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263 REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 14. 2011, pp. 263–311 R E S U M O Analisam-se vários elementos arquitectónicos que terão decorado alguns dos edifícios da cidade de Felicitas Iulia Olisipo. Apesar de não se tratar de uma recolha exaustiva pretende-se caracterizar o panorama artístico, tentando perceber de que forma as influências decorativas institucionais chegaram à cidade e de que modo foram aceites. A influência das oficinas centro-imperiais e, essencialmente, as emeritenses, certamente se manifestaram de forma clara, particularmente nos primeiros tempos de ocupação romana. É possível, no entanto, perceber alterações de influências durante todo o Período Romano, evidenciando novos inter- locutores e distintos gostos decorativos. A B S T R A C T Some of the more important architectural elements amongst those that would have furnished some of the buildings of Felicitas Iulia Olisipo are presented. Although, we reckon that is not an exhaustive study, we seek to characterize the art panorama, trying to understand institutional decorative influences that would reached the city and how they were accepted. There was a clear influence of central Imperial workshops and, in particular, those from Augusta Emerita, during the beginning of Roman occupation. However, changes of influences can be perceived throughout the entire Roman period, involving new intermedia- ries and distinctive decorative tastes. 1. Introdução A apresentação deste trabalho tem como objectivo reunir e interpretar um conjunto de dados, alguns dispersos até ao momento, analisando-os como um todo coerente no seio do que terá sido a decoração arquitectónica da cidade de Felicitas Iulia Olisipo. Apesar de o número de elementos ser relativamente pequeno, não deixa de ser pertinente e denunciador de influências e mutações deco- rativas que se conseguem distribuir ao longo de quase todo o Período Romano. Se, em alguns casos, é possível relacionar peças com os edifícios/monumentos em que se terão integrado, tais exemplos A decoração arquitectónica de Felicitas Iulia Olisipo LÍDIA FERNANDES * Em honra de Irisalva Moita, à Mulher, à Olissipógrafa, à Arqueóloga. A quem sempre tentou perceber as pedras e fez seus, na sua defesa, alguns dos mais emblemáticos vestígios da sua Olisipo

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  • 263REVISTA PORTUGUESA DE Arqueologia. volume 14. 2011, pp.263311

    R E S U M O Analisam -se vrios elementos arquitectnicos que tero decorado alguns dos edifcios da

    cidade de Felicitas Iulia Olisipo. Apesar de no se tratar de uma recolha exaustiva pretende -se

    caracterizar o panorama artstico, tentando perceber de que forma as influncias decorativas

    institucionais chegaram cidade e de que modo foram aceites. A influncia das oficinas

    centro -imperiais e, essencialmente, as emeritenses, certamente se manifestaram de forma

    clara, particularmente nos primeiros tempos de ocupao romana. possvel, no entanto,

    perceber alteraes de influncias durante todo o Perodo Romano, evidenciando novos inter-

    locutores e distintos gostos decorativos.

    A B S T R A C T Some of the more important architectural elements amongst those that

    would have furnished some of the buildings of Felicitas Iulia Olisipo are presented. Although, we

    reckon that is not an exhaustive study, we seek to characterize the art panorama, trying to

    understand institutional decorative influences that would reached the city and how they were

    accepted. There was a clear influence of central Imperial workshops and, in particular, those

    from Augusta Emerita, during the beginning of Roman occupation. However, changes of

    influences can be perceived throughout the entire Roman period, involving new intermedia-

    ries and distinctive decorative tastes.

    1. Introduo

    A apresentao deste trabalho tem como objectivo reunir e interpretar um conjunto de dados, alguns dispersos at ao momento, analisando -os como um todo coerente no seio do que ter sido a decorao arquitectnica da cidade de Felicitas Iulia Olisipo. Apesar de o nmero de elementos ser relativamente pequeno, no deixa de ser pertinente e denunciador de influncias e mutaes deco-rativas que se conseguem distribuir ao longo de quase todo o Perodo Romano. Se, em alguns casos, possvel relacionar peas com os edifcios/monumentos em que se tero integrado, tais exemplos

    A decorao arquitectnica de Felicitas Iulia Olisipo

    LDIA FERNANDES*

    Em honra de Irisalva Moita, Mulher, Olissipgrafa, Arqueloga. A quem sempre tentou perceber as pedras e fez seus, na sua defesa, alguns dos mais emblemticos vestgios da sua Olisipo

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    so, infelizmente, em menor profuso do que o considervel nmero de materiais descontextualiza-dos, dos quais somente temos a informao que eles prprios nos proporcionam.

    O propsito , assim, o de reunir tais elementos, integrando -os numa evoluo diacrnica da decorao arquitectural, contextualizando -os nos ritmos de crescimento da cidade de Olisipo. A transversalidade deste panorama obrigar, deste modo, a um olhar mais apurado no que toca a influncias que, num dado momento, se operavam nos diversos territrios de acordo com as modi-ficaes estruturais do prprio Imprio, plasmando na pedra rupturas, modas e gostos, denuncia-dores de correntes decorativas que percorriam as provncias. Estas influncias, divulgadas a partir da capital do Imprio, no seriam as nicas. medida que a aco conquistadora inscrevia sob a paz romana novos territrios, tambm estes se transformavam simultaneamente em receptores e cria-dores, pela reelaborao e readaptao das novas correntes, constituindo -se divulgadores de novos conceitos ornamentais.

    Esta modificao das matrizes de importao, bem longe de traduzir um intuito pensado e intencional, corresponder antes a uma adaptao ao existente e ao conhecido, uma necessidade intrnseca, mais que uma busca de originalidade, por adaptar as novas formas aos hbitos ensaia-dos.

    So precisamente estas modificaes que, em nossa opinio, se deparam mais interessantes precisar. Se em alguns casos so os pormenores os denunciadores de um cunho local, regional ou, em alguns casos, simplesmente do artista/oficina que os produziu, outros haver, possivelmente em muito maior nmero, onde as alteraes decorativas abrangem estruturalmente o elemento arquitectnico.

    Os estudos que, paulatinamente, temos levado a cabo ao longo das ltimas duas dcadas em territrio actualmente nacional permitem hoje o estabelecimento de algumas consideraes mais alargadas, no tempo e no espao, permitindo relativizar algumas concluses a que em tempos che-gmos mas, de igual forma, possibilitando uma comparao com outras regies e outras realidades.

    Quanto a este aspecto, o facto de se continuar a respeitar uma diviso territorial arbitrria comparativamente com a diviso administrativa de poca romana, leva a uma viso parcial das anti-gas unidades territoriais. O objectivo ser pois, o de tomar a Lusitnia como unidade de anlise, ultrapassando a diviso imposta pelas modernas fronteiras (Fabio, 2010, p. 345). Apesar deste intento, um facto que, pessoalmente, o conhecimento que possumos quanto ao territrio actual-mente espanhol deficitrio, sendo somente mitigado pelos estudos produzidos sobre esta tem-tica, em considervel nmero e h longa data, alm fronteiras.

    Nesta tentativa de reconstituio de um puzzle que, inevitavelmente, ter muito mais peas do que as que conseguiremos associar, atribuiremos uma maior importncia a alguns elementos. Esta razo prende -se com o maior nmero de informaes que alguns nos podero fornecer, em despri-mor de outros. Por outro lado, a decorao arquitectnica revela -se em mltiplos materiais, no apenas em capitis mas tambm em capeamentos, em aras e inscries, em cornijas e arquitraves, em frescos e pequenos ornamentos soltos que isoladamente pouco valem, mas que, enquadrados num panorama mais vasto, se mostram vlidos nesta abordagem. Ficar de fora desta anlise a esta-turia. Apesar de em alguns casos poder ser considerada como integrante da arquitectura, bastaria pensarmos na decorao da fachada cnica de um teatro, os vestgios que se conservam no permi-tem uma relao com os edifcios ou espaos arquitecturais que tero decorado nem so em nmero tal que legitimem a abordagem que agora se apresenta.

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    2. A cidade de Felicitas Iulia Olisipo: as edificaes pblicas

    As vrias intervenes arqueolgicas efectuadas nas ltimas dcadas no centro histrico da cidade, tm permitido um conhecimento mais detalhado sobre a mesma, no apenas acerca da cro-nologia de ocupao mas, tambm, sobre a forma como ela se operou.

    A zona do castelo, que a historiografia tradicional apontava como o ncleo original da cidade aproximando -a aos antigos castros que, com a romanizao, so abandonados pela populao que prefere as zonas costeiras, mais aprazveis e mais frteis , desempenhou um papel bem dis-tinto, como alis, j havamos defendido em 1997 (vol. I, p. 194). O facto da ocupao do morro evidenciar contextos relacionveis com o assentamento de um contingente militar no local, como se pode concluir pela enorme quantidade de esplio anfrico encontrado no decurso das escavaes efectuadas no castelo (intervenes dirigidas por Alexandra Gaspar e Ana Gomes) atribuvel ao ter-ceiro quartel do sculo II a.C. (Pimenta, 2005) e a ausncia de provas materiais que comprovem uma ocupao posterior, demonstra, comparativamente com as zonas mais baixas de colina, que o morro do castelo ter, aps esse ocaso, sido abandonado enquanto lugar de povoamento efectivo.

    Este aspecto tanto mais evidente quando em comparao com a ocupao sidrica desta mesma rea. Com efeito, o grande nmero de achados, no apenas de materiais mas sobretudo de estruturas arqueolgicas, evidencia uma ocupao intensa e generalizada de toda a colina, desde o topo at s margens, oferecendo o panorama de uma cidade que, desde muito cedo, desempenhou um papel de relevo no comrcio territorial e martimo.

    Os achados no prprio morro do castelo demonstram que esta zona foi intensamente ocu-pada. Descendo a vertente em direco ao rio, o nmero de locais sinalizados evidencia o que ter sido um povoamento efectivo de toda a encosta. Aos primeiros achados de materiais da Idade do Ferro na S de Lisboa (Amaro, 1993, pp. 183192), seguiram -se contextos preservados e estruturas efectivas um pouco por toda esta rea. Na Rua de So Mamede n. 15 (Pimenta, Silva & Calado, 2005), na Rua de So Joo da Praa (Pimenta, Calado & Leito, 2005, pp. 313334), nas Portas do Sol, no Largo do Limoeiro1, no teatro romano (Fernandes, 2007, pp. 2739; Fernandes & Pinto, 2009, pp. 169188; Fernandes & Coroado, 20102), no Ptio do Aljube (Fernandes, Relatrio Final da interveno arqueolgica, 2010), ou ainda, mais a sul, na Rua dos Correeiros (Bugalho, 2004, p. 33).

    Esta efectiva ocupao anterior ao perodo romano pressupe claramente um urbanismo pr--romano. Ainda que dificilmente, no actual estado dos nossos conhecimentos, consigamos caracte-rizar o tipo de edificaes deste perodo e respectivas funcionalidades, pensamos que a implantao do domnio romano se efectivou sobre pr -existncias que, se pouco marcantes do ponto de vista arquitectnico, certamente o seriam pela sua profuso.

    Encontramos prova cabal para estas afirmaes nos resultados das intervenes arqueolgicas que temos efectuado na zona tardoz do postcaenium do teatro romano. Os fornos de produo cer-mica que, com algum grau de segurana, podem ser integrados entre os meados e os finais da desig-nada segunda Idade do Ferro, identificados na rea sul da escavao de 2010, foram desactivados pela construo de estruturas em pedra v, uma das quais construda no interior da cmara de combusto, reaproveitando parcialmente as argilas de base como pavimento. A presena de frag-mentos de Dressel 1 e de cermicas cinzentas com decorao em retcula brunida nos primeiros depsitos de abandono indica cronologias facilmente associadas aos primeiros momentos da roma-nizao. Tal situao igualmente comprovado pelo aparecimento de uma outra estrutura de difcil interpretao e que at novas concluses o contrariem classificamos como tanque que inutili-zou definitivamente as estruturas anteriormente descritas e na base da qual foram exumados frag-mentos de cermica campaniense e nforas do tipo Ma C2.

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    Fornos e tanque foram destrudos por completo pela construo dos muros paralelos que integravam o sistema de engenharia implementado no local para suster a enorme construo do teatro romano de Olisipo. Esta edificao, datvel das primeiras dcadas do sculo I d.C. uma vez que ter sido levado a cabo por diversas fases anulou a ocupao anterior desta vertente, modifi-cando profundamente a paleotopografia local.

    Apesar destas pr -existncias no terem condicionado as construes posteriores, observamos que a ocupao desta encosta onde se implantou o edifcio cnico, era intensa, registando uma sucesso edificativa at ao momento insuspeita.

    Com a ocupao romana, como vemos, a implantao de um urbanismo neste antigo aglome-rado processou -se de forma abrupta, sendo condicionada mais pela topografia do que pelas cons-trues pr -existentes. O caso do teatro, mais uma vez, paradigmtico.

    Construdo a meia encosta, as pequenas edificaes existentes, como acima observmos, quer da Idade do Ferro quer da poca Republicana, no detiveram o plano delineado. Mas ter sido pre-cisamente essa escolha do local, que deu origem a um dos planos mais ambiciosos de engenharia efectuado em Olisipo no incio do Imprio, s igualvel, provavelmente, pelo enorme esforo cons-trutivo que ter representado a construo do criptoprtico na actual Rua da Prata.

    Voltando ao teatro, um segundo muro detectado a sul, paralelo ao postcaenium, indica uma sucesso de estruturas, paralelas entre si que, paulatinamente vo vencendo o desnvel at uma pla-taforma estvel localizada mais a sul, sensivelmente onde hoje passa a Rua Augusto Rosa. Neste local, o afloramento rochoso encontra -se a menos de 1,5 m de profundidade, tendo sido encontra-das estruturas, que interpretamos como habitacionais ou, talvez atribuveis a tabernae construdas no local. Pela sua implantao e orientao tero adossado, num segundo momento de ocupao, ltima estrutura murria que finalizaria os vrios terraos construdos ao longo dessa encosta (Fernandes, Seplveda & Antunes, no prelo)3.

    Estes muros, paralelos entre si, constituam -se como estruturas de conteno, destinando -se a ficar soterradas (Fernandes, 2007, pp. 2739; Fernandes & Pinto, 2009, pp. 169188; Seplveda & Fernandes, 2009, pp. 139168). A rea tardoz do teatro, com a enorme e altaneira estrutura do postcaenium a marcar a colina, constituiria um verdadeiro emblema da nova ordem poltica, social e administrativa romana.

    O outro edifcio de que temos conhecimento, as Termas dos Cssios, localizava -se a nascente, ainda aproveitando o declive da colina, mas situado a um nvel inferior, sensivelmente na mesma plataforma topogrfica onde, a nascente, foi detectado um outro edifcio da poca Romana no actual Largo de Santo Antnio (Fernandes & Vale, 1994, p. 109). O primeiro depara -se mais impor-tante, porquanto forneceu superior nmero de dados (apesar de continuarmos, h quase duas dca-das, a aguardar a publicao dos resultados dessa escavao), sendo estes passveis de ser completa-dos com os registos de D. Toms Caetano de Bem, efectuados a 17 de Maio de 1791, altura em que, pela primeira vez, este monumento foi detectado. O autor descreve detalhadamente uma parte des-tas termas, a qual teve oportunidade de ver pessoalmente, por ocasio das obras de reconstruo do Palcio do Correio-Mor (depois Palcio de Penafiel). Tivemos a possibilidade de estudar um capitel proveniente da interveno arqueolgica realizada em 1992 (em que tambm participmos) no jar-dim do Palcio de Penafiel, hoje Ministrio das Obras Pblicas (Fernandes, 2009, pp. 191207).

    Se, no caso do teatro e das termas dos Cssios, possumos alguns elementos arquitectnicos que nos auxiliam no tema que ora nos debruamos, infelizmente no caso do edifcio do Largo de Santo Antnio, no podemos dizer a mesma coisa. Esta interveno arqueolgica levada a cabo em 1994 por equipa conjunta composta por um elemento do Museu da Cidade - CML (a signatria) e por outro do ento IPPAR (Ana Vale) permitiu observar parte de um edifcio, que, pelas suas carac-tersticas, interpretamos como pblico.

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    As estruturas arqueolgicas, situadas na parte sul do actual largo, prolongavam -se por baixo da rua, no tendo sido possvel exum -las na sua totalidade. Encontravam -se praticamente mesma cota do largo (a uns escassos 30 cm abaixo do pavimento em paraleleppedos) e encostavam, a norte, s margas e argilas de cor verde que constituem o substrato. Significa isto, que o edifcio romano se encontraria a um nvel mais alto, correspondendo sensivelmente ao mesmo plateau das termas dos Cssios.

    Na rea intervencionada foi detectada uma estrutura, com uma orientao ligeiramente SW/NE, num comprimento de 3,50 m, inflectindo de direco, a nascente, com um ngulo interno de 108 e prolongando -se, nessa direco, numa extenso de c. 2,70 m, com 0,52 m de largura. O primeiro troo descrito apresentava, a cerca de meia altura da face interna da parede (que se con-servava numa altura mxima de 2 m), um avano da mesma que variava entre 10/15 cm, correspon-dendo a uma espcie de prateleira que corria ao longo do muro. Outras estruturas foram detecta-das no interior deste espao (Vale & Fernandes, 1994, p. 109), destacando -se um silo que continha no seu interior materiais cermicos que nos datam a poca de abandono/alterao de funcionalidade desta estrutura alto imperial, concretamente sigilatta Clara A e C atribuvel ao sculo IV/V (destaca -se um fragmento de prato da forma Hayes 50, para alm de sigillata africana e hispnica tardia), assim como uma estrutura em pedra v que percorria, em sentido sensivelmente N/S, o interior deste edif-cio romano, sendo anterior estrutura acima descrita, bem como ao silo tardo romano.

    De sublinhar o facto de este edifcio corresponder a uma construo da primeira metade do sculo I d.C.4, sendo importante o conjunto de frescos que ento foram recolhidos no local, aspecto que adiante abordaremos.

    Outro edifcio pblico, situado mais a sul, o criptoprtico, localizado na actual Baixa Pom-balina. Apesar de muito se ter escrito sobre este monumento, poucas so as concluses a que os investigadores tm chegado, destacando -se, no entanto, os trabalhos desenvolvidos no local, em 1995, pelo Servio de Arqueologia do Museu da Cidade (CML). O levantamento grfico ento reali-zado, respeitante ao registo de alguns alados do interior do monumento, assim como as picagens de algumas paredes que visaram a remoo de cimentos de poca contempornea, permitiu obter novas informaes. Simultaneamente, foi realizada uma escavao no local (dirigida pela signatria e por Manuela Leito). Os trabalhos ento realizados, apesar de muito limitados pelo tempo e con-dies disponveis, permitiram trazer alguma luz histria deste edifcio5. O contributo do Labora-trio Nacional de Engenharia Civil (Departamento de Geologia e Minas da Faculdade de Cincias de Lisboa) foi decisivo, tendo efectuado peritagens por georradar, carotagens e colocado piesme-tros no interior do monumento, com o objectivo de identificar a variabilidade do nvel fretico. Esta interveno permitiu saber a profundidade do embasamento do criptoprtico, correspondente a cerca de 2/3 m, totalmente constitudo por opus caementicium. Se contabilizarmos a altura dos vos maiores: cerca de 2,50 m e lhe acrescentarmos c. 1,70 m, sendo esta a distncia que separa o interior da abbada mais elevada at actual superfcie e acrescentarmos a esta dimenso os cerca de 3 m do alicerce, teremos uma profundidade impressionante para este monumento que rondar cerca de 7,20 m. Obviamente que esta dimenso corresponder, quase ou na totalidade, poro do monu-mento no visvel porquanto corresponde parte subterrnea.

    Como referido, trata -se de uma construo impressionante, no apenas pelas suas dimenses as quais, alis, se continuam a desconhecer a totalidade mas, sobretudo, pelo local onde se implantou. As condies geogrficas e o que elas implicaram, em termos de meios econmicos, humanos e planeamento urbano, obriga a que se pense nesta construo como uma iniciativa impe-rial, pensada e custeada directamente pelos governadores de provncia, semelhana, por exemplo, do que acontecia nas restantes capitais de provncia.

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    Outro criptoprtico foi instalado um pouco mais para nascente, tambm na frente ribeirinha. Intervenes arqueolgicas realizadas nos antigos Armazns Sommer permitiram a deteco de estruturas de carcter pblico, nas quais se inclui um edifcio assente em criptoprtico, para alm de edifcio/s com pinturas a fresco e com pavimento em mosaico. Outra das estruturas registadas mais importantes foi um fontanrio pblico com uma rea lajeada (Gomes & alii, 2004). Apesar de os dados no estarem at ao momento detalhadamente apresentados, pode -se concluir tratar -se de uma rea de usufruto pblico, com um arranjo urbanstico que, certamente, aproveitava a frente ribeirinha para lhe atribuir uma feio de via, que certamente, deveria existir, um pouco seme-lhana do que continuou a existir em poca medieval, moderna e se perpetuou at aos nossos dias, com a manuteno dos Chafariz dEl Rei e do Chafariz de Dentro.

    No se pretende um comentrio a todas as estruturas romanas surgidas ou conhecidas na cidade de Lisboa. Antes de mais porque uma tal temtica exigiria, por si, um trabalho de ndole distinta, profundamente mais analtico e pormenorizado e por outro porque nos interessam essen-cialmente os edifcios pblicos pois a se materializa, de forma mais evidente, o gosto institucional. Deste modo, ficaro por comentar as necrpoles da cidade, j analisadas em trabalho recente (Silva, 2005), ou ainda o circo de Olisipo (cf. entre outros: Fernandes, 1997, vol. 1, pp. 218220; Vale & Fer-nandes, 1997, pp. 109121), sublinhando -se que o nmero de elementos arquitectnicos aqui reco-lhido extremamente reduzido, fragmentrio e descontextualizado.

    Interessa mencionar que o presente estudo se refere rea citadina de Felicitas Iulia, no sentido estrito do termo, questo que, abordada ultimamente como um dado inslito ou original pensa-mos dever ser encarada como princpio axiomtico. manifesto que, quando se fala de Felicitas Iulia Olisipo, cuja municipalizao se situa entre 31 e 27 a.C (Faria, 1995, pp. 9193), subjaz a noo de cidade no sentido restrito do termo, isto a definida pelo pomerium. No caso do oppidum de Olisipo, permanece por saber se essa fronteira fsica foi de facto materializada ou apenas simbolicamente definida, retomando, alis o definido por Vasco Gil Mantas em 1997 e abordado anteriormente por Jorge de Alarco em 1994. Os vestgios fsicos que tm surgido na cidade nas ltimas intervenes arqueolgicas mostram, quer uma sobreposio parcial da muralha tardia, dos sculos IVV d.C., muralha alto -imperial, caso dos Armazns Sommer (Gaspar & Gomes, 2007, pp. 685698) na zona ribeirinha, quer uma construo original mas sempre tardia, correspondendo a troos de muralha defensiva, construdos no no incio da colonizao romana mas sim em resposta a perigos externos de poca claramente posterior (De Man, 2008, pp. 508).

    Obviamente que os conceitos de cidade e de rea suburbana so distintos, assim como a de territorium e os respectivos limites fsicos continuam imprecisos em relao a algumas reas da cidade (Silva, 2008, p. 19). Se observarmos a implantao dos mltiplos achados que iremos anali-sar mais detalhadamente (Figs. 1 e 2), bvio que, ainda que desconhecendo os limites concretos e pormenorizados da cidade de Felicitas Iulia Olisipo, no seja difcil abarcar a sua provvel delimitao. precisamente sobre este espao que nos vamos debruar.

    3. Os capitis de cidade de Felicitas Iulia Olisipo

    Este o conjunto mais importante, no apenas pelo nmero de exemplares que conhecemos mas sobretudo porque em duas afortunadas situaes podemos fazer corresponder peas a edifcios (Quadro 1 e Fig. 1). o que acontece no teatro romano e nas Thermae Cassiorum. Outras peas, no entanto, apesar de no directamente relacionveis com os edifcios em que se integrariam podem, com alguma margem de erro, fazer suspeitar da sua existncia, o que se verifica na Praa da

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    Fig. 1 Distribuio dos elementos arquitectnicos analisados no presente trabalho.

    Fig. 2 Distribuio dos frescos e mosaicos referidos no presente trabalho.

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    Figueira. Por fim, e em muito maior nmero, as peas das quais desconhecemos a provenincia, apenas podem falar por si. Encontram -se nestas circunstncias, os capitis depositadas em museus da capital, Museu Nacional de Arqueologia (MNA) e o Museu Arqueolgico do Carmo (MAC) e outras, actualmente propriedade privada, das quais somente temos conhecimento por mero acaso. De igual modo, materiais h que, apesar de provirem de contexto arqueolgico, este claramente distinto, correspondendo a situaes de entulhamento ou reaproveitamento posterior.

    Quadro 1. Elementos arquitectnicos*

    N. Objecto Matria -prima Contexto arquitectnico Achado Cronologia

    1 Capitel jnico Calcarenito revestido a estuque

    Teatro fachada cnica Interveno arqueolgica teatro 1965/67

    Incios sculo I d.C.

    2 Capitel jnico Calcarenito revestido a estuque

    Teatro fachada cnica Interveno arqueolgica teatro 1965/67

    Incios sculo I d.C.

    3 Capitel jnico Calcarenito revestido a estuque

    Teatro fachada cnica Interveno arqueolgica teatro 1965/67

    Incios sculo I d.C.

    4 Capitel jnico Calcarenito revestido a estuque

    Teatro fachada cnica Interveno arqueolgica teatro 1965/67

    Incios sculo I d.C.

    5 Capitel jnico Calcarenito revestido a estuque

    Teatro fachada cnica Interveno arqueolgica teatro 1965/67

    Incios sculo I d.C.

    6 Capitel jnico -liso Calcarenito revestido a estuque

    Teatro fachada cnica Interveno arqueolgica teatro 1965/67

    Incios sculo I d.C.

    7 Capitel jnico -liso Calcarenito revestido a estuque

    Teatro fachada cnica Interveno arqueolgica teatro 1965/67

    Incios sculo I d.C.

    8 Capitel jnico -liso Calcarenito revestido a estuque

    Teatro fachada cnica Interveno arqueolgica teatro 1965/67

    Incios sculo I d.C.

    9 Capitel jnico -liso Calcarenito revestido a estuque

    Teatro fachada cnica Interveno arqueolgica teatro 1965/67

    Incios sculo I d.C.

    10 Capitel jnico -liso Calcarenito revestido a estuque

    Teatro fachada cnica Interveno arqueolgica teatro 1965/67

    Incios sculo I d.C.

    11 Capitel jnico -liso Calcarenito revestido a estuque

    Teatro fachada cnica Interveno arqueolgica teatro (1965/67)

    Incios sculo I d.C.

    12 Capitel jnico -liso Calcarenito revestido a estuque

    Teatro fachada cnica Interveno arqueolgica teatro 1965/67

    Incios sculo I d.C.

    13 Capitel jnico -liso Calcarenito revestido a estuque

    Teatro fachada cnica Interveno arqueolgica teatro 1965/67

    Incios sculo I d.C.

    14 Capitel jnico(fragmento)

    Calcrio Teatro Teatro: recolha de 2006 2. metade sculo I/incios II d.C.

    15 - 31 Capitis jnicos(fragmentos)

    Calcrio Teatro Interveno arqueolgica teatro 1965/67

    2. metade sculo I/incios II d.C.

    32 Capitel corntio Calcrio ? Rua das Padarias. Recolha 1. metade sculo II d.C.

    33 Capitel corntio Calcrio ? Rua das Padarias. Recolha 1. metade sculo II d.C.

    34 Capitel corintizante Mrmore ? Interveno arqueolgica 1982/83. Casa dos Bicos

    Meados sculo II d.C.

    35 Capitel jnico Calcrio Thermae Cassiorum Interveno arqueolgica 1992/93. Ministrio Obras Pblicas

    1. metade sculo IV d.C.

    36 Capitel jnico Calcrio Necrpole romana mausolu?

    Interveno arqueolgica Praa da Figueira 2000/01

    Finais sculo III / IV d.C.

    37 Capitel jnico Calcrio Necrpole romana mausolu?

    Interveno arqueolgica Praa da Figueira 2000/01

    Finais sculo III / IV d.C.

    38 Capitel jnico Calcrio ? Rua das Canastras. Recolha Sculo III/IV d.C.

    39 Capitel jnico Mrmore ? Interveno arqueolgica 1990. S Catedral (Claustro)

    Sculo IV d.C.

    40 Capitel corintizante ? ? Alfama. Propriedade privada Sculo IV d.C.

    41 Capitel jnico Calcrio ? Castelo de So Jorge. Interveno arqueolgica 1997

    Finais sculo III/IV d.C.

    42 Capitel corntio Mrmore ? MAC. Recolha. Finais sculo III d.C.

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    N. Objecto Matria -prima Contexto arquitectnico Achado Cronologia

    43 Capitel corntio ? Calcrio ? Interveno arqueolgica. 1994 -95. Ncleo BCP

    Sculo II IV (?)

    44 Base tica sem plinto e com imoscapo

    Calcarenito revestido a estuque

    Teatro Interveno arqueolgica 1965/67 Incios sculo I d.C.

    45 Base tica sem plinto e com imoscapo

    Calcarenito revestido a estuque

    Teatro Interveno arqueolgica 1965/67 Incios sculo I d.C.

    46 Base tica Calcarenito revestido a estuque

    Teatro Interveno arqueolgica 1965/67 Incios sculo I d.C.

    47 Base tica Mrmore ? Interveno arqueolgica 1982/83. Casa dos Bicos

    Sculo II d.C. (ou pouco anterior)

    48 Base tica Mrmore Interveno arqueolgica 2000. Rua Augusta (Zara)

    A partir sculo II d.C.

    49 Base tica Calcrio ? Interveno arqueolgica Rua de So Julio/Rua da Prata 1993/1994

    Sculo II d.C.

    50 Capeamento de ara Calcrio ? Interveno arqueolgica 2007. Ptio da Senhora da Mura.

    Sculo I d.C.

    51 Capeamento de ara Calcrio ? Interveno arqueolgica 1982/83. Casa dos Bicos

    Sculo II d.C.

    52 Capeamento de ara Calcrio ? Castelo de So Jorge. Recolha Finais sculo II/ incios III d.C.

    53 Capeamento de ara Calcrio ? Reaproveitado nas muralhas do Castelo

    Sculo III d.C.

    54 Capeamento de ara Mrmore ? Interveno arqueolgica 2004. Rua da Saudade n. 2

    Finais sculo II d.C.

    55 Capeamento de ara Calcrio ? Palcio Fronteira (jardins) (recolha?) Sculo II d.C.

    56 Edcula Calcrio Contexto funerrio Interveno arqueolgica 2004. Rua da Saudade n. 2

    Finais sculo I d.C.

    57 Tampa de sarcfago Mrmore Contexto funerrio Depositado no M.N.A Sculo III/IV d.C.

    58 Cornija Calcrio estucado Teatro Interveno arqueolgica (1965/67) Incios sculo I d.C..

    59 Cornija Calcrio Thermae Cassiorum Ministrio Obras Pblicas Interveno arqueolgica 1992/93

    Sculo I d.C.

    60 Cornija Calcrio ? Castelo de So Jorge (reaproveitada) Meados sculo I d.C.

    61 Cornija Calcrio Necrpole romana.Contexto funerrio ou via romana

    Praa da Figueira Interveno arqueolgica 2000/01

    Meados sculo I d.C.

    62 Pedra moldurada Mrmore+calcrio Teatro proscaenium Interveno arqueolgica teatro 1965/67

    57 d.C.

    63 Lajes de pavimento Mrmore+calcrio Teatro orchaestra Interveno arqueolgica teatro 1965/67

    57 d.C.

    64 Arquitrave Calcrio Remate superior do postcaenium (?)

    Interveno arqueolgica teatro 2005

    Meados sculo I d.C. (?)

    65 Pedestal Mrmore Teatro Interveno arqueolgica teatro 1965/67

    Meados sculo I d.C. (?)

    66 Sofito (lintel) Calcrio ? Reaproveitado na parede da S Catedral

    Finais sculo I d.C. ou posterior

    67 lintel (?) Calcrio ? Reaproveitado na parede da S Catedral

    Finais sculo I d.C. ou posterior

    68 Lintel de porta Calcrio Interveno arqueolgica 1982/83. Casa dos Bicos

    ?

    69 friso Mrmore ? Rua Correio -Velho/Largo Santo Antnio. Recolha 1994

    ?

    70 friso ? ? Interveno arqueolgica 1992/93/96. Mandarim Chins (Rua Augusta)

    ?

    71 friso Calcrio ? Muralha castelejo (Castelo de So Jorge). reaproveitado

    ?

    72 Soleira de porta Calcrio Castelo de So Jorge. Recolha de 1962 (obras de restauro).

    ?

    * No se incluem neste quadro os dados referentes a mosaicos, bem como alguns elementos mencionados no texto quando no passveis de serem caracterizados.

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    3.1. Capitis do teatro romano

    3.1.1. Capitis jnicos estucados

    So vrios os autores que referem estas peas (Moita, 1970, pp. 737; Alarco, 1982, pp. 287 302; Hauschild, 1990, pp. 348392; Leite, 1994, p. 211; Ribeiro, 1996, pp. 478484) e mltiplos os trabalhos onde temos analisado estes exemplares (entre outros: Fernandes, 1997, 2001, pp. 2951, 2007, pp. 2739).

    A matria -prima utilizada o biocalcarenito, pedra que constitui o subsolo do local onde foi edificado o monumento cnico, e que, pela sua porosidade, mostra qualidades para uma boa preen-so do estuque. Em 1990, T. Hauschild chama a ateno para este pormenor do revestimento, esta-belecendo, pertinentemente, paralelos com capitis do teatro de Mrida (Hauschild, 1990, pp. 378, 379). Mas outros pormenores construtivos so de realar, essencialmente os que dizem respeito morfologia, uma vez que integram a parte superior do fuste de coluna (sumoscapo), caracterstica que observamos amide em exemplares toscanos do territrio nacional (Fernandes, 2001, pp. 95158, 2008, pp. 231270, 2010, pp. 2550), mas igualmente em capitis jnicos mais antigos (Fernandes, 1997, 2001, pp. 2951). Este fenmeno paralelo ao que acontece nas bases, sendo que a parte inferior do fuste (o imoscapo) est integrada na base, prolongando -se depois no fuste da ordem arquitectnica respectiva (entre outros: Fernandes, 20042005, pp. 8394).

    A incluso do sumoscapo no prprio capitel uma caracterstica de tradio antiga a qual, em paralelo tcnica do revestimento com estuque da pedra local, nos remete para tradies construti-vas de pocas republicanas. A insero da parte inferior do fuste, isto , o immus scapus na base e, paralelamente, o summus scapus no capitel, so uma tradio desse perodo (Pasquinucci, 1982, p. 31), podendo -se indicar, apenas como exemplo, peas de Nova Carthago, talhadas em travertino encarnado, pedra local, muito utilizada em poca augustana e durante a primeira metade do sculo I d.C. (Ramallo, 2004, pp. 153218).

    Nos registos grficos feitos sobre o teatro poca da sua descoberta e posteriormente (falamos do desenho aguarelado de Francisco Xavier Fabri, de 1798 e do desenho apresentado por Lus Ant-nio de Azevedo em 1807 e depois impresso em 1815, cf. Fernandes, 1997, vol. 1, 2007, pp. 2739; Fernandes & Caessa, 20062007, pp. 83102), consegue -se observar que os capitis representados possuem dois mdulos distintos: uns de menores dimenses - mais simples com ausncia de volu-mes no quino e um pulvinus de aspecto recto, aproximando -os do que podemos classificar como jnico liso de influncia toscana (sobre esta designao cf. Fernandes, 1991, vol. 1, 2001, pp. 95158) e um segundo grupo de maiores dimenses.

    Nos desenhos de Lus Antnio de Azevedo, representam -se capitis de grandes propores com decorao do kyma com um grande vulo ou pinha central, semelhantes aos capitis corntios do templo de Mrida com decorao em estuque, datados da segunda metade do sculo I (De La Barrera, 1985, pp. 33, 34, figs. 20A/20K, correspondendo a uma possvel renovao do templo: Hauschild, 2002, p. 216) ou ainda outros exemplares hispanos, um proveniente de Tarragona (Guti-rrez, 1992, p. 31, n. 73) e outro de Nova Carthago (Gutirrez, 1992, p. 32, n. 76), que, pelas suas particularidades kymai de um s vulo, aspecto macio, volutas de grande volumetria indiciam uma influncia pnica (Gutirrez, 1991, p. 45; Lzine, 1968, pp. 7375) com caractersticas tpicas da poca republicana e augustana.

    Este segundo grupo evidencia, nos desenhos referidos, kymai acentuadamente mais planos, tal como pulvini que se assemelham a toros rectos, afastando -se da morfologia do balastre, mas com baltei, posicionando -se numa linha evolutiva que ter tido origem nesse primeiro ensaio do capitel

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    jnico no territrio da Lusitnia ocidental e evidenciando enormes parecenas com o capitel tos-cano (cf. Fernandes, 1997, vol. I, pp. 287307, vol. II, pp. 103161, 2008, pp. 231270, 2010, pp. 2550). Essa inicial formulao, que deu os seus primeiros passos em Emerita, onde existe um significativo conjunto de peas deste tipo, ter tido uma efectivao mais marcada na regio a nor-deste de Mrida, em territrio actualmente portugus, destacando -se trs ncleos: Idanha -a -Velha, Bobadela e Ammaia. Para esta situao tero concorrido, muito possivelmente, os acampamentos a estabelecidos nos primeiros momentos da conquista/pacificao da Lusitnia, compostos por mili-tares maioritariamente de origem itlica (Alarco, 2001, pp. 160; Fernandes, 2008, pp. 231270). Esta morfologia toscana, que rapidamente ser substituda por outras ordens arquitectnicas mais apelativas, tem caractersticas to sbrias e simples, que justificam o seu emprego nos primeiros edifcios mais austeros construdos por populaes itlicas, onde ainda se encontravam presentes os ecos da arquitectura etrusca, considerada durante muito tempo, como a zona primordial do nascimento do Imprio (cf. Rosada, 19701971, p. 66).

    Oito capitis do teatro de Olisipo apresentam actualmente uma morfologia diferente da jnica, acima descrita. T. Hauschild indica que se trata ...da forma bruta de capitis corntios, tendo na sua parte superior ainda arranques da placa de baco lanada para o exterior. Por baixo, o kalathos trabalhado de forma a deix -lo liso. Provavelmente estavam cobertos de estuque... (Hauschild, 1990, p. 361).

    Durante bastante tempo, comungmos da opinio, mais ou menos generalizada, que o miolo conservado corresponderia a capitis corntios desbastados posteriormente. No entanto, e sobretudo pela anlise de alguns conjuntos de capitis toscanos pensamos ser pertinente a apresen-tao de uma distinta interpretao, ainda que estas dvidas somente possam ser esclarecidas com o achado de novos exemplares em contextos arqueolgicos.

    Um capitel que actualmente se encontra na S de Idanha -a -Velha precisamente igual aos capitis do teatro de Olisipo. Classificado por D. Fernando de Almeida como pea inacabada (Almeida, 1956, p. 100) ser difcil manter aquela interpretao pela comparao com os capitis de Lisboa. Este facto reforado pela circunstncia de todos os capitis romanos egitanienses perten-cerem, ou ordem toscana ou ao embrio da ordem jnica, isto , o tipo jnico liso de influncia toscana referido supra. A alterao posterior destas peas deve -se sua adaptao quando foram reutilizadas na igreja, tendo sido desbastadas e modificadas de forma a melhor se adequarem ao novo espao religioso. A confrontao com mais oito exemplares de Lisboa torna difcil a ideia de todos eles, em locais distintos, apresentarem precisamente o mesmo grau de acabamento, contra-riando, assim, a ideia de se tratar, como referia D. Fernando de Almeida, de peas no finalizadas. A similitude morfolgica entre os exemplares de Idanha e de Lisboa e a similitude de dimenses sublinham igualmente esta interpretao.

    A utilizao da ordem toscana em edifcios cnicos no invulgar. Assim, no teatro de Itlica observamos o emprego da ordem toscana no prtico do postcaenium, a qual perdura, anacronica-mente ao longo dos tempos, mesmo quando a fachada cnica recebe profundas remodelaes nos incios do sculo III e se decora com os vistosos capitis corntios (Rodrguez, 2006, p. 158). Tam-bm em Mrida, na zona por trs do postcaenium, permanecem os jnicos lisos com decorao em estuque e mantendo parte do sumoscapo no prprio bloco do capitel resistindo s vrias renova-es, arquitectnicas e decorativas, que o espao cnico sofreu.

    Perante tais consideraes, colocamos a hiptese de aqueles capitis do teatro poderem corres-ponder no a capitis corntios desbastados, mas a capitis que se integram na classificao, j expli-citada, de jnicos lisos de influncia toscana nos quais, em reaproveitamento posterior, muito possivelmente na poca Moderna, foi removida a parte correspondente ao quino e ao pulvinus.

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    A ornamentao que acima descrevemos e que se observa nos registos do sculo XVIII, poder corresponder aos capitis que conservavam, poca, a sua decorao em estuque. Partindo desta ideia, ser pertinente considerar que os dois mdulos que a se observam tenham correspondncia com os dois tipos de capitis que hoje se conservam. Se assim for, os de maiores propores, seme-lhantes aos de Mrida, Tarragona ou Cartagena, certamente decorariam o primeiro andar da frons scaenae, enquanto os capitis de mdulo menor, correspondendo a um jnico liso ou talvez corres-pondendo a morfologias antigas de tradio toscana, poderiam decorar o segundo nvel da fachada cnica ou outro local do teatro, como a fachada exterior semicircular, como acontece com o teatro de Marcelo ou no teatro de Crdova, com a aplicao da ordem drica no piso inferior da fachada das bancadas (Ventura, 2006, pp. 99147).

    3.1.2. Capitis jnicos em calcrio no estucado

    Um fragmento de capitel, recolhido em 2006, numa limpeza realizada junto ao vomitorium, permitiu novas consideraes sobre a utilizao da ordem jnica no teatro romano. Conserva cerca de metade do balastre, ou pulvinus, decorado com folhas de gua imbricadas. Possui um balteus, decorado por uma moldura sogueada em relevo e com sulcos oblquos bem delineados. A parte frontal, composta por voluta ornamentada por roseta de quatro ptalas e boto central, encontra -se completa, com um delinear escultrico bem executado, evidente efeito naturalista e sem vestgios de trpano (Fig. 3). Pelas caractersticas datamos este exemplar de entre a segunda metade do sculo I e o sculo II.

    Fig. 3 Fragmento de Capitel jnico do teatro romano de Lisboa. Face frontal da voluta. (Fotografia de Ldia Fernandes, Museu da Cidade).

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    Outros fragmentos, em nmero de dezasseis (ou quinze, pois dois colam entre si), foram encontrados no decurso dos trabalhos arqueolgicos efectuados na dcada de 1960 e pertencem, na totalidade, ordem jnica, sendo alguns to residuais que dificilmente se identifica a parte do capitel a que pertenciam. A caracterstica comum consiste na matria -prima empregue: o calcrio. No o calcarenito fossilfero que vimos empregue nas peas anteriores, mas uma pedra uniforme, lisa, branca ou ligeiramente rosada, de aspecto muito mais homogneo do que as peas anterior-mente descritas. Alguns pormenores decorativos so ainda perceptveis, como o caso de moldu-ras sogueadas do balteus, folhas de gua a decorar a face lateral, parte da voluta frontal, onde se nota o canal da voluta espiraliforme. Uma poro de kyma composta por um vulo quase plano e por uma flecha estilizada ou lanceta; outro kyma ostenta um vulo de grande dimenso, ladeado por profundas molduras que delineiam, simultaneamente o elemento separador contguo.

    Apesar de serem fragmentos, desconhecendo -se o nmero total de indivduos, indiscutvel o facto de alguns evidenciarem um acentuado cuidado decorativo, obrigando a considerar, em alguns casos, serem produto de oficinas de qualidade.

    Em termos cronolgicos, estes exemplares podem -se incluir nos meados do sculo I ou na segunda metade da centria. Analisando separadamente um ou outro exemplar talvez apontsse-mos uma datao algo mais recuada, ainda que as caractersticas que se observam no impeam uma atribuio mais tardia, inclusivamente do sculo II, ainda que o pouco contraste de volumes leve a inclinar para pocas anteriores a uma exuberncia de contraste de volumes. Sublinhamos, no entanto, a grande dificuldade em atribuir cronologias finas a peas sobre as quais se desconhece o contexto e das quais se conserva to pouco.

    As peas que acabamos de analisar inscrevem -se num novo tipo de capitel jnico, que emprega uma matria -prima de maior qualidade, que segue diferentes preceitos decorativos, talhados directamente no bloco ptreo e no em estuque. A pedra que passa a ser utilizada o calcrio liso, branco, de boa qualidade, proveniente da regio de Sintra. neste bloco do capitel que so talhados directamente os vrios pormenores decorativos. Mantm -se a mesma ordem arquitectnica, mas a tcnica usada corresponde j a uma evoluo que se presencia por todo o Imprio.

    Estes fragmentos indicam, assim, um novo programa decorativo do teatro que respeita a pri-mordial ordem arquitectnica empregue, mas que a actualiza, enriquece e embeleza. O facto de continuar a ser esta a ordem escolhida numa poca em que, sobretudo no caso de edifcios pbli-cos, era a corntia a de maior apreo pela liberdade ornamental que possibilitava testemunha uma intencionalidade criteriosa da plstica decorativa deste edifcio pblico, patente quer na manuten-o da ordem jnica, quer na no substituio dos elementos decorativos da poca de fundao que empregavam, como tcnica de revestimento, o estuque.

    O caso do teatro de Itlica comparvel. Aqui, apesar das vrias alteraes que o edifcio cnico sofreu, os capitis que decoraram a rea do porticus post scaenam, atribuvel aos incios do sculo I d.C. (Rodrguez, 2006, p. 158), continuaram a ser toscanos, assim se mantendo ao longo do tempo. As mltiplas camadas de estuque que evidenciam comprovam a intencionalidade da sua no subs-tituio (Rodrguez, 2000, pp. 307317 + Lm, 2006, pp. 157158). O arranjo desta rea data do incio da construo do prprio teatro. Ao invs, os capitis da fachada cnica foram substitudos pela ordem corntia no sculo III d.C., desconhecendo -se actualmente qual a ordem arquitectnica que, originalmente, decoraria a fachada.

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    3.2. Rua das Padarias

    Estas duas peas, tambm j por ns analisadas (Fernandes, 1997, n.os 78 e 79, 2001, pp. 237 256) correspondem a dois capitis corntios. Apesar de encontrados em solo olisiponense, encontram -se actualmente em Palmela, sendo propriedade do Professor Jos Hermano Saraiva, que forneceu a informao de terem sido encontradas na Rua das Padarias quando se procediam a obras na rua na dcada de 1950 (Fig. 4).

    A maior particularidade destes exemplares reside no facto de um deles se encontrar inacabado, o que indica com alguma probabilidade, ou a existncia de uma oficina nas proximidades ou o facto de as peas no possurem a decorao completa por se posicionarem num local de difcil visualiza-o no interior do edifcio, situao corrente no Imprio Romano, como observamos nos capitis de Barcelona de poca jlio -claudiana (Gutirrez, 1992, pea n. 244) ou nos exemplares do teatro de Cartagena, datados da poca de Augusto (Ramallo, 2004, pp. 172177, fig. 20).

    Estas peas poderiam tambm ter decorado edifcios distintos pois a decorao que apresen-tam diversa, apesar de ser evidente serem produto de uma oficina de qualidade, facto evidente em alguns particularismos tcnicos que sobressaem. o caso, por exemplo de um pequeno scamillus moldurado, reentrante em relao ao baco dos exemplares, cuja nica funo seria a do perfeito encaixe com o entablamento.

    As peas apresentam duas coroas de folhas, desgarradas do corpo da pea na parte superior, com evidente busca de contrastes de luz e sombra. Os caulculos apresentam -se ligeiramente obl-quos, quase verticais ao invs do que acontecer a partir de meados do sculo II d.C. No exemplar

    Fig. 4 Capitel corntio da Rua das Padarias. (Fotografia de Ldia Fernandes).

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    completo os lbulos so bem definidos, evidenciando -se a sobreposio dos lbulos inferiores sobre os imediatamente adjacentes (na parte inferior das folhas), pormenor que se inicia a partir de poca jlio -claudiana. Na pea incompleta, os pontos de trpano no expem tratamento posterior, encontrando -se justapostos e sem que o trabalho de juno se apresente finalizado. Ao invs, no capitel mais completo, os pontos de trpano mal se identificam, visualizando -se pontualmente, de forma intencional, configurando maiores contrastes. No entanto, a proporo entre a primeira coroa de folhas e a parte superior do capitel afasta -se da proporo cannica do sculo I, relao que deixa de se presenciar mais frequentemente a partir da segunda centria.

    Um outro pormenor permite datar mais precisamente este exemplar. Trata -se de uma pequena folha trilobada que se posiciona entre as duas folhas que, saindo dos clices acompanham as hlices e as volutas angulares. Este detalhe apenas aparece documentado a partir dos incios do sculo II d.C., como pode ser observado em peas de Itlica, ou Mrida, entre outras (Gutirrez, 1992, respectivamente peas n.os 443, 452 e 448). Estes elementos e restantes pormenores levam a situar cronologicamente estes exemplares na primeira metade do sculo II d.C.

    3.3. Casa dos Bicos

    Este exemplar da Casa dos Bicos, encontrado no decurso das primeiras intervenes arqueol-gicas realizadas naquele local em 1982 (Duarte, Amaro, 1986, pp. 143 -154) foi por ns vrias vezes comentado (entre outros: Fernandes, 1997, n. 101, 1999, pp. 113135, 2004, pp. 2136, 2007, pp. 291336) e refere -se a um capitel corintizante de adossamento muito curioso.

    Pelos seus pormenores decorativos, concretamente as caractersticas evidenciadas por uma palmeta com terminaes foliceas circulares, possvel relacion -lo com peas de Alccer do Sal, Cadafais (Abrantes)6, com um exemplar da villa de Freiria (Cardoso, 1991, p. 76; Fernandes, 1997, n. 102) e ainda com um capitel de Itlica (Gutirrez, 1992, pea n. 835).

    Os ornamenta empregues neste tipo de capitel tm como fonte a enorme panplia de motivos de poca grega e helenstica como palmetas e hastes vegetalistas mas a sua morfologia , nitida-mente, uma reelaborao posterior, que alia um esquematismo a uma rigidez plstica.

    Esta pea da zona ribeirinha de Olisipo enquadra -se na nova linguagem que se inicia em poca flaviana, mas que se acentua e prolonga posteriormente. Integramos cronologicamente esta pea no sculo II, talvez nos meados desta centria, apresentando motivos decorativos prximos tanto de capitis hispanos como do centro do Imprio.

    A presena de um to grande nmero de exemplares que emprega tais tiques morfolgicos, s pode ser justificada se supusermos o emprego de cartes, os designados Skizzen ou Muster-bcher (Gros, 1976, p. 63; Sauron, 1979, p. 204; Pensabene, 1973, p. 189) e/ou, a presena de ateliers itinerantes os quais tero desempenhado um papel predominante na divulgao deste tipo de peas.

    A presena destes exemplares nas proximidades das duas vias terrestres que, mais directa-mente, ligavam Olisipo a Emerita, comprova as influncias que a capital de provncia exercia no seu territrio e a importncia das vias de comunicao terrestres na divulgao dos modelos.

    3.4. Capitel das Thermae Cassiorum

    No decurso de trabalhos de interveno arqueolgica realizados no jardim do Ministrio das Obras Pblicas (Rua de So Mamede, n. 21), entre 1992 e 1993, foi descoberto um pequeno

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    capitel jnico, integrado num silo medieval o qual tivemos oportunidade de analisar detalhada-mente (Fernandes, 2009, pp. 191207). Esta pea no possui baco, caracterstica que remete para uma reelaborao do capitel jnico de pocas tardias, quando o baco substitudo pelo scamillus (Fig. 5).

    O quino apresenta um kyma decorado por trs vulos, rodeados por largas molduras, separa-dos entre si por pontas de flecha. Na parte inferior do exemplar, um pequeno colarinho estabelece a ligao ao fuste. Lateralmente, o pulvinus decorado por folhas de gua contrapostas, dispostas a partir do centro, marcado por um pequeno balteus liso. A dimenso dos vulos e o espao concedido s flechas separadoras so praticamente os mesmos, desempenhando ambos os elementos, uma importncia decorativa de igual volumetria e importncia no lxico ornamental. Este novo vocabu-lrio afasta -se das finas molduras que delimitavam os vrios motivos, e o seu papel decorativo tanto ou mais importante quanto o desempenhado por aqueles elementos, trao comum em peas de pocas tardias (Pensabene, 1973, p. 250).

    Na sua globalidade, assim como nos diversos pormenores ornamentais, esta pea estabelece grandes semelhanas com um capitel da villa romana de Frielas (Fernandes, 2004, pp. 2136). Outros paralelos centro-imperiais podem ser indicados, como um capitel de stia, datvel do sculo III ou IV (Pensabene, 1973, p. 48). Igual cronologia se aplica a este exemplar das termas. As altera-es decorativas, mas tambm formais e estruturais, que se operam no capitel jnico em pocas tardias modificam por completo estes elementos: o baco desaparece, as peas diminuem de tama-nho e a decorao torna -se mais estilizada omitindo -se, na maior parte dos exemplares, os porme-nores decorativos constantes dos exemplares dos dois primeiros sculos da era. Por estas razes o capitel das termas cassianas pode ser datado da poca de remodelao do monumento na primeira metade do sculo IV, concretamente no ano de 336 d.C., tal como documentado por uma inscri-o encontrada no local no sculo XVIII por Caetano de Bem, depois includa na Epigrafia de Olisipo de Vieira da Silva (1944, n. 22).

    Fig. 5 Face frontal do capitel jnico das Thermae Cassiorum. (Fotografia de Ldia Fernandes, Museu da Cidade).

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    3.5. Capitis da necrpole da Praa da Figueira

    Dois capitis jnicos foram encontrados durante a interveno arqueolgica levada a cabo na Praa da Figueira em 2000/2001 (dirigida por Marina Carvalhinhos e Rodrigo B. Silva, do Servio de Arqueologia do Museu da Cidade CML) e os quais j tivemos oportunidade de analisar (Fernandes, 2007, pp. 291336).

    Estas peas integram -se na ordem arquitectnica jnica, estando uma quase completa e a segunda conservando cerca de um tero da sua totalidade. So exemplares cannicos de diminutas dimenses, ambos com pouco mais de 18 cm de altura. semelhana do exemplar das termas cas-sianas, tambm aqui no existe baco, sendo este substitudo por scamillus.

    Numa das peas, a ornamentao do kyma composta por trs semi -vulos cortados supe-riormente, sendo que o central, axializado, possui um contorno quase circular. As molduras que delimitam os vulos so sobrelevadas e constituem tambm elementos ornamentais, separados entre si por lancetas, que assumem, pela sua dimenso, similarmente, grande importncia no con-junto decorativo.

    O outro exemplar conserva somente uma pequena parte, ostentando um nico semi -vulo, rodeado por grossa moldura relevada e por uma lanceta que faria a separao com o semi -vulo seguinte. Aposta ao kyma, encontra -se uma voluta de acentuadas dimenses, com moldura relevada espiraliforme bem desenhada que finaliza, no centro, em boto relevado.

    No conjunto, so peas de pequenas dimenses, como j sublinhado, onde so omissos mui-tos dos tradicionais elementos decorativos do capitel jnico, como o caso do canal de voluta. A supresso do canal, considerada por alguns autores como sendo uma caracterstica de tradio africana (Pensabene, 1986, p. 417), poder ser encarada como integrando o desenvolvimento pr-prio do capitel jnico em pocas tardias, observvel nas provncias mais longnquas mas tambm no centro do Imprio. As faces laterais deste capitel, os pulvini, so decoradas por elementos folicios, os quais, partindo do centro do balastre abrangem a totalidade do mesmo, assemelhando -se a folhas corntias.

    O contexto arqueolgico em que estas peas foram encontradas no nos permite estabelecer uma integrao arquitectnica directa com qualquer edificao, uma vez que surgiram em contex-tos tardios, relacionados com a ocupao muulmana daquele local, tendo ambos sido reutiliza-dos como material de construo nas paredes de um poo datvel de poca Muulmana. No obstante, plausvel que estes dois espcimes se relacionem com a anterior vocao funerria de poca romana do local. Neste quadro funcional, podero ter decorado mausolus funerrios de carcter privado, ainda que pertencendo a edifcios diferentes pois evidenciam, dentro de um mesmo reportrio decorativo, morfologias e talhes distintos. Estas peas inscrevem -se, assim, numa linha evolutiva do capitel da ordem jnica, com modificaes substanciais a partir do sculo III, inscrevendo -se nas opes simplificativas mais usuais que se observam no final da terceira cen-tria ou, provavelmente, da seguinte.

    Geralmente considera -se este tipo de peas jnicas produzidas em poca tardia, de pequena dimenso e simplicidade decorativa como objecto de encomendas de carcter privado (Lzine, 1968, p. 168). Neste sentido, e de acordo com o local onde apareceram, pensamos poder inferir estarmos em presena de um contexto sagrado/religioso vocacionado para a decorao de pequenos mausolus. Esta ideia no impede que se sublinhe a qualidade tcnica evidenciada por estas peas, o que nos remete para ateliers que seriam, na altura, localmente bem conhecidos.

    Ainda a este propsito, no poderamos deixar de mencionar a similitude com o capitel jnico de Frielas, j referido, pertencente ao peristilo da villa e datvel dos finais do sculo III (Fernandes,

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    2004, pp. 2136) e que justifica a hiptese de ter sido produzido pelo mesmo atelier. Encontramo--nos, pois, mais uma vez, perante uma encomenda privada destinada, neste caso, decorao de uma villa. Este aspecto tanto mais importante quanto nos permite concluir, pela primeira vez, que oficinas deste perodo abasteciam, simultaneamente, a cidade e as villae do seu territorium.

    3.6. Rua das Canastras

    semelhana dos capitis jnicos tardios que tivemos oportunidade de referir, este exemplar inscreve -se igualmente em tal registo. Trata -se de uma pea depositada nas reservas do Museu Nacional de Arqueologia (Silva, 1939, p. 119; Moita, 1994, p. 66, n. 84; Fernandes, 1997, n. 53; Fernandes, 1988, pp. 221284, n. 5), sendo proveniente da Rua das Canastras, em Lisboa, junto zona ribeirinha. Temos, mais uma vez, um capitel de pequenas dimenses, sem baco e com um quino decorado por trs semi -vulos delimitados por grossas molduras. Muitos dos tradicionais elementos decorativos do capitel jnico no se encontram presentes, como o caso do canal das volutas, das semipalmetas e do baco. A morfologia da pea, ostentando um quino compacto, sem que as volutas ultrapassam a sua altura e a moldura sogueada que finaliza inferiormente o quino, aponta para um desvirtuamento do capitel jnico cannico.

    Os pulvini, com uma morfologia de balastre, apresentam uma decorao com folhas de gua. O esquematismo acentuado e o efeito geomtrico que a ornamentao no seu conjunto pro-duz, apontam para modificaes do capitel jnico que se podem situar cronologicamente a partir do sculo III.

    3.7. S de Lisboa

    Trata -se apenas de um fragmento de um capitel jnico que tivemos oportunidade de estudar em 1997 (Fernandes, 1997, n. 56), proveniente das escavaes arqueolgicas realizadas no local, sob a direco de Clementino Amaro. As suas caractersticas morfolgicas e decorativas colocam--no na sequncia dos capitis tardios acima analisados. Mais uma vez, este exemplar no possui baco, nem to-pouco scamillus; os vulos, possivelmente em nmero de trs, so acentuadamente alongados separados por grossas molduras que tambm funcionam como delimitadoras das lan-cetas. Pelo seu acentuado alongamento, estes dois elementos vulos e lancetas tm pratica-mente a mesma expresso. No apresenta canalis; as volutas frontais so de pequena dimenso e justapostas ao quino e a parte inferior da pea termina num colarinho de prolas e astrgalos separado do quino por uma moldura recta lisa.

    A decorao acentuadamente geomtrica e esquemtica, com paralelismos emeritenses e cor-doveses (respectivamente Cruz Villaln, 1985, pp. 252; Carlos Marques, 1993, pp. 31 e 32), assim como com mltiplos exemplares norte-africanos (Pensabene, 1986, pp. 410 -425, figs. 51 b; 55 e/f; 56 d; 58 e; 56 f). A cronologia em que esta pea se inscreve o sculo IV d.C.

    3.8. Alfama

    Apenas conhecemos esta pea por uma fotografia gentilmente cedida por Clementino Amaro, tratando -se de um exemplar que propriedade privada. Trata -se de um capitel de coluna, de estilo

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    corintizante com motivos liriformes. O kalathos do capitel composto por dois nveis de folhas. O inferior composto por elementos foliceos de grande dimenso, aderentes ao corpo do capitel. As folhas angulares elevam -se at parte inferior do baco e so similares s anteriores.

    Esta vegetalizao das volutas, segundo a expresso de Pensabene, um processo que se observa a partir dos sculos I e II e que se traduz essencialmente pela recuperao de alguns orna-mentos helensticos (Pensabene, 1973, p. 218). Ser precisamente esta caracterstica da vegetaliza-o dos vrios elementos do capitel que levou sua individualizao, realizada pela primeira vez por Ronczewsky (1923) na anlise feita sobre capitis romanos com decorao variada.

    A decorao liriforme das faces centrais, com o arranque de hastes vegetalistas da parte supe-rior da primeira coroa de folhas, um dos motivos mais habituais da decorao do capitel corinti-zante. A flor do baco de grandes dimenses e a espessura do baco acompanha o seu dimetro apresentando -se, assim, bastante largo e possivelmente reentrante nas faces frontais junto flor.

    A ausncia de volumes e a profunda alterao dos cnones tradicionais do capitel corntio, a esquematizao dos motivos vegetais e a quase inexistncia de qualquer correspondncia orgnica dos vrios ornamenta levam a considerar este espcime certamente como um produto de oficina local de poca tardia. Apontaramos talvez o sculo IV para a data da sua realizao, ainda que a observa-o apenas por imagens leve a acautelar quaisquer opinies mais assertivas sobre o exemplar.

    3.9. Castelo

    Este capitel, encontrado em 1997 e estudado por ns tambm nesse ano (Fernandes, 1997, n. 84), provm das intervenes arqueolgicas realizadas no castelo de So Jorge, levadas a cabo por Ana Gomes e Alexandra Gaspar. Integra -se na ordem corntia, ainda que a sua dimenso e o tratamento dos elementos decorativos indiquem um desvirtuamento to acentuado que, obrigato-riamente, s poder ser um produto de poca tardia.

    Apresenta duas coroas de folhas, semelhantes a palmetas, muito esquemticas e totalmente aderentes ao kalathos, de contorno contnuo. A coroa superior, similar, ainda que a parte superior das folhas se desgarre ligeiramente do corpo do capitel, mantendo no entanto um aspecto macio. A decorar o baco, observa -se um elemento de difcil interpretao mas que pensamos ser uma pinha, ornamento usual em capitis corntios mas que aqui surge sem qualquer coerncia org-nica. Estes elementos, no seu conjunto e a desproporo que o exemplar apresenta leva a aproxim--lo de peas tunisinas, concretamente de tica (Pensabene, 1986, p. 368, fig. 29 -a), mas tambm de exemplares centro imperiais, como o caso de stia (Pensabene, 1973, p. 78, n.os 318 e 320), com cronologias que apontam para os finais do sculo III d.C. ou, mais provavelmente, para a seguinte centria.

    3.10. Capitel depositado na Associao dos Arquelogos Portugueses

    Trata -se de um capitel corntio, em calcrio, j estudado em 1997 (Fernandes, 1997, n. 83). No possumos informaes acerca da provenincia desta pea; no entanto, Vieira da Silva (1987, pp. 117118) fornece a indicao de que, em 1922, em obras que se realizavam nas caves de um pr-dio da Rua das Canastras, foram encontrados vrios elementos romanos, entre os quais uma coluna e um capitel (Silva, 1944, pp. 215, 216, n. 102). No mesmo local, mas 5 m abaixo, foi ento tambm encontrada uma estrutura de cais em cantaria e com tabuleiro em opus signinum. No podemos ter a

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    certeza, no entanto, de que este capitel seja o que se encontra em exposio no Museu Arqueolgico do Carmo. Curiosamente, tambm da Rua das Canastras provm o capitel jnico que analismos anteriormente (vide captulo 3.6), indicando ou uma intensa ocupao na poca Romana desta zona ribeirinha ou uma funcionalidade de despejo e aterro que poder justificar o elevado nmero de peas que aqui surgem. Inclinamo -nos antes para que esta pea seja a referida por Jlio de Casti-lho, que fala de um capitel compsito encontrado em Santa Apolnia em 1870 e que foi entregue Associao dos Arquitectos e Arquelogos Portugueses, encontrando -se na capela -mor do Museu do Carmo (Castilho, 1934, p. 107). No entanto, nem o capitel que agora apresentamos compsito, nem talhado em basalto, como refere o autor.

    O corpo do capitel decorado por duas coroas de folhas, muito esquemticas, cujos lbulos se dispem dos dois lados de uma espessa nervura central. Os caulculos, que se elevam a partir da segunda coroa de folhas, so grossos e altos. Deles saem as folhas das hlices e das volutas laterais que se posicionam quase horizontalmente, afastando estes ornamentos da morfologia que detinham at meados do sculo II d.C. No conjunto, o aspecto macio deste exemplar e a ausncia de proporo entre os vrios elementos constituintes, para alm das caractersticas dos pormenores decorativos, obrigam a considerar um trabalho tardio, muito possivelmente os finais do sculo III d.C.

    3.11. Rua dos Correeiros (Ncleo Arqueolgico do BCP)

    Na interveno arqueolgica levada a cabo onde hoje o Ncleo Arqueolgico da Rua dos Correeiros (dirigida por Jacinta Bugalho, a quem agradecemos a indicao), foi exumado, em 1994, um pequeno fragmento de capitel em calcrio. As pequenas dimenses no permitem identificar claramente a pea a que pertencia, mas pensamos tratar -se de um capitel corntio, uma vez que se conserva a parte final do enrolamento espiraliforme de uma voluta e a parte superior de uma folha corintizante, angular. Nesta folha identificam -se alguns lbulos, sendo que o inferior se sobrepe ao seguinte, formando um ponto de sombra profundo, criado por trabalho a trpano. Ainda que seja impossvel saber a cronologia deste exemplar, sublinhado pelo facto de ter surgido em contex-tos dos sculos XVII e XVIII, pensamos poder atribu -lo a poca flaviana ou posterior, dado o intenso efeito claro/escuro observado nos lbulos da folha.

    4. Bases da cidade de Felicitas Iulia Olisipo

    So em reduzido nmero as bases que conhecemos em Olisipo (Quadro 1, Fig. 1). Uma delas, analisada por ns em 1999, provm da Casa dos Bicos (Fernandes, 1999, pp. 113135) (N. inv. 514/inv. Geral: 5504) e constitui um dos exemplares tpicos da base tica, podendo -se -lhe atribuir uma cronologia do sculo II d.C., semelhana da datao indicada para o capitel corintizante encon-trado no mesmo local.

    No caso do teatro, contabilizamos apenas trs bases, as quais foram estudadas em trabalho recente (Fernandes, 2004 -2005, pp. 83 -94) (n.os inv.: TRL/1966 -67/28E.A; T.RuaL/1966 -67/155E.A; T.RuaL/1966 -67/102E.A). Tambm estes elementos empregam o mesmo tipo de material dos capi-tis, o biocalcarenito, o qual seria posteriormente coberto com estuque. Esta similitude entre bases e capitis seria de esperar, uma vez que so coevos da primeira fase construtiva deste monumento pblico.

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    Como j havamos mencionado, tambm aqui encontramos parte do fuste ou imoscapo includo no corpo da base. O nico exemplar em que tal no acontece, corresponde a uma base tica, com os trs elementos constituintes: plinto, toros e escapo central, mas posicionados de tal forma que imediatamente denunciam um arcasmo marcante, uma vez que estas partes constituin-tes se sobrepem sem que o escapo ocupe um lugar de destaque ou adopte o perfil parablico (de ligao entre toros de dimetro diferente), caracterstica que define a total explanao da base tica. Mais uma vez, a cronologia que apontamos para estes exemplares , pelas caractersticas expostas e similitude tcnica com os capitis, os incios do sculo I, a poca de fundao do teatro romano de Olisipo (entre outros: Fernandes, 2007, pp. 2739, 2009, pp. 139168).

    Outra pea foi dada a conhecer em 1996, numa interveno arqueolgica levada a cabo pelo ento IPPAR na Baixa Pombalina (Marques & Santos, 1996, p. 201). Encontrava -se associada a outros vestgios romanos, como o caso de opus signinum (Marques & Santos, 1996, p. 201). Trata -se de uma pea em calcrio, com dois toros estreitos sobrepostos e separados por escapos tambm pequenos e pouco profundos, separados entre si por mltiplas molduras. Inferiormente possui um plinto quadrado, que se encontra partido.

    Este elemento corresponde a uma base tica evolucionada, com distintos dimetros dos toros e vrias molduras a separar os elementos. Pode ser comparada ao esquema compositivo enunciado pelas bases do postcaenium do teatro de Saguntum (Martorell, 1990, pp. 25, n. B.8) ou seja: plinto / bocel / listel / verdugo / listel / bocel / imoscapo.

    O facto de este exemplar possuir duas esccias, ainda que pouco desenvolvidas, leva a que se aproxime da chamada base jnico -tica, que surge, essencialmente, a partir da poca flaviana mas sobretudo com Trajano e Adriano (Martorell, 1990, p. 89). Atribumos uma cronologia do sculo II d.C. a este exemplar.

    Por ltimo, outra base foi registada na Rua Augusta (n.os 6169; Rua da Conceio n.os 8498, n.os 210, Rua dos Sapateiros) quando, em 2000, se fizeram obras de remodelao nesse edifcio, sendo alargada a rea da cave, j existente. Em contextos romanos, mas de cronologia indetermi-nada, foi encontrada uma base em mrmore (Ferreira, 2000, pp. 26, 27, fig. 4) composta por um plinto quadrado, sobreposto por um toro em forma de quarto de crculo reverso (Bonneville, 1980, p. 95, n. 20) que se liga a um sumoscapo alto atravs de uma moldura. Poderamos pensar que o facto de possuir um sumoscapo, para ligar ao fuste de coluna que se sobrepunha, fosse um indica-dor de anterioridade cronolgica. No entanto, a linguagem que observamos neste exemplar total-mente distinta da que observamos, por exemplo, nas peas do teatro, j referidas. Esta pea em mrmore, apresenta dimenses bastante mais pequenas e a morfologia acentuadamente simplifi-cada. Apesar de no conseguirmos definir uma data para esta base, pensamos que a cronologia dever apontar para pocas tardias.

    5. Capeamentos de ara de Felicitas Iulia Olisipo e outros monumentos epigrficos

    No podamos deixar de incluir nesta recolha os capeamentos de ara, isto , a parte superior de alguns monumentos funerrios que ostentam uma composio morfolgica e decorativa que os define como elementos praticamente independentes (Quadro 1, Mapa 1).

    Tivemos ocasio de comentar em algumas ocasies estas peas (Fernandes, 1996, pp. 179 187, 2007, pp. 291336), mas retomamos o tema pois este tipo de monumentos funerrios depara -se assaz curioso no apenas pela morfologia () mas, de igual modo, pela rigidez dos moti-vos que emprega. Percebe -se claramente nestas peas uma linguagem acentuadamente mais elabo-

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    rada mas a qual se restringe a um conjunto de ornamenta bem mais padronizado do que o obser-vado nos capitis jnicos, ainda que o lxico decorativo derive directamente destes ltimos (Fernandes, 1997, p. 330). Como afirmmos no incio deste trabalho, referimos apenas as peas surgidas na cidade. Mas se alargssemos a rea de pesquisa ao territorium, o nmero em muito aumentaria uma vez que se registam peas em Torres Vedras (2), Mafra (4), Sintra (11), Cascais (3) e Loures (1), num total de vinte e uma peas7 (Vieira, 1998) sendo a regio de Sintra a que concen-tra, incomparavelmente, um maior nmero, essencialmente na localidade de Faio, de onde pro-vm cinco exemplares.

    Para alm destes elementos funerrios, outros monumentos epigrficos haver que igual-mente podero fornecer outras indicaes quanto decorao arquitectnica.

    5.1. Capeamentos de ara

    O primeiro exemplar que analisamos provm da Casa dos Bicos (Fernandes, 1999a, pp. 113 135). composto por dois registos decorativos, sendo o inferior decorado por uma faixa com motivos vegetalistas, que constituem uma estilizao do kyma lsbico. O registo ornamental supe-rior, ou fastigium, separado da base por duas pequenas molduras, ostenta duas volutas com roseta central trilobada, relevada, sendo que os pulvini, que prolongam lateralmente as volutas frontais, so decorados por folhas de gua de talhe muito acentuado. Os pulvini apresentam -se como verda-deiros balastres e possuem um balteus central. Duas rosetas ladeiam o floro central o qual, apesar de no se ter conservado, dever corresponder, como usual, a uma palmeta. A parte interna da pea, ou seja, o focus, encontra -se rebaixada e rudemente afeioada. Os pormenores decorativos per-

    Fig. 6 Capeamento de ara proveniente do castelo de So Jorge (Museu da Cidade). (Fotografia de Ldia Fernandes, Museu da Cidade).

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    mitem datar este exemplar do sculo II d.C., possivelmente dos finais da centria8. De sublinhar a enorme semelhana entre este capeamento e um outro proveniente de Loures (Pvoa de Santo Adrio) que se encontra no Museu Nacional de Arqueologia (Matos, 1995, p. 120, n. 55). Curiosa esta situao uma vez que, quer o capitel proveniente da villa romana de Frielas, quer este capea-mento de ara, recolhido a cerca de 2/3 km de distncia, apresentam similitudes marcantes com duas peas equivalentes de Olisipo: respectivamente, o capitel das termas dos Cssios e o capeamento de ara da Casa dos Bicos.

    Um pouco mais tardio um outro capeamento funerrio, em exposio no Museu da Cidade, proveniente do Pao da Alcova do Castelo de So Jorge (Fig. 6).

    Apresenta igualmente dois registos, sendo a base decorada por motivos vegetalistas estiliza-dos, marcados por grossas molduras, separados por pequenas pontas de flecha que pouco tm de real. No fastigium, apesar da pea se encontrar muito partida, possvel adivinhar o arranque da palmeta central. A lade -lo, na base, tambm se observam duas rosetas, tetraptalas, com trpano bem marcado. Outra roseta, semelhante, decora o centro da nica voluta que se conserva e que liga ao pulvinus lateral, decorado por repetitivos traos que representam as folhas. Este esquematismo to acentuado e as grosseiras molduras que observmos na base leva a propor uma cronologia mais tardia para esta pea, possivelmente os finais do sculo II ou incios da seguinte centria.

    Embebida na muralha do castelo, no seu lado oriental, encontra-se uma outra pea que pen-samos ser indita. Trata -se de um fragmento que abrange a parte frontal com a sua base e fastigium (Fig. 7). A parte inferior, acentuadamente mais alta que nas peas antes referidas, encontra -se deco-rada por largas linguetas cncavas. A separao com o fastigium feita por uma faixa moldurada, sendo que nesta parte superior, apenas se observa o arranque da palmeta central, semelhante a uma antefixa. Pea semelhante encontra -se no Museu de Torres Vedras, ainda que aqui se verifique um

    Fig. 7 Capeamento de ara reaproveitada nas muralhas do castelo de So Jorge. (Fotografia de Ldia Fernandes, Museu da Cidade).

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    talhe mais rude e molduras mais largas. Pensamos que a maior altura do plinthus indica uma crono-logia mais tardia. Datamos este exemplar do sculo III d.C.

    Um outro fragmento foi registado no interior de um edifcio do Ptio da Sr. da Mura n. 18, em trabalhos arqueolgicos realizados em 2007 pela Empresa Era Arqueologia (Pereira, 2007). Trata -se de um fragmento de pulvinus, que se encontra embebido na alvenaria da parede. O estado de conservao da superfcie extremamente deficiente, no entanto indiscutvel que se trata da parte superior de um monumento funerrio, correspondendo parte do fastigium e conservando uma voluta completa. Esta voluta apresenta seis ptalas alongadas, apresentando, como que em segundo plano, a parte final de outras ptalas, num total de oito. Apesar de a parte restante do fasti-gium se encontrar decorada, no possvel perceber o tipo de ornamentao. Aquele tipo de roseta, de recorte delicado e minucioso, poder ser aproximado a algumas decoraes em monumentos funerrios similares de Augusta Emerita (Nogales & Mrquez, 2002, p. 125, fig. 3 -a), atribuveis poca de fundao romana; ou com alguns frisos augustanos da provncia da Narbonense (Janon, 1986, p. 28), de igual modo, datamos este exemplar do sculo I d.C.

    Curiosamente, foi encontrado por Frei Manuel do Cenculo, em 1776, um cipo funerrio em local muito prximo, concretamente na Rua de So Joo da Praa, em frente ao Palcio dos Senho-res de Mura (Silva, 1944, p. 205, n. 92). No desenho deste investigador, visualiza -se um capea-mento sem plinto, apenas com fastigium, decorado por duas volutas decoradas por rosetas quadrip-talas e uma palmeta central, ainda que este desenho se trate meramente de um esquisso e, por esse facto, suscite algumas dvidas.

    Dois elementos arquitectnicos foram encontrados, em 2004, no n. 2 da Rua da Saudade (Empresa Era -Arqueologia) (Brazuna, 2005, p. 37). Tivemos oportunidade de oportunamente comentar este achado (Fernandes, 2007, p. 330 e n. 41), sobretudo em relao interpretao e cro-nologia que se apresenta no Relatrio dos Trabalhos Arqueolgicos onde est expressa a nossa informao sem que se faa qualquer referncia ao apoio solicitado. Um desses elementos um fragmento de capeamento de ara, em mrmore, do qual somente se conserva parte de duas rosetas que ladeiam a palmeta central do fastigium (Fernandes, 2007, fig. 43). As rosetas, quadriptalas e com boto central, apresentam concavidades de trpano no disfarado, denunciando um trabalho pouco esmerado. No entanto, o clssico lxico ornamental e o emprego do mrmore em vez do cal-crio, leva a propor uma cronologia ainda da segunda centria, talvez finais.

    Por ltimo, no podemos deixar de mencionar um outro monumento que se encontra actual-mente nos jardins do Palcio Fronteira (freguesia de So Domingos de Benfica) (Fernandes, 1996, pp. 179187). Ainda que este exemplar esteja hoje neste local, de crer que ter sido deslocado do seu stio original. Desconhecemos a sua provenincia e poder ter sido recolhido em Olisipo, ou na zona de Sintra, concretamente em Odrinhas, onde se registam inmeros monumentos funerrios com idntica decorao. Apesar de no se afastar muito da pea proveniente da Casa dos Bicos, apresenta uma base decorada com rosetas inscritas em molduras circulares que contrastam com a ornamentao padronizada da parte superior do monumento e com a delicadeza expressa no talhe. Temos, mais uma vez, uma dualidade de motivos que comprovam a incorporao simultnea dos modelos centro -imperiais (mesmo que vindos via capital de provncia), com ornamenta que, tendo na base um elemento clssico, o desvirtuam e transformam, segundo uma linguagem muito mais arcaica mas, tambm, muito mais prxima e mais inteligvel. Concretizando o que acabamos de referir, os ornamentos circulares a que fizemos referncia, por exemplo, descendem do kyma lsbio trilobado que encontramos no templo de Venus Genetrix do Forum de Csar, em Roma (Milella, 2004, p. 70, fig. 18) mas j to modificado que pouca relao estabelece com os elementos originais. Esta pea pode ser datada do sculo II d.C.

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    5.2. Outros monumentos epigrficos

    Ainda que afortunadamente o panorama epigrfico relativo cidade de Olisipo no seja de menosprezar (Silva, 1940; Mantas, 1994, pp. 7076 e bibliografia indicada), os monumentos que evidenciam decorao so em reduzido nmero. No pretendemos apresentar uma listagem exaus-tiva de peas, apenas salientar algumas das mais relevantes quanto vertente que ora tratamos (Quadro 1, Fig. 1).

    A primeira diz respeito a um outro elemento encontrado tambm na Rua da Saudade n. 2 (Brazuna, 2005, pp. 26, 37, fot. n. 44). Trata -se de um interessante fragmento talvez pertencente a uma edcula de um monumento funerrio ou uma estela de igual ndole, como vemos em inmeros monumentos epigrficos, como os que se observam no Museu Municipal de Faro (n.os inv. 441, 442, 443 e 518), ou, apresentando um exemplo paradigmtico, como a ornamentao no altar de Catia Faustina, da Via Appia (Museu de Torlonia; Kleiner, 1992, p. 308, fig. 277) datado c. 150 d.C.

    O aspecto mais relevante neste elemento da Rua da Saudade, o facto de ainda manter parte da sua decorao que deveria consistir num fronto triangular (do qual se conserva parte) supor-tado por duas pilastras de ordem corntia, da qual somente se conserva a parte superior de uma (lado direito), correspondente ao capitel e incio do fuste com caneluras profundas. A pea 518 acima referida (MMF) possui o mesmo esquema de fronto triangular suportado por duas pilastras, cada uma com o seu capitel corntio. Esta pea, de muito boa qualidade, datada de poca imperial (Catlogo Caminhos do Algarve Romano, 2005, p. 87). A pea de Olisipo no apresenta um talhe to cui-dado mas, em contrapartida, ostenta um capitel corntio decorado com grande pormenor o que no vulgar neste tipo de monumentos onde a ornamentao, por ser to pequena, geralmente mais esboada que verdadeiramente esculpida. O capitel corntio e, ainda que esquematizado, encontram -se presentes os vrios componentes do capitel: o baco e respectiva flor; as folhas de ngulo e as do primeiro andar do kalathos. As folhas so palmetas com oito digitaes. De salientar que o fuste apresenta caneluras com demarcao, na parte superior, de meios crculos. Esta caracte-rstica comum em peas antigas, tal como encontramos em capitis que mantm o sumoscapo no mesmo bloco, datveis dos finais do sculo I (Tardy, 1989, pp. 130, 132, 134), datao idntica que propomos para este exemplar, ou ainda de uma estela de Cstulo que apresenta um capitel seme-lhante, tal como idntica a particularidade da finalizao das caneluras do fuste. Esta pea encontra -se datada de meados do sculo I podendo prolongar -se at 1. metade da seguinte cen-tria (Baena, 1993, p. 72, Lmina 1.1, pp. 6376).

    Sobre os tipos de monumentos e rituais funerrios existentes na cidade de Olisipo, as informa-es que possumos continuam a ser muito parcas (cf. entre outros, Caetano, 2002, pp. 313334; Ribeiro, 19741977, pp. 277329; Silva, 1944). Neste mbito, ser incontornvel a referncia cle-bre tampa de sarcfago, encontrada em Chelas e datvel dos meados ou finais do sculo III (actual-mente no MNA), ainda que segundo outros autores possa ser atribuda aos incios do sculo III (Matos, 1995, pp. 104107), opinio da qual nos afastamos, com a representao de poetas e musas, e que Vasco de Souza considera ser uma pea importada de Roma (Souza, 1990, p. 72, n. 139).

    O trabalho de qualidade, evidenciando acentuados efeitos de claro/escuro e alternncia de volumes, sendo a prova de que, nesta altura, existiria um pblico que continuava a exigir produtos esteticamente distintos ou, possivelmente, a importar peas que comprovavam, no extremo ociden-tal do Imprio, o seu poderio econmico e a importncia do estatuto social. Mas em relao a esta pea no podemos deixar de questionar o facto de ser uma pea importada. Se compararmos esta tampa de sarcfago com o exemplar, gurativa e compositivamente igual, existente na Catedral de Cartagena, em Mrcia, datado do perodo tetrrquico (Nadal, 2004, pp. 273-306, g. 6-a), vemos

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    claramente uma diferena tcnica e esttica marcantes, constituindo este ltimo exemplar, um traba-lho muito superior. Assim sendo, porque no colocar a hiptese deste sarcfago de Chelas ser pro-duto de um atelier provincial e no de uma importao, uma vez que a essa mesma concluso se havia chegado em relao ao sarcfago de Alfeizero (Leiria), tambm publicado por Vasco de Souza (1990, p. 48, n. 136) que, neste caso, o atribui a um atelier provincial e aos incios do sculo IV.

    J fora da cidade, o sarcfago proveniente de Castanheira do Ribatejo, de meados do sculo III, uma pea de evidente qualidade, de importao oriental, comprovando mais uma vez uma elite interessada em mostrar o seu requinte, o seu dinheiro e o seu estatuto (Matos, 1995, pp. 100101; Souza, 1990, n. 140).

    6. Outros elementos arquitectnicos

    Este grupo ser o mais vasto dos elementos que, no mbito deste pequeno trabalho, podem ser analisados, pois so em bastante maior nmero. Paralelamente, ser tambm o conjunto que menor informao nos poder fornecer, porque, na sua grande maioria, se refere a elementos descontextu-alizados, se no do contexto de escavao, seguramente do edifcio a que tero pertencido. Incluem--se neste grande grupo os frisos, cornijas e arquitraves (Quadro 1, Fig. 1). De fora ficam as molduras simples, capeamentos ou simples placas. Estas peas surgem amide nas intervenes arqueolgi-cas, na maior parte dos casos totalmente descontextualizadas. Em outras situaes, como o caso do teatro, so em to grande nmero que s a sua anlise justificaria um trabalho distinto. No se apresentam, pois, nem os fustes, as inmeras cornijas, em calcrio e em mrmore, nem os frisos, placas e outros elementos que tm sido recolhidos ao longo das vrias campanhas mas, sobretudo na dcada de 1960.

    Assinalam -se ainda, fragmentos de placas que funcionariam como elementos de revestimento de mltiplas construes, como acontece nas galerias romanas da Rua da Prata, alguns recolhidos na interveno arqueolgica realizada pelo Servio de Arqueologia do Museu da Cidade (CML) (Ldia Fernandes e Manuela Leito) e outros em recolhas superficiais efectuadas na galeria das nas-centes ao longo dos anos. Tambm na escavao realizada no claustro da S e na Casa dos Bicos9, ou ainda nas Termas dos Cssios, se recolheram inmeros materiais arquitectnicos que se encontram por estudar. Daquele ltimo local so vrios os contentores que se recolheram com fragmentos de capeamento, em mrmore branco e de cor cinza com venadas brancas, que decerto revestiram as paredes do edifcio termal.

    6.1. Cornijas

    Neste grupo, separamos os elementos decorados dos que no ostentam qualquer ornamenta-o10. Quanto ao primeiro grupo, os dois primeiros exemplares que analisamos so provenientes do teatro romano de Lisboa (Fig. 8). So dois fragmentos de cornija que, apesar de no colarem si per-tencem mesma parte do edifcio. Foram encontrados por Irisalva Moita encontrando -se referidos, no seu caderno de campo no qual, alis, desenha um pequeno croqui. Pertencem ambos mesma parte do edifcio, ainda que no colem, apresentando o menor, uma concavidade rectangular, na parte superior, para encaixe com o entablamento. O aspecto mais importante o material em que se encontram talhados. Optou -se por um calcrio pouco homogneo, de cor escura, mas de melhor qualidade que o calcrio conqufero ou biocalcarenito. Apresenta uma decorao formada por ele-

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    Integramos estas peas no primeiro momento construtivo do teatro, com idntica cronologia atribuda aos restantes elementos revestidos a estuque.

    Outra pea, sem decorao, encontra -se actualmente na Secretaria -Geral do Ministrio do Equipamento do Planeamento e Administrao do Territrio (Rua So Mamede n. A2 e B) (Fernandes, 2000, p. 18, figs. 15 e 16), tendo sido recolhida no decurso da escavao realizada no Ministrio das Obras Pblicas em 19911992, no mesmo local onde foi encontrado o capitel que analismos no captulo 3.4, ou seja, integraria as j mencionadas termas dos Cssios. talhado em pedra lioz rosa, tem cerca de 1 m de comprimento e encontra -se em muito mau estado de conserva-o, mantendo apenas o arranque de quatro den-tculos. Na parte inferior apresenta uma concavi-dade rectangular para integrao na parte inferior do edifcio. Apesar de ser muito difcil apresentar uma cronologia para esta pea, a simi-litude que evidencia com o material das pedras dos proscaenium do teatro romano, datado de 57 d.C. e a proximidade com este edifcio, leva a propor uma cronologia similar.

    Outro