declaração unilateral de independência de kosovo de acordo com o direito internacional

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DECLARAÇÃO UNILATERAL DE INDEPENDÊNCIA DE KOSOVO DE ACORDO COM O DIREITO INTERNACIONAL (Cristiane Helena de Paula Lima) Trata-se de opinião consultiva, solicitada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas - ONU em consonância com o artigo 96 da Carta da ONU e artigo 65 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, para que o órgão jurisdicional analisasse a seguinte interpelação: “a declaração unilateral de independência da Sérvia, anunciada pelas instituições provisórias do Kosovo, em 17 de fevereiro do ano de 2008, está de acordo com o Direito Internacional?”, na medida em que esta causou inúmeras reações 1 . A análise da Corte Internacional de Justiça - CIJ baseou-se tanto na identificação dos autores da referida declaração, bem como se esta violou os princípios do Direito Internacional, tendo assim como base a Resolução nº 1244 (1999) do Conselho de Segurança das Nações Unidas - CSNU, que estabeleceu uma presença segura dos civis em Kosovo, além de ter ocorrido, a suspensão por período determinado, do exercício da soberania da Sérvia no território do Kosovo. As ponderações da Assembléia Geral da ONU foram baseadas, conforme salientado, na declaração unilateral de independência do Kosovo pelas instituições do governo provisório, realizada em 2008. Após analisar e concluir que era de competência da CIJ a apresentação da referida opinião consultiva, foi solicitado que todos os interessados2 apresentassem declarações sobre o caso tratado. Fora marcada uma audiência pública que contou com a presença de 29 (vinte e nove) países3, tendo a CIJ decidido sobre cinco aspectos: jurisdição e discricionariedade; alcance e significado da questão; se a declaração de independência estaria de acordo com os princípios de Direito Internacional e conclusões gerais. Desta forma, por unanimidade, a CIJ decidiu ser competente para apresentar a opinião consultiva, tendo em vista o disposto no artigo 65, 1, do seu Estatuto fundador. 1 Dentre essas reações, podem-se citar: - como por exemplo, por um lado, a recusa de não aceitação por parte Governo da Sérvia e da Rússia e por outro lado, a anuência por parte dos Estados Unidos e grande parte dos países da União Européia - na comunidade internacional 2 Inclusive os Estados Membros da ONU e as instituições do governo provisório. 3 Sérvia, Governo Provisório do Kosovo, Albânia, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Áustria, Azerbaijão, Belarus, Bolívia, Brasil, Bulgária, Burundi, China, Chipre, Croácia, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Holanda, Jordânia, Noruega, Reino Unido, Romênia, Rússia, Venezuela e Vietnã.

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texto sobre a independência de kosovo

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  • DECLARAO UNILATERAL DE INDEPENDNCIA DE KOSOVO DE

    ACORDO COM O DIREITO INTERNACIONAL

    (Cristiane Helena de Paula Lima)

    Trata-se de opinio consultiva, solicitada pela Assemblia Geral da Organizao

    das Naes Unidas - ONU em consonncia com o artigo 96 da Carta da ONU e artigo

    65 do Estatuto da Corte Internacional de Justia, para que o rgo jurisdicional

    analisasse a seguinte interpelao: a declarao unilateral de independncia da Srvia,

    anunciada pelas instituies provisrias do Kosovo, em 17 de fevereiro do ano de 2008,

    est de acordo com o Direito Internacional?, na medida em que esta causou inmeras

    reaes1.

    A anlise da Corte Internacional de Justia - CIJ baseou-se tanto na identificao

    dos autores da referida declarao, bem como se esta violou os princpios do Direito

    Internacional, tendo assim como base a Resoluo n 1244 (1999) do Conselho de

    Segurana das Naes Unidas - CSNU, que estabeleceu uma presena segura dos civis

    em Kosovo, alm de ter ocorrido, a suspenso por perodo determinado, do exerccio da

    soberania da Srvia no territrio do Kosovo.

    As ponderaes da Assemblia Geral da ONU foram baseadas, conforme

    salientado, na declarao unilateral de independncia do Kosovo pelas instituies do

    governo provisrio, realizada em 2008.

    Aps analisar e concluir que era de competncia da CIJ a apresentao da referida

    opinio consultiva, foi solicitado que todos os interessados2 apresentassem declaraes

    sobre o caso tratado.

    Fora marcada uma audincia pblica que contou com a presena de 29 (vinte e

    nove) pases3, tendo a CIJ decidido sobre cinco aspectos: jurisdio e

    discricionariedade; alcance e significado da questo; se a declarao de independncia

    estaria de acordo com os princpios de Direito Internacional e concluses gerais.

    Desta forma, por unanimidade, a CIJ decidiu ser competente para apresentar a

    opinio consultiva, tendo em vista o disposto no artigo 65, 1, do seu Estatuto fundador. 1 Dentre essas reaes, podem-se citar: - como por exemplo, por um lado, a recusa de no aceitao por parte Governo da Srvia e da Rssia e por outro lado, a anuncia por parte dos Estados Unidos e grande parte dos pases da Unio Europia - na comunidade internacional 2 Inclusive os Estados Membros da ONU e as instituies do governo provisrio. 3 Srvia, Governo Provisrio do Kosovo, Albnia, Alemanha, Arbia Saudita, Argentina, ustria, Azerbaijo, Belarus, Bolvia, Brasil, Bulgria, Burundi, China, Chipre, Crocia, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlndia, Frana, Holanda, Jordnia, Noruega, Reino Unido, Romnia, Rssia, Venezuela e Vietn.

  • Num segundo momento, a CIJ ponderou que, seguindo a orientao sugerida

    pelos EUA, seria avaliada apenas a declarao em si e no as suas conseqncias legais

    ou se o Kosovo atingiu o status de Estado. Tambm no houve questionamentos acerca

    da validade e dos efeitos jurdicos do reconhecimento da independncia do Kosovo

    pelos outros Estados da sociedade internacional4.

    O pano de fundo da questo refere-se Resoluo n 1244 do CSNU, adotada em

    10 de junho de 1999, a qual determinou que cessassem as hostilidades entre a Repblica

    da Iugoslvia e o Kosovo, sendo necessrio, que fosse retirado todo o poderio militar

    srvio e iugoslavo da referida regio para que as misses de paz das Naes Unidas

    fossem capazes de serem instaladas.

    A referida Resoluo, autorizou que o Secretrio Geral da ONU estabelecesse

    uma presena civil internacional que trabalhasse sob os auspcios daquela organizao

    internacional, possibilitando as seguintes aes: a desmilitarizao do Exrcito de

    Libertao do Kosovo e outros movimentos armados de grupos de albaneses;

    estabelecimento de um ambiente seguro para o retorno dos refugiados; e

    estabelecimento um governo de transio, alm de auxiliar na implementao da ajuda

    humanitria; garantir a segurana e a ordem pblica, at que estas fossem totalmente

    assumidas pela presena civil internacional; garantir a liberdade de movimentao de

    todos, assim como da presena civil internacional e de outras organizaes

    internacionais5.

    A referida presena civil tambm teria o condo de consolidar uma administrao

    interina no Kosovo, na qual o povo kosoviano pudesse gozar de autonomia da

    Repblica da Iugoslvia, permitindo assim, que fosse criado um governo de transio

    que respeitasse os pilares de um pas democrtico e assegurasse as condies de uma

    vida digna e decente para todos os habitantes do Kosovo.

    A administrao interina do territrio ficou a cargo da United Nations Interim

    Administration Mission in Kosovo (UNMIK) responsvel pelo controle de todo o corpo

    legislativo, executivo e a administrao tambm do poder judicirio e que seria exercida

    pelo Representante Especial do Secretrio Geral da ONU.

    Posteriormente, foi montada uma comisso constituda pela Unio Europia,

    Rssia e os Estados Unidos, que ficaram responsveis por negociaes posteriores a 4 Desta forma, no houve investigaes sobre a aplicabilidade do princpio de autodeterminao, nem outros temas, numa tentativa de aproximar os Governos do Kosovo e da Srvia, mas sem dotar a opinio consultiva de cunho poltico. 5 Traduo livre do texto original da Resoluo n 1244 (1999).

  • respeito do futuro do Kosovo. No entanto, essa comisso no foi capaz de chegar a um

    acordo referente ao status do referido pas e at mesmo no que tange questes

    concernentes soberania.

    Em 17 de novembro de 2007, foram realizadas eleies para a Assemblia do

    Kosovo, em trinta assemblias municipais com os seus respectivos prefeitos. A

    Assemblia do Kosovo teve sesso inaugural no perodo de 4 a 9 de janeiro de 20086.

    Nesse cenrio, em 17 de fevereiro de 2008, foi aprovada a Declarao Unilateral

    de Independncia do Kosovo, onde os adotantes sustentaram que:

    Ns, os lderes democraticamente eleitos de nosso povo, declaramos Kosovo

    um Estado soberano e independente. Essa declarao reflete a vontade do

    nosso povo e est em plena conformidade com as recomendaes do enviado

    especial da ONU Martti Ahtisaari (...)

    Ns declaramos o Kosovo a ser uma repblica democrtica secular e multi-

    tnica, guiada pelos princpios da no discriminao e igualdade perante a lei.

    Devemos proteger e promover os direitos de todas as comunidades do Kosovo e

    criar as condies necessrias para a sua efetiva participao na poltica e nos

    processos de tomada de decises.

    Ns congratulamos a comunidade internacional por continuar a apoiar o nosso

    desenvolvimento democrtico atravs da presena internacional no Kosovo

    com sob o escopo da Resoluo n 1244 (1999) do Conselho de Segurana das

    Naes Unidas (...)

    Comprometemo-nos com as obrigaes internacionais do Kosovo, incluindo as

    que foram celebradas em nosso nome pela United Nations Interim

    Administration Mission in Kosovo (UNMIK). (...)7

    Essa declarao foi adotada por 109 (cento e nove) dos 120 (cento e vinte)

    Membros da Assemblia do Kosovo, incluindo o Primeiro Ministro e o Presidente do

    Kosovo.

    6 A Assemblia do Kosovo conta com a presena de 120 deputados, escolhidos dentre as referidas assemblias municipais, incluindo tambm o Primeiro Ministro. 7 Traduo livre de parte da declarao de independncia do Kosovo presente na Opinio Consultiva da Corte Internacional de Justia.

  • Aps essa afirmao, a Repblica da Srvia informou ao Secretrio Geral da ONU

    que havia sido adotada uma declarao unilateral de independncia e que acarretava em

    uma secesso de parte do territrio srvio, no produzindo efeitos jurdicos, seja na

    Srvia ou na ordem jurdica internacional, vez que a Resoluo n 1999 do Conselho de

    Segurana da ONU determinava que apenas o CSNU teria competncia para encerrar o

    regime legal constitudo pela referida Resoluo.

    Por conseguinte, a CIJ passou a analisar a questo da declarao unilateral de

    independncia propriamente dita e avaliou que o Direito Internacional j admitiu outras

    declaraes de independncia, principalmente nos sculos XVIII, XIX e XX. Com isso,

    concluiu que o Direito Internacional Geral no apresentava quaisquer proibies

    referentes declarao de independncia apresentada pelo Kosovo em 17 de fevereiro

    de 2008.

    Levando-se em considerao o que foi dito anteriormente, a Corte Internacional

    de Justia, concluiu, inicialmente que no houve violao do regime temporrio

    institudo pela Resoluo n 1244 (1999) do CSNU, vez que os autores da declarao de

    independncia agiram fora da ordem legal estabelecida pela referida Resoluo.

    Assim, a concluso foi que a declarao de independncia, ocorrida em 17 de

    fevereiro de 2008, no foi exprimida pelas instituies do governo provisrio (aquele

    constitudo pela Resoluo n 1244 de 1999), mas por pessoas que atuaram na qualidade

    de representes do povo do Kosovo. Nesse sentido, no h qualquer violao seja do

    quadro constitucional daquele pas ou de normas internacionais.

    No h, portanto que se falar na violao da Resoluo 1244, tendo em vista que

    esta no procurou definir o status final do Kosovo, j que a declarao de independncia

    teve uma tentativa de determinar o futuro do pas, j que a referida Resoluo no tratou

    de faz-lo8.

    A concluso foi que no houve violao dos princpios do Direito Internacional

    Geral, da Resoluo n 1244 (1990) do Conselho de Segurana ou do quadro

    constitucional do Governo provisrio.

    8 A Resoluo do Conselho de Segurana atentava-se mais em enderear obrigaes para os Estados-membros e a outros rgos da ONU. No h, especificamente, obrigaes relevantes no que tange atuao de terceiros, conforme se extra de passagem da Opinio Consultiva: There is no indication, in the text of Security Council resolution 1244 (1999), that the Security Council intended to impose () a specific obligation to act or a prohibition from acting, addressed to such other actors (vide pargrafo 115 do texto original). Com isso, a CIJ afirma que tal resoluo no contm proibies, dirigidas aos autores da declarao: the Court cannot accept the argument that Security Council resolution 1244 (1999) contains a prohibition, binding on the authors of the declaration of independence, against declaring independence. (vide pargrafo 118 do texto original)

  • A votao dos juzes ficou estabelecida da seguinte forma:

    I. A CIJ tem jurisdio para o caso? Sim Unnime;

    II. A CIJ deve atender ao pedido de apresentar uma Opinio Consultiva? Sim: 9 / No: 59;

    III. A Declarao Unilateral de Independncia violou o Direito Internacional? Sim: 4 / No: 1010.

    Referncias

    UNITED NATIONS. General Assembly, sixty-third session. Resolution 63/3.

    Request for an advisory opinion of the International Court of Justice on whether the

    unilateral declaration of independence of Kosovo is in accordance with international

    Law. New York, 08 de outubro de 2008. Disponvel em: . Acesso

    em:2 dez.2010.

    UNITED NATIONS. Security Consul. Resolution 1244 (1999) on the situation

    relating Kosovo, New York, 10 de junho de 1999. Disponvel em: . Acesso

    em: 2 dez.2010.

    INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. General Assembly, sixty-fifth session.

    Report of the International Court of Justice. 1 August 2009 - 31 July 2010. Accordance

    with international law of the unilateral declaration of independence in respect of

    Kosovo.New York, 2010, p. 116-120. Disponvel em: . Acesso em: 2 dez.2010.

    INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. International Court of Justice.

    Accordance with international Law of the unilateral declaration of independence in

    9 A FAVOR: President Owada; Judges Al-Khasawneh, Buergenthal, Simma, Abraham, Seplveda-Amor, Canado Trindade, Yusuf, Greenwood; CONTRA: Vice-President Tomka; Judges Koroma, Keith, Bennouna, Skotnikov; 10 A FAVOR: President Owada; Judges Al-Khasawneh, Buergenthal, Simma, Abraham, Keith, Seplveda-Amor, Canado Trindade, Yusuf, Greenwood; CONTRA: Vice-President Tomka; Judges Koroma, Bennouna, Skotnikov

  • respect of Kosovo. 20 de julho de 2010. Disponvel em: . Acesso em: 2 dez.2010.