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“Démarche estratégica em instituição de diferentes níveis de complexidade: instrumento potencializador de humanização hospitalar numa cultura em transição” por Maria Angélica Carvalho Andrade Tese apresentada com vistas à obtenção do título de Doutor em Ciências na área de Saúde Pública. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Elizabeth Artmann Rio de Janeiro, outubro de 2009.

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“Démarche estratégica em instituição de diferentes níveis de complexidade: instrumento potencializador de humanização hospitalar numa cultura em

transição”

por

Maria Angélica Carvalho Andrade

Tese apresentada com vistas à obtenção do título de Doutor em Ciências na área de Saúde Pública.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Elizabeth Artmann

Rio de Janeiro, outubro de 2009.

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Esta tese, intitulada “Démarche estratégica em instituição de diferentes níveis de complexidade: instrumento potencializador de humanização hospitalar numa cultura em

transição”

apresentada por

Maria Angélica Carvalho Andrade

foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof.ª Dr.ª Marina Peduzzi

Prof. Dr. Ruben Araújo de Mattos

Prof. Dr. Juliano de Carvalho Lima

Prof. Dr. Francisco Javier Uribe Rivera

Prof.ª Dr.ª Elizabeth Artmann – Orientadora

Tese defendida e aprovada em 02 de outubro de 2009.

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AGRADECIMENTOS

Agradecimentos especiais eu devo ao meu pai, Antônio Deodato, pelo seu amor e

constante apoio, incentivo e carinho.

Aos meus familiares e amigos que me dão o suporte emocional necessário para a

realização de mais esta etapa na minha vida.

Em especial, quero agradecer ao meu marido, Paulo Lindoso, companheiro de

todas as horas e aos meus filhos e enteados, Alexandre, Rodrigo, Daniel, Paulo e

Layla, pela compreensão dos meus momentos ausentes. Muito obrigada pelo

amor e paciência de vocês!

À minha irmã Ana Paula e às minhas amigas Eliane Mara, Luciene e Sônia Maria,

grandes “apoiadoras de plantão”.

Aos cunhados Eliane e Milton, por todo o suporte, acolhimento e carinho com que

me “adotaram” durante minha permanência no Rio de Janeiro.

Aos amigos e “gurus” Vitória Pamplona e João Alberto, exemplos de vida e fonte

de aprendizado, pela grande disponibilidade, carinho e paciência com as minhas

intermináveis perguntas e inseguranças.

À minha orientadora, professora Drª Elizabeth Artmann, pela grande oportunidade

de aprendizagem e crescimento. Agradeço imensamente pela orientação

acadêmica e por todos os momentos de apoio durante o doutorado.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Escola

Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, pelas contribuições a minha formação

de doutorado. Particularmente, agradeço ao professor Dr. Francisco Javier Uribe

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Rivera pelo carinho, atenção e generosidade com que atendia às minhas

solicitações de livros e textos.

Ao professor Dr. José Pedro Luchi por seu apoio decisivo e ajuda inestimável na

compreensão da teoria habermasiana.

Aos colegas de doutorado, com quem passei horas muito gratificantes,

especialmente Judy, pelo seu apoio e incentivo nos meus primeiros momentos na

cidade maravilhosa.

À amiga venezuelana Henny Luz, pelo seu sorriso sempre encorajador e pela sua

disponibilidade em ajudar no que fosse possível.

Às amigas Sibelle e Mariana, interlocutoras em tempo integral, pela leitura crítica

deste trabalho e pelas valiosas contribuições, com idéias e reflexões sempre

interessantes.

Aos profissionais da saúde que aceitaram participar deste projeto, pela confiança,

apoio, carinho e disponibilidade.

Às companheiras de luta pela humanização na saúde, especialmente Denise,

Francilene, Iracema, Luzilene, Márcia Elida, Márcia Hennig, Nely, Ruskaia e Vera,

pela amizade, sugestões, incentivos e momentos de alegria compartilhados.

À Eunice, companheira de lutas e secretária do meu lar, incansável, cuidadosa e

sempre generosa.

Sem o apoio de vocês, tudo isso seria impossível!

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“Não sabendo que era impossível, foi lá e fez”

Jean Cocteau

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................12

2 ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA .....................................................27

2.1 O contexto da pesquisa .................................................................................33

2.2 A Teoria da Ação comunicativa de Jürgen Haberma s como referencial

teórico ....................................................................................................................36

2.2.1 O conceito de Racionalidade Comunicativa de Habermas............................39

2.2.1.1 A teoria da ação racional de Weber ........................................................40

2.2.1.2 A teoria dos atos de fala de Austin .........................................................42

2.2.1.3 A teoria dos três mundos de Habermas basead a em Popper ..............45

2.2.2 O conceito de Sociedade de Habermas........................................................52

2.2.2.1 O mundo da vida como subsistema padrão ..........................................53

2.2.2.2 A integração sistêmica .............................................................................61

2.2.3 A Teoria da Modernidade de Habermas........................................................63

3 ARTIGOS.............................................................................................................71

3.1 Artigo 1: Humanização da saúde: diferentes conc epções numa cultura

em transição ..........................................................................................................71

3.2 Artigo 2: Humanização da Saúde num serviço de e mergência de um

hospital público: comparação sobre representações s ociais dos

profissionais antes e após a capacitação .......................................................105

3.3 Artigo 3 : Démarche Estratégica em unidade materno infantil

hospitalar .............................................................................................................131

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3.4 Artigo 4: A experiência da Démarche Estratégica numa instituição de

pesquisa ..............................................................................................................142

4 DISCUSSÃO......................................................................................................173

5 CONCLUSÃO ....................................................................................................205

6 REFERÊNCIAS.................................................................................................208

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RESUMO

Esta tese representa a possibilidade de problematizar o processo de consolidação

da Política Nacional de Humanização (PNH) no contexto hospitalar público. A

realização deste estudo decorre de nossa crítica sobre a freqüente falta de

correspondência entre os objetivos da política e seu resultado final, advindos,

principalmente, da dificuldade em produzir consensos suficientes para

desencadear processos de decisão institucional coerentes com os princípios e

método da PNH.

O objetivo geral deste estudo foi contribuir para potencializar a implementação da

PNH em instituições de saúde de diferentes níveis de complexidade, numa

perspectiva contratual de rede coordenada de serviços, considerando a cultura

institucional brasileira, a partir da utilização de um enfoque de gestão

comunicativa.

A tese está organizada em formato de artigos, de modo a introduzir algumas das

principais questões de humanização na saúde, comunicação e gestão estratégica.

Utilizou-se como referencial a Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas

para compreender os processos comunicativos partindo do princípio de que as

mudanças propostas pela PNH podem ser entendidas como formas de ação social

que derivam do consenso entre os atores. Neste estudo, a teoria habermasiana

permitiu uma abordagem privilegiada sobre a relevância da comunicação e seu

indissociável relacionamento com a intervenção social e a democracia. A

perspectiva pragmática foi destacada a partir do emprego de uma ferramenta de

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gestão comunicativa, a Démarche Estratégica, por meio de seu encontro/confronto

com a Teoria da Ação Comunicativa de Habermas e a temática humanização.

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ABSTRACT

This thesis represents an opportunity to discuss the process of consolidation of the

Policy of Humanization of health in Brazil (PNH) in the public hospital. The attempt

to carry out this study stems from our criticism of the frequent lack of

correspondence between policy objectives and its final result, coming mainly from

the difficulty in producing consensus sufficient to trigger processes of institutional

decision consistent with the principles and method of the PNH.

The objective of this study was to enhance the implementation of the PNH in health

facilities of different levels of complexity, in a coordinated network of contractual

services, considering the brazilian institutional culture, from the use of a tool

adapted communication tool for managerial analysis.

The thesis is organized in the form of articles, in order to introduce some of the key

issues of human health, communication and strategic management. The Theory of

Communicative Action by Jürgen Habermas was used as theoretical reference.

With this option theory is proposed to understand the communicative processes

assuming that the changes proposed by the PNH can be understood as forms of

social action, which stem from the consensus among actors. In this study, the

habermasiana theory enabled a privileged approach on the importance of

communication and its inseparable relationship with social intervention and

democracy. The pragmatic view was seconded from the employment of a

communication management tool, the Démarche Stratégic, through their

encounter/ clash with the Habermas Theory of Communicative Action and the

theme of humanization.

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RÉSUMÉ

Cette thèse constitue une occasion de discuter du processus de consolidation de

la Politique Nationale d'humanisation (PNH) dans un hôpital public. L’essaie de

mener cette étude provient de notre critique de l'absence fréquente de

correspondance entre les objectifs de la politique et de son résultat final, venu

principalement, de la difficulté à produire des consensus suffisant pour déclencher

des processus de décision institutionnelle en conformité avec les principes et la

méthode de la PNH .

L'objectif de cette étude a été d'améliorer la mise en œuvre de la PNH dans les

établissements de santé de différents niveaux de complexité, en un réseau

coordonné de services contractuels, compte tenu la culture institutionnelle du

Brésil, à partir de l'utilisation d'un outil adapté pour la communication d’analyse de

gestion.

La thèse est organisée sous forme d'articles, afin d'introduire certaines questions

clés de l’humanisation dans la santé, la communication et la gestion stratégique. Il

a été utilisé comme référence théorique la Théorie de l'Action de Communication

de Jürgen Habermas. Avec cette théorie, on a proposé comprendre les processus

de communication en supposant que les modifications proposées par la PNH

peuvent être compris comme des formes d'action sociale, qui déroulent du

consensus entre les acteurs. Dans cette étude, la théorie a permis une abordage

sur l'importance de la communication et de sa relation inséparable avec

l'intervention sociale et la démocratie. La perspective pragmatique a été détaché

de l'emploi d'un outil de gestion de la communication, la Démarche Stratégique,

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par le biais de leur rencontre/affrontement avec la théorie de l'action

communicative de Habermas et les thèmes de l'humanisation.

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1 INTRODUÇÃO

Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, ficou instituída a política do

Sistema Único de Saúde (SUS), que se baseia na integralidade, resolutividade da

assistência, universalidade do acesso e igualdade do atendimento, na

racionalização dos recursos e otimização de resultados, e no controle social. Mas,

apesar dos inúmeros avanços no campo da saúde brasileira ao longo dessas

últimas duas décadas, não podemos afirmar que construímos uma cultura de

saúde de acordo com os princípios doutrinários do SUS. Estes ainda não estão

plenamente incorporados na vida coletiva de todos os cidadãos (BRASIL, 2000a).

Na atividade assistencial realizada no cotidiano há uma insatisfação geral, seja

dos profissionais ou usuários. Cada vez mais os profissionais reclamam das

péssimas condições de trabalho às quais se vêem obrigados a se submeterem, da

falta de medicamentos, equipamentos, tecnologia mais avançada, até da falta de

reajuste do pagamento, de desrespeito e desproteção aos quais se expõem no

ambiente de trabalho. Por outro lado, os usuários queixam-se das filas, das longas

horas de espera por um atendimento, do pouco tempo diante do profissional que o

atende, da falta de interesse e comprometimento dos profissionais com o seu

problema e do exame físico precário (BRASIL, 2000a).

Apesar de algumas práticas e modelos de atendimento refletirem a existência de

uma nova maneira de pensar a atenção à saúde, incorporando os conceitos do

SUS, ainda persiste, no cotidiano, uma forma de desenvolver as práticas de

saúde, que se encontra arraigada a conceitos arcaicos de assistência, distanciada

dos princípios constitucionais do SUS, focados no modelo curativo

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hospitalocêntrico e que não atende às necessidades da população. Segundo

Brasil (2000b, p. 316),

O modelo assistencial ainda predominante no país caracteriza-se pela prática “hospitalocêntrica”, pelo individualismo, pela utilização irracional dos recursos tecnológicos disponíveis e pela baixa resolutividade, gerando alto grau de insatisfação para todos os partícipes do processo – gestores, profissionais de saúde e população que utiliza os serviços. [...] Sob esse raciocínio, a rede básica de saúde, constituída pelos postos, centros ou unidades de saúde, passou a ser assessória e desqualificada. Com isso, perdeu-se seu potencial de resultados, alimentando-se a própria lógica que excluía de antemão. O que era para ser básico tornou-se descartável e o topo da cadeia de atenção transformou-se em porta de entrada. [...] A síntese desse quadro é um modelo caro, ineficiente e desumano, que degrada a prática profissional e não atende às necessidades da população.

Além disso, os profissionais de saúde, de maneira geral, desenvolvem suas

práticas a partir de competências e habilidades adquiridas no processo de

formação, centradas nas especializações, com poucas oportunidades de acesso

às informações relacionadas aos conceitos de saúde pública. E, a formação

médica ainda é “intensamente orientada para aspectos que se referem à

anatomia, à fisiologia, à patologia, à clínica, desconsiderando a história da pessoa

doente, o apoio moral e psicológico” (CAPRARA & FRANCO, 1999, p. 650). As

autoras (p. 649) consideram ainda que, nesse contexto da prática médica, o

modelo biomédico - o principal modelo financiado pelo recurso público - não é

suficiente para promover mudanças em suas atividades profissionais, ficando o

discurso dissociado da prática.

A experiência cotidiana do atendimento ao público nos serviços de saúde e os

resultados de pesquisa de avaliação desses serviços têm demonstrado, de acordo

com Brasil (2001, p. 05), “que a qualidade da atenção ao usuário é uma das

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questões mais críticas do sistema de saúde brasileiro”, indicando a necessidade

de novas propostas de atuação.

Tal fato justificou a elaboração, pelo Ministério da Saúde, de um Programa

Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH), em maio de 2000.

O PNHAH, de acordo com Brasil (2001, p. 09), surge a partir da identificação de

um “número significativo de queixas dos usuários referentes aos maus tratos nos

hospitais”, sendo, então, elaborada uma proposta de trabalho voltada à

humanização dos serviços hospitalares públicos de saúde por um comitê técnico

formado por profissionais da área da saúde mental.

As idéias centrais da humanização encontradas numa análise dos textos oficiais

do PNHAH realizada por Deslandes (2004) aparecem como oposição à violência

vivenciada no cotidiano da saúde, oferta de atendimento de qualidade, articulando

os avanços tecnológicos com o bom relacionamento, melhoria das condições de

trabalho do profissional, tendo a ampliação do processo comunicacional como

diretriz central. O denominador comum, presente nestes principais eixos

discursivos, é a invisibilidade do outro e a necessidade de interagir efetivamente

com esse outro, que é impossibilitada devido:

[...] à deficiência do diálogo, à debilidade do processo comunicacional entre profissionais e usuários e entre profissionais e gestores, repercutindo de forma negativa no cuidado prestado. O desrespeito à palavra e a falta de troca de informações, a debilidade da escuta e do diálogo promoveriam a violência, comprometeriam a qualidade do atendimento e manteriam o profissional refém das condições inadequadas que não raro lhe imputam desgaste e sofrimento psíquico (DESLANDES, 2004, p.10).

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Assim, a referência conceitual mais importante no manual do PNHAH, de acordo

com Deslandes (2004, p.10), é a possibilidade comunicacional. O tema é

desenvolvido, “apontando o ser humano como um ser de linguagem e, portanto,

capaz de construir redes de significados que, ao serem compartilhadas,

conformam uma identidade cultural”. Dessa forma, para esta autora, numa citação

do texto oficial, “humanizar é garantir à palavra a sua dignidade ética”, e “o

desrespeito ao estatuto ético da palavra cria as condições de arbítrio e violência”

(p.11). Nessa direção, somente um modelo motivado pela solidariedade, realizado

pelo encontro intersubjetivo e mediado pela palavra é capaz de promover a

humanização (BETTS apud DESLANDES, 2004).

Mas, como resultados da primeira avaliação ministerial do PNHAH constataram-se

o grande número de iniciativas de humanização setoriais, sem conseguir o

envolvimento do todo das organizações; a persistência de um desconhecimento

destas propostas pelas próprias instituições e pelo público que o utiliza; e a crença

na impossibilidade de mudança cultural institucional em relação à humanização

(BRASIL, 2001).

Este contexto apontou para a necessidade de se definir a Humanização como

uma política de governo presente em todas as nossas ações. A Política Nacional

de Humanização (PNH) surge neste cenário de atenção à saúde no SUS em

substituição ao Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar

(PNHAH) como uma estratégia política e gerencial para diminuir a imensa

distância existente entre os direitos constitucionais e a prática cotidiana dos

serviços públicos de saúde, promovendo mudança organizacional por meio de

interferência nos processos de produção de saúde, fundamentando-se na troca e

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construção de saberes; no diálogo entre os profissionais; no trabalho em equipe;

e, na consideração às necessidades, desejos e interesses dos diferentes atores

do campo da saúde. Era principalmente, de acordo com Benevides e Passos

(2005a, p. 562), “o modo coletivo e co-gestivo de produção de saúde e de sujeitos

implicados nesta produção que deveria orientar a construção da PNH como

política pública”.

Utilizando o método da inclusão, a PNH caracteriza-se por: ser tomada como

diretriz política transversal, isto é, perpassando todas as ações e instâncias de

efetuação. A PNH tem o objetivo de traduzir os princípios do SUS de maneira a

operar, no cotidiano, as práticas de atenção e gestão, através de construção entre

gestores, trabalhadores da saúde e usuários, de trocas solidárias, comprometidas

com a produção de saúde e a produção de sujeitos, o que, para Benevides e

Passos (2005a), supõe lidar com necessidades, desejos e interesses destes

diferentes atores.

A humanização destaca-se como o eixo articulador de todas as práticas em

saúde, enfatizando o aspecto subjetivo presente em qualquer ação humana,

englobando a criação de uma nova cultura de atendimento fundada na

comunicação; ou seja, na ampliação do processo comunicacional que é

considerada sua condição básica (DESLANDES, 2004).

Nessa perspectiva, ressalta-se o otimismo em torno da aposta da PNH na

sustentabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, por meio da

resolução dos problemas de saúde e de modos de organizar os serviços num

contexto de descontinuidade administrativa, subfinanciamento e interferências

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político-partidárias, privadas e corporativas os quais comprometem a estabilidade,

eficiência e qualidade de implementação efetiva da política pública.

Para que a aposta da PNH na democratização institucional demande “um

reposicionamento dos sujeitos na experiência concreta de produção da realidade”

(BENEVIDES & PASSOS, 2005a, p. 569), ela deve produzir consensos suficientes

para desencadear processos de decisão institucional coerente com os princípios e

método da PNH e, conseqüentemente, opções estratégicas para as mudanças

necessárias.

Criada e desenvolvida nos anos 2003/2004, a partir de tensionamentos dentro da

Secretaria Executiva do Ministério da Saúde (MS), a Política Nacional de

Humanização, pontuada por aspectos contraditórios e complementares, reafirma o

SUS como uma política de Estado e, para manter a força constituinte propõe-se a

operar no limite entre a máquina do Estado e o plano coletivo e a resgatar deste

plano coletivo o movimento da Reforma Sanitária Brasileira (RSB). Segundo

Benevides e Passos (2005a, p.570) humanizar as práticas de atenção e gestão é

“levar em conta a humanidade como força coletiva que impulsiona e direciona o

movimento das políticas públicas”.

A íntima ligação entre o tema da humanização e o resgate da RSB, não se resume

à criação do SUS, transcendendo o setor saúde e pretendendo “intervir de forma

ampla no atendimento das necessidades de saúde, com vistas à melhoria das

condições de saúde e da qualidade de vida da população” (PAIM, 2008, p. 30).

Até o momento, a RSB, segundo Temporão apud Paim (2008, p. 318), “não dispôs

de densidade política para superar a inércia nem alterar a correlação de forças no

sentido de realizar, plenamente, a RSB”. Nesse sentido, a RSB é considerada

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uma “promessa não cumprida”, uma “reforma parcial, predominantemente setorial

e institucional identificada com a construção e implantação do Sistema Único de

Saúde” (PAIM, 2008, p. 323).

Ao assumir o status de política pública, a PNH reafirma o SUS não apenas como

uma política de saúde, mas como uma política social e se compromete a retomar

“o que está na base da reforma da saúde do porte daquela que resultou na criação

do SUS” (BENEVIDES & PASSOS, 2005a, p. 562).

[...] o desafio assumido a partir da década de 1970 pelos movimentos de mudança dos modelos de atenção e gestão nas práticas de saúde impunha tanto a redefinição do conceito de saúde, quanto a recolocação da importância dos atores implicados no processo de produção de saúde. Falar, portanto, de saúde pública ou saúde coletiva é falar também do protagonismo e da autonomia daqueles que, por muito tempo, se posicionaram como “pacientes” nas práticas de saúde, sejam os usuários dos serviços em sua paciência diante dos procedimentos de cuidado, sejam os trabalhadores eles mesmos, não menos passivos no exercício de seu mandato social. O que queremos ressaltar é que a força emancipatória na base do SUS só se sustenta quando tomamos como inseparáveis o processo de produção de saúde e o processo de produção de subjetividades protagonistas e autônomas que se engajam na reprodução e/ou na invenção dos modos de cuidar e de gerir os processos de trabalho no campo da saúde. [...] Portanto, recolocar na agenda da saúde o tema da humanização é reativar o movimento constituinte do SUS (BENEVIDES & PASSOS, 2005a, p. 566).

Mas, apesar de as políticas sociais serem entendidas como o “conjunto de ações

que objetivam a promoção da igualdade e do bem-estar, enfatizando, assim, os

valores que guiam tais ações, [...] em muitos casos não existe correspondência

entre o resultado final e os objetivos da política” (FLEURY & OUVERNEY, 2008, p.

37).

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Ao considerar uma política de saúde como política social, uma das conseqüências

imediatas, é “assumir que a saúde é um dos direitos inerentes à condição de

cidadania, pois a plena participação dos indivíduos na sociedade política se realiza

a partir de sua inserção como cidadãos” (FLEURY & OUVERNEY, 2008, p. 23).

A PNH reconhece a primazia do plano coletivo na construção e consolidação das

políticas sociais e aponta para a multiplicidade de determinantes da saúde e para

a complexidade das relações entre os sujeitos trabalhadores, gestores e usuários

nos serviços de saúde. Mas, ao assumir a premissa segundo a qual a PNH

constitui-se num resgate do projeto de reforma social da RSB, este desafio

adicional para as instituições de saúde - vistas como organizações formais

encarregadas de implementar esta política pública - pode estar comprometendo

sua credibilidade.

O processo de formulação de políticas engloba todo o processo de discussão,

aprovação e implementação das políticas públicas. Estes processos são

complexos e envolvem múltiplos atores com diferentes poderes e funções. São

necessárias capacidades de decisão e implementação (MATUS, 1996). Políticas

públicas eficazes requerem ainda atores políticos com horizontes temporais

relativamente longos, bem como arenas institucionalizadas para a discussão, a

negociação e o controle do cumprimento dos acordos políticos e das políticas

públicas (LABRA, 1999).

A comunicação é inseparável desse processo, uma vez que as políticas públicas

só se constituem efetivamente “quando saem do papel, circulam (adquirem

visibilidade, portanto existência) e são apropriadas (convertidas em saberes e

práticas) pela população a que se destinam” (ARAÚJO & CARDOSO, 2007, p. 22).

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Por este aspecto, estas autoras afirmam que a natureza e a qualidade da

comunicação são determinantes da possibilidade de sucesso da política.

Nesse sentido, reconhecer a primazia comunicacional na consolidação da PNH

como uma política pública supõe tomar como objeto de análise a competência

comunicativa entre os sujeitos trabalhadores, gestores e usuários dos serviços de

saúde, considerada central para elucidar a relação entre a humanização e as

práticas de saúde. Assim, a PNH expressa sua dependência temática com a

comunicação e a política institucional no sentido de priorizar estratégias

relacionais e de aliança capazes de superar os desafios contemporâneos a fim de

garantir o caráter instituinte do SUS.

No processo de implantação e implementação do SUS, buscando superar a

fragmentação das políticas e programas de saúde por meio da organização de

uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e serviços e de qualificação da

gestão, foi firmado o Pacto pela Saúde. A efetivação deste pacto, nas suas três

dimensões – Pacto pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão – possibilita a

promoção de inovações nos processos e instrumentos de gestão que visam

alcançar maior efetividade, eficiência e qualidade de suas respostas (BRASIL,

2006a).

Nesse contexto, para enfrentar as dificuldades e os desafios gerados pela

implementação do SUS no Brasil, é necessário a emergência de novos modelos

de gestão para a efetivação de mudanças nas práticas de saúde, pois, até o

momento, mesmo sendo utilizada uma série de tecnologias de planejamento e

gestão, a maioria dos modelos adotados, principalmente pelos hospitais públicos,

segundo Cecílio (1997), pouco têm contribuído para enfrentar estas questões.

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Apesar dessas experiências inovadoras basearem-se na construção de

compromisso dos indivíduos com um projeto institucional, de acordo com

Azevedo, Braga Neto e Sá (2002, p. 245), os modelos de gestão alternativos

atualmente propostos ainda não realizaram seus objetivos.

[...] As abordagens correntes mostram-se insuficientes para a compreensão da dinâmica entre os indivíduos e as organizações ou para o favorecimento da construção de processos de mudança voltados para a valorização da missão publica das organizações de saúde e capazes, ao mesmo tempo, de possibilitar a autonomia e criatividade de seus profissionais (AZEVEDO, BRAGA NETO & SÁ, 2002, p. 245).

A promoção de inovações nos processos e instrumentos de gestão visa alcançar

maior efetividade, eficiência e qualidade de suas respostas, implementando o SUS

cotidianamente. E, o processo de planejamento no âmbito do SUS deve ser

desenvolvido de forma articulada, integrada e solidária, baseado entre as três

esferas de gestão, pressupondo que cada esfera de gestão realize o seu

planejamento, articulando-se de forma a fortalecer e consolidar os objetivos do

SUS (BRASIL, 2006b, p. 31).

No setor saúde, nos últimos anos, tem se agravado uma grave crise de

governabilidade.

[...] uma crise de governabilidade do sistema e das organizações de saúde, de resolutividade e eficiência. Esta crise tem impulsionado experiências inovadoras no que se refere tanto ao desenho de novos sistemas de gestão, como ao desenvolvimento de ferramentas gerenciais. Apesar de todas as dificuldades para desenvolver processos de mudança nas organizações, tais experiências têm possibilitado a democratização dos processos decisórios, o acumulo de conhecimentos sobre a problemática especifica da gestão em saúde e uma maior visibilidade dos projetos institucionais (AZEVEDO; BRAGA NETO & SÁ, 2002, p. 236).

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Segundo Crémadez e Grateau (1997), a erosão de certos paradigmas tradicionais

estaria na origem da uma crise de identidade organizacional. Nesta crise de

identidade organizacional, segundo Crémadez apud Artmann (2002a, p. 285), “o

contrato psicológico que liga os indivíduos à organização se enfraquece como

resultado do impacto da mudança de diversos paradigmas: o médico, o do serviço

público e o paradigma profissional”, que apontam para o surgimento de

características sócio-culturais incoerentes com o padrão tradicional, sendo

identificadas por um quadro cultural contraditório, em transição. Esta crise de

identidade gerada por essas mudanças,

[...] acentua sentimentos e reações negativas, principalmente entre o grupo de profissionais médicos, que, como grupo dominante, contesta as políticas e tentativas de racionalização gerencial, recusa-se à priorização de atividades e exerce um bloqueio mutuo de iniciativas. Essa situação substitui o sentido de identificação dos médicos, sua vontade de empreendimento e a regulação de conflitos gerada pelo crescimento institucional. No plano externo, o hospital torna-se mais reativo, superestima restrições de recursos e passa a olhar o futuro com inquietação. Faz parte do pano de fundo dessa crise a necessidade de fortalecer a regulação administrativa e de introduzir critérios econômicos de gestão dos centros operacionais, o que ameaça a autonomia (ARTMANN, 2002a, p. 287).

Ao assumir a premissa segundo a qual a PNH constitui-se numa possibilidade de

resgate do projeto de reforma social da Reforma Sanitária Brasileira (RSB), este

estudo expõe a necessidade de identificar modelos de planejamento e gestão

alternativos que possam contribuir para o cumprimento de acordos políticos e de

políticas necessários ao envolvimento intertemporal de atores estratégicos e

resultados e a renovação do contrato psicológico entre os profissionais e a

organização.

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Neste contexto, a Démarche Estratégica, segundo Artmann (2002a, p. 287),

“pretende ensejar movimentos que permitam a renovação do contrato psicológico

entre os profissionais e a organização, hoje bastante enfraquecidos”. O enfoque

de gestão estratégica de Crémadez e Grateau (1997) - Démarche Estratégica -

desenvolvido no Centro Hospitalar Regional Universitário (CHRU) de Lille/França

e trazido originalmente ao Brasil por Rivera (1997) foi desenhado para hospitais

regionais, considerando o sistema de saúde francês, em um contexto de

contenção de recursos públicos, propondo-se, segundo Rivera (1997, p.74), a

“definir racionalmente a missão de um hospital, situando-o na perspectiva ideal de

uma rede coordenada cuidados de saúde”, ultrapassando as barreiras internas do

jogo de poder e pactuando, assim, as diretrizes gerais para o processo de

planejamento em nível local, com ênfase numa descentralização compartilhada.

Além da definição da missão hospitalar, esse método se propõe a promover um

processo de transformação cultural progressiva da identidade hospitalar, no

sentido de apontar para uma maior comunicação entre a gerência estratégica e os

centros assistenciais; favorecendo a integração do hospital em uma rede de

cuidados estruturada com a preocupação da eficácia e da eficiência; promovendo

uma maior abertura para o ambiente, concretizada pelo reconhecimento e

exploração das sinergias e parcerias; na busca de um enfoque multidisciplinar em

razão dos esforços de integração com outras especialidades e com a rede; na

incorporação pelos operadores de um raciocínio gerencial estratégico, capaz de

compensar a diferenciação entre o comando administrativo estratégico e o

comando assistencial; na modificação do sistema decisional incrementalista para

um enfoque de priorização baseado nos custos de oportunidade e em uma visão

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de conjunto do serviço, que resgate o primado da solidariedade organizacional; e

no aumento gradativo da responsabilidade (RIVERA, 2003).

Segundo Rivera (2003), o termo démarche significa processo, trâmite, gestão,

sendo traduzido como gestão estratégica. Do ponto de vista teórico-metodológico,

alimenta-se de várias fontes e, embora acolha enfoques de planejamento ou de

gestão estratégica que se apóiam em elementos da microeconomia, do campo da

estratégia e da política, e da área do desenvolvimento organizacional e cultural,

introduz algumas categorias próprias da área de saúde e da epidemiologia. A base

do enfoque está fortemente ancorada nos autores H. Mintzberg (1982), M. Crozier

e E. Friedberg (1977), M. E. Porter (1982) e M. Thévenet (1993; 1986).

Assim, a Démarche Estratégica apóia-se, segundo Artmann e Rivera (2003, p.

480),

[...] numa análise estratégica de base microeconômica, que se traduz na definição de estratégias combinadas de custos e diferenciação, relativas aos vários segmentos de produção de um hospital, e na busca de um aprofundamento de uma rede de sinergias internas e parcerias externas que otimizem a utilização de recursos dentro das premissas de co-responsabilidade pelos cuidados e de solidariedade no emprego de recursos não elásticos.

Através da proposta de difusão de uma nova cultura organizacional, a Démarche

Estratégica implica a responsabilização dos atores envolvidos por meio do

desenvolvimento de processos comunicativos e de negociação internos e

externos, garantindo o controle social e a eficiência dos processos compartilhados.

Estes impactos culturais possíveis permitiriam contrabalançar configurações

típicas das organizações profissionais (MINTZBERG, 1982), decorrentes da alta

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autonomia dos centros operacionais e da grande diferenciação entre equipes,

serviços, e componentes organizacionais.

A aplicação da Démarche Estratégica demanda a articulação de um coletivo em

torno de um projeto único, que considere a rede de cuidados, permitindo a

indissociabilidade entre a atenção e gestão. “Sua lógica de implementação,

baseada em reuniões colegiadas, insere-se no objetivo de ensejar uma

comunicação ampla a serviço de uma mudança cultural” (RIVERA, 1997, p. 78),

fazendo da Démarche Estratégica, sob nosso ponto de vista, um enfoque capaz

de contribuir para alcançar a concretude da PNH e, conseqüentemente, dos

princípios do SUS por meio de uma mudança cultural.

Esta tese representa a possibilidade de problematizar, como objeto de trabalho

profissional, o processo de consolidação da Política Nacional de Humanização

(PNH) no contexto hospitalar público. O intento de realizar este estudo decorre de

nossa crítica sobre a freqüente falta de correspondência entre os objetivos da

política e seu resultado final, advindos, principalmente, da dificuldade em produzir

consensos suficientes para desencadear processos de decisão institucional

coerentes com os princípios e método da PNH.

Este estudo aposta numa dupla abordagem, a reflexão e a experimentação para

atender à expectativa acadêmica e prática de consolidar ferramentas de análise

gerencial.

A opção teórica propõe-se a compreender os processos comunicativos partindo do

princípio de que as mudanças propostas pela PNH podem ser entendidas como

forma de ação social e derivam do consenso entre os atores. Neste estudo, a

Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas permite uma abordagem

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privilegiada sobre a relevância da comunicação e seu indissociável

relacionamento com a intervenção social e democratização dos processos em

saúde. A perspectiva pragmática é destacada a partir do emprego de uma

ferramenta de gestão comunicativa, a Démarche Estratégica, por meio de seu

encontro/confronto com a teoria habermasiana e a temática humanização.

O objetivo geral deste estudo foi contribuir para potencializar a implementação da

PNH em instituições de saúde de diferentes níveis de complexidade, numa

perspectiva contratual de rede coordenada de serviços, considerando a cultura

institucional brasileira, a partir da utilização de uma ferramenta comunicativa.

Os objetivos específicos são: (i) refletir sobre a contribuição do aporte teórico de

humanização no processo de mudança das práticas de saúde e da cultura

organizacional; (ii) discutir diferentes práticas discursivas de humanização, a partir

dos sentidos instituídos nos textos oficiais e a linguagem cotidiana dos

profissionais de saúde; (iii) testar a utilização do método Démarche Estratégica

como um método de avaliação gerencial; (iv) aplicar o método Démarche

Estratégica em uma instituição de pesquisa; (v) analisar a importância do

envolvimento dos diferentes atores sociais em propostas de mudança, no contexto

hospitalar público.

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2 ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA

A tese está organizada em formato de artigos, de modo a introduzir algumas das

principais questões de humanização na saúde, comunicação e gestão estratégica.

Utilizou-se como referencial teórico a Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen

Habermas com o papel de unir os artigos numa discussão, evidenciando a

indissociação entre a teoria e a prática. Habermas é introduzido como o filósofo de

uma razão comunicativa transformadora, profundamente democrática, que se

baseia em um humanismo integrado a uma “compreensão da evolução social que

atribui um destaque particular à intersubjetividade mediada pela linguagem e no

entendimento de que as relações interpessoais são passíveis de uma

regulamentação ético-prática” (RIVERA, 1995, p. 13).

A Teoria da Ação Comunicativa de Habermas nos dá uma boa moldura teórica

para analisar o projeto ético-político da PNH de resgatar do plano coletivo o

movimento da Reforma Sanitária Brasileira (RSB), entendido como busca de

consensos, ainda que provisórios. No momento que o tema da interpenetração

entre teoria e prática é recolocado ao nível da utopia da vida perfeita e do

conhecimento total, Habermas afirma uma ordem social ainda inexistente, mas

que, ao mesmo tempo, tem que ser pressuposta como já real (FREITAG &

ROUANET, 1980). Ao definir tais pressupostos como possíveis, segundo

Habermas, a utopia pode converter-se em realidade, concretizando-se em práticas

cotidianas por meio da ação comunicativa (FREITAG, 2005).

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O desafio conceitual da PNH se impõe no sentido de operacionalizar mudanças

nos modelos de atenção e de gestão num contexto de práticas fragmentadas e da

banalização do tema humanização, onde seu conceito ainda carece de um claro

sentido. Tal fato pode estar comprometendo sua credibilidade perante as

instituições de saúde, reconhecidas como as organizações formais encarregadas

de implementar esta política pública.

Assim, o primeiro artigo atende ao objetivo específico do estudo que consiste em

refletir sobre a contribuição do discurso oficial de humanização no processo de

mudança das práticas de saúde e da cultura organizacional. Neste artigo intitulado

“Humanização da Saúde: diferentes concepções numa cultura em transição” são

apresentados os resultados da análise lingüística dos textos oficiais de

humanização na saúde, com o objetivo de compreender como a humanização é

concebida pelos sujeitos que produzem o discurso e disponibilizam informações, e

de promover uma reflexão sobre o efeito destes aportes teóricos no processo

cotidiano de produção de saúde.

Na análise realizada neste primeiro artigo, por meio do software ALCESTE e de

uma análise da literatura da área foram identificados diferentes sentidos de

humanização nos textos oficiais, e apontou-se para o reconhecimento de

paradoxos relacionados à humanização no interior da cultura institucional que

podem significar a existência de uma cultura em transição.

Ao retomar o conceito de humanização, esse estudo evidenciou sua imprecisão e

ressaltou a importância da PNH enfrentar os desafios dessa diversidade

conceitual, incluindo em suas reflexões os paradoxos advindos do Programa

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Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) como seu

antecedente histórico.

Partindo da premissa de que, para empreender um processo de mudança nas

práticas, o conteúdo discursivo de Humanização e seus dispositivos, como objetos

representacionais, devem ser integrados cognitivamente pelos indivíduos ou

grupos no seu sistema de valores, realizou-se um novo estudo visando explorar o

discurso dos profissionais inseridos numa prática de humanização.

O interesse que orientou este segundo artigo, em atendimento ao segundo

objetivo específico deste estudo, foi no sentido de investigar a mediação entre a

teoria e a prática discursiva, avaliando a analogia entre os sentidos instituídos nos

textos oficiais e a análise da linguagem cotidiana dos profissionais de saúde. O

segundo artigo intitulado “Humanização da Saúde num serviço de emergência de

um hospital público: comparação sobre representações sociais dos profissionais

antes e após a capacitação” teve por objetivo analisar o papel de uma experiência

concreta de humanização em um hospital público, por meio de implantação do

dispositivo Acolhimento com Classificação de Risco (ACCR), e comparar as

representações sociais do SUS, Humanização na Saúde e Acolhimento entre

profissionais de saúde, antes e depois da capacitação em ACCR, adotando a

Teoria de Representações Sociais em sua abordagem estrutural.

Os dados obtidos por meio da técnica de associações livres e analisados

utilizando-se o software EVOC, sugeriram que as diferenças encontradas antes e

após a capacitação foram decorrentes de uma aprendizagem significativa, onde o

material da aprendizagem se relacionou com os conhecimentos prévios,

possibilitando modificação nas representações sociais de SUS, Humanização na

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Saúde e Acolhimento, apesar de termos apontado no artigo as limitações para

considerar a persistência e profundidade das mudanças neste estudo de caráter

exploratório. Considerando esta modificação inicial nas representações sociais do

SUS, Humanização e Acolhimento este artigo ressalta que para a efetiva

construção de novas representações e práticas, há necessidade de se construir

um sistema de gestão coerente com processos comunicativos de aprendizagem

afinados com a proposta da PNH.

A implementação de uma política pública de saúde exige sua tradução numa

política institucional, conceituada como a resposta social (ação ou omissão) de

uma organização diante das condições de saúde dos indivíduos e das populações

e seus determinantes, e que expressa dimensões de poder e de diretrizes (PAIM

& TEIXEIRA, 2006).

Qualquer transformação na dinâmica estratégia-estrutura numa instituição afeta os

diferentes grupos em termos de responsabilidade e poder (STRATEGOR, 2000).

Podemos afirmar que nas instituições de saúde, o consenso diz respeito às

escolhas tanto na estrutura como na estratégia institucional. Para os autores do

Strategor (2000), as escolhas não são exclusivas da alta direção, dependem de

comunicação e dos processos reais de decisão que se moldam no interior da

empresa. Apesar de ser considerada a parte menos visível da política empresarial,

o processo de decisão é o seu principal motor, pois por meio dela, as idéias, os

sentimentos e as ambições (contidas na política) podem transformar-se em ações

estratégicas (STRATEGOR, 2000).

A aposta da PNH na democratização institucional demanda produzir consensos

suficientes para desencadear processos de decisão institucional coerentes com os

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princípios e método da PNH e, conseqüentemente, opções estratégicas para as

mudanças necessárias. Concretizar a PNH no cotidiano dos serviços de saúde

instiga à busca de estratégias para a apropriação da temática humanização e sua

materialização em ação prática nas instituições públicas brasileiras. Tal fato impõe

um desafio para utilizar e construir modelos de gestão que considerem a

possibilidade do entendimento, da cooperação e da negociação, superando,

principalmente, as dificuldades decorrentes da resistência dos profissionais, da

profissionalização gerencial e da freqüente descontinuidade gestora.

O enfoque de gestão estratégica de Michel Crémadez e François Grateau (1997)

denominado Démarche Estratégica desenvolvido na França e trazido

originalmente ao Brasil por Rivera (1997) apresenta-se como uma alternativa pelo

potencial original do método em operar indiretamente como reforço dos traços de

uma nova cultura que emerge, e que traz alguns elementos de uma cultura de

humanização/comunicação.

A metodologia da Démarche Estratégica demanda a articulação de um coletivo em

torno de um projeto único, que considere a rede de cuidados, em consonância

com o método da PNH no sentido da inclusão. A lógica de implementação da

Démarche, baseada em reuniões colegiadas, “insere-se no objetivo de ensejar

uma comunicação ampla a serviço de uma mudança cultural” (RIVERA, 1997, p.

78), fazendo da Démarche Estratégica um enfoque promissor para alcançar a

concretude da PNH, como movimento de mudança dos modelos de atenção e

gestão.

A partir da aplicação em algumas experiências no Brasil (LOPES, 1997; SOUZA,

1997; FAVACHO, 2001; ARTMANN, 2002a; 2002b; RIVERA, 2003; ARTMANN &

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RIVERA, 2003), a Démarche Estratégica tem sido reconhecida como um modelo

de gestão estratégica e comunicativa “aplicável à realidade hospitalar brasileira

com promissoras possibilidades práticas [...]. O método, pela riqueza de análise

que proporciona, é adequado para abranger a complexa realidade dos hospitais

públicos brasileiros” (ARTMANN, 2002a, p. 321). Mas, segundo Favacho (2001, p.

79), este modelo de gestão estratégica ainda necessita ser testado com maior

amplitude “a fim de que realmente seja possível realizar melhor adequação de sua

metodologia e de sua adaptação às políticas de saúde vigentes em nosso país”.

Visando testar o enfoque Démarche Estratégica como um método de avaliação

gerencial, que corresponde ao terceiro objetivo específico deste estudo, o artigo

intitulado “Démarche Estratégica em unidade materno infantil hospitalar” consistiu

em um projeto-piloto num hospital público estadual. O método foi aplicado, com

algumas adaptações a partir do roteiro de Artmann e Rivera (2003), onde a

principal adaptação foi a utilização do enfoque como análise da gestão hospitalar,

com envolvimento indireto dos atores institucionais que se constituíram nos

informantes-chave. Os resultados mostraram a potência do método para

problematizar a missão e para a análise da gestão hospitalar, apontando

estratégias para melhoria da qualidade e competitividade dos segmentos e para

maior inserção e integração na rede de serviços. Destacou-se, nesta experiência,

a possibilidade de discutir a importância da humanização como fator estratégico

de êxito hospitalar.

Os três últimos objetivos específicos deste estudo foram considerados a partir da

experiência de aplicação do método Démarche Estratégica em uma instituição de

pesquisa, numa perspectiva de rede coordenada de serviços de saúde e

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apresentados no quarto artigo. Este último artigo, intitulado “A experiência da

Démarche Estratégica numa instituição de pesquisa” relata uma aplicação

inovadora, que possibilitou reflexão sobre a necessidade de se criar indicadores

de ensino e pesquisa e a contribuição do enfoque Démarche Estratégica na

constituição de uma equipe multiprofissional do tipo integração (PEDUZZI, 2001) e

como um instrumento de apoio à construção de redes de serviços de saúde.

2.1 O contexto da pesquisa

Outra questão metodológica a ser considerada, diante de tal grandeza de

propósito da PNH de transformar as práticas de saúde no Brasil, implica em se

identificar um contexto institucional de pesquisa que desempenhe um importante

papel no setor saúde e que seja uma instituição representativa, como modelo

assistencial ou de atenção, para a construção e reorientação de sistemas de

saúde.

Os hospitais desempenham um importante papel, nos sistemas de serviços de

saúde, por concentrar maior densidade tecnológica e ser um ponto de referência

capaz de dar assistência aos casos graves. Mas, no Brasil, estas instituições, em

geral, atuam de forma desarticulada dos demais serviços da rede, principalmente

daqueles responsáveis pela atenção primaria (LIMA, FAVARET & GRABOIS,

2006). Para estes autores, na atualidade,

[...] a ausência de uma rede de atenção primaria resolutiva e de um sistema de saúde integrado pressiona os hospitais por meio de uma demanda excessiva em relação à sua capacidade de

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resposta, gerando filas e mau atendimento. [E, neste contexto,] Garantir a integralidade da atenção no seu interior e a integração à rede de serviços de saúde são desafios colocados para os hospitais (p. 631).

Assim, a transformação do hospital irá representar transformações no sistema de

saúde. E, dentro desta perspectiva, “o planejamento e a gestão destas unidades

assumem um papel fundamental e o debate em torno de modelos gerenciais mais

adequados às suas especificidades ganha corpo” (LIMA, FAVARET & GRABOIS,

2006, p. 631).

As intervenções para a elaboração do segundo e terceiro artigos realizaram-se no

Hospital Dr. Dório Silva – HDS, que é um hospital público estadual, situado no

município da Serra, no Espírito Santo. É um hospital geral e de especialidades,

referência para atendimento de urgência e emergência, gestante de alto risco e

alta complexidade de queimados adultos, com 250 leitos cadastrados no SUS, que

apresenta, anexo ao hospital, um ambulatório de especialidades médicas, com

atendimento para pacientes HIV/AIDS, odontologia para pessoas com

necessidades especiais, ambulatório de aleitamento materno, follow-up entre

outros serviços.

A escolha dessa instituição deveu-se ao fato da pesquisadora atuar nessa

instituição desde 1990 até a presente data, e coordenar o Grupo de Trabalho de

Humanização do HDS desde sua implantação, no ano de 2000.

A experiência de aplicação do método Démarche Estratégica em uma instituição

de ensino, numa perspectiva de rede coordenada de serviços de saúde foi

desenvolvida no Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas – IPEC/FIOCRUZ.

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A inserção do IPEC nesta pesquisa deveu-se a dois fatores: a representatividade

desta instituição no âmbito da pesquisa em saúde do país e à possibilidade de

inserção no projeto de pesquisa: “Humanização nos serviços de saúde: como

interferir nos processos de gestão no trabalho e produção de saúde considerando

a dimensão cultural em diferentes abordagens”, coordenado pela orientadora da

tese.

O IPEC situa-se na FIOCRUZ, que é uma instituição vinculada ao Ministério da

Saúde, considerada a mais destacada instituição de ciência e tecnologia em

saúde da América Latina, pautada nos seguintes conceitos: promover a saúde e o

desenvolvimento social, gerar e difundir conhecimento científico e tecnológico e

ser um agente da cidadania. Criada em 25 de maio de 1900, a FIOCRUZ nasceu

com a missão de combater os grandes problemas da saúde pública brasileira e

está presente em todo o território brasileiro, seja através do suporte ao Sistema

Único de Saúde (SUS), na formulação de estratégias de saúde pública, nas

atividades de seus pesquisadores, nas expedições científicas ou no alcance de

seus serviços e produtos em saúde. Desde sua criação, a FIOCRUZ vem

oferecendo importantes contribuições para o desenvolvimento científico mundial,

destacando-se como um centro de excelência não só na produção de diversos

insumos para a saúde, mas também em pesquisa e ensino, firmando-se como um

símbolo de vanguarda científica e de um novo pensamento para a saúde pública,

voltado para a promoção da saúde dos brasileiros.

Idealizado por Oswaldo Cruz, o IPEC/FIOCRUZ começou a ser construído em

1912, com o nome de Hospital Oswaldo Cruz, sendo o primeiro e único hospital do

país concebido com o objetivo de desenvolver pesquisa. O atual Instituto de

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Pesquisa Clínica Evandro Chagas – IPEC tem a missão de "desenvolver pesquisa

em Doenças Infecciosas, de caráter multidisciplinar, com base na atenção ao

paciente e seu contexto de adoecimento, voltada para a recuperação e

reabilitação do doente, a prevenção da doença e a promoção da saúde". É

hospital de referência nacional para doenças como Leishmaniose, Micose

Sistêmica e Doença Respiratória Aguda Grave, para Diagnóstico Histopatológico

em Doenças Infecciosas e credenciado pela ANVISA para realização de ensaios

de bioequivalência/biodisponibilidade. Além de desenvolver pesquisas e atividades

assistenciais, possui um Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Pesquisa

Clínica de Doenças Infecciosas (Mestrado e Doutorado) e cursos lato sensu, de

especialização, residência médica e de capacitação, contribuindo para o

aperfeiçoamento de recursos humanos do SUS.

2.2 A Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Haberma s como o referencial

teórico

Em 1981, Habermas compõe sua Teoria da Ação Comunicativa a partir da tese

central de que na comunicação lingüística está implícita a busca pelo

entendimento recíproco. Essa “Teoria da Ação Comunicativa” é integrada, em dois

volumes de 1.200 páginas, por elementos de três campos temáticos interligados:

(1) elaborar um conceito de racionalidade comunicativa, (2) reunir em um novo

conceito de “sociedade” dois paradigmas da discussão sociológica: o de “mundo

da vida” e o de “sistema” e, (3) desenvolver uma teoria evolucionista da

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“modernidade”, que permita a análise das sociedades capitalistas (FREITAG,

2005). Em 1992, Habermas concretiza na prática sua Teoria da Ação

Comunicativa no campo específico do Direito e da Política numa obra intitulada

“Direito e democracia: entre facticidade e validade” como um conjunto das

condições necessárias para formas de vida emancipadas (HABERMAS, 1997).

No primeiro volume da Teoria da Ação Comunicativa, com o subtítulo de

“racionalidade da ação e racionalidade social”, Habermas empreende uma

releitura de Weber, Mead, Durkheim, Parsons, Marx, Lukáes, os Frankfurteanos

entre outros. No segundo volume, Habermas assinala o fim do paradigma da

consciência ou da filosofia do sujeito e desenvolve um conceito de “racionalidade

comunicativa” que somente pode se efetivar num dado contexto social,

manifestando-se, na prática cotidiana, sob a forma de “ação comunicativa”. Nesta

ação comunicativa, a linguagem assume papel central como meio regulador do

comportamento e do entendimento mútuo. Os principais traços da Teoria da Ação

Comunicativa encontram-se dispersos pelos dois volumes e a revisão

habermasiana da “história da teoria” termina em Parson (FREITAG, 2005).

A “guinada lingüística” produzida por Habermas compreende a mudança de

paradigma da análise da razão de uma filosofia da consciência para um

paradigma da comunicação ou da intersubjetividade ou uma filosofia lingüística.

Habermas, segundo Aragão (1997, p. 25), “define como função da filosofia pensar

a razão: o pensar filosófico se origina na reflexão sobre a razão corporificada no

conhecimento, linguagem e ação; e a razão permanece seu tema básico” e

postula a adoção da linguagem como um novo paradigma para a filosofia por

acreditar que a razão que pode ser descoberta pela análise lingüística é um

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conceito mais amplo que o estudo da razão por meio do conhecimento e da ação.

Para Habermas, a razão que se revela no conhecimento e na ação é instrumental

e subjetiva porque centrada na noção de subjetividade e voltada para o domínio

teórico e/ou prático dos objetos. Já a razão que se desvenda da atividade dos

sujeitos lingüísticos é uma razão intersubjetiva, envolvendo pelo menos dois

participantes que tem como objetivo o entendimento (ARAGÃO, 1997).

A filosofia da linguagem, segundo Aragão (1997), abandona a representação da

própria linguagem, segundo o modelo de subordinação de nomes a objetos, em

que ela é compreendida como um instrumento de comunicação que permanece

fora do conteúdo dos pensamentos e passa a interpretá-la como forma de

expressão da representação e pensamentos. A grande vantagem deste acesso

indireto da análise lingüística às representações e vivências sobre o acesso direto,

introspectivo, da filosofia da consciência é o fato de que “expressões gramaticais

constituem algo acessível publicamente; nelas podemos adivinhar estruturas, sem

sermos levados a nos referir a algo meramente subjetivo” (ARAGÃO, 1997, p. 27).

Porém, nesta “guinada lingüística”, essa filosofia lingüística proposta não

considera suficiente a posição do semanticismo (de uma análise formal das

frases) para elucidar a questão da razão, pois ela estaria limitada à relação que se

estabelece entre linguagem e mundo, sem levar em conta as relações que se

estabelecem entre os sujeitos, quando se utilizam da linguagem para referir-se ao

mundo. “Habermas está interessado no uso de sentenças com uma intenção

comunicativa. Por esse motivo e que ele vai sugerir uma segunda guinada, a

‘guinada teórico-comunicativa’” (ARAGÃO, 1997, p. 27).

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A principal crítica que Habermas faz ao semanticismo é a de não ter levado em

conta o uso que se faz da linguagem - sua pragmática - isto é, a relação que se

estabelece entre falantes e ouvintes, no momento em que se comunicam sobre

algo no mundo.

Por ter-se limitado à análise de orações e frases, a semântica negligenciou o conjunto da comunicação, que inclui a situação de fala, a aplicação da linguagem e seus contextos, as pretensões de validade das tomadas de posições e os papéis dialogais dos falantes. Se a análise semântica reproduziu o esquema da relação entre dois termos da filosofia da consciência (sujeito e objeto), na medida em que se limitava à análise da relação entre sentença (linguagem) e estado-de-coisas (mundo), o modelo da pragmática, por sua vez, apóia-se numa relação de três termos entre linguagem, mundo e os participantes de uma comunidade lingüística. Isto faz com que a relação sujeito-objeto, antes uma relação monológica, solitária, passe a ser uma relação essencialmente dialógica, intersubjetiva. Do ponto de vista pragmático, a linguagem assume relevância enquanto elemento mediador das relações que os falantes estabelecem entre si, quando se referem a algo no mundo (ARAGÃO, 1997, p. 28).

Com este novo olhar, alargou-se o horizonte de análise da linguagem e passou-se

a focar a atenção na linguagem enquanto forma de comunicação, isto é, enquanto

uso de sentenças com uma intenção comunicativa. Ora, quando se usa sentenças

com uma intenção comunicativa, busca-se necessariamente alcançar um

entendimento. De acordo com Habermas apud Aragão (1997, p. 29), “alcançar

entendimento é o telos inerente da fala humana”. Entre a fala e o entendimento

não há relação de meio e fim, mas de interpretação recíproca.

2.2.1 O conceito de Racionalidade Comunicativa de Habermas

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Para a definição do conceito de Racionalidade Comunicativa de Habermas é

fundamental a análise da teoria da ação racional de Weber, da teoria dos atos de

fala de Austin e da visão descentralizada de mundo derivada da teoria dos três

mundos de Popper.

2.2.1.1 A teoria da ação racional de Weber

O ponto de partida da Teoria da Ação de Habermas é a análise crítica da ação

racional de Weber que considera duas formas básicas de ação racional: a ação

racional voltada para o cumprimento de fins e a ação finalística voltada para o

cumprimento de valores. A racionalidade dos meios em relação aos fins

(Racionalidade Finalística Pura) mede-se pela eficácia na produção de estados de

coisas no mundo objetivo e pela eficiência na normatização técnica dos meios. A

racionalidade dos fins em relação aos valores (Racionalidade Substantiva Prática

ou Normativa) supõe a escolha dos fins entre várias alternativas, orientando-se

por um sistema de valores que deve ser precisado conscientemente pelos atores

(RIVERA, 1995). Na interpretação de Habermas apud Rivera (1995), Weber é

cético quanto à fundamentação racional de questões valorativas, não admitindo

que a decisão de natureza valorativa possa se apoiar em uma motivação social.

Para Habermas, o conceito de racionalidade normativa ou material se constitui

“quando algumas normas éticas penetram sistematicamente em todos ou em

vários âmbitos da vida, adquirindo uma força unificadora da ação” (RIVERA, 1995,

p. 19). O subjetivismo cognitivo-instrumental da racionalidade normativa de Weber

tem sido questionado por Habermas por representar “uma ética dos fins últimos” e

“não uma ética da responsabilidade”.

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Habermas extrai da teoria da ação de Weber uma primeira taxonomia da ação,

constituída pela ação instrumental, ação estratégica e ação comunicativa

(RIVERA, 1996). Posteriormente, Habermas reconstrói sua taxonomia definitiva

identificando quatro conceitos de ação e de relações com o mundo, que

correspondem à ação teleológica ou estratégica; a ação normativa; a ação

expressiva ou dramatúrgica; e a ação comunicativa. Estes conceitos básicos de

ação são descritos por Artmann (2001, p. 185):

Para Habermas, a teoria weberiana reduz a ação a uma dimensão instrumental/teleológica ou estratégica que corresponde a uma forma de conhecimento e intervenção sobre estados de coisas do mundo objetivo, onde o critério de validade da ação estaria representado pela verdade ou pela eficácia da intervenção sobre o mundo. Essa forma de ação se transforma em estratégica quando envolve outros atores sobre os quais se pretende influenciar. Neste caso, os outros atores são reificados e vistos como meios ou obstáculos a superar. Para Habermas, o conceito de racionalidade da ação pressupõe, além do tipo de ação teleológica ou estratégica, que se refere apenas ao mundo objetivo, mais três tipos de ação: 1) Ação normativa: voltada para a produção e legitimação de normas sociais. Relaciona-se pelo menos com dois mundos: o mundo objetivo e o normativo. 2) Ação expressiva: que representa um tipo de ação voltada para a comunicação e reconhecimento da autenticidade de estados internos ou subjetivos dos indivíduos. Pressupõe relações com um mundo externo e um mundo interno. 3) Ação comunicativa: construído a partir da filosofia da linguagem de Austin e Searle, o conceito de ação comunicativa corresponde a uma relação intersubjetiva mediada linguisticamente onde são levantadas pretensões de validade (enunciados) que se candidatam a serem aceitos ou não pelos interlocutores. Apoiados no tríplice conceito de mundo, as pretensões de validade se referem tanto a estados de coisas do mundo objetivo, a normas do mundo social e a expressões do mundo subjetivo.

O que diferencia a ação comunicativa das outras três formas de ação é que estas

se referem diretamente a um único mundo (ou no máximo a dois), enquanto que

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somente a ação comunicativa integra os três mundos, articulados pelo mundo da

vida – o equivalente ao saber prévio ou conjunto de pretensões de validade

cristalizadas como acordo ou consenso, que se expressam como saber técnico,

prático ou expressivo. Nesse contexto, na análise do uso da linguagem, as três

formas de ação anteriores usam determinadas formas de linguagem unilaterais, as

quais objetivam fins sempre específicos: o êxito, a regulação legítima das relações

interpessoais e a expressão de vivências. A ação comunicativa está presente em

todas elas e seu objetivo é o entendimento (RIVERA, 1995).

2.2.1.2 A teoria dos atos de fala de Austin

Segundo Rivera (1995), a partir da discussão da teoria dos atos de fala ou teoria

das forças ilocucionárias de Austin, Habermas afirma a sua distinção entre agir

estratégico e agir comunicativo. Para Austin, a função fundamental da linguagem

não é descrever reflexivamente o mundo, mas comunicar-se e para isso parte de

proferimentos entendidos como “atos de emissão de frases realizados por falantes

para ouvintes em situações concretas” (COSTA, 2003, p. 43). A teoria dos atos de

fala parte da idéia de que, sempre que somos bem-sucedidos em dizer alguma

coisa, realizamos três atos: um ato locucionário, um ato ilocucionário e um ato

perlocucionário.

1. Ato Locucionário: corresponde ao conteúdo propositivo de uma oração. É o

ato “de” dizer alguma coisa, de proferir uma sentença com sentido.

2. Ato Ilocucionário: é aquele que fixa o modo em que é utilizada uma oração

(como afirmação, promessa, confissão, imperativo). Juntamente com o ato

“de” dizer algo, há também um ato que realizamos “ao” dizermos algo

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chamado de ilocucionário, com diferentes significações chamadas por

Austin de “forças ilocucionárias”.

3. Ato Perlocucionário: corresponde aos efeitos que o falante tenciona

produzir sobre um ouvinte. Este terceiro ato, geralmente realizado em um

proferimento, é aquele que alguém pode realizar pelo fato de haver

efetuado um ato ilocucionário, consistindo no efeito do ato ilocucionário

sobre os sentimentos, pensamentos ou ações das pessoas. O ato

perlocucionário é aquilo que o ato ilocucionário causa no ouvinte.

De acordo com Costa (2003, p. 48), “os três atos descritos são abstrações que

analisam um fato único: o fato de que o falante ao dizer alguma coisa, o faz com

uma certa “força ilocucionária” e com a intenção de produzir no ouvinte um certo

efeito”. Com relação à distinção entre agir estratégico e agir comunicativo, neste,

os fins são expressos comunicativamente e delimitados na ilocução. No agir

estratégico, os fins remetem à intenção de um agente que não os explicita ou que,

no caso de explicitá-los abertamente, não os vincula a explicações que possam

fundamentá-los ou torná-los aceitáveis comunicativamente. Como ponto

extremamente importante da teoria do agir comunicativo, ressalta-se que apesar

da relação de externalidade que as perlocuções - enquanto sucedâneas dos atos

estratégicos - mantém com a comunicação, elas não são independentes dos atos

de fala, pois, de acordo com Rivera (1995, p. 27), “os atos perlocucionários só

podem ser possíveis graças ao correto entendimento das ilocuções”.

Os atos de fala podem cobrar uma certa autonomia em relação à ação comunicativa ao serem integrados em contextos de ação estratégica, onde vão agir “instrumentalmente” ajudando a viabilizar efeitos perlocucionários (influência sobre um oponente como elemento teleológico). Nestes últimos contextos, os atos de fala

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não podem ser assimilados à ação comunicativa, mas enquanto atos de fala são meios de “coordenação” dos planos individuais visando um entendimento indireto, sem os quais a ação estratégica não se viabilizaria (RIVERA, 1995, p. 28).

Habermas recupera da filosofia da linguagem (Apel e outros) e da teoria dos atos

lingüísticos de Austin os significados múltiplos do conceito de ação social

(interação comunicativa). Nesse contexto, a ação instrumental de Weber é

subsumida na ação estratégica, que visa ao êxito e ao sucesso de um

relacionamento objetivante e manipulativo entre os atores, e confrontada com a

ação comunicativa, cujo objetivo fundamental consiste em assegurar o

esclarecimento dos pontos de vista, desvendar a verdade, obterem consenso, por

meio da ação cooperativa de todos, assumindo a função heurística do “tipo ideal”.

Habermas apud Rivera (1995) fala em agir estratégico na medida em que os

atores orientam-se exclusivamente para o êxito, isto é, para as conseqüências do

seu agir, e tentam influenciar externamente sobre a definição da situação ou sobre

as decisões ou motivos de seus adversários. Neste caso, a cooperação e a

estabilidade resultam das faixas de interesses dos participantes. Por outro lado,

fala-se em agir comunicativo na medida em que os atores buscam “harmonizar

internamente seus planos de ação e se dispõem a perseguir suas metas sob a

condição obrigatória de um acordo existente (ou de uma negociação sobre a

situação e as conseqüências esperadas” (RIVERA, 1995, p. 24). Para Habermas,

o entendimento é “o processo de obtenção de um acordo entre sujeitos lingüística

e interativamente competentes. Esse acordo se apóia em convicções comuns,

atingidas através de um desempenho discursivo. Nessa medida, o acordo é

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racional” (RIVERA, 1995, p. 24). Neste caso é notória uma subordinação da

orientação finalística ao entendimento.

2.2.1.3 A teoria dos três mundos de Habermas basead a em Popper

Nesta teoria da ação, Habermas, baseado em Popper, utiliza o referencial dos três

mundos: mundo objetivo, social e subjetivo, que se constituem no “sistema de

referência que os participantes dos processos de comunicação supõem em

comum e com o qual determinam sobre o que é possível em geral entender-se”

(ARTMANN, 1993, p. 145).

Segundo Rivera (1995), nesta concepção, não haveria um único mundo e,

portanto, uma única racionalidade da ação (de formas de intervenção no mundo),

mas três mundos possíveis (até agora conhecidos) que se superpõem e que

interagem em termos de mútua suposição e resistência: o mundo objetivo dos

estados de coisas existentes, o qual se refere ao mundo físico; o mundo social ou

normativo das relações intersubjetivas reguladas normativamente, relacionado às

normas sociais e culturais sob as quais agimos; o mundo subjetivo das vivências

internas exteriorizadas, que se refere ao mundo interno dos indivíduos. Estes três

mundos não devem ser confundidos com o conceito habermasiano de mundo da

vida, que é constituído pela cultura, pela sociedade e pela personalidade.

Habermas constrói uma teoria do mundo a partir da perspectiva dos atores em

situação de ação, existindo uma correlação entre os tipos de teoria da ação e esta

construção dos mundos. Esses mundos não são mundos ontologicamente

definidos (salvo o mundo objetivo). De acordo com Rivera (1995, p. 29), eles “não

preexistem à consciência intersubjetiva, mas são ‘descobertos’ ou diferenciados

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ao longo da experiência da espécie em função das capacidades progressivamente

acumuladas pela linguagem, como resultado da cooperação social”.

A Teoria da Ação Comunicativa de Habermas recupera a relação entre a

sociedade e a razão por meio do uso comunicativo cotidiano da linguagem entre

sujeitos que interagem, o que configura a mais genuína competência da espécie

humana, a fala, objeto de estudo da Pragmática Universal, entendida por

Habermas, de acordo com Melo (2005), como a investigação que procura

compreender as bases universais da validade da fala cuja meta é descobrir as

regras necessárias para se produzir orações bem formadas e proferi-las

adequadamente.

A Pragmática Universal de Jürgen Habermas é uma construção essencialmente

ligada à teoria dos atos de fala e visa esclarecer as condições que geralmente

precisam ser satisfeitas em quaisquer ações comunicativas. Habermas utiliza a

Pragmática Universal “para defender uma teoria do significado dos atos de fala do

tipo ideal” (RIVERA, 1995, p. 33). Assim, a função da pragmática universal é

identificar e reconstruir condições universais de possível compreensão mútua

(HABERMAS, 1996). Nesse sentido, para Melo (2005), trata-se de uma ciência

reconstrutiva da linguagem, mas, diferente da Lingüística, aborda não apenas a

competência em formar orações, mas a competência de formá-las e empregá-las

como atos de fala em processos comunicativos cotidianos de entendimento. Para

Habermas (1996, p. 13), chegar ao entendimento lingüístico “é o processo de dar

origem a uma concordância segundo a base pressuposta de pretensões de

validade que sejam mutuamente reconhecidas”, e que são passíveis de

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julgamento objetivo, podendo ser fundamentadas ou criticadas, pela adução de

razões.

A Teoria do Agir Comunicativo baseia-se no uso comunicativo cotidiano da

linguagem, na interação entre os sujeitos. A ação comunicativa engloba a

comunicação pura e o discurso.

A comunicação pura corresponde ao desenvolvimento fluido de uma relação comunicativa, à aceitação plena ou ao reconhecimento acrítico das pretensões de validade. Esta forma de comunicação é o correlato do conceito de mundo da vida, isto é, é um tipo de comunicação que se constitui a partir de um mesmo acervo cultural, social e de capacidades, de caráter inquestionado. O saber “dogmático”, herdado da tradição, que orienta os indivíduos em uma mesma perspectiva biográfico-comunitária é um dos recursos básicos do mundo da vida. O discurso, por outro lado, é o processo de argumentação crítica que advém da “suspensão” de uma determinada pretensão de validade. É uma comunicação sui generis, pois procura o entendimento por outras vias, notadamente a apresentação conflitiva de argumentos e razões. Os discursos são Teóricos, Práticos e Expressivos, segundo tematizem preferencialmente aspectos do mundo objetivo, do mundo social ou do mundo interno. Contudo, o desenvolvimento de um discurso específico revela inevitavelmente a sua relação com outros discursos (qualquer discurso teórico implica determinado nível em questões práticas e vice-versa) (RIVERA, 1995, p. 31).

Sobre as características do discurso, Habermas apud Rivera (1995, p. 33) afirma

que este pressupõe sempre uma situação de fala ideal.

O discurso pressupõe sempre uma situação de fala ideal, caracterizada pela ‘virtualização’ das coações (simetria de chances discursivas) e dos conteúdos do conhecimento (postura hipotética em relação a eles), isto é, pressupõe um processo exclusivamente preocupado com a verdade, como resultado contextualmente contingente que se atinge pelo uso dos melhores argumentos. São condições imanentes a essa situação, a correção normativa (não coação), a reciprocidade na auto-apresentação subjetiva, a busca da verdade através de uma prática em que os participantes são livres para escolher seus argumentos (RIVERA, 1995, p. 33).

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As bases de validade do discurso são desenvolvidas por Habermas (1996) a partir

do pressuposto de que qualquer pessoa que aja segundo uma atitude

comunicativa, ao efetuar qualquer tipo de ato de fala, deve apresentar pretensões

de validade universal e supor que essas possam ser defendidas. Em cada

situação de fala, o sujeito levanta as seguintes pretensões de validade:

inteligibilidade, verdade, correção normativa e veracidade.

1. Na pretensão de inteligibilidade o falante deve falar de maneira inteligível,

de modo que os interlocutores possam compreender-se um ao outro, sendo

essa condição para o êxito da comunicação em geral. Essa pretensão

evidencia-se como pressuposto para as demais pretensões, encontrando-

se num nível subjacente. Com esta pretensão, o indivíduo torna-se

compreensível a outros por meio da linguagem.

2. Na pretensão de verdade, o falante deve ter intenção, de forma explícita ou

tematizada, de comunicar uma proposição verdadeira, de forma a que o

ouvinte possa partilhar do conhecimento do falante.

3. Na pretensão de correção normativa, o falante deve escolher um discurso

que seja correto com relação às normas e valores, de forma a que o ouvinte

possa aceitá-lo e que ambos possam, nesse discurso, concordar

mutuamente no que toca a uma base normativa reconhecida.

4. Na pretensão de veracidade ou sinceridade, o falante tematiza de modo a

expressar as suas intenções de uma forma verdadeira, de forma a que o

ouvinte possa considerar o seu discurso digno de confiança.

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Nesse contexto comunicativo, ao efetuar um ato de fala, qualquer pessoa deve

apresentar pretensões de validade universal e supor que estas possam ser

defendidas na busca de um entendimento:

Em todo o processo, o falante deve escolher uma forma de expressão inteligível (verständlich), de forma que tanto ele como o ouvinte possam compreender-se um ao outro. O falante deverá ter intenção de comunicar uma proposição verdadeira (wahr) – ou seja, um conteúdo proposicional, cujas pressuposições existenciais estejam satisfeitas – de forma a que o ouvinte possa partilhar o conhecimento do falante. Este último deverá assim pretender exprimir as suas intenções de uma forma verdadeira (wahraftig), de forma a que o ouvinte possa considerar o seu discurso credível (ou seja, digno de confiança). Por fim, o falante deverá escolher um discurso que esteja correto (richtig) no que respeita às normas e valores permanecentes, de forma a que o ouvinte possa aceitá-lo e que ambos possam, nesse discurso, concordar mutuamente no que toca a uma base normativa reconhecida (HABERMAS, 1996, p. 12).

Em síntese, as bases universais da validade da fala são investigadas, por

Habermas, no estudo da Pragmática Universal. Para este autor, todo sujeito que

fala tem a intenção de expressar, de forma inteligível, conteúdos verdadeiros

sobre o mundo objetivo, corretos em relação às normas vigentes e verídicos em

relação ao seu mundo subjetivo, para que possa chegar ao entendimento com o

ouvinte. Com seu ato de fala, ele levanta pretensões de validade: inteligibilidade,

verdade, correção normativa e veracidade. Na prática comunicativa cotidiana, esta

ciência reconstrutiva da linguagem aborda, além da competência lingüística para

formar orações, a competência de empregá-las, como atos de fala, em processos

de entendimento.

A razão centrada na comunicação busca sua validação em procedimentos argumentativos que procuram resgatar direta ou indiretamente três tipos de validade: de verdade proposicional referida ao mundo objetivo; de correção normativa, referente ao

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mundo social e de autenticidade subjetiva. O conceito de razão passa a ser processual e comunicativo, deduzido de uma lógica pragmática da argumentação. Inclui, portanto, alem do elemento cognitivo e instrumental, elementos relacionados a moral, a pratica, a emancipação e a estética (ARTMANN, 2001, p. 186).

Além de tudo isto, a ação comunicativa só poderá permanecer intacta enquanto

todos os participantes julgarem que as pretensões de validade que

reciprocamente efetuam são apresentadas justificadamente. A interação

espontânea, de acordo com Habermas (1996), é considerada estável quando

existe um consenso em relação às quatro pretensões de validade e esse

consenso é perturbado quando qualquer uma delas é contestada. Mal este

consenso seja abalado (assim como as pretensões de validade), a ação

comunicativa não poderá ser continuada, instalando-se outra forma de

comunicação, denominada de discurso.

Mas, enquanto as pretensões de validade de inteligibilidade e de verdade podem

ser problematizadas e resolvidas no próprio contexto da interação, as pretensões

de validade de correção normativa e de veracidade só podem ocorrer fora do

contexto interativo, na forma do discurso. No discurso, todas as pretensões de

validade ficam suspensas, “até que a afirmação seja confirmada ou refutada, e até

que a norma seja considerada legítima ou ilegítima. Nele, [no discurso] o único

motivo admitido é a busca cooperativa da verdade, à base do melhor argumento”

(HABERMAS apud FREITAG & ROUANET, 1980, p. 18).

No plano do discurso, a ação comunicativa permite suspender, temporariamente,

as pretensões de validade. Com relação ao discurso teórico e ao prático, Freitag

(2005, p. 164) afirma:

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O discurso teórico permite questionar a verdade afirmada sobre os fatos, buscando elaborar, à base de argumentos mais convincentes e coerentes, uma nova teoria. O discurso pragmático permite questionar a adequação das normas sociais, buscando legitimar, no interior de um processo argumentativo que respeita os melhores argumentos, a validade de um sistema de normas novo, aceito e respeitado por todos.

A partir da teoria de validação consensual de afirmações e recomendações de

Habermas, a afirmação é considerada verdadeira (ou falsa) quando o discurso

teórico conduzir a um consenso quanto à sua verdade ou falsidade; a norma é

considerada legítima (ou ilegítima) quando o discurso prático desembocar num

consenso quanto a tal legitimidade ou ilegitimidade (HABERMAS apud FREITAG

& ROUANET, 1980, p. 18).

Considera-se também necessário, analisar a seqüência global da fala para

identificar, nos processos comunicativos, os elementos estratégicos e a linguagem

orientada ao entendimento.

[...] o significado dos atos de fala e sua classificação nos tipos puros de ação comunicativa não se obtêm da análise de atos isolados. É necessário analisar a seqüência global da fala. Se procedermos desta maneira, identificaremos perlocuções em contextos de ação comunicativa e também atos comunicativos em contextos de ação estratégica. Isto é coerente com a sua formulação de que os processos interpretativos percorrem várias fases, inclusive as estratégicas. Ora, a presença de elementos estratégicos no seio do emprego da linguagem orientada ao entendimento pode distinguir-se, claramente pela análise da seqüência, das ações predominantemente estratégicas (HABERMAS apud RIVERA, 1995, p. 34).

Esse novo paradigma da comunicação proposto por Habermas, de acordo com

Rivera (1995, p. 22), “não se refere à relação do sujeito isolado a algo no mundo,

que pode ser representado e manipulado, mas sim à relação intersubjetiva que

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assumem sujeitos capazes de linguagem e de ação quando eles se entendem

entre si sobre algo (no mundo)”. Para este autor, “a palavra-chave do novo

paradigma é o entendimento” (RIVERA, 1995, p. 22).

2.2.2 O conceito de Sociedade de Habermas

A análise da sociedade é realizada por Habermas, a partir de uma aplicação de

sua teoria da racionalidade (ARAGÃO, 1997), explicitando os conceitos de mundo

da vida e de sistema, considerados os dois componentes polares de sua

concepção da ordem social, ressaltando a questão de como se coordena a ação

de participantes (no mínimo, dois) de uma interação.

Habermas concebe a evolução das sociedades como um processo gradual de cisão do todo social – que reunia o mundo-da-vida e um sistema social pouco diferenciado – em que os mecanismos sistêmicos se tornam cada vez mais destacados das estruturas sociais em que ocorre a integração social, até que esta diferenciação atinge o ponto em que organizações autônomas se coordenam através da media de comunicação não lingüístico – dinheiro e poder – e produzem um intercurso social desligado de normas e valores, principalmente na atividade econômica e administrativa (ARAGÃO, 1997, p. 98).

Sob este pressuposto, “mundo da vida e sistema são duas ordens institucionais

que correspondem a duas formas básicas de integração (coordenação) da ação: a

integração social e a integração sistêmica” (RIVERA, 1995, p. 57), mas “o

subsistema que define o padrão do sistema social como um todo é o mundo-da-

vida” (ARAGÃO, 1997, p. 99).

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2.2.2.1 O mundo da vida como subsistema padrão

Segundo Freitag (2005), a mudança de paradigma, que assinala o trânsito da

razão instrumental para a razão comunicativa foi prenunciada a partir dos

trabalhos de Mead e Durkheim. Habermas afirma que Mead é de um excessivo

idealismo, por omitir uma análise da produção e reprodução material (econômica e

política da sociedade, e formalismo, porque a formação interativa das estruturas

de personalidade foi estudada sem levar em conta as características específicas

da sociedade, da situação e do momento histórico em que se dão essas

interações. Tal fato explicaria, na visão de Habermas, a incapacidade do modelo

interacionista de Mead de “teorizar o surgimento e a consolidação de sistemas

normativos verbalmente mediatizados, que asseguram a interação dos membros

do grupo” (FREITAG, 2005, p. 41). A partir dos estudos sobre a explicação do

comportamento normativamente regulado, Durkheim se ocupa da gênese da

moral e do direito, bem como do mecanismo de integração social e desenvolve a

tese da “dessacralização” do mundo. As ações sociais, “intimamente vinculadas

ao ritual, eram determinadas por normas que não eram problematizadas, nem em

sua validade, nem em sua obrigatoriedade” (FREITAG, 2005, p. 41). Habermas

afirma que a dessacralização do mundo foi determinada pela verbalização, que

por sua vez deu origem ao processo de racionalização, e critica Durkheim pelo

fato de não ter apontado as origens dessa racionalidade embutida no sistema

lingüístico.

[...] foi a verbalização (Versprachlichung) que promoveu a dessacralização, impondo a necessidade de refletir sobre o ritual e interpretá-lo, e de justificar e legitimar as normas que passaram a regulamentar áreas cada vez mais abrangentes da vida social. Normas e valores outrora inquestionados passam a ser objeto de

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questionamento, tendo que submeter-se à revalidação constante, mediante entendimento consensual. Nas sociedades primitivas, esse consenso estava implícito sob a forma de uma solidariedade mecânica, que decorria da prática ritual da comunidade religiosa. Nas sociedades modernas, a integração precisa ser assegurada por novas formas de solidariedade – a orgânica. Na passagem de uma para outra forma de solidariedade, a linguagem assume a função mediadora por excelência. A prática ritual inquestionada, em sociedades de solidariedade mecânica, é substituída por um sistema normativo e jurídico estabelecido conscientemente pelo grupo, através do entendimento mútuo e do consentimento geral. O desenvolvimento societário que transforma a solidariedade mecânica em orgânica é identificado por Habermas com o processo de racionalização (FREITAG, 2005, p. 41).

O mundo da vida é constituído por três estruturas simbólicas: cultura, sociedade e

personalidade. Nesse sentido seu conceito também apresenta várias dimensões.

Inicialmente, o conceito de mundo da vida corresponde ao horizonte onde se

realiza uma situação de ação, ao pano de fundo comum a todos os atores

envolvidos numa mesma situação.

[...] É o ambiente apreendido onde se situa uma ação. Esse ambiente se desloca à medida que as situações variam. Sobre esse(s) ambiente(s), os agentes dispõem de saberes prévios ou de pressuposições. O mundo da vida em relação ao horizonte é esse conjunto de referências que os agentes constroem linguisticamente e acumulam, servindo para orientar a compreensão de cada ação “nova” (no caso, de cada “novo” ambiente situacional) (RIVERA, 1995, p. 58).

Partindo do conceito husserliano de horizonte, Habermas distingue entre o

horizonte individual e o coletivo. O primeiro é o conjunto de convicções de base,

de saber pessoal e social, de experiência vivida, de intuição, mas especialmente

de cultura e linguagem, que permitem ao ator se movimentar de forma

inquestionável, numa situação concreta. O horizonte social se compõe do que é

partilhado por todos os atores dessa situação, compondo-se da experiência

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comum, das mesmas tradições, da língua e da cultura compartilhada por todos e a

todos acessível. O mundo da vida reflete, pois, “o óbvio, o inquestionável, “o que

sempre foi”, podendo, no entanto, modificar-se, na medida em que se modificam

as estruturas da sociedade global (especialmente a econômica e a política, ou

seja, as responsáveis pela reprodução material da sociedade)” (FREITAG, 2005,

p. 43).

Sob outro aspecto, o conceito de mundo da vida, segundo Rivera (1995, p. 58), diz

respeito ao conjunto de referências culturais, ao conjunto de recursos

interpretativos que os atores utilizam para definir suas situações de ação,

É o celeiro de interpretações acumuladas ou de recursos que permitem a definição de uma situação de ação a partir dos fins dos agentes. Esta acepção é a do contexto cultural. O mundo da vida corresponde, por conseguintes, à linguagem e ao reservatório cultural em cujo contexto os sujeitos desenvolvem a interpretação de uma situação e uma ação concreta (RIVERA, 1995, p. 58).

Habermas traduz cultura como um “componente estrutural do mundo de vida dos

grupos e sujeitos coletivos” (RIVERA, 2004, p.02) desenvolvido no processo de

socialização, mediado pela linguagem, em função da necessidade de lidar com os

problemas das situações de vida, identificando um tipo de relação circular entre

cultura e comunicação, onde falamos a partir de nossa cultura, de nosso mundo

da vida, estamos condicionados por essas configurações simbólicas e por

determinadas pressuposições que fazem parte dessa cultura. Nesse contexto,

linguagem e cultura se condicionam mutuamente

A linguagem conserva as tradições culturais, as quais só existem sob uma forma simbólica e na maioria dos casos através de uma encarnação lingüística; a cultura também marca a linguagem, pois a capacidade semântica de uma linguagem depende da complexidade dos conteúdos culturais, dos padrões de

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interpretação, avaliação e expressão que essa linguagem acumula. Ambos os contextos ocupam um lugar semitranscendental, no sentido de que em face a eles os sujeitos não podem assumir uma posição externa, como se estivessem lidando com “algo no mundo” ou com instâncias intramundanas: a linguagem que os sujeitos utilizam permanece “às suas costas”; impõe-se a “tergo” sobre os sujeitos (RIVERA, 1995, p. 58).

Além da dimensão cultural, o mundo da vida articula os processos de interação

social e de socialização dos indivíduos, assumindo sua constituição final: cultura,

sociedade e personalidade. A interação entre os sujeitos, mediada pela

linguagem, ocorre sempre dentro de um mundo da vida, entendido como:

[...] correlato dos processos de entendimento, pois os sujeitos que agem comunicativamente entendem-se sempre no horizonte lingüístico do mudo vital partilhado por eles. Este mundo é o horizonte contextual onde os sujeitos se movem em sua ação e onde ordenam os contextos situacionais que se problematizam sustentados sobre um tríplice conceito de mundo e suas correspondentes pretensões de validade sendo a linguagem constitutiva do mundo da vida (HABERMAS apud ARTMANN, 1993, p. 151).

Segundo Rivera (1995), Habermas não unilateraliza o conceito de mundo da vida,

pois em sua visão ampliada do mundo da vida, sociedade e personalidade não

apenas operam como restrições, mas também como recursos.

À dimensão culturalista de Schutz, o autor agrega a dimensão da integração social de Durkheim e a dimensão da socialização dos indivíduos de Mead. A ação comunicativa (e seu correlato, o mundo da vida) cumpre, desta maneira, três funções básicas: atualizar a tradição e expandir o saber válido (entendimento em nível cultural); promover a integração social e a solidariedade (dimensão social); e promover ao longo do tempo biográfico a formação da identidade pessoal, das competências da personalidade (dimensão do tempo histórico) (RIVERA, 1995, p. 60).

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Ainda de acordo com Rivera (1995, p. 60), o nível de racionalização da ação

comunicativa “depende do desenvolvimento cognitivo-moral dos indivíduos e do

grau de desenvolvimento normativo dos coletivos, os quais se acumulam como

capacidades do mundo da vida”.

Os três componentes simbólicos do mundo da vida se condicionam reciprocamente. Quando a cultura oferece suficiente saber válido para satisfazer a necessidade de entendimento, o processo de reprodução cultural contribui para a conservação dos outros dois componentes com legitimações para as instituições existentes e com modelos de comportamento eficazes para a formação da responsabilidade. Quando a sociedade mostra solidariedade dos grupos capaz de satisfazer a necessidade de coordenação da ação, o processo de integração social oferece aos indivíduos pertenças sociais reguladas legitimamente e obrigações morais no plano da cultura. Quando os sistemas de personalidade formam uma identidade tão forte capaz de dominar as situações emergentes no mundo da vida, o processo de socialização fornece prestações de interpretação à cultura e motivações para a ação conforme normas da sociedade (RIVERA, 1995, p. 60).

Assim, o mundo da vida, na perspectiva dos participantes, de acordo com

Habermas apud Melo (2005, p. 170), “tem a função de formar contexto e de prover

recursos para a ação comunicativa; por sua vez, a ação comunicativa serve a

reprodução do mundo da vida”.

Os participantes da ação comunicativa, ao se entenderem entre si, reproduzem e renovam a cultura; ao coordenarem linguisticamente a ação, reproduzem lealdades; e a criança, ao participar das interações, incorpora valores sociais e desenvolve habilidades; portanto, a ação comunicativa tem as funções de, no que diz respeito a cultura, isto é, a reprodução e renovação do saber válido; no que diz respeito a sociedade, garantir integração social e produzir solidariedade, logo, estabilidade das ordens sociais; e, no que diz respeito a personalidade, promover os processos de socialização, que formam sujeitos capazes de fala e ação. Dessa maneira, ação comunicativa e mundo da vida se relacionam de forma circular: os sujeitos que interagem uns com os outros

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utilizando a linguagem são ao mesmo tempo produto e produtores do contexto onde estão inseridos (MELO, 2005 p. 170).

O conceito-chave, complementar ao do mundo da vida é o da ação comunicativa

e, juntos “garantem a coesão social utilizando como recurso básico o elemento da

solidariedade, entendida como reconhecimento recíproco entre sujeitos que

participam da interação linguisticamente mediada” (MELO, 2005, p. 173). A

situação interativa é o ponto de confluência entre o “mundo vivido” e a “ação

comunicativa”, constituindo o lugar em que a tensão entre ambos se concretiza. O

mundo da vida é “o horizonte da ação comunicativa (fornece a esta evidências e

certezas culturais de fundo) e a ação comunicativa reordena criticamente os

elementos do mundo da vida, contribuindo para reprodução ou atualização”

(RIVERA, 1995, p. 59).

[...] O saber acumulado, o sempre já sabido e tradicionalmente repetido constituem o solo que nos sustenta, mas esse solo pode ser fraturado por um abalo sísmico. A solidez do mundo vivido é estremecida pela ação comunicativa. O que sempre foi “taken for granted” pode ser posto em questão numa situação de ação comunicativa e debatido pelo grupo, que só respeitará o que tiver sido consensualmente acordado. [...] Somente depois do entendimento geral, alcançado através da ação comunicativa, e que se manifesta na cristalização de um consenso que confirma as “aspirações de validade” levantadas por qualquer participante da ação social numa situação concreta, pode a solidez do mundo vivido ser restaurada (FREITAG, 2005, p. 43).

Nesse contexto, o mundo da vida apresenta duas facetas: a da continuidade e das

“certezas” intuitivas e a faceta da mudança e do questionamento dessas mesmas

certezas.

Continuidade, porque é nele que se dão a reprodução cultural, a integração social e a socialização. Mudança, porque é o lugar em que se questionam e reformulam as “aspirações de validade”

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(Geltungsansprüche) dos atores em relação aos três mundos formais (o objetivo, o social e o subjetivo ou interno). É, portanto, aquele em que podem ser contestadas as afirmações sobre a verdade dos fatos, a validade das normas e a veracidade das manifestações subjetivas (FREITAG, 2005, p. 43).

As estruturas simbólicas do mundo da vida de Habermas só podem ser

reproduzidas sem distorções, por meio de ações voltadas ao entendimento

consensual, mas que são interrompidas através de crises e patologias

(ARTMANN, 1993, p. 153). Dessa forma, nas palavras desta autora,

[...] para que dois sujeitos se entendam através da linguagem não basta que falem o mesmo idioma, mas é necessário que compartilhem um horizonte comum de saberes implícitos: convicções, idéias básicas, cultura, pré-interpretações. O mundo da vida configura este horizonte ou “pano de fundo” não tematizável da situação. Não tematizável porque o acesso a ele é dado ao ator somente a medida em que este, num processo de ação comunicativa, necessite buscar interpretações previamente prontas para situações problemáticas (p. 152).

A visão descentralizada de mundo de Habermas implica, segundo Rivera (1995, p.

29), a utilização do par conceitual “mundo” e “mundo da vida”.

Preliminarmente, “mundo da vida” pode ser definido como a totalidade difusa constituída pelas capacidades ou representações culturais, sociais e da personalidade acumuladas ou adquiridas através de processos cooperativos de comunicação, que os participantes de uma situação de ação assumem como um pano de fundo comum para suas tarefas interpretativas. No sentido da “consciência coletiva” de um grupo social, o conceito de “mundo da vida” é o conjunto de pressuposições sobre os quais se baseia o entendimento em situações normais de interação. O conceito de “mundo”, por outro lado, é um conceito abstrato do qual os participantes de um diálogo (sobre uma situação) devem fazer um uso implícito, tendo em vista chegar a um acordo sobre a representação de estados de coisas, relações interpessoais e vivências internas que se tornam problemáticas (no sentido de não poderem ser equacionadas a partir dos padrões de interpretação existentes). Isto é, quando fragmentos do mundo da vida se tornam relevantes para a ação e problemáticos, eles são liberados do pano

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de fundo e tematizados. Esta tematização implica reordenação dos elementos desse fragmento mediante o sistema de referência dos três mundos, ou dito de outra forma, mediante a discussão crítica de pretensões de validade que dizem respeito a estados ou processos de algum desses mundos. Supõe-se, portanto, o pleno domínio destas referências por parte dos participantes de um diálogo; quase que a incorporação deste nível de diferenciação da linguagem no próprio mundo da vida. A categoria “mundo” designa, portanto, uma postura em que os conteúdos do mundo da vida são objetualizados (RIVERA, 1995, p. 29).

Em síntese, o mundo da vida “constitui o espaço social em que a ação

comunicativa permite a realização da razão comunicativa calcada no diálogo e na

força do melhor argumento em contextos interativos, livres de coação” (FREITAG,

2005, p. 165).

A necessidade habermasiana de trabalhar com o conceito bipolar de sociedade,

ou seja, com as perspectivas do mundo da vida e do sistema, é explicada por

Freitag apud Rivera (1995, p. 64):

[...] explica-se porque a perspectiva do mundo da vida é unilateral e estreita: traduz a vivência particular dos atores envolvidos em uma situação, na práxis quotidiana, e pressupõe uma comunidade de interesses, só possível no interior de um mesmo mundo. A perspectiva do sistema, em troca, vai dar conta da sociedade como um todo, com sua estrutura própria, com seus mecanismos globais de auto-regulação, transcendendo os interesses e as motivações de atores particulares. Estas duas perspectivas correspondem ao do participante “de dentro” de uma determinada situação (e mundo da vida) e ao do observador teórico, que totaliza e objetiviza o mundo da vida, apreendendo suas segmentações, conflitos e os influxos que sobre ele realiza o aparelho de reprodução material e o poder estratégico, como instâncias “deslinguistizadas” de controle global.

Habermas trabalha com o conceito bipolar de sociedade. Segundo Rivera (1995),

a idéia de Habermas é construir uma teoria da sociedade a partir de uma teoria da

ação social e que o problema da ordem social é um problema de integração.

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“Duas formas de integração seriam possíveis para este autor: a integração social,

baseada no agir comunicativo dos agentes, e a integração sistêmica, enquanto

aquela coordenação dos sujeitos efetuada por um médium empírico, o dinheiro ou

o poder” (RIVERA, 1995, p. 36). À perspectiva de integração social, definida como

a coordenação da ação realizada a partir das três orientações básicas da ação

comunicativa (entendimento, integração social e afirmação da responsabilidade

pessoal), segundo Rivera (1995, p. 64), Habermas “opõe a forma de integração

sistêmica como a integração induzida mediante um controle não normativo de

decisões particulares, carentes subjetivamente de coordenação”.

2.2.2.2 A integração sistêmica

Esta conceituação de sistema como pólo alternativo de percepção e interpretação

da sociedade é feita através e a partir de Parsons. Segundo Freitag (2005), trata-

se de um conceito que não se opõe ao de “mundo vivido”, mas o complementa.

Este conceito sistêmico de Parsons, na apropriação habermasiana, “serve para

caracterizar aquelas estruturas societárias, responsáveis pela reprodução material

da sociedade: a economia e o estado burocrático” (FREITAG, 2005, p. 45).

Segundo esta autora, dos quatro “media” da orientação de Parsons (o dinheiro, o

poder, a influência e o vínculo a valores), que asseguram a integração sistêmica,

Habermas adota os dois primeiros pelo seu poder integrador. O sistema é regido

pela razão instrumental. Trata-se de mecanismos de regulação que dispensam a

linguagem e o entendimento mútuo, regendo a interação de forma quase

automatizada. Ambos constituem meios de orientação para a ação instrumental,

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assegurando a previsibilidade e a calculabilidade, e tecnificando o mundo material,

político e mesmo social cuja forma predominante de integração não é mais a

comunicativa e, sim, a sistêmica, através dos “media” automáticos do dinheiro e

do poder. Esta integração sistêmica teria uma acepção diferente do conceito de

agir instrumental,

[...], pois este último (o agir instrumental) ainda pressupõe a orientação dos atores particulares (na definição dos fins e na organização subseqüente dos meios). A integração sistêmica, em troca, corresponderia a uma forma de controle dos comportamentos ou a uma forma de coordenação da ação realizada pela sociedade entendida como um mecanismo autodirigido (que transcende as orientações individuais) (RIVERA, 1995, p. 36).

No contexto habermasiano da teoria da ação comunicativa, “sistema” tem uma

conotação crítica, diferente do agir estratégico, que, inclusive, é considerado

necessário.

Contudo, como a integração sistêmica se caracteriza por uma orientação para o sucesso e por um tipo de coordenação não valorativa (ou não normativa) da ação social, o agir estratégico pode ser mantido como o conceito de ação mais conveniente (aos meios de direção). Desta maneira, Habermas evita criticar o agir instrumental (inclusive por ser este necessário). A sua crítica se dirige precipuamente a uma forma de integração da sociedade que, ao distanciar-se do mundo da vida dos atores e tornar-se predominante, sufoca a razão comunicativa (RIVERA, 1995, p. 36).

Habermas aponta uma dialética entre o mundo da vida (mediado pela linguagem),

e o sistema (mediado pelo poder e pelo dinheiro) e, a partir dessa distinção,

elabora a Teoria da Modernidade, que é parte integrante da Teoria da Ação

Comunicativa de Habermas. Assumindo a sociedade como um sistema aberto,

Habermas, de acordo com Rivera (1995, p. 64), assume como tendo maior

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significado as conseqüências que uma atividade tem para o sistema do que a

própria ação e “assinala que a evolução sistêmica se mede pelo aumento da

capacidade de controle de uma sociedade”.

2.2.3 A Teoria da Modernidade de Habermas

A Teoria da Modernidade, segundo Freitag (2005), procura explicar a gênese da

moderna sociedade ocidental, diagnosticar as suas patologias e buscar soluções

para a sua supressão. Esta teoria encontra-se imersa em múltiplas publicações e

“nunca foi desenvolvida explicitamente pelo próprio autor num texto sintético”

(FREITAG, 2005, p. 161). De acordo com esta autora, a revisão teórica da história

forneceu a Habermas o conceitual teórico incorporado na Teoria da Ação

Comunicativa e necessário para elaborar uma teoria moderna da evolução. Este

conceitual - que faz parte de uma teoria evolutiva mais ampla, preocupada em

reconstruir os processos de formação, os princípios de organização e as crises

pelas quais passam as formações societárias no decorrer do tempo - é constituído

pelos conceitos-chave de “Ação Comunicativa” e de “Sociedade”, que abrange os

dois aspectos: o do mundo da vida e do sistema.

Ao lado de um conceito de sociedade que associa a perspectiva subjetiva (interna, do “mundo vivido”) à perspectiva objetiva (externa ou sistêmica) e ao resgate de um conceito de racionalidade dialógica, a teoria da modernidade habermasiana procura explicar a gênese da moderna sociedade ocidental, diagnosticar as suas patologias e buscar soluções para a sua supressão. Nesse sentido, a Teoria da Modernidade faz parte de uma teoria evolutiva mais ampla, preocupada em reconstruir os processos de formação, os princípios de organização e as crises pelas quais passam as formações societárias no decorrer do tempo (FREITAG, 2005, p. 162).

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O conceito de modernidade é reelaborado por Habermas, a partir de uma crítica

altamente favorável do racionalismo ocidental de Max Weber (ARAGÃO, 2002), e

refere-se a um conjunto de processos cumulativos e de reforço mútuo,

destacando-se:

[...] à formação de capital e mobilização de recursos; ao desenvolvimento das forças produtivas e ao aumento da produtividade do trabalho; ao estabelecimento do poder político centralizado e à formação de identidades nacionais; à expansão dos direitos de participação política, das formas urbanas de vida e da formação escolar formal; à secularização de valores e normas, etc. A teoria da modernidade efetua sobre o conceito weberiano de “modernidade” uma abstração plena de conseqüências. Ela separa a modernidade de suas origens – a Europa dos tempos modernos - para estilizá-la em um padrão, neutralizado no tempo e no espaço, de processos de desenvolvimento social em geral (HABERMAS, 2000, p. 05).

A “modernidade” em Habermas refere-se, segundo Freitag (2005), “às formações

societárias do “nosso tempo”; dos “tempos modernos” e se situa no tempo e no

espaço.

O início da “modernidade” está marcado por três eventos históricos ocorridos na Europa e cujos efeitos se propagaram pelo mundo: a Reforma Protestante; o Iluminismo (die Aufklärung); e a Revolução Francesa. Noutras palavras, a “modernidade” se situa no tempo. Ela abrange, historicamente, as transformações societárias ocorridas nos séculos XVIII, XIX e XX, no “Ocidente”. Nesse sentido, ela também se situa no espaço: seu berço é, indubitavelmente, a Europa (FREITAG, 2005, p. 163).

Após a conceituação de sociedade composta por dois mundos, o sistema e o

mundo da vida, Habermas faz uma distinção entre os processos de modernização,

que enfatiza os processos de racionalização ocorridos nos subsistemas

econômico e político, e modernidade cultural, que enfatiza a autonomização, no

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interior do mundo da vida, das chamadas “esferas de valor”: a moral, a ciência e a

arte (FREITAG, 2005). De acordo com esta autora, enquanto o processo de

modernização refere-se às transformações ocorridas no sistema, a modernidade

cultural diz respeito às transformações ocorridas no mundo da vida e, enquanto o

traço central da modernização societária (do sistema) é a racionalização, o traço

central da modernidade consiste na autonomização das esferas da ciência, da

moral e da arte.

Nas esferas da ciência, da moral e da arte predomina a racionalidade

comunicativa. Em cada uma dessas esferas, de acordo com Freitag (2005), as

“pretensões de validade” podem ser questionadas, suspensas temporariamente e

reelaboradas no interior de um processo argumentativo racional (“discursos”):

[...] a esfera da ciência, espaço privilegiado do cultivo da verdade, instaura tanto “discursos teóricos” quando as pretensões de validade das verdades em suas teorias são sistematicamente questionadas; a esfera da moral, espaço privilegiado do cultivo das normas e princípios que regem a ação social, instaura “discursos práticos”, buscando melhor adequação e legitimação das normas; a esfera da arte, na qual se exprime a veracidade dos atores e sua subjetividade, permite o seu questionamento e a transformação da subjetividade em intersubjetividade expressiva (FREITAG, 2005, p. 166).

Ressalta-se a correspondência entre as duas ordens institucionais, mundo da vida

e sistema, às duas formas básicas de integração (coordenação da ação: a

integração social e a integração sistêmica). Desta maneira, a análise em termos

de uma pragmática formal vincula-se “a uma análise dos processos societários, a

qual permite entender a contradição básica da modernidade como uma tensão

dialética entre as duas formas de integração aludidas, aplicável à teoria das

organizações” (RIVERA, 1995, p. 57).

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A Teoria da Modernidade de Habermas refere-se a uma série de transformações

das formações societárias, dando destaque, segundo Freitag (2005), a quatro

tipos de processos, sendo dois com uma conotação positiva (diferenciação e

autonomização) e dois com uma conotação negativa (racionalização e

dissociação):

1. Os processos de diferenciação: que traduzem um aprendizado coletivo,

tornando as formações societárias mais competentes e eficazes para a

solução de problemas práticos vinculados à reprodução material e

simbólica da sociedade;

2. Os processos de autonomização: significa o desprendimento relativo de um

subsistema, uma estrutura ou “esfera” do conjunto societário, permitindo o

seu funcionamento à base de princípios autônomos, mais ou menos

adequados para aquele subsistema, estrutura ou esfera;

3. Os processos de racionalização: refere-se a processos de transformação

institucional segundo a racionalidade instrumental. Predomina o cálculo da

eficácia: os meios são ajustados a fins. A racionalização tem uma

conotação negativa na visão habermasiana porque expulsa dos espaços

em que age a razão argumentativa, a racionalidade comunicativa que

permitirá a negociação coletiva dos fins, dos “últimos fins”, do próprio

processo de transformação societária;

4. Os processos de dissociação: assume conotação negativa porque

desconecta a produção material de bens e a dominação dos verdadeiros

processos sociais que ocorrem no cotidiano, por meio da interação e da

ação comunicativa. Essa dissociação faz com que a economia e o poder

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passem a ser naturalizadas, regidas por leis imutáveis, comparáveis às leis

da natureza.

As patologias da modernidade se devem aos dois processos de transformação de

conotação negativa: a racionalização e a dissociação. Nesse sentido, a

dissociação implica no desengate do mundo da vida do sistema - visto como

irreversível nos dias atuais - e a racionalização, entendida por Habermas como

“colonização do mundo da vida”, contamina não somente os dois subsistemas

(economia e Estado), mas também se expande a certas instituições do mundo da

vida (FREITAG, 2005).

A primeira patologia (Entkoppelung) faz com que os homens modernos submetam suas vidas às leis do mercado e à burocracia estatal como se fossem forças estranhas contra as quais não há nada a fazer. [...] Essa apatia generalizada reforça as tendências da dissociação, permitindo que a economia e o estado sejam controlados por uma minoria, de homens de negócios e políticos que determinam as regras do jogo dos processos societários contemporâneos, sem consultar a maioria. A segunda patologia (Kolonialisierung) decorre da primeira. À medida que o sistema vai se fortalecendo em detrimento do “mundo vivido”, ele passa a impor a este último suas regras de jogo. Isso não significa que as instituições, no interior das “esferas de valor”, autonomizadas, deixem de funcionar segundo os seus princípios básicos de “verdade”, “moralidade”, “expressividade”, permanentemente questionáveis e suscetíveis de revalidação mediante a “ação comunicativa cotidiana” ou o “discurso”, passando a ser regidas pelos mecanismos de “integração sistêmica”: “dinheiro” e “poder”. A razão comunicativa, que encontrava no “mundo vivido” (especialmente nas esferas de valor autonomizadas) seu verdadeiro campo de atuação, retira-se (sob a pressão externa da razão instrumental imposta pela colonização) dos espaços institucionalizados, procurando como último refúgio as “concepções de mundo” que ainda sobrevivem, ao lado ou paralelamente às instituições, nas “esferas de valor” (FREITAG, 2005, p. 168).

Assim, a Teoria da Modernidade de Habermas permite uma análise dos processos

societários, pois é entendida como um diagnóstico da dinâmica evolutiva das

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sociedades modernas, que se baseia no diagnóstico da progressiva racionalização

do mundo da vida e sua dissociação do sistema. Nesse contexto, segundo Rivera

(1995, p. 57), “as formas de coordenação intersubjetiva da ação cedem espaços e

em larga medida ficam subjugadas pelas formas objetivas e estratégicas de

coordenação que os sistemas realizam”.

Em seu diagnóstico da sociedade contemporânea, Habermas refere-se a um

avanço do sistema sobre o mundo da vida e por meio de uma crítica hermenêutica

seria possível desvendar formas distorcidas de comunicação e buscar uma

reconciliação entre o mundo da vida e o sistema (ARTMANN, 2001). Habermas

(1987, p. 26) refere-se a hermenêutica como tecnologia, como “uma capacidade

(Vermögen) que adquirimos à medida que aprendemos a ‘dominar’ uma

linguagem natural: à arte de compreender um sentido linguisticamente

comunicável e, no caso de comunicações perturbadas, torná-lo inteligível”. Por

outro lado, para este autor, hermenêutica filosófica não é tecnologia, mas sim

crítica.

Com efeito, ela (a hermenêutica filosófica) traz à consciência, em orientação reflexiva, experiências (Erfahrungen) que fazemos na linguagem, ao exercermos nossa competência comunicativa e, portanto, ao nos movermos na linguagem. Como a retórica e a hermenêutica servem à iniciação e à formação disciplinada da competência comunicativa, a reflexão hermenêutica pôde partir do terreno de experiência delas. Mas a reflexão do correto (de acordo com as regras da arte) compreender e tornar inteligível, por um lado (1), e convencer e persuadir, por outro lado (2), está a serviço não de uma tecnologia (Kunstlehre), e sim de uma meditação (ou tomada de consciência, Besinnung) filosófica sobre estruturas da comunicação em linguagem corrente (HABERMAS, 1987, p. 27).

Nesse contexto, o agir comunicativo que se caracteriza pela força da crítica e do

dissenso e pela autonomia moral e o mundo da vida, sede do agir comunicativo e

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entendido como o contrapeso conservador do dissenso, é o substrato social em

torno do qual se define a forma da integração social. Assim, Habermas procura

desidealizar, definitivamente, sua pragmática formal (teoria dos atos lingüísticos),

vinculando-a, empiricamente, a uma teoria do social (RIVERA, 1995).

Resta como alternativa, segundo Freitag (2005), “o recuo para alguns ‘nichos’

dentro das instituições e seu enclausuramento nas ‘concepções de mundo’,

preservadas como idéias não materializadas, conceptualizadas e

institucionalizadas” (p. 169). Nesse sentido, a descoberta mais significativa na

sociedade capitalista é “a existência de potenciais de racionalidade latentes em

concepções de mundo, imersas nas estruturas, plenamente ativas em certos

subsistemas societários” (FREITAG, 2005, p. 46). De acordo com essa

concepção, apesar do predomínio e, por vezes, da prioridade absoluta, da

racionalidade instrumental ou estratégica, existem áreas nos próprios subsistemas

da reprodução material que comportam reservas de racionalidade comunicativa

como, por exemplo, o sistema jurídico.

Na busca de entendimento, as relações entre sistema e mundo da vida são

entendidas por Habermas apud Aragão (2002, p. 172) “como relações de duplo

sentido, onde podem ser verificadas intromissões recíprocas de uma esfera em

relação à outra”.

Assim, contra a diferenciação dos subsistemas da economia e do aparato estatal do sistema de instituições, o mundo da vida reage criando áreas de ação socialmente integradas, que formam as esferas privada e pública, e que possuem entre si uma relação de complementaridade. O núcleo institucional da esfera privada é a família nuclear, destituída de suas funções produtivas e agora especializada em tarefas socializadoras. O núcleo institucional da esfera pública é uma rede comunicativa ampliada por um complexo cultural, uma imprensa e, depois, pelos meios de comunicação de

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massa. Juntos, esses elementos tornam possível a um público amante da arte participar da reprodução cultural e aos cidadãos, da integração social mediada pela opinião pública. Do ponto de vista dos subsistemas econômico e administrativo, a esfera privada é vista como o entorno dos negócios privados, e a esfera pública como o ambiente relevante para gerar legitimação (ARAGÃO, 2002, p. 172).

Apesar dessa relação de mão dupla, Habermas ressalta a “primazia natural das

esferas de ação socialmente integradas sobre as redes sistêmicas objetivadas,

pois os media diretores da época moderna, dinheiro e poder, têm que estar

ancorados no mundo vital para que sejam institucionalizados” (ARAGÃO, 2002, p.

172). A partir desse pressuposto, segundo Freitag (2005, p. 169)

Habermas propõe reverter os processos do “desengate” e da “colonização” e fala em “reacoplar” o sistema ao mundo vivido, permitindo aos atores a visão de conjunto. O “reacoplamento” se impõe para permitir a livre atuação da razão comunicativa em todas as esferas e instituições do mundo vivido e na busca de “últimos fins” do sistema. As regras do jogo, para a sociedade como um todo, precisam ser buscadas em processos argumentativos (tipo discurso) nas quais todos participem, definindo os espaços de atuação e a fixação de objetivos do sistema. Noutras palavras, a razão comunicativa elabora coletivamente os espaços de atuação da razão instrumental

Por fim, ressalta-se que a continuidade ou mudança das normas e valores que

regem o mundo da vida depende da aceitação ou não por parte dos atores

(envolvidos e atingidos), dessas normas e valores. O questionamento de sua

validade exigiria a suspensão da ação comunicativa e a instauração de um

“discurso prático” que permitiria, criticar, renegociar e, finalmente, reinstaurar a

validade de novas normas e valores (FREITAG, 2005, p. 165).

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3 ARTIGOS

3.1 Artigo 1: Humanização da Saúde: diferentes conc epções numa cultura

em transição (artigo enviado para uma revista indexada em 23/02/2009,

encontra-se em avaliação).

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HUMANIZAÇÃO DA SAÚDE: DIFERENTES CONCEPÇÕES NUMA CU LTURA

EM TRANSIÇÃO

Maria Angélica Carvalho Andrade Elizabeth Artmann

Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca

RESUMO

Este artigo discute os resultados da análise dos materiais discursivos contidos nos

textos oficiais de humanização na saúde com o fim de promover uma reflexão

sobre a contribuição deste aporte teórico no processo cotidiano de produção de

saúde.

A análise do material coletado foi realizada por meio do software ALCESTE e

resultou em dois eixos temáticos: o eixo do Método de Implantação do Programa,

dentro do qual está a classe “Estratégias de Condução Operacional”, que

expressa um discurso pedagógico para a implantação do programa; e o eixo da

Valorização da Micropolítica, que englobou as classes “Mudança da Cultura

Institucional” e “Inclusão dos diferentes Sujeitos” que apresentam as referências

técnicas, éticas e políticas para promover mudança nas práticas da assistência e

da gestão na saúde. Os resultados permitem identificar as concepções que

dominam estes discursos.

Conclui-se: que diferentes concepções de humanização, coesas ou opostas, estão

expressas nos textos oficiais; que paradoxos relacionados à humanização podem

significar uma cultura em transição e que o investimento institucional em gestão

estratégica e comunicação operariam como reforço indireto dos aspectos positivos

dos traços culturais em evolução.

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Palavras-chave: Humanização da assistência; saúde pública; política de saúde;

gestão em saúde; participação comunitária; participação nas decisões.

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HUMANIZATION IN HEALTH: PARADOXES OF A CULTURE IN T RANSITION

ABSTRACT

This article discusses the analysis of discursive materials contained in official texts

of humanization of health in the Brazilian Ministry of Health in order to promote a

reflection on the contribution of this theoretical contribution in daily production of

health.The analysis of material collected was accomplished through software

ALCESTE and resulted in two thematic axes: the axis of the Method of

Implementation of the Program, in which the class is "Driving Operational

Strategies", which expresses a pedagogical discourse for the implementation of the

program, and the axis of the Exploitation of Micropolítica, which included classes

"Changing Institutional Culture" and "Inclusion of different subjects" that have the

technical references, ethical policies and practices to promote change in the care

and management in health. The results identify the concepts that dominate the

discourse. It is concluded, that different conceptions of humanization, cohesive or

opposing, are expressed in official texts, related to human paradoxes that may

mean a culture in transition and institutional investment in strategic management

and communication operate as indirect strengthening of the positive aspects of the

lines in cultural evolution.

Key-words: Humanization of assistance; public health; health policies; health

management; consumer participation; management quality circles.

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INTRODUÇÃO

A Política Nacional de Humanização – PNH1 surge no cenário de atenção à saúde

no SUS em substituição ao Programa Nacional de Humanização da Assistência

Hospitalar – PNHAH2, definindo a Humanização como uma estratégia política.

Esta mudança foi deflagrada, no âmbito do Ministério da Saúde a partir de

tensionamentos existentes entre as distintas concepções de humanização e da

necessidade de se reavaliar práticas de caráter religioso, filantrópico ou

paternalista denominadas indistintamente de humanização3.

A Humanização, agora entendida como política pública de saúde propõe mudança

nos modelos de atenção e gestão em todas as instâncias do Sistema Único de

Saúde – SUS, a partir do cotidiano das ações de saúde. A gestão participativa,

definida como a construção de espaços coletivos onde é feita a análise das

informações e a tomada das decisões, é o instrumento fundamental para

implementar essas mudanças. Nestes espaços estão incluídos a sociedade civil, o

usuário e os seus familiares, os trabalhadores e gestores dos serviços de saúde4.

Apesar desta mudança do status da humanização de programa para política

pública de saúde, permanecem diversos sentidos do termo humanização que

resultam em diferentes estratégias e práticas cujo impacto no cotidiano dos

serviços tem se revelado múltiplo e dependente das interpretações conceituais

atribuídas. Aliado à complexidade e dificuldades de implementação, esse contexto

indica a necessidade de refletir sobre as concepções de humanização contidas

nos discursos dos principais eixos norteadores das práticas cotidianas para avaliar

sua potência em deflagrar processos que viabilizem a mudança das práticas e da

cultura organizacional. Enfatiza-se, cada vez mais, a interdependência e os limites

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das mudanças na área da saúde frente às concepções e valores gerais da

sociedade na compreensão do processo de humanização5.

Este estudo analisou os textos oficiais de humanização na saúde representados

pelo PNHAH e pela PNH, com o objetivo de contribuir para a compreensão de

como a humanização é concebida pelos sujeitos que produzem o discurso e

disponibilizam informações, e de promover uma reflexão sobre a contribuição

destes aportes teóricos no processo cotidiano de produção de saúde.

ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS

Este estudo teve dois momentos: 1) o processamento de documentos oficiais do

Ministério da Saúde do Brasil sobre humanização por meio do software ALCESTE

(Analyse Lexicale par Contexte d’um Ensemble de Segments de Texte); e 2) o

confronto entre os resultados deste processamento com a literatura sobre o tema.

Para a primeira fase, incluíram-se os textos-base da humanização produzidos pelo

Ministério da Saúde, no período de 2000 a 2006. Dos documentos

identificados1,2,4,6,7,8,9,10,11, foram selecionados para análise os documentos-base

do PNHAH - Manual do PNHAH6 e Programa Nacional de Humanização da

Assistência Hospitalar2; o documento-base da PNH, na sua versão atualizada - 3ª.

edição do Documento-Base da Política Nacional de Humanização: HumanizaSUS4

e o texto da PNH referente a sua principal estratégia de efetivação no cotidiano -

Gestão participativa e co-gestão11. A escolha dos documentos obedeceu às regras

da exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência12 e ao critério

atualização.

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O processamento dos documentos foi realizado pelo ALCESTE versão 4,7. O

programa baseia-se na análise lingüística e permite investigar a co-ocorrências de

vocabulários nos enunciados do texto, calcula o grau de associação entre estas

palavras, realiza uma análise estatística que consiste na Classificação Hierárquica

Descendente (CHD), e organiza classes de palavras no corpus (texto) sob análise.

Para cada classe são ressaltadas as palavras mais características e a força de

associação de cada uma com a classe por meio de cálculo do qui-quadrado. Estas

operações permitem visualizar os contextos lexicais formados pela classe,

exemplificados pelos conjuntos de expressões que representam diferentes formas

e conteúdos de discurso sobre o objeto analisado13,14.

O material foi organizado segundo as unidades básicas de análise: Unidades de

Contexto Inicial (UCI) - primeira divisão de todo o material, realizada durante a

preparação do corpus (cada texto é uma UCI) - e Unidades de Contexto

Elementares (UCE) - fragmentos do corpus organizados pelo programa de acordo

com critério de pontuação e tamanho do texto. A partir da identificação das

unidades, o programa efetuou uma análise estatística do conjunto de unidades

contextuais (CDH) gerando um dendograma (posicionamento das classes em

forma de árvore) que permite a visualização da análise, com freqüência das

palavras representativas em cada classe, força de ligação entre as classes e

porcentagem de cada classe referente ao corpus analisado.

Para nomear e interpretar o discurso em cada classe, o programa apresentou um

conjunto de afirmações originais e prototípicas associado a ela que permitiu

identificar o contexto dentro do qual cada palavra é usada no texto original.

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As informações processadas pelo ALCESTE compuseram um corpus de dados,

os quais foram analisados tomando como pano de fundo a literatura considerada

fundamental.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O ALCESTE identificou quatro Unidades de Contexto Inicial (UCI), compatíveis

com o número de textos analisados. O corpus foi dividido em 997 Unidades de

Contexto Elementares (UCE), constituindo 100% do material disponibilizado e

classificou para análise 916 UCE, representando 93% de aproveitamento do

material submetido à análise. As 916 UCE foram agrupadas em três classes

lexicais que caracterizam o conteúdo essencial presente nos textos analisados.

A análise do corpus total obtido dos quatro textos revelou a presença de três

classes. O programa dividiu as UCE em dois eixos temáticos, sendo que um

desses eixos foi submetido a duas novas divisões. Assim, a classe 2 (eixo

temático 1) é resultante de um eixo textual, e as classes 1 e 3 (eixo temático 2)

são resultantes de um segundo eixo textual comum, uma vez que não se observa

a existência de ligação entre a classe 2 e as classes 1 e 3 (r=0,0) (Figura 1). As

classes 1 e 3, por constituírem o mesmo eixo temático, possuem significados

complementares. Observou-se a existência de uma moderada ligação entre as

classes 1 e 3 (r=0,34), indicando certa coesão e complementaridade entre os

discursos. Internamente, entre os subconjuntos da classe 2 e das classes 1 e 3, o

programa analisou a relação como de oposição de conteúdos, já que o processo

de separação das UCE busca identificar sub-grupos em função do seu grau

máximo de diferenciação.

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Nomeamos os eixos temáticos e as classes resultantes desta análise de forma a

expressar o conteúdo presente nos mesmos da seguinte forma: Eixo temático 1:

Método para implantação de Programa, dentro do qual está a classe 2

(Estratégias de Condução Operacional); e Eixo Temático 2: Valorização da

Micropolítica, que englobou as classes 1 (Nova Cultura Institucional) e 3 (Inclusão

dos diferentes Sujeitos).

Os conteúdos de cada classe foram sumarizados a partir dos eixos temáticos. A

Figura 1 apresenta tal configuração e a força da ligação entre as classes

sugeridas pelo software.

Destaca-se a inexistência de ligação entre os eixos temáticos 1 e 2 e

conseqüentemente entre a classe 2 e as classes 1 e 3 o que indica concepções

bastante diferenciadas de temas que poderiam estar articulados. Uma análise a

partir da perspectiva da gestão comunicativa15 revela justamente a necessidade

de integrar estratégias de condução operacional da proposta de humanização com

a inclusão dos diferentes sujeitos ou atores e com a dimensão cultural.

Eixo Temático 1: Método para implantação de Program a

Com 236 UCE, este eixo concentra apenas 25,76% do corpus analisado e

expressa um discurso pedagógico, que se organiza em torno do planejamento e

da condução operacional de estratégias de multiplicação para a implantação do

Programa de humanização hospitalar em todas as regiões do Brasil.

O método para a implantação, por esse eixo, caracteriza-se pela nítida separação

entre o planejamento, concepção e direção dos processos de trabalho das tarefas

de execução.

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Destaca-se a dissociação entre gestão e atenção, representada pela

hierarquização e centralização do planejamento, acompanhamento, supervisão e

avaliação das ações pelo Ministério da Saúde, estando a condução operacional

sob a responsabilidade das secretarias e a execução, dos hospitais. A

humanização seria garantida por meio do cumprimento de orientações prescritas

pelo Ministério da Saúde, alheias aos processos de trabalho no cotidiano das

práticas de atenção e gestão.

Ainda que o campo da gestão tenha se ampliado e superado o modelo taylorista

com que se organizam os processos de trabalho, a racionalidade gerencial

hegemônica característica deste modelo continua sendo a marca central da

organização moderna e pós-moderna por meio do autoritarismo16. A centralização

do poder por essa lógica produz sistemas de direção que se “alicerçam no

aprisionamento da vontade e na expropriação das possibilidades de governar da

maioria, [exigindo] que os trabalhadores renunciem a desejos e interesses,

substituindo-os por objetivos, normas e objeto de trabalho alheios (estranhos) a

eles”16 (p.23). Neste eixo, o âmbito da mudança pretendida é restrito segundo o

interesse e visão do Ministério da Saúde, desconsiderando a capacidade de

decisão dos profissionais sobre o seu próprio trabalho.

Observa-se ainda que o discurso evidenciado neste eixo se aproxima do

humanismo ou personalismo cristão onde o ser humano é capaz de promover

realizações em favor da sociedade e as tendências negativas do humano são

revertidas por meio de intervenção social17. A humanização, neste discurso,

representa o ser humano como bom e protagonista de uma história socialmente

produtiva e, ao mesmo tempo, como uma força conservadora dos poderes

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instituídos sem considerar “os homens reais em suas múltiplas e cotidianas

relações de poder e dominação, de suas diferenças étnico e socioeconômicas”17

(p. 26).

Classe 2 – Estratégias de Condução Operacional

Nesta classe, encontramos conteúdos relacionados às estratégias metodológicas

do Programa de humanização que associam os elementos necessários para a

apreensão progressiva do conteúdo técnico do programa e para promover a

humanização em rede nacional, caracterizado por: Multiplicadores, Capacitação,

Secretaria, Programa, Comitê, Humanização, Grupo, Hospital, Fase, Técnico,

Etapa, PNHAH, Metodologia, Participação e Nacional.

O discurso se organiza em torno das possibilidades pedagógicas do Programa

para promover mudanças por meio da formação, acompanhamento, supervisão e

avaliação da implantação da nova metodologia de multiplicação do trabalho, além

da difusão de informação e dos critérios para a constituição dos grupos de

multiplicadores de humanização hospitalar. Para esta estratégia de multiplicação,

o programa é concebido sob o formato de curso de capacitação/formação pessoal

para os profissionais indicados pelas secretarias estaduais e municipais de saúde

dividido em fases e etapas, sob responsabilidade dos grupos de trabalho de

humanização hospitalar criados para este fim.

O discurso de humanização como um rol de prescrições, um “passo-a-passo” a

ser seguido na prática cotidiana, pode trazer para os espaços sociais grandes

dificuldades em lidar com múltiplas estruturas originadas da distribuição de

diferentes formas de poder no espaço social, que se expressa como um campo de

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forças, de lutas e de poder, no sentido discutido por Bourdieu18. Este campo de

forças se intensifica quando se propõe uma mudança nos modelos de atenção e

gestão, pondo em questão o valor relativo dos diferentes tipos de poder.

O tema da mudança tem aparecido de forma cada vez mais freqüente e intenso no

âmbito do debate organizacional, devido à atual velocidade das mudanças sociais,

econômicas, políticas e tecnológicas que exige adaptação das organizações para

sua sobrevivência. Estas organizações devem antecipar-se às pressões externas

por mudanças, adquirir a capacidade de promover e conduzir processos contínuos

de mudanças, gerenciar estes processos e evitar os fracassos decorrentes de

problemas da decisão de mudar, da implementação da mudança ou da escolha da

teoria organizacional utilizada na intervenção19.

Mudança organizacional é um conceito vago pela dificuldade inerente em definir

seus limites. É entendida como “qualquer alteração, planejada ou não, nos

componentes organizacionais – pessoas, trabalho, estrutura formal, cultura – ou

nas relações entre a organização e seu ambiente, que possa ter conseqüências

relevantes, de natureza positiva ou negativa, para a eficiência, eficácia e/ou

sustentabilidade organizacional”19 (p. 25).

Para Lima e Bressan19, as mudanças organizacionais podem ser do tipo

incrementais ou transformacionais. As primeiras referem-se à alteração de apenas

alguns aspectos da organização e ocorrem em situações em que o ambiente é

mais estável. As transformacionais envolvem uma ruptura de padrões anteriores,

atingem a organização como um todo e redirecionam a organização em função de

grandes alterações em seu ambiente.

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A “transformação” proposta pela concepção de humanização contida nessa classe

caracteriza-se por conservar o modo de fazer organizacional não implicando em

uma ruptura. Para Echeverria20, certos padrões organizativos básicos são

conservados em instituições que se limitam a este tipo de mudança.

O modelo médico-hegemônico orienta a formação dos profissionais de saúde e

interfere na possibilidade de consolidação do SUS21. As propostas de mudança

nesta classe, tal qual a racionalidade gerencial hegemônica, fundamentam-se na

instituição de radical diferença do exercício de poder, restringindo os espaços de

expressão das subjetividades dos trabalhadores mediante desqualificação dos

desejos e interesses da maioria16. As mudanças referem-se sempre a hospitais,

reforçando o modelo hospitalocêntrico, sem considerar a rede de serviços de

saúde de forma mais ampla.

Esta disposição de produzir mudanças também não leva em conta a perspectiva

da conquista social do direito à saúde, que se constitui em um grande avanço na

direção da cidadania, mas que exige que sejam feitas adaptações e investimentos,

na macro e micropolítica, para que se efetivem as políticas públicas necessárias à

garantia deste direito básico5.

A saúde entendida como direito social só é possível se for produto da autonomia

de todos os atores envolvidos, em torno da construção do desejo de mudança, o

que exige conseqüentemente, o estabelecimento de uma relação indissociável

com a democracia22. A compreensão da humanização, neste eixo, não considera

o desafio de lidar com os problemas das situações de vida e com os decorrentes

do risco das alterações nas relações de poder. A realidade do SUS exige o uso do

poder, em sua concepção comunicativa, na direção da construção de um

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consenso coletivo em torno da proposta de humanização, não a partir da definição

de um modelo ou de um padrão-ideal para organização dos modos de atenção e

gestão no campo da saúde pública brasileira, mas por meio da constituição de um

plano, edificado na experiência concreta dos sujeitos3,15.

Eixo Temático 2: Valorização da Micropolítica

Com 680 UCE, este eixo concentra 74,23% do corpus analisado, engloba as

classes 1 e 3 e apresenta um discurso referente à construção de uma política

institucional para um novo modo de produção de saúde, organizado em torno de

dois temas principais: 1) uma nova cultura institucional e 2) a inclusão dos

diferentes sujeitos para promover a humanização da assistência e gestão na

saúde.

As representações sobre humanização no eixo da valorização da micropolítica que

trazem concepções relacionadas a mudanças culturais e à participação dos

diferentes sujeitos no espaço social reconhecem que o trabalho em saúde não é

completamente controlável, revelando a necessidade de uma gestão mais

democrática articulada a uma abordagem cultural na busca de soluções novas aos

problemas organizacionais. O trabalho em saúde baseia-se, em todas as fases de

sua realização, “em uma relação entre pessoas e, portanto, sempre está sujeito

aos desígnios do trabalhador em seu espaço autônomo, privado, de concretização

da prática” 21 (p. 501).

Ao valorizar a micropolítica, a humanização neste eixo distancia-se de sua

concepção como um método para implantação de Programa, e conseqüentemente

de procedimentos obrigatórios que produzem certo ordenamento das práticas de

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saúde, definindo e limitando a ação dos trabalhadores, que desconsidera as

subjetividades dos sujeitos envolvidos no cotidiano dessas práticas.

Observa-se o reconhecimento de que a mudança das práticas de saúde e a

reorientação do modelo tecnoassistencial são campos em que o SUS ainda não

foi capaz de produzir avanços significativos21. Considerando que todos os

trabalhadores fazem uso de seus pequenos espaços de autonomia para agir de

acordo com seus valores e/ou interesses21, há um reconhecimento da importância

da micropolítica do trabalho em saúde21,23,24. Cecílio e Mendes23, ao analisar a

micropolítica hospitalar, observam que os novos dispositivos de gestão são

apropriados pelos trabalhadores e as diretrizes da direção são sempre

reinterpretadas, reinventadas, digeridas e recriadas, sofrendo uma espécie de

“distorção” ao atravessarem o denso campo de forças resultante do protagonismo

dos trabalhadores e de suas incontáveis estratégias visando à defesa dos seus

espaços, mantendo-se uma incontornável distância entre as equipes envolvidas

diretamente no cuidado e a direção do hospital. Para outros autores25,26,27,28,29,

esta distância entre a direção estratégica do hospital e os centros operacionais

pode ser minimizada por meio da intensificação de estratégias de comunicação e

de gestão hospitalar, respeitando-se o traço cultural organizacional da autonomia

profissional30.

Neste eixo ressalta-se, ainda, o compromisso com a práxis e as concepções da

humanização focalizadas na alteridade. Na literatura, encontramos vários

autores5,15,16 que corroboram a necessidade de considerar a construção

intersubjetiva, a historicidade dos sujeitos concretos e seu mundo da vida e a

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perspectiva relacional ligada ao “desenvolvimento do homem como ser prático,

transformador ou criador”5 (p. 1347).

Classe 1: Nova Cultura Institucional

Com 456 UCE, esta classe concentra 49,78% do corpus analisado e corresponde

ao discurso referente a transformação da realidade por meio da emergência de

uma nova cultura institucional, caracterizada por: Atendimento, Voluntário, Cultura,

Instituição, Pessoa, Respeito, Qualidade, Público, Setor, Mudança, Serviço, Ética,

Iniciativa, Comunidade e Comunicação.

Nesta classe, a humanização é entendida como uma ferramenta valiosa para

ajudar a transformar a realidade rumo a uma nova cultura institucional com

padrões de relacionamento ético entre gestores, técnicos e usuários. Ressalta-se

a capacidade de produzir cultura e transformar doença em saúde, por exemplo.

Humanizar aparece como verbo pessoal e intransferível, ninguém pode ser

humano em nosso lugar. É considerado multiplicável, é contagiante, inspira-se

numa disposição de abertura e de respeito ao outro como um ser autônomo e

digno.

O discurso, nesta classe, apresenta uma descrição elaborada acerca da

importância da humanização do atendimento para a melhoria da imagem do

serviço público de saúde, não só junto aos usuários, mas também aos próprios

profissionais de saúde, questões bastante discutidas na literatura. Afirma-se que

um hospital pode ser nota dez do ponto de vista tecnológico e, mesmo assim, ser

desumano no atendimento quando trata os pacientes como simples objetos de

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intervenção técnica e considera desnecessário e até mesmo perda de tempo ouvir

suas angústias, temores e expectativas.

Esta situação não é considerada imutável. O processo de humanização do

trabalho hospitalar implica em uma série de dimensões organizacionais,

institucionais, profissionais e pessoais.

Reforça-se, nesta classe, que todo cidadão brasileiro tem direito de acesso ao

SUS. Numa situação já precária, é importante lembrar que, mesmo em momentos

e condições difíceis, podemos ser polidos e generosos.

A importância de fortalecer uma sociedade civil mais autônoma e instituições mais

democráticas também é destacada, nesta classe, para além da tradição brasileira

do voluntariado.

A pouca efetividade organizacional e a necessidade de estabelecer uma nova

cultura institucional com ênfase na ampliação do processo comunicacional

ressaltada nesta classe evidencia uma grave crise no setor saúde que, para

Azevedo, Braga Neto e Sá31, nos últimos anos, tem se expressado como uma

crise de governabilidade do sistema e das organizações de saúde, de

resolutividade e eficiência. Os discursos apontavam para a urgência de se

encontrar outras respostas a esta crise da saúde, identificada por muitos como

falência do modelo SUS. A concepção de humanização por este eixo responde a

essa reivindicação32.

Esta crise é explorada por outros autores25,26,27,29 como uma crise de identidade

para as organizações de saúde, principalmente hospitalares, que enfraquece o

vínculo dos indivíduos às organizações resultante do impacto da mudança de

diversos paradigmas: o médico, o do serviço público e o paradigma profissional.

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Estas mudanças apontam para o surgimento de características sócio-culturais

incoerentes com o padrão tradicional, gerando um quadro cultural contraditório,

em transição. Sentimentos e reações negativas, principalmente entre os médicos

que contestam as políticas e tentativas de racionalização gerencial e recusam-se à

priorização de atividades levam a resistências às iniciativas de mudanças26.

A construção de uma nova cultura institucional é especialmente destacada nesta

classe em análise. Para Thévenet33 deve-se mudar a cultura apenas se o

problema for “cultural”: um problema cultural é crônico; não é um acontecimento

excepcional, mas uma situação insatisfatória permanente ou próxima de outros

disfuncionamentos repetidamente observados; está largamente difundido na

organização; afeta várias funções ou unidades, diz respeito à organização no seu

conjunto e não apenas a um dos seus componentes; resiste às tentativas de

resolução através de outras técnicas. Para Habermas34, cultura depende de um

tempo histórico para se desenvolver e é uma dimensão na qual não se pode

interferir diretamente15.

No setor saúde, a questão cultural é evidente de forma geral, na cronicidade do

descuido e da falta de compromisso na atenção aos usuários dos serviços de

saúde; nas condições precarizadas de trabalho, na descontinuidade gestora, na

desmotivação dos profissionais por inúmeras causas, na inexistência de

planejamento dos processos de trabalho, na falta de qualificação e capacitação

dos gestores e nas dificuldades de pactuação das diferentes esferas do SUS.

Problemas culturais no âmbito da saúde também decorrem das resistências às

alternativas propostas para se construir um sistema público que garanta acesso

universal, equânime e integral a todos os cidadãos brasileiros. Nesta crise do setor

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da saúde pública, que tem causas múltiplas, a questão cultural se impõe, sendo

essencial o reconhecimento de sua relevância.

A mudança de cultura, por um lado, pode ser uma modificação de sinais e, por

outro, significa passar de uma fase ulterior do processo de evolução da

empresa/instituição, mudar normas de funcionamento, alterar lógicas

fundamentais, e até mudar a direção estratégica31.

A humanização se propõe a uma mudança das práticas por meio da mudança da

cultura organizacional. Para o enfrentamento desta crise e a conseqüente

emergência de uma nova cultura, a concepção presente nesta classe aposta na

possibilidade de gerenciar a cultura organizacional e na potencialidade da

humanização em mobilizar recursos para superar uma administração “tradicional”

e possibilitar a democratização dos processos decisórios. Para lidar com as

resistências dos atores envolvidos e alcançar sua adesão ao projeto de mudança,

são fundamentais: o papel da liderança, o papel da comunicação e a apropriação

da organização pelos atores26.

A concepção da humanização como uma nova cultura organizacional exige uma

continuidade gestora onde se ressalta o comprometimento da alta direção. Além

disso, a humanização deve ser afirmada e comunicada aos membros da

organização atribuindo-lhes um sentido coletivo e influenciando as orientações

desses atores sociais e as estratégias na direção da missão organizacional.

A concepção de humanização em sua abordagem cultural, muitas vezes, parece

não considerar que, mesmo em mudanças planejadas, determinar com precisão o

início e o fim do processo é tarefa praticamente impossível, já que esses

momentos se dissolvem no cotidiano da vida organizacional. Um processo de

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mudança também tem um tempo de duração e pode variar em amplitude – de

micro até macro19. As mudanças não estão totalmente nas mãos de seus

planejadores, que não possuem um controle total de todos os recursos

necessários para a mudança desejada. Persistência e crença na possibilidade de

mudança são fundamentais, pois o fato de não alcançar os resultados esperados

pode indicar um quadro cultural em transição25,35.

Classe 3 – Inclusão dos diferentes Sujeitos

Com 224 UCE, esta classe concentra 24,45% do corpus analisado. Aqui surge um

discurso organizado em torno da valorização dos diferentes sujeitos para um novo

modo de produção de saúde, caracterizado por: Trabalhador, Gestor, Atenção,

PNH, Gestão, Colegiado, Co, Produção, Sujeito, SUS, Unidade, Eixo, Social,

Política e Coletivo.

Nesta classe, a humanização é inclusiva, entendida como a valorização dos

diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde: usuários,

trabalhadores e gestores; fomento da autonomia e do protagonismo desses

sujeitos; aumento do grau de co-responsabilidade na produção de saúde e de

sujeitos. Observa-se, ainda, a valorização da participação ativa de todos os atores

envolvidos na produção de saúde por meio de colegiados gestores e processos

interativos de planejamento e tomadas de decisão. Reconhece-se o Grupo de

Trabalho de Humanização (GTH) como um espaço coletivo organizado,

participativo e democrático, que funciona à maneira de um órgão colegiado e se

destina a empreender uma política institucional de resgate dos valores de

universalidade, integralidade e aumento da equidade na assistência e

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democratização na gestão. O processo de produção da saúde é entendido de

forma integrada à produção de subjetividade e diz respeito ao papel de sujeitos

autônomos, protagonistas e implicados na produção de sua própria saúde.

Os valores que norteiam essa política são: a autonomia e o protagonismo dos

sujeitos, a co-responsabilidade entre eles, o estabelecimento de vínculos

solidários, a construção de redes de cooperação e a participação coletiva no

processo de gestão. No tema gestão do trabalho valoriza-se a pactuação na

agenda de saúde pelos gestores e pelo conselho de saúde correspondente e a

promoção de ações que assegurem a participação dos trabalhadores nos

processos de discussão e decisão.

Contudo, esta análise mostra o baixo investimento na qualificação dos

trabalhadores, especialmente no que se refere à gestão participativa e ao trabalho

em equipe; os poucos dispositivos de fomento à co-gestão e à valorização e

inclusão dos trabalhadores e usuários no processo de produção de saúde

constituem-se desafios.

O discurso desta classe apresenta-se organizado em torno da implementação e

exemplificação de sistemas e mecanismos de comunicação e informação que

promovam desenvolvimento, autonomia e protagonismo das equipes e população,

co-responsabilização de todos os envolvidos. Alguns dispositivos apresentados

são: família participante, grupo de pais, grupo focal com usuários e trabalhadores

nos vários espaços das unidades, equipes de referência e de apoio matricial;

projeto terapêutico singular e projeto de saúde coletiva; projetos de construção

coletiva da ambiência; colegiados de gestão; contratos de gestão; sistemas de

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escuta qualificada para usuários e trabalhadores da saúde: gerência de porta

aberta, ouvidorias, grupos focais e pesquisas de satisfação.

Dá-se destaque ao controle social traduzido como a participação popular na

formulação de projetos e planos, definição de prioridades, fiscalização e avaliação

das ações e serviços, nos diferentes níveis de governo, destacando se, na área da

saúde, as conferências e os conselhos de saúde. Também é enfatizada a

definição de protocolos clínicos, garantindo a eliminação de intervenções

desnecessárias e respeitando a individualidade do sujeito; a garantia de

participação dos trabalhadores em atividades de educação permanente; e a

promoção de atividades de valorização e de cuidados aos trabalhadores da saúde,

contemplando ações voltadas para a promoção da saúde e qualidade de vida no

trabalho.

Recomenda-se, nesta classe, avançar no exercício de uma clínica ampliada,

capaz de aumentar a autonomia dos sujeitos, famílias e comunidade; no

estabelecimento de redes de saúde, incluindo todos os atores e equipamentos

sociais de base territorial, e outros, firmando laços comunitários e construindo

políticas e intervenções intersetoriais.

Observa-se a tradução da humanização como uma aposta estético-política -

estética porque acarreta um processo criativo e sensível de produção da saúde e

de subjetividades autônomas e protagonistas; e política porque se refere a

organização social e institucional das práticas de atenção e gestão na rede do

SUS.

Nessa classe, a concepção de humanização como inclusão dos diferentes sujeitos

explicita a insuficiência individual em lidar com a crise organizacional15. Nesta

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mesma perspectiva relacional, a ênfase da humanização na ampliação do

processo comunicacional foi também encontrada em análise anterior dos textos

oficiais do PNHAH, uma vez que o denominador comum presente nestes textos foi

a invisibilidade do outro e a necessidade de interagir efetivamente, que é

dificultada devido à deficiência do diálogo, à debilidade do processo

comunicacional entre profissionais e usuários e entre profissionais e gestores,

repercutindo de forma negativa no cuidado prestado, seja como violência seja no

comprometimento da qualidade do atendimento17.

Ao fomentar a criação de coletividade apostando em sujeitos protagonistas, a

humanização objetiva promover a efetivação do SUS nas práticas concretas

destes sujeitos, se propondo a operar no limite entre a máquina do Estado e o

plano coletivo3. Promover mudanças nas práticas de saúde implica enfrentar os

problemas decorrentes da instabilidade da política de governo e da distribuição de

poder, democratizando os processos decisórios, com novos sistemas de gestão e

desenvolvimento de ferramentas gerenciais.

As organizações têm regras, acumulações e fluxos de produção social, sendo que

as regras do sistema condicionam o poder, a governabilidade dos atores36. No

campo organizacional, três regras inter-relacionadas impactam a qualidade da

gestão: a direcionalidade ou a missão; a governabilidade ou o grau de

centralização/descentralização e a responsabilidade ou o nível de prestação de

contas. Mudar a qualidade das acumulações organizativas e, conseqüentemente,

as práticas, implica, em alterar tendencialmente as regras do jogo organizacional,

no tocante, principalmente, à responsabilidade, considerando que o sistema de

regras organizacionais está condicionado pela cultura37.

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Porém, para alterar as regras na direção do compartilhamento da gestão, a

humanização pressupõe o comprometimento da alta direção no processo de

mudança, a capacidade de comunicação entre a gerência estratégica e centro

operativo15 e a conseqüente adesão coletiva dos profissionais às mudanças

pretendidas.

A humanização, entendida como inclusão dos diferentes sujeitos, surge como um

campo fértil para a construção de um espaço social coletivo. É no concreto da

experiência da saúde pública que se encontra a dimensão coletiva do processo de

produção de sujeitos autônomos e protagonistas na produção de sua saúde3.

Mas, a inclusão de coletivos em um mesmo espaço social pressupõe a

“desidealização” do humano, permitindo a emergência de conflitos onde os

diferentes atores concretos envolvidos na produção de saúde têm a possibilidade

de buscar, na práxis, uma interação mais ética. Discutir humanização significa

rever idealizações que desconsideram os limites do humano, admitir o conflito

como motor de negociações, e colocar em análise a forma como os grupos se

organizam em seus processos de trabalho38. E ainda, buscar redefinir

competências profissionais para converter as dimensões econômica e técnica em

relacional e comunicativa39. As tecnologias de ação do trabalho em saúde

configuram-se em processos de intervenção em ato, operando como tecnologias

de relações, de encontros de subjetividades40,41,42. Aqui a consideração do

componente relacional (tecnologias leves) como central na relação médico-

paciente, inclusive na escolha do uso ou não-uso de meios tecnológicos mais

invasivos, é fundamental.

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Ao possibilitar o encontro, nesse espaço social coletivo, e alterar o padrão

comunicativo no interior das instituições, a humanização é considerada uma

estratégia fundamental para resgatar saberes, mas, também possibilita explicitar

tensões e conflitos devidos à desestabilização das fronteiras de saberes e dos

territórios de poder, colocando em análise os modos instituídos de se produzir

trabalho e subjetividade. Por tratar-se de um trabalho essencialmente

intersubjetivo, o trabalho em saúde constitui-se numa intervenção de um sujeito

sobre outro, em suas experiências de vida, prazer, dor, sofrimento e morte41(p.

1335).

Vários autores43,44,45 tematizam esta importante questão sobre o sofrimento dos

profissionais de saúde e a necessidade de condições adequadas de trabalho. Pela

centralidade de sua dimensão relacional e intersubjetiva, o trabalho em saúde é

altamente exigente de trabalho psíquico, com impactos na dinâmica prazer-

sofrimento no trabalho e, igualmente, nas formas de organização do trabalho e em

sua qualidade44. Considerar o sofrimento psíquico inerente a lidar com o

sofrimento humano relacionado a questões de saúde do outro, em condições nem

sempre ideais é importante para fortalecer uma clínica do sujeito46 e para criar

predisposição para uma relação comunicativa, geradora de compromissos15.

Com relação à operacionalização da participação social, a participação popular

nas decisões da saúde, tem garantia legal nos Conselhos de Saúde e na

convocação regular das Conferências Nacionais de Saúde. No entanto, a

participação social não pode estar restrita a essas instâncias formalizadas. Ela

deve ser valorizada e incentivada no cotidiano das práticas, nas quais a

participação, mesmo dos trabalhadores da saúde, ainda é pequena.

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CONCLUSÕES

Este estudo mostrou que existem conteúdos significativos de humanização nos

textos oficiais que expressam diferentes concepções, algumas coesas e outras,

apontadas pelo ALCESTE como opostas. Isto mostra a necessidade de se ter

cuidado com a plasticidade e polissemia do conceito de humanização, já

amplamente debatidas em outros estudos5,32,38,47, evitando-se reafirmar a

definição genérica. A imprecisão na definição do conceito de humanização pode

desencadear uma banalização do mesmo, diminuindo a capacidade de provocar

reflexões sobre as políticas e ações de saúde.

Apesar da substituição do PNHAH pela PNH, a noção de humanização como um

Programa, com todos os valores característicos dessa concepção, repercute nas

práticas de assistência e no modo de pensar a gestão pública, implicando em

diferentes desdobramentos no trabalho e nas relações profissional/usuários dos

serviços de saúde5,39 o que favorece a não demarcação da abrangência e da

aplicabilidade da política de humanização17.

Expressa em ações fragmentadas e numa imprecisão conceitual, a humanização

tem seus sentidos ainda ligados ao voluntarismo, ao assistencialismo, ao

paternalismo ou mesmo ao tecnicismo de um gerenciamento sustentado na

racionalidade administrativa e na qualidade total32. Nesse contexto, concordamos

que a PNH não deve uniformizar, em um único discurso, as ações, mas enfrentar

os desafios dessa diversidade38 e incluir em suas reflexões os paradoxos advindos

do PNHAH como seu antecedente histórico.

O reconhecimento de paradoxos relacionados à humanização no interior da

cultura institucional pode significar uma cultura em transição. A cultura “tem valor

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de paradigma para descrever a organização”48 (p. 34), e é um suporte para o

processo de aprendizagem.

A única possibilidade de mudar cultura em longo prazo, “reside na capacidade de

construção legitimada de novas representações que os atores podem ter em

função de sua participação em processos comunicativos de aprendizagem”37

(p.21).

O investimento institucional em gestão estratégica e comunicação operaria como

reforço indireto dos aspectos positivos dos traços culturais em evolução15,

favorecendo o grande potencial da humanização, que é o do empoderamento dos

diferentes atores no que tange às experiências de humanização49.

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Brasil. Cadernos de Saúde Pública , v.19, Supl. 2, Rio de Janeiro, p. 419-427,

2003.

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104

FIGURA 1: Estrutura do corpus dos textos oficiais de Humanização (n = 04)

NOVA CULTURA INSTITUCIONAL

INCLUSÃO DOS DIFERENTES

SUJEITOS

24,45% - 224 UCE Formas X2

Trabalhador 135,05 Gestor 70,88 Atenção 70,27 PNH 66,40 Gestão 63,27 Colegiado 63,16 Co 53,51 Produção 51,72 Sujeito 51,70 SUS 49,57 Unidade 45,79 Eixo 44,40 Social 44,15 Política 42,86 Coletivo 41,95

CLASSE 1

49,78% - 456 UCE Formas X2

Atendimento 37,07 Voluntário 31,57 Cultura 30,90 Instituição 26,80 Pessoa 26,02 Respeito 21,01 Qualidade 19,15 Público 18,20 Setor 17,81 Mudança 16,19 Serviço 15,75 Ética 15,68 Iniciativa 15,71 Comunidade 15,10 Comunicação 14,84

CLASSE 3 CLASSE 2 ESTRATÉGIAS DE

CONDUÇÃO OPERACIONAL

25,76% - 236 UCE

Formas X2

Multiplicadores 168,60 Capacitação 141,69 Secretaria 133,95 Programa 117,86 Comitê 117,37 Humanização 115,47 Grupo 93,88 Hospital 92,63 Fase 78,46 Técnico 68,03 Etapa 66,91 PNHAH 63,86 Metodologia 59,56 Participação 59,12 Nacional 54,22

EIXO 1

MÉTODO PARA IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA

EIXO 2

VALORIZAÇÃO DA MICROPOLÍTICA

R = 0,0

R = 0,34

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3.2 Artigo 2: Humanização da Saúde num serviço de e mergência de um

hospital público: comparação sobre representações s ociais dos

profissionais antes e após a capacitação (aprovado em 30/04/2009 na Revista

Ciência & Saúde Coletiva – Nº do Manuscrito: 1026/2008). Disponível em:

http://www.abrasco.org.br/cienciaesaudecoletiva/artigos/artigo_int.php?id_artigo=3

637

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HUMANIZAÇÃO DA SAÚDE NUM SERVIÇO DE EMERGÊNCIA DE U M

HOSPITAL PÚBLICO: COMPARAÇÃO SOBRE REPRESENTAÇÕES S OCIAIS

DOS PROFISSIONAIS ANTES E APÓS A CAPACITAÇÃO

Maria Angélica Carvalho Andrade1 Elizabeth Artmann2

Zeidi Araujo Trindade3

RESUMO

Este artigo apresenta os resultados de um estudo do tipo antes e depois da

capacitação em Acolhimento com Classificação de Risco que comparou as

representações sociais de humanização da saúde entre 111 profissionais de

saúde em uma unidade hospitalar de Urgência e Emergência. A coleta de dados

foi realizada por meio da técnica de evocações livres e a análise pelo software

EVOC.

Os resultados mostraram modificação no significado simbólico atribuído aos

termos indutores na direção da incorporação da perspectiva do direito na

representação do Sistema Único de Saúde, na tradução da Humanização na

Saúde como Acolhimento, e a progressão da compreensão do Acolhimento, do

foco humanístico para a qualificação dos processos de atendimento da demanda

dos usuários nas Urgências e Emergências.

Os resultados indicam que as diferenças encontradas no núcleo central antes e

após a capacitação foram decorrentes de uma aprendizagem, que, ancorada em

elementos periféricos, foi capaz de questionar o núcleo central e intercambiar

1 Doutoranda da ENSP/FIOCRUZ 2 Doutora/Pesquisadora do DAPS/ ENSP/FIOCRUZ 3Doutora/Pesquisadora da Universidade Federal do Espírito Santo

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elementos entre o sistema central e periférico, constatando a complementaridade

funcional entre estes dois sistemas e as relações entre representações e práticas.

Contudo, o método utilizado não permite afirmar a persistência de tais mudanças

nas representações sociais dos objetos estudados nem medir em profundidade as

mudanças nas práticas cotidianas.

Palavras-chave: Humanização da assistência; saúde pública; política de saúde;

representação social.

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HUMANIZATION HEALTH EMERGENCY SERVICE IN A PUBLIC H OSPITAL:

COMPARISON ON SOCIAL REPRESENTATION OF PROFESSIONAL BEFORE

AND AFTER TRAINING

ABSTRACT

This article presents the results of a study of the type before and after training at

home with Risk rating compared to the humanization of social representations of

health among 111 health professionals in a hospital emergency and emergency.

Data collection was performed using the technique of free evocation and analysis

software for EVOC.

The results showed changes in the symbolic meaning attributed to terms inducers

toward incorporation of the right perspective in the representation of the Unified

Health System, the translation of Humanization in health and home, and the

progression of understanding of the home, the humanistic focus to the qualification

of processes of care of the demand from users in urgencies and emergencies.

The results indicate that the differences found in the core before and after training

were due to an apprenticeship, which anchored in peripheral elements, was able to

question the core elements and interchange between the central and peripheral

system, recognizing the complementarity between functional these two systems

and the relationships between representations and practices. However, the method

does not assert the persistence of such changes in the social representations of

the objects studied in depth or measure the changes in daily practices.

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Key-words: Humanization of Assistance; public health; health policies; social

representation.

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INTRODUÇÃO

A concretização da universalidade, da integralidade e da eqüidade da atenção em

saúde, no cotidiano das instituições de saúde, depara-se com inúmeros problemas

que persistem sem solução, impondo a urgência, seja de aperfeiçoamento do

sistema, seja de mudança de rumos 1:15.

Uma série de tecnologias de planejamento e gestão tem sido utilizada para

melhorar a qualidade da assistência prestada aos usuários, porém, a maioria dos

modelos adotados, principalmente pelos hospitais públicos, pouco têm contribuído

para enfrentar estas questões2. As dificuldades para a implementação de um

modelo de gestão alternativo decorrem principalmente da resistência das

corporações, principalmente os médicos e os enfermeiros, às mudanças propostas

e, também, à profissionalização da gerência. Estas práticas de resistência e/ou

oposição às novas propostas de funcionamento institucional variam com a

categoria profissional: a resistência passiva dos médicos traduz-se por ignorar as

novas propostas, enquanto a enfermagem apresenta reações ativas à quebra do

esquema anterior de funcionamento, num processo de discussões fechadas na

categoria2.

Assim, para enfrentar os desafios de tornar os princípios do Sistema Único de

Saúde (SUS) operativos na prática, o Ministério da Saúde elaborou a Política

Nacional de Humanização (PNH) onde a Humanização é entendida como um

instrumento para a mudança nos modelos de atenção e gestão, tendo como foco

as necessidades dos cidadãos, a produção de saúde e o próprio processo de

trabalho em saúde, valorizando os trabalhadores e as relações sociais no

trabalho1:17.

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A proposta de Humanização da Atenção à Saúde surge no cenário das políticas

públicas como uma oportunidade de propor, discutir e empreender um processo

de mudança na cultura de atendimento vigente em toda a rede do SUS3,

quebrando as fronteiras impostas historicamente4:55. A possibilidade de mudar

cultura em longo prazo reside na capacidade de construção legitimada de novas

representações que os atores podem ter em função de sua participação em

processos comunicativos de aprendizagem 5:21.

As práticas e os comportamentos dos indivíduos são orientados pela forma que os

indivíduos interpretam sua realidade, entendida como representação social. Uma

representação é constituída de um conjunto de informações, de crenças, de

opiniões e de atitudes a propósito de um dado objeto social 6:30. Toda realidade é

representada, quer dizer, reapropriada pelo indivíduo ou pelo grupo, reconstruída

no seu sistema cognitivo, integrada no seu sistema de valores, dependente de sua

história e do contexto social e ideológico que o cerca6:27, funcionando como um

sistema que guia para ação, orientando as reações e as relações sociais. As

representações e as práticas modificam-se e se transformam reciprocamente7:39,

embora não se trate de uma influência equivalente.

Para o presente estudo, utilizou-se como aporte teórico a Teoria das

Representações Sociais (TRS), inaugurada por Serge Moscovici em 1961 e o

emprego complementar da teoria do Núcleo Central proposta por Abric6. Segundo

esta teoria, as representações são estruturadas pelos sistemas central e

periférico. Baseado nesta concepção, o sistema central é constituído pelo núcleo

central da representação, com funções de gerar o significado básico da

representação e determinar a organização global de todos os elementos8. O

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núcleo central é marcado pela memória coletiva; reflete as condições sócio-

históricas e os valores do grupo; constitui a base comum, consensual e

coletivamente partilhada das representações; é estável, coerente e resistente à

mudança; é relativamente pouco sensível ao contexto social e material imediato

no qual a representação se manifesta. O sistema periférico é constituído pelos

demais elementos da representação e, suas funções consistem, em termos atuais

e cotidianos, na adaptação à realidade concreta e na diferenciação do conteúdo

da representação e, em termos históricos, na proteção do sistema central 8:22.

Permite, ainda, a integração das experiências históricas individuais, suporta a

heterogeneidade do grupo e as contradições; é evolutivo e sensível ao contexto

imediato8. Não se trata de um componente menor da representação, ao contrário,

ele é fundamental, posto que, associado ao sistema central, permite a ancoragem

na realidade6.

O dispositivo Acolhimento com Classificação de Risco (ACCR), para a PNH,

representa um importante disparador dos processos de mudança. Acolhimento é

uma ação tecno-assistencial que pressupõe a mudança da relação

profissional/usuário e sua rede social por meio de parâmetros técnicos, éticos,

humanitários e de solidariedade 9:89 e Classificação de Risco é um processo

dinâmico de identificação dos pacientes que necessitem de tratamento imediato,

de acordo com o potencial de risco, agravos à saúde ou grau de sofrimento 9:93.

Estas duas tecnologias complementares, o acolhimento com classificação de

risco, tem por objetivo acolher todo usuário que procurar a instituição, fazendo

uma escuta qualificada, responsável e resolutiva, pressupondo

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[...] a determinação de agilidade no atendimento a partir da análise, sob a óptica de protocolo preestabelecido, do grau de necessidade do usuário, proporcionando atenção centrada no nível de complexidade e não na ordem da chegada. Desta maneira exerce-se uma análise (avaliação) e uma ordenação (classificação) da necessidade, distanciando-se do conceito tradicional de triagem e suas práticas de exclusão, já que todos serão atendidos9:92.

Contudo, para empreender um processo de mudança nas práticas, a PNH e seus

dispositivos, como objetos representacionais, devem ser integrados

cognitivamente pelos indivíduos ou grupos no seu sistema de valores. E, quanto à

mudança, de acordo com a teoria do núcleo central, duas representações ou dois

estados sucessivos de uma mesma representação devem ser considerados

distintos,

[...] se, e apenas se, seus respectivos núcleos centrais tiverem composições nitidamente diferentes. Caso contrário, ou seja, se as diferenças se apresentam apenas no nível dos seus sistemas periféricos, trata-se de uma mesma representação que se manifesta diferentemente em função de condições circunstanciais diversas, de ordem grupal ou interindividual8:24.

O objetivo desta investigação foi analisar o papel da experiência concreta de

humanização em um hospital público, por meio de implantação do Acolhimento

com Classificação de Risco, e comparar as representações sociais de SUS,

Humanização na Saúde e Acolhimento em profissionais de saúde, antes e depois

da capacitação em ACCR, adotando a Teoria de Representações Sociais em sua

abordagem estrutural, visando explorar o potencial deste instrumento como agente

de mudanças.

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114

MÉTODO

O estudo consistiu em avaliar uma intervenção em uma Unidade de Urgência e

Emergência num hospital público estadual, no Espírito Santo, inserido desde 2001

no Programa Nacional de Humanização Hospitalar (PNHAH) e posteriormente, em

2003, na Política Nacional de Humanização. Realizou-se um estudo comparativo

do tipo antes e depois para medir o efeito da capacitação dos profissionais de

saúde de um serviço de emergência na compreensão de humanização da saúde,

com foco no dispositivo Acolhimento com Classificação de Risco. A capacitação

consistiu em um primeiro módulo com objetivo de introduzir o Acolhimento com

Classificação de Risco no contexto do Sistema Único de Saúde como um

dispositivo de intervenção para a mudança nas práticas de saúde, realizado em

quatro horas. Para atingir esse objetivo, utilizou-se da exposição dialogada para

transmitir os conteúdos relacionados ao SUS (breve histórico de sua construção,

objetivos, princípios e contextualização da instituição hospitalar na rede SUS por

meio do plano diretor de regionalização do estado) e à PNH (conceito,

identificação de práticas produtoras de desumanização e de humanização, breve

histórico e inserção da instituição na PNH, objetivos, princípios, método,

dispositivos, dando ênfase ao dispositivo Acolhimento com Classificação de Risco

e sua relação com a concretização do SUS).

A amostra foi selecionada a partir de convocação gerencial dos 272 profissionais

de saúde da Unidade de Trabalho de Urgência e Emergência para participar do

módulo de alinhamento conceitual da capacitação em Acolhimento com

Classificação de Risco. Desses 272 profissionais convocados, apenas 121

concordaram em participar da capacitação, divididos em seis turmas, de acordo

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com a disponibilidade. Todos os 121 profissionais participantes foram incluídos na

pesquisa, embora 10 fossem excluídos posteriormente.

Esta pesquisa está inserida no projeto Humanização nos serviços de saúde: como

interferir nos processos de gestão no trabalho e produção de saúde considerando

a dimensão cultural em diferentes abordagens, e foi aprovada pelo Comitê de

Ética da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca - ENSP. Após

autorização do termo de consentimento livre e esclarecido para participação na

pesquisa, segundo Resolução CNS 196/96, pela direção geral e gerente da

unidade de urgência e emergência, garantindo-se o anonimato dos profissionais

da instituição, iniciou-se a coleta de dados.

A coleta de dados foi realizada no primeiro semestre de 2007, em dois momentos:

antes de iniciar e imediatamente após a conclusão da capacitação, por duas

facilitadoras, profissionais de saúde do setor de humanização da própria

instituição, responsáveis pelas capacitações.

Os dados foram obtidos diretamente dos profissionais de saúde por meio da

técnica das evocações ou associações livres. No campo de estudo das

representações sociais, esta técnica tem por objetivo apreender a percepção da

realidade de um grupo social a partir de uma composição semântica preexistente,

e consiste em solicitar ao indivíduo que produza todas as palavras ou expressões

que possa imaginar a partir de um ou mais termos indutores. O teste consistiu em

pedir aos sujeitos individualmente que associassem, livre e rapidamente, a partir

da audição de três termos indutores: Sistema Único de Saúde – SUS,

Humanização da saúde e Acolhimento, outras palavras ou expressões, nos dois

momentos referidos. Este instrumento foi auto-preenchido, após a realização de

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um breve treinamento com outros termos indutores, diferentes daqueles a serem

pesquisados. No momento de tratamento dos dados, deu-se a exclusão de 10

profissionais que não responderam.

Para efeito de controle, foi utilizado o autopareamento: os dados brutos obtidos

dos profissionais de saúde foram comparados com os dados obtidos desses

mesmos profissionais antes e após a capacitação.

Para a análise estatística das evocações foi utilizado o software Evoc (Ensemble

de Programmes Permettant L`Analyse dês Évocations), versão 2003, que realiza

cálculos estatísticos e a construção de matrizes de co-ocorrências que servem de

base para a construção do “quadro de quatro casas” (ou distribuição em quatro

quadrantes), por meio do qual se discriminam o núcleo central, os elementos

intermediários e os elementos periféricos da representação. Na perspectiva teórica

de Abric6, esta técnica de análise permite, a partir da freqüência média de

ocorrência das palavras evocadas e da média das ordens de evocações

produzidas, a identificação dos elementos considerados centrais e periféricos na

representação. As palavras que provavelmente formam o núcleo central dos

termos estudados são aquelas que tiveram as maiores freqüências e que foram

mais prontamente evocadas, situando-se no quadrante superior esquerdo da

figura, segundo a teoria utilizada6. As palavras situadas nos quadrantes superior

direito e inferior esquerdo são consideradas elementos intermediários enquanto as

localizadas no quadrante inferior direito são os elementos mais periféricos8.

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RESULTADOS

Os resultados são apresentados dando-se ênfase aos elementos do núcleo

central, pois é a identificação do núcleo central que permite o estudo comparativo

das representações 6:31. Porém, inicialmente, após caracterização da amostra,

serão consideradas todas as palavras evocadas identificadas como os elementos

centrais e periféricos da representação, antes e após a capacitação, não apenas

para conceber igual ênfase aos elementos centrais e periféricos, mas também

para destacar a complementaridade funcional entre estes dois sistemas e,

principalmente, para possibilitar a comparação entre duas representações ou dois

estados sucessivos de uma mesma representação, em termos da articulação

entre os dois sistemas internos e as relações entre representações e práticas8.

Dos 272 dos profissionais de saúde da Unidade de Trabalho de Urgência e

Emergência do HDS, 111 profissionais participaram do estudo (40,8%). As

categorias profissionais que tiveram, proporcionalmente, as maiores participações

na Capacitação foram: Enfermeiros (92,8%), Auxiliar de Enfermagem (86,1%),

Técnico de Enfermagem (82,2%) e Secretários de Clínica (80%). Apenas um

Médico Clínico (4,1%), do total de 24, compareceu à capacitação.

As palavras relacionadas aos indutores SUS, Humanização e Acolhimento, com

maior freqüência de evocação, antes e após a capacitação, encontram-se

descritas nas Figuras 1, 2 e 3 respectivamente.

Inserir Figura 1.

A análise dos dados com relação ao termo indutor SUS evidenciou, no início da

capacitação, que os profissionais associavam o SUS tanto com a sua prática

cotidiana (hospital, lotado, dificuldade, trabalho, medicação, atendimento, cuidado

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e assistência médica) quanto com o processo saúde doença, e, ainda, com

entendimento do SUS como direito de todos (direito e universalidade), associado à

humanização e acolhimento. Após a capacitação, os dados demonstraram uma

ampliação da compreensão dos princípios do SUS (eqüidade e integralidade),

sendo identificado um contexto de mudança com ênfase positiva (solução,

qualidade, respeito, atendimento bom, melhoria, organização, pode melhorar,

qualificação, agilidade, esperança, mudança, prioridade) e inclusão da

responsabilização (responsabilidade) como fatores importantes para a

identificação do SUS.

Os elementos constituintes do núcleo central da representação social do SUS,

compartilhados antes e após a capacitação, parecem revelar um entendimento da

finalidade do SUS para a saúde da população (saúde, universalidade,

atendimento). A palavra humanização, no núcleo central do SUS, pode referir a

uma dimensão de sua necessidade para o atendimento de saúde à população. As

diferenças destacadas entre os elementos constituintes do núcleo central da

representação social do SUS dizem respeito às palavras doença e hospital,

encontradas no núcleo central apenas antes da capacitação e que após a

capacitação “migram” para o sistema periférico e para fora da estrutura da

representação, respectivamente. Além disso, após a capacitação, reafirma-se os

elementos centrais do termo SUS, associando-se a noção de cidadania, expressa

pelo “trânsito” da palavra direito do sistema periférico para o núcleo central.

Inserir Figura 2.

Com relação à temática Humanização na Saúde, antes da capacitação, os dados

apresentados mostraram que a estrutura da representação social do objeto

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humanização encontra-se associada a uma concepção humanística (amor,

cuidado, respeito, dignidade, atenção, carinho, ser humano, igualdade),

relacionada a um comportamento voltado para a qualificação do atendimento

(acolhimento, atendimento bom, melhoria, organização). Após a capacitação, o

termo Humanização na Saúde, além das concepções anteriores, ganhou

importância (necessário) e concretude, sendo associada à ação (atendimento,

empatia, ouvir), e relacionada a resultados positivos (qualidade, resolutividade).

As palavras em destaque no Núcleo Central do termo Humanização na Saúde

indicam que antes da capacitação estão, igualmente, relacionadas ao acolhimento

e a uma concepção humanística (amor, cuidado e respeito) ligada a uma

qualificação do atendimento da demanda (atendimento bom e melhoria). Após a

capacitação, observa-se o deslocamento dos elementos, associados à concepção

humanística e à qualificação do atendimento, do núcleo central para o periférico, e

o termo Humanização na Saúde passa a ser representado apenas pela palavra

acolhimento. Os elementos periféricos, associados ao sistema central, permitem a

ancoragem na realidade6. Assim, as dimensões de importância e concretude que

aparecem entre os elementos periféricos, após a capacitação, sinalizam que a

representação social de Humanização na Saúde como acolhimento expressa a

importância desta ferramenta para lidar com a problemática da qualidade do

acesso e da recepção dos usuários nos serviços de saúde.

Inserir Figura 3.

Quando a palavra Acolhimento se torna o alvo da associação dos participantes,

antes da capacitação, evidenciou-se que a temática é vinculada às questões

relacionais afetivas, também numa concepção humanística (ajuda, amor, carinho,

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receptividade, atenção e respeito), porém associada a condições necessárias para

a qualificação da prática (acolhimento, atendimento, cuidado, entender,

humanização, ouvir e atendimento bom). Entretanto, os dados mostraram que

após a capacitação, esta associação foi acrescida da dimensão de organização de

processos de trabalho (organização, prioridade, direcionamento,

encaminhamento) e perfil profissional (paciência e solidariedade) ligado a um

contexto positivo (satisfação e melhoria).

A análise comparativa do núcleo central da representação social dos profissionais,

antes e após a capacitação, revela uma associação diferencial de acolhimento,

expressa pela “saída”, do núcleo central para o periférico, de algumas palavras

ligadas a uma concepção mais humanística (ajuda, carinho) e pela inserção no

núcleo central de novos elementos “vindos” do sistema periférico (atendimento,

atenção, cuidado e ouvir). Estes dados sugerem que, com a capacitação, os

profissionais atribuem um sentido que traduz uma progressão do foco humanístico

para a qualificação dos processos de atendimento da demanda dos usuários nas

Urgências e Emergências do SUS.

DISCUSSÃO

As representações sociais são produtos da realidade cotidiana que se concretizam

e se transformam a partir da ação 10:246. Com a perspectiva aberta pelas

representações sociais de profissionais de saúde, esta pesquisa mostrou uma

modificação no significado simbólico atribuído ao SUS, Humanização e

Acolhimento, com a capacitação. A capacitação possibilitou mudanças na direção

da incorporação da perspectiva do direito à representação do SUS, na tradução da

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Humanização na Saúde como Acolhimento, ou seja, como uma ferramenta para

lidar com a problemática da qualidade do acesso nos serviços de saúde, e a

progressão na compreensão do Acolhimento, do foco humanístico para a

qualificação dos processos de atendimento da demanda dos usuários nas

Urgências e Emergências do SUS. Mas, embora se possa considerar que houve

uma modificação inicial na representação social do SUS, Humanização e

Acolhimento, após a capacitação, não se pode afirmar a persistência e

profundidade da mudança.

Entretanto, apesar das limitações, conseqüência do caráter exploratório deste

estudo e da delimitação da análise ao estudo comparativo das representações, é

possível inferir que as diferenças encontradas no núcleo central antes e após a

capacitação foram decorrentes de uma aprendizagem significativa, onde o

material da aprendizagem se relacionou com os conhecimentos prévios, já

presentes no sistema periférico da representação, possibilitando esta modificação

na representação social do SUS, Humanização e Acolhimento.

A aprendizagem é considerada significativa quando é motivada pelo desejo ativo

dos participantes pela apropriação de novos saberes e práticas4:51, e ocorre

quando o seu conteúdo é considerado significativo, ou seja, quando se relaciona

com aquilo que a pessoa já sabe, e quando há motivação pessoal para relacionar

o que se aprende com o que já se sabe e para interagir com o outro de forma

aberta4. Esta inferência respalda-se na análise da avaliação realizada com os

participantes da capacitação onde 60,2% consideraram o conteúdo do curso ótimo

e 39,8%, bom. E, com relação à motivação pessoal para a capacitação, para

51,7% dos participantes foi ótimo e 47,5% bom. Importante ressaltar o viés

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existente na população estudada, pois provavelmente, em função da não

obrigatoriedade de participação na capacitação, compareceram os profissionais

que já tinham interesse em humanização.

As proposições da teoria do núcleo central quanto aos estudos comparativos das

representações sociais evidenciam a relação entre as práticas e as

representações. Na avaliação dos processos envolvidos na mudança de atitudes,

na abordagem estrutural das representações sociais, Abric6 demonstra que o

questionamento (ataque) do núcleo central é necessário para a transformação de

uma representação. Assim, uma afirmação possível é a de que a aprendizagem

significativa, ancorada em elementos periféricos, é capaz de questionar o núcleo

central e intercambiar elementos entre o sistema central e periférico, constatando

a complementaridade funcional entre estes dois sistemas e as relações entre

representações e práticas.

Os dados mais interessantes que surgem da análise neste trabalho confirmam a

importância do elemento periférico no estudo dos processos de transformação das

representações, sendo um indicador bastante pertinente de futuras modificações

ou um sintoma indiscutível de uma evolução nas situações onde a transformação

de uma representação está em andamento 6:34. Porém, uma vez iniciado o

processo de transformação das representações, segundo Flament apud Sá8, isto

não quer dizer que ele deva ir obrigatoriamente até o efetivo surgimento de uma

nova representação. Como pré-requisito para a mudança representacional, este

autor sustenta a existência de um esquema seqüencial que consiste em:

modificação das circunstâncias externas; modificação das práticas sociais;

modificação dos prescritores condicionais; modificação dos prescritores absolutos

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(núcleo central) 8:24. E ainda, somente se essas novas condições e práticas

persistem e, principalmente, se são percebidas como irreversíveis, o núcleo

central pode chegar de fato a ter sua composição alterada e, portanto, surgir uma

representação realmente diferente do objeto 8:25.

Na medida em que a aprendizagem no trabalho mobiliza e convida à ação ativa,

ela é considerada uma ação política4. Assim, para a construção de novas

representações e práticas, destaca-se a importância do comprometimento

institucional com a mudança na direção da humanização expresso pela garantia

de participação de todos os atores envolvidos; pelo desenvolvimento de ações

concretas, que garantam a crença dos atores na irreversibilidade da mudança; e,

por um processo permanente de aprendizagem significativa. É preciso criar

condições favoráveis para propiciar a permanente reflexão sobre as práticas e a

produção de coletivos e construir novos pactos de convivência e práticas que

aproximem os serviços de saúde dos princípios do SUS4:52.

Mas, nas organizações em geral, segundo alguns autores11,12, existe uma cultura

que inibe a aprendizagem e a comunicação, caracterizada por: concentração do

poder no topo da organização, poder desequilibrado, estrutura vertical,

autoritarismo; foco nos sistemas e não nas pessoas; descrédito da possibilidade

de mudanças (ceticismo); falta de tempo para a aprendizagem; abordagem pouco

histórica dos problemas, predomínio de uma visão de tratamento de sintomas;

comunicação transmissional vertical, falta de uma comunicação aberta, lateral;

predomínio do individualismo, descrédito do trabalho em equipe; e, padrão de

liderança-herói, carismática, que se esconde, e que não reconhece erros e

vulnerabilidade. E ainda, nas organizações de saúde, estas características são

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acrescidas do padrão apresentado pelas organizações profissionais, caracterizado

por um processo de autonomia dos centros operacionais, coordenação do trabalho

por meio do ajustamento mútuo, debilidade da tecnoestrutura e ausência de linha

hierárquica nítida. Isto resulta em uma forte diferenciação com várias dimensões

tais como: diferenciação entre o mundo administrativo e o mundo assistencial;

diferenciação entre logística e centro operacional e diferenciação no centro

operacional13. Estas características, para Rivera 5:38, dificultam a possibilidade de

um projeto gerencial que enfatize a integração intra-institucional, a racionalidade

econômica da missão específica e a negociação de uma rede de cuidados com os

outros estabelecimentos da ambiência imediata. Dificultam, mas não

impossibilitam a transformação e reorganização das representações e práticas.

Segundo Artmann e Rivera 11:222, estabelecer o modo como a gestão pode apoiar

o atendimento humanizado constitui o grande desafio. Desta forma, a questão que

se coloca é a de como implementar um modelo de gestão que viabilize a

construção destas novas condições externas e práticas sociais, pré-requisitos para

a mudança representacional, superando, principalmente, as dificuldades

decorrentes: da resistência dos profissionais às mudanças propostas; da

profissionalização gerencial necessária à concretização de ações; e da freqüente

descontinuidade gestora. A característica gerencial organizativa que responde a

esta questão é representada pela necessidade de construir um sistema de gestão

coerente com processos comunicativos de aprendizagem afinados com a proposta

de humanização 11:224.

A abordagem das representações sociais tanto no plano teórico como no empírico

conduz, necessariamente, à cultura 14:75. Referindo-se ao conceito de cultura como

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125

recurso, Artmann e Rivera 11:225 propõem um sistema de gestão comunicativa para

operar indiretamente como reforço dos traços da nova cultura que emerge, e que

traz alguns elementos de uma cultura de humanização e comunicação. Para estes

autores 11:225, estas dificuldades apontadas poderiam ser superadas com a

utilização de ferramentas de gestão estratégica, desenhadas para organizações

profissionais, com base no respeito ao dado cultural da autonomia profissional dos

centros operadores, que valorizam as estratégias de negociação e cooperação.

Apesar da teoria e da pesquisa do núcleo central fundamentarem-se, desde suas

origens, sobre uma perspectiva metodológica experimental, não basta buscar

inferir as representações a partir de seus suportes discursivos manifestos 8:25. A

mudança (das práticas e/ou representações) se refere à história e não à ação de

variáveis descontextualizadas e monológicas 7:45. Assim, é preciso articular esses

dados com aqueles provenientes da investigação das práticas vigentes no grupo

sob estudo, porque estas são as principais fontes das cognições condicionais, que

se manifestam mais prontamente no discurso espontâneo 8:25, que, conforme

Flament apud Sá 8:25, está longe de revelar a complexidade das representações

sociais. Portanto, o método utilizado não permite afirmar a persistência de tais

mudanças nas representações sociais dos objetos estudados nem medir em

profundidade as mudanças nas práticas cotidianas.

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Documento-base. 3.ed. In: Passos E; Benevides R, organizadores. Formação de

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Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2003. p. 17-35.

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In: Moreira ASP; Oliveira DC, organizadoras. Estudos interdisciplinares de

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128

FIGURAS

Figura 1: Estrutura da representação social do conjunto de profissionais sobre

SUS antes e após a capacitação.

O.M.E. < 2,4 ≥ 2,4 Antes da Capacitação

Freq. Média

Termo Evocado

Freq O.M.E.

Termo Evocado Freq O.M.E.

≥ 8

Atendimento doença Hospital Humanização Saúde Universalidade

17 10 9 10 22 8

1,412 2,000 2,222 2,300 1,818 1,875

Acolhimento Lotado

11 14

2.636 2,929

< 8

Cuidado Dificuldade Trabalho

6 6 7

2,167 2,333 2,143

Assistência Médica Direito Medicação

7 7 6

3,286 2,429 2,500

Após a Capacitação

Freq. Média

Termo Evocado

Freq O.M.E.

Termo Evocado Freq O.M.E.

≥ 8

Atendimento Direito Humanização Saúde Universalidade

18 21 10 19 19

2,056 2,000 2,200 2,105 1,867

Equidade Respeito

13 8

2,462 3,000

< 8

Atendimento bom Integralidade Melhoria Organização Pode melhorar Qualificação

5 7 4 7 5 4

2,000 1,714 1,250 1,857 1,600 2,250

Acolhimento Agilidade Cuidado Doença Esperança Igualdade Mudança População Prioridade Qualidade Responsabilidade Solução

5 4 4 6 5 7 5 4 4 5 4 4

3,000 3,500 3,750 2,667 2,800 3,143 2,800 3,000 2,500 2,800 2,500 2,500

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Figura 2: Estrutura da representação social do conjunto de profissionais sobre

Humanização na Saúde antes e após a capacitação.

O.M.E. < 2,3 ≥ 2,3 Antes da Capacitação

Freq. Média

Termo Evocado

Freq O.M.E.

Termo Evocado Freq O.M.E.

≥ 10

Acolhimento Amor Atendimento bom Cuidado Melhoria Respeito

16 19 13 10 11 22

1,563 2,211 1,692 2,000 1,727 2,273

< 10

Dignidade 7

2,286

Atenção Carinho Igualdade Organização Ser humano

8 8 7 6 8

2,750 2,625 2,571 2,500 2,375

Após a Capacitação

Freq. Média

Termo Evocado

Freq O.M.E.

Termo Evocado Freq O.M.E.

≥ 12

Acolhimento 16 1,750 Amor Entender Respeito

15 12 26

2,600 2,583 2,385

< 12

Atendimento Atendimento bom Atenção Empatia Melhoria Necessário Organização Ser humano

9 8 9 6 5 5 6 8

2,111 1,250 1,667 1,500 1,800 2,200 2,167 1,375

Carinho Cuidado Dignidade Igualdade Ouvir Qualidade Resolutividade Solidariedade

9 7 5 6 9 9 5 5

2,556 3,000 3,600 2,500 2,333 2,333 2,400 3,400

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130

Figura 3: Estrutura da representação social do conjunto de profissionais sobre

Acolhimento antes e após a capacitação.

O.M.E. < 2,4 ≥ 2,4 Antes da Capacitação

Freq. Média

Termo Evocado

Freq O.M.E.

Termo Evocado Freq O.M.E.

≥ 15

Ajuda Amor Carinho Receptividade

15 19 15 16

2,000 2,263 2,000 1,438

Respeito 22 2,909

< 15

Abraçar Acolhimento Atendimento Atenção Cuidado Entender Humanização Ouvir

7 11 9 8 9 10 11 13

2,143 1,818 1,778 2,250 1,889 2,300 2,182 2,154

Atendimento bom 8

2,750

Após a Capacitação

Freq. Média

Termo Evocado

Freq O.M.E.

Termo Evocado Freq O.M.E.

≥ 8

Amor Atendimento Atenção Cuidado Ouvir Receptividade

16 10 13 13 22 13

1,875 1,600 2,231 2,308 2,318 1,385

Ajuda Encaminhamento Entender Humanização Respeito

11 9 8 14 27

2,543 3,333 2,500 2,500 2,481

< 8

Acolhimento Atendimento bom Organização Prioridade Satisfação

4 7 5 4 4

1,250 1,571 1,400 2,000 2,250

Carinho Direcionamento Melhoria Paciência Solidariedade

7 4 4 7 6

2,571 2,750 2,500 2,429 2,833

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3.3 Artigo 3: Démarche estratégica em unidade materno infantil hospitalar.

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142

3.4 Artigo 4: A experiência da Démarche Estratégica numa instituição de

pesquisa

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143

A EXPERIÊNCIA DA DÉMARCHE ESTRATÉGICA NUMA INSTITUI ÇÃO DE

PESQUISA

Maria Angélica Carvalho Andrade Elizabeth Artmann

Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca

RESUMO

O enfoque Démarche Estratégica desenhado para hospitais com missão de certa

complexidade, considera diferentes racionalidades na gestão em saúde e propõe

maior articulação com a rede de cuidados. O objetivo deste trabalho foi descrever

a aplicação inovadora deste enfoque numa instituição de pesquisa. Procedimentos

metodológicos: foi realizada a aplicação do enfoque démarche estratégica

agregando-se indicadores específicos de pesquisa num instituto de pesquisa em

doenças infecciosas no Brasil, por meio de reuniões e oficinas de trabalho com os

atores do Laboratório de Leishmaniose no período de abril a julho de 2009. Os

dados foram obtidos por meio deste estudo, de caráter descritivo exploratório, que

analisou uma experiência inovadora de aplicação da Démarche Estratégica numa

instituição de pesquisa, no período de abril a julho de 2009, com o objetivo de

contribuir para consolidar uma metodologia de análise estratégica e de gestão

cultural de grande importância para o desenvolvimento da área de gestão

hospitalar assim como para o campo do Planejamento e da Gestão em Saúde.

Palavras-chave: Gestão Participativa; Gestão Hospitalar; Gestão Cultural;

Mudança Organizacional.

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144

THE EXPERIENCE OF THE DÉMARCHE STRATEGIC MODEL IN A

RESEARCH INSTITUTION

Maria Angélica Carvalho Andrade Elizabeth Artmann

Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca

ABSTRACT

The focus Démarche Strategic mission designed to hospitals with a certain

complexity, the different rationales in managing health and suggests greater

coordination with the network of care. The objective was to describe the innovative

application of this approach in a research institution. Methodological procedures:

were the application of strategic focus Démarche aggregating indicators is a

research institute for research on infectious diseases in Brazil, through meetings

and workshops with the actors of the Laboratory of Leishmaniosis in the period

April to July of 2009. Data were obtained through this study, exploratory descriptive

character, which examined an innovative experience of implementing strategic

Démarche a research institution in the period April to July of 2009, with the aim of

helping to consolidate a methodology for strategic analysis and management of

cultural importance to the development of the area of hospital management as well

as for the field of Planning and Management in Health

Keywords: Participatory Management, Hospital Management, Cultural

Management, Organizational Change.

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145

INTRODUÇÃO

Para enfrentar as dificuldades e os desafios gerados pela implementação do SUS

no Brasil, observa-se a emergência de novos modelos de gestão para a efetivação

de mudanças nas práticas de saúde. A maioria dos modelos tem limitações para

enfrentar mudanças, relacionadas principalmente à resistência das corporações

(médicos e enfermeiros) e à profissionalização da gestão1 e a fragmentação e

desarticulação das ações de saúde decorrentes da constituição de equipes do tipo

agrupamento2.

O enfoque da Démarche Estratégica de Michel Crémadez e François Grateau3,

desenvolvido no Centro Hospitalar Regional Universitário (CHRU) de Lille/França

propõe-se a promover um processo de transformação cultural progressiva no

sentido de apontar para uma maior comunicação entre a gerência estratégica e os

centros assistenciais (que têm grande autonomia no sentido de Mintzberg4), na

busca de um projeto comum que ajude a articular o hospital na rede de cuidados.

As experiências de aplicação deste enfoque no Brasil analisadas por diversos

autores5,6,7,8,9,10,11,12, mostram seu potencial como um modelo de gestão

estratégica e comunicativa, adequado para abranger a complexa realidade dos

hospitais públicos brasileiros5.

A pesquisa em saúde, nas principais instituições do país enfrenta o desafio de

associar os objetivos de geração de conhecimento à resolução de problemas13.

Uma organização de pesquisa é predominantemente uma organização

profissional4, pela importância que nela adquire o seu centro operacional. Este se

caracteriza por reunir um grande número de unidades elementares

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146

(laboratórios/departamentos) independentes, subordinadas diretamente aos

conhecimentos e habilidades de seus profissionais, que trazem em sua bagagem

um alto grau de especialização que leva a um considerável controle sobre o

próprio trabalho, com alguma interdependência apenas no que se refere às

plataformas tecnológicas. Os mecanismos formais de coordenação compreendem

o ajustamento mútuo (coordenação do trabalho pelo simples processo de

comunicação informal) com controle do trabalho nas mãos dos operadores, no

caso considerado, dos pesquisadores.

O objetivo deste estudo foi analisar uma experiência inovadora de aplicação da

Démarche Estratégica numa instituição de pesquisa, que adaptou indicadores

próprios de pesquisa de forma articulada aos de assistência com o fim de

contribuir para consolidar uma metodologia de análise estratégica e de gestão

cultural considerando instituições com missões complexas (pesquisa, ensino e

assistência).

MÉTODO

O estudo tem caráter descritivo exploratório e focalizou uma experiência de

aplicação do enfoque Démarche Estratégica no Laboratório de Leishmaniose

numa instituição de pesquisa, o que corresponde aos resultados parciais do

projeto: “Humanização nos serviços de saúde: como interferir nos processos de

gestão no trabalho e produção de saúde considerando a dimensão cultural em

diferentes abordagens”, e que foi aprovada nos Comitês de Ética da Escola

Nacional de Saúde Pública (Parecer n° 60/07 – CAAE: 0060.0.031.000.07) e da

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147

instituição onde a pesquisa foi realizada (Parecer n° 048/2007 – Protocolo

0060.0.031.009-07).

A escolha da instituição para aplicação do método Démarche Estratégica deveu-

se por ser referência para a saúde pública brasileira e por representar um instituto

de pesquisa, assistência e ensino, com reconhecimento nacional. Tal instituição

possui a missão de desenvolver pesquisa em Doenças Infecciosas, de caráter

multidisciplinar, com base na atenção ao paciente e seu contexto de adoecimento,

voltada para a recuperação e reabilitação do doente, a prevenção da doença e a

promoção da saúde. É hospital de referência nacional para doenças como

Leishmaniose, Micose Sistêmica e Doença Respiratória Aguda Grave, para

Diagnóstico Histopatológico em Doenças Infecciosas e credenciado pela ANVISA

para realização de ensaios de bioequivalência e biodisponibilidade. Além de

desenvolver pesquisas e atividades assistenciais, possui um Programa de Pós-

Graduação stricto sensu em Pesquisa Clínica de Doenças Infecciosas (Mestrado e

Doutorado) e cursos lato sensu, de especialização, residência médica e de

capacitação, contribuindo para o aperfeiçoamento de recursos humanos do SUS.

O projeto foi desenvolvido nos Laboratórios de pesquisa cuja escolha obedeceu

ao critério de maior representatividade em termos de produção assistencial e de

pesquisa na instituição. Este estudo limita-se a apresentação da aplicação da

Démarche no Laboratório de Leishmaniose.

A experiência neste Laboratório de Leishmaniose envolveu toda a equipe (chefia,

profissionais de saúde e estudantes) em reuniões/oficinas de trabalho realizados

no período de abril a julho de 2009.

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148

Foram apresentadas as bases conceituais do enfoque metodológico, distribuindo-

se material informativo para os participantes. Na fase da Análise do existente

foram realizadas reuniões com profissionais da Coordenação de Pesquisa para o

levantamento da produção científica (pesquisas em andamento e pesquisadores)

e com as chefias do Serviço de Estatística e Documentação e do Centro

Hospitalar para o levantamento da produção assistencial. Ressalta-se a

organização do sistema de informação da instituição. Fez-se um levantamento de

dados do contexto e dados epidemiológicos e sócio-econômicos da instituição e

da região onde o instituto se insere; da relação de patologias e de tecnologias por

especialidade, ordenadas de acordo com a complexidade; do cruzamento entre

patologias e tecnologias, identificando a incidência das tecnologias sobre as

patologias e da relação das modalidades de atenção. Esta fase incluiu ainda o

levantamento da relação dos concorrentes/parceiros, sendo que a maioria

encontra-se em outros estados.

Além desse trabalho de levantamento de dados extra reuniões, consideraram-se

as seguintes fases: 1) Análise do existente: correspondente ao diagnóstico

administrativo e médico inicial e dados de produção em pesquisa, além de incluir a

listagem de parceiros e concorrentes institucionais11; 2) Segmentação: esta fase é

marcada por definição coletiva dos principais agrupamentos homogêneos de

atividades a partir de análise estratégica multicritérios (patologia, tecnologia,

modos de atenção e população) representativa da instituição14; 3) Análise do valor

e da posição competitiva de cada segmento resultante dos agrupamentos de

atividades: essas duas fases pressupõem um amplo compartilhamento de

informações e experiências entre os atores envolvidos. Na análise do valor, a

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149

definição do peso relativo desses critérios de avaliação foi obtida distribuindo-se

100 (cem) pontos entre os critérios, em função de sua importância relativa para

cada segmento. Posteriormente foi efetuada a análise e a hierarquização de cada

segmento, a partir de atribuição de notas de 0 a 20 segundo critérios relativos. O

valor final de cada segmento é obtido por um score resultante do produto dos

respectivos pesos pelas notas. A posição competitiva é avaliada considerando-se

“o grau de controle sobre os chamados Fatores-Chave de Sucesso (FCS), que

corresponderiam a vantagens controladas para a garantia de êxito em uma

atividade11” (p. 481). A definição do peso relativo sobre a posição concorrencial é

obtida distribuindo-se 100 pontos entre os FCS, em função de sua importância

relativa. Posteriormente é efetuada a atribuição de notas de 0 a 20 a cada FCS em

função do grau de controle real dos mesmos, tal qual na atribuição de valores aos

segmentos. E finalmente, é determinada a posição relativa dos segmentos e

realizada a comparação dos scores - resultado da multiplicação do peso pela nota

de cada segmento - com os concorrentes/parceiros. Por concorrente entende-se

aqui um mesmo tipo de oferta sediada em outra instituição ou outro setor da

mesma, que disputa a mesma clientela e/ou os mesmos recursos eventuais de

financiamento, com o a qual não existe nenhum tipo de coordenação; 4)

Construção do porta-fólio: o porta-fólio de atividades, constituído a partir do valor

dos segmentos, da posição competitiva ou grau de controle dos Fatores-Chave de

Sucesso e do volume de produção das atividades (aqui considerada a média

anual), permite determinar prioridades, para auxiliar na elaboração de um plano de

ação. O porta-fólio, representado por um gráfico de bolhas, que tem como

ordenada o valor da atividade e como abscissa a posição competitiva, permite a

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150

visualização imediata do desempenho apresentado pela instituição analisada e

possibilita uma idéia do conjunto e valor comparativo, ou seja, uma matriz de

valor/posição concorrencial4; e 5) Plano de ação: visa concretizar os objetivos

definidos a partir do porta-fólio. A materialização do plano de ação é um “contínuo

retomar da análise estratégica do valor e da posição competitiva, visando

aumentar o controle dos fatores chaves de sucesso, para melhorar a posição

estratégica geral10” (p. 481). Finalmente, a fase da construção de indicadores de

monitoramento do plano provê os gestores de informações, permitindo o seu

aperfeiçoamento e /ou redirecionamento.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

É importante destacar que toda a equipe do Laboratório, entre chefias,

pesquisadores e estudantes de pós-graduação, participou de todo processo.

A fase de segmentação estratégica definiu coletivamente quatro agrupamentos

homogêneos de atividades: Segmento Clínico Dermatológico, Segmento Clínico

Otorrinolaringológico, Segmento Laboratório Diagnóstico e Segmento Zoonose.

Os segmentos definiram-se a partir dos critérios patologias, tecnologias e

população. A grande importância da fase de segmentação é que ela permite

apreender uma realidade complexa e decompô-la em subconjuntos mais simples

de entender, possibilitando que este processo seja entendido pelos atores

envolvidos. Tal entendimento é necessário para o repasse desta tecnologia para

as equipes do hospital.

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151

A análise do valor de cada segmento permitiu hierarquizar cada segmento por

meio de uma ponderação de critérios e de uma notação relativa, segundo treze

critérios. Atribuiu-se um peso relativamente maior aos critérios “Motivação interna”,

“Sinergias”, “Potencial de ensino e pesquisa”, e “Capacidade de atração de

recursos externos”. Os menores pesos foram atribuídos ao critério “Intensidade da

Concorrência” – por ser a instituição uma referência nacional e internacional em

algumas doenças infecciosas, incluindo a Leishmaniose - e aos critérios

“Possibilidade de crescimento”, “Investimento tecnológico como barreira à entrada”

e “Potencial local”, baseado no fato da redução, desde 2007, do número de casos

novos de Leishmaniose no estado e do expressivo potencial regional e nacional do

Laboratório.

Na matriz de análise do valor de cada segmento deste Laboratório (Figura 1),

destaca-se a valorização de todos os segmentos de uma forma bastante

homogênea. Tal resultado expressa a importância atribuída a esses segmentos e

sua integração à missão institucional. O valor um pouco mais baixo atribuído ao

Segmento Clínico Otorrinolaringológico expõe uma dificuldade encontrada pelo

grupo na produção relacionada à pesquisa. Ressalta-se a previsão de crescimento

para a maioria dos segmentos justificada pelo potencial de produção em pesquisa

devido a novos doutores formados, com ampliação da capacidade de produção,

pela quantidade de dados de pesquisa (material estocado) e pela possibilidade de

estudos multicêntricos. Previu-se uma concorrência de intensidade muito baixa

para os segmentos Clínico Otorrinolaringológico e Zoonose, média para o

segmento Clínico Dermatológico e alta para o segmento Laboratório Diagnóstico.

Registrou-se um baixo investimento tecnológico relativo nos segmentos, sendo

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152

muito mais baixo no segmento Clínico Dermatológico e médio no segmento

Laboratório Diagnóstico, este em função de equipamentos e materiais de consumo

de alto custo. Considerou-se muito alto, em todos os segmentos, o nível de

investimento em recursos humanos necessário para alcançar um desempenho

diferenciado, sendo este um Fator-chave que diferencia o Laboratório. O nível de

sinergia potencial dos segmentos foi considerado, em geral, alto devido a grande

colaboração existente com outros Laboratórios, em projetos de pesquisa (tais

como Micologia e Chagas) além de outros setores da instituição (estatística,

esterilização, exames de diagnóstico e terapêutica, Pronto Atendimento, Centro

Hospitalar, etc.). Ressalta-se a alta motivação da equipe para todos os

segmentos. O segmento Clínico Otorrinolaringológico suscitou um grau de

motivação relativa um pouco menor devido aos interesses diversos de alguns

componentes da equipe, com conseqüente menor integração com a equipe do

Laboratório. De uma maneira geral, os segmentos apresentaram alto potencial de

parceria externa tanto em nível nacional quanto internacional para a realização de

atividades de pesquisa. Em decorrência da alta qualificação profissional, de um

sistema de qualidade implantado e do forte componente de ensino, essas

parcerias externas são estabelecidas com a finalidade pedagógica, assistencial e

de fornecimento de insumos, além de atividades de consultorias e apoio

desenvolvidas em outros Estados. Todos os segmentos apresentaram um

expressivo potencial local, regional e nacional de atração e captação de clientela,

coerente com a missão da instituição, desenhada para ser referência nacional em

Leishmaniose. Do mesmo modo, todos os segmentos destacaram-se pelo alto

potencial de ensino e pesquisa, em sintonia com a missão institucional de

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153

desenvolver pesquisa em doenças infecciosas. Com relação à contribuição para o

projeto político e para a imagem externa, todos os segmentos valorizam a missão

geral e a imagem da instituição. Os quatro segmentos apresentaram boa

capacidade de atração de recursos externos que inclui os projetos de pesquisas e

as bolsas de estudo.

Inserir Figura 1

A análise da posição competitiva relacionou-se à identificação dos principais

Fatores-Chave de Sucesso (FCS) por segmento (Figuras 2 a 5). Os FCS foram

utilizados para avaliar a capacidade de se obter bons resultados em cada um dos

segmentos. Foram listados 11 FCS para cada um dos segmentos, exceto o

Segmento Zoonose que considerou apenas oito FCS. Distribuíram-se os 100

pontos entre os FCS listados, de modo a ponderar a importância relativa (o peso

específico) de cada FCS (em temos percentuais). O grau de controle por

segmento relacionado aos FCS foi obtido por meio de uma notação, considerando

como parâmetro, o grau ideal de controle correspondente a um desempenho de

alto nível de qualidade. Para análise dos pontos fortes e fracos do Laboratório de

Leishmaniose foram utilizadas as seguintes categorias, considerando o controle

dos FCS por segmento: Muito Alto (notas: 17-20), Alto (notas: 13-16), Médio

(notas: 8-12), Baixo (notas: 4-7), Muito Baixo (notas: 0-3).

Os pontos fortes correspondem às categorias “Alto” ou “Muito Alto”. Nesse

sentido, destaca-se o alto nível de competitividade do Laboratório de

Leishmaniose, avaliado pelo nível de controle alto/muito alto da maioria dos FCS,

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em todos os segmentos. De uma forma geral, os principais pontos fortes estão

representados pelos seguintes FCS: Trabalho integrado e confiança em equipe;

Expertise da equipe; Equipamentos e materiais de consumo de qualidade;

Sinergias com outros segmentos; Capacidade de captação e utilização de

recursos; Integração das atividades de pesquisa/ensino/assistência; Articulação

com a rede; Sinergias com outros setores do Instituto; e Relação equipe/paciente

(tecnologia relacional).

A sinergia entre o segmento Clínico Otorrinolaringológico e outros Laboratórios do

instituto foi considerada alta, dificultando, inclusive, a marcação de agenda para os

pacientes de Leishmaniose. Por outro lado, deve ser aprimorada a sinergia com o

Centro Hospitalar, pois há dificuldades de internar os pacientes. Essa falta de

leitos disponíveis deve-se à priorização de internação de pacientes com AIDS.

Do ponto de vista da equipe, os principais pontos fortes do Laboratório de

Leishmaniose referem-se à integração da equipe e dos processos de trabalho, à

constituição de equipe multiprofissional e ao domínio técnico de diferentes

metodologias pela equipe.

Por outro lado, considerando-se um controle dos FCS abaixo de 12 como um

ponto fraco, a estrutura física compromete os segmentos Clínico Dermatológico,

Clínico Otorrinolaringológico e Laboratório Diagnóstico, o quantitativo de recursos

humanos afeta os segmentos Clínico Otorrinolaringológico, Laboratório

Diagnóstico e Zoonose, a integração da equipe e a integração com os pares de

pesquisa são particularmente deficitárias nos segmento Clínico

Otorrinolaringológico e Laboratório Diagnóstico, respectivamente. Dentre os

segmentos, o de Zoonose apresenta a melhor estrutura física. No segmento

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155

Clínico Otorrinolaringológico, destacam-se a limitações de pessoal (funcionários) e

espaço físico para acomodar o recente investimento tecnológico realizado,

embora, exista a perspectiva de mudança de estrutura física na proposta do Plano

Diretor do instituto.

Muitas atividades do Laboratório de Leishmaniose são desenvolvidas por alunos.

Nesse sentido, com relação ao segmento Laboratório Diagnóstico, há deficiência

de profissionais contratados para a realização de sorologias diagnóstica,

fragilizando essa atividade.

Dos seis concorrentes/parceiros do Laboratório de Leishmaniose identificados na

fase da Análise do Existente, selecionaram-se os principais de cada segmento,

sendo apontados: três concorrentes/parceiros para o segmento Clínico

Dermatológico, um para o Clínico Otorrinolaringológico, três para o Laboratório

Diagnóstico e dois para o segmento de Zoonose. Em relação a esses

concorrentes/parceiros listados, o Laboratório de Leishmaniose apresentou melhor

competitividade em todos os segmentos, em alguns casos com nota próxima aos

concorrentes, em outros, sobressaindo-se.

A análise da Posição Competitiva revela uma excelente competitividade do

Laboratório de Leishmaniose, porém sugere um esforço de investimento de forma

geral no quantitativo de profissionais e na estrutura física do Laboratório, na

integração da equipe do segmento Clínico Otorrinolaringológico e na integração

com os pares de pesquisa do segmento Laboratório Diagnóstico.

Inserir Figuras 2, 3, 4 e 5

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156

O porta-fólio mostra, sinteticamente, o valor concorrencial e o risco estratégico de

cada segmento e possibilita uma visualização de conjunto do laboratório. Em

função da complexidade da missão institucional onde as atividades de pesquisa

sobrepõem-se, sendo consideradas o “carro-chefe”, a partir das quais a

assistência se subordina, deparamo-nos com o desafio de criar indicadores eu

expressem essa complexidade. Os dados de produção das atividades

desenvolvidas em 2008 no Laboratório de Leishmaniose foram separados por

segmentos e por tipo de produção (assistencial, de pesquisa e de ensino).

Ressaltou-se a importância de estabelecer pesos diferenciados para os diferentes

tipos de produção. Optamos pela construção de atividades, sendo referente à

produção assistencial e outro com dados de produção de ensino e pesquisa.

Com relação aos indicadores de produção assistencial, o volume de produção foi

mantido pela somatória simples, independente da atividade (consulta,

procedimento ou exame) por entender que esse modo expressa a realidade

assistencial dos segmentos.

Por outro lado, por meio de um consenso entre a equipe, foram estabelecidos

pesos diferenciados para os diferentes tipos de indicadores de produção de ensino

e pesquisa, divididos em sete categorias: elaboração de artigos científicos,

participação em congressos, captação de recursos, orientações científicas,

participação em bancas científicas, coordenação de cursos, participação em

cursos da instituição como docente.

O porta-fólio assistencial (Figura 6) mostra que nenhum segmento encontra-se

fora do quadrante superior direito, evidenciando que o Laboratório, de forma geral,

encontra-se bem adaptado à missão da instituição e com pouco risco estratégico.

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157

O volume de produção assistencial é relativamente alto, principalmente dos

segmentos Laboratório Diagnóstico e Clínico Otorrinolaringológico.

Inserir Figura 6

O porta-fólio de ensino e pesquisa (Figura 7) embora expresse a adequação do

Laboratório ao perfil desejado para a instituição apresenta maior diversidade entre

os segmentos, com destaque para o segmento Clínico Dermatológico que

concentra produção de ensino e pesquisa. O segmento Clínico

Otorrinolaringológico revela a menor produção.

Inserir Figura 7

Tal fato aponta para a necessidade de um maior investimento em ações voltadas

para aumentar a produção em ensino e pesquisa particularmente no segmento

Clínico Otorrinolaringológico e para desconcentrar essa produção do segmento

Clínico Dermatológico exigirá também tempo, pois apesar de todos os doutores do

Laboratório de Leishmaniose participarem da Pós-graduação e estarem

envolvidos em projetos de pesquisa e captação de recursos financeiros, esta

participação está diretamente relacionada ao tempo de formado no doutorado.

Muito mais importante que a comparação sobre as bases pretensamente objetivas

dos dados mostrados nos porta-fólios, esta discussão insere-se como elemento

comunicativo da negociação do plano. Assim, esta fase tem o potencial de

expressar o processo de co-gestão.

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158

As estratégias foram inicialmente construídas a partir da apropriação dos FCS e

da identificação dos pontos fracos identificados. Com relação à estrutura física,

embora se reconheça problemas estruturais que precisam ser resolvidos, a equipe

reconhece essa problemática como uma deficiência crônica da instituição. Para

atender a demanda assistencial que tem diminuído no estado, avalia-se que não

há possibilidade de muitas alterações na estrutura atual.

Com relação aos recursos humanos, apontou-se a necessidade de investimento

em aumento de capacitações, principalmente na necessidade de aprofundar

conhecimento em estatística e manter a equipe atualizada, e na experiência

profissional para todos os segmentos. Em relação à demanda por um maior

quantitativo de profissionais, apontou-se a necessidade de contratar mais um

médico clínico dermatologista, um médico clínico otorrinolaringologista, um

veterinário, quatro profissionais de nível médio sendo três para o segmento do

Laboratório Diagnóstico e um para o segmento de Zoonose). Para os Segmentos

Laboratório Diagnóstico e Clínico Otorrinolaringológico (neste segmento, existe um

professor em vias de se aposentar e os exames radiológicos são feitos por alunos)

sugeriu-se investir em captação externa de profissionais. Além disso, há

necessidade de se criar quadro para contratação de um fonoaudiólogo para

operacionalizar os equipamentos que foram recentemente adquiridos.

Para a modificação do modelo assistencial, apontaram-se ações de incorporação

tecnológica, principalmente no segmento do Laboratório Diagnóstico, e ações de

comunicação e negociação relacionadas ao estabelecimento de sinergias

(particularmente com a anatomia patológica), e parcerias externas de integração

com os pares de pesquisa.

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159

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aplicação da Démarche Estratégica demanda a articulação de um coletivo em

torno de um projeto, que considera a rede de cuidados e permite a integração

entre a atenção e gestão. Nesse sentido, “sua lógica de implementação, baseada

em reuniões colegiadas, insere-se no objetivo de ensejar uma comunicação ampla

a serviço de uma mudança cultural14” (p. 78).

A abordagem cultural é uma noção pertinente na medida em que permite

compreender a dinâmica das organizações e resolver seus problemas. A cultura

organizacional é um conjunto coletivo de pressupostos básicos desenvolvidos ao

aprender a lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna e

que funcionaram bem o suficiente para serem considerados válidos e ensinados

aos novos membros como forma correta de perceber, pensar e sentir, em relação

a esses problemas15. De uma forma geral, no setor saúde, a questão cultural é

evidente na cronicidade: do descuido e da falta de compromisso na atenção aos

usuários dos serviços de saúde; das condições precarizadas de trabalho, da

descontinuidade gestora, das dificuldades de pactuação das diferentes esferas do

SUS. Problemas culturais no âmbito da saúde também decorrem das resistências

às alternativas propostas para se construir um sistema público que garanta acesso

universal, equânime e integral a todos os cidadãos brasileiros.

A Démarche Estratégica implica a responsabilização dos atores envolvidos por

meio do desenvolvimento de processos comunicativos e de negociação internos e

externos, garantindo o controle social e a eficiência dos processos compartilhados.

Estes impactos culturais possíveis permitiriam contrabalançar configurações

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típicas das organizações profissionais4, decorrentes da alta autonomia dos centros

operacionais e da grande diferenciação entre equipes, serviços, e componentes

organizacionais. Porém, esta experiência de aplicação da Démarche Estratégica

numa instituição de pesquisa tem sido desenvolvida em um tempo cronológico que

pode ser considerado insuficiente para se afirmar transformações em relação à

cultura organizacional. Para a promoção do processo de mudança, a Démarche

Estratégica demanda investimentos em formação, a transferência da metodologia

para os atores internos e a crença dos atores na possibilidade de mudança, e que

o processo de aprendizagem e a mudança cultural só poderão acontecer inseridos

num tempo histórico e unidos a variáveis como a maior estabilidade política e

administrativa11.

No entanto, foi possível reafirmar o potencial comunicativo da Démarche no

sentido de considerar a possibilidade do entendimento, da cooperação e da

negociação, numa ação prática estratégica de redefinição da missão institucional

numa perspectiva de rede coordenada de serviços.

Diferente da utilização do enfoque apenas como método de análise da gestão

hospitalar que envolveu indiretamente os atores institucionais, denominados

informantes-chave12, esta experiência proporcionou a criação de espaço coletivo e

a interação direta dos diferentes atores, favorecendo a responsabilização e a

criação de vínculos entre os sujeitos. Esse resgate da proposta original de

Crémadez e Grateau3, ao tematizar certos aspectos institucionais de caráter

normativo, fomentou a concordância, o que permitiu validar essa ação da

Démarche como uma ação comunicativa no sentido forte.

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161

Fala-se de ação comunicativa num sentido forte sempre que o entendimento

envolver as razões normativas para a seleção dos próprios objetivos, quando os

participantes referem-se a orientações de valor intersubjectivamente partilhadas

que, para além das suas preferências pessoais, vinculam as suas vontades15.

É importante ressaltar a participação da chefia do Laboratório de Leishmaniose,

juntamente com sua equipe de pesquisadores e estudantes, em todas as

reuniões. O apoio e o poder de motivação dessa liderança no sentido de convocar

e garantir a participação de todos os atores do Laboratório foi uma estratégia

muito interessante, pois permitiu a apropriação do método por todos, estimulou a

reflexão coletiva e permitiu compartilhar responsabilidades. Nesse contexto, de

uma forma geral, observou-se que a experiência apoiou-se no diálogo entre a

direção estratégica e os profissionais da ponta para a formalização das análises,

avaliações e estratégias necessárias à elaboração de um plano comum e na

constituição de uma equipe multiprofissional do tipo integração2. De acordo com

Peduzzi16, essa integração constitui-se, “por meio da relação recíproca, de dupla

mão, entre a articulação das ações executadas pelos distintos profissionais e a

interação desses profissionais, visto que a comunicação é o veículo que possibilita

a própria articulação” (p. 162). Este estudo possibilita inferir que essa articulação

foi assegurada tanto pelo potencial comunicativo da Démarche, capaz de fomentar

a inclusão dos sujeitos nos arranjos, processos e dispositivos de gestão, como

pela capacidade da equipe que mostrou desde o início uma cultura de diálogo e

responsabilização coletiva. Nesse sentido, é inegável que a concretização desta

possibilidade dependeu “da capacidade de mobilização e de comunicação dos

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162

coletivos dos hospitais, articulada ao grau de compromisso demonstrado pelas

lideranças locais em relação à colaboração11” (p. 459).

Salienta-se ainda que, além da maior comunicação entre a direção estratégica e

profissionais da ponta e da busca de um enfoque multiprofissional, por meio de

articulação de ações e integração dos profissionais (rede interna), destaca-se a

maior abertura para o externo (rede externa), “concretizada pelo reconhecimento e

exploração das parcerias e sinergias12” (p. 226). Nessa perspectiva de constituição

de rede, definida como uma teia de interações entre sujeitos envolvidos em ações

concretas, há margem para manipulações de estratégias que podem variar

conforme as combinações na rede18. Nesse sentido, uma equipe multiprofissional

do tipo integração16 torna possível vislumbrar interações pautadas pela missão

institucional, por valores éticos e pelo compromisso moral entre os atores. Essas

ligações “pressupõem confiança e supõem reciprocidade17” (p. 168). Outro

aspecto importante a ser colocado em função da complexidade da instituição

pesquisada, que abrange atividades assistenciais, de ensino e pesquisa, foi o

desafio de superação metodológica no sentido de se criar indicadores mistos de

produção. Nos espaços de encontro dos profissionais e nas lacunas dos objetivos

do método, seu potencial comunicativo permitiu reinventar indicadores, romper

limites e desafiar as fronteiras do enfoque. Nesse contexto, foi determinante a

construção de relações de confiança que foram produzidas, sob a ótica da

linguagem de Echeverria18, com base na competência, na sinceridade e na

responsabilidade da equipe. Com essa experiência, reitera-se ser uma condição

para a negociação de estratégias comuns a necessidade de um projeto hospitalar

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163

explícito, que seja fruto de uma discussão interna, que gere contratos ou

compromissos11 (p. 459).

Finalmente, reafirma-se que a Démarche Estratégica, por operar indiretamente

como reforço dos traços da nova cultura que emerge, revela-se um método de

planejamento com possibilidades concretas de efetivar políticas, processos e

recursos comunicativos para o exercício democrático, que traduz as diretrizes do

SUS.

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166

ANEXOS

Figura 1 – Valor dos segmentos do Laboratório de Leishmaniose, 2009. * Nota (0 – 20) + Score = (Peso x Nota)/100

N°Critérios de avaliação

Peso (%)

1Possibilidades de crescimento

5 15 17 18 18

2Intensidade da concorrência

4 10 17 6 19

3

Investimento (barreiras à entrada - Tecnologias)

5 2,25 4,2 6,3 3,2

4Investimento (barreiras à entrada - RH)

8 12,75 11,05 11,9 11,05

5

Sinergias (no nível de competências e infra-estruturas compartilhadas)

10 15 17 15 14

6Motivação interna

11 18 13 18 19

7 Possibilidades 7 16 17 18 19

8Potencial regional

8 17 18 19 19

9 Potencial local 5 20 20 20 2010 Potencial de 10 18 16 18 17

11

Contribuição para o projeto político geral do hospital

9 20 20 20 20

12Contribuição para a imagem externa

8 18 18 18 18

13

Capacidade de atração de recursos externos

10 16 13 14 15

Valor do Segmento

100 15,88 15,52 16,1 16,48

Nota / 20

Segmentos

Criterios e peso

Clínico Dermatológico

Clínico Otorrinolaringológico

Laboratório Diagnóstico

Zoonose

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167

Figura 2 – Posição Competitiva do Segmento Clínico Dermatológico do Laboratório de Leishmaniose, 2009.

N° Fatores Estratégicos de Êxito Peso % Nota / 20Score

(= p x n/100)Nota / 20

Score (= p x n/100)

Nota / 20Score

(= p x n/100)Nota / 20

Score (= p x n/100)

1Trabalho integrado e confiança em equipe

15 18 2,7 12 1,8 14 2,1 16 2,4

2 Expertise da equipe 14 18 2,52 17 2,38 18 2,52 18 2,523 Estrutura Física 5 10 0,5 10 0,5 15 0,75 10 0,5

4Equipamentos e materiais de consumo de qualidade

4 15 0,6 13 0,52 16 0,64 12 0,48

5 Sinergias com outros segmentos 14 18 2,52 6 0,84 13 1,82 13 1,82

6Capacidade de captação e utilização de recursos

7 16 1,12 17 1,19 19 1,33 16 1,12

7Integração das atividades de pesquisa/ensino/assistência

10 18 1,8 16 1,6 17 1,7 16 1,6

8 Articulação com a rede 6 19 1,14 17 1,02 17 1,02 17 1,02

9Sinergias com outros setores IPEC/FIOCRUZ

7 14 0,98 16 1,12 16 1,12 16 1,12

10 Quantitativo de Profissionais 8 12 0,96 9 0,72 10 0,80 13 1,04

11Relação equipe/paciente - Tecnologia Relacional

10 17 1,7 16 1,6 15 1,5 16 1,6

Score sobre o segmento 100 16,54 13,29 15,30 15,22

Concorrente ou Parceiro 3

Clínico DermatológicoConcorrente ou

Parceiro 2Concorrente ou

Parceiro 1

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168

Figura 3 – Posição Competitiva do Segmento Clínico Otorrinolaringológico do Laboratório de Leishmaniose, 2009.

N° Fatores Estratégicos de Êxito Peso % Nota / 20Score

(= p x n/100)Nota / 20

Score (= p x n/100)

1 Equipe profissional integrada 12 10 1,2 10 1,22 Expertise da equipe 13 17 2,21 16 2,083 Estrutura Física 12 7 0,84 4 0,48

4Equipamentos e materiais de consumo de qualidade

11 15 1,65 13 1,43

5 Sinergias com outros segmentos 11 18 1,98 15 1,65

6Capacidade de captação e utilização de recursos

7 16 1,12 17 1,19

7Integração das atividades de pesquisa/ensino/assistência

11 18 1,98 15 1,65

8 Articulação com a rede 6 16 0,96 14 0,84

9Sinergias com outros setores IPEC/FIOCRUZ

4 14 0,56 13 0,52

10 Quantitativo de Profissionais 7 7 0,49 6 0,42

11Relação equipe/paciente - Tecnologia Relacional

6 16 0,96 15 0,9

Score sobre o segmento 100 13,95 12,36

Clínico OtorrinolaringológicoConcorrente ou

Parceiro 1

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169

Figura 4 – Posição Competitiva do Segmento Laboratório Diagnóstico do Laboratório de Leishmaniose, 2009.

N° Fatores Estratégicos de Êxito Peso % Nota / 20Score

(= p x n/100)Nota / 20

Score (= p x n/100)

Nota / 20Score

(= p x n/100)Nota / 20

Score (= p x n/100)

1Trabalho integrado e confiança em equipe

15 18 2,7 3 0,45 4 0,6 8 1,2

2 Expertise da equipe 14 17 2,38 19 2,66 17 2,38 19 2,663 Estrutura Física 8 10 0,8 18 1,44 12 0,96 18 1,444 Equipamentos e materiais de

consumo de qualidade 12 15 1,8 18 2,16 15 1,8 18 2,16

5 Sinergias com outros segmentos 14 18 2,52 8 1,12 8 1,12 10 1,4

6Capacidade de captação e utilização de recursos

7 15 1,05 19 1,33 18 1,26 19 1,33

7Integração das atividades de pesquisa/ensino/assistência

10 18 1,8 14 1,4 15 1,5 15 1,5

8 Articulação com a rede 6 16 0,96 17 1,02 16 0,96 14 0,84

9Sinergias com outros setores IPEC/FIOCRUZ

3 13 0,39 8 0,24 8 0,24 13 0,39

10 Quantitativo de Profissionais 7 10 0,7 10 0,7 10 0,7 10 0,7

11Integração com os pares de pesquisa (comunidade científica) 4 12

0,4817

0,6814

0,5617

0,68

Score sobre o segmento 100 15,58 13,20 12,08 14,30

Concorrente ou Parceiro 3

Laboratório DiagnósticoConcorrente ou

Parceiro 2Concorrente ou

Parceiro 1

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170

Figura 5 – Posição Competitiva do Segmento Zoonose do Laboratório de Leishmaniose, 2009.

N° Fatores Estratégicos de Êxito Peso % Nota / 20Score

(= p x n/100)Nota / 20

Score (= p x n/100)

Nota / 20Score

(= p x n/100)

1Trabalho integrado e confiança em equipe

14 18 2,52 4 0,56 4 0,56

2 Expertise da equipe 19 16 3,04 16 3,04 3 0,573 Estrutura Física 7 16 1,12 20 1,4 10 0,74 Equipamentos e materiais de

consumo de qualidade 6 16 0,96 18 1,08 10 0,6

5Sinergias com outros segmentos, principalmente Laloratório

19 20 3,8 15 2,85 3 0,57

6Capacidade de captação e utilização de recursos

14 13 1,82 16 2,24 3 0,42

7 Quantitativo de Profissionais 7 7 0,49 7 0,49 7 0,49

8Integração das atividades de pesquisa/ensino/assistência

14 17 2,38 14 1,96 10 1,4

Score sobre o segmento 100 16,13 13,62 5,31

ZoonoseConcorrente ou

Parceiro 2Concorrente ou

Parceiro 1

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171

Figura 6 – Porta-fólio Assistencial do Laboratório de Leishmaniose, 2009.

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172

Figura 7 – Porta-fólio de Ensino e Pesquisa do Laboratório de Leishmaniose, 2009.

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173

4 DISCUSSÃO

A proposta da Reforma Sanitária Brasileira (RSB) corresponde a uma reforma

social como direito moral, válido no âmbito dos direitos humanos para todos os

cidadãos brasileiros. No caso do Brasil, podemos considerar meados da década

de 70 do século XX como espaço social e tempo histórico de um movimento

coletivo que postula a democratização da saúde.

Uma vez que direitos humanos só podem ser realizados como direitos reclamáveis

de cidadãos no quadro de uma ordem estatal, eles dependem da formação

racional da vontade de um legislador político que, por sua vez, no contexto

democrático, baseia-se em um arranjo comunicativo para ser juridicamente

institucionalizado (HABERMAS, 1997). Mas, somente podem pretender

legitimidade as regulações nas quais todos os possíveis interessados podem

consensuar como participantes em discursos e negociações racionais

(HABERMAS, 1996).

O imperativo de uma proposição moral, de acordo com Habermas (1993, p. 294),

é entendido como “um dever fazer, no sentido de que as ações afetam interesses

de outros e levam a conflitos que devem ser regulados de modo imparcial. Cada

um “tem de” poder querer que a máxima de nossa ação se torne lei universal”.

Nesse sentido, para esse autor, apenas uma máxima capaz de universalização a

partir da perspectiva de todos os envolvidos vale como uma norma que pode

encontrar assentimento universal e, nesta medida, merece reconhecimento, ou

seja, é moralmente impositiva.

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174

No contexto de lutas contra a ditadura, os direitos humanos considerados

legítimos para a sociedade brasileira institucionalizaram as condições de

comunicação para uma formação racional da vontade política. O consenso no

âmbito da moral sobre a democratização da saúde entre estudantes, professores

universitários, setores populares e entidades profissionais de saúde do movimento

sanitário foi alcançado por meio de discursos e negociações, onde se atingiram

visões comuns, convenceram-se mutuamente com argumentos para defender as

mudanças na saúde, e um relativo equilíbrio entre diferentes interesses foi

alcançado.

A conquista da democracia em 1985 possibilitou a realização da 8ª. Conferência

Nacional de Saúde no ano seguinte quando se reafirmou a saúde como direito de

todos e dever do Estado, recomendando-se a organização de um Sistema Único

de Saúde (SUS) descentralizado e democrático (PAIM, 2008). A partir dessa

Conferência, o SUS surge como legitimação da força social por meio de uma

ordenação política do Estado constitucional democrático (conexão interna entre

democracia e direitos humanos) e passa a exigir da própria sociedade brasileira

não somente aceitação ou reconhecimento fático de seu corpo doutrinário e de

seu conjunto de proposições políticas constitucionais (pretensão de legitimidade

do Direito), mas também exige merecer reconhecimento por esse processo de

democratização da saúde, denominado de RSB (pretensão de dignidade de ser

reconhecido). Sobre a relação entre política, moral e democracia em Habermas, o

SUS aponta ao mesmo tempo para a defesa do direito moral e para o direito

jurídico. Como norma moral, o SUS diz respeito a tudo que se refere ao humano,

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175

porém como norma jurídica, ele protege, por meio da lei, os cidadãos do estado

nacional brasileiro.

O SUS é legitimado como uma política de Estado e passa a espelhar o modo

peculiar da validade jurídica, o qual entrecruza a facticidade da imposição estatal

do direito com a legitimidade de um procedimento que se pretende racional. A

racionalidade é compreendida em Habermas (1996) como uma disposição ao

entendimento entre sujeitos aptos ao diálogo e à ação, cujos proferimentos

submetem-se a questionamentos sobre a pretensão de serem verdadeiros e de

serem adequados à situação normativa. Mas, enquanto a autonomia da vontade

dos atores envolvidos se mede pelo fato de que se pode agir a partir do

conhecimento moral, os conhecimentos morais não provocam de imediato um agir

autônomo (HABERMAS, 1993).

Habermas (1997), baseado em Kant, afirma que para o Estado exigir obediência

jurídica de pessoas moralmente responsáveis em todas as ordenações estatais,

as normas precisam ser satisfeitas de tal modo que possam ser consideradas, sob

diferentes aspectos, ao mesmo tempo como leis de constrição e leis de liberdade.

O fato é que, de acordo com Habermas (1997), o direito moderno libera seus

endereçados que podem considerar as normas somente como uma limitação

fática de seu espaço de ação, e se colocam do ponto de vista do tratamento

estratégico - com as conseqüências calculáveis de possíveis infrações às regras -

ou podem observar as prescrições “por respeito à lei”.

Esse contexto evidencia que, a partir da constituição e legitimação de consenso

no âmbito da moral, um novo consenso, agora no âmbito da ética, precisa ser

estabelecido para que o SUS, de política de Estado, seja reconhecido e efetivado

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176

como uma política de governo. Mais do que o cumprimento finalístico de uma

prescrição moral pautada na obediência às normas e associada ao risco da

punição frente a transgressões, o processo de implementação de uma política

pública deve orientar-se racionalmente pelo sistema de valores e estar apoiado

em uma motivação social. Essa decisão de natureza valorativa fundamenta-se, de

acordo com Habermas (1993), em normas éticas adquiridas a partir de uma

sucessão de discursos e negociações racionais entre atores políticos que

interagem em arenas formais e informais e, quando essas normas são

apropriadas conscientemente pelos atores adquirem uma força unificadora da

ação.

O discurso ético-existencial não se preocupa apenas com as coisas como são,

mas como as coisas podem ser e, especialmente, como devem ser,

correspondendo a uma orientação correta para a realização de um modo pessoal

de vida. Desse ponto de vista ético, para Habermas (1993, p. 293), “outras

pessoas, outras histórias de vida e esferas de interesse só ganham significado na

medida em que estejam unidos ou entrelaçados à minha identidade, à minha

história de vida e à minha esfera de interesse no âmbito de nossa forma de vida

partilhada intersubjetivamente”.

Segundo Habermas (1993), a razão prática - que neste sentido tem como objetivo,

não apenas o possível e o que é adequado a fins, mas também o bom - move-se

no âmbito da ética, no contexto da compreensão de si. Este modo de

compreender a si mesmo não depende apenas de como a pessoa se descreve,

mas também dos modelos (e das políticas) pelos quais ela se empenha. Neste

sentido, para este autor, a identidade própria determina-se ao mesmo tempo

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177

segundo o modo como alguém se vê e como se gostaria de ver – isto é, tal como

alguém se encontra e por que ideais projeta-se a si e a sua vida. Essa

compreensão de si é valorativa e encontra-se ligada internamente a uma postura

crítica em relação a si mesmo baseada em dois componentes: os componentes

descritivos da gênese da história de vida do eu e os componentes normativos do

ideal do eu. Essa compreensão de si aprofundada modifica os posicionamentos

que suportam, ou pelo menos, implicam um projeto de vida pleno de conteúdo

normativo. Nesse âmbito ético, “dever fazer” tem o sentido de, em longo prazo e

no conjunto, ser bom para si agir dessa maneira (HABERMAS, 1993).

Passadas duas décadas da 8ª. Conferência Nacional de Saúde e completado 20

anos da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, que

incorporou muitos dos valores, princípios e proposições do movimento sanitário,

no próprio governo há setores que desconhecem essa história de luta por um

projeto civilizatório e há dirigentes que consideram a RSB uma utopia (PAIM,

2008). De acordo com este autor, há evidências de dificuldades em garantir, dos

estados e municípios, e até do governo federal, o cumprimento das

responsabilidades e competências definidas pela Constituição e pelas leis

brasileiras.

Nos sistemas democráticos, os processos de formulação e implementação de

políticas públicas são complexos e desenvolvem-se num cenário político no qual

atuam múltiplos atores políticos - considerados como jogadores, no jargão da

teoria dos jogos – com diferentes poderes, horizontes temporais e incentivos

(MATUS, 1996). Entre os jogadores que participam desse “jogo” encontram-se

atores estatais oficiais e políticos profissionais, assim como grupos privados,

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178

sindicatos, meios de comunicação e outros membros da sociedade civil, que

interagem em diversas arenas e podem ter distintos graus de transparência.

Nesse contexto, a formulação de políticas pode ser vista como um processo de

negociações e trocas (ou transações) entre os atores políticos cujos

comportamentos, bem como a natureza das próprias transações dependem das

preferências e dos incentivos dos atores, assim como das restrições que eles

enfrentam. Dependem também das expectativas desses atores com relação ao

comportamento de outros jogadores (BANCO INTERAMERICANO DE

DESENVOLVIMENTO, 2007).

Esses processos mostram que as pretensões nem sempre são submetidas ao

critério do consenso ensejado comunicativamente e, conseqüentemente, os atores

não consideram as conseqüências sociais ou os efeitos que podem gerar

determinadas intenções e se desobrigam de prestar contas em público de suas

intenções e modo de fazer, não atentando para as conseqüências possíveis dos

seus atos. Na interpretação habermasiana, tais situações de comunicação

encontram-se sistematicamente distorcidas e patologizadas devido à colonização

do mundo da vida pelos mecanismos dinheiro e poder (FREITAG, 2005).

Mas, independente do comprometimento dos atores com a correspondência entre

o resultado final e os objetivos da política, os mandamentos morais continuam

sendo considerados válidos e a pretensão de validade que se liga às proposições

normativas tem certamente a força de um dever (HABERMAS, 1993). E ainda,

mesmo que a ausência da ética de responsabilidade dos atores demonstre a falta

de consideração com seu conteúdo moral, o SUS ainda tem a forma de direitos

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179

jurídicos que geram obrigações e, conseqüentemente, responsabilidades pelo

cumprimento ou não de suas normas.

Nesse contexto, a teoria da ação comunicativa, considerada herdeira crítica da

sociedade, tem como tarefa principal denunciar esses processos e promover a

reunificação conceitual (e prática) do mundo vivido e do sistema numa concepção

globalizante de sociedade em que estejam assegurados os processos de

reprodução material e cultural pela cooperação e pelo consenso dos seus

membros. Esta reintegração pressupõe a descolonização do mundo da vida e a

consolidação da ação comunicativa que assegura – através do entendimento e do

consenso – a integração social (FREITAG, 2005, p. 47).

Os princípios e diretrizes do SUS de garantia universal, equitativa e integral do

direito à saúde ganharam força de lei pela Constituição Brasileira e estabilidade

política de Estado, mas ainda devem confirmar sua legitimidade ética social e

coletiva na esfera pública, por meio de “articulações intersetoriais nas três esferas

de governo, formulando políticas e ações para a melhoria da saúde e da qualidade

de vida integradas à sociedade civil organizada e aos movimentos sociais,

assegurando participação efetiva e o controle social” (PAIM, 2008, p. 246).

A esfera pública, na concepção de Habermas (1984), é entendida como o espaço

comunicativo e racional entre os atores da esfera civil e o Estado, caracterizada

por sua qualidade democrática de liberdade de expressões públicas, incluindo a

possibilidade de crítica ao Estado e às decisões autônomas dos cidadãos, e pela

racionalidade de ação. A esfera pública é uma instituição típica do mundo

capitalista e sua constituição como princípio organizacional do ordenamento

político implica na transposição da prática reflexiva individual privada para o

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180

âmbito público, exigindo do poder político justificações para sua legitimação

(HABERMAS, 1984).

Em 2003/2004, a Política Nacional de Humanização (PNH) foi criada dentro da

Secretaria Executiva do Ministério da Saúde (MS), ligada diretamente ao Ministro

da Saúde, em meio a um cenário ambíguo identificado como falência do modelo

SUS, “em que a humanização era reivindicada pelos usuários e alguns

trabalhadores e, no mínimo, secundarizada (quando não banalizada) pela maioria

dos gestores e dos profissionais” (BENEVIDES & PASSOS, 2005b, p. 389).

Subordinada ao SUS – no sentido de uma hierarquia de leis – a PNH passa a

receber deste, sua permanente orientação, para a instituição racional de

princípios, diretrizes, método de ação e dispositivos em fóruns permanentes de

questionamentos. Era principalmente, de acordo com Benevides e Passos (2005a,

p. 562), “o modo coletivo e co-gestivo de produção de saúde e de sujeitos

implicados nesta produção que deveria orientar a construção da PNH como

política pública”.

A emergência da PNH neste cenário das políticas públicas decorre de um

movimento coletivo conduzido por um grupo no MS no sentido de acumular forças

para alterar os modos de atenção e gestão no SUS, buscando fazer, por meio de

consensos éticos, os interesses coletivos. A PNH como política de governo

reafirma o SUS como uma política de Estado e propõe-se a operar na esfera

pública, no limite entre a máquina do Estado e o plano coletivo e a resgatar deste

plano coletivo o movimento da Reforma Sanitária Brasileira (RSB), por meio de

uma aposta ético-estético-política: ética porque implica a atitude de usuários,

gestores e trabalhadores de saúde comprometidos e co-responsáveis; estética

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porque acarreta um processo criativo e sensível de produção da saúde e de

subjetividades autônomas e protagonistas; política porque se refere à organização

social e institucional das práticas de atenção e gestão na rede do SUS (BRASIL,

2006a). O compromisso ético-político da PNH com o SUS se assenta nos valores

de “autonomia e protagonismo dos sujeitos, de co-responsabilidade entre eles, de

solidariedade dos vínculos estabelecidos, dos direitos dos usuários e da

participação coletiva no processo de gestão” (BRASIL, 2006a, p. 28).

Mas, para assegurar o cumprimento dos acordos políticos, são cruciais a

credibilidade da política pública e a capacidade que os atores políticos têm de

fazer acordos intertemporais e assegurar que estes sejam cumpridos (BANCO

INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO, 2007). Em 2003, na PNH,

construíram-se “as bases da política e, em 2004, foi possível ampliar

significativamente seu raio de ação desenvolvendo um intenso processo de

discussões e pactuações no âmbito dos Estados, municípios e serviços”

(BENEVIDES & PASSOS, 2005a, p. 570). Neste período, mesmo sem

legitimidade jurídica (A PNH nunca foi publicada no Diário Oficial da União),

destaca-se a capacidade dos profissionais atuantes na PNH de cooperar, de

atuar, juntamente com outros, na busca de bases de apoio à ação transformadora,

por meio de inclusão dos parâmetros de humanização em documentos/políticas de

saúde, tais como: na Programação Pactuada Integrada (PPI) da Política Nacional

de Atenção às Urgências (Portaria GM nº 1863, de 29/9/03); na Política Nacional

de Atenção em Traumato-Ortopedia de Alta complexidade onde foi estabelecido

que as Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Traumato-Ortopedia e

os Centros de Referência de Alta Complexidade em Traumato-Ortopedia devem

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respeitar os critérios determinados pela PNH (Portaria Nº 1167, de 15/6/2004); na

participação na pactuação da portaria que institui a Política Nacional de Atenção

ao Portador de doença renal; na Construção do PNASS (Programa Nacional de

Avaliação dos Serviços de Saúde); na atenção básica, onde várias medidas

importantes foram adotadas incorporando os parâmetros propostos pela Política

de Humanização, especialmente no Pacto da Atenção Básica que estabelece

indicadores, fluxos e datas de pactuação com municípios (Portaria GM nº 2394, de

19 de dezembro de 2003) e nos critérios para atribuição do Prêmio Fernandes

Figueira, que objetiva conhecer as experiências de humanização no cuidado com

a criança (Portaria GM nº 272, de 27 de fevereiro de 2004).

Apesar dos avanços no sentido da inclusão dos parâmetros de humanização em

documentos/políticas de saúde, a produção das mudanças não alcançou a

velocidade desejada, uma vez que atravessada por múltiplos interesses.

[...] a organização dos serviços de saúde é permanentemente atravessada por interesses múltiplos de grupos sociais, forças instituintes que tensionam e provocam mudanças nas regras e nas práticas de saúde. Nem mesmo a direção das mudanças está assegurada e a disputa entre interesses antagônicos como privatização e o bem comum, teses universalistas ou restritivas de acesso, a oferta de práticas integrais ou cardápios básicos, entre outros, se depura e se define no jogo da política (PASCHE, 2008, p. 03).

Em 2005, num cenário político que se altera com a mudança na formulação e

condução das políticas de saúde, a PNH desloca-se no organograma do Ministério

da Saúde (MS), da Secretaria Executiva para a Secretaria de Atenção à Saúde

(SAS), e a equipe da PNH vive uma instabilidade com relação aos

desdobramentos destas mudanças, sem saber “se os princípios construídos

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nestas experimentações poderão reverberar nas novas configurações da máquina

do Estado” (BENEVIDES & PASSOS, 2005b, p. 562).

Em meio aos avanços do SUS, no sentido de tomar a saúde como um valor social,

tal situação expressa, segundo Pasche (2008), o tamanho dos desafios que se

tem pela frente, que ainda traz marcas, em sua estrutura e organização, de

concepções que se hegemonizaram e instituíram um sistema privado,

assistencialista e essencialmente focado na intervenção sobre doenças, portanto,

desprovido de capacidade de colocar a vida, a produção de saúde e o humano

como centro da ação política de saúde. Nesse contexto, o SUS é considerado

como sendo, ao mesmo tempo, mudança e conservação e a PNH se apresenta

(ou se re-apresenta) neste duplo reconhecimento, de que há “um SUS que dá

certo”, mas que também existem problemas e contradições que necessitam ser

enfrentados (PASCHE, 2008).

No enfrentamento dessas contradições, o fato de a PNH partir de “um SUS que dá

certo” demarca uma sensível e radical diferença, pois ressalta um importante

deslocamento metodológico da PNH para a prática cotidiana.

[...], pois ali onde se anunciava o problema (os modos de gerir e de cuidar), onde se localizava as dificuldades mais radicais (ação autônoma dos sujeitos) e a impossibilidade da construção de planos de ação comum (relação entre sujeitos com interesses e necessidades não coincidentes) é que se vai buscar a força e a possibilidade da produção da mudança. Ação de contágio e afecção pelo SUS que dá certo, que “dá certo” como modo de fazer e como direção ético-política (PASCHE, 2008, p. 05).

Nesse nível da utopia de “um SUS que dá certo”, afirma-se uma ordem social

ainda inexistente, mas que, ao mesmo tempo, tem que ser pressuposta como já

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real. Segundo Habermas, a utopia pode converter-se em realidade, concretizando-

se em práticas cotidianas por meio da ação comunicativa (FREITAG, 2005).

A PNH, como política de governo, traz para o âmbito institucional o desafio de

operacionalizar mudanças nos modelos de atenção e gestão, num contexto de

práticas fragmentadas e de banalização da temática humanização, em meio a

forte presença da cultura sanitária biomédica hospitalocêntrica e de interesses

privados, corporativos e político-partidários na definição de políticas de saúde e na

organização de serviços de saúde (privatização). A PNH no cotidiano das práticas

apresenta a possibilidade de teorizar o surgimento e a consolidação do SUS como

um sistema normativo verbalmente mediatizados, com a função de assegurar a

interação dos membros do grupo. Nessa conjuntura institucional e como política

de governo, a PNH reafirma o SUS como política de Estado e propõe-se construir

o SUS como política pública, a partir de um processo no plano coletivo para alterar

os modos de fazer, de trabalhar e de produzir no campo da saúde. Nessa série

governo-Estado-políticas públicas, o que se produz no plano do coletivo é o “que

garante o sentido público das políticas que também atravessam o Estado”

(BENEVIDES & PASSOS, 2005a, p. 566).

A aposta da PNH na democratização institucional demanda produzir consensos

éticos suficientes para desencadear processos de decisão institucional e escolhas

de estratégias de gestão coerentes com os princípios e método da PNH. Porém,

num contexto de uma crise de identidade institucional, marcada pela erosão de

paradigmas tradicionais (o médico, o do serviço público e o profissional)

(CREMADEZ & GRATEAU, 1997), aumentam-se as dificuldades para promover o

entendimento (em nível cultural, de integração social e solidariedade, e da

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formação da identidade pessoal) em decorrência de falhas nos processos de

reprodução para a conservação dos componentes estruturais do mundo da vida.

As falhas nos mecanismos de reprodução ficam em evidência quando as situações novas não podem ser articuladas com os estados ou recursos do mundo existente, isto é, quando o estoque de saber válido, as normas sociais e as capacidades da personalidade não conseguem dar conta das novas situações, promovendo o entendimento, a interação social e a motivação individual (ou quando esses recursos não se renovam ou se atualizam na medida suficiente para o cumprimento de suas funções (RIVERA, 1995, p. 61).

Por outro lado, os momentos de “crise” e de novos desafios também proporcionam

a oportunidade de tematização de fragmentos do mundo da vida (ARTMANN,

2001).

Um grande problema que se coloca a partir do deslocamento metodológico da

PNH para o cotidiano das práticas dos serviços de saúde diz respeito à

coordenação de produção de consensos às tarefas pragmáticas que, segundo

Habermas (1993), exige um tipo de ação diferente das éticas e morais.

Os problemas práticos que se impõem em diferentes situações exigem, de acordo

com Habermas (1993), a busca de fundamentos para a decisão racional entre

diferentes possibilidades de ação a fim de alcançar uma meta determinada. Este

autor entende por razão prática a capacidade de fundamentar imperativos onde se

modifique, conforme a referência à ação ou tipo de decisões a serem tomadas,

não apenas o sentido ilocutório do “ter de” ou do “dever”, mas também o conceito

de vontade, que deve poder ser determinada a cada momento por imperativos

fundamentados racionalmente.

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De acordo com Habermas (1993), diante de uma tarefa a ser vencida de maneira

prática, este autor parte da seguinte questão que agora se põe ao indivíduo: como

devo comportar-me, que devo fazer? Esse “dever” guarda um sentido não-

específico com relação aos modos pragmático, ético e moral sob os aspectos

daquilo que é adequado a fins, do bom e do justo, respectivamente. Assim, o uso

pragmático, ético e moral da razão prática tende a indicações técnicas e

estratégicas de ação, a conselhos e a juízos morais.

No âmbito pragmático, a efetividade das políticas de saúde decorre do agir social

no sentido de se adquirir capacidade no próprio setor saúde em lidar com suas

questões, fazendo prevalecer interesses coletivos. Nas interações mediadas pela

linguagem onde aparecem os dois tipos de ação: comunicativa e estratégica,

Habermas (1990) emprega o termo “agir social” ou “interação” como um conceito

complexo para a solução de um problema de coordenação de um jogo de

possibilidades de escolhas contingentes e conflitantes, onde o agir comunicativo e

o agir estratégico encontram-se ligados um ao outro. Mas, esta ligação não

significa que a racionalidade orientada para um fim e a racionalidade orientada

para o entendimento sejam intercambiáveis.

A racionalidade orientada para um fim aponta para as condições necessárias a uma intervenção, eficiente do ponto de vista causal, no mundo dos estados de coisas existentes; ao passo que a racionalidade dos processos de entendimento mede-se pelo conjunto de condições de validade exigidas para atos de fala, e por razões para o resgate discursivo dessas premissas. O formato das condições requeridas para a racionalidade de ações de fala bem sucedidas não é o mesmo das condições para o sucesso da racionalidade da atividade que visa fins (HABERMAS, 1990, p. 70).

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Habermas (1990, p. 70) considera “a atividade que visa fins e o agir orientado para

o entendimento como tipos elementares de ação, irredutíveis um ao outro”. Assim,

nas experiências concretas dos serviços de saúde, a implementação do SUS

como uma política pública exige um consenso para sua inserção na política

institucional como uma orientação moral e ética na escolha dos objetivos gerais da

empresa e da dinâmica estratégia-estrutura utilizada para atingir estes objetivos.

Após esse entendimento, a reflexão prática sobre a política institucional - já

afirmada como a ciência de liberdade da instituição e que depende da vontade

individual - transcorre no horizonte da racionalidade de fins, com a meta de

encontrar técnicas e estratégias adequadas ao enfrentamento dos problemas que

marcam o mundo da vida dos atores inseridos na política pública de saúde no

Brasil. Nesse sentido, concretizar o SUS no cotidiano dos serviços de saúde exige

tanto a apropriação, por meio da PNH, das diretrizes ético-políticas do SUS (a

racionalidade dos processos de entendimento) quanto a sua materialização em

ações estratégicas nas instituições públicas brasileiras (racionalidade orientada

para um fim).

Tarefas pragmáticas colocam-se da perspectiva de um agente com

governabilidade para desencadear processos de decisão institucional e que parte

de seu horizonte individual, de suas metas e preferências. Esta interação

linguisticamente mediada representa um exemplo de ação não orientada ao

entendimento, embora não signifique que os conflitos não possam ser decididos

ou contidos e postos sob controle, bem como apaziguados por um interesse

mútuo (HABERMAS, 1993).

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Num nível geral, segundo Habermas (1990), certamente todas as ações,

lingüísticas e não lingüísticas, podem ser apreendidas como uma atividade

orientada para um fim. No entanto, a partir do momento em que desejamos fazer

uma distinção entre ação de entendimento e atividade para um fim, temos que

levar em conta que a teoria da linguagem e a teoria da ação não atribuem o

mesmo sentido ao jogo teleológico de linguagem, no qual os atores perseguem

objetivos, têm sucesso ou produzem resultados da ação. A atividade orientada

para um fim é descrita como sendo uma intervenção causal no mundo objetivo

efetiva e dirigida para um fim. Ao fim escolhido sob pontos de vista axiológicos

corresponde um estado no mundo, que deve adquirir forma e existência através

da escolha e da aplicação de meios supostamente adequados. Por outro lado, de

acordo com Habermas (1990), o consenso sobre algo se mede pelo

reconhecimento intersubjetivo da validade de um proferimento fundamentalmente

aberto à crítica. É nesse sentido que, mesmo no contexto da assimetria de

poder/saber inscrita na relação médico-paciente, destaca-se a possibilidade de se

estabelecer uma relação comunicativa entre profissional de saúde e usuário

quando alicerçada em uma base ética de correção normativa, entendida como a

aceitação da alteridade (ARTMANN & RIVERA, 2006).

Mas, existe uma diferença entre compreender o significado de uma expressão

lingüística e entender-se com alguém sobre algo com o auxílio de uma expressão

tida como válida. Da mesma forma, para Habermas (1990), é preciso distinguir

claramente entre um proferimento válido e um proferimento tido como válido. No

entanto, não é possível dissociar plenamente questões de significado de questões

de validez, nem é possível dissociar a razão que se revela no conhecimento e na

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ação, da razão que se desvenda da atividade dos sujeitos lingüísticos e que tem

como único objetivo o entendimento. Na linguagem, as dimensões do significado e

da validez estão ligadas internamente.

Não é possível isolar, de um lado, a questão fundamental da teoria do significado, isto é, o que significa compreender o significado de uma expressão lingüística, e, de outro lado, a questão referente ao contexto em que essa expressão pode ser aceita com válida. Pois, não saberíamos o que significa compreender o significado de uma expressão lingüística, caso não soubéssemos como utilizá-la para nos entendermos com alguém sobre algo. Podemos ler nas próprias condições para a compreensão de expressões lingüísticas que os atos de fala, que podem ser formados com o seu auxílio, apontam para um consenso racionalmente motivado sobre o que é dito (HABERMAS, 1990, p. 77).

No contexto habermasiano em que linguagem e cultura se condicionam

mutuamente, a linguagem conserva as tradições culturais, mas, a cultura também

marca a linguagem, pois a capacidade semântica de uma linguagem depende da

complexidade dos conteúdos culturais, dos padrões de interpretação, avaliação e

expressão que essa linguagem acumula (RIVERA, 1995). Assim, em meio aos

diversos sentidos atribuídos ao termo humanização no cotidiano dos serviços, a

orientação pela possível validade de proferimentos da PNH exige, não só o

entendimento, mas também a própria compreensão de sua linguagem, ou seja, só

se pode visar o consenso, se, inicialmente, houver compreensão do significado

lingüístico de que humano e de que humanização está se falando. As análises

lingüísticas realizadas a partir dos textos oficiais de humanização (relatada no

primeiro artigo intitulado “Humanização da Saúde: diferentes concepções numa

cultura em transição”) e a partir da linguagem dos profissionais de saúde num

contexto pedagógico (descrita no segundo artigo intitulado “Humanização da

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Saúde num serviço de emergência de um hospital público: comparação sobre

representações sociais dos profissionais antes e após a capacitação”) auxiliam na

compreensão dessa linguagem entendida como pano de fundo comum aos atores

envolvidos numa dada situação.

Uma vez que “o mundo da vida corresponde à linguagem e ao reservatório cultural

em cujo contexto os sujeitos desenvolvem a interpretação de uma situação e uma

ação concreta” (RIVERA, 1995, p. 58), a compreensão lingüística da temática

humanização passa a compor o conceito de mundo da vida, no que diz respeito ao

conjunto de recursos interpretativos que os atores utilizam para definir suas

situações de ação, a partir dos fins dos agentes. Nesse sentido, altera-se o nível

de racionalização da ação comunicativa que depende “do desenvolvimento

cognitivo-moral dos indivíduos e do grau de desenvolvimento normativo dos

coletivos, os quais se acumulam como capacidades do mundo da vida” (RIVERA,

1995, p. 60).

Ao evidenciar diferentes concepções de humano e de humanização que norteiam

os textos oficiais e a linguagem cotidiana dos profissionais de saúde, as análises

lingüísticas realizadas nestes dois primeiros artigos, apontam para a existência de

uma cultura em transição, por meio do reconhecimento de paradoxos relacionados

à humanização no interior da cultura institucional, incluindo os paradoxos advindos

do Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) como

seu antecedente histórico. Ressalta-se a importância deste reconhecimento,

observando o fato de que, para se construir um sistema de gestão coerente com

processos comunicativos de aprendizagem afinados com a proposta da PNH,

deve-se levar em conta diferentes compreensões lingüísticas que interferem nos

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discursos e processos intersubjetivos de entendimento e que permanecem como

“pano de fundo” não tematizado.

Na direção da crítica habermasiana ao semanticismo para elucidar a questão da

razão por meio da linguagem, destaca-se a limitação das análises lingüísticas

realizadas pelos softwares ALCESTE e EVOC à luz da Teoria da Representação

Social, no sentido da relação que se estabelece entre linguagem e um mundo (ou

no máximo, dois), sem considerar que na ação comunicativa é necessária a

referência aos três mundos (objetivo, normativo e subjetivo) articulados pelo

mundo da vida dos atores (HABERMAS, 1996). Nesse sentido, os discursos

produzidos nesses contextos pedagógicos, no mesmo sentido da análise de

Peters (LUCHI, 2008) sobre o espaço público deliberativo, não teriam como

função primordial conduzir a um consenso explícito, mas promover um

aprendizado social.

No contexto das práticas concretas de saúde onde o agir comunicativo e o agir

estratégico encontram-se ligados um ao outro, a PNH destaca-se como um

“catalizador dos movimentos instituintes que insistem no SUS” (BENEVIDES &

PASSOS, 2005b, p. 392) por meio da análise crítica das lógicas e relações

vigentes e da sua aposta na re-significação dos processos relacionais.

A perspectiva do mundo da vida traduz a vivência da sociedade a partir de atores

concretos, envolvidos em situações específicas, na sua práxis cotidiana. Dessa

forma, a apropriação dos princípios e diretrizes da PNH no cotidiano dos serviços

de saúde e sua materialização em ação prática nas instituições públicas

brasileiras instiga a busca de estratégias que garantam a ampliação de coletivos

que possam multiplicar discussões e intervenções à luz de sua aposta em

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tecnologias relacionais, no aumento do grau de comunicação, a fim de garantir

práticas de co-responsabilização, de co-gestão e de grupalização.

Entretanto, como toda proposta que é diretriz teórico-filosófica, campo discursivo, mas também se materializa em ação institucionalizada, demanda uma análise de sua incorporação, leituras e apropriações no cotidiano dos serviços. Como as propostas de humanização são incorporadas às regras, hierarquias, negociações das instituições de saúde? Como as “políticas de humanização” se transformam em ação prática e como são renegociadas pelos sujeitos nesta ação prática? [...] Que potencial de transformação de uma modelo tecno-assistencial estas propostas contêm e como afetam seus agentes? (DESLANDES & AYRES, 2005, p. 510).

Estas questões levantadas pelos autores acima, podem ser entendidas como uma

provocação no sentido de buscar alternativas para a reorientação das práticas nos

serviços públicos de saúde no Brasil. Mas, uma ação orientada ao êxito

caracteriza-se por ser objetivante, técnica e estrategicamente utilizável, com a

pretensão de eficácia a partir de influência sobre o mundo objetivo e, nesse

sentido, a meta é encontrar técnicas, estratégias ou programas adequados a esse

fim. Tais estratégias de intervenção devem ser assumidas pelas instituições de

saúde, reconhecidas como as organizações formais encarregadas de implementar

as políticas públicas.

Na prática cotidiana, nos deparamos com inúmeros problemas práticos e vivemos

em constante tensão devido ao choque entre o importante e o urgente. O

problema é que a tarefa importante precisa ser executada, mas sofre uma pressão

interminável das tarefas urgentes (o famoso “apaga incêndio”) que exigem

providências imediatas (MATUS, 1996). Os problemas têm sempre algo de

objetivo. De acordo com Habermas, “somos confrontados com problemas que vêm

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ao nosso encontro. Esses mesmos problemas têm uma força definidora de

situação (eine situationsdefinierende Kraft) e requerem, por assim dizer, nosso

espírito segundo a própria lógica deles” (1993, p. 303).

Com a complexidade constante das organizações modernas, “uma verdadeira

compreensão do todo societário pressupõe, na perspectiva da ação comunicativa,

integrar os dois pólos de observação: o do mundo vivido e o do sistema”

(FREITAG, 2005, p. 42). A inserção da perspectiva sistêmica transmite a visão da

sociedade como um todo, com sua estrutura própria, com seus mecanismos para

a preservação dos limites e do equilíbrio interno, transcendendo os interesses e as

motivações de atores individuais, envolvidos em situações concretas, incapazes

de verem os “imperativos” sistêmicos ou funcionais (reprodução material da vida,

poder) mais do que coerções e exigências anônimas, muitas vezes insuportáveis

(FREITAG, 2005, p. 42). Nesse contexto pragmático, a ponderação das metas

orientada para valores e a ponderação dos meios disponíveis mediante a

racionalidade de fins servem à decisão racional sobre como intervir no mundo

objetivo para provocar um estado desejado.

Buscamos, então, fundamentos para uma decisão racional entre diferentes possibilidades de ação frente a uma tarefa que “temos de” (müssen) solucionar, se quisermos alcançar uma meta determinada. As metas também podem, elas mesmas, tornar-se problemáticas [...] isso depende, acima de tudo, de nossas preferências e opções que se nos abrem numa dada situação. Uma vez mais buscamos fundamentos para uma decisão racional – desta vez entre as próprias metas. Em ambos os casos, aquilo que se “deve” (soll) fazer de uma maneira racional é determinado, em parte, por aquilo que se quer: trata-se de uma escolha racional dos meios a partir das metas dadas ou de uma ponderação racional das metas a partir das preferências existentes (HABERMAS, 1993, p. 289).

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Caso a vontade do agente institucional já esteja previamente estabelecida

faticamente por desejos e valores relacionados ao SUS como direito moral, esta

vontade abre-se a outras determinações no que concerne a alternativas quanto à

escolha dos meios ou à fixação de metas para solidificar o SUS no cotidiano dos

serviços de saúde. Para Habermas (1993), a partir do conhecimento moral, este

agir “trata-se essencialmente de elucidação de questões empíricas e de questões

de escolha racional, ou seja, corresponde à recomendação de uma tecnologia

adequada ou de um programa exeqüível” (p. 295). Essa reflexão prática transcorre

no horizonte da racionalidade de fins com a meta de encontrar um modelo de

gestão adequado à operacionalização do SUS no cotidiano das práticas de saúde.

Nesse sentido, a Démarche, como uma ferramenta estratégica, pode ser

considerada uma atividade propositiva, uma intervenção orientada e causalmente

eficaz para o cumprimento de objetivos no mundo objetivo, como por exemplo,

quando considera demandas relacionadas à situação epidemiológica na fase da

análise do existente e na análise competitiva dos segmentos. Contudo, ao

considerar como critério de valorização dos segmentos, a motivação dos atores e

o compartilhamento da missão institucional, inclusive valores, assim como na

construção consensual do plano de ação, este enfoque relaciona-se com o mundo

normativo/social e subjetivo dos atores.

Os atos de fala constatativos, característicos desse contexto estratégico,

sustentam a produção de efeitos perlocucionários sobre objetos físicos e são

adquiridos por meio “de mecanismos especializados de aprendizagem que

transmitem habilidades técnicas e qualificações profissionais. O mau uso destas

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técnicas é punido como incompetência. Ou seja, o critério de validade desse saber

é a eficiência” (THOMPSON apud RIVERA, 1995, p. 36).

É coerente, com a formulação habermasiana, o fato de que os processos

interpretativos percorrem várias fases, sendo possível identificar perlocuções em

contextos de ação comunicativa e atos comunicativos em contextos de ação

estratégica (HABERMAS apud RIVERA, 1995). Ao propor-se a romper com a

dissociação entre a direção estratégica e os serviços da ponta, em busca da

consecução do planejamento contínuo, flexível e ajustado, buscando fomentar um

conjunto coerente de projetos (ARTMANN & RIVERA, 2003), a teleologia dos

planos individuais de ação da Démarche é interrompida pelo mecanismo

coordenador da ação para se conseguir um entendimento, pois esses objetivos

não podem ser alcançados sem a livre cooperação e concordância.

Nesta concepção de ato de fala como um meio cuja finalidade é chegar ao

entendimento, o objetivo da ação, previamente determinado independentemente

dos meios de intervenção e como estado a ser criado causalmente no mundo

objetivo, passa a ser dividido em subcategorias segundo o qual o ouvinte deverá

entender o significado daquilo que é dito e deverá reconhecer a validade da

expressão (HABERMAS, 1996). Este aspecto comunicativo da Démarche obriga

os participantes a alterar a sua perspectiva, “de uma atitude objetivante do agente

orientado para o sucesso, que procura conseguir algo no mundo, para uma atitude

performativa do falante, que tenta entender-se com uma segunda pessoa acerca

de algo” (HABERMAS, 1996, p. 177).

Nesse contexto, ressalta-se o potencial comunicativo da Démarche no sentido de

considerar a possibilidade do entendimento, da cooperação e da negociação,

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numa ação prática estratégica de redefinição da missão institucional numa

perspectiva de rede coordenada de serviços. Ao propor-se enfrentar as situações

problematizadas, este método possibilita a liberação do potencial de racionalidade

contido na ação orientada para o entendimento mútuo e sua transformação em

racionalização do mundo vivido.

A aplicação da démarche não é um processo apenas formal, que se resume à documentação pertinente aos processos centralizados na Unidade de Análise Estratégica ou na Coordenação/ Assessoria de Planejamento nos hospitais. Sua lógica de implementação, baseada em reuniões colegiadas, insere-se no objetivo de motivar uma comunicação ampla a serviço de uma mudança cultural. O desafio implícito é articular um coletivo em torno de um projeto único, que considere a rede. Os resultados da démarche medem-se ao longo do tempo, em um processo progressivo, interativo, sempre exploratório, capaz de impactos culturais decisivos. Isto não é tarefa fácil, assimilável à condição de uma gestão racionalizadora ou estabilizadora, de efeitos imediatos. Trata-se da construção da colaboração, através, principalmente, de novas parcerias, do aprofundamento de sinergias internas e de uma nova postura, mais comunicativa entre os diferentes profissionais/atores (ARTMANN, 2002b, p. 322).

Esse duplo caráter de ação, caracterizado pelo acréscimo da dimensão

comunicativa ao aspecto individual, se expressa, de acordo com Habermas apud

Rivera (1995, p. 48), “pela distinção entre ação e ato comunicativo, referindo-se à

distinção entre o impacto efetivo da ação sobre o mundo externo, de um lado, e à

organização prévia, comunicativa, da ação”.

O êxito na realização de um plano de ação se mede pelo impacto real atingido (pelo cumprimento do plano) e pelo grau de entendimento alcançado sobre o plano. Evitar o risco de que o entendimento fracasse é para Habermas uma condição necessária para evitar o risco do fracasso do plano posto em prática (RIVERA, 1995, p. 48).

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No âmbito da ação comunicativa, pelo fato desta obtenção de entendimento “se

aplicar a fatos e razões relativos ao agente em termos de expressões de vontade

unilaterais” (HABERMAS, 1996, p. 205), esta ação é considerada fraca. Na

compreensão habermasiana, a ação comunicativa é dividida em dois tipos: a ação

comunicativa num sentido fraco e a ação comunicativa num sentido forte.

Falaremos de acção comunicativa num sentido fraco sempre que a obtenção de entendimento se aplicar a factos e razões relativos ao agente em termos de expressões de vontades unilaterais; e falaremos de acção comunicativa num sentido forte sempre que o entendimento se estender às razões normativas para a seleção dos próprios objectivos. Neste último caso, os participantes referem-se a orientações de valor intersubjectivamente partilhadas que – indo para além das suas preferências pessoais – vinculam as suas vontades. Na acção comunicativa fraca os agentes são orientados apenas para as pretensões de verdade e sinceridade, enquanto que na forte o são também para as pretensões de correcção intersubjectivamente reconhecidas. No caso da acção comunicativa forte, é não só a liberdade de escolha arbitrária que é pressuposta, mas também a autonomia, no sentido de união de vontades com base em discernimentos normativos (HABERMAS, 1996, p. 205).

O gerenciamento estratégico se fundamenta em uma concordância na formulação

concreta de um projeto na organização. Com relação à coordenação da ação

orientada para o entendimento num sentido fraco, destaca-se a natureza limitada

da concordância. Neste sentido, pode-se considerar a aplicação adaptada da

Démarche num hospital público estadual, com informantes-chaves (descrita no

terceiro artigo desta tese intitulada “Démarche Estratégica em unidade materno

infantil”) como uma forma de ação comunicativa fraca, pois não houve maior

interação entre os atores e, portanto, não se pode dizer que as pretensões de

validade tiveram caráter normativo.

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Dentro do limite performativo da ação comunicativa fraca, ainda não se espera do

outro que seja guiado por normas ou valores comuns e que reconheçam

obrigações recíprocas (HABERMAS, 1996). Porém, mesmo com essa limitação,

ressalta-se a importância estratégica e comunicativa da aplicação adaptada do

enfoque em facilitar, inclusive em hospitais com baixa autonomia decisória, o

processo de revisão da missão, por meio da produção da base comum de

entendimento. Ao longo do tempo, essa capacidade comunicativa da Démarche

pode ser avaliada pelo acesso às expressões públicas de opinião do coletivo

institucional e o quão racional é o nível de trato dos problemas.

Como resultado alcançado posteriormente, a partir do estudo realizado no terceiro

artigo, o fato de a Unidade Materno Infantil passar a constar do projeto de

construção do novo hospital, evidencia a incorporação das propostas da

Démarche pela direção estratégica do hospital juntamente com os outros atores

da instituição. Nesse contexto, ressalta-se o potencial comunicativo do método,

que permite partilhar o futuro da organização entre os diferentes atores envolvidos

no processo de produção, incluindo-os na formulação de políticas, no processo de

trabalho e na avaliação dos resultados e impactos na produção organizacional.

A aplicação do enfoque Démarche Estratégica em um instituto de pesquisa

(relatada no quarto artigo intitulado “A experiência da Démarche Estratégica numa

instituição de pesquisa”) considerou a proposta original de Crémadez e Grateau

(1997), com a interação direta com os diferentes atores, e proporcionou uma

oportunidade de tematização de certos “inquestionáveis” institucionais e uma ação

comunicativa no sentido forte. De acordo com estes autores, o questionamento da

legitimidade de uma instituição é o primeiro sinal do mal-estar crescente dos

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indivíduos. Nesse sentido, ao definir planos comuns e superar a dicotomia

expressa entre o nível estratégico e operacional, esse modelo

estratégico/comunicativo teve o potencial de fomentar a inclusão dos sujeitos,-

vencendo inclusive a resistência das corporações profissionais, apontada por

Cecílio (1997) - nos arranjos, processos e dispositivos de gestão (em

concordância com o método da PNH de inclusão dos sujeitos nos processos de

produção das próprias mudanças) e de compreender o sentido da

inseparabilidade entre os modos de atenção e gestão e o da transversalização de

saberes, poderes e afetos no cotidiano das práticas de saúde (Princípios da

Política Nacional de Humanização).

Nesta experiência de aplicação da Démarche Estratégica numa instituição de

pesquisa, observou-se a transparência, o compartilhamento de informação, a

reconstrução dos diferentes domínios de atividades explorando as potenciais

sinergias, a construção da pedagogia de avaliação, a introdução do raciocínio dos

custos de oportunidades e a estimulação de projetos que permitem a captação de

recursos adicionais, que são os instrumentos com os quais a Démarche propõe-se

a fomentar e produzir uma rede de solidariedade (ARTMANN & RIVERA, 2003).

Na mesma direção, a PNH propõe a inclusão de coletivos, redes e movimentos

sociais.

Partindo-se da constatação de que de nada adianta afirmar o desejo e os valores

relacionados ao SUS como direito moral se este não for implementado, deve-se

concluir que a decisão política institucional em escolher e implementar um modelo

de gestão, coerente com os princípios e diretrizes da PNH, é indispensável à

realização deste direito. Dessas observações podemos considerar a Démarche

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Estratégica como um modelo de gestão estratégica, com caráter de ação

comunicativa, aplicável à realidade hospitalar brasileira, como instrumento

potencializador da humanização, com promissoras possibilidades de impacto

positivo nas práticas.

Ainda no âmbito pragmático, outro aspecto importante a ser considerado no

contexto brasileiro das práticas de saúde é o fato de o poder e a vontade do

agente institucional, muitas vezes, não estarem ancorados nos parâmetros ético-

morais do SUS. Aqui, por exemplo, a utilização de análises de custo-benefício

econômico em questões da saúde podem encontrar-se desvinculada dos valores e

da ética. Tal situação expressa a dissociação entre o mundo da vida e o sistema,

e a racionalização, entendida por Habermas como “colonização do mundo da

vida”, que coloca em risco a implementação do SUS.

Nesse sentido, a pergunta habermasiana “Que devo fazer?” aponta além do

horizonte da racionalidade de fins e, têm-se decisões complexas a serem

tomadas, que, para este autor, não se trata somente de uma questão pragmática.

Segundo Habermas (1993), em decisões de importância vital tanto para as

instituições quanto para as políticas públicas, a preferência deve ser dada à razão

prática que tem como objetivo não apenas o que é adequado a fins, mas também

o que é bom, no âmbito da ética. Neste domínio, o agir comunicativo deve ter

primazia sobre o estratégico, principalmente porque as instituições políticas não

perduram sem legitimidade (apoiada nas normas e valores dos grupos sociais).

[...] o poder em geral precisa estar ancorado, em última instância, em leis e instituições políticas que dependem das convicções comuns que se formam num processo de comunicação não coercitiva. Para Habermas, no exercício administrativo coexistem, as formas de poder estratégico e comunicativo. Porém, a primazia

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é dada ao poder comunicativo, por varias razões alegadas pelo autor, das quais destacamos duas: a) porque a longo prazo as instituições políticas não perduram sem legitimidade e b) porque não são possíveis ganhos de poder através da ampliação de recursos administrativos sem considerar, mesmo que indiretamente, a questão da legitimidade. Para Habermas, é difícil se conseguir uma ampliação do poder pela violência ou pela manipulação sistemática de apoios. Portanto, a fonte última do poder é práxis (HABERMAS apud ARTMANN, 1993, p. 167).

Tal fato aponta para a complexidade da práxis social onde o entendimento livre de

dominação só pode ser alcançado na medida em que os conflitos interpessoais,

que surgem do processo de formação do coletivo institucional, sejam percebidos

como um problema moral, o que depende de uma mudança radical nessa

perspectiva e postura (HABERMAS, 1993). Nessa circunstância em que as

orientações são de valor ético e moral, não cabem decisões triviais ou fracas, as

quais não exigem fundamentação. Impõem-se as preferências fortes, que são

entendidas como:

[...] valorações que não concernem apenas às disposições e inclinações contingentes, mas também à compreensão de si (Selbstverständnis) de uma pessoa, ao tipo de vida que tem, ao caráter, tais valorações estão entrelaçadas com a identidade de cada um. Essa circunstância não empresta apenas um peso às decisões existenciais, mas também um contexto no qual elas são tanto carentes quanto capazes de fundamentação (HABERMAS, 1993, p. 291).

Nessa busca conjunta de metas, a instituição depara-se com a realidade da

vontade alheia e, na complexidade social em que o interesse próprio deve ser

harmonizado aos interesses coletivo, o discurso pragmático aponta para a

necessidade de compromissos (HABERMAS, 1993), que por sua vez, sustenta-se

na democracia.

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Na perspectiva da saúde pública como direito social, é a democracia que garante

a participação do cidadão, e que, de acordo com Melo (2005, p. 168), “é tão

constitutiva para o campo da saúde como o são os conhecimentos técnico-

científicos específicos da área, mesmo os mais sofisticados e complexos”. A

conquista social do direito à saúde constitui um grande avanço na direção da

cidadania, mas exige que sejam feitas adaptações e investimentos no âmbito da

ética, para que se efetivem as políticas públicas por meio de situações normativas

necessárias à garantia do SUS como identidade social e coletiva. A ética na

concepção de Habermas se refere à conformação, ou não, dos hábitos e

comportamentos individuais à moral, ou seja, aos valores e normas que a

sociedade institui para si. Desse modo, a operacionalização do SUS exige sua

legitimidade a partir da aceitabilidade racional das pretensões de validade

levantadas no cotidiano das organizações profissionais.

As pretensões de validade relativas à legitimidade do SUS inserem-se, por meio

da PNH, nas experiências concretas dos serviços de saúde a partir do discurso,

que sempre pressupõe uma situação de fala ideal, caracterizada pela simetria de

chances discursivas e dos conteúdos do conhecimento. Em busca de uma

concordância normativa, a PNH traz a tona uma linguagem que se refere ao

conteúdo ético e moral do SUS e aposta na autonomia e protagonismo dos

sujeitos, que em relação e guiados por orientações éticas, são capazes de

examinar o modo institucional de selecionar objetivos legítimos. Evidencia-se a

intenção de ampliar a racionalidade da ação social, para além da racionalidade

que se fundamenta na eficácia. Nesse âmbito social normativo, o emissor

considera-se autorizado para questionar o “inquestionável” mundo da vida que,

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por sua vez, pode modificar-se em direção ao modo de integração social, ao

serem contestadas as afirmações sobre a verdade dos fatos, a validade das

normas e a veracidade das manifestações subjetivas e reformuladas as

“aspirações de validade” dos atores em relação aos três mundos formais (o

objetivo, o social e o subjetivo ou interno). Ao possibilitar a livre atuação da razão

comunicativa em todas as esferas e instituições do mundo vivido e na busca dos

fins últimos do sistema, os processos do “desengate” e da “colonização” são

revertidos e o sistema é reacoplado ao mundo vivido (Habermas apud Freitag,

2005). Nesta perspectiva de integração social, a coordenação da ação opõe-se a

forma de integração sistêmica induzida por um controle não normativo de decisões

particulares.

Na ação comunicativa forte, os participantes contam com um mundo social

intersubjetivamente partilhado e presumem “não só que estão a ser orientados por

factos e que dizem o que consideram ser verdade e aquilo que pensam, mas

também que apenas podem cumprir os seus planos dentro dos limites das normas

e valores considerados válidos” (HABERMAS, 1996, p. 207). A continuidade ou a

mudança das normas e valores que regem o mundo da vida depende dessa

aceitação ou não por parte dos atores (FREITAG, 2005).

A aceitabilidade racional da Política de Humanização poderia envolver

possibilidades de uma ética intersubjetiva e de um verdadeiro consenso

embasadas na situação lingüística ideal, que é caracterizada por Habermas de

acordo com quatro condições: esfera pública, distribuição equitativa dos direitos

de comunicação, não violência e autenticidade. O questionamento de sua validade

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exigiria a instauração de um discurso, que permitiria criticar, renegociar e,

reinstaurar a validade de novas normas e valores (FREITAG, 2005).

O consenso na comunicação cotidiana só pode ser alcançado a partir de uma

determinada atitude predominante e que seja objetivante e de conformidade com

normas. A Política de Humanização deve ser entendida como parâmetro ético-

moral, como idéia reguladora. A estratégia de implementação desta política

poderia se dar por meio de um modelo de gestão comunicativa, como a

Démarche, que se revele como uma possibilidade concreta de restaurar o contrato

psicológico que liga os atores à instituição e alcançar um entendimento em torno

de uma política de co-participação, numa perspectiva de rede coordenada de

serviços.

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205

5 CONCLUSÃO

Na perspectiva de que é preciso fazer chegar o ideário da Reforma Sanitária ao

cidadão no seu dia-a-dia e de que a maior participação da sociedade se coloca

como diretriz para a construção de novos pactos (PAIM, 2008, p. 242), este estudo

parte da premissa segundo a qual a Política Nacional de Humanização (PNH)

constitui-se na possibilidade de resgate desse projeto de reforma social.

Nesse sentido, ao recorrer para fins de descrição e análise do aporte teórico de

humanização e da linguagem cotidiana dos profissionais de saúde, expôs-se a

necessidade de potencializar a implementação da PNH em instituições de saúde,

por meio da identificação de modelos de planejamento e gestão alternativos que

assegurem, na prática, o cumprimento de acordos políticos e de políticas

necessários ao envolvimento intertemporal de atores estratégicos e resultados.

O presente estudo apostou na Démarche Estratégica, como um método de

avaliação gerencial e de gestão em instituições de diferentes níveis de

complexidade. Na aproximação ao empírico, a partir da dupla abordagem, reflexão

e experimentação, os resultados apontam para a Démarche como um modelo de

gestão estratégica, com caráter de ação comunicativa, aplicável à realidade

hospitalar brasileira, como instrumento potencializador da humanização e com

promissoras possibilidades de impacto positivo nas práticas de saúde.

A estratégia adotada constatou que de nada adianta afirmar o desejo e os valores

relacionados ao SUS como direito moral se este não for implementado, e concluiu

que a escolha e a implementação de um modelo de gestão, coerente com os

princípios e diretrizes da PNH, é indispensável à realização deste direito e é uma

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206

decisão política institucional. Com relação à operacionalização da participação

social no cotidiano das práticas, a qual ainda é pequena, o enfoque da Démarche

valoriza e incentiva a participação dos trabalhadores da saúde, e abre-se à

possibilidade da participação popular, para além das instâncias formalizadas.

Porém, ainda é necessário ressaltar que, para a promoção do processo de

mudança, a Démarche Estratégica demanda investimentos em formação, a

transferência da metodologia para os atores internos e a crença dos atores na

possibilidade de mudança, e que o processo de aprendizagem e a mudança

cultural só poderão acontecer inseridos num tempo histórico e unidos a variáveis

como a maior estabilidade política e administrativa (ARTMANN & RIVERA, 2003).

Partindo do princípio de que as mudanças propostas pela PNH derivam do

consenso entre os atores, a Teoria da Ação Comunicativa e a Teoria Social de

Jürgen Habermas, tomadas como referenciais teóricos por este estudo permitiram

uma abordagem privilegiada sobre a relevância da comunicação e seu

indissociável relacionamento com a intervenção social e democracia. A

perspectiva pragmática, destacada a partir da utilização da Démarche Estratégica,

como uma ferramenta de gestão estratégica/comunicativa, foi analisada a partir de

seu encontro/confronto com a temática humanização, por meio do referencial

habermasiano. Este referencial tem possibilitado a compreensão da saúde como

direito como sendo resultante “do confronto entre, de um lado, os imperativos

sistêmicos, mediados pelo dinheiro e pelo poder e, do outro, os processos

comunicativos de formação política da opinião e da vontade, próprios do mundo

da vida e mediados pela solidariedade” (MELO, 2005, p. 167).

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207

As reflexões ensejadas neste estudo pressupõem que um tratamento prioritário a

essas questões, no conjunto da sociedade e no interior do SUS, nos âmbitos

moral, ético e pragmático, pode superar a lógica atual, na qual os interesses

econômicos de expansão de mercado e acumulação de capital se sobrepõem aos

interesses da cidadania e da saúde pública.

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