do anterior PDN passaram a compor a AD, entre elas a democrá-

tica. A AD manteve o objetivo de ser um partido que contemplaria todos os estratos sociais,

que pretendessem modernizar o país. A modernização implicava em um processo de mudan-

ças sociais em que a democracia teria uma importância fundamental. O propósito dos primei-

ros anos da AD era o de fazer com que a democracia fizesse parte da cultura política dos ve-

nezuelanos. A proposta de uma democracia representativa e participativa foi uma das dimen-

sões da luta política desse partido, conquistada através do voto popular (SOSA ABASCAL,

2001).

Nessa trajetória de construção de uma estrutura partidária, a idéia de um novo projeto

de nação tornou-se mais intensa. Uma parte fundamental desse projeto esteve na proposta de

estruturação da sociedade venezuelana, inicialmente proposta no Plan de Barranquilla e idea-

lizada nas cartas de Betancourt, onde ele citava a existência de novas forças sociais que ne-

cessitavam de organização para romperem com a política gomecista. Essa organização social,

composta pelas novas forças seria promovida pelo partido político nascente, ou seja, o PDN.

Temas como a sua definição de classes, em constante debate com os comunistas, o fim do

latifúndio, assunto inicialmente discutido no Plan de Barranquilla, posteriormente desenvol-

vido no programa do PDN e consolidado no programa da AD, ganharam destaque nessa nova

proposta de organização social. Essa nova organização social se basearia na concepção de

democracia expressa por Betancourt, inicialmente esboçada e posteriormente definida nos

documentos de partido, compondo uma parte fundamental do seu pensamento político. Dessa

forma, o partido político tornou-se também uma forma de concretizar o seu ideário. Para ele,

com o partido político, “iniciou-se a segunda independência nacional e ele contribuiu decisi-

vamente para o avanço, prosperidade e dignificação da Republica” (BETANCOURT,1941

apud NJAIM, 1989, p. 126).

A concepção de partido político de Betancourt inicialmente esboçou-se no Plan de

Barranquilla, onde ele escreveu: “Quem escreve esse plano compromete-se a lutar pelas rei-

vindicações nele sustentadas, e a ingressar como militantes no partido político que se organi-

zará dentro do país sobre as suas bases” (BETANCOURT, 1990, p. 242). O partido teria tam-

bém um importante papel estratégico na consolidação dos objetivos políticos de Betancourt,

sendo um dos principais instrumentos para viabilizar a democratização no país, no início do

processo de modernização. Para isso, a organização interna do partido tornava-se essencial.

No seu artigo ¿Com quién y contra quién estamos?, publicado em 1932, Betancourt eviden-

ciou os grupos que estariam unidos contra o gomecismo e as instituições criadas por ele e,

posteriormente, em suas cartas, ele esboçou como esse grupo deveria estar organizado para

instaurar uma nova organização política e social no país.

Em carta aos seus companheiros, Betancourt evidencia a necessidade de criar um par-

tido capaz de unir o proletariado e as camadas médias da população, com uma plataforma

realista, e que contemplasse as aspirações de todos os setores da sociedade. Para isso, seriam

necessárias palavras de ordem às massas para que elas se movimentassem, impedindo reações

em momentos estratégicos de ação contra o gomecismo, e todos os seus seguidores. Em uma

carta de 1932, Betancourt afirmava:

Em 1932, com um partido de massa organizado, o cárcere ou o novo desterro não será mas coisa para nos enfraquecer, porque atrás de nós teremos pesso-as compactas com quem nos comunicaremos, com quem estaremos em con-tato, a quem daremos orientações políticas (BETANCOURT apud NJAIM, 1993, p. 152).

Betancourt sempre se preocupou com o alcance do seu partido em escala nacional,

com a divulgação de todo o seu programa político e possivelmente ampliando o número de

filiados. Para ele, o partido deveria ser conhecido nacionalmente, não estando restrito apenas

ao ambiente universitário. Os seus escritos deveriam ser compartilhados por todas as classes

sociais “liquidando dessa forma, o perigo de encerrar o partido dentro dos claustros universi-

tários e dos pequenos e escondidos grupos de intelectuais de esquerda que dominam o ambi-

ente caraquenho” (BETANCOURT, apud, SOTELDO ROJAS, 1999, p. 42).

A denominação de esquerda sempre foi muito polêmica no país, por isso, a AD e seus

membros sempre esclareceram o seu lugar entre as esquerdas e que tipo de oposição os carac-

terizava. Rómulo Gallegos, um dos presidentes da AD, definia o partido como uma oposição

equilibrada, sem sobressaltos demagógicos pois, para ele, sem uma oposição séria e estrutura-

da, “não pode existir democracia”. (SOTELDO ROJAS, 1999, p. 32). Um ano mais tarde, em

13 de setembro de 1941, Betancourt em um artigo publicado no jornal El Universal, define a

idéia de oposição no partido:

Desde quando começamos a atuar publicamente, definimo-nos como um partido independente e de oposição. Na Venezuela, por partido de oposição entendia-se sempre um agrupamento de alguns homens que utilizavam o ró-tulo partidário como uma simples cortina de ferro. Na imprensa ou no Con-gresso, a oposição lembrava rapidamente a aventura armada. Creio sincera-mente que no nosso curto lapso de vida demostramos a diferença que existe entre a clássica oposição venezuelana – a dos caudilhos ressentidos com o governante, por não poderem desfrutar do Poder – e a oposição doutrinária, impessoal e plena de intenções criadoras (BETANCOURT, 1999, p. 233).

A concepção de partido político de Betancourt sofreu influências de diversas tendên-

cias políticas, principalmente as de tradição marxista. A realidade venezuelana se tornava um

importante elemento na composição da AD, contando também com as reflexões, análises e

discussões sobre a questão das classes e a sua luta na Venezuela, tema que gerou muitas dis-

cussões, levando ao rompimento com o PCV. Membros do PCV, como Valmore Rodrigues,

fizeram várias acusações contra Betancourt, uma delas, como a sua estreita proximidade com

o aprismo, em uma carta enviada a seu amigo Ricardo Montilla, em Bogotá, no ano de 1932,

publicada no Libro Rojo (1936):

Demasiado aprismo, oportunismo que não devemos deixar nos confundir. Para nós existe apenas um partido possível, e é o PC, com a sua linha leni-nista firmemente estabelecida, sem filtros de nenhum gênero. [...] criar um partido sobre bases opostas a ideologia que se professa, para depois voltar a ela e ao partido que a sustenta, isso é uma coisa que está muito perto da trai-ção, ou melhor, ao pior dos oportunismos, ao oportunismo sem lei. Temos que combater o firmemente esse desvio aprista em Rómulo (AGUSTIN CA-TALÁ, 2005, p. 236-237).

A discussão da AD com o PCV encontra na questão nacional um ponto crítico. Para os

membros da AD, discutir e aplicar o que viria da IC não era suficiente, seria necessário refle-

tir sobre a realidade nacional. E a partir da realidade nacional, seria necessário definir o me-

lhor caminho para a Venezuela, ou seja, iniciando o processo de modernização.

Betancourt fez referências a Lênin, destacando a sua importância na sua concepção de

organização, disciplina e estratégia política, com a composição de uma única ideologia de

grupo. E, nesse momento, lançou criticas aos comunistas por seguirem as propostas da III

Internacional Comunista, apenas aplicando-as, sem nenhuma reflexão sobre a realidade vene-

zuelana. E afirmou que o Partido Comunista Venezuelano não era um partido venezuelano,

ele apenas representava a Terceira Internacional Comunista no país, que influenciava e dire-

cionava alguns partidos políticos, que de alguma maneira, organizaram-se em alguns lugares

da América Latina.

Nesse contexto de discussões, a III Internacional Comunista teve um papel de desta-

que, acirrando as divergências entre os partidos de orientação comunista, marxista ou socialis-

ta no interior da esquerda. A III IC tornou-se a base para os Partidos Comunistas, represen-

tando as determinações a serem seguidas. E foi nesse momento que em países como a Vene-

zuela, que se ampliaram essas discussões com as propostas da IC e elaboraram novas interpre-

tações da teoria marxista.

Na Venezuela, durante a década de 1940, diversas questões se tornaram temas de in-

tensas discussões políticas entre os partidos políticos, principalmente com o PCV, envolvendo

o comunismo e outras temáticas como a questão nacional, o fim da ditadura e a própria instau-

ração do comunismo. Porém, cada um desses grupos políticos buscou atingir seus objetivos

através de diversos meios. O modelo de ação e as suas finalidades foram assuntos que dividi-

ram esses grupos, unidos sob a mesma denominação de esquerda.

A partir dessa situação, iniciou-se uma longa polêmica entre os membros da AD e os

comunistas, onde Betancourt novamente reafirma o problema da dependência do PCV em

relação aos preceitos da Internacional Comunista, fato que os impediria de compreender e

intervir na realidade venezuelana, de acordo com o seu contexto nacional: “os partidos comu-

nistas servem ou não servilmente, os vaivéns da política exterior soviética, mesmo que contra-

riando as necessidades nacionais dos países em que atuam” (BETANCOURT, 1944, apud,

SOTELDO ROJAS, 1999, p. 124).

E Betancourt aproveita para explicitar o papel da classe trabalhadora no país em seu

artigo “Somos Democratas de Izquierda, Venezolanistas y Americanistas”, publicado em 15

de abril de 1944, em resposta aos membros do PCV Gustavo Machado e Juan Batista Fuen-

mayor:

Sustentamos que, na Venezuela, a classe trabalhadora não tem densidade numérica, nem tradição cultural, nem um peso específico dentro do meca-nismo econômico e social no país para constituir por si mesma um partido capaz de conduzir toda a Nação oprimida, buscando a conquista da demo-

cracia de fato, da justiça social e da liberdade nacional. Não é o agravamento da condição social do camponês, o setor mais oprimido da Venezuela, um motivo para dar a ele a possibilidade de assumir a direção de todo povo na luta por um futuro melhor. Por isso somos partidários – na teoria e nos fatos – de que o povo deve se organizar em um partido como a AD, onde o traba-lhador manual e intelectual, o agricultor e o industrial e o comerciante que não se enriquece injustamente, tem um lugar e uma responsabilidade. Essa é a nossa concepção, firmemente defendida, ela não implica em impedir aque-les que pensam de maneira diferente do direito que os assiste na forma de organizar os seus partidos. Por isso, Fuenmayor mente ao dizer que levamos os pedenistas e os comunistas a estruturarem seus próprios quadros (BE-TANCOURT, 1999, p. 477).

Betancourt assumiu uma postura frente às correntes ideológicas imperantes no mundo

na década de 1940, como o fascismo, o nazismo, o comunismo, o nacionalismo e a democra-

cia. Ele firmou um posicionamento frente à Segunda Guerra Mundial, as relações econômicas

e políticas do país com severas críticas ao desenvolvimento da economia venezuelana. As

conseqüências da guerra resultaram em mais um aspecto fundamental no pensamento de Be-

tancourt: a sua concepção americanista frente as relações entre as nações do continente ameri-

cano. Essa concepção converteu-se em uma estratégia política e partidária que se desenvolve-

ria nos próximos anos, com a também pela chamada Doutrina Betancourt. A sua concepção

americanista ganharia legitimidade, reconhecimento, apoio nacional e internacional, princi-

palmente dos Estados Unidos.

A AD nasceu, como vimos, a partir do PDN, com a elaboração e ampliação do seu

projeto político, advindo dessas discussões entre as forças políticas no país, como os aliados

do governo e o PCV, que ganhava destaque no cenário político venezuelano. O posterior dis-

tanciamento com essas principais correntes políticas se evidenciou com o rompimento com o

PCV, além da cisão com todo o ideário positivista ainda vigente no país, através das elites

políticas que apoiavam Juan Vicente Gómez e seguidamente Medina Angarita.

Esse distanciamento do comunismo e do positivismo por parte da AD, levou-a para

esse caminho alternativo, composto por alguns preceitos marxistas, mas desvinculado da In-

ternacional Comunista e dos partidos tradicionais do país.

O distanciamento do positivismo se iniciou a partir de 1936, período em que começou

uma fase em que o governo esteve mais próximo das novas aspirações políticas no país, como

a formação dos partidos políticos e os anseios por mudanças políticas, voltadas à democrati-

zação do país. Iniciou-se um processo que deu lugar a novas organizações sociais e políticas,

entre elas, o PDN.

Rómulo Betancourt, um dos principais responsáveis pela criação do PDN, realizou es-

forços no sentido de se diferenciar ideologicamente dos comunistas e dos positivistas e conti-

nuou essa atividade nos primeiros anos da AD. O PDN discordava da concepção determinista

da história, defendido pelo positivismo. No caso venezuelano, esse determinismo político

expressou-se sob a forma de um pessimismo histórico que aceitava como inevitável, a recor-

rência de regimes personalistas, autoritários e ditatoriais. O projeto político de Betancourt se

distinguia do positivista pois, para ele, o processo histórico era definido pelas decisões livre-

mente tomadas pela sociedade. Ao dar forma e conteúdo ao PDN e a AD, Rómulo Betancourt

partiu da concepção de uma sociedade autônoma, baseada em constantes mudanças, com di-

versos ritmos, compondo a intrincada trama da história (SOTELDO ROJAS, 1999, p. 22).

Para Martínez (2004), o autoritarismo era a concepção política e ideológica do grupo

dominante, que estabeleceu durante décadas uma forma de comunicação com o Estado carac-

terizada principalmente pela concepção de família, a valorização da idéia do heroísmo, da

valentia, da exclusão da mulher e das minorias étnicas, pelo racismo, e pela xenofobia, politi-

camente caracterizava-se pelo personalismo, a exclusão da maioria da população, o trato vio-

lento e discriminatório das dissidências políticas, das oposições políticas, o anticomunismo de

Estado, as expulsões do país ou confinamento dos membros dos partidos de oposição. Essa

“cultura autoritária” foi marcada por esses valores que estavam incorporados na vida cotidia-

na.

Até a década de 1940, a cultura política no país foi marcado por esse autoritarismo. A

partir desse período, como vimos, diversas mudanças políticas passaram a operacionalizar

transformações na vida política do país. O aparecimento e a legalização dos partidos políticos

iniciou um processo de mudanças que seria percebido no interior da sociedade no decorrer das

décadas de 1940 e 1950. O autoritarismo e o positivismo marcaram fortemente essa cultura

política nacional até a década de 1940. Durante esse período, aconteceram diversas tentativas

de substituir esses elementos característicos do autoritarismo por elementos democráticos, que

estivessem dentro de outro esquema de pensamento, ou seja, entre o pensamento liberal e o

democrático. No entanto, esse pensamento democrático atingiria apenas alguns setores da

sociedade pois, não havia um projeto político que viesse a incluir a população dentro dessa

proposta democrática (MARTÍNEZ, 2004, p.127).

Com a criação dos partidos políticos no país foi possível iniciar um debate sobre as-

suntos voltados às questões políticas, com a real possibilidade de abandonar o modelo ditato-

rial personalista presente no país até 1945. A mudança do personalismo para o intitulado par-

tidarismo ocorreu de forma lenta até que os partidos se estruturassem, consolidando-se no país

e alterando o quadro político venezuelano.

É nesse contexto que a AD se insere, liderada do Rómulo Betancourt e seu grupo polí-

tico, partido que posteriormente se tornaria o mais importante do país. O campo da política

ganharia novos contornos, passando a ser também o lugar da luta pela hegemonia, através dos

partidos e não mais centralizado em uma figura política isolada. O sujeito político passaria a

atuar nesse cenário, pois ele passaria a ser parte desse processo de luta pela hegemonia, atra-

vés dos discursos, práticas e ações políticas, permitindo a possibilidade de elaboração de no-

vas práticas políticas.

Posteriormente, a democratização para Betancourt ganhou novas dimensões, viabili-

zando a sua realização. Nesse processo, junto à trajetória do pensamento de Rómulo Betan-

court, atrelou-se a trajetória da AD, com a concepção de partido político em um amplo con-

texto de modernização. O partido foi uma das formas encontradas por Betancourt para efeti-

var as mudanças propostas no seu ideário, pois através dele, seria possível alterar o cenário

político, social e econômico do país. Através dele, a democracia se concretizaria pois, o parti-

do também seria responsável pela propagação dos novos elementos componentes de uma no-

va cultura política no país, difundindo-os junto à sociedade e possibilitando a sua efetivação.

2.2 Rómulo Betancourt e a fundação da AD

Lênin esclareceu e definiu perfeitamente o papel dos líderes e dos chefes de partido. E essa definição não é outra que não essa: os partidos vão por onde os dirigentes caminhem. E os dirigentes do nosso partido seremos nós. E os que no grupo tenham a nossa decidida filiação socialista. (AGUSTIN CATALÁ, 2005 , p. 142, 143).

A fundação da AD marcou uma importante fase no processo político venezuelano, no

que se refere à formação e o papel dos partidos políticos. Ela se apresentou no cenário político

como uma alternativa às propostas políticas vigentes durante o governo de Medina Angarita.

O partido nasceu de uma filiação partidária anterior, o PDN, que durante a sua trajetória pas-

sou por diversas mudanças que o fizeram definir as suas diretrizes e o seu plano político para

a sociedade. O PDN encontrou obstáculos para a sua legalização, vistas as suas divergências

com as propostas políticas do governo de Medina Angarita. Com isso, o partido precisou as-

sumir uma nova identidade com características diferenciadas.

No discurso de instalação da AD, realizado no Nuevo Circo de Caracas, em 13 de se-

tembro de 1941, Rómulo Betancourt falou das dificuldades encontradas pelo PDN em 1936,

com a clandestinidade do mesmo

Naqueles turbulentos dias de 1936, dissemos e prometemos manter sempre no alto a bandeira das reivindicações populares e nacionais, fossem quais fossem as circunstâncias que nos colocassem. E aqui estamos, de regresso de uma dura jornada, sem excessiva vaidade, mas com a orgulhosa satisfação de saber ser dignos da fé depositada e do compromisso contraído. (Grandes a-plausos). A bandeira que nos foi entregue naquelas tumultuosas jornadas do despertar nacional, seguiu brilhando, sem que nada nem ninguém a man-chasse. Espalhamos ao ar suas alegres cores, nesta tarde inesquecível, er-guendo-a com mãos mais seguras pela experiência acumulada e pelo amadu-recimento adquirido. (Aplausos) (BETANCOURT, 1999, p. 316, grifo do autor).

Naquele momento, o PDN passaria a chamar-se AD e teria um programa político di-

ferenciado e mais sucinto. A AD adota o programa político partidário do PDN, sucedendo-o,

como Rómulo Betancourt definiu: a “Acción Democrática foi o nome que utilizamos para

legalizar o clandestino Partido Democrático Nacional, com tão ativo e eficaz trabalho como

no quinquênio lopecista” (BETANCOURT, 1956, p. 161). O programa da AD, no momento

da sua fundação, caracterizou-se por se apresentar de forma sucinta, com formulações gerais,

ausente de especificações e aprofundamentos sobre o seu conteúdo ideológico, apesar de con-

tar com uma definição mais precisa do seu projeto político.

Nos escritos de Betancourt, uma resposta a essa formulação do programa da AD foi

apresentada, onde ele a justifica vistas as dificuldades do processo de legalização do partido.

Os partidos passavam, segundo o seu relato, por um “questionário inquisidor” onde

[...] deveríamos demonstrar, para merecer a permissão para realizar ativida-des políticas lícitas, que éramos ardentes defensores da propriedade, conce-bida nos termos do direito “quiritario”, os zelosos guardas do conceito me-dieval da família, e os São Jorges de adaga no braço, prontos para enfren-tarmos as modernas normas do direito social, velhas com velhice de décadas em outros países, mas estimuladas pela Venezuela oficial de 1941, como re-pudiáveis fatores contra a subversão e a anarquia. Passamos por essas forcas cruéis. E o programa da Acción Democrática teve que ser um enunciado va-go de princípios gerais e não o sincero enfoque revolucionário sobre os pro-blemas do país e as possíveis soluções” (BETANCOURT, 1956, p. 161, 162, grifo nosso).

Na AD, desde a sua formação inicial com a ORVE, a ARDI, o PDN e as demais ex-

pressões doutrinárias, ideológicas e políticas de 1928 até 1941, o tema da democracia sempre

esteve vinculado às bases do projeto nacional, referentes a análise econômica e social dessas

organizações e partidos políticos. As esquerdas esboçaram distintas interpretações da realida-

de econômica e social do país e mesmo os setores mais moderados ou os mais radicais desta-

cavam a estreita relação existente entre a democracia e a sua base econômica e social. Para a

AD, a democracia não poderia ser um sistema baseado exclusivamente em um sistema de di-

reitos, ela deveria ser corresponder a um sistema social e econômico diverso do vigente na-

quele momento ( MARTINEZ, 2004, p. 137).

As principais questões discutidas na AD estiveram voltadas ao processo de moderni-

zação venezuelana, ao papel do Estado naquele momento e à formação da Nação. No período

de transição do PDN à AD, é possível notar mudanças estruturais no discurso de Betancourt,

principalmente na sua forma de dirigir-se à sociedade. Suas colocações mostraram-se mais

amenas, com um reduzido teor de radicalidade.

Para Betancourt e para a AD, o país passava por um momento em que a construção de

uma cultura política democrática encontrava os seus principais elementos constitutivos e o

ambiente ideal para se expandir. A cultura política autoritária, vigente no momento, apresen-

tava limites, pois a sociedade se modificava com o surgimento de novos elementos contesta-

dores daquela ordem vigente, como partidos, sindicatos e outras organizações de trabalhado-

res. A democratização do país se tornou uma das principais preocupações de Betancourt, por-

que através dela, a sociedade se modernizaria. Nesse processo, o partido político e o Estado

deveriam contribuir decisivamente no sentido de conduzir e intervir nesse processo de moder-

nização.

A modernização se expressaria de diversas formas e aspectos. No campo esteve pre-

sente com a reforma agrária, com o fim do latifúndio, a distribuição de terras devolutas, o

auxílio aos pequenos proprietários de terras, ao pequeno produtor de matéria-prima, ao co-

merciante, ao pequeno industrial, e às melhorias no sistema educacional. Além de estabelecer

reformas no Poder Executivo, uma de política de valorização nas Forças Armadas, entre ou-

tros objetivos. Todos os objetivos do partido se encontravam esboçados no programa do PDN

e expostos de uma forma mais objetiva no projeto político da AD.

O PDN, em sua análise do processo histórico venezuelano, afirmou que o país passava

por uma fase feudal, com base nas grandes propriedades e nas relações de trabalho, caracteri-

zadas pelos baixos salários, por relações consideradas servis e por uma união patriarcal entre

o “senhor” e os trabalhadores. E, além das dívidas que eram herdadas de acordo com as gera-

ções, haviam outras relações de trabalho que impediam o desenvolvimento da produção.

Este feudalismo sui generis, caracteriza todas as relações de produção que se estabelecem no interior da grande propriedade, e entre elas e outros setores econômicos: os baixos salários, a vida servil, a união patriarcal entre o amo e os peões: pago em fichas, as dívidas herdadas de pais para filhos, a servidão que impede os trabalhadores do campo ao acesso às fontes de água e aos caminhos vizinhos (AGUSTIN CATALÁ, p. 81, 1981, grifo do autor.)

Em seu programa de partido, o PDN ao analisar a economia venezuelana para estabe-

lecer planos de mudanças, resumiu a situação econômica do país

A Venezuela é um país semi-colonial e semi-feudal, um país isolado vivendo o imperialismo econômico, fiscal e político. Com uma economia predomi-nantemente agropecuária estagnada pelo latifúndio e atualmente incapaz de assegurar sozinha nossa independência econômica: carente de grandes indús-trias nacionais de transformação, com a importação de mercadorias estran-geiras com quantidades cinco vezes maiores do que a exportação agrícola e dependendo fortuitamente do resíduo que nos deixa uma indústria extrativa de duração limitada e controlada pelo capital financeiro internacional (A-GUSTIN CATALÁ, p. 75, 76, 1981).

Em setembro de 1939, o PDN definia a sua visão de democracia econômica na sua

primeira conferência nacional e afirmava:

O PDN vai conquistar o poder para realizar um governo de tipo democrático [...] dando a esse conceito um conteúdo mais profundo do que o que lhe atri-bui o liberalismo clássico. Para nós, um regime democrático implica a efeti-vação de liberdades públicas. E, fundamentalmente, a profunda modificação da organização econômica e a democratização da estrutura da economia na-cional [...]. Concebemos a democracia, enquanto regime de governo, que a um mesmo tempo permite o livre jogo das forças sociais, rompendo com o latifúndio, e das relações feudais de sociedade, e desenvolvendo o comércio, protegendo decidida e francamente todas as forças atuantes, em especial, os setores menos beneficiados da riqueza que são os trabalhadores manuais e intelectuais (PDN apud MARTINEZ, 2004, p.138).

A AD nasce como um partido que em seu programa sempre enfatizou a importância da

análise das condições históricas do país, para posteriormente organizar as diretrizes do parti-

do. Para o PDN, bem como para a AD, implantar esquemas teóricos sem refletir sobre a rea-

lidade venezuelana implicaria em ações políticas fracassadas

O Partido Democrático Nacional tem um sólido embasamento doutrinário. Foi organizado depois de analisar a fundo a realidade venezuelana. Seu pro-grama e sua tática não nasceram da vontade caprichosa de uma equipe de di-rigentes, nasceu do estudo aprofundado dos problemas fundamentais da Na-ção enfrentados há vários anos. A Tese Política deste Partido – base onde se articula a doutrina e a tática do PDN – não é uma esquemática e simplista enunciação de princípios gerais. Nem esse transplante mecânico de concep-ções teóricas e de métodos de luta inadequados à realidade do país é prati-cado entre nós. Trata-se de uma séria da realidade econômica e social da Venezuela e dos métodos adequados para transformá-la de forma renovado-ra, mas com olhos e estimativas venezuelanas, resultado do universal anseio de progresso incessante e de justiça social (AGUSTIN CATALÁ, 1981, p. 63).

Na sua Tese e Programa Político, o PDN expôs, analisou e propôs soluções para o

problema da distribuição de terra no país, que a partir da sua análise, deveria ser resolvido

com urgência. Para o PDN, o latifúndio se revelou como um forte elemento que reforçava a

desigualdade social com a opressão e a pobreza do camponês. Além disso, o latifúndio se a-

presentava como um entrave à produção do país com as terras devolutas, levando à redução

da margem de rendimentos com a produção nacional.

O latifúndio, considerado do ponto de vista social, revela-se como a perpetu-ação de uma tremenda injustiça que consagra a opressão das massas campo-nesas por uma minoria privilegiada, e do ponto de vista econômico não é menos problemático, pois constitui um empecilho para o progresso da pro-dução nacional. Ele representa um sistema de produção de baixo rendimento já que deixa várias extensões de terras inexploradas, impedindo a capacidade de trabalho do camponês bem como a exploração industrial da terra, impor-tante para a sua liberação dos entraves feudais (AGUSTIN CATALÁ, p. 67, 1981).

Na análise dos estratos sociais, o PDN encontrou o grupo dos latifundiários, formados

pelos grandes proprietários de terras, como um dos responsáveis pela situação desfavorável do

país frente às demais economias mundiais. Naquele momento, e em tais condições, o Estado

era visto como um instrumento desse grupo. O PDN enfatizou o papel do Estado no processo

de desenvolvimento nacional, ao afirmar que ele esteve a serviço de um regime que não tinha

como objetivo central estabelecer avanços no setor social. O Estado esteve ao lado dos lati-

fundiários e dos grupos sociais mais abastados. Diante daquelas condições, a democracia se

colocaria como uma das condições fundamentais para o desenvolvimento do processo de mo-

dernização, ou seja, a Venezuela apenas ingressaria de fato na modernidade à medida que se

democratizasse. Visto isso, para o PDN, a democracia se converteria em um elemento essen-

cial no processo de modernização no país.

Estas circunstâncias e o atraso da nossa vida econômica e social fecha as portas a um processo de profunda vitalização das fontes de riquezas ainda não exploradas ou não o suficiente, dificultando a melhora nas condições de vida dos setores médios, mas permite afirmar que na luta social já iniciada, está a luta pela transformação democrática e anti-imperialista na Venezuela, e os envolvidos manterão uma atitude mais firme, uma postura própria de países em pleno desenvolvimento da grande indústria (AGUSTIN CATALÁ, p. 77, 1981).

Para o PDN, o Estado seria um dos principais elementos responsáveis pelo processo de

mudanças que conduziriam o país à democracia. Ele, com o seu papel distribuidor e interven-

tor, auxiliaria a democratização no país. Além do lugar do Estado, o partido político teria uma

importância fundamental no processo de democratização. O processo de democratização se

basearia em atender várias classes e não apenas uma delas. O papel do partido nesse processo,

seria o de assegurar oportunidades iguais a todos. Para isso, seria primordial acabar com o

imperialismo e com a oligarquia nacional, através de uma democracia de ampla base popular.

Nesse processo, o PDN enfatizava a necessidade da mudança do papel do Estado ve-

nezuelano que, na gestão de Medina Angarita, esteve submisso ao imperialismo. Isso ocorre-

ria porque a política imperialista tinha no Estado venezuelano o seu principal instrumento, de

acordo com a leitura desse partido.

Ainda que não seja certo, é evidente outro fato específico em nossa realida-de, referimo-nos à potencialidade fiscal do Estado, que em determinados momentos de força para atuar, ainda que contrariando os interesses das clas-ses sociais que constituem seus suportes históricos [...] E não é por azar que o Estado venezuelano é mais tímido diante do imperialismo do que diante de outros pontos sobre los quais se apoiam. Porque o imperialismo, explorador da indústria onde o Estado extrai por volta de 50 por cento de suas receitas fiscais, é o setor mais apto entre os que se sustentam sobre seus fortes bra-ços [...] (AGUSTIN CATALÁ, p. 91, 1981).

O Estado, de acordo com essa análise, seria um dos grandes responsáveis pela organi-

zação social, pela distribuição de renda e pelo estado de pobreza enfrentada no país.

Não existe apenas um simples interesse acadêmico nessa análise que julga o Estado na vida nacional. Disso deduz-se necessariamente que a idéia de que o Estado está mais capacitado na Venezuela do que em outros países da A-mérica para exercer uma transformação profunda de tipo democrática, ope-rando – na sua estrutura - vista a sua influência na vida da Nação (AGUS-TIN CATALÁ, 1981, p. 92).

Esse livre acesso aos bens de produção, entendido como um elemento de melhoria da

economia nacional e parte do processo de modernização, complementariam a democratização

no país. O partido responsável pelo processo de democratização e modernização seria a AD,

pois,

De um lado, porque não é um partido absolutamente alheio a reivindicação de todos os estratos oprimidos da Venezuela. Primeiro porque é um partido mais apto, por essa mesma característica de partido exclusivamente demo-crático, neutralizar os amplos setores de posses, buscando inclusive que in-dividualidade lúcidas desses grupos sociais mais avançados militem leal-mente em suas fileiras, aceitando o seu Programa e submetendo-se a sua dis-ciplina interna. [...] sobre a realidade econômica e social venezuelana, de-duz-se claramente que existem obstáculos determinantes e de grande força em cada um deles e com uma estreita interdependência entre eles e que são um entrave ao progresso social do país. Esses obstáculos são a forma lati-fundiária de exploração da propriedade rural, a ilimitada gestão usureira da Banca privada e o controle da nossa economia pelo imperialismo (AGUS-TIN CATALÁ, 1981, p. 92-96).

O PDN procurou elaborar diretrizes que respondessem aos desafios impostos pelo le-

gado ditatorial de Juan Vicente Gómez, com o objetivo de transformar profundamente a reali-

dade nacional. Os membros do partido buscaram organizar e dirigir os setores populares a

partir de princípios democráticos baseados na justiça social, com o intuito de livrar-se da total

influência do capital internacional. Para alcançar esses objetivos, a estrutura partidária respon-

sável por essas mudanças no país não poderia ser classista, democrática-liberal ou totalitária,

pois para eles e seus idealizadores

Um partido classista, pela sua natureza de transformação social, estabelecido na Venezuela, está impossibilitado a conduzir os amplos setores populares à luta e à vitória contra os inimigos históricos do povo. Um partido democrata e liberal (de centro), enquadrado dentro de um programa de reformas for-mais e sem vocação nem possibilidade de ir à fundo nos problemas sociais, seria incapaz de dirigir o povo venezuelano até as suas metas de aspirações coletivas, de acordo com as necessidades da Venezuela como Nação. Um partido de corte anti-democrático também não reclama o destino econômico e social do país, ele o repudia tenazmente (AGUSTIN CATALÁ, 1981, p. 97, grifo do autor).

O PDN em seu Programa e Tese Política, demonstrou detalhadamente a sua concepção

de sociedade, de Estado e de democracia, esboçando idéias ligadas à modernização e a ligação

da mesma com a democratização. A AD precisou essa ligação entre democracia e moderniza-

ção, além de buscar formas de fazer com que o projeto do PDN ganhasse uma dimensão na-

cional, ampliando-o para viabilizar a sua concretização.

Esse partido intitulou-se como um partido popular e não classista. Ele abar-caria em suas fileiras a maioria da população e não apenas camponeses, ope-rários, ele é composto por todos os setores venezuelanos, desvinculados da oligarquia nacional e do capital internacional. Eles afirmavam ser uma “fren-te única de todos os homens e mulheres venezuelanos realmente interessados que a Nação conquiste o seu grande destino, realizando e assegurando a ela e aos seus filhos bem estar social, liberdades públicas e possibilidades de de-senvolvimento cultural” (AGUSTIN CATALÁ, 1981, p. 99).

No dia 11 de maio de 1941, o partido Acción Democrática foi fundado, mantendo o

projeto político do PDN. O seu programa de partido evidenciava um projeto político para o

país, baseado em um processo de modernização que seria posto em andamento, à medida que

a democratização se efetivasse no país. No discurso pronunciado na instalação da Acción

Democrática em 13 de setembro de 1941 no Nuevo Circo de Caracas, Rómulo Betancourt

falou dos problemas econômicos do país e a sua projeção para o futuro

Imagino a cena que se sucederá dentro de cinqüenta anos, em uma população agrária dos Andes, com o apoio de uma potente hidrelétrica, em uma popu-lação onde, em vez de garagens para carros de luxo, terão garagens para tra-tores. Ou em uma cidade industrial de Gran Sabana, construída próxima das chaminés dos altos fornos, onde operários venezuelanos estejam transfor-mando matéria prima para as fábricas venezuelanas de máquinas, esses mi-lhões de toneladas de ferro que guardam em seu interior, hoje inexploradas na Serra de Imataca. (Aplausos) (BETANCOURT, 1999, p. 317, grifo do autor).

Nessa parte de seu discurso, Betancourt apresentou uma das suas definições de mo-

dernização econômica, destacando a importância da produção de matéria-prima no país, como

uma importante contribuição no rápido crescimento. E destacou a importância de todos os

locais mais distantes da capital do país, descartando os regionalismo e o domínio de uma regi-

ão sobre outra, retomando a tese da hegemonia andina, discutida no seu artigo ¿Com quién y

contra quién estamos?, publicado em 1936.

A AD, em seu programa, enfatizou a importância do desenvolvimento econômico do

país, buscando o fim da dependência e do domínio do capital estrangeiro. Ela destacou a im-

portância da efetivação da liberdade pública plena, garantida pela constituição nacional e pela

democracia real, assegurada pelos órgãos do Estado. Esse partido ampliou a discussão estabe-

lecida pela legalidade, iniciada pelo PDN. Além da manutenção do sufrágio universal e direto

para os cargos que representassem a vontade popular, o regime federativo, a autonomia eco-

nômica e administrativa dos Municípios, a imparcialidade do Poder Público nos processos

eleitorais, o respeito a todas as crenças, a garantia de liberdade de cultos e a progressiva in-

corporação da mulher na vida política da Nação, tema que Betancourt já havia tratado em suas

cartas no exílio na década de 1930 (AGUSTÍN CATALÁ, 1981).

Em relação à produção nacional, a AD buscou uma política de auxílio à produção no

seu programa de partido. Nesse programa, esteve incluído o apoio ao crédito e técnico à in-

dústria nacional, como uma forma de impulsionar o seu desenvolvimento, com o intuito de

reduzir o número de importações no país. E aumentou a produção nacional, valorizando as

riquezas nacionais do país, e investindo em uma política agrária dirigida à realização de uma

economia que assegurasse terras aos trabalhadores em iguais proporções. Para isso, seriam

feitos arrendamentos de terras, com a realização de um plano nacional de irrigação e uma po-

lítica imigratória para povoar as áreas de vazio populacional. Para viabilizar esses projetos,

pretendia-se organizar um sistema de crédito que abarcasse e descentralizasse o empréstimo

de dinheiro para o desenvolvimento da produção agrícola, urbana, pecuária, mineira ou indus-

trial, e complementado com a criação de bancos. Dentro desses processos de mudanças que a

AD buscava, esteve também uma política de criação e expansão das vias de comunicação e de

transporte, conduzida pelo Estado, com o propósito de facilitar o contato entre as zonas pro-

dutivas e os mercados de consumo (AGUSTIN CATALÁ, 1981, p. 210-211).

O partido previa no seu programa político uma política de apoio à iniciativa privada,

com o apoio do Estado, buscando fortalecer as bases da economia nacional. Nesse programa

esteve a organização de uma defesa nacional nas fontes de produção, incorporando-as ao pa-

trimônio na Nação. Além da realização de um Conselho de Economia, com um plano harmô-

nico de criação de riqueza para superar o estancamento da economia, com uma reforma “pro-

gressiva e prudente” do antigo sistema tributário, reduzindo os tributos sobre o consumo (A-

GUSTIN CATALÁ, 1981, p. 212).

Em termos de política social, o programa do partido buscou o cumprimento da legisla-

ção do trabalho, resgatando o direito de sindicalização e liberdades sindicais, a extensão dos

benefícios de uma moderna legislação de Seguro Social Obrigatório a todos os empregados,

operários e camponeses do país. Esse programa da AD previa também uma “política de inteli-

gência e concórdia entre capital e trabalho”, buscando reduzir os conflitos entre as classes que

pudessem obstruir o progressivo desenvolvimento da produção nacional. E caracterizou-se

também por uma ação conjugada de todos os órgãos do Estado, com o intuito de reduzir o

custo de vida no país.

A articulação entre o projeto modernizador, a democratização do país, atingindo todos

os setores da sociedade e a proposta partidária de Rómulo Betancourt e da AD, caracterizaram

as bases do projeto de nação estabelecido pelos membros desse grupo político. Diante das

suas propostas que visavam modificar a sociedade venezuelana através de diversas reformas,

foram elaboradas diversas interpretações do processo histórico onde esses atores políticos

atuaram no país, a partir da década de 1930, buscando compreender os desdobramentos dos

processos históricos daquele período.

2.3 A formação da AD, o pensamento de Rómulo Betancourt e o processo de moderniza-

ção venezuelana: algumas interpretações

Rómulo Betancourt e seus companheiros organizaram o PDN sob a influência de ma-

trizes leninistas, marxistas e social-democratas. Essa forma de organização partidária foi obje-

to de diversas análises que buscaram compreender as mudanças ocorridas durante esse perío-

do de formação e consolidação dos partidos políticos no país. Essas filiações levaram a diver-

sas análises sobre a história política venezuelana nesse período. Essas análises pretenderam

determinar a filiação teórica de Betancourt a partir dos conceitos de marxismo, leninismo,

comunismo, comunismo criollo, social-democracia e populismo.

A denominação de social-democrata foi atribuída a Rómulo Betancourt e à AD. A so-

cial democracia nasceu no final do século XIX, através da Internacional Socialista. O seu ob-

jetivo foi, entre outros, acabar com as querelas do proletariado e fundar um partido socialista.

Para Luis J. Oropeza (1989), das linhas de pensamento social-democrata europeu, duas ver-

tentes são importantes na análise da trajetória ideológica dos partidos da esquerda venezuela-

na. Na Alemanha, o revisionismo de Edouard Berstein e o fabianismo britânico. Berstein bus-

cava na sua prática política, a possibilidade de resoluções pacíficas, sem mudanças bruscas de

caráter revolucionário na imposição de objetivos socialistas, através de uma estratégia de luta

parlamentar.

Os ensaios fabianos apresentavam um esquema político moderado, buscando a melho-

ria social. Esse grupo defendia a implantação de uma “democracia industrial”, alcançada atra-

vés de um socialismo administrativo. Integravam esse grupo Sidney e Beatrice Webb, Sidney

Oliver, entre outros. Para eles, era possível alcançar mudanças importantes através de refor-

mas legislativas. Identificados com postulados da economia clássica e na tradição socialista

continental, eles buscavam uma nova ordem sem rupturas bruscas. E questionavam os proces-

sos revolucionários esquematizados na teoria marxista (OROPEZA, 1989, p. 43).

Para Oropeza (1989), a aproximação de Rómulo Betancourt com as correntes social-

democratas poderia explicar a sua concepção de democracia e o seu afastamento do PCV. E

também ajudaria a compreender as suas propostas modernizadoras. Sob a ótica desse autor,

Rómulo Betancourt não era socialista ou social-democrata: ele seria um reformista social em

um sociedade latino-americana.

A influência da concepção social-democrata da II Internacional Socialista no pensa-

mento de Betancourt, refletiu-se na sua concepção de democracia, no que se refere à busca

pela unidade, consenso, capacidade de diálogo, integração e acordos.

Manuel Caballero (1989), afirma que a adesão de Rómulo Betancourt ao reformismo e

à social-democracia aconteceu como uma derivação da sua formação leninista. Caballero a-

firma que Betancourt não era marxista, mas era leninista na sua concepção de partido, princi-

palmente quando adotou o centralismo democrático, com a nacionalização do partido.

A leitura de marxismo feita por Betancourt mostra-se de maneira concreta em diversas

passagens do Plan de Barranquilla (1931) e no seu ensaio ¿Com quién estamos y contra qui-

én estamos? (1932), diferente do que Caballero (1989) nos apresenta. Nesses documentos de

Betancourt encontramos elementos do materialismo histórico. Na sua análise da história polí-

tica venezuelana é possível identificar elementos que expressam a luta de classes, entre outros

elementos anteriormente analisados.

A análise de Caballero (2004), ao afirmar que Betancourt se distancia do marxismo,

privilegia um marxismo revolucionário e de matriz comunista na compreensão do pensamento

de Rómulo Betancourt. E não encontrando elementos ligados ao comunismo, como a inevita-

bilidade da revolução, a ligação com a III Internacional Comunista e a definição de classes,

inerente ao PCV, o autor afirma que Betancourt se distanciou do marxismo. No entanto, Be-

tancourt sempre esteve ligado ao marxismo e este compôs o seu pensamento político, porém,

distante das leituras marxistas feitas pelos comunistas. Em Rómulo Betancourt, Político de

Nación (2004), Caballero afirmou que Betancourt combinou concepções leninistas e berstei-

nianas, razão para a sua aproximação com a social-democracia e o “revisionismo” reformista.

Ao contemplarmos a luta de classes no método marxista, Betancourt apresenta uma

análise alternativa. Segundo seus escritos, como antes exposto, o conceito de classes divergia

do conceito de classe componente da teoria da luta de classe proposta no marxismo. Para Be-

tancourt, não haveria apenas uma classe, a proletária, responsável pelo processo revolucioná-

rio, existiriam várias classes que conduziriam o processo revolucionário na Venezuela. Ele

trabalhou com a idéia de classes que, para ele, contemplaria a diversidade da sociedade vene-

zuelana. Para Rómulo Betancourt, esse esquema composto por diversas classes conduzindo o

processo revolucionário, combinaria com a sua concepção partidária, mais compatível com a

sua interpretação histórica e política da sociedade venezuelana.

A luta de classes, segundo a leitura do comunismo, faria parte de um esquema que, na

sua visão, seria excludente e ineficiente para instaurar a democracia no país. A dinâmica da

luta de classes faria parte de uma leitura histórica incompatível com a concepção de democra-

cia para Betancourt, e contrária à dinâmica partidária proposta por ele, sendo uma das bases

da idéia de democracia.

Diante disso, existem diversas interpretações referentes ao pensamento político de Be-

tancourt. Autores como Manuel Caballero (1989) afirmam que ele não era marxista, apesar de

ser leninista. Para Caballero (1989), o leninismo de Betancourt esteve diretamente ligado ao

esquema de organização partidária. No entanto, existe um ponto crítico entre a teoria leninista

e a proposta de Betancourt, que está na interpretação e no lugar da democracia. Na proposta

leninista, a democracia ganha um papel de destaque, mas ela era transitória, compondo uma

etapa a ser superada com as demais instituições burguesas em direção ao comunismo. Distan-

te dessa concepção, para Betancourt a democracia seria um momento permanente e central na

sociedade venezuelana. Com isso, podemos afirmar que Betancourt apenas utiliza a concep-

ção de partido leninista, recontextualizando-a isoladamente de todo o seu conteúdo ideológico

e prático, descartando definitivamente qualquer objetivo de instaurar o comunismo no país.

Esse distanciamento de Betancourt do comunismo, levou Caballero a analisar essa postura

como um afastamento do marxismo.

Para nós, afastar-se do comunismo e da concepção de luta de classes não o distanciaria

da teoria marxista, mas sim da interpretação de marxismo da Internacional Comunista. Para

Betancourt, o marxismo se caracterizou como uma ferramenta interpretativa para a sua análi-

se da história venezuelana, principalmente quando ele recorre ao materialismo histórico. Um

exemplo do uso do materialismo histórico estava no Plan de Barranquilla. Ele fugiu do mo-

delo eurocêntrico proposto pela Internacional Comunista, buscando uma interpretação da rea-

lidade latino-americana à luz do marxismo.

Arturo Sosa Abascal (1989), em sua análise sobre a prática política de Betancourt, de-

nomina-o como um “comunista criollo” no período de 1930 a 1935. Para esse autor, essa eta-

pa do pensamento político de Betancourt foi marcada por um pensamento revolucionário de

esquerda, inspirado nas idéias socialistas e pronto para romper com o passado, com um dis-

curso e uma linguagem tipicamente marxistas, e propondo organizações definidas pelas posi-

ções de Lênin e Trotski, mesmo que estivessem em desacordo com os preceitos da Internacio-

nal Comunista. Nessa leitura, Betancourt teria o objetivo de transformar profundamente a

sociedade venezuelana, por isso, seria necessário um processo revolucionário de caráter na-

cionalista e democrático.

Para Sosa Abascal (1989), o “comunismo criollo”, caracterizado pela idéia de revolu-

ção comunista, nacionalista e democrática, formaria as bases do populismo que o sucederia,

um conceito aplicado pelo autor para analisar o período pós 1936. Para esse autor, o projeto

modernizador alternativo ao governo de López Contreas e Medina Angarita pode ser denomi-

nado democrático ou populista. A estratégia de modernização, inserida em um ideário popu-

lista, destacou o papel do Estado, fundamentalmente a sua renda, alcançada através de eco-

nomia petroleira, com o objetivo de atender as necessidades da população e as necessidades

da produção do país. Para alcançar esses propósitos, Betancourt criaria uma ideologia nacio-

nalista, anti-imperialista, justificando os esforços do Estado em aumentar a renda petroleira. O

populismo propôs uma distribuição da renda petroleira, com o intuito de atender as necessida-

des da produção do país e da sociedade, através do Estado, e contemplaria apenas alguns seto-

res da sociedade.

A análise de Sosa Abascal (1989) aproxima-se da análise de Aníbal Romero (1996)

pois, para esse autor, o populismo foi um tipo de movimento político, caracterizado por um

conjunto de concepções sobre a política e sobre um estilo de exercer a liderança, diretamente

ligado ao processo evolutivo da democracia venezuelana, e da economia do país, representada

pelo petróleo. O petróleo sugeria a possibilidade do país crescer rapidamente, acabando de

uma única vez com numerosos problemas de ordem social, econômica e política, sem precisar

realizar esforços de produtividade, organização, inovação tecnológica e redução de gastos da

receita federal, estadual e municipal. O populismo se constituiria, de um lado, num conjunto

de percepções e idéias sobre a economia, a política, a visão global da democracia e o seu futu-

ro, e de outro lado, caracterizar-se-ia por um certo exercício de liderança que influenciou de-

cisivamente na maneira com que os dirigentes venezuelanos e a população em geral assumiri-

am as suas tarefas históricas (ROMERO, 1996, p. 23).

Nelson Acosta Espinosa (2004), utiliza o conceito de dispositivo simbólico para anali-

sar os desdobramentos políticos do país. Para esse autor, a AD teria mobilizado elementos que

passaram a compor o imaginário da sociedade venezuelana, levando-a a aceitar um modelo

político de inspiração populista que se manteve durante décadas, inicialmente sob a direção de

Rómulo Betancourt. A AD, nessa análise, em um mesmo movimento, satisfez a demanda po-

pular democraticamente e outorgou ao movimento popular uma inédita e unitária imagem de

si mesmo. Seu discurso articularia temas industriais, nacionalistas, ligados à participação po-

pular e temas anti-imperialistas. Esses temas apareceram desagregados no discurso anterior ou

ausentes do discurso político positivista de López Contreas e Medina Angarita. Este partido

teria oferecido pela primeira vez uma identidade ao povo enquanto sujeito. A produção dessa

nova identidade, dentro de um novo dispositivo simbólico que o autor denominou adequidad.

Com esse conceito de adequidad, Acosta Espinosa (2004), identificou a aparição de

um novo dispositivo simbólico que substituiria o gomecismo, respondendo a uma urgência

histórica que se evidenciava na sociedade venezuelana, com a necessidade de estabelecer me-

canismos de caráter não–particularista, facilitando a solução dos conflitos e permitindo o es-

tabelecimento de vínculos mais estáveis entre os grupos sociais em luta. A adequidad, en-

quanto dispositivo simbólico, complementou, de acordo com o autor, as tendências moderni-

zadoras da sociedade venezuelana, produto do seu vínculo com os mercados mundiais e tradi-

ções culturais que processaram identidades de caráter comunitário. Esse dispositivo simbólico

proporcionou uma relativa sustentabilidade e direcionamento social, político e cultural sobre o

modelo de modernidade sobre o qual erigiu a sociedade venezuelana do século XX.

Compondo as análise que utilizou o conceito de populismo para explicar os desdobra-

mentos da política venezuelana, encontramos as análises que explicam a existência do popu-

lismo através da formação de um novo imaginário político no país. Entre eles, Nelson Piñeda

(1992), ao afirmar que o populismo foi uma experiência importante para o país, ressaltou os

seus aspectos positivos. O autor afirma que o populismo não poderia ser visto somente como

uma ação de caráter político, pois assumiu aspectos de uma conduta cultural. O populismo

para esse autor, legitimou-se e legitima-se nas bases da formação social capitalista venezuela-

na. Dessa forma, o populismo corresponderia a um fenômeno contemporâneo que emergiu do

processo de industrialização na formação social, gerando novas posturas ideológicas.

Para esse autor, seria preciso compreender a formação social capitalista para entender

como a cultura populista se formou, desenvolveu e consolidou-se. O Plan de Barranquilla,

para o autor, foi o resultado de um conhecimento do processo histórico venezuelano, possibi-

litando a Rómulo Betancourt a construção das possibilidades para a concretização de um pro-

jeto político com a formação de grupos e partidos políticos como a ARDI, ORVE, PDN e a

AD. Para ele, contrário à análise de Sosa Abascal (1989), esses partidos seriam quatro mo-

mentos componentes de um mesmo plano ou projeto: a Revolução Democrático-Burguesa

Venezuelana. No entanto, esse plano ou projeto se diferenciaria da interpretação ortodoxa da

teoria marxista, pois esse possuiria um caráter democrático-nacionalista. Nessa análise, o Plan

de Barranquilla seria o primeiro manifesto programático com o objetivo de construir uma

“cultura populista”, onde a ação política de Rómulo Betancourt proporcionaria a continuidade

desse objetivo. Para o autor, Betancourt buscava constituir uma organização política que re-

pousasse suas bases na realidade nacional, permitindo uma plena identidade partido-povo-

partido (PIÑEDA, 1992, p. 39).

O populismo foi empregado nessas análises para explicar o processo de construção,

conquista e consolidação da hegemonia da AD e do ideário de Rómulo Betancourt. No entan-

to, essas análises não apreenderam os diversos contextos componentes do processo político,

social, econômico e cultural posto em andamento após a década de 1930. Para Arturo Sosa

(1989) e Aníbal Romero (1996), o petróleo e os recursos obtidos através da sua produção,

definiriam o destino político e econômico do país, aliado a um forte discurso, que influencia-

ria todos os setores da sociedade, graças ao seu alto poder de convencimento. No entanto,

outros elementos estavam interagindo nesse processo político, como a intervenção dos parti-

dos políticos, entre eles, a AD. Esse partido esteve longe de ser apenas um reflexo de Betan-

court. Ele participava ativamente do processo político nacional, diluindo a existência da ima-

gem do líder carismático, elemento essencial nas análises populistas.

O papel da AD foi evidenciado nas análises de Nelson Acosta (2004) e Nelson Piñeda

(1992). Para o primeiro, como afirmamos, a AD conseguiu mobilizar elementos componentes

do imaginário político venezuelano, gerando um novo dispositivo simbólico, a adequidad.

Para o segundo, toda a trajetória intelectual e política de Betancourt se resumiria no projeto da

Revolução Democratico-Burguesa Venezuelana, com a finalidade de compor uma “cultura

populista”. Nessas análises, as ideologias deram lugar ao imaginário político, através dos con-

ceitos de dispositivos simbólicos e “cultura populista”, excluindo o petróleo como o veículo

das mudanças ocorridas na sociedade venezuelana.

Essas leituras que utilizaram o conceito de populismo como a explicação para o pro-

cesso de modernização não conseguem apreender a dimensão política que esteve atrelada ao

processo de democratização no país. Essas análises enfatizam apenas a modernização econô-

mica, através do papel do Estado na gestão dos recursos advindos do petróleo e as formas

assumidas pela luta pelo poder no interior do Estado, através da figura do líder carismático ou

da mobilização de elementos do imaginário social venezuelano. Com isso, essas interpreta-

ções mostram uma insuficiência analítica diante dos diversos processos históricos do país,

levando à restrições na compreensão dos mesmos. Isso ocorre pois, existe uma preocupação

em enquadrar uma determinada realidade histórica nos moldes de um conceito ou o contrário,

elegendo um conceito que teria uma capacidade auto-explicativa, em que todos os países lati-

no-americanos obrigatoriamente deveria vivenciar a sua experiência populista. No entanto, a

Venezuela não se encaixa no quadro de análise dos populismos latino-americanos, em virtude

do desenvolvimento do seu processo de modernização e de democratização, que encontrou no

partido político o meio para se concretizar, estabilizar e manter-se durante décadas.

Desde a sua fundação em 1941 e até 1945, com o início do Triênio Democrático, a AD

lançou as bases de uma nova cultura política que ganharia amplas dimensões após 1958, com

o Pacto de Punto Fijo. Esses elementos passaram a compor a forma com que a sociedade ve-

nezuelana concebia e relacionava-se com a política, bem como a sua participação nos proces-

sos políticos, caracterizada por uma grande importância dada ao voto e à luta pela permanên-

cia da democracia. Essa nova cultura política posta em andamento pela AD, levou-a a uma

posição hegemônica no país mantida durante décadas.

CAPÍTULO 3

A ACCIÓN DEMOCRÁTICA E O “TRIÉNIO DEMOCRÁTICO” (1945-1948)

3.1 O “Triénio Democrático”(1945-1948): processo de formação, consolidação e declínio

Com a fundação da AD e a posterior legalização dos partidos políticos, o cenário polí-

tico do país ganhou novos contornos. Os diversos setores sociais passaram a se articular ao

redor e com os partidos políticos, criando uma nova forma de conduzir os assuntos relaciona-

dos à vida política no país.

Com a fundação e legalização da AD, todo o ideário de Rómulo Betancourt e de seu

grupo sairiam do plano das idéias e ganhariam um espaço concreto para se realizarem. A par-

tir da fundação da AD, o espaço de lutas políticas se estabeleceu no ambiente do partido e dos

seus espaços compartilhados, como o seu periódico, que além de ser um espaço de comunica-

ção entre os membros do partido e simpatizantes, tornar-se-ia um espaço de discussões que se

ampliaria, à medida que novos partidos políticos eram fundados, democratizando as opiniões

que naquele momento já poderiam ser declaradas sem repressões. Dessa forma, o partido se

tornou o meio que possibilitou a democratização das idéias e das ações políticas na sociedade

venezuelana.

O período que segue da fundação e legalização da AD, em 1941, ao Triênio em 1945,

mostram como o ambiente político se alterou profundamente, em virtude da criação desses

novos espaços de articulação, discussão e ação política, representados também pelos partidos

políticos. Esse período se caracterizou, ao contrário dos períodos anteriores, pelas lutas políti-

cas entre diversos setores sociais e forças políticas, em um ambiente democrático, ou seja,

sem restrições de pensamento ou ação, como ressaltou Betancourt em seus escritos, ao come-

morar o novo ambiente de liberdades políticas instauradas no governo de Medina Angarita.

Esses anos foram marcados por intensas discussões políticas, onde Betancourt vis-

lumbrou a possibilidade de concretizar todo o seu ideário político, inicialmente formulado na

Geração de 28, passando pela ARDI, com o Plan de Barranquilla, pelo PDN e pela AD. Com

isso, para Betancourt, o Triênio também se apresentou como o resultado de um longo proces-

so de lutas políticas, iniciadas em 1928, que contavam apenas com a idealização de um proje-

to político para o país, voltado para a modernização e para a democratização. Dessa forma, o

Triênio se caracterizou, de certa forma, como o momento em que o projeto político da AD

encontraria o espaço, aparentemente ideal, para se concretizar.

Nas eleições municipais de 22 de outubro de 1944, o PDV (Partido Demo-crático Venezuelano), partido que apoiava o governo, sai vitorioso. Esse fato fez com que os membros da AD insistissem novamente na necessidade da reforma da Lei de Censo Eleitoral e de Eleições. O pedido foi encaminhado ao governo e ao PDV, partido que contava também com o apoio dos comu-nistas, com o PCV. Medina Angarita e o PDV insistiram em manter as elei-

ções indiretas para presidente da República, dessa forma, manteve-se a práti-ca autoritária de impor-se na escolha do Presidente. Naquele momento, Me-dina Angarita e o PDV lançaram a candidatura do presidente Diógenes Esca-lante, posteriormente substituído por Ángel Biaggini.

O Governo de Medina Angarita não possuía uma imagem pública que garantisse a vi-

tória do seu candidato nas próximas eleições. No início existia um apoio generalizado que se

reduziu progressivamente, como o da AD que inicialmente apoiava a candidatura de Diógenes

Escalante, mediante a reforma na Constituição para instaurar o voto universal, direto e secre-

to. Os grupos independentes da esquerda democrática, como a AD, consideravam Medina

Angarita como um presidente herdeiro do regime ditatorial, favorecedor da classe dominante

e com uma escassa formação intelectual. Outros setores sociais, como a Igreja, demonstravam

uma certa desconfiança em relação a Medina Angarita graças à sua aliança com o PCV (A-

LARICO GÓMEZ, 2004, pg. 138).

O PDV, partido do governo, estava dividido em grupos e correntes que apoiavam si-

multaneamente as candidaturas de Uslar Pietri, Martín Vegas, Ángel Biaggini e Manuel Sil-

veira, e o PCV, outro aliado do governo, também estava dividido. A base de sustentação mais

forte do governo de Medina Angarita estava dividida entre gomecistas e lopecistas contra os

medinistas, representados pelo PDV.

A reforma da Constituição Nacional também se configurou em um problema para Me-

dina Angarita pois, ao não conseguir captar a realidade nacional ou recusar-se a vê-la, perdeu

a oportunidade de reformar a Constituição Nacional. Entre outros fatores que levaram a der-

rocada de Medina Angarita, o principal foi uma insurreição militar e civil que se baseou no

desejo de instaurar um regime democrático, em que o presidente seria eleito pela maioria da

população.

Em 1944, López Contreas evidenciava as suas intenções em relação à sua candidatura

para as eleições presidenciais de 1946. No final daquele ano, o ambiente político venezuelano

apresentava sinais de instabilidade no campo das disputas políticas entre os partidos. Rómulo

Betancourt estava apreensivo em relação aos resultados das eleições de 1946 pois, a apresen-

tação dos candidatos poderia acontecer rapidamente e consequentemente a população não

teria tempo para conhecer as suas propostas e fazer a sua apreciação. Ele, representando a

AD, solicitou do PDV a apresentação do candidato desse partido, acompanhada de uma análi-

se crítica das suas propostas de governo pois, para ele,

Se o general Medina não pode falar sobre o problema de 46, o partido oficial deve fazer isso. Não importa as palavras de reflexo, de critério e de querer fundador do chefe desse organismo político. Considerando um partido de es-trutura personalista e de ampla base burocrática, nunca se poderia contar

com os desígnios de quem o lidera, é certo que quem milita nessa organiza-ção serão os mesmos que em 46 elegerão o presidente da Venezuela para o próximo quinquênio. É por isso, que essa facção partidária tem a obrigação de apresentar uma análise crítica de toda a nação, com o nome e as credenci-ais do cidadão que postula a presidência do Estado. [...] O nosso país não quer que o seu destino e a sua sorte se resolvam nas penumbras secretas, de-vem resolver-se com a luz luminosa do dia, diante dos olhos de toda a nação, sendo a ativa e beligerante esclarecedora das questões venezuelanas e não apenas uma convidada imobilizada (BETANCOURT, 1999, p. 535-536).

Para Betancourt, o candidato do PDV deveria ser apresentado com urgência, para que

acontecesse um debate no país, confrontando as opiniões e os programas políticos dos candi-

datos a presidência do país

Poderia se argumentar que esse partido tem liberdade para se pronunciar so-bre a sua candidatura apenas “quando julgar oportuno e conveniente” [...]. Esse argumento é inaceitável. Porque se sabe em toda Venezuela que eles tem em suas mãos essa organização partidária e tem o controle do conjunto eleitor do presidente da República para o quinquênio de 1946-1951, é certo também que a Venezuela não pode ser apenas uma convidada imobilizada nessa hora decisiva sobre o seu destino. Não somos um clã submetido a von-tade descontrolada e omnímoda de uma oligarquia de caciques. Somos uma Nação na maioridade, segura de seu destino, corajosa, tranqüila e definiti-vamente resolvida a intervir ativamente na escolha de quem vai exercer em Miraflores a vida pública (BETANCOURT, 1999, p. 543-544).

Betancourt afirmava que o país teria plenas condições de escolher seus governantes e

também teria o direito de vetar uma candidatura considerada inadequada, por isso, o PDV não

poderia extrapolar os primeiros meses de 1945 para entregar a sua proposta de governo.Para

Betancourt, o ano de 1944 se encerrava com uma expectativa positiva para a eleição presiden-

cial, aguardando a proposta de governo do PDV. No entanto, no início de 1945, os deputados

e senadores foram nomeados e a sua maioria eram do PDV, dessa forma, o partido do governo

controlaria o Congresso. Para ele, o PDV acabaria escolhendo indiretamente o presidente da

República no país, por isso, ele insistia na importância do partido expor o seu programa de

governo para que os venezuelanos pudessem opinar e escolher o seu governante.

Dessa forma, a assembléia do PDV, realizada em abril de 1945, anteciparia a assem-

bléia de abril de 1946, onde aconteceria a escolha do novo presidente para os próximos cinco

anos. Diante da postura do PDV, com a escolha dos membros do Congresso, os acontecimen-

tos de 1941, quando Medina Angarita foi indicado às pressas, sem que a população pudesse se

manifestar, poderiam se repetir. Para Betancourt a sucessão presidencial

[...] foi apenas um simples acordo de camaradas, ignorando todo o país, sem que esse pudesse intervir na escolha do seu Primeiro Magistrado pois, pouco ou nada interessava a opinião da maioria da Nação. [...] Em uma democracia legítima, e não bastarda como a venezuelana, essa consulta à população é feita nas eleições. O povo vai às urnas e escolhe diretamente o seu presidente

a partir do sistema do sufrágio universal e secreto. Na Venezuela, a fórmula da eleição congressional está fora do controle direto da Nação, representando um ato de soberania fundamental de um povo: a escolha do seu Chefe de es-tado (BETANCOURT, 1999, p. 549).

Betancourt refere-se aos problemas relacionados à postura política do PDV. O primei-

ro referia-se ao lançamento de um candidato sem que houvesse um debate nacional, relacio-

nado às suas propostas para o país, com isso, a sociedade venezuelana correria o risco de ele-

ger um candidato que não correspondia às suas necessidades no momento das eleições, além

do inconveniente de lançar um candidato que não estivesse de acordo com as bases do movi-

mento democrático da AD. Com isso, o sentimento de desconfiança sobre os rumos políticos

do país estava expresso na postura política do PDV. Betancourt expressou a sua desconfiança

e indignação frente à postura do PDV em relação aos procedimentos e critérios na composi-

ção dos membros do Congresso,

Quando lerem esse artigo, a Assembléia Nacional do Partido Democrático Venezuelano estará encerrada. Ela foi composta por delegados de todas os comitês estaduais dessa organização política que formam a maioria em todas as Câmaras. [...] Esta é uma reunião extra-oficial do Poder Legislativo, um Pré-Congresso, ou um Congresso reduzido. E, lembrando que na Venezuela as eleições para presidente da República não acontecem por eleições diretas, apenas de uma forma anti-democrática, através de uma reunião de todas as Câmaras no Congresso, essa Assembléia pedevista é uma antecipação da que acontecerá em abril de 1946 para escolher o Chefe de Estado para os próxi-mos cinco anos (BETANCOURT, 1999, p. 548).

Um dos grandes problemas políticos naquele momento estava no Congresso Nacional,

composto em sua maioria por membros do PDV. Para Betancourt, isso representaria um pro-

blema para a sucessão presidencial de 1946

[...] Métodos eleitorais e práticas políticas viciadas, sobre as quais não insis-tiremos nessa oportunidade, levam o Congresso uma incomoda maioria de deputados e senadores de um único partido, compartilhando de um pensa-mento sujeitos a disciplina de uma única parcialidade política. O PDV con-trola a maioria eleitoral dentro do Congresso da República. [...] Considera-mos imprescindível enfatizar a responsabilidade desse partido pelo clima de inquietação e expectativa em que hoje vive o país, diante de um fato já defi-nido, com contornos precisos: o único candidato, o general López Contreas como aspirante a presidência da República para o período de 1946-1951. [...] O nosso partido, nessa III Convenção, decidiu que é contra essa candidatura. Sobre ela, fundamentalmente consideramos que é uma continuidade, mesmo que alternativa e não invalidada pela Constituição, é sinceramente repudiada pela maioria da nação. Ela implicaria no reconhecimento tácito, desonroso para a Venezuela e que fere a nossa dignidade, de que em mais de cinqüenta anos de vida nacional, apenas quatro homens governaram o país: Castro, Gómez, López Contreas e Medina Angarita. [...] (BETANCOURT, 1999, p. 568-569).

Diversos fatores favoreciam a instabilidade política enfrentada pelo país, como a re-

cusa do presidente Medina Angarita em reformar a Constituição, instaurando o voto direto,

universal e secreto, optando por manter as eleições indiretas para a Presidência da República.

Problemas ligados ao setor empresarial também abalavam a credibilidade do governo. As desavenças entre o governo e o setor empresarial se tornaram evidentes no tema da intervenção estatal na gestão privada, sendo um ele-mento que serviu para fortalecer os nexos entre os demais grupos desconten-tes com a política interventora do governo de Medina Angarita. A instabilidade política também se agravou graças as dissidências políticas no momento que precedia as próximas eleições. Depois do fracasso do acor-do entre a AD e o PDV (Partido Democrático Venezuelano), as possibilida-des de consenso estavam esgotadas. O candidato oficial, Diógenes Escalante despertava a desconfiança de todos os setores sociais, inclusive da AD. Consideramos imprescindível enfatizar a responsabilidade de vocês [o PDN] no clima de inquietação e expectativa que o país vive hoje, diante de um fato já definido com precisos contornos: um único candidato saindo para a arena política, o general López Contreas, como o único aspirante a presidência da República para o período de 1946-1941 (BETANCOURT, 1999, p. 569, gri-fo nosso).

Diante das eleições de 1946, o PDV não definia um posicionamento em relação a Ló-

pez Contreas como candidato a presidência, não definindo o seu candidato, e, por outro lado,

a AD se absteve de lançar um candidato próprio. Para a AD, definir um candidato para dispu-

tar as eleições de 1946 não faria sentido pois, a decisão da escolha do Presidente da República

não seria através do voto universal, não representando a vontade nacional, resumindo-se a

uma decisão do Congresso.

O tema da sucessão presidencial era essencial para Betancourt, predominando em to-

dos os seus artigos publicados entre 1944 e 1945. Esse tema prevaleceu em seus escritos, visto

o seu receio em relação aos próximos eventos políticos no país, principalmente as eleições de

1946, que trariam a possibilidade de retorno do general López Contreas ao poder, com a ex-

clusão da maioria da população venezuelana desse processo eleitoral:

Em todas as eleições, a vontade dos eleitores foi limitada e deformada “de cima para baixo”, chegando ao extremo de apresentarem absurdos balanços registrados em números: de 2861 assessores e deputados das Assembléias Legislativas eleitos durante a administração [de Medina Angarita], eram do partido oficial e apenas 142 eram de orientações políticas independentes. Es-sas cifras negam a tese da “liberdade” e da “pureza” eleitoral. Em países como os Estados Unidos, governado por Roosevelt e regido por uma das democracias mais avançadas do mundo capitalista, esses números causariam escândalo. [...] Por razões complexas, entre elas de ordem psicológica, nas-cida do ressentimento popular, acumulado por décadas, contra os governos repressores, existe uma poderosa corrente oposicionista na Venezuela. Um setor dessa sociedade esta organizado partidariamente na Acción Democráti-ca. O outro não está localizado em nenhum lugar e nem submetido à disci-

plina militar. Mas os dois unidos formam uma grande porcentagem da nossa população ativa (BETANCOURT, 1999, p. 554-555,grifo do autor).

A sucessão presidencial foi um assunto que desestimulou a AD a lançar um candidato

próprio, pois a população não participaria do processo eleitoral de 1946

Nosso partido compreende que tem que influenciar, de maneira indireta mas efetiva, a eleição presidencial que se aproxima. Isso porque é a única organi-zação política com crédito de confiança e com uma profunda fixação em vastos setores da opinião pública.[...] Começo dizendo que não nos entusi-asmamos com a idéia de lançar um candidato próprio para 46. Não descar-tamos essa possibilidade, ela apenas não está entre as nossas prioridades. A situação de hoje é distinta da existente em 1941, quando lançamos a candida-tura de Rómulo Gallegos pois, estávamos convencidos de que ele não seria eleito pelo Congresso. A ironicamente chamada “candidatura simbólica” teve um papel histórico em 1941. Na hora incerta de vacilação e de dúvida, esse foi um gesto de a-firmação e de fé (BETANCOURT, 1999, p. 561-562, grifo do autor).

A situação política no país se tornou inconciliável entre os partidos políticos, princi-

palmente entre a AD e o PDV, quando esse partido substituiu o seu candidato, Diógenes Esca-

lante por Ángel Biaggini, ministro da Agricultura de Medina Angarita. Para os dirigentes da

AD, o candidato que reuniria os principais requisitos para assumir a presidência seria o Dr.

Diógenes Escalante. Essa mudança de candidatos foi acarretada por um problema pessoal

enfrentado por Diógenes Escalante. Diante dessa situação, grupos favoráveis ao ex-presidente

López Contreas apresentaram a sua candidatura, aumentando o clima de instabilidade política

entre os setores democráticos.

Em setembro de 1945, dois candidatos estavam confirmados para a disputa presidenci-

al de 1946, o general López Contreas e o Dr. Ángel Biaggini. O PDV e Juan Bautista Fuen-

mayor, membro do PCV, apoiam a candidatura de Biaggini. O PDV ainda contou com um

importante aliado, o PCV, contando com a sua experiência de organização e de propaganda

política. Os comunistas manifestaram uma extrema adesão ao governo, levando alguns dos

seus principais militantes para prestar serviços ao PDV. Essa aliança do PDV e do PCV pre-

tendia disputar os votos populares com a AD.

Por outro lado, com aquela configuração dos partidos políticos no país, a AD não pre-

cisaria mais se referir à esquerda ou opor-se à direita pois, ambas haviam se fundido, dispen-

sando os rótulos de anticomunistas pois, os comunistas tornaram-se aliados do governo. Com

isso, a luta partidária naquele momento se resumiria entre os que estavam contra AD e os que

estavam a favor da AD. Diante disso, o ambiente político se dividiria entre os inimigos de

Medina Angarita e Biaggini, um candidato que continuaria o governo de Medina Angarita e

os inimigos de López Contreas, visto como um reacionário.

Depois dos problemas na candidatura de Diógenes Escalante, a disputa presidencial se

definiu entre López Contreas e Angel Biaggini. Em artigo publicado no dia 13 de setembro de

1945, intitulado “Nuestra Actitud ante las Candidaturas presidenciales”, Rómulo Betancourt

define a posição do seu partido diante das próximas eleições

Estamos dispostos a lutar sem descanso, diariamente, contra o retorno do ex-presidente López Contreas. Sem impulsos mesquinhos ou razões subalternas de rancores pessoais, sendo o resultado de uma análise que considera um ato desacertado o regresso do candidato citado [...] Devemos definir uma posição sobre a candidatura do Dr. Angel Biaggini. E, hoje, vamos defini-la, com franqueza, sem nos esquivar, o que nos caracteri-za como um órgão da imprensa independente e responsável. [...] A capacida-de administrativa, a firmeza, a independência de caráter, o conhecimento dos problemas nacionais e a visão para resolvê-los, a audácia para romper círcu-los de “camarillas” indolentes e aproveitadores, essas são as qualidades que a Nação exige do seu futuro presidente. E nenhuma dessas qualidades con-tribuíram para formar a personalidade desse pré-candidato pedevista. [...] O Dr. Biaggini na chefia do Estado faria um governo que caminharia sem firmeza, débil, até absurdo, caminhando nas nuvens. Ou melhor: apoiado na força política do outro, que poderia ser o general Medina Angarita (BE-TANCOURT, 1999, p. 581-582, grifo do autor).

Para Betancourt, a escolha de Biaggini para a presidência da República foi um golpe

contra a democracia, vista a sua trajetória política no país. A trajetória de Biaggini no Ministé-

rio da Agricultura não foi satisfatória, a crise na produção era evidente, bem como o seu des-

caso diante das economias locais. Betancourt, em um de seus artigos, retratou a situação de

descaso em que estavam as economias locais em alguns momentos da gestão de Ángel Biag-

gini. Os problemas relacionados à economia local sempre foram uma preocupação para Be-

tancourt. Em “Fracasó una Arepería”, publicado em 19 de janeiro de 1944, Betancourt fez

críticas à economia nacional, que não favorecia a produção nacional, além de impedir o aces-

so da população a determinados produtos necessários ao consumo. A partir dessas experiên-

cias assistidas por Betancourt em suas viagens pelo país, ele não acreditava na ação política

desse candidato.

Além disso, Betancourt afirmava que o governo de Biaggini se caracterizaria por uma

ausência de capacidade criadora, de audácia administrativa, definindo-se como um governo

incapaz de resolver os problemas que afetavam o país, retardando o seu desenvolvimento. A

debilidade e a incapacidade caracterizariam esse governo, que sempre recorria aos militares

para obter apoio, especialmente nos generais Medina Angarita ou López Contreas, resultando

na continuidade do processo ditatorial no país (SOTELDO ROJAS, 1999, p. 166).

Além da instabilidade política enfrentada pelo país e a insatisfação de diversos setores

sociais, com a escolha de Ángel Biaggini como candidato a presidência, Medina Angarita

acrescentava mais um forte motivo para acabar com a sua gestão e contribuir com o golpe de

18 de outubro de 1945. A ruptura da AD com o PDV fez com que vários membros da AD

estabelecessem contato com os militares da UPM17 (Unión Patriótica Militar), que também

tiveram os seus motivos para estarem insatisfeitos com Medina Angarita e o eventos que su-

cediam as eleições de 1946.

Os problemas políticos enfrentados pelo país alcançavam também o setor militar que

também estava ansioso por mudanças na vida política do país. As forças armadas pretendiam

assumir o domínio do país naquele momento. Esse processo de tentativa de tomada do poder

se iniciou em 1944, com a união dos militares descontentes com a crise política no país, con-

cretizando-se em 1945 com a reunião de alguns membros desse setor com civis, resultando na

UPM.

A UPM nasceu com o objetivo de alterar a vida política do país, para isso, esse grupo

reivindicou melhorias para a Venezuela e para a instituição militar, com a sua intervenção no

governo. Eles planejaram implantar no país uma ordem, onde imperassem valores como a

honestidade, a capacidade, a justiça e o primado da vontade nacional na escolha daqueles que

governariam o país, assegurando um processo eleitoral direto com garantias iguais para todos

os participantes da disputa eleitoral (ARENAS; GOMEZ CALCAÑO, 2000).

As Forças Armadas durante esses anos desenvolveram uma certa consciência política

que fez com que ela se considerasse um sujeito político autônomo. Os jovens militares se dis-

tanciavam cada vez mais da figura de Gómez e de Medina Angarita. Esses militares queriam

participar ativamente das decisões e dos benefícios sociais e econômicos do processo moder-

nizador posto em andamento. Com isso, à medida que Medina Angaria estabelecia acordos

com os partidos políticos, como o PCV, ele perdia o apoio das Forças Armadas (SOTELDO

ROJAS, 1999).

Rómulo Betancourt definiu a sua opinião sobre as Forças Armadas, ao afirmar que o

desejo de exercer a cidadania não era compartilhado apenas pela população pois, vários nú-

cleos importantes das instituições armadas também desejavam a instauração da democracia.

Em seu discurso “Venezuela, la sucesión presidencial y el Exército”, publicado em 06 de

maio de 1945, Betancourt afirmou a proximidade e a confiança no Exército

Outro tópico que deve ser abordado nessa oportunidade, em relação a suces-são presidencial, é o papel desempenhado pelas Forças Armadas. Não me espanta o gesto de surpresa e até de angústia com que recebem as palavras que acabo de pronunciar. Na Venezuela, o tema do Exército é um tabu, sem

17 A UPM surge no ano de 1942 como uma organização clandestina, ela inspira-se em uma organização similar

argentina e peruana, as chamadas logias, no entanto, nesses países essa organização não se manteve por muito tempo. Perón foi um dos fundadores na Argentina em 1943, ano do ressurgimento da UPM.

razão alguma para avaliar e justificar esse procedimento frente uma das mais importantes instituições da República. [...] Aqueles que falam da atitu-de das nossas instituições armadas estão errados, porque se esquecem que o Exército não é um patrimônio privado para qualquer prestígio pessoal, é a-penas o Exército da Nação. O processo de democratização da consciência nacional não se detém às portas dos quartéis. O desejo de dignidade política e de uma superação democrática do país presente no pensamento dos núcleos civis da população nacional também está na mente e no coração dos oficiais, dos cabos e soldados da aviação, da infantaria, e da marinha, (aplausos).[...] É por tudo isso dito até agora que quero fazer uma profecia, orgulhoso como venezuelano, por poder me expressar assim sobre as Forças Armadas em meu país, se o próximo presidente da República fosse civil, teria o apoio do Exército sem pretextos, com respaldo e sem reservas... (os aplausos diminu-em com as últimas palavras do orador) (BETANCOURT, 1999, p. 563-564, grifo do autor).

A insatisfação com o governo se intensificava progressivamente e o presidente Medina

Angarita não alterou a sua agenda política, negando-se a conduzir a reforma constitucional,

anteriormente prometida e que garantiria o direito ao sufrágio universal e direto para as elei-

ções presidenciais e os demais cargos. Muitos setores sociais, como as classes populares, os

setores produtivos, os partidos políticos, como a AD, e as Forças Armadas aguardavam essas

mudanças. As Forças Armadas também percebiam essa insatisfação geral e esse setor também

passou a buscar a ampliação da democracia na sociedade. Essa reação dos militares se justifi-

cava também por problemas internos, como os baixos salários, levando-os a uma situação

social precária (ARENAS, GOMEZ CALCAÑO, 2000, p. 14).

O setor produtivo, agrário e industrial, também demonstrou a sua insatisfação, à medi-

da que a oposição empresarial se intensificou. Diante do impasse que se caracterizou nesse

setor, o governo buscou formas de estabelecer medidas conciliatórias, como a criação de or-

ganizações, como a Junta Nacional de Fomento de la Produción, em novembro de 1944. Essa

organização teria o objetivo de administrar fundos de crédito, visando minimizar a situação

econômica, basicamente a vinculada ao setor agrário, gravemente afetada por obstáculos ge-

rados pela Segunda Guerra Mundial. O governo, utilizando os seus recursos, ampliou os in-

vestimentos na iniciativa privada. Temporariamente, essas medidas fizeram com que os em-

presários moderassem suas críticas ao governo, mas as Fedecámaras18, em 1944, retomaram

as críticas às medidas do governo pois, ele havia vetado a criação do Consejo de Economía

Nacional (BANKO, 2001, p. 146-147).

18 A Federação de Câmaras de Comércio e Produção (Fedecámaras) é uma associação de associações empresari-

ais, ela surge como resposta ao crescimento do setor, Existiam 21 câmaras que representavam o comércio, a indústria, a agricultura.

Em maio de 1945, o governo iniciou uma série de mudanças que alterariam o sistema

eleitoral para as próximas eleições. Dentre essas mudanças, foi aprovada uma reforma consti-

tucional que admitia o voto da mulher nas eleições municipais e na eleição para deputados.

Essa reforma também assegurou a liberdade de praticar e difundir “doutrinas comunistas e

anarquistas”. No entanto, essas reformas não estavam de acordo com as exigências da oposi-

ção e das necessidades da sociedade venezuelana. Mas, o governo ainda buscou reduzir a in-

satisfação social, fixando o salário mínimo, regulamentando o trabalho no campo e promul-

gando uma Lei de Sociedades Cooperativas, com disposições que favoreceriam os trabalhado-

res, mas essas medidas não tiveram sucesso.

Em 1945, o tema das eleições ganhava maiores dimensões no debate político, ocupan-

do um lugar de destaque, com as candidaturas de López Contreas e Ángel Biaggini para a

disputa presidencial de 1946. As eleições de 1946 se tornaram o maior problema enfrentado

por Medina Angarita pois, a oposição, representada pela AD, expressava a sua indignação em

relação à ausência da população no processo de decisão do presidente da República.

A esse respeito, o nosso partido, Acción Democrática, pode dizer com pala-vras sonoras e claras que não assumiu compromissos políticos, nem direta ou indiretamente para apoiar a candidatura de López Contreas em 46, a candidatura do doutor Arturo Uslar Pietri, nem nenhum outro candidato oficial. E, um dos grandes objetivos dessa luta de outubro é, precisamente projetar um futuro nacional, em que o povo demonstre a sua capacidade para repudiar qualquer chefe de Estado imposto, seja de qual for o reduto de onde venha essa candidatura de imposição (BETANCOURT, 1999, p. 506).

A eleição de 1944, aos olhos dos dirigentes da AD não eram legítimas pois, não con-

tavam com a participação popular. Para esse partido e para o seu líder, Rómulo Betancourt, as

decisões políticas deveriam partir da vontade nacional e não serem impostas por um pequeno

grupo de lideranças políticas que defendiam seus interesses privados.

Concluo com a lembrança de um momento estelar no nosso esplêndido passado histó-

rico. O Libertador estava em Pativilca, quase moribundo, vítima de uma terrível insolação.

Dom Joaquim Mosquera se aproximou do seu leito para perguntar-lhe sobre o seu novo obje-

tivo, e ele respondeu com a voz metálica, com os olhos brilhando já vidrados : Vencer. Com

essa única palavra, breve e comprometida, constatamos aos tímidos que não sabem como nos

atrevemos a enfrentar uma coalizão onde se conjugam dinheiro, recursos de poder e uma de-

magogia desenfreada. Vamos vencer as eleições de outubro, duplicando os votos que o nosso

partido obteve nas anteriores e justas eleições, e demonstrando nas ruas, no palanque e na

imprensa – diante do povo, e integrados com ele –como todas as desavenças são impotentes

para impedir uma Nação na conquista pelo direito por uma vida livre, digna e feliz (aplausos)

(BETANCOURT, 1999, p. 507, grifo do autor).

A participação popular ganhava importância nos discursos da AD pois, a partir da par-

ticipação popular, expressa através do voto universal, a democracia, um dos principais objeti-

vos de Rómulo Betancourt e da AD seria consolidada. Para reforçar o seu argumento e asse-

gurar o direito ao voto, Betancourt recorreu à imagem de Simón Bolívar, como o maior e-

xemplo de luta, devendo ser seguido pela população que nunca deveria desistir de alcançar os

seus objetivos.

Três circunstâncias explicam porque as eleições na Venezuela não expres-sam a vontade da maioria da população. A primeira delas está em excluir os analfabetos do processo eleitoral. O analfabeto paga impostos, presta serviço militar nas instituições armadas, cumpre compromissos e deveres para com a Nação, impostos pela Constituição e pelas leis da República. O seu direito ao voto é vedado como sanção devido a sua ignorância, que tem como maior culpado o Estado, que impede a grande massa venezuelana de ver com clare-za as injustiças, explorações e mentiras. [...] A segunda causa da irrisória quantia de votantes está na exclusão da mulher no processo eleitoral. Duzen-tas mil mulheres vivem no Distrito Federal e compartilham responsabilida-des com a população masculina diante da sociedade e da vida. E, apenas em 1946, com a reforma constitucional, a mulher poderá exercer o seu direito ao voto universal [...] E, por último, a fixação da idade de 21 anos para o vene-zuelano poder exercer a sua cidadania, eleger e ser eleito. Em outros países, onde não temem o fervor da inquietude juvenil, 18 anos é considerada a ida-de – limite para exercer o direito ao voto (BETANCOURT, 1999, p. 514-515).

A sucessão presidencial se tornou um fator crítico no início de 1945. O tema do sufrá-

gio universal e direto foi a principal bandeira das reivindicações de todos os setores da socie-

dade. E, em relação a esses tema, o governo de López Contreas e Medina Angarita demons-

traram a sua limitação política, impedindo o acesso da população às eleições presidenciais de

1946. Essa postura demonstrava a sua incapacidade para perceber os anseios da maioria da

sociedade, em um momento no qual aquelas reivindicações representavam as tendências mo-

dernizadoras que emergiam, representadas pela AD e pelas demais forças políticas. Para a

AD, o sufrágio universal e direto era um dos principais pilares da democracia no país e conse-

quentemente asseguraria a sua entrada na modernidade. E, por isso, o direito ao voto e a

escolha do presidente da República não deveria se restringir apenas a um grupo político, como

o PDV. Para Betancourt

Uma série de fatores históricos colocou a possibilidade de escolha do presi-dente em 46 nas mãos do PDV, esse partido deve perceber que não vai esco-lher um funcionário para o seu uso doméstico, será o presidente da Venezue-la. E que a Venezuela tem o irrenunciável direito de decidir com consciência o ato de eleger, para que as suas palavras sejam atendidas, se concorda ou não com o candidato e com o seu programa que vai reger a vida nacional nos

próximos cinco anos, de 1946-1951. (Aplausos) O país quer conhecer o no-me e a plataforma desse candidato para estabelecer um diálogo com ele. Para exigir que conheça toda a Venezuela, percorrendo pelos seus caminhos soli-tários, para que veja como as províncias estão acabando, vítimas do abando-no e da falta de atenção do governo (aplausos). Para exigir o expresso com-promisso de democratizar esta Constituição retrógrada, para que em 1951, o presidente possa ser eleito através do sufrágio direto, universal e secreto (BETANCOURT, 1999, p. 564-565, grifo do autor).

Betancourt, adotando o pseudônimo de “Próspero”, escreveu um artigo em uma coluna

de política do jornal El País, publicado em 22 de novembro de 1944. Naquele artigo, ele ex-

pôs a sua opinião sobre a questão da importância das eleições diretas, vistas como um dos

veículos da democratização e da modernização. Depois de falar sobre alguns movimentos

políticos latino-americanos, Betancourt afirma que

Esta revisão esquemática dos movimentos insurrecionais ocorridos na Amé-rica, em países onde Hitlers tropicais impediram qualquer possibilidade de atuação de forças democráticas, revela como é insensata a tese que intitula todo movimento insurrecional americano de reacionário e fascista. Na Vene-zuela, [...]as vias legais para lutarmos civicamente contra as deformações e falsificações da nossa democracia estão abertas. E são essas vias que estão transformando os homens e as organizações realmente democráticas (BE-TANCOURT, 1999, p. 523).

A última tentativa de buscar uma solução conciliadora para o problema da sucessão

presidencial entre as correntes políticas foi a proposta do Comitê Executivo da AD, ao dirigir-

se aos membros do Diretório Nacional do PDV e aos demais partidos como o PCV. Esse do-

cumento demonstrou o esforço da oposição no intuito de solucionar o impasse da crise políti-

ca no país de uma forma pacífica. A AD se dirigiu aos partidos venezuelanos em 13 de outu-

bro de 1945

A IV Convenção Nacional do Partido Acción Democrática decidiu que esse Comitê Executivo se dirige aos representantes das outras forças partidárias existentes no país para expor os nossos pontos de vista sobre a atual situação política e convidá-las a uma discussão sobre essa situação em uma mesa re-donda.[...] Para a Acción Democrática, a situação política do país é complexa e grave. Na análise mais superficial da nossa realidade observa-se um estado de âni-mo coletivo que se dirige a uma desintegradora anarquia. O desconcerto e a confusão dominam os ânimos e está surgindo no horizonte a perspectiva de que o estado das coisas pode resultar em violentos choques entre as duas facções fragmentadas do regime político imperante.[..] Para nós, esse com-portamento do país frente as candidaturas em jogo obedecem ao seu íntimo repúdio e à falta de sinceridade institucional na Venezuela. Os princípios te-oricamente normativos da vida pública nacional estão em flagrante contradi-ção com a realidade mesquinha das práticas e dos sistemas em uso. O con-ceito-chave de toda a organização republicana leal aos princípios democráti-cos acolhidos pela Constituição, quando diz que “a soberania reside no povo, aquele que a exerce por meio dos poderes públicos”, é zombado e burlado na Venezuela. A soberania foi usurpada do povo, ela é exercida pelas “camaril-

las” oligárquicas, sob o signo do personalismo autocrático e contra a vontade da Nação.[...] Hoje estamos em crise – uma crise profunda e insuperável – no artificial e antidemocrático sistema de governo existente na Venezuela e estamos diante de uma situação que implica em um fracasso irremediável dos procedimentos e dos métodos, e não apenas do fracasso dos homens. Fundamentalmente, o país não se interessa pela disputa em torno dos votos eleitorais do Congresso para aquele ou outro personagem, postulados, uns e outros, por setores de um mesmo regime, agrupados sob bandeiras pouco di-ferenciadas, porque o que interessa, é eleger ele mesmo, mediante o sufrágio universal, direto e secreto o presidente e os organismos deliberantes da Na-ção. [...] (BETANCOURT, 1999, p. 593, grifo nosso).

No dia 13 de outubro de 1945, a AD expôs a sua opinião sobre o problema da sucessão

presidencial, propondo um debate sobre esse assunto. O objetivo da AD era o de estabelecer

um procedimento para a escolha do presidente a República. De acordo com a proposta da AD,

inicialmente, o presidente seria designado pelo Congresso para atuar provisoriamente, en-

quanto isso, aconteceria uma reforma no sistema eleitoral e na Constituição; após essa fase,

aconteceriam eleições diretas para eleger o chefe de Estado e os membros do Congresso. No

entanto, o PDV não concordou com essa proposta da AD. O partido propôs um acordo entre

os partidos, visando a mudança no processo eleitoral,

Nossa fórmula consiste na escolha de um cidadão extra-partido, com eficiên-cia e integridade de caráter para que, eleito chefe do Estado pelo Congresso em 1946, cumpra a data pré-fixada na disposição da Constituição, conforme o acordo da mesa redonda de partidos e de setores responsáveis não organi-zados politicamente, com a tarefa de presidir uma consulta eleitoral direta para a escolha de um presidente da República em que a Nação confie. [...] Na realidade, o acordo com todos os partidos e todos os setores de opinião sobre o governo provisório e a reforma na Constituição dariam a essas medi-das a força de um consenso plebiscitário. Além do mais, sugerimos essa so-lução conciliatória por desejarmos uma transição da ordem, da ordem das coisas para que elas estejam conduzidas pelo direito constitucional, emanado da soberania popular, que se realiza sem peripécias violentas. Por essas ra-zões, o nosso partido considera como o seu dever patriótico estabelecer dian-te de todos os partidos a necessidade de encaminhar uma fórmula que permi-ta, dentro do ordenamento constitucional, a transição entre os governos não nascidos da vontade do povo para os realmente forjados em eleições basea-das na livre vontade cidadã. [...] (BETANCOURT, 1999, p. 594 -597).

No dia 16 de outubro de 1945, o PDV respondeu negativamente à carta dos dirigentes

da AD. Para o PDV, a situação política do país não era grave ou complexa, como afirmaram

os membros da AD, o país estava passando por um período normal e tranqüilo e não estavam

dispostos a destruir a ordem institucionalizada pela Constituição.

Esse fato levou a uma manifestação dos membros da AD, realizado no dia 17 de outu-

bro de 1945, no Nuevo Circo de Caracas, às oito horas da noite. Esse evento contou com críti-

cas ao governo e ao PDV. A manifestação contou com aproximadamente 20.000 pessoas.

Para Maza Zavala (1984), esse movimento foi interpretado como um dos primeiros passos

para o golpe de 18 de outubro do mesmo ano.

Betancourt encerrou o seu discurso naquela noite com uma promessa eleitoral. Ele a-

firmou que quando a AD chegasse ao poder, adiantando o desejado golpe de 18 de outubro de

1945, haveriam eleições diretas e universais. O discurso da manifestação de 17 de outubro de

1945 no Nuevo Circo de Caracas, foi publicado em 11 de janeiro de 1946

A Acción Democrática vem esta noite, mais uma vez, dizer as suas palavras com clareza e sem se esquivar, o Partido do Povo vem esta noite falar ao po-vo na sua mesma linguagem sincera e direta de sempre, “agarrando al toro

por los cuernos” e chamando as coisas pelo seu nome. Porque para nós, a política não é discutir na surdina, em ocultas e cúmplices negociações, deve-ria ser aberta, pública e com um vigoroso debate sobre as grandes questões nacionais. Assim, estamos cumprindo o que há quatro anos nos comprome-temos com o povo, enquanto partido político “rompendo com o pacto infame de falar a meia voz”.[...] Uma grande jornada por pão, terra, liberdade e justiça. Companheiros: esta noite iniciamos uma grande jornada . Levaremos a nossa palavra aos quatro cantos do país. Uniremos a tese do governo provisório com um candidato nacional às grandes bases estampadas no nosso programa de partido, presen-tes nas suas memoráveis jornadas. Lutaremos pelo avanço e moralização da administração pública, contra o peculado, contra o enriquecimento ilícito de funcionários públicos, contra o uso de influencias políticas para fins pesso-ais. Lutaremos pela criação de uma economia próspera e limpa. Lutaremos por pão, terra, liberdade e justiça para o povo. Mas nessa luta, apesar da nos-sa fé ser capaz de mover montanhas, necessitamos da cooperação de todos os cidadãos independentes, daquele que não se deixou levar pelas belas pa-lavras lopecistas e biagginistas, daqueles que vêem como esses frágeis “bar-

quichuelos” que são joguetes das ondas de ânimos dos desprestígios públi-cos. Chamamos todo o povo venezuelano, todas as classes sociais venezuelanas, todos os que se sentem desvinculados desse regime, chamamos para lutar pe-la consígna, pela grande consigna que esta noite histórica na nova Venezuela deixamos semeada na consciência do país: eleições gerais, presididas pelo governo provisório, a fim de que a partir do sistema de sufrágio universal, direto e secreto, o povo venezuelano possa escolher um presidente da Repú-blica e um Poder Legislativo que representem a Nação (BETANCOURT, 1999, p. 600-611, grifo do autor).

No dia seguinte, 18 de outubro pela manhã, iniciaram-se os acontecimentos da “Revo-

lução do Exército e do Povo”, que encerraria o governo de Medina Angarita. Esse movimento

foi planejado pela Junta Revolucionária de Governo, presidida por Rómulo Betancourt. O

sistema político mantido durante aquelas décadas deu lugar ao movimento conspirador. As

discussões sobre a sucessão presidencial entre os setores da sociedade e a oposição não fize-

ram com que o governo percebesse o que acontecia no interior das Forças Armadas (SOTEL-

DO ROJAS, 1999, p. 175).

É preciso ressaltar que a decisão de alguns membros da AD ao incorporar-se à Junta

Revolucionária de Governo não partiu de todos os membros da AD, mas, especificamente de

Rómulo Betancourt, Gonzalo Barrios, Raúl Leoni e Luis Beltrán Prieto Figueroa, os posterio-

res membros da Junta Revolucionária de Governo, junto aos militares Carlos Delgado Chal-

baud e Mario R. Vargas. Dessa forma, apenas esses membros da AD participaram do golpe de

18 de outubro de 1945. O Comitê Executivo Nacional (CEN) da AD e o seu presidente, Ró-

mulo Gallegos não sabiam da conspiração que estava para se consumar. A AD passou a cola-

borar com a intitulada “Revolução” após a designação de Rómulo Betancourt para a presidên-

cia da Junta Revolucionária de Governo (ROMERO, 2006, p. 78).

Para Maria Teresa Romero (2006), a principal diretriz do movimento de 18 de outubro

de 1945, esteve na necessidade de definir as bases do projeto revolucionário e cumprir o que

foi proposto, agindo de acordo com as expectativas criadas na sociedade venezuelana, de uma

forma rápida e eficiente. Para isso, o governo provisório iniciou uma série de atividades,

compostas por uma intensa atividade administrativa e legislativa, decretando diversas medidas

de emergência, com o objetivo de estabilizar o clima instável do país e avançar a “Revolução

de Outubro”. Para esse grupo, seria difícil garantir uma certa estabilidade pois, seria necessá-

rio estabelecer um novo Estado na Venezuela, garantindo uma nova ordem pública com um

regime de liberdades políticas, abrindo um novo processo político de reformas eleitorais, pri-

meiramente para a Assembléia Constituinte e depois para a presidência da República e o

Congresso Nacional (ROMERO, 2006, p. 82).

No dia 19 de outubro de 1945, Rómulo Betancourt começou a expor as mudanças

imediatas e emergenciais. Entre elas, destacaram-se o restabelecimento da soberania popular e

das liberdades públicas, o estabelecimento da democracia com amplas garantias para todos os

partidos políticos, a normalização da administração pública, com o objetivo de evitar o enri-

quecimento ilícito, reduzir o custo de vida e elevar as condições econômicas e sociais da po-

pulação, iniciar uma reforma petroleira, agrária e educacional, além de estreitar os vínculos

com as nações democráticas e romper relações diplomáticas com regimes ditatoriais e reacio-

nários.

Entre as promessas feitas por Betancourt, destacaram-se as feitas ainda no Plan de

Barranquilla, em 1931, e que se concretizam no programa da AD, como a modernização da

sociedade venezuelana em todas as suas áreas de desenvolvimento econômico, político e soci-

al, partindo da sociedade rural, a partir da maximização da renda do Estado, advinda do petró-

leo. Completando essa agenda de compromissos, nomeou-se um novo gabinete executivo,

com a designação dos governadores dos vinte estados e dos territórios federais. Dentre os go-

vernadores e membros do gabinete executivo, a maioria eram militantes ou filiados à AD.

Com a organização daquele quadro administrativo, instalou-se uma burocracia estatal, centra-

lizada pela AD, fato que alimentou insatisfações entre os demais partidos e setores excluídos,

e que posteriormente geraram fortes oposições.

A convocação de uma Assembléia Constituinte apresentou a possibilidade da concreti-

zação das propostas revolucionárias, com a elaboração de uma Constituição democrática,

moderna e progressista, a organização de eleições livres, diretas, universais e secretas para a

escolha do futuro presidente. Junto a essa medida, Rómulo Betancourt decidiu que nenhum

membro da Junta Revolucionária de Governo poderia se candidatar à presidência da Repúbli-

ca nas próximas eleições, descartando a possibilidade da sua candidatura para as eleições de

1946. Segundo Betancourt, com isso, uma nova ética política começaria a se estabelecer no

país.

Entre outubro e dezembro de 1945, novos partidos foram criados, entre eles, o Partido

Socialista Venezuelano (PSV), sob o comando de Rafael Naranjo e José Rojas Contreas e o

partido Unión Republicana Democrática (URD), dirigido por Elías Toro, Isaac Pardo e An-

drés Germán Otero. Em janeiro de 1946, fundou-se o Comité de Organización Política Eleito-

ral (COPEI), dirigido por Pedro del Corral, Lorenzo Fernandez e José Antonio Pérez Díaz. E,

a partir de 1946, a URD e o COPEI se converteram em inimigos declarados do governo de

Betancourt.

A “Revolução de Outubro” não se deteve em estabelecer as liberdades políticas nos di-

reitos de soberania popular, ao eleger os membros do legislativo e do executivo. Além disso,

o governo provisório iniciou reformas mais profundas na estrutura do Estado, com a descen-

tralização administrativa do Estado, iniciando uma reorganização de ministérios e a criação de

novos institutos autônomos. As reformas políticas foram acompanhadas das reformas agrária

e petroleira, destinadas a regular a economia e incentivar a industrialização nacional (ROME-

RO, 2006).

A educação também passou por mudanças, com a garantia do acesso à instrução pri-

mária e o empreendimento de uma campanha de alfabetização, com base numa nova Lei de

Educação. Esse processo foi parte de uma medida fundamental: a reforma social, o pilar do

projeto revolucionário de Betancourt, que buscava a modernização da sociedade venezuelana,

com o seu início na sociedade rural do país. Com o propósito de defender a sociedade, outras

bases também foram importantes nesse processo, como a prestação de um melhor serviço de

saúde e a garantia e ampliação dos direitos dos trabalhadores beneficiados na Constituição. O

direito a organização sindical foi estimulado pois, os sindicatos eram considerados como uma

das bases da organização democrática da sociedade .

Os primeiros momentos do governo da Junta Revolucionária foram caracterizados por

uma certa estabilidade e uma relativa harmonia. Os problemas viriam alguns meses depois, à

medida que as reformas, medidas e decretos começaram a afetar os interesses, principalmente

econômicos .

Em janeiro de 1946, os golpes começaram a sinalizar a instabilidade política que se

anunciava. Um dos mais estremecedores foi o ataque arquitetado por um grupo de militares e

civis em dezembro de 1946, no dia da aviação. Naquela tentativa de golpe estavam envolvi-

dos militares que estavam cumprindo funções no governo, e civis do grupo de Jóvito Villalba,

que até 1939, com o rompimento entre o PDN e o PCV, foi amigo e companheiro de lutas de

Betancourt (ROMERO, 2006).

Os acordos estabelecidos pela Unión Militar Patriótica (UMP) e a AD foram os de

constituir uma Junta Revolucionária de Governo, integrada por Rómulo Betancourt como

presidente, Luis B. Prieto F., Major Carlos Delgado Chalbaud, Raúl Leoni, Gonzalo Barrios,

o capitão Mario R. Vargas e Edmundo Fernandéz. E, ficou definido que essa Junta duraria o

tempo necessário para convocar eleições gerais que permitissem a eleição do presidente cons-

titucional da República através do voto universal, direto e secreto, realizando-se as eleições

para reformar a Constituição Nacional de acordo com a vontade do povo (ALARICO GÓ-

MEZ, 2004, p. 144).

A campanha eleitoral de 1946 começou e o governo provisório garantiu a tranqüilida-

de na disputa. Os diferentes candidatos expunham as suas plataformas de governo e a Junta

Revolucionária bem como os membros do Executivo respeitaram rigorosamente o direito a

oposição ao governo. Mesmo assim, esta atacou duramente o governo provisório. No dia 27

de outubro de 1946, os venezuelanos votaram sem repressões, com homens, mulheres e jo-

vens a partir dos 18 anos dirigindo-se às urnas. A opinião da população foi respeitada e ex-

pressou-se com a vitória da AD com a maioria, seguido do COPEI, a URD o PCV e os de-

mais partidos. Com o resultado, a Assembléia Nacional Constituinte se instalou oficialmente

em 17 de dezembro de 1946, composta majoritariamente por membros da AD (ALARICO

GÓMEZ, 2004).

A nova Constituição Nacional dos Estados Unidos da Venezuela foi sancionada no dia

05 de julho de 1947. O artigo n. 253, declarava revogada a Constituição de 1936, reformada

em abril de 1945. Na nova Constituição se estabelecia a função da propriedade, deixando evi-

dente que, sobre todos os interesses, primava-se o geral, definiu-se a função do Estado como

um planejador, regulador e distribuidor da riqueza, destacou-se a importância da democracia e

foi concedido o direito do voto universal, direto e secreto, o direito a greve e de organizar

sindicatos, fixaram-se as bases para uma ampla reforma agrária, criou-se o Habeas Corpus, as

Forças Armadas teriam um novo estatuto onde elas se tornariam um organismo apolítico, o-

bediente e não deliberante, as relações entre o Estado e a Igreja foram definidas, as normas

que regiam o sistema educativo foram modernizadas, eliminando os princípios do decreto 321

que causaram uma grande insatisfação na comunidade educacional, e a incorporação da mu-

lher como um componente ativo na sociedade, medidas que tiveram o objetivo de modernizar

o Estado venezuelano.

A partir de 1946, o governo provisório enfrentou uma série de protestos civis, compondo

um ambiente político conflituoso. Mais tarde, diversos fatores se posicionavam contra a “Revolução

de Outubro”, desencadeando o golpe de novembro de 1948. Entre esses fatores destacaram-se as

ambições pessoais dos militares e civis, com a idéia de governar o país, alimentada pelas Forças

Armadas, além da crise e o descontentamento de diversos setores nacionais, que geraram certas

medidas, impulsionadas por um certo sectarismo e uma intolerância do governo.

Para Betancourt, alguns erros contribuíram para os desacertos políticos do governo,

entre eles os chamados decretos educacionais n 321. Eles diziam respeito à medida promulga-

da em 30 de maio de 1946 que estabelecia critérios de avaliação diferentes para as escolas

públicas e privadas. Esse decreto n.321 quase levou a Junta Revolucionária de Governo à uma

crise generalizada. Ele seria suspenso e se promulgou um novo decreto em seu lugar. No en-

tanto, a Junta saiu fragilizada desses eventos, produzindo desagradáveis conseqüências.

A Junta de Governo enfrentou problemas durante a sua gestão, no entanto, existiram

razões possíveis para a sua derrocada que podem ser encontradas no momento da integração

dessa Junta, dominada na sua maioria (5 pessoas) pelos membros da AD. Em uma análise dos

eventos que antecederam o golpe de 18 de outubro de 1945, Marcos Pérez Jiménez aparece

como o principal estrategista e um dos líderes do referido movimento. Rómulo Betancourt

afirmou que Pérez Jiménez queria e podia mandar. Desde o primeiro encontro com Betan-

court, em 1945, ele foi o interlocutor e posteriormente seria o antagonista do movimento de

1945 (ALARICO GÓMEZ, 2004, p. 141).

Os fatos ocorridos naqueles dias foram de grande importância para compreender os

acontecimentos dos próximos anos, de acordo com Carlos Alarico Gómez (2004), principal-

mente as intenções e os protagonistas do golpe de 1948. A versão de Betancourt e Delgado

Chalbaud sobre a derrocada do Triénio com o golpe de 1948, era a de que Pérez Jiménez não

poderia assistir à reunião da Junta pois estava com problemas de saúde, no entanto, aquela

seria a reunião de maior importância pois, naquele momento, seriam designados os novos

governantes do país. Nessa reunião ocorreram fatos que revelaram que os líderes da AD e da

UMP não estavam de acordo sobre quem integraria a Junta, apenas estavam de acordo com a

indicação do seu presidente, Rómulo Betancourt. A composição da Junta levou a pensar que

Delgado havia manipulado ao seu favor e que havia um acordo oculto entre os dois militares

que compunham a Junta Revolucionária, pois nenhum dos seus membros haviam citado o

nome de Pérez Jiménez para participar do grupo.

Rómulo Gallegos e outros membros da AD acreditavam na hipótese de uma manipulação

civil na composição da Junta, e que membros militares da mesma não eram os mais representativos,

e eram excluídos da alta direção da AD. Após o golpe de outubro de 1945, foi essa a herança de

Rómulo Betancourt, recebendo um governo dividido, com possíveis rancores de participantes da

Junta, o governo medinista derrotado, herdeiro de uma hegemonia de mais de quatro décadas, que

ainda tinha um certo prestígio entre alguns venezuelanos, um grupo de militares emergentes com

capacidade e desejo de mandar, e um partido sem nenhuma experiência de governar. Todos esses

fatos ligados a uma situação de isolamento da AD, com uma oposição decidida a acabar com o go-

verno, aliada ao descontentamento de diversos setores sociais do país, levaram ao novo golpe que

mergulharia o país em um longo período ditatorial, conduzido por um dos principais membros das

negociações que levaram ao Triénio, o general Marcos Pérez Jiménez.

3.2 As interpretações do “Triénio Democrático”

Durante o processo que culminou no golpe de 18 de outubro de 1945, cada um dos

grupos políticos envolvidos direta ou indiretamente o explicam de diversas formas. Além dos

protagonistas, os analistas desse período tem opiniões diferentes sobre o período de 1945 a

1948. Primeiramente, existe a busca por classificações e definições para explicar o período do

Triénio e a seu final em 1948.

Muitas análises perpassam o conceito de revolução na busca pela classificação dos e-

ventos de 18 de outubro, enquanto a maioria das análises nomearam esses eventos como um

golpe militar. Certamente, essa última definição oferece uma maior coerência ao explicar os

acontecimentos dessa data.

Por outro lado, os autores também buscaram compreender as causas do fim do Triénio

e o seu legado para a sociedade venezuelana. Esses autores explicaram o fim do Triénio com

o golpe de 1948, a sua ruptura e o seu legado, recorrendo a conceitos que remetem à formação

de um imaginário político, que permaneceria na sociedade venezuelana. Essa permanência se

explicaria, pois os elementos do Triénio passariam a compor um novo imaginário político,

modificando a cultura política nacional, através de discursos e símbolos que seriam transmiti-

dos à sociedade através dos dirigentes políticos. Essas redes de significações permaneceriam

após o Triénio, criando um novo imaginário político que encontraria espaço na sociedade ve-

nezuelana através das práticas populistas. O populismo, característico do Triénio, também

seria responsável pela formação e pelo seu fim e seria, em outras interpretações, responsável

pela formação de uma cultura populista.

No dia 18 de outubro de 1945, a Junta Revolucionária de Governo declarou formal-

mente a sua missão de dirigir uma “revolução”, com o objetivo de colocar em andamento os

projetos de modernização e democratização política, estabelecendo plenos direitos políticos a

todos os venezuelanos, consolidando as bases do sistema democrático.

O movimento de 18 de outubro se atribui, portanto, um sentido revolucionário. Ele se-

ria a chamada “Revolução Democrática Venezuelana”. Posteriormente, um dos seus protago-

nistas principais, Rómulo Betancourt, assumiu que os eventos daquela data se caracterizavam

como um golpe e não como uma revolução.

Diversas análises foram feitas sobre o processo que levou a instauração do Triénio. Pa-

ra Carlos Alarico Gómez (2004), os acontecimento que levaram ao “Trienio” não poderiam

ser considerados como revolucionários, pois para isso seria necessária uma ruptura radical das

estruturas sociais e econômicas. Na sua análise, o que ocorreu na Venezuela foi um golpe de

Estado bem planejado, rápido e violento, que contou com a participação militar e de membros

da AD. Mas, apesar da ausência da revolução, o golpe de 18 de outubro proporcionou profun-

das mudanças na sociedade venezuelana

Ao analisar o movimento de outubro, Maza Zavala (1984) lhe atribui um caráter de

golpe de Estado. Para ele, tratava-se de uma ruptura com a Constituição de 1936 e com o go-

mecismo, levando à emergência das massas, que a partir daquele momento exerceriam ple-

namente os seus direitos políticos e sindicais, especialmente com o direito ao voto universal,

direto e secreto, e liquidando as antigas estruturas do poder econômico.

Para Manuel Caballero (2004), o 18 de outubro de 1945 também não se caracterizou como

uma revolução, sendo apenas um pronunciamento militar clássico. Contudo, os acontecimentos

posteriores a essa data, durante o Triénio poderiam ser considerados revolucionários19.

19 Para Caballero, o uso do termo revolução deve ser compreendido além do seu peso histórico e de compara-

ções, ao remeter-se à revoluções como a Francesa, Cubana ou Mexicana. Essa compreensão deve ter como re-ferência a trajetória histórica venezuelana. Para ele, o “golpe” implica em uma administração, às vezes em um regime e nunca se extende a toda uma comunidade política. A revolução, ao contrário, pode se ampliar por to-da a sociedade (CABALLERO, 2004, p. 225).

Steve Ellner (2001) em sua análise acerca do processo que envolveu o período do

Triénio e os seus possíveis problemas que resultaram na sua derrocada, com o golpe militar de

1948, buscou compreender as diversas opiniões sobre aquele momento. Para ele, os aconteci-

mentos de outubro que resultaram no golpe, feito em nome da democracia, acabou provocan-

do um retrocesso político no país, com o golpe de 1948 (ELLNER, 2001, p. 231).

Ellner (2001) ao analisar a leitura dos defensores do golpe, sugere que, para eles,

houve uma ruptura com a tendência constitucional de 1936, fortalecendo a democracia através

do voto universal, além de desafiar os privilégios da oligarquia venezuelana. Para os que criti-

caram o golpe, o governo do Triénio não poderia ser considerado de “esquerda” pois, as re-

formas implementadas pelo governo da Junta Revolucionária não alteraram significativamen-

te as estruturas da sociedade venezuelana.

A partir de aproximações, Ellner (2001) retoma o argumento de que Betancourt era le-

ninista sem ser necessariamente marxista, pois ele não concordava com a afirmação de que a

classe operária seria o veículo da revolução, repudiando os comunistas. Depois de estabelecer

comparações entre a APRA, a AD e outros partidos latino-americanos, o autor afirmou que a

AD representava um “meio-termo” dentro da esquerda latino-americana.

A partir dessas análises, o autor localizou a AD em uma posição ambígua diante do

cenário político daquele momento. Inicialmente, ele argumenta em torno de um afastamento,

e posteriormente de uma aproximação da esquerda marxista, em virtude da rivalidade com o

PCV. Para o autor, a AD poderia ser considerada populista porque a sua ideologia era indefi-

nida, o seu líder máximo, Rómulo Betancourt, exibia qualidades carismáticas, o seu estilo se

enraizava na cultura popular e o seu maior apoio provinha das classes populares, além do po-

tencial revolucionário, e o repúdio ao comunismo. E essas características ajudariam a com-

preender algumas das causas do golpe de 1948 (ELLNER, 2001, p. 233-234).

No entanto, diante do processo político que desencadeou o golpe de 18 de outubro, o Tri-

énio, e a sua derrocada, a questão do repúdio ao comunismo não poderia ser visto como uma das

posturas que justificariam o golpe de 1948. Rómulo Betancourt se posicionou contra os comunis-

tas, pois havia uma incompatibilidade de objetivos e de práticas políticas, e, principalmente, por-

que naquele momento, o PCV apoiava o governo de Medina Angarita, mantendo essa postura

após o golpe de 18 de outubro. Portanto, não haviam possibilidades da AD e de Betancourt esta-

belecerem acordos ou concordar com a postura do PCV naquele momento.

Luis R. Dávila (1992) designou um peso especial à materialidade do discurso político do

período do Triénio. Para ele, todo interesse e toda identidade política se construiu através de um

complexo processo discursivo. O Triénio, segundo o autor, produziu um tipo de discurso carrega-

do de novos símbolos e valores, como um novo tipo de prática política, com novas formas de ação

que modificaram, de forma indeterminada, a cultura política nacional. Para o autor, a primeira

“descarga simbólica”, revelou-se 24 horas depois do golpe de 18 de outubro, quando os seus pro-

tagonistas o qualificaram de “revolução”, a “Gloriosa Revolução de Outubro”.

Dessa forma, para Dávila (1992), o Triénio contribuiria para a formação do imaginário

político venezuelano, pois passaria a compor um conjunto complexo composto por represen-

tações, atitudes, crenças e práticas, ligadas a uma certa maneira de fazer e interpretar a políti-

ca. O autor buscou compreender as funções imaginárias e simbólicas do discurso octubrista,

as interações entre poder, linguagem e imaginário simbólico através da análise da linguagem

utilizada nos eventos de 18 de outubro.

Na sua análise, Luis R. Dávila (1992) apontou a existência de um mito fundador no 18

de outubro, afirmando que as crenças que envolveram esse momento persistiram graças ao

mecanismo imaginário e simbólico que o discurso octubrista fixou entre os venezuelanos. O

“octubrismo”, para o autor, refere-se a um princípio único que permitiu a recomposição do

jogo político, com um espaço de posições políticas diversas, sendo um campo aberto de afir-

mações, objeções e de relações discursivas entre todas as forças presentes na sociedade. Ele é

composto por uma rede de significações, diferenças, identidades e oposições.

Compondo o discurso octubrista, Rómulo Betancourt foi uma figura essencial. Seu

discurso se destacou por duas razões: pelo seu campo prático, formando um “campo” de po-

der ao seu redor, além da sua linguagem que foi pautada e direcionada para a ação. Esses

elementos combinados a uma notável destreza para o manejo de imagens e metáforas exerceu

uma poderosa capacidade para atingir as mentalidades populares. A “Revolução de Outubro”

criou um novo imaginário político20 sobre a história, a sociedade e a política. A nova repre-

sentação e ação de poder convertia-se em novos elementos que mudaram a forma de pensar o

poder em suas funções imaginárias, discursivas e simbólicas (DÁVILA, 1992, p. 20-25).

Nesta análise, o discurso compôs uma das categorias utilizadas para compreender a

formação do imaginário político venezuelano no período do Triénio. O discurso congrega o

conjunto de enunciados, valores e práticas que definem, informam e justificam as formas as-

sumidas pelo poder e pelas relações sociais, bem como a sua função. Para Dávila (1992), o

20 O imaginário refere-se a um dado fundamental da consciência humana, sendo mais que evocar imagens que se des-

dobrariam no nosso mundo, entre o real e o imaginário. O imaginário é uma criação incessante e essencialmente in-determinada. Nesse processo, os homens representam as coisas e processos distantes, da mesma forma que se articu-lam às dimensões distintas. Dávila (1992) em sua análise refere-se ao imaginário construído pelos participantes de outubro, compreendido como uma representação social de processos históricos e políticos.

discurso revolucionário de 1945 criou o seu próprio objeto21. Para o autor, o imaginário polí-

tico venezuelano utilizou um sistema simbólico (componente principal do imaginário), onde

os líderes o criaram e o transmitiram através do discurso. A partir desse sistema simbólico,

uma sociedade se representa, encontrando a sua identidade. Um “dispositivo” simbólico como

o octubrista, dirigiu-se no sentido de fazer com que a sociedade encontrasse uma identidade e

uma representação de si mesma, através do discurso de seus dirigentes.

Nelly Arenas e Luis G. Calcaño (2000) consideraram o Triénio como o precursor de um

processo que gerou uma identidade, um projeto e uma linguagem política, através de uma prática

populista. Para compreender o processo iniciado pelo Triénio, os autores utilizam as mesmas cate-

gorias analíticas da abordagem de Luís R. Dávila (1992). Eles compartilharam a idéia de que os

eventos de outubro de 1945 caracterizaram-se como um golpe, com características revolucionárias,

no entanto, as suas análises diferem das de Dávila (1992), na definição da idéia de revolução. Para

estes autores, o Triénio foi posto em andamento por um golpe de Estado e contou com outros ele-

mentos que definiram as características desse processo, além dos “dispositivos” simbólicos22. Esse

processo congregou características de regimes populistas, pois contou com um líder carismático,

Rómulo Betancourt, inserido em uma organização política, com mecanismos formais de decisão,

contando com o apoio popular, e instaurando um novo modelo de desenvolvimento.

Para Nelson Acosta (2004), esse novo imaginário criou novos dispositivos simbólicos, ca-

racterizando o que ele denominou como a adequidad. Essa nova organização social, cultural e polí-

tica gerou dispositivos simbólicos que deram um sentido de propósito à sociedade venezuelana.

Nesse processo de síntese simbólica, o Estado desempenhou um papel protagônico. Ele assumiu a

tarefa de construir uma economia moderna, através de um modelo de desenvolvimento interno, e,

por outro lado, processou as demandas sociais, culturais e políticas dos setores médios emergentes.

Com essa política, o país conseguiu avanços significativos na conquista da cidadania política, com o

sufrágio universal e no plano da cidadania social, com a garantia de acesso aos direitos básicos .

Para esses autores, o caso venezuelano esteve ligado à configuração de um dispositivo

cultural que influenciou a constituição de novos atores, atribuindo-lhes uma capacidade para

gerar e estabelecer um novo pacto constitucional que propiciasse sustentabilidade à democra-

cia efetiva. Nesse sentido, para compreender a formação do imaginário e a constituição dos

21 O autor remete-se a Michel Foucault ao definir o que é discurso, o discurso seria a totalidade que incluiria o linguis-

tico e o não linguístico (instituições, conjuntura política e econômica). Ou seja, a afirmação e repetição dos objetivos do exercício do poder e do lugar que os homens ocupam ou deveriam ocupar na estrutura política e social.

22 Para Luís R. Dávila (1992), os dispositivos simbólicos, componentes do imaginário político venezuelano esti-veram acima dos elementos sociais e políticos que levaram ao golpe de 1945, explicando o sucesso da política implementada pela Junta Revolucionária apenas por esses dispositivos simbólicos, minimizando as ações dos protagonistas do golpe de 1945

dispositivos simbólicos na Venezuela, seria imprescindível apreender a dimensão simbólica

compreendida como uma variável constitutiva dos atores e de sua nova cultura política. A

cultura, sob esse aspecto, eqüivale às estruturas de significados, em que os homens dariam

forma às suas experiências, no âmbito da produção, circulação e consumo de significações. A

política seria um dos principais cenários em que se desenvolveriam publicamente essas estru-

turas (ACOSTA ESPINOSA, 2004).

De acordo com a análise de Nelson Acosta (2004), os dispositivos simbólicos inter-

vêm nos processos de formação de atores e das culturas políticas. A configuração do

poder político, dos discursos que enunciavam propostas de “boa ordem”, intervinham em

todas as esferas do cotidiano. Dessa forma, o cenário do político seria concebido como um

campo de luta entre diferentes princípios de “subjetividade”, buscando homogeneizar a socie-

dade política e culturalmente. AD exemplificou uma maneira de assumir e processar a dimen-

são do nacional-popular. Ela, de 1945 a 1948, assumiu a dimensão popular na constituição

dos sujeitos na vida política, cultural e social do país, dando origem a uma nova identidade

social e política.

Nelson Piñeda (1992), confronta as análises sobre a adequidad e busca compreender o

êxito político da AD, destacando a capacidade desse partido para interpretar a realidade vene-

zuelana. No entanto, para o autor, apenas a adequidad não explica a estabilidade política al-

cançada pela AD, após 1958, como afirma Nelson Acosta Espinosa (2004). Para o autor, exis-

tiram outros dispositivos simbólicos que compuseram a intitulada cultura populista, inicial-

mente proposta no Plan de Barranquilla, como citamos anteriormente. Esse fator diferencia a

análise de Piñeda (1992) e Acosta (2004) pois para o último, os elementos componentes da

nova cultura política foram inicialmente mobilizados pela AD e seus dirigentes, resultando no

novo dispositivo simbólico, a adequidad.

As análises de Luís R. Dávila (1992), Nelly Arenas e Gómez Calcaño (2000), Nelson

Acosta Espinosa (2004) e Nelson Piñeda (1992), utilizam as categorias de imaginário político

e dispositivo simbólico para explicar como o golpe de 1945 levou a AD ao poder e justificou

a continuidade desse partido no poder, após o golpe de 1958, quando ela se consagra como o

partido hegemônico no país, através da implementação de uma política populista.

Buscando outras alternativas de análise, para Manuel Caballero (2004), os eventos de

outubro de 1945, trataram-se de uma “revolução à moda venezuelana”, causando mudanças a

longo prazo. As suas conseqüências mobilizaram toda a sociedade venezuelana naquele mo-

mento e até os dias de hoje. E a partir desse evento, os seus protagonistas estiveram sempre

em evidência, ou seja, Rómulo Betancourt, os partidos políticos e o exército, tornaram-se re-

ferências na vida política do país.

Na sua análise, Caballero (2004) enfatiza a importância que os partidos políticos, prin-

cipalmente a AD desfrutaram posteriormente, principalmente após 1958. Os partidos políti-

cos, após 1958, conseguiram assegurar a estabilidade e o equilíbrio institucional na vida polí-

tica do país. Outro fator importante deve-se ao apoio de diversos setores sociais, como os tra-

balhadores, com a organização dos sindicatos, que contou com o apoio dos partidos políticos

e os empresários, com a fundação das Fedecámaras.

A fundação da AD, as lutas políticas envolvendo Rómulo Betancourt e seus compa-

nheiros de partido, o desfecho com o Triênio e suas conseqüências, apontavam para um mo-

mento essencial dentro da trajetória de Rómulo Betancourt, da AD e da vida política venezue-

lana. O golpe de 18 de outubro de 1945, enquanto um fato histórico isolado, não apresenta a

sua real dimensão a não ser, quando colocado em um contexto anterior e amplo de busca pela

modernização, democratização e hegemonia política através das lutas entre os partidos e for-

ças políticas. A dimensão da importância que o Triênio assume, amplia-se nesses contextos, à

medida que eles apresentaram novos elementos que, nas próximas décadas iriam permanecer

na sociedade venezuelana. Elementos esses que foram idealizados durante essas décadas, a

partir da Geração de 1928 e postos em andamento a partir das discussões políticas que leva-

ram ao Triénio. Com isso, diante das análises aqui expostas que fazem uso das categorias de

imaginário político, discurso, símbolo e dispositivo simbólico, elas podem ser utilizadas para

ajudar a compreender momentos do processo que resultou no Triénio, porém não o explicam

plenamente. Os autores citados se apropriam dessas categorias como se elas pudessem expli-

car décadas de fatos históricos envolvidos em infinitos contextos.

Além da sua importância histórica dentro do contexto de formação de uma nova cultu-

ra política venezuelana, o período de 1945 a 1948, também se mostrou importante para Ró-

mulo Betancourt. Ele usou os fracassos que envolveram a sua trajetória durante o Triénio para

apreender os elementos que iriam compor uma nova proposta política para o país. Mas, dessa

vez, definindo estratégias políticas e alianças necessárias para cumprir o seu projeto político,

baseado na modernização e democratização do país, e definindo a AD como o principal parti-

do político venezuelano durante as próximas décadas.

CAPÍTULO 4

DEMOCRACIA E REFORMAS NA VENEZUELA DE RÓMULO BETANCOURT

4.1 A travessia do exílio ao Pacto de Punto Fijo

O retorno de Rómulo Betancourt a Venezuela, em 1958, após a queda da ditadura de

Pérez Jiménez, significou o recomeço de um processo que se iniciou em 1945 e foi interrom-

pido em 1948, com o golpe que destituiu o presidente Rómulo Gallegos. O golpe de 1948

evidenciou profundas mudanças que anteriormente se processavam no país. Elas poderiam ser

vistas a partir das várias ações de revolta contra o governo ditatorial, encabeçadas por diver-

sos setores da sociedade. Os venezuelanos começaram a se adaptar a um novo modo de vi-

venciar a política, com novas regras no jogo político e mudanças sociais propostas no período

de 1945 a 1948, que apesar de insuficientes naquele momento, deixavam claras as possibili-

dades favoráveis para o país.

Durante o Triénio, a AD e Rómulo Betancourt vislumbraram a possibilidade de con-

cretizar o seu projeto político para o país, e mesmo com a interrupção de quase dez anos, entre

1948 e 1958, o trabalho no exílio não permitiu que esses objetivos se esgotassem. A vontade

de implantar o seu projeto político não cessou, pelo contrário, congregou novos adeptos, ape-

sar das dificuldades enfrentadas durante o exílio. Dessa forma, o período do exílio evidenciou

os problemas do projeto político prematuramente, instaurado no país durante o Triénio. Com

o fim do período ditatorial, os partidos políticos voltaram à legalidade e, dessa vez, com pers-

pectivas concretas de instaurar a democracia, modernizando o país.

O período aberto com o golpe de 1958, que destituiu o general Pérez Jiménez, concre-

tizou permanentemente uma nova etapa no país, caracterizada pela participação popular nas

decisões políticas, e com o advento dos partidos políticos, como os veículos articuladores da

relação entre Estado e sociedade, e responsáveis pelo diálogo entre as forças políticas e a

sociedade.

Após 1958, nesse novo contexto, o país atravessou uma série de problemas para con-

quistar uma certa estabilidade, pois, as forças políticas não conseguiam estabelecer um con-

senso entre si. O Pacto de Punto Fijo, assinado em outubro de 1958, vigorou com o objetivo

de alcançar a estabilidade política e definir o lugar das Forças Armadas, ou seja, isolando-as

da política nacional. Além disso, definiu também o lugar que o PCV ocuparia nos próximos

anos, estando sempre em descompasso com a realidade nacional, compondo uma fração radi-

cal da esquerda venezuelana, sempre indisposta a assumir acordos e compromissos que aju-

dassem a democratizar o país. Esse grupo assumiu uma postura ambígua frente os desafios,

para acabar com os regimes ditatoriais. Diante dessa postura, outros grupos de esquerda, co-

mo a AD sempre estiveram em desacordo com o PCV, mantendo essa posição por todo o pe-

ríodo democrático. Mesmo no período que a AD estava na clandestinidade, ela manteve a

postura contra os comunistas, expressa em uma mensagem aos companheiros do Centro (no-

me atribuído à AD)

Mensagem do Centro. Não existe um parto secreto nem público com os co-munistas, sobre nenhum aspecto, da ação política ou tática. Unicamente exis-tem acordos de ação prática com os comunistas e com a Unión Republicana para manifestações e greves[...] (BETANCOURT, 2003, p. 665).

A esquerda venezuelana se caracterizou por muitas dissidências e por uma falta de u-

nidade interna, principalmente na AD, e foi um problema que Betancourt procurou suplantar,

através de alternativas de organização do partido. Os comunistas sempre estiveram à margem

dos processos políticos decisivos, adotando posturas políticas incompatíveis com o seu mo-

mento histórico. A aliança que o PCV estabeleceu com o PDV, a partir de 1940, partido do

governo de Medina Angarita, mostrou-se estranha àquele momento, quando os grupos políti-

cos lutavam pela democracia e pelo fim da ditadura. O partido manteve a mesma postura, du-

rante o período de 1948, quando o PCV se manteve do lado dos militares. A postura do parti-

do mudou quando o governo considerou o partido ilegal, vetando o seu periódico. A partir

desse momento, apenas para assegurar a sua existência, o partido voltou-se contra a ditadura,

mas sem apresentar nenhuma proposta específica para livrar o país da condição de estar em

uma ditadura.

O terceiro exílio de Rómulo Betancourt começou no dia 23 de janeiro de 1949. Ele es-

teve exilado na embaixada da Colômbia em Kingston, na Jamaica. Esse foi um dos lugares

onde Betancourt esteve durante os dez anos de exílio. Nesse período, ele procurou manter a

organização da AD em diversos países, e principalmente na Venezuela, prosseguindo a sua

tarefa de reconquistar o poder e restabelecer um governo democrático na Venezuela.

Durante esse período de exílio, Betancourt passou por diversos países como Estados

Unidos, Cuba, Costa Rica e Porto Rico. Durante essa época, ele conheceu e estreitou relações

com vários personagens importantes na política latino-americana, consolidando a sua imagem

de político e estadista preocupado com o destino da América Latina (ROMERO, 2006).

Betancourt começou a diversificar a sua postura política, com a experiência do Triê-

nio, quando a AD adotou uma postura de isolamento diante dos demais partidos e forças polí-

ticas, fato que levou a crise de consensos entre as principais forças políticas do país. Consci-

ente da necessidade de um maior contato e entendimento entre as elites políticas latino-

americanas, ele buscou formas de estender e fortalecer a democracia no continente, a partir do

reconhecimento dos objetivos comuns de luta entre os governos democráticos contra as dita-

duras. Para ele era fundamental,

Revitalizar a fé na democracia. O primeiro objetivo fundamental para os po-vos da América é o de revitalizar a sua decaída fé nessas instituições. Em grande número, e de forma defensiva, as correntes políticas e ideológicas apontam o dilema de escolher entre o fascismo e o comunismo como fórmu-las únicas para a organização das sociedades e dos Estados. Na América La-tina era particularmente alarmante o fenômeno da agressividade totalitária em contraste com a vacilante posição de expectativa, e até de derrota das forças autenticamente democráticas (BETANCOURT, 2003, p. 345).

O ano de 1949 se iniciou com uma nova etapa da ditadura, impondo à sociedade um

regime de restrições no que se referia à participação política. Essa nova configuração política

se originou de um golpe de Estado, aplicado em 24 de novembro de 1948, contra Rómulo

Galllegos, o primeiro presidente eleito através das eleições. A partir do golpe, uma Junta Mili-

tar, presidida pelo tenente coronel Carlos Delgado Chalbaud, ministro de defesa do governo

de Rómulo Gallegos, foi instaurada. De acordo coma proposta dos membros da Junta Patrióti-

ca, nos primeiros anos, ela teria a sua configuração modificada, caracterizando-se como uma

Junta de Governo, composta por civis e militares, presidida pelo advogado Germán Suarez

Flamerich – de novembro de 1950 a dezembro de 1952 – e após esse período, haveriam elei-

ções. No entanto, de 1952 a dezembro de 1958, instaurou-se no país uma ditadura pessoal,

encabeçada pelo coronel Marcos Pérez Jiménez. E, uma das primeiras medidas desse grupo

foi colocar a AD na ilegalidade, expulsando os seus principais membros do país, principal-

mente Rómulo Betancourt, e perseguindo e prendendo os demais.

Durante os meses de outubro e novembro de 1948, muitos acreditavam que mesmo

com o golpe, haveriam mudanças com o novo governo da Junta Militar. Rafael Caldera e Jó-

vito Villalba, secretários gerais do COPEI e da URD, acreditaram no presidente da Junta Mili-

tar, Delgado Chalbaud, que afirmou que o governo não se orientaria na instalação de uma

ditadura. Ele afirmou também que as eleições aconteceriam em breve, de forma transparente

e em condições de igualdade de direitos para todos os candidatos. No entanto, o governo mili-

tar indicava outra direção, com a posterior instauração de uma ditadura regida por uma única

pessoa, o general Pérez Jiménez (ROMERO, 2006).

Em março de 1949, o clima político estava conturbado, com a proximidade das elei-

ções de 1952, e os partidos políticos reagiam de diversas formas às ações do governo. A partir

daquele período, a AD procurou diversas formas de organizar-se na clandestinidade. Nos pri-

meiros meses daquele ano, vários membros do partido se comunicavam através de correspon-

dências. Em várias correspondências, as estratégias estabelecidas pelo partido e pelos seus

componentes exilados estavam descritas, bem como as discussões entre os membros do parti-

do, apontando falhas em ações anteriores, como no Triénio, ou retomando estratégias anterio-

res de organização. Um dos grandes problemas enfrentados pela AD concentrava-se na forma

de organização e o que fazer para reagir e reconstruir as bases do partido, retomando os seus

objetivos em meio à repressão do governo

Como devemos agir? Dissemos que o partido deve aproveitar a conjuntura eleitoral para iniciar novas e extensas jornadas de agitação contra o regime, sem que isso signifique que estamos fechando outros caminhos para a ação partidária na luta pela recuperação da soberania popular. O partido não pode cruzar os braços diante da consulta popular, nem assumir a atitude de se abs-ter passivamente [...]. Em suma, não devemos renunciar a luta pelo campo da opinião pública, devemos aproveitar a oportunidade eleitoral para criar uma pressão pública contrária ao regime militar (BETANCOURT, 2003, p. 407).

A organização interna do partido foi um tema intensamente discutido durante o perío-

do do exílio, pois seria necessário recrutar novos membros para atuarem em sigilo, auxiliando

na manutenção e expansão do partido no país, clandestinamente e em outros países. A desa-

gregação do partido sempre foi um tema presente nas reuniões, a partir do momento que o

partido entrou na ilegalidade. Em vários momentos, os núcleos locais da AD encontravam-se

sem uma direção única e os membros do partido que permaneceram na Venezuela temiam a

desagregação e a dispersão que poderia acontecer em todos os diretórios do país. Em uma

correspondência entre membros da AD, em 9 de abril de 1949, eles relatam problemas do

partido relacionados à falta de liderança

Durante esse período, a organização esteve praticamente sem direção. Esta circunstância se traduz em uma desmoralização perigosa em densos setores da organização, resultando em uma anarquia nas ações [...] Apontamos essa circunstância porque ela se constitui em um fator que não se pode descartar, quando procura-se fazer uma análise objetiva do trabalho interno que temos realizado. A tarefa de reduzir e disciplinar esses grupos dispersos foi pacien-te e difícil. Já se estabeleceu um comando único e fatores como a anarquia são de outra índole como logo se verá. A outra tarefa , a de levantar a moral, de espantar o medo, de vencer a indiferença medrosa que se apoderou dos nossos companheiros valiosos, com capacidade de direção e muitos que de-sempenharam valiosas funções públicas, não estão mais em ação. As ações de rua, apesar serem muitas vezes precipitadas, perseguiam certos objetivos. Mesmo sem a intensidade esperada, pretendiam reincorporar muitas pessoas à atividade diária da organização (BETANCOURT, 2003, p. 119).

Além disso, busca pela unidade foi um problema enfrentado pela AD, desde a partida

de Rómulo Betancourt para o exílio. O partido sofria com problemas ligados à repressão do

governo, às redes de comunicação e à falta de recursos financeiros para os exilados. A clan-

destinidade e a dispersão de alguns membros do partido tornou-se uma das principais preocu-

pações do CEN e dos representantes da AD em outros países. E, para solucionar esses pro-

blemas e ampliar o quadro de militantes no partido, várias medidas foram estabelecidas, como

aumentar a renda do partido, para realizarem missões em todos os lugares do país, aumentan-

do o número de adeptos.

Além dessas medidas novos departamentos foram organizados, aumentando a rede de

informações entre o CEN e os demais departamentos. Nesses departamentos, o setor de pro-

paganda deveria conter uma orientação doutrinária, trazendo informações atualizadas e pro-

gramas de rádio e folhetos, com o intuito de informar a população. Porém, o principal entrave

para organizar o partido dessa forma foi a questão financeira. Essa situação implicava em im-

pedimentos na realização de manifestações ou ações que envolvessem um maior número de

pessoas com menos gastos para o partido.

Para CEN 14 de outubro de 1951. Digam se estão de acordo com as minhas teses: 1 – A bomba não foi atirada na Junta. 2- O Complô foi inventado por Pérez Jiménez para justificar a repressão em massa. 3 – Na resistência arma-da tivemos cidadãos em conflito com policiais, isso mostra que o povo está disposto a responder a violência com violência. 4 – Negar toda a aproxima-ção ou colaboração com os comunistas. 5 – Denunciar todas as torturas. 6 – Reafirmar a fé no povo, a confiança na AD e a solidariedade para com a di-reção. Alvarez 23 (BETANCOURT, 2003, p. 542).

O período da ditadura militar se diferenciou em dois momentos. O primeiro, desde o

golpe que destituiu Rómulo Gallegos do governo, com a Junta Militar, seguida da Junta de

Governo, que propôs eleições no ano de 1952. A segunda etapa, caracterizou-se por um novo

golpe aplicado por Marcos Pérez Jiménez, até a sua queda em janeiro de 1958. Na primeira

etapa, alguns partidos políticos atuaram livremente, como o PCV, durante um curto espaço de

tempo, sendo ilegalizado em 1950, com a suspensão do seu periódico, Tribuna Popular, além

da URD e do COPEI, que atuaram até as eleições de 1952. A AD foi considerada ilegal após

o golpe de 1948, porém manteve as suas atividades clandestinamente.

Em abril de 1951, uma comissão de juristas foi designada pelo governo para elaborar

um novo estatuto eleitoral que foi posteriormente decretado. No mês de outubro do mesmo

ano, o governo decretou a Universidade Central da Venezuela (UCV) em processo de refor-

ma, o que significou a anulação da sua autonomia, fato que originou protestos públicos, prin-

cipalmente por parte dos professores e estudantes. Com os protestos, vários professores e es-

tudantes foram expulsos do país. A comissão do Centro (AD) ligada ao sistema de informa-

ções enviou a seguinte mensagem para o CEN

23 pseudônimo de Rómulo Betancourt

De Centro 18 de outubro de 1951. Manifestação de estudantes e professores do secundário. Os estudantes foram golpeados pela polícia. O governo sus-pendeu as atividades de todas as universidades por dez dias. Todas as escolas e universidades foram ocupadas pela polícia. Pérez Jiménez ordenou a polí-cia militar, a guarda nacional que agarrem vivos os seus líderes (BETAN-COURT, 2003, p. 542).

No interior das Forças Armadas, havia posicionamentos distintos quanto às formas de

ação política. Havia grupos que queriam manter as eleições para a escolha dos novos candida-

tos e outros grupos pretendiam instaurar a ditadura absoluta. O presidente da Junta Militar,

Carlos Delgado Chalbaud, favorável ao primeiro grupo, foi assassinado em 13 de novembro

de 1950. Nessa primeira fase, houve um menor índice de repressão, quando as eleições de

1952 aconteceram, apesar de todas as ameaças e todos os recursos de coerção utilizados pelos

militares.

Em 30 de novembro de 1952, Jóvito Villalba, membro da URD venceu as eleições

com a maioria dos votos. O grupo político ligado aos militares foi derrotado em todo o país.

E, em 02 de dezembro de 1952, o governo militar desconheceu a vitória popular e o coronel

Marcos Pérez Jiménez foi designado como presidente da Venezuela por tempo indeterminado.

Essa fase foi caracterizada pela suspensão de todos os direitos constitucionais, e o fim das

liberdades democráticas conquistadas durante o Triénio, além da intensa repressão à oposição.

Dentre as restrições, podemos destacar a proibição de assembléias sindicais e a dissolução da

Confederação de Trabalhadores da Venezuela (CTV), com expulsão de seus dirigentes.

Durante o segundo período ditatorial, o governo se esforçou para demonstrar a sua efi-

ciência, aumentando o número de empregos para a população e facilitando o enriquecimento

dos grupos ligados ao governo e grupos dominantes. O país passou por um intenso processo

de urbanização. Caracas, em pouco tempo, transformou-se em uma cidade com uma arquitetu-

ra moderna. O setor financeiro cresceu desenfreadamente. A indústria manufatureira registrou

um certo progresso, vista a expansão do capital estrangeiro, que obteve uma participação ma-

ciça na economia nacional durante esse período. O petróleo foi o principal responsável pelos

recursos obtidos pelo Estado para viabilizar os seus projetos econômicos no país. A partir de

1956, o governo outorgou novas concessões de petróleo, com as empresas estrangeiras con-

trolando os recursos naturais do país, aumentando o potencial econômico do Estado (CAS-

TILLO D´IMPERIO, 1990).

Ocarina C. D´Imperio (1990), ao analisar o período ditatorial de 1948 a 1958, afirmou

que existia uma ideologia específica, baseada em um Novo Ideal Nacional. Esse Novo Ideal

Nacional se apresentou como uma composição de várias tendências políticas com o objetivo

de oferecer uma visão do país fortemente influenciada pelo positivismo. Nesse projeto, desta-

cava-se também a importância das Forças Armadas no desenvolvimento do país, na defesa da

soberania e nas possibilidades de expansão, fazendo da palavra “transformação” a essência

para definir esse projeto pretendido para a Venezuela. A transformação aconteceria através de

uma obra material de diversas dimensões, econômica, industrial, científica, militar, potencia-

lizando as capacidades e recursos do país. Para isso, o governo combinaria um desprezo aos

partidos políticos, com o uso da violência e um certo paternalismo para manter a coação.

O Novo Ideal Nacional não foi utilizado como uma doutrina, nem apresentado como

um programa concreto de soluções, resultante de uma análise dos problemas venezuelanos.

Ele era composto por formulações e propostas dispersas em distintos pronunciamentos de

membros do regime, e que foi capaz de chegar a diferentes setores sociais (CASTILLO

D´IMPERIO, 1990). Por outro lado, essa fase também foi marcada pela intensificação da re-

pressão e por lutas civis, caracterizadas pelas levantes, manifestações e ações conspirativas

contra a ditadura.

Durante o exílio, Betancourt realizou numerosas conferências e discursos. Em suas vi-

agens pelos países da América do Sul, entre abril e junho de 1953, foi orador nos congressos

da Bolívia, Chile e Uruguai, além de realizar conferências nas principais universidades desses

países. Entre as suas intervenções internacionais, destacam-se as realizadas nos Estados Uni-

dos, na sede do movimento sindical norte-americano, em Washington, e nas universidades de

Nova York, Stanford e Chicago (ROMERO, 2006).

Além dessas atividades, Betancourt trabalhou na organização e desenvolvimento da

resistência da AD dentro da Venezuela, e na estruturação do partido no exílio. Para isso, for-

mou um comitê, congregando vários grupos de militantes de diversos países americanos e

europeus. A partir das diretrizes do CEN da AD, o centro coordenador foi conhecido por vá-

rios nomes e sedes. O Centro nasceu em Havana, em 1949, com o nome de Comité de Cuba, e

em agosto do mesmo ano, ele passou a se chamar Comité Central Exterior, e a sua sede mu-

daria, junto com Betancourt, que seguiu para Washington. Esse comitê continuou com o

mesmo nome até 1951, quando retornou para Cuba. Entre 1951 e 1957 denominou-se Comité

Coordinador de las Actividades de Acción Democrática em el Exterior, conhecido como CC,

funcionando basicamente na Costa Rica, onde Betancourt também esteve residindo naquele

momento (ROMERO, 2006).

Durante o exílio, Betancourt manteve importantes contatos pessoais, conseguindo no-

vos adeptos para a AD em outros países, colaborando e solicitando ajuda para outros movi-

mentos políticos em outros lugares, além de intermediar várias ações políticas. Betancourt e a

AD, contrários ao sectarismo que caracterizou parte da ação política da AD durante o Triênio,

optaram por uma nova política, caracterizada por pactos e alianças. Eles chegaram a esse con-

senso, pois, essa seria a única forma de destruir a ditadura de Pérez Jiménez. Essa nova postu-

ra de Betancourt e da AD contribuiu para a organização da resistência contra a ditadura no

país, com a inserção de outros líderes americanos, que insistiram na formação de um bloco de

oposição, formado pelos partidos venezuelanos. Assim, no país e fora dele, com o exílio, a-

conteceria uma aproximação da AD com os partidos URD e COPEI, favorecendo a presença e

a contribuição do PCV, apesar da sua condição de exclusão diante dos planos políticos de

Betancourt, por diversos motivos já apresentados anteriormente. Durante os anos de exílio,

Betancourt tentou formar uma frente partidária de oposição, idéia compartilhada por todos os

principais partidos do país, após a sua condição de ilegalidade. O projeto dessa frente foi al-

cançado em dezembro de 1957, em Nova York, e posteriormente firmado com o Pacto de

Punto Fijo, instituído na Venezuela em 31 de outubro de 1958.

Foram formalizadas as conversações com a URD. Houve uma primeira en-trevista - com a assistência exclusiva de pessoas do nosso partido – em que a URD expôs os seus pontos de vista. Conservam a mesma tônica das declara-ções do Diretório e retificaram o desejo de contato e colaboração permanen-tes. Propuseram uma negociação em duas etapas, uma prévia, que seria para a luta por garantias, liberdades e a efetiva disposição progressista do Estatu-to, e uma posterior, eleitoral e ligada aos comícios. Para a primeira etapa, e-les continuariam de acordo com a tônica das Declarações do Diretório, agre-gando o que se refere à liberdade dos presos e a efetivação das garantias so-bre a segurança pessoal dos seus representantes. Os representantes da URD consideram que poderia esperar uma posição similar do COPEI, mesmo quando eles se mostrasses duvidosos. A UDR tem essa opinião em razão da redação de um projeto que une o COPEI e a URD, destacando o conteúdo do Estatuto e matérias relacionadas com o processo eleitoral [...]Para a segunda etapa, a URD sugere a constituição de uma frente democrática onde atuem a URD, o PCV e a AD, independentes, contra as forças ditatoriais e de direita, e assim que for possível, a constituição de uma frente civil contra a ditadura, que será também composta pelo COPEI. Isto porque a URD considera que a batalha mais importante acontecerá no campo parlamentar. Nessa segunda etapa, a URD aspiraria a se converter no centro e no motor dessa ação fren-tista, porque no critério deles, o seu partido é e deveria ser aproveitado dessa forma [..]. Finalmente exigiram que essas conversações fossem mantidas na mais restrita reserva (BETANCOURT, 2003, p. 411,412).

Em 1958, o governo de Pérez Jiménez apresentava problemas no interior das Forças

Armadas. No mês de janeiro daquele ano, iniciou-se um processo de ampliação e aproxima-

ções entre as diferentes oposições no terreno social e político. Esse conjunto de adversidade

foi configurando a estrutura do novo regime que substituiria a democracia nos próximos anos.

Esse problema havia se configurado desde 1950, quando os militares dividiram-se em dois

grupos, como os que defendiam as eleições e os que defendiam a ditadura absoluta.

Os grupos de oposição estavam se organizando, principalmente a AD, que apesar de

estar desmantelada em vários lugares do país, ainda mantinha a sua estrutura central, compos-

ta por um pequeno grupo de militantes. Além da AD, o PCV também compartilhava a mesma

condição de resistência. O PCV conservou um aparato clandestino durante todo o governo

militar. A política do PCV se orientava no sentido de unir todas as forças civis opostas a dita-

dura, formando uma grande frente nacional, aproximando-se de um dos partidos menos estru-

turados, a URD. O objetivo do PCV em aproximar-se da URD foi alcançado, pois o partido

nunca havia enfrentado o PCV de forma polêmica como Betancourt e a maioria dos dirigen-

tes da AD (CABALLERO, 2000).

Betancourt, inicialmente, não mudou a sua posição diante das possibilidades de conta-

tos ou alianças com o PCV, até o início de junho de 1957, quando um acordo foi firmado en-

tre o PCV e a URD, com a proposta de formar uma “Junta Patriótica”. A partir desse dia, Be-

tancourt ofereceu-se para compor a “Junta Patriótica”, pois naquele momento os objetivos dos

três partidos eram coincidentes. Essa “Junta Patriótica” teria o objetivo de lutar pelo respeito à

Constituição Nacional, e contra a reeleição e a permanência de Pérez Jiménez no poder, pelas

eleições livres e pelo estabelecimento de um governo democrático. No dia 14 de junho, a AD

se integrou a “Junta Patriótica”, com Fabrício Ojeda, da URD, Guillermo García Ponce, do

PCV e Enrique Aristiguieta Gramcko, do COPEI, Silvestre Ortiz Bucarán, representando a

AD, passaram a integrar a direção da Junta Patriótica.

Nos primeiros anos da clandestinidade da AD, a relação com os comunistas permane-

ceu tensa, alterando-se depois de alguns anos, a partir do momento que ambos perceberam a

necessidade de unirem-se contra a ditadura de Pérez Jiménez. No entanto, até que essa mo-

mentânea união acontecesse, o PCV e a AD permaneceram em lados opostos, e após a derro-

cada do ditador, as relações entre a AD e o PCV retomaram as suas características anteriores.

Durante o exílio, Betancourt enfatizou o tema das alianças e dos acordos, com propos-

tas de uma maior abertura política, e uma maior flexibilidade. Nos anos de 1957, estavam

sendo realizadas reuniões entre membros do COPEI e da URD, principalmente em dezembro

de 1957, em Nova York. Essas reuniões foram compostas por Rafael Caldera, Jóvito Villalba

e Rómulo Betancourt, com o objetivo de criar uma ação conjunta para destituir o ditador Ji-

ménez. Essas reuniões foram consideradas como os momentos que antecederam a formulação

do Pacto de Punto Fijo, assinado em outubro de 1958 entre os partidos AD, COPEI E URD,

na casa de Rafael Caldera, intitulada Quinta “Punto Fijo”.

Em janeiro de 1958, um grupo de militares e civis, envolvendo membros dos partidos

políticos, renderam o general, enfraquecido com a crise interna por ele enfrentada. A partir

dessa data, a Junta Patriótica assumiu o governo do país até as próximas eleições presidenci-

ais, encerrando um longo período ditatorial. Com isso um novo período iniciava-se no país,

marcado pela retomada do processo de democratização, encabeçado pelo Pacto de Punto Fijo,

pela Constituição de 1961 e pelas eleições de 1958, com a vitória de Rómulo Betancourt e a

concretização da hegemonia da AD.

4.2 Democracia e reformas: do Pacto de Punto Fijo ao governo de Rómulo Betancourt

O ano de 1958 marcou uma importante etapa no processo histórico venezuelano. A

partir desse ano, uma Junta Patriótica assumiu o governo provisoriamente, até que se realizas-

sem novas eleições para a escolha do presidente da república.

O Pacto de Punto Fijo foi firmado entre Jóvito Villalba, Ignácio Arcaya e Manuel Lo-

pes Rivas, representando a URD, Rafael Caldera, Pedro del Corral e Lorenzo Fernández, re-

presentando o COPEI e Rómulo Betancourt, Raúl Leoni e Gonzalo Barrios, representando a

AD. O PCV foi excluído do Pacto, apesar da sua importante participação na Junta Patriótica

ao acabar com o regime ditatorial no país. A participação do PCV nos acordos seria apenas

para acabar com o governo ditatorial, sem a participação do partido no governo que se institu-

iria após o golpe.

Memorando (de Rómulo Betancourt ) para a direção do partido 27 de janeiro de 1958. Junta Patriótica. Esse organismo, a Junta Patriótica cumpriu uma grande tarefa na luta final para acabar com a ditadura. Envio uma felicitação muito sincera aos companheiros e aos membros do comando interno que par-ticiparam ativamente nos seus trabalhos. Mas penso que os passos dados de-vem ser preliminares para que o organismo cesse as suas funções. Com os partidos políticos atuando, a persistência de um organismo super-partidário não se justifica. Além disso, é evidente que nós, e imagino que os outros par-tidos nacionais não temos mais o anterior objetivo comum , o de derrubar a ditadura, com o Partido Comunista. Sobre isso, temos uma linha clara, preci-sa e definida no Partido. A Acción Democrática não faz alianças permanen-tes com o Partido Comunista. Isso foi aprovado em todas as Convenções do Partido (BETANCOURT, 2004, p. 734, grifo nosso).

Durante esse processo que culminou com o fim do período ditatorial, Betancourt mu-

dou a sua forma de ação, e assumiu a postura de um homem ligado diretamente ao poder, co-

mo um líder à frente de um partido político e pronto para dirigir o país. O pacto firmado em

outubro de 1958, instaurado a partir do golpe de janeiro de 1958, teria o objetivo lançar um

candidato único para a presidência da república. Esse processo golpista teve um significado

particular, primeiramente porque os conflitos do período da derrocada de Gallegos ainda esta-

vam presentes e atuantes. As Forças Armadas não haviam entrado em um consenso em rela-

ção à queda de Pérez Jiménez, e o anti-partidarismo cultivado durante a ditadura, ainda per-

maneceu nas instituições armadas (CABALLERO, 2004).

Por outro lado, existia uma outra força que defendia a democracia com todas as suas

forças, a população atuante nas ruas. Tratava-se da defesa da nascente democracia, através

dos partidos políticos e da Constituição. A partir de 1958, o povo retomaria o espaço concedi-

do a ele em 1945 e, posteriormente, assumiria o centro do processo político democrático.

O Pacto de Punto Fijo foi instaurado para implantar uma Frente única contra a prática

dos golpes. Naquele momento, nada havia sido criado para atingir esse objetivo, pois, ele

também se apresentava como uma frente contra a ameaça militar, submetendo o poder militar

ao poder civil. Além desses objetivos, o Pacto pretendia impedir o sectarismo dos partidos,

evitando qualquer isolamento. De acordo com o Pacto, não haveria partidos vencedores nas

eleições, o presidente eleito se comprometeria a compor um governo de unidade nacional,

traduzido em uma coalizão entre os partidos participantes do Pacto.

O aspecto mais importante da criação e vigência do Pacto de Punto Fijo foi que, atra-

vés das suas diretrizes, efetivaram-se os programas políticos e projetos propostos desde 1936.

Naquele momento, as propostas de 1936 passaram a se tornar prioridades do Estado e não

apenas de um governo, ou seja, principalmente a necessidade de inserir o país na modernida-

de. Com isso, a Venezuela se tornaria um país moderno, com instituições fortes, eleições li-

vres, e com um desenvolvimento econômico baseado em uma forte intervenção estatal. A

partir do Pacto de Punto Fijo, a proposta desenvolvida desde 1928, e em 1931, com o Plan de

Barranquilla, com um Estado harmônico, com a democracia representativa, com ênfase na

educação, saúde pública e segurança social seria posta em prática (CABALLERO, 2004).

O Pacto de Punto Fijo definiu as principais diretrizes do processo político venezuela-

no a partir da sua criação. Ele apresentou a soberania popular como o centro da democracia, a

inserção das massas como o seu ponto vital, e, a partir dele, a população escolheria os seus

governantes através do voto secreto, universal e direto, com uma política de transparência

entre os partidos políticos.

Os partidos AD, COPEI e URD, depois de uma prévia, detida e ponderada consideração de todos os elementos que integram a realidade histórica na-cional e o problema eleitoral do país e diante da responsabilidade de orientar a opinião pública para a consolidação dos princípios democráticos, chegaram a um pleno acordo de unidade e cooperação sobre as bases e mediante as se-guintes orientações: Como é de conhecimento público, durante vários meses as destacadas forças políticas participaram de ações unitárias na defesa do regime democrático, mantendo conversações destinadas a assegurar a inteligência, o respeito mú-

tuo e a cooperação entre elas, igualmente interessadas na consolidação da unidade e da garantia da trégua política, sem prejuízos para a autonomia de organização e a caracterização ideológica de cada um, conforma a declara-ção expressa na ata de ampliação da Junta Patriótica firmada em 25 de janei-ro de 1958 pelos partidos que a integravam inicialmente . Nas diversas propostas estiveram presentes estudos referentes à análise con-tundente dos antecedentes, das características atuais e das perspectivas do nosso movimento democrático: a ponderação compreensiva dos interesses legitimamente representados pelos partidos em nome das centenas de milha-res de seus militantes, o reconhecimento da existência de amplos setores in-dependentes que constituíram um fator importante na vida nacional: o res-paldo das Forças Armadas no processo de afirmação da República como e-lemento institucional do Estado, grupo que passaria a estar submetido ao controle das autoridades constitucionais, e o firme propósito de alcançar a união de todas as forças de todos os cidadãos no esforço de organizar a Na-ção venezuelana. A garantia de que as deliberações respondem a um enfoque sério e responsável das necessidades do país estão ligados a uma sincera de-finição e defesa dos direitos que assistem os partidos enquanto representan-tes de grandes núcleos nacionais e a preocupação comum de atender conjun-tamente os interesses da nação, sem provocar a impaciência da opinião liga-da a certos valores (PACTO DE PUNTO FIJO, apud LÓPEZ MAYA; GÓ-MEZ CALCAÑO; MAINGÓN, 1989, p. 111).

Nesse contexto, os partidos políticos deveriam se concentrar em formular propostas

com o objetivo de atender às demandas nacionais, sem se restringirem a responder apenas a

um programa partidário com conteúdos ideológicos que estivessem fora da realidade nacional.

Com isso, as disputas entres os partidos seriam mais amenas, com menos divergências de i-

déias e práticas políticas.

As conversas minuciosas e extensas serviram para comprometer as organiza-ções unitárias em uma política nacional de longo alcance, cujos pólos pode-mos definir da seguinte forma: a) Segurança de que o processo eleitoral os Poderes Públicos derivados dele respondam a pautas democráticas ligadas a liberdade de votação; b) Garantia de que o processo eleitoral não evite ape-nas a ruptura de uma frente unitária, que também fortaleça mediante o pro-longamento da trégua política, a despersonalização do debate, a erradicação da violência entre os partidos e a definição de normas que facilitem a forma-ção do governo e dos corpos deliberantes, de modo que todos agrupem eqüi-tativamente todos os setores da sociedade venezuelana interessados na esta-bilidade da República como sistema popular de governo (PACTO DE PUN-TO FIJO, apud LÓPEZ MAYA; GÓMEZ CALCAÑO; MAINGÓN, 1989, p. 112).

Com o Pacto, as lideranças dos partidos envolvidas procurariam minimizar os confli-

tos políticos no país, estimulando a prática de acordos que favorecessem exclusivamente a

manutenção da democracia, do regime constitucional, o respeito entre os partidos e princi-

palmente o respeito da vontade popular, pois o tema da soberania nacional e da cidadania po-

lítica eram o tema central das discussões desses partidos.

Estabelecidos os princípios de caráter geral, COPEI, AD e URD comprome-tem a sua ação e a sua responsabilidade de acordo com os seguintes termos: a)Defesa da constitucionalidade e do direito a governar conforme o resultado eleitoral [...] Declara-se o cumprimento do dever patriótico a resistência permanente contra qualquer situação de força que possa surgir de um fato subversivo e a sua colaboração com ela será considerado como delito de lesa pátria. [...] b) Governo de unidade Nacional. O governo de Unidade Nacio-nal é o caminho para canalizar as energias partidárias e evitar uma oposição sistemática que debilitaria o movimento democrático. [...] c) Programa Mí-nimo Comum. Para facilitar a cooperação entre as organizações políticas du-rante o processo eleitoral, e a sua colaboração no Governo Constitucional, os partidos participantes concordaram em elaborar um programa mínimo co-mum, cuja execução seria o ponto de partida de uma administração nacional patriótica e de concordância da democracia como sistema. Este programa se redigirá separadamente, sobre as bases gerais anteriormente discutidas, será um anexo do presente acordo. [...] nenhum partido unitário incluirá em seu programa particular pontos contrários aos pontos comuns do programa mí-nimo, e em todo caso, a discussão pública sobre os pontos incompatíveis se manterão dentro dos limites da tolerância e do respeito mútuo que a obrigam os interesses superiores da unidade popular e política (PACTO DE PUNTO FIJO, apud LÓPEZ MAYA; GÓMEZ CALCAÑO; MAINGÓN, 1989, p. 113).

As eleições também sofreriam importantes mudanças com o princípio da Unidade Na-

cional, com ele os partidos deveriam propor soluções conjuntas para os problemas do país. O

estabelecimento do sufrágio universal resumiria uma nova atitude política. A política deixaria

de ser um assunto apenas das elites, passando a ser discutida nas organizações sindicais, ad-

quirindo legitimidade, com novos atores políticos e desaparecimento de outros, pois as elites

políticas do regime anterior foram desarticuladas em todas as suas instituições. A base política

e institucional dessa transformação foi a Assembléia Nacional Constituinte, eleita em 1946 e

redatora da Constituição de 1947. A presença, pela primeira vez, desses genuínos represen-

tantes populares com a função de legisladores, com a participação das mulheres e de sindica-

listas, a ampla rede de transmissão dos debates e a ampliação dos direitos políticos e sociais,

contribuíram para a fixação de ideais democráticos no imaginário coletivo (ARENAS; GÓ-

MEZ CALCAÑO, 2002, p. 41,42).

Dessa forma, os partidos precisariam eliminar o excesso de competitividade para pro-

curar compor o Programa Mínimo. Essas medidas fortaleceram a convivência pacífica entre

os partidos, eliminando eventuais contestações e rebeldias dos partidos de oposição, pois es-

ses deveriam trabalhar com todos os partidos que estivessem de acordo com as proposições

do Pacto.

O ideal da unidade como instrumento de luta contra a tirania e contra as for-ças interessadas em reagrupar-se para iniciar outra aventura despótica acon-teceria com a seleção de um candidato presidencial democrático único, a

formação de chapas únicas para os colegiados e a formação de uma frente única com apenas um programa integral de governo. [...] Dessa forma, longe de considerar a unidade comprometida pela compro-vação de contradições naturais entre os partidos, fato que corresponde a es-sência da atividade democracia, as organizações signatárias confrontariam entre si as opiniões diferentes e definiriam que: 1) os requerimentos da uni-dade são compatíveis com a eventuais candidaturas e chapas legislativas [...] 2) é indispensável fortalecer o sentimento de interesse patriótico, a tolerância e o mútuo respeito entre as forças unitárias, que devem ter como base a sin-cera e solene adesão de todas as forças democráticas de acordo com os pon-tos desta declaração e o espírito que a anima, consagrando este documento. 3) Para garantir a trégua política e a convivência unitária das organizações democráticas foi criada uma Comissão Interpartidária de Unidade, encarre-gada de garantir o cumprimento deste acordo (PACTO DE PUNTO FIJO apud LÓPEZ MAYA; GÓMEZ CALCAÑO; MAINGÓN, 1989, p.113).

Essa Comissão orientaria o cumprimento do acordo no que se refere à convivência en-

tre os partidos, de estar ciente das reclamações contra as propostas de sectarismos ou objeti-

vos personalistas nas campanhas eleitorais. Além de garantir que as chapas legislativas fos-

sem a expressão da vontade nacional nas eleições, representando o fortalecimento da demo-

cracia.

Nos termos do Pacto de Punto Fijo, todas as organizações políticas teriam liberdade

para apresentar o seu próprio candidato presidencial e as suas plataformas de governo para os

membros do partido e considerando o conceito de unidade proposto no Pacto. Aquela propos-

ta foi lançada para que a tolerância política entre os partidos fosse assegurada durante toda a

campanha eleitoral, garantindo que todos os compromissos expressos no Pacto fossem cum-

pridos.

O Pacto previa que todos os votos emitidos a favor de um candidato seriam considera-

dos votos unitários e a soma desses corresponderia a afirmação da vontade popular a favor do

regime constitucional e da consolidação do Estado de direito. Dessa forma, os partidos apre-

sentariam os seus candidatos e a população escolheria através do voto o que melhor responde-

ria às suas necessidades.

Como este acordo não fixa um princípio ou condição de direitos contrário a participação de outras organizações existentes no país, o seu leal cumpri-mento não limita nem condiciona o natural exercício dessas, com a condição de que elas possam e queiram estar a serviço das altas finalidades persegui-das por esse documento, com respaldo a todos os organismos democráticos, sem prejuízo nas suas concepções específicas, em um esforço em prol da ce-lebração do processo eleitoral em um clima que demonstre a Venezuela apta a prática ordenada e pacífica da democracia (PACTO DE PUNTO FIJO a-pud LÓPEZ MAYA; GÓMEZ CALCAÑO; MAINGÓN, 1989, p. 114).

O Programa Mínimo faria parte do Pacto de Punto Fijo. O primeiro Programa Mínimo

foi assinado em 06 de dezembro de 1958, sob a forma de uma carta de Declaração de Princí-

pios. Ele foi criado com o objetivo de assegurar a unidade política no país, com a convivência

entre os partidos, assegurando a soberania nacional. Para isso, todas as diferenças entre as

organizações políticas deveriam ser dissipadas durante os debates sobre a vida nacional. Essas

práticas aconteceriam para assegurar a estabilidade das instituições democráticas e do próxi-

mo governo constitucional, eleito através de eleições diretas e universais.

Nesse programa definiu-se o respeito absoluto ao resultado das eleições, como forma

de defesa do regime constitucional. O candidato que ganhasse as eleições, teria o respaldo dos

demais candidatos e dos demais partidos, legitimando-o, e comprometendo-se a trabalhar em

conjunto com os partidos, para o bem do país. Além disso, o presidente eleito, organizaria um

governo de unidade nacional, sem hegemonias partidárias, assegurando a todos os partidos o

direito de participar das decisões nacionais.

Todos os presidentes eleitos deveriam realizar a sua administração inspirados no Pro-

grama Mínimo de Governo, que seria aprovado pelos candidatos dos três partidos integrantes

do Pacto de Punto Fijo. O presidente também deveria manter e consolidar a trégua política

entre os partidos e assegurar a convivência das organizações políticas e democráticas do país.

O Programa Mínimo de governo manteve a Declaração de Princípios e acrescentou

outras diretrizes de governo. O Programa Mínimo propôs a elaboração de uma Constituição

democrática que reafirmasse os princípios do regime democrático, a defesa da ordem consti-

tucional, a reforma das leis e regulamentos contrários ao exercício efetivo das liberdades pú-

blicas. Enfatizou a autonomia e o fortalecimento dos poderes legislativo e judicial e do poder

municipal, a regulamentação das relações entre a Igreja e o Estado (PROGRAMA MÍNIMO

apud LÓPEZ MAYA; GÓMEZ CALCAÑO; MAINGÓN, 1989, p. 116).

O Estado manteve o seu papel central na produção e distribuição da riqueza nacional,

reconhecendo também a importância do setor privado no progresso nacional. Ele seria respon-

sável pela elaboração de um plano integral de desenvolvimento econômico de longo alcance,

contemplando a produção industrial e agropecuária em suas conexões com a educação, saúde,

entre outros setores sociais. Nesse projeto, constaria a proposta da reorganização, ampliação e

defesa das indústrias estatais, como as do setor petroquímico e siderúrgico, a reforma e mo-

dernização do sistema tributário, a reforma agrária, concebida como um dos instrumentos

fundamentais da transformação econômica do país. “A reorganização do regime da proprie-

dade da terra , que implica na reforma agrária, garantirá e estimulará a propriedade privada a

cumprir a sua função econômica e social” (PACTO DE PUNTO FIJO apud LÓPEZ MAYA;

GÓMEZ CALCAÑO; MAINGÓN, 1989, p. 117).

O Programa Mínimo previa uma política de defesa e valorização da população, com

políticas destinadas a velar pela saúde física, moral e mental, além do desenvolvimento cultu-

ral, através de um plano nacional. O reconhecimento do trabalho como o elemento fundamen-

tal para o progresso econômico e para o crescimento do país, contando com políticas de defe-

sa do trabalhador, com a sua proteção, através da reforma da Lei Trabalhista, assegurando a

liberdade sindical e a luta contra o desemprego.

A educação era um tema importante no Programa Mínimo, com o aumento dos inves-

timentos nessa área, com reformas do ensino fundamental ao superior. A intervenção do Esta-

do na educação não comprometeria a liberdade de ensino, com a defesa dos valores históricos

e artísticos nacionais e do patrimônio histórico do país (PACTO DE PUNTO FIJO apud LÓ-

PEZ MAYA; GÓMEZ CALCAÑO; MAINGÓN, 1989, p. 118).

No Programa Mínimo, as Forças Armadas tiveram o seu lugar definido no interior do

Estado compondo um corpo apolítico, obediente, sem poder de decisões que envolvessem a

política nacional, reafirmando esses princípios em todos os seus quadros. O Estado reconhe-

ceria todos os seus méritos e serviços, com a sua colaboração para a manutenção da paz pú-

blica, como garantia do progresso nacional (PACTO DE PUNTO FIJO apud LÓPEZ MAYA;

GÓMEZ CALCAÑO; MAINGÓN, 1989, p. 118). A política internacional proposta no Pro-

grama Mínimo reafirmou também os princípios da política internacional de manter a paz e a

cooperação com todas as nações e ,em particular, com todas as repúblicas democráticas da

América Latina, reforçando o repúdio a todas as medidas que coloquem em risco a autode-

terminação dos povos.

Em 1960, a URD não fazia mais parte do Pacto de Punto Fijo, por discordâncias ideo-

lógicas, caracterizada por uma afinidade com o PCV. Mas esse fato não alterou o processo

eleitoral realizado em 1959. A campanha eleitoral aconteceu em igualdade de direitos, onde

cada um dos partidos lançou o seu candidato, pois o Pacto de Punto Fijo não previa um candi-

dato único para todos os partidos. Os candidatos foram Rómulo Betancourt pela AD, Rafael

Caldera pelo COPEI e Wolfgang Larrazábal pela URD, que contou com o apoio externo do

PCV. Para se candidatar, Wolfgang Larrazábal renunciou a presidência da Junta de Governo

para que estivesse em iguais condições de disputar o cargo com os demais candidatos.

Rómulo Betancourt, realizando uma campanha que percorreu por todo o território na-

cional, assegurou a sua vitória, assumindo a presidência do país em um clima de instabilidade.

Essa instabilidade caracterizou-se por um descontentamento dos grupos que apoiaram o can-

didato da URD. Nas suas ações, eles tentaram incendiar alguns locais da AD. Os aconteci-

mentos em Cuba também contribuíram para aumentar o clima de instabilidade no país. O pri-

meiro de janeiro de 1959 marcou o triunfo da revolução em Cuba e, mais tarde, Fidel Castro

foi recebido com muitas comemorações em Caracas. Com isso, os adversários de Betancourt

aproveitaram esse momento para manifestar a sua insatisfação com o presidente eleito. Dessa

forma, Betancourt iniciou o seu governo em um ambiente conturbado e instável, e de certa

forma, apresentando os primeiros problemas que Betancourt enfrentaria durante o seu gover-

no.

O governo de Betancourt foi marcado por muitos conflitos e desavenças entre os par-

tidos políticos e cisões em partidos como a AD. Entre 1960 e 1961, setores mais radicais da

AD separaram-se, originando outros partidos como o Movimiento de Izquierda Revoluciona-

ria (MIR), que iniciou a luta armada junto ao PCV e o grupo ARS, comandado por Raúl Ra-

mos Jiménez.

O governo de Betancourt também foi marcado por varias conspirações que tentaram

colocar em risco o seu governo. Em 1958, um grupo ameaçou invadir um quartel do exército,

mas a conspiração foi debelada e Betancourt desorganizou a rede de conspiradores no exérci-

to. Outros grupos também voltaram-se contra o governo de forma violenta, como a imprensa

da extrema esquerda que criticava violentamente as ações do governo, que havia reprimido

guerrilheiros que comandavam ataques terroristas, tentando impressionar e aterrorizar a popu-

lação. Durante o governo de Betancourt aconteceram diversos ataques violentos, envolvendo

guerrilheiros, comunistas e outros grupos de oposição ao governo.

Essa gestão, que se iniciou em 1960 não se caracterizou apenas por um caráter defen-

sivo frente aos desafios impostos pela oposição. O seu governo também esteve voltado à

construção de uma democracia representativa, pluralista, sob a direção do Estado, com o obje-

tivo de consolidar o projeto político do Triénio. O programa de governo de Betancourt con-

gregou diversas propostas apresentadas pelo grupo de 1928, pelo Plan de Barranquilla, pelo

PDN, a AD e o Triénio, sendo privilegiadas e postas em prática através da Constituição de

1961.

O advento da democracia na Venezuela foi possível também graças a Constituição de

1961. Ela foi composta por um conjunto de metas que se comprometeram com a eficiência do

novo sistema político. A Constituição de 1961 atribuía ao Estado à tarefa de garantir o bem-

estar social aos venezuelanos. Isso significava garantir a gratuidade educacional, sem restri-

ções à vocação ou aptidões das crianças, o direito ao trabalho, a saúde e a segurança. Dessa

forma, o Estado se apresentava como o meio para realizar essas funções, capaz de satisfazer

todas as necessidades sociais de cada um dos membros da sociedade, sem a respectiva contri-

buição da população. Os dirigentes do país compartilhavam a idéia de que o país possuía re-

cursos para atender as demandas da população (CARRASQUERO AUMAITRE, 2003).

O governo de Betancourt pretendeu substituir a ordem política estabelecida, com uma

ruptura com o passado, redirecionando a política nacional, e um dos principais meios foi a

Constituição de 1961. A partir dela, foi possível abrir e propiciar a democracia, ampliando as

possibilidades de modernizar o país institucionalmente e socialmente. Essa proposta foi pos-

sível vistas as possibilidades de consenso entre as forças políticas. Nesse sentido, um dos ob-

jetivos foi o de remover todos os vestígios da ditadura de Pérez Jiménez, e especialmente os

do militarismo . A Constituição de 1961 criou mecanismos para a sua própria defesa e para a

sua reforma. Ela se protegia à medida que legitimava a política institucional democrática, a-

través de uma norma que consideraria ilegal todo e qualquer procedimento de reforma que

não tivesse a aprovação da maioria dos venezuelanos, voltando-se contra qualquer levante

militar. A Constituição de 1961 era reformista e interessada em estabelecer as regras da ação

política que sustentaria a democracia, repugnando práticas oportunistas (MARTA SOSA,

2004, p. 21, 24).

O recurso econômico que o Estado disponibilizaria para atender as demandas sociais,

seria oriundo do petróleo. O Estado, construído a partir de uma dinâmica política instaurada

pelo Pacto de Punto Fijo, tornou-se o centro do pacto e dos acordos políticos daquele período,

tornando-se o grande distribuidor de renda. Com o Estado e os seus recursos resultantes da

economia petroleira, construíram um pacto de governabilidade, assegurando estabilidade as

instituições democráticas e ao processo de modernização política e econômica. Nesse contex-

to, os partidos foram os principais alicerces desse pacto de governabilidade, convertendo-se

no principal elo entre a sociedade e o Estado, onde o acesso ao Estado passaria a ser mediado

pelo partido. No entanto, outros atores políticos também fizeram parte do Estado, como as

Forças Armadas, a Igreja, o setor empresarial e os sindicatos. Com a colaboração de todos

esses setores da sociedade, a hegemonia política desses partidos, principalmente a AD, estaria

assegurada por muitos anos (VILLA DUARTE, 2000).

A economia nacional sofreu grandes mudanças a partir de 1958, com a criação da Ofi-

cina Central de Coordinación y Planificación, conhecida por CORDIPLAN. No governo de

Betancourt também foi elaborado o primeiro Plan de la Nación. Com isso, de acordo com

Manuel Caballero (2000, p. 35), o governo passou a proteger as indústrias nacionais, limitou

as importações, concedeu créditos preferenciais e reduções nos impostos, regulamentando a

utilização de insumos básicos. Com essa nova política industrial, a indústria manufatureira

cresceu rapidamente, aumentando o parque industrial. Isso levou a uma redução da importa-

ção de bens intermediários e máquinas, mas diferente do que se esperava, sem reduzir a de-

pendência do país em relação ao capital internacional.

O governo também investiu no setor agroindustrial, principalmente no processamento

de algodão, frutas tabaco e laticínios. Além disso, em março de 1960, a Lei de Reforma Agrá-

ria foi promulgada. A reforma no setor agrário deveria resolver os problemas relacionados á

distribuição de terras devolutas às famílias camponesas. A partir dessa etapa, seriam concedi-

dos créditos, serviços e recursos educacionais e tecnológicos, para que essas famílias pudes-

sem produzir produtos nessas propriedades. Uma grande parte das terras foi distribuída anos

depois do inicio da reforma, cumprindo alguns objetivos da reforma agrária. A partir desse

processo, muitos hectares de terras devolutas ou que estavam sob os cuidados de camponeses,

com proprietários que viviam de outras formas de trabalho, foram distribuídas ou entregues

aqueles que realmente trabalhavam e viviam da terra. Nos primeiros anos da reforma agrária,

o crescimento da produção agrícola obteve altas taxas de crescimento (CABALLERO, 2000,

p. 36,38).

A educação sempre foi uma prioridade do governo de Rómulo Betancourt, desde o pe-

ríodo do Triénio. Durante o Triénio, a Junta Revolucionária e Rómulo Gallegos enfrentaram

graves crises em virtude das mudanças propostas no setor educacional. O desenvolvimento da

educação foi uma preocupação do governo de Betancourt desde os primeiros tempos da sua

gestão.

Ao regressar ao país em 1958, Betancourt retomou o tema da educação, destacando a

sua importância, mostrando a realidade da educação venezuelana. O problema da educação no

país se concentrava no alto índice de crianças fora da escola e no problema do analfabetismo.

A partir da gestão de Betancourt, os recursos do Ministério da Educação passaram a ser os

mais altos na receita do Estado. A partir da política educacional do governo de Betancourt, a

educação se massificou, com a construção de milhares de escolas primárias por todo o país.

O tema da democracia foi a base do governo de Betancourt desde o Triénio, e seguido

desse tema, estava a questão das ditaduras latino-americanas. Desde o seu primeiro governo,

Betancourt pretendia isolar as ditaduras latino-americanas com uma espécie de “cordão profi-

lático”, o que foi chamado de “Doutrina Betancourt”. Por meio dela, a Venezuela não reco-

nheceria nenhum governo ditatorial no continente (CABALLERO, 2000, p. 39,40).

Considero transitório o eclipse das liberdades públicas na América e tenho absoluta convicção de que os Estados do continente recobrarão a sua fisio-nomia civil e democrática. Para alcançar essa finalidade, os povos oprimi-dos, seus intelectuais honrados, seus estudantes, suas mulheres lutam diari-

amente com exemplar coragem. E esse objetivo de alcançar a recuperação democrática da América se alcançará com maior rapidez se os organismos internacionais – as Nações Unidas, a Organização de Estados Americanos, a Organização Internacional do Trabalho – exercem sobre as ditaduras uma pressão coletiva, obrigando os países a respeitar os direitos humanos, se a cooperação militar, econômica e técnica é negada a aqueles que , destruindo a fé do povo na democracia, impeçam a infiltração totalitária, e se coloquem fórmulas jurídicas que possam criar um cordão profilático ao redor daqueles que, acabam com a liberdade e a vontade popular (BETANCOURT, 1967, p. 235,236).

A “Doutrina Betancourt” encontrou os seus princípios entre 1930 e 1935, e principal-

mente no Plan de Barranquilla, em 1931. Naquele período de 1930 a 1935, muitas idéias e

propostas foram postas em andamento em 1945 e a partir de 1958, como aquelas que se refe-

rem ao imperialismo, ao nacionalismo, além das propostas de integração entre os países lati-

no-americano (ROMERO, 2005, p. 67).

Para Betancourt, as idéias de integração e internacionalismo foram essenciais. A inte-

gração e a união de países latino-amenricanos sempre foi uma idéia presente no pensamento

de Betancourt. Para ele, não se tratava de uma união regional, que implicasse no desapareci-

mento das fronteiras nacionais. Ela seria orientada para estreitar e fortalecer as relações políti-

cas, econômicas e culturais, vinculando os povos latino-americanos através de uma frente ou

uma aliança antimperialista.

A cooperação econômica inter-americana, para ser totalmente eficaz, impõe a articulação e coordenação dos dispersos sistemas de produção e distribui-ção dos países latino-americanos. Formamos um arquipélago de vinte ilhas arrogantes, fechadas dentro do seu orgulho. Cultivamos o isolamento, dife-rente de outros continentes com formidáveis federações . [...] nós ignoramos as palavras de união clarividentes proferidas por Bolívar e Martí, e seguimos absorvidos pela minúcia doméstica, esquecendo a grande questão americana (BETANCOURT, 1967, p. 234,235).

No livro Hacia América Latina Democrática e Integrada, publicado em 1967, Betan-

court tratou de temas ligados aos problemas latino-americanos e principalmente à sua integra-

ção. Esta aconteceria por meio de acordos entre os países democráticos, retomando temas

ligados ao futuro do continente, especialmente as relações com os Estados Unidos e Cuba,

vista como um problema para o continente. Essa postura encontrava lugar na influência da

Guerra Fria e no temor da expansão do bloco comunista, e especificamente em função das

discussões entre os comunistas e Betancourt que aconteciam desde a década de 1930.

A experiência histórica demonstra como boa parte dos países da América Latina não superaram as suas dificuldades econômicas e sociais devido os contínuos assaltos ao poder, pelo uso da força, impedindo a continuidade construtiva dos governos representativos. [...] Os governos vindos da força,

surgidos por insurreições do homem armado contra os governos nascidos do voto, cultivaram o que também se tornariam os movimentos da extrema es-querda comunista. [...] um balanço da década de 1950 na América Latina re-vela que naqueles país onde déspotas ou ditadores anti-comunistas governa-ram, desenvolveram-se e proliferam-se uma simbiose entre extrema esquerda e despotismo, movimentos anti-americanos que tinham como orientação o comunismo internacional (BETANCOURT, 1967, p. 249).

A democracia e a integração latino-americana foram temas que estiveram constante-

mente presentes no pensamento de Rómulo Betancourt. A integração entre os países do conti-

nente sempre foi um objetivo importante, e o principal entrave deveria ser eliminado, ou seja

os regimes ditatoriais, implantados sem a consulta popular, e usando a força para garantir a

sua manutenção. Além desses casos, havia também os comunistas que, para Betancourt não

reconheciam a democracia como o principal objetivo a ser alcançado e mantido em um país,

justificando o seu repúdio a esse grupo político. Dessa divergência derivaram intensos debates

que se desenrolam há décadas e no trecho acima, para Betancourt, o comunismo estaria ao

lado de tendências autoritárias, representando um risco para as democracias latino-

americanas.

Desde a composição da “Geração de 28” e dos demais movimentos originários desse

grupo, o tema do comunismo, da democracia, dos partidos políticos, da modernização e da

integração latino-americana, enfatizando a luta contra o imperialismo, foram os grandes temas

discutidos pelas principais forças políticas na Venezuela. E, as diversas abordagens dadas a

esses temas em um contexto histórico de profundas mudanças, resultou na construção de no-

vos atores políticos que atuariam em um novo cenário político a partir de 1958.

4.3 O Pacto de Punto Fijo e a construção da nova cultura política venezuelana

O Pacto de Punto Fijo foi o resultado de um projeto político posto em andamento

desde 1945, através da Junta Revolucionária e do governo de Rómulo Gallegos. Esse projeto

político foi esboçado desde os primeiros escritos da “Geração de 28” e das suas organizações

posteriores como a ARDI, a ORVE, o PDN e a AD. Para que ele se concretizasse, foram ne-

cessárias certas condições, como a existência de partidos políticos, e instituições políticas e

um aparato constitucional para as reformas em um ambiente democrático. Com isso, a moder-

nização, a democratização e a organização dos partidos políticos continuaram a ser fatores

essenciais para a execução do projeto de modernização e reformas de Rómulo Betancourt.

Desde o Plan de Barranquilla de 1931, Betancourt foi adaptando e refinando o seu

projeto para a sociedade venezuelana até alcançar o poder em 1959. Esse projeto poderia ser

sintetizado em alguns pontos fundamentais, como a edificação de uma sociedade capitalista

com uma grande participação do Estado, a proposta de um desenvolvimento social, melho-

rando a qualidade de vida das classes mais desfavorecidas, ou seja, camponeses e operários.

Essa transformação da sociedade aconteceria através da via democrática e constitucional, com

eleições diretas e universais (CABALLERO, 2000, p. 46,47).

O projeto político de Betancourt ganhou novos traços à medida que ganhou um novo e

fundamental elemento, as massas, que assegurariam a continuidade e manutenção do regime

constitucional e da democracia. Compondo esse projeto, estava a política de integração dos

países democráticos americanos, através da intitulada Doutrina Betancourt, que propunha a

união dos países democráticos republicanos contra os países de regimes ditatoriais, com o fim

desses regimes.

Dentre os países considerados ditatoriais estava Cuba, retomando o conflito com os

comunistas, com uma intensidade maior naquele momento, pois, na Venezuela, os comunistas

ameaçavam colocar a democracia e suas instituições, principalmente o Pacto de Punto Fijo em

risco, com uma série de atentados ocorridos durante a gestão de Betancourt. Com o risco de

uma expansão dos comunistas no país e no continente, além da expansão dos regimes ditatori-

ais, Betancourt buscou apoio em todos os países democráticos, com a proposta de uma união e

acordos de ajuda mútua.

Nesse contexto, elementos de uma nova cultura política se esboçavam e consolida-

vam-se a partir do momento que a população passou a conviver em um novo ambiente e as

novas práticas políticas instauradas a partir de 1945 que, apesar da interrupção de quase dez

anos de ditadura, passaram a fazer parte do cotidiano dos venezuelanos.

No entanto, pretendia-se mudar certos objetivos em relação ao período de 1945. Nes-

se ano, a Junta Revolucionária pretendeu formar uma unidade cívica e militar com um setor

da sociedade civil, um partido, a AD, com apenas um setor das Forças Armadas. Diferente

dessa proposta, em 1958, o Pacto de Punto Fijo pretendia estabelecer a união da sociedade

com todos os seus setores, envolvendo partidos, sindicatos, empresários, a Igreja, com o con-

junto da Forças Armadas (CABALLERO, 2000, p. 21).

O movimento de 16 de outubro de 1945, teve por um lado, como base as reivindica-

ções do povo, e por outro, a modernização, baseada na industrialização, dirigida por um Esta-

do forte dentro de um marco estritamente capitalista. Essa aparente contradição, para Gómez

Calcaño e Nelly Arenas, foi uma das características dos populismos dos anos 40, intensamen-

te denunciado pelos partidos comunistas, que consideravam uma traição às origens marxistas

de muitos desses atores e partidos populistas. Sem dúvida, essa combinação de reivindicações

simbólicas dos mais pobres com um reconhecimento pragmático dos limites econômicos, so-

ciais e políticos das “revoluções” latino-americanas obteve mais êxito em quase todos os paí-

ses do que a opção marxista, aparentemente mais coerente do que a populista (GÓMEZ CAL-

CAÑO; ARENAS, 2002, p. 39).

A opção marxista esteve presente na escolha dos venezuelanos ao optarem pela demo-

cracia, dirigida pela esquerda democrática, representada pela AD, sob a direção de Rómulo

Betancourt. No caso específico venezuelano, a esquerda radical, representada pelo PCV apre-

sentou uma postura ambígua frente a proposta de democratização do país, colocando-se contra

o grupo político que a conduzia, ou seja, a AD. Apresentar-se como oposição deveria ter um

certo limite para esse partido, que ultrapassou a proposta de ser a oposição no país e passou a

ser oposição a algo que nem ele compreendia. Dessa forma, o PCV não se situava nas discus-

sões da esquerda no país, o partido apenas restringia-se a repetir postulados oriundos da Inter-

nacional Comunista e teorias que não se adaptavam à realidade venezuelana. Esse tipo de

marxismo dominou essa fração da esquerda radical no país e pelas suas características não

poderia ser dominante no país, pela sua incoerência política ao apoiar o partido do governo

ditatorial do general Medina Angarita na década de 1940, e por não privilegiar a população

nas suas ações políticas.

Para Luis Calcaño e Nelly Arenas (2002), o projeto do Triénio era principalmente na-

cional e não classista, e, em conseqüência, o partido articularia o processo, enquanto mediador

das diferenças entre os grupos que formavam o povo. Partido e Estado formavam a base fun-

damental do novo processo de desenvolvimento, que fundamentava a sua viabilidade na arti-

culação de interesses de diferentes estratos ao redor do minoritário grupo das oligarquias. En-

tre o indivíduo, ator central do modelo liberal e a classe, base da proposta marxista, surge o

moderno partido como um ator autônomo e articulador em um projeto hegemônico e plural.

Essa multiplicidade de identidades permitiria a estabilidade da democracia. E, nos anos poste-

riores a 1958, surgiu um grande número de sindicalistas empresários, dirigentes de partidos,

camponeses convertidos em fazendeiros, entre outros casos. Dessa forma, o novo regime cri-

ou e fortaleceu um conjunto de atores modernos, dispostos a moderar a maximização de seus

interesses imediatos em nome do desenvolvimento nacional.

Desde o Triénio, os protagonistas enfatizaram a descontinuidade com o regime ante-

rior, evidenciando o caráter refundador da nação na sua ação histórica. Essa combinação de

fatores sintetizou a base onde o povo surgiria como um novo ator, distante das oligarquias e

no centro da construção da nação.

Diante desse processo histórico venezuelano, diversos autores analisaram o período

aberto pelo Pacto de Punto Fijo, como Juan Carlos Rey (2004) que o classificou como um

sistema populista de conciliação. Para esse autor, a visibilidade da democracia venezuelana

dependeu, na sua grande parte, da capacidade dos mecanismos democráticos, das eleições e

do sistema de partidos para satisfazer as necessidades do povo. Nesse processo, foram criados

mecanismos democráticos e anti-democráticos que serviram para assegurar o respaldo às mi-

norias, que poderiam se sentir prejudicadas em seus interesses fundamentais com as decisões

tomadas pela maioria. É a esse dispositivo que Juan Carlos Rey chama de sistema populista

de conciliação.

Esse sistema dispunha de regras e mecanismos jurídicos e institucionais, além de pro-

cedimentos informais nem sempre explícitos, que o formulavam. Para o autor, tratava-se de

uma cultura política peculiar e um conjunto de regras informais do jogo político, com o obje-

tivo de manter a ordem social e política. Era uma grande aliança, por um lado explícita, e, por

outro, tácita, envolvendo partidos políticos e diversos grupos sociais poderosos, baseada no

reconhecimento da legitimidade dos interesses. Era um sistema de negociações, transações,

compromissos e conciliações entre esses setores de forma que todos estivessem satisfeitos,

mesmo que parcialmente. Ele se desenvolveu amplamente a partir do Pacto de Punto Fijo,

tendo uma ampla base política, caracterizada por um conjunto de pactos que abarcaram os

principais setores da sociedade (REY, 2004).

O cenário democrático caracterizado pela consulta popular caracterizou-se como uma

vitória para os interesses privados envolvidos nos acordos políticos, pois institucionalizou-se

a sua participação de forma privilegiada, contínua e permanente em uma esfera importante,

graças aos acordos com o Estado. Este passa a ser submetido à influência direta dos partidos.

Para Juan Carlos Rey (2004), tratava-se de um sistema único, distinto e paralelo a um sistema

de participação e representação própria de uma democracia, e muitas vezes, caracterizando-se

como contrário a ela. Essa parte anti-democrática do sistema populista de conciliação, signifi-

cava uma limitação do funcionamento dos mecanismos democráticos, implicando em uma

distorção das decisões, favorecendo um grupo minoritário e poderoso, formando um sistema

semi-corporativo. Para Rey (2004), esse sistema político venezuelano, caracterizou-se dessa

forma graças aos partidos políticos, pois eles influenciaram diretamente a vida política nacio-

nal.

Na análise de Luis Gómez Calcaño e Nelly Arenas (2002), o sistema populista de con-

ciliação pretendia se fundar sobre as bases modernizadoras e democráticas da Constituição de

1947. Para os autores, a AD conservou a sua prática populista e o seu programa nacionalista,

antiimperialista e voltado para a industrialização. E esse programa foi convertido em uma

base consensual que orientou a estratégia de desenvolvimento do país, compartilhada por um

conjunto de atores sociais e políticos. Para os autores, o populismo que caracterizou a política

a partir de 1945 e suas práticas seguiu como um marco ideológico durante o período após

1958.

Gómez Calcaño e Arenas (2002) afirmaram que a base que constituiu o populismo de

conciliação teve o objetivo de minimizar os conflitos políticos. Esse sistema político de conci-

liação se fortaleceu com a concentração das possibilidades de votação em duas opções de par-

tidos de centro e com o caráter presidencialista do sistema, que daria ampla liberdade às auto-

ridades do Estado e dos partidos para concentrar a sua ação ou levar as suas diferenças ao

público, para que ele decidisse o que julgasse melhor.

Para Rafael Villa Duarte (2000), o fator que assegurou a estabilidade dos acordos polí-

ticos estabelecidos após 1958, foi a relação entre o Estado e o petróleo. Para o autor, a riqueza

gerada pelo petróleo seria fundamental para compreender a vida política e econômica venezu-

elana nesse período e o sucesso do Pacto de Punto Fijo. A existência do petróleo coincidiu

com a forma de intervenção do Estado na economia, independente da forma assumida pelo

regime político, condicionando a relação do Estado com as demais forças políticas como os

partidos, sindicatos, Forças Armadas e o setor privado.

Para as Forças Armadas, o pacto significou garantias de superação institucional, de au-

tonomia quase absoluta no tratamento dos assuntos militares, e a possibilidade de contarem

com uma atenção especial em termos salariais. A inclusão das Forças Armadas no Pacto, além

de reconhecer o peso desse grupo, evidenciou um efeito profilático, prevenindo o sistema po-

lítico contra alguma idéia de golpe e subordinando as Forças Armadas ao poder civil (VILLA

DUARTE, 2000, p. 138).

Para Maza Zavala (1948), o Pacto de Punto Fijo, foi formulado como um sistema de

poder supostamente balanceado entre um Estado burguês, burocrático, desenvolvimentista e

populista, com a participação implícita das Fedecámaras, da Confederação de Trabalhadores

da Venezuela, grupo que coordenava os sindicatos de operários e camponeses, os partidos,

implementados por uma burocracia técnica e administrativa e pelas forças armadas.

Contrário aos posicionamentos apontados acima, para Joaquín Marta Sosa (2002), em

1958, o programa político buscava resgatar a democracia perdida dez anos antes e criar meca-

nismos poderosos e eficientes para evitar o ressurgimento da força militar, acompanhada de

ditaduras. A estratégia e o objetivo principal da política adotada após 1958 foi a de implemen-

tar a democracia contra qualquer ameaça de ditaduras.

Em 1961, as possibilidades de ampliar a democracia, fortalecendo as possibilidades de

modernização institucional e social tornaram-se possíveis. Nesse período a palavra de ordem

foi o consenso, que permitiria a aceitação da democracia liberal e suas conseqüências essenci-

ais, com uma governabilidade compartilhada e pactuada entre as diferentes forças políticas,

apesar das diferenças que poderiam as separar (MARTA SOSA, 2002, p. 21).

Para esse autor, os partidos políticos foram os grandes protagonistas, com a tarefa de

articular, coordenar e atender as demandas sociais, quando o eleitor reivindicava e legitimava

as suas ações. A aceitação e o uso dos direitos políticos liberais e democráticos davam um

suporte simbólico e prático do poder. Desse modo, a democracia se implantou frente ao mili-

tarismo fascista ou populista e frente à possíveis revoltas da esquerda comunista. O governo

de Betancourt apostou em uma democracia liberal de partidos, com um Estado social de direi-

to, com um sistema de equilíbrio de poderes e um desenvolvimento reformador no que se re-

fere aos processos de distribuição e descentralização do poder (MARTA SOSA, 2002, p. 26).

Esse regime deveria respeitar as leis, principalmente os limites da reeleição presiden-

cial. E, por consequência, deveria apresentar uma honestidade administrativa, garantida pelo

controle popular, através de órgãos jurídicos apropriados e de uma imprensa livre e responsá-

vel. Uma sociedade desse tipo deveria erguer-se sobre cinco pilares institucionais e sociais: o

exército, os partidos políticos, os empresários, os sindicatos e a Igreja. Betancourt não pensa-

va em uma república sem conflitos, mas, sobretudo em um período de consolidação institu-

cional, seria preferível o consenso, respaldado, como estava, pela riqueza oriunda do petróleo

(CABALLERO, 2000, p. 47).

Para Manuel Caballero (2000), Rómulo Betancourt se distinguia dos demais políticos

porque para ele o poder não era o auge de uma carreira, significaria o início de outra. E isso

não era produto exclusivo da sua vontade, seria também produto do desempenho de seus ini-

migos. Ao assumir a presidência, ele sabia que se intensificaria o período de intranqüilidade

no país, que ocorreu em 1945.

O período aberto em 1958 marcaria profundamente a vida política no país. O Pacto de

Punto Fijo e o governo de Rómulo Betancourt representaram a conclusão de um processo que

se iniciou em 1928, com um grupo de estudantes da UCV. Esse processo contou com avanços

importantes e retrocessos nas ações políticas, como o golpe de outubro de 1945 e o posterior

golpe de 1948, que levou novamente o país ao regime ditatorial.

Os avanços políticos ocorridos desde os primeiros levantes em nome da democracia

foram incontáveis se considerarmos a amplitude e a dimensão das mudanças na sociedade.

Além das mudanças concretas, baseadas nas reformas na Constituição e em vários setores

sociais, as mudanças na vida política nacional não podem ser consideradas apenas como re-

formas. Elas tiveram um alcance político muito maior, pois a ação da esquerda democrática,

representada pela AD, assumiu um caráter revolucionário, à medida que conseguiram mudar

profundamente a estrutura política, instaurando novas regras de convivência política.

Essa nova forma de conceber a política incorporou distintos setores da sociedade ao

jogo político, e criou lideranças e tradições especificamente políticas, em diferentes níveis de

coesão e continuidade, unindo a modernidade à tradição. A nova política instaurada a partir de

1945 formulou elementos que iriam compor uma nova cultura política, composta por elemen-

tos democráticos, enfatizando a importância do voto, como elemento de escolha e tomada de

decisões, e o resultado das eleições, representando a vontade popular, assegurando a soberania

nacional. Outro elemento de destaque na nova cultura política foi o repúdio a ditadura e ao

autoritarismo, além da importância dada a Constituição, vista como a base do regime demo-

crático e representativo.

E, por fim, a atuação do novo ator político, estimulado a ser sempre atuante e crítico,

participando de todos os processos políticos no país e sempre envolvido com a política nacio-

nal, e disposto a reivindicar nas ruas as suas necessidades ou expressando o seu descontenta-

mento em relação a alguma prática que considere prejudicial à população. A “Geração de 28”,

Rómulo Betancourt e a AD deixaram um importante legado ao país, composto pelo apego à

democracia e às instituições democráticas e a sua valorização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na trajetória de Rómulo Betancourt, o desejo de instaurar a democracia na Venezuela

mobilizou grande parte das suas ações durante o período de 1928 a 1964. Para ele, a democra-

cia seria o veículo central da modernização. E, para isso, ele mobilizou os elementos necessá-

rios para a democratização do país, com os partidos políticos, o Estado interventor, a Consti-

tuição e principalmente um ator político que ingressa na vida política com um papel funda-

mental, o povo. Para ele, o último elemento deveria ser o centro da vida política no país, de

acordo com a idéia desenvolvida desde 1931, com o Plan de Barranquilla e com o PDN. A-

pós definir esses elementos, o seu grande desafio seria concretizar todas essas propostas. Para

atingir esse objetivo, foram necessários quase trinta anos até a sua consolidação, em 1958, no

Pacto de Punto Fijo e com a Constituição de 1961, elaborada durante o seu governo.

O governo de Rómulo Betancourt, de 1959 a 1964, foi marcado por reformas de cará-

ter democrático. As reformas de sua gestão mudaram profundamente o cenário político e so-

cial. Ele se caracterizou como um reformista democrático, e líder de um partido de esquerda,

traços que o tornariam um personagem político único na América Latina do século XX.

A esquerda venezuelana se caracterizou por muitas dissidências entre os partidos e pe-

la falta de unidade, um problema que Betancourt procurou suplantar através da forma de or-

ganização do seu partido, inspirando-se no leninismo. A sua aproximação com o leninismo foi

mais um elemento polêmico na sua trajetória política, pois essa preferência remetia a uma

discussão sobre o marxismo presente ou não no seu pensamento político. Diferente de muitas

análises sobre a sua trajetória, o seu marxismo apenas diferenciava-se dos demais que compu-

nham a esquerda venezuelana, também representada pelo PCV. Em certas análises, Betan-

court e a AD não eram considerados como esquerda ou marxistas porque não concordavam

com os pressupostos do PCV, pois, nessas leituras, a esquerda e o marxismo era sinônimos de

comunismo, ou seja, apenas esse grupo poderia ser intitulado dessa forma.

Essas interpretações diferenciadas do marxismo e, conseqüentemente da realidade do

país, colocaram Rómulo Betancourt e o PCV em lados opostos no cenário político. Os comu-

nistas venezuelanos sempre estiveram à margem dos processos políticos decisivos, não con-

seguindo incorporar nenhum elemento da sua cultura política no interior da sociedade e, por

outro lado, adotaram posturas políticas incompatíveis com o seu momento histórico. A aliança

que o PCV estabeleceu com o PDV, partido do governo de Medina Angarita, mostrou-se es-

tranha àquele momento, onde os grupos políticos lutavam pela democracia e pelo fim da dita-

dura, e repetindo o mesmo comportamento, durante o período de 1948, quando o PCV se

manteve do lado dos militares. A postura do partido mudou quando o governo considerou o

partido ilegal pois, a partir desse momento, apenas para assegurar a sua existência, o partido

se voltou contra a ditadura, não apresentando nenhum outro motivo ou projeto para o país.

Por esses motivos, o comunismo do PCV sempre esteve simetricamente oposto à AD e

aos objetivos de Rómulo Betancourt para a Venezuela. Betancourt sempre idealizou a demo-

cracia para o país, mas sempre esbarrou no comunismo do PCV, gerando intermináveis dis-

cussões e conflitos. O PCV sempre esteve contra o projeto idealizado por Betancourt, por

considerá-lo demasiado reformista e conservador para os seus objetivos “revolucionários”. No

entanto, o intitulado “reformismo” de Betancourt não o permitiu estabelecer alianças com os

setores mais tradicionais e positivistas, ou seja, apoiando regimes ditatoriais, como fizeram os

comunistas. Assim, durante a trajetória histórica do PCV, no período aqui analisado, podemos

afirmar que ele se comportou de maneira contraditória, não favorecendo o avanço democráti-

co do país.

Rómulo Betancourt conseguiu romper com tendências históricas que se perpetuavam

por décadas desde o governo de Juan Vicente Gómez. Apesar da forma reformista, ao propi-

ciar mudanças sociais e econômicas, politicamente, Betancourt estabeleceu os princípios de

uma revolução contínua, que conseguiu mudar profundamente certos aspectos da sociedade,

principalmente os ligados à vida política do país. A partir dessa proposta, causou mudanças a

longo prazo, e que se configuraram de acordo com atores políticos inseridos nos contextos

históricos de um determinado momento, no entanto, esteve distante dos modelos europeus de

revolução, que modificam profundamente todas as estruturas de uma determinada sociedade.

Os principais alicerces do projeto político de Betancourt foram construídos e consoli-

daram-se durante esse período. A formação, a fundação e a consolidação da AD propiciaram

um ambiente favorável à democratização do país. A AD se constituiu como um dos principais

partidos do país, desempenhando um importante papel na sociedade. Esse partido a partir de

1941 a 1945 lançou as bases de uma nova cultura política, que se ampliou após 1958, com o

Pacto de Punto Fijo. O partido conseguiu congregar um ambiente favorável a democracia,

favorecendo o diálogo entre o Estado e a sociedade. Esses elementos passaram a compor a

forma com que a sociedade concebia e relacionava-se com a política. Essa nova cultura políti-

ca posta em andamento pela AD e por Rómulo Betancourt, assegurou a ela uma posição he-

gemônica, mantida durante várias décadas.

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