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4 Deficiência na terceira idade: uma reflexão sobre sua realidade e seus desafios [Artigo 4, páginas de 58 a 73] 58 b– Estudos sobre Envelhecimento Volume 29| Número 71 | Agosto de 2018

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4Deficiência na terceira idade: uma reflexão sobre sua realidade e seus desafios [Artigo 4, páginas de 58 a 73]

58 b – Estudos sobre Envelhecimento Volume 29| Número 71 | Agosto de 2018

Diego Marinho TorresAssistente social, graduado pelo Centro Universitário Plínio Leite – [email protected]

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Artigo 4Deficiência na terceira idade: uma reflexão sobre sua realidade e seus desafios

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abstractThis article aims to address the issue of aging. They will be highlighted in this theoretical production factors such as the challenges faced by older people with disabilities and regulatory frameworks for this segment of the population having as north the qualitative research methodology of bibliographic. It was found in this production to be old and poor in this society imposes great challenges to these individuals requiring an awareness of society and therefore reintegration of this segment of the population in the social environment.

Keywords: old man, deficiency, society, stigma, limitations.

Resumo O presente artigo tem por objetivo abordar a questão do envelhecimento. Serão destacados nesta produção teórica, fatores como os desafios enfrentados por idosos com deficiência e os marcos regulatórios para este segmento da população, tendo como norte a metodologia de pesquisa qualitativa de caráter bibliográfico. Foi possível constatar nesta produção que ser idoso e deficiente nesta sociedade impõe grandes desafios a estes indivíduos, sendo necessário um trabalho de conscientização da sociedade e, consequentemente, de reinserção deste segmento da população no meio social.

Palavras-chave: Idoso, deficiência, sociedade, estigma, limitações.

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INTRODUÇÃO Em uma sociedade onde impera a desigualdade social e a violência, não seria difícil encontrar uma temática para realização desta pesquisa. Contudo, ao longo da trajetória acadêmica, foi possível descobrir que não seria tão simples dedicar este período de estudo a uma temática co-mum, mas deveria, necessariamente, ser um tema que de alguma forma envolvesse o pesquisador. Portanto, a escolha da temática do envelhe-cimento foi motivada por uma rica experiência, adquirida enquanto estagiário na Associação Fluminense de Reabilitação.

A partir da definição do público alvo, a pesquisa direcionou a dis-cussão para os desafios e enfrentamentos vivenciados por idosos com deficiência, abordando questões referentes ao envelhecimento e à deficiência: a imagem e representação, as implicações da questão eco-nômica, a deficiência na velhice, as implicações físicas, emocionais e sociais. Além de contar com um breve esclarecimento a respeito das po-líticas públicas para o idoso, foram abordadas questões relacionadas à deficiência e à participação desse segmento nos espaços públicos e so-ciais. Para tanto, utilizamos a metodologia de pesquisa qualitativa de caráter bibliográfico para a construção do presente artigo.

2. O fenômeno do envelhecimentoO envelhecimento populacional, uma realidade vivida desde o advento da Revolução Industrial (VERAS, 2003), vem se consoli-dando desde o último quarto do século XX (CAMARANO, 2002). O aumento da expectativa de vida e, consequentemente, da longevi-dade vem proporcionando uma série de mudanças na estrutura de uma sociedade até então regida pelas demandas e contribuições de uma população jovem.

Apesar desta mudança demográfica, o cenário político e econômi-co do modelo neoliberal instaurado mundialmente, e que tem o Brasil como integrante, permanece intacto. Isto significa que o surgimento dessas novas demandas, proporcionadas pela mudança na estrutu-ra etária, será respondido através dos mecanismos que caracterizam a gestão neoliberal como a desresponsabilização do Poder Público, a culpabilização do sujeito, o individualismo e as necessidades sociais respondidas através do mercado.

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O fenômeno do envelhecimento populacional, segundo Veras (2003), gera pelo menos três significativas mudanças na socieda-de brasileira: a primeira delas é o aumento progressivo do interesse de políticos e intelectuais para assuntos relacionados à Gerontolo-gia; a segunda, marca o surgimento de necessidades com dimensões sociais, econômicas, biológicas, psicológicas e de cidadania, que são geradas não só pelo envelhecimento, mas pelas condições em que his-toricamente é produzido; e a terceira mudança está no fato de que as políticas, instituições e serviços, diante deste novo cenário que vem se configurando, tornaram-se obsoletos e, por esta razão, faz-se ex-tremamente necessário a sua revisão.

No território brasileiro, o envelhecimento da população aconteceu de uma forma muito rápida e, segundo os dados do Instituto de Pesqui-sa Econômica Aplicada (IPEA), de 2002, o número de indivíduos com faixa etária igual ou superior a sessenta anos dobrou nos últimos cin-quenta anos. A estatística aplicada pelo IPEA garante que o índice de idosos passou de 4% em 1940 para 8% em 1996, e especula-se que, no ano de 2020, este segmento da população poderá representar cerca de 15% de todo o contingente populacional brasileiro (CAMARANO, 2002).

Com relação aos países desenvolvidos, que tiveram aproximadamen-te cem anos para o longo processo de envelhecimento populacional e adaptação de políticas, serviços e sistemas de proteção, o Brasil teve a metade do tempo para a configuração deste processo. Considerando o histórico deste país, que viveu quase 400 anos em regime escrava-gista e sob o comando de países centrais, e que passou por 20 anos de um implacável sistema ditatorial, a questão do envelhecimento irá se somar a tantas outras situações que merecem ser resolvidas e que ainda evidenciam o despreparo do país para a solução das mesmas (CAMARANO, 2002).

Com relação aos países desenvolvidos, que tiveram aproximadamente cem anos para o longo processo de envelhecimento populacional e adaptação de políticas, serviços e sistemas de proteção, o Brasil teve a metade do tempo para a configuração deste processo.

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É na década de 1960 que surgirá uma das primeiras respostas às demandas geradas pela população idosa. Porém, a iniciativa não virá do Governo Federal e sim do Serviço Social do Comércio (Sesc), de São Paulo, em 1963, tornando-se a primeira experiência brasileira de edu-cação para idosos.

Em 1982, a Universidade Federal de Santa Catarina torna-se a pri-meira instituição de ensino superior no Brasil a aderir ao movimento Universidade Aberta à Terceira Idade (ORDONEZ apud CACHIONI; PALMA, 2006), e, na década de 1990, a Pontifícia Universidade Católi-ca de Campinas inicia sua abertura à terceira idade, consolidando-se como referência importante ao crescimento da gerontologia 1 educa-cional brasileira, afirmando-se como modelo de criação para muitas outras instituições.

Algumas questões sobre velhice devem ser destacadas diante do ce-nário atual em que estamos inseridos. Este processo, segundo Laraia (1986), recebe diferentes características de acordo com cada cultu-ra. O envelhecimento não é padrão em todas as culturas, ele foi se consolidando a partir de um emaranhado de princípios e valores, valores estes que regem toda uma sociedade. Portanto, a questão do envelhecimento é uma representação do conjunto de valores de um determinado sistema, não sendo autônomo, isolado, ou individual.

Outra grande questão que merece ser tratada é que este envelhe-cimento da população também é resultado de questões de ordem social, política, cultural e econômica. A maioria dos idosos da atua-lidade é fruto da alta taxa de fecundidade que prevaleceu no passa-do, somada à redução das taxas de mortalidade, que foi consequência das descobertas da área da saúde e das novas tecnologias nos equipa-mentos de saneamento básico. Tivemos ainda a redução massiva da natalidade, fruto do surgimento de medicamentos anticoncepcionais, urbanização, inserção do sexo feminino no mercado de trabalho, au-mento populacional nas grandes cidades e a construção de casas cada vez menores que acarretaram a diminuição do número de membros das famílias (CAMARANO, 2002).

Ser idoso no atual modelo de sociedade em que vivemos possui um valor social relacionado ao “ser jovem”. Até pouco tempo atrás, o Brasil era um país considerado jovem, vista que estes contribuíram de forma considerável no campo político e no campo profissional, atribuindo-se aos jovens uma conotação positiva. Os jovens, de acordo com o pensa-mento da sociedade, possuem dentro de si aquilo que é considerado

1 Segundo Maria Rodrigues (2013), gerontologia é a ciência que estuda o processo de envelhecimento do ser humano e as formas de promover uma melhor qualidade de vida. (http://vestibular.brasilescola.com/profissoes-futuro/gerontologia.htm)

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forte, ágil, belo e que é relacionado com o progresso. A partir disto, se ser jovem representa algo positivo, ser “velho” terá uma conotação con-trária, representando algo negativo, que se encontra em declínio ou decadência. Nesta eleição do jovem como um valor social positivo, en-xergamos a afirmação de uma ideologia extremamente preconceituosa.

3. Políticas Públicas com ênfase na população idosaPensar em envelhecimento populacional requer analisar a inter-re-lação de inúmeros fatores. Os fatores de maior relevância são aqueles que dizem respeito à saúde e previdência social, pois se configuram como desafios para o Estado e o núcleo familiar. De acordo com um documento emitido pelo Banco Mundial, em 1994, a crescente expec-tativa de vida em países subdesenvolvidos, entre eles o Brasil, provoca-va uma crise, em que a previdência social se via pressionada a ponto de por em risco a segurança econômica dos idosos e do próprio desenvol-vimento do país. Este panorama, futuramente, implicará em uma nova reforma previdenciária, em que serão colocados em pauta novos em-bates (FERNANDES & SANTOS, 2007).

É importante ressaltar que a aposentadoria, por si só, apesar de ter por objetivo a garantia de direitos e inclusão social do idoso, não garante a satisfação das necessidades de sobrevivência do mesmo, especialmente dos mais pobres, que acabam sendo acometidos por doenças, que , por sua vez, demandam maiores recursos tanto do Es-tado quanto do núcleo familiar. Além disso, a aposentadoria acaba se tornando um marco da entrada na velhice com todas as suas perdas, dificuldades e medidas excludentes.

Cabe ressaltar que a aposentadoria, apesar de ter como proposi-ção a garantia de direitos e de inclusão social do idoso na sociedade democrática brasileira, seus valores, do ponto de vista econômico, não permitem o atendimento satisfatório das suas necessidades de sobrevivência, especialmente dos mais pobres que evidenciam um envelhecimento, no geral, patológico e com incapacidades associa-das, requerendo, portanto, maior demanda de recursos tanto do seu sistema de apoio formal (Estado, sociedade civil) como do informal (família). Isto é reconhecido por Carvalho et al. (1998, p. 28) ao discor-rerem que “a aposentadoria é quase sempre um rito de exclusão. Marca oficialmente a entrada do indivíduo no mundo da velhice, com todas as dificuldades, perdas e representações sociais excludentes”. (FERNAN-DES & SANTOS, 2007, p. 50.).

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Os fatores se agravam quando estes idosos têm como única fonte de renda familiar a aposentadoria, consolidando assim seu estado de pauperização, pois a maioria dos idosos recebe mensalmente um benefício de apenas um salário mínimo. Tal renda não é capaz de pro-ver seus meios de sobrevivência, e muito menos dos familiares que dependem deste benefício. Diante desta realidade, podemos presumir as grandes dificuldades vivenciadas pelos idosos, especialmente por aqueles mais pobres, que ainda possuem alguma patologia.

Para expor a realidade vivida pelos idosos e tratar de assuntos como previdência social e saúde, adentrando ao processo histórico da consolidação das políticas públicas e direitos, dentro do contexto de-mocrático, esclarece Fernandes e Santos (2007):

O termo política diz respeito a um conjunto de objetivos que infor-mam determinado programa de ação governamental e condicionam sua execução. Política pública é a expressão atualmente utilizada nos meios oficiais e nas Ciências Sociais para substituir o que até a década de setenta era chamado planejamento estatal (BORGES, 2002). (FER-NANDES & SANTOS, 2007, p .51.).

Tratando-se de democracia, a política pública está inteiramente li-gada ao conceito de cidadania, associada a um conjunto de liberdades expressas em direitos civis. A cidadania se consolida através da garan-tia de direitos civis, políticos e sociais. A partir da garantia destes três direitos, será assegurado o título de cidadania plena.

Ao refletir sobre a realidade do Estado brasileiro, pode-se perce-ber que o mesmo não garante amplo acesso aos serviços públicos para as camadas da população mais desprivilegiadas de recursos, e, dentre elas, podemos incluir a população idosa. O quadro mostra-nos que os mais bem-sucedidos satisfazem as suas necessidades através dos ser-viços privados, incentivando e fortalecendo a lógica neoliberal, em que se privilegia o crescimento do mercado. Neste sentido, a falta de acesso aos serviços públicos configura-se como um problema socio-econômico pois a população carente não encontra amparo público devido ao ideal de estado mínimo.

Analisando o contexto histórico, a propagação do envelhecimento e das questões acerca deste fenômeno foi inicialmente promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização das Nações Unidas (ONU), que foram de suma importância para a siste-matização da questão e, respectivamente, a comunicação dos impactos

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causados pelo envelhecimento em países subdesenvolvidos, estimulan-do os mesmos a criarem mecanismos de enfrentamento da realidade que se estabelecera. Entre as medidas de enfrentamento, podemos destacar a promoção de um envelhecimento saudável e a luta pelos direitos e dignidade do idoso.

A partir desta iniciativa das organizações internacionais, em meados da década de 1980, cresce o número de movimentos sociais com-postos por professores de carreira universitária, idosos organizados politicamente, associações, e até mesmo parlamentares, engajados na valorização da pessoa idosa. Surgiu ainda, na década de 1980, o movi-mento de valorização da pessoa idosa, contribuindo para a construção da Constituição de 1988, popularmente conhecida como a Constituição Cidadã, marcada como a primeira constituição brasileira a versar sobre a proteção ao idoso, impondo à família, ao Estado e à sociedade civil o dever de amparar a população idosa.

Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Po-der Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao es-porte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. (Lei nº 10741, de 1° de outubro de 2003.).

A premissa acima é a representação de uma grande conquista da população idosa, porque, a partir desse momento, esta minoria passa a ser representada dentro da Carta Magna Brasileira. Porém, apesar desta considerável conquista, até o ano de 1994, não existia uma polí-tica nacional para idosos. Segundo Fernandes e Santos:

O que havia era um conjunto de iniciativas privadas (já antigas) e al-gumas medidas públicas consubstanciadas em programas (PAI, Papi, Conviver, Saúde do Idoso) destinados a idosos carentes. (FERNANDES & SANTOS, 2007, p. 53.).

As iniciativas comentadas na citação acima eram de caráter assis-tencialista, que se configuravam mais como uma medida de favor do que uma política garantidora de serviços e ações voltadas para preven-ção e reabilitação do idoso.

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Esta realidade incentivou o idoso a buscar seu fortalecimento, utilizando meios tais como movimentos sociais, fóruns, e conselhos, que deram voz para se posicionarem em favor de seus ideais demo-cráticos, visando a sua valorização no cenário brasileiro. Cresceu numericamente e qualitativamente a presença do idoso no cenário polí-tico através da representação e do voto. (FERNANDES & SANTOS, 2007).

Portanto, analisando os parágrafos anteriores, a percepção do pro-blema social causado pelo envelhecimento e as propostas de políti-cas públicas para seu enfrentamento são resultantes de um extenso processo de diálogo entre os movimentos sociais ligados à população idosa e o Estado na busca de soluções democráticas para garantia de direitos e bem-estar social.

Depois de pontuar os caminhos pelos quais os idosos percorreram para garantir seu espaço no cenário político e social, faz-se necessá-rio discorrer mais detalhadamente sobre os avanços conquistados pelos idosos com a promulgação da Constituição de 1988. Dentre es-tes avanços, é preciso destacar a Lei Orgânica da Assistência Social (lei n° 8.742/93), onde temos como benefício mais importante para a po-pulação idosa o Benefício de Prestação Continuada, que se encontra regulamentado no artigo 20 desta lei. De acordo com Fernandes e Santos (2007):

Este Benefício consiste no repasse de um salário-mínimo mensal, diri-gido às pessoas idosas e às portadoras de deficiência que não tenham condições de sobrevivência, tendo como princípio central de elegi-bilidade a incapacidade para o trabalho (Gomes, 2002), objetivando a universalização dos benefícios, a inclusão social. (FERNANDES & SANTOS, 2007 p. 55).

A percepção do problema social causado pelo envelhecimento e as propostas de políticas públicas para seu enfrentamento são resultantes de um extenso processo de diálogo entre os movimentos sociais ligados à população idosa e o Estado na busca de soluções democráticas para garantia de direitos e bem-estar social.

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Mesmo assim, a efetividade deste benefício pouco contribui para o bem estar dos beneficiados que, como foi explicado, se encontram abaixo da linha da pobreza e, por consequência deste fator, possuem necessidades diversificadas, que não são saciadas com uma remune-ração mensal de apenas um salário mínimo. Além disso, o grau de seletividade para aquisição deste benefício exclui muitos idosos, pois os mesmos precisam, praticamente, estarem em condições de vida ve-getativa para consegui-lo.

Silva (2006) destaca que o grau de seletividade existente na LOAS faz com que muitos idosos não sejam incluídos nos benefícios, seja por estarem fora do patamar de pobreza ou da faixa etária estipulados pe-los critérios da lei (65 anos), seja por não terem acesso aos documentos exigidos ou por não se encontrarem na condição de “incapazes para o trabalho”. Ante essa realidade, a autora acrescenta: para ter acesso ao benefício, a pessoa precisa estar numa condição vegetativa enquanto ser humano, embora haja várias formas de deficiências que não permitem a inserção nas relações de trabalho. (FERNANDES & SANTOS, 2007 p. 55)

É na década de 1990 que contemplamos a criação da Política Nacio-nal do Idoso, que foi instituída, mais precisamente, pela Lei 8.842/94, regulamentada em 03/06/1996, pelo decreto 1948/96. Nesta política, encontraremos a ampliação significativa dos direitos do idoso, já que a atenção a este segmento da população era dada de maneira superfi-cial e restrita até então. Esta política é decorrente de um cenário onde a população idosa carecia de um atendimento de maior qualidade, exi-gindo, assim, uma reformulação que delimitasse as responsabilidades do Poder Público e da sociedade civil frente a este segmento da popu-lação. Abaixo, de acordo com Fernandes e Santos:

1. a família, a sociedade e o Estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comu-nidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida;2. o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objetivo de conhecimento e informação para todos;3. o idoso não deve sofrer discriminação de qualquer natureza;

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4. o idoso deve ser o principal agente e o destinatário das transforma-ções a serem efetivadas através dessa política;5. as diferenças econômicas, sociais, regionais e, particularmente, as contradições entre o meio rural e o urbano do Brasil deverão ser ob-servadas pelos poderes públicos e pela sociedade em geral na aplica-ção dessa lei. (FERNANDES & SANTOS, 2007 p. 56).

Analisando os princípios acima descritos, pode-se concluir que a lei se adéqua à concepção moderna da assistência social, já que não se volta apenas para a garantia de fontes de renda e sim, também, para pro-teção social, contribuindo para valorização, emancipação, construção da cidadania e um novo modelo de vida social para a população idosa.

No ano de 2003, os idosos conquistaram mais uma grande vitória, que foi a elaboração de seu estatuto (Lei nº 10741, de 1° de outubro de 2003). Esta lei é destinada a regular os direitos assegurados à popula-ção idosa, ou seja, pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos e, também, as sanções penais para aqueles que violassem tais direitos.

Apesar da criação de uma legislação específica de proteção e ampa-ro aos idosos, a maioria das ações para efetivação destes direitos tem partido da iniciativa privada e individual. Pouco se vê a atuação do Po-der Público frente a este segmento da população.

O Estatuto coloca a família, a comunidade e a sociedade à frente do Poder Público para a promoção da efetivação dos direitos do idoso. Esta condição de acionar o Poder Público, em última instância, também se encontra presente na previdência privada, cuidados de saúde em ge-ral, prevenção de doenças, e na explosão de planos de saúde, que são justificados pela ausência de serviços públicos de previdência e saúde, características da gestão neoliberal.

Enfim, resgatando o processo histórico, e a evolução dos marcos le-gais e regulatórios, é possível compreender que todo este processo foi fruto de ações dos movimentos sociais de valorização da pessoa idosa, que se comportaram como verdadeiros atores na luta por aquilo que lhes era de direito. Compreendemos também que as coisas só se con-cretizaram quando a sociedade civil se aliou à causa, exigindo ações do Governo Federal. Ainda não chegamos ao ápice do bem-estar da popu-lação idosa, portanto, precisamos evoluir muito, reivindicando uma maior intervenção do Estado, pois este ainda funciona como maior agente de produção de bens e serviços relativos ao bem-estar da po-pulação como um todo.

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4. Idoso com DeficiênciaA união destes dois assuntos, ou seja, idosos e pessoa com deficiência, reafirma a ideia de que eles são iguais, gerados de um ponto em comum e que se manifestam na sociedade de forma distinta. Tanto a pessoa com deficiência quanto o idoso sofrem as mesmas dificuldades de partici-pação no meio social em que estamos inseridos. As desigualdades aparecem da mesma maneira sobre todos, mas se refletem de acor-do com a especificidade de cada grupo. Tanto a deficiência quanto o envelhecimento são discriminados pelos mesmos fatores como o individualismo, o estigma do “diferente” e ausência de políticas que garantam a estes grupos uma efetiva participação na sociedade.

Ao citar a palavra estigma, é necessário explicá-la e inseri-la no con-texto de deficiência. Para Goffman (1975, p.11-12.), o estigma seria um termo referente àquele indivíduo que não possui uma aceitação da sociedade. Esta definição é a mais próxima da original, criada pelos gregos, que descreviam os sinais corporais para evidenciar algo bom ou mal de acordo com o “status” moral do indivíduo. Na sociedade atual, o termo “estigma” está bem mais relacionado a uma atribuição de cerne depreciativa. Segundo Melo (2005):

A sociedade estabelece os meios de caracterizar as pessoas e o total de atributos considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias. Os ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que têm probabilidade de serem neles encontra-das (MELO, 2005).

É muito comum, ao entrarmos em contato com outras pessoas, estabelecermos pré-conceitos e enquadrá-las em categorias expres-sas segundo seu status social ou atributos físicos. Melo2 explica que:

A sociedade estabelece um modelo de categorias e tenta catalogar as pessoas conforme os atributos considerados comuns e naturais pelos membros dessa categoria. Estabelece também as categorias a que as pessoas devem pertencer, bem como os seus atributos, o que significa que a sociedade determina um padrão externo ao indivíduo que per-mite prever a categoria e os atributos, a identidade social e as relações com o meio (MELO, 2005, p. 1).

2 MELO, Zélia Maria de (2005). Os estigmas: a deterioração da identidade social. Unicap. http:www.sociedadeinclusiva.pucminas.br/anaispdf/estigmas.pdf (consultado na internet em julho de 2013).

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Tomamos esta atitude quase que automaticamente, sem a percep-ção de que estamos agindo desta forma. Idealizamos os indivíduos de acordo com as demandas afetivas, criando expectativas muitas das ve-zes precipitadas, modelando uma identidade virtual de determinados seres. Esse ato de categorizar um sujeito faz com que deixemos de en-xergá-lo como um indivíduo comum, limitando-o ao seu estigma, ou seja, às suas marcas e atributos. Porém, é necessário frisar que nem todo estigma é desonroso ou agressivo, trata-se apenas de identificar os indivíduos através de seu estereótipo e atributo. As formas de estig-matizar um sujeito são distintas, onde o estigmatizado possui alguma característica diferente da prevista, que pode ser notada em sua con-duta ou na parte física.

Feito o esclarecimento sobre o conceito de estigma, e de que as duas questões supracitadas são geradas a partir de um ponto em comum, é possível constatar que ser idoso e pessoa com deficiência é muito mais complexo do que ser jovem e pessoa com deficiência, ou idoso sem deficiência, devido as suas especificidades. Cada elemento que é acres-centado torna a vivência cada vez mais complexa, ainda mais se o idoso em questão for mulher, obesa, negra e pobre. Portanto, rea-firma-se que a homogeneização dos processos sociais desconsidera as particularidades destes grupos, o que será abolida na construção deste estudo acadêmico.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAISO fator primordial que motivou o autor a pesquisar sobre o tema em destaque foi a questão da opressão e do estigma vivido pela popula-ção idosa e pelas pessoas com deficiência. No decorrer da formação desta produção teórica, ficou claro que deverá ocorrer uma ampla mo-bilização por parte do Poder Público para a desconstrução dessa visão estigmatizante, que está enraizada na sociedade.

Portanto, reforçando o que foi dito no parágrafo anterior, as re-flexões explicitadas nos itens anteriores demonstraram que se torna extremamente necessária uma ampla discussão sobre o fenômeno do envelhecimento e a sua relação com a questão da deficiência. Cons-tatamos que ambas as temáticas, que foram tomadas como universo deste artigo, estão intimamente ligadas, produzindo resultados que estigmatizam este segmento populacional com limitações físicas, e que enfrentam o descaso de uma sociedade pautada na ideologia de que ser idoso e pessoa com deficiência é sinônimo de invalidez.

É preciso desconstruir esta visão do “diferente”, que foi constru-ída ao longo do tempo sobre o envelhecimento e a deficiência, e promover ações que estimulem a inserção e participação destes indivíduos na sociedade, além de uma maior preocupação da popula-ção e, principalmente, do Poder Público, para garantir acessibilidade a estes seres sociais.

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Referências BibliográficasBRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

. Decreto nº 10.741, de outubro de 2003. . Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994.

CAMARANO, Ana Amélia. Envelhecimento da população brasileira: uma contribuição demográfica. Texto para discussão n°858. IPEA, Brasília, jan. 2002

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GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro, Zahar, 1975.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.

MELO, Zélia Maria de. Os estigmas: a deterioração da identidade social. Unicap, 2005. Disponível em: http:www.sociedadeinclusiva.pucminas.br/anaispdf/estigmas.pdf. Acesso em: jul. 2013.

ORDONEZ, T. N.; CACHIONI, M. Universidade aberta à terceira idade: a experiência da Escola de Artes, Ciências e Humanidades. Revista Brasileira de Ciências do Envelhecimento Humano (RBCEH), Passo Fundo, v. 6, n. 1, p. 74-86, jan./abr. 2009. Disponível em: http://www.upf.tche.br/seer/index.php/rbceh/article/viewFile/150/482. Acesso em: fev. 2016.

VERAS, Renato. A longevidade da população: desafios e conquistas. Serviço Social e Sociedade, n. 75, ano 24, p. 5-17, out. 2003.