década de 20 - o samba e o choro · na bahia, ainda hoje, podemos encontrar grupos que praticam o...

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Capítulo 3 38 Década de 20 - o Samba e o Choro A música brasileira sempre foi de uma riqueza imensa em di- versidade, formas e conteúdos. De norte a sul, podemos perce- ber que estilos musicais variados surgem a cada momento e vão se complementando de uma forma global, quase que democrá- tica. Desde o século XIX, essa diversificação ficou mais acentuada, misturando tanto as características musicais herdadas dos ín- dios e dos negros quanto as dos europeus. A diversificação dos gêneros musicais presentes no Brasil pos- sui, ao mesmo tempo, aspectos positivos, como uma variedade significativa de danças, expressões artísticas, musicais, cenográ- ficas, dentre outras. Essa diversidade pode ocasionar alguns pro- blemas como a banalização da cultura em nosso país, perda de identidade, maior facilidade de entrada de culturas estrangeiras em nosso território, muitas vezes, prevalescendo a estrangeira e desaparecendo a nossa cultura legítima. Porém alguns gêneros musicais se transformaram em repre- sentações legítimas de nossa cultura, como é o caso do Samba, do Choro, do Maxixe e de vários outros. O Samba Muitos pensam que o Samba é um gênero musical criado no Rio de Janeiro. Acontece que esse ritmo que contagia milhões de brasileiros e também estrangeiros tem sua origem no nor- deste brasileiro e forte influência africana na sua formação. Tudo começou em Angola, onde existe um ritmo conhecido como “Semba”. Provavelmente foi dele que surgiu, com adaptações, o Samba no Brasil. Os escravos, que em seus momentos de descanso praticavam nos terreiros das senzalas seus rituais, cren- ças e danças, foram aos poucos misturando diversos elementos vindos da África bem como os adquiridos por aqui. Em roda, eles transmitiam sua cultura em forma de batuques e danças. É incrível percebermos como a influência africana está em quase todas as manifestações culturais brasileiras. Esse ritmo dançante foi nomeado Samba de Roda e é consi- derado expressão pura desse gênero no Brasil. Surge a partir de elementos afro-brasileiros. É um misto de dança, música e batu- que, transmitido de geração a geração por ensinamentos orais. Na Bahia, ainda hoje, podemos encontrar grupos que praticam o Samba de Roda.

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Capítulo 338

Década de 20 - o Samba e o Choro

A música brasileira sempre foi de uma riqueza imensa em di-versidade, formas e conteúdos. De norte a sul, podemos perce-ber que estilos musicais variados surgem a cada momento e vão se complementando de uma forma global, quase que democrá-tica.

Desde o século XIX, essa diversificação ficou mais acentuada, misturando tanto as características musicais herdadas dos ín-dios e dos negros quanto as dos europeus.

A diversificação dos gêneros musicais presentes no Brasil pos-sui, ao mesmo tempo, aspectos positivos, como uma variedade significativa de danças, expressões artísticas, musicais, cenográ-ficas, dentre outras. Essa diversidade pode ocasionar alguns pro-blemas como a banalização da cultura em nosso país, perda de identidade, maior facilidade de entrada de culturas estrangeiras em nosso território, muitas vezes, prevalescendo a estrangeira e desaparecendo a nossa cultura legítima.

Porém alguns gêneros musicais se transformaram em repre-sentações legítimas de nossa cultura, como é o caso do Samba, do Choro, do Maxixe e de vários outros.

O Samba

Muitos pensam que o Samba é um gênero musical criado no Rio de Janeiro. Acontece que esse ritmo que contagia milhões de brasileiros e também estrangeiros tem sua origem no nor-deste brasileiro e forte influência africana na sua formação.

Tudo começou em Angola, onde existe um ritmo conhecido como “Semba”. Provavelmente foi dele que surgiu, com adaptações, o Samba no Brasil.

Os escravos, que em seus momentos de descanso praticavam nos terreiros das senzalas seus rituais, cren-ças e danças, foram aos poucos misturando diversos elementos vindos da África bem como os adquiridos por aqui.

Em roda, eles transmitiam sua cultura em forma de batuques e danças. É incrível percebermos como a influência africana está em quase todas as manifestações culturais brasileiras.

Esse ritmo dançante foi nomeado Samba de Roda e é consi-derado expressão pura desse gênero no Brasil. Surge a partir de elementos afro-brasileiros. É um misto de dança, música e batu-que, transmitido de geração a geração por ensinamentos orais. Na Bahia, ainda hoje, podemos encontrar grupos que praticam o Samba de Roda.

39Períodos musicais brasileiros

Somente após a migração dos escravos para a nova capital, o Rio de Janeiro, em 1763, é que o Samba começou a se transformar, gradativamente, no que é hoje.

A alquimia de se misturarem os costumes dos negros baianos com os novos ares da nova capital, seus hábitos, instrumentos e novas danças, foi a centelha criadora da nova forma de se dançar e cantar o Samba. Esses foram os principais motivos de o Samba Carioca ser tão diferente do Samba de Roda baiano e, ao mesmo tempo, podemos perceber raízes tão comuns nesses dois “sambas”.

Após a libertação dos escravos, muitos deles se deslocaram até o centro do Rio, no bairro da Lapa.

Surge, a partir desse momento, o Samba que a maioria de nossa população e grande parte dos estrangeiros conhece – o Samba Carioca.

Na Lapa, os escravos libertos formaram as casas de samba, mais conhecidas como casas das “tias”, onde havia festas em que se tocavam sambas. Uma das casas mais conhecidas era a da tia Ciata.

Você sabia?Samba de Roda baiano

Acompanhado por atabaques, ganzá, reco-reco, viola e vio-lão, o solista entoa cantigas, seguido em coro pelo grupo a dançar. Ligado ao culto de orixás e caboclos, à capoeira e às comidas à base de dendê, o Samba de Roda teve início por volta de 1860. É uma forma de preservação da cultura dos ne-gros africanos escravizados no Brasil. A influência portuguesa, além da língua falada e cantada, fica por conta da introdução da viola e do pandeiro.

Tradição milenar no Recôncavo Baiano, essa manifestação concorre, inclusive, ao título de Obra Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade. Presente no trabalho de renomados com-positores baianos – Dorival Caymmi, João Gilberto, Caetano Veloso -, esse misto de música, dança, poesia e festa se revela de duas formas características: o samba chula e o samba corrido. A chula, uma forma de poesia, é declamada pelo solista, enquanto o grupo escuta atento, só se renden-do aos encantos da dança após o término do pronunciamento, quando um participante por vez adentra o meio da roda ao som da batucada regida por palmas. Já no corrido, o samba toma conta da roda ao mesmo tempo em que dois solistas e o coral se alternam no canto.

Também conhecida como Umbigada – porque cada participante, ao sair da roda, convida um novo para a dança, dando-lhe uma “umbigada” -, a manifestação típica do Recôncavo tem des-taque nas cidades de Cipó, Candeias e Cachoeira durante os festejos juninos e da Boa Morte. Em São Félix, Muritiba, Conceição do Almeida e Santo Amaro, o samba de roda é destaque na festa de Nossa Senhora da Purificação. São Francisco do Conde, Feira de Santana, Itacaré e, novamente, Conceição do Almeida celebram o samba de raiz na festa de Dois de Julho.

(Fonte: http://bahia.com.br/viverbahia/cultura/samba-de-roda)

Capítulo 340

O Choro

O Choro é um gênero musical brasileiro com fortes influências eu-ropeias. Ele surgiu no fim do século XIX .

Um dos principais instrumentistas e idealizadores desse gênero foi Joaquim Callado, flautista que tocava na Quinta da Boa Vista, residên-cia de Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, onde aconteciam festas com muita música.

Os músicos brasileiros, ao tocarem a música vinda da Europa, exe-cutavam a obra de maneira mais sentimental, mais chorada. Deriva-se daí a origem do termo. Esse é o conceito utilizado por José Ramos Tinhorão quando escreve em seu livro Pequena História da Música Po-pular: “O termo choro deriva da sensação de melancolia como eram tocadas as músicas européias.”

A safra de grandes músicos brasileiros ligados ao choro é incontá-vel. Alguns compositores se destacaram. Podemos considerar Pixin-guinha como a figura mais expressiva no cenário musical do início do século XX.

A composição de Pixinguinha que se destaca é a famosa obra Cari-nhoso, escrita em 1917, em duas partes, o que, para a época, era algo estranho aos compositores. Pixinguinha a escreveu, inicialmente, apenas instrumental para, muito tempo depois, em1936, ganhar de Braguinha sua letra inesquecível.

Carinhoso Pixinguinha

Meu coração, não sei por quêBate feliz quando te vêE os meus olhos ficam sorrindoE pelas ruas vão te seguindoMas mesmo assim foges de mim

Ah, se tu soubessesComo sou tão carinhosoE o muito, muito que te queroE como é sincero o meu amorEu sei que tu não fugirias mais de mim

Vem, vem, vem, vemVem sentir o calor dos lábios meusÀ procura dos teusVem matar essa paixãoQue me devora o coraçãoE só assim então serei felizBem feliz

Joaquim Callado

41Períodos musicais brasileiros

Décadas de 30 e 40 — ritmos e estilos

A Era do Rádio

A partir da década de 30, populariza-se no Brasil um novo modo de se escutar as músicas e as notícias: o rádio.

Getúlio Vargas utilizou-se do rádio como uma ferramen-ta de divulgação em massa das notícias produzidas pelo seu governo, transformando-o, assim, em seu principal veículo de comunicação, lhe dando o acolhimento popular.

Podemos considerar esse momento como sendo o início da Era de ouro do rádio, principalmente, no que se refere à divulgação musical brasileira e ao entretenimento de modo geral.

Algumas rádios, como a Rádio Nacional, a Record e a Tupi foram as responsáveis pelo lançamento de muitos cantores e cantoras como, por exemplo, Orlando Silva – o cantor das multidões, Carlos Galhardo – o cantor que dispensa adjeti-vos, Ary Barroso, Dalva de Oliveira, Aracy de Almeida, dentre outros.

Necessário se faz lembrar que, durante o período da Era de ouro do rádio, e mesmo um tempo depois, no próprio rádio, as pessoas cantavam de maneira operística e a programação da rádio era divulgada. A instrumentação que existia nos au-ditórios era muito bem elaborada e composta de verdadeiras orquestras, muitas vezes, inspiradas nas Big Bands america-nas.

Até agora, concentramos-nos, basicamente, em ritmos que tiveram o seu auge na região sudeste. Aqueles que tive-ram forte influência europeia para se desenvolver, ou a mis-tura de vários ritmos (como é o caso do Samba Carioca).

Ary Barroso

Orlando Silva

Aracy de Almeida

Capítulo 342

Na região Nordeste, extremamente rica em ritmos, desenvolveu-se um que até hoje é muito apre-ciado por muitos brasileiros: o Baião.

O Baião

Esse é um dos ritmos mais conhecidos do nordeste brasileiro. Foi eternizado na voz e na sanfona do Rei do Baião, Luiz Gonzaga, que com seu jeito tímido de ser e grande carisma, cantou para os brasileiros as dores e os amores do povo nordestino.

O termo surgiu, segundo José Ramos Tinhorão, grande estudioso da música brasileira, provavel-mente de uma forma especial de os violeiros, que por lá chegaram com o nome de “baiano”, da zona rural do Nordeste, tocarem lundus. De “baiano” a “baião”, foi um pulo de vários acordes e notas.

Estátua de Luiz Gonzaga Wikimedia: Foto Patrick (GFDL)

Foi pela voz de Luiz Gonzaga que o “Sul”, como era conhecido o lugar para onde os nordestinos emigravam, ficou conhecendo os problemas do povo sofrido do nordeste. Cantou a asa branca, o assum preto, o mandacaru, entre outros temas. Podemos também sentir a dor desse povo, ouvindo a música A Triste Partida, que tem a letra de Patativa do Assaré, grande poeta nordestino.

Zabumba, sanfona e triângulo, instrumentos típicos do Baião

43Períodos musicais brasileiros

A triste partidaPatativa do Assará e Luiz Gonzaga

Meu Deus, meu DeusSetembro passou

Outubro e novembroJá estamos em dezembroMeu Deus, que é de nós,

Meu Deus, meu DeusAssim fala o pobreDo seco Nordeste

Com medo da pesteDa fome feroz

Ai, ai, ai, aiA treze do mês

Ele fez experiênciaPerdeu sua crençaNas pedras de sal,

Meu Deus, meu DeusMas noutra esperançaCom gosto se agarraPensando na barra

Do alegre NatalAi, ai, ai, ai

Rompeu-se o NatalPorém barra não veioO sol bem vermelhoNasceu muito além

Meu Deus, meu DeusNa copa da mataBuzina a cigarra

Ninguém vê a barraPois barra não tem

Ai, ai, ai, aiSem chuva na terraDescamba janeiro,

Depois fevereiroE o mesmo verão

Meu Deus, meu DeusEntão o nortista

Pensando consigoDiz: “isso é castigo

não chove mais não”Ai, ai, ai, ai

Apela pra marçoQue é o mês preferido

Do santo queridoSenhor São José

Meu Deus, meu DeusMas nada de chuva

Tá tudo sem jeitoLhe foge do peito

O resto da féAi, ai, ai, ai

Agora pensandoEle segue outra trilhaChamando a família

Começa a dizerMeu Deus, meu DeusEu vendo meu burroMeu jegue e o cavalo

Nós vamos a São PauloViver ou morrer

Ai, ai, ai, aiNós vamos a São Paulo

Que a coisa está feiaPor terras alheiasNós vamos vagar

Meu Deus, meu DeusSe o nosso destino

Não for tão mesquinhoPro mesmo cantinho

Nós torna a voltarAi, ai, ai, ai

E vende seu burroJumento e o cavaloAté mesmo o galo

Venderam tambémMeu Deus, meu Deus

Pois logo apareceFeliz fazendeiro

Por pouco dinheiroLhe compra o que tem

Ai, ai, ai, aiEm um caminhãoEle joga a família

Chegou o triste diaJá vai viajar

Meu Deus, meu DeusA seca terrível

Que tudo devoraAi,lhe bota pra fora

Da terra natalAi, ai, ai, ai

O carro já correNo topo da serra

Olhando pra terraSeu berço, seu lar

Meu Deus, meu DeusAquele nortistaPartido de penaDe longe acena

Adeus meu lugarAi, ai, ai, ai

No dia seguinteJá tudo enfadado

E o carro embaladoVeloz a correr

Meu Deus, meu DeusTão triste, coitadoFalando saudoso

Com seu filho chorosoExclama a dizer

Ai, ai, ai, aiDe pena e saudadePapai sei que morroMeu pobre cachorroQuem dá de comer?

Meu Deus, meu DeusJá outro pergunta

Mãezinha, e meu gato?Com fome, sem trato

Mimi vai morrerAi, ai, ai, ai

E a linda pequenaTremendo de medo

“Mamãe, meus brinquedoMeu pé de flor?”

Meu Deus, meu DeusMeu pé de roseiraCoitado, ele seca

Capítulo 344

E minha bonecaTambém lá ficou

Ai, ai, ai, aiE assim vão deixandoCom choro e gemido

Do berço queridoCéu lindo e azul

Meu Deus, meu DeusO pai, pesaroso

Nos filhos pensandoE o carro rodandoNa estrada do Sul

Ai, ai, ai, aiChegaram em São Paulo

Sem cobre quebradoE o pobre acanhadoProcura um patrão

Meu Deus, meu DeusSó ver cara estranhaDe estranha genteTudo é diferenteDo caro torrão

Ai, ai, ai, aiTrabalha dois ano,

Três ano e mais anoE sempre nos planos

De um dia voltarMeu Deus, meu DeusMas nunca ele pode

Só vive devendoE assim vai sofrendo

É sofrer sem pararAi, ai, ai, ai

Se alguma notíciaDas banda do norte

Tem ele por sorteO gosto de ouvir

Meu Deus, meu DeusLhe bate no peitoSaudade de mói

E as água nos olhosComeça a cair

Ai, ai, ai, aiDo mundo afastado

Ali vive presoSofrendo desprezoDevendo ao patrão

Meu Deus, meu DeusO tempo rolandoVai dia e vem diaE aquela família

Não volta mais nãoAi, ai, ai, ai

Distante da terraTão seca mas boaExposto à garoaA lama e o baú

Meu Deus, meu DeusFaz pena o nortistaTão forte, tão bravoViver como escravoNo Norte e no Sul

Ai, ai, ai, ai Meu Deus, meu Deus

Setembro passouOutubro e novembro

Já estamos em dezembroMeu Deus, que é de nós,

Meu Deus, meu DeusAssim fala o pobreDo seco Nordeste

Com medo da pesteDa fome feroz

Ai, ai, ai, aiA treze do mês

Ele fez experiênciaPerdeu sua crençaNas pedras de sal,

Meu Deus, meu DeusMas noutra esperançaCom gosto se agarraPensando na barra

Do alegre NatalAi, ai, ai, ai

Rompeu-se o NatalPorém barra não veioO sol bem vermelhoNasceu muito além

Meu Deus, meu DeusNa copa da mataBuzina a cigarra

Ninguém vê a barraPois barra não tem

Ai, ai, ai, aiSem chuva na terraDescamba janeiro,

Depois fevereiroE o mesmo verão

Meu Deus, meu DeusEntão o nortista

Pensando consigoDiz: “isso é castigo

não chove mais não”Ai, ai, ai, ai

Apela pra marçoQue é o mês preferido

Do santo queridoSenhor São José

Meu Deus, meu DeusMas nada de chuva

Tá tudo sem jeitoLhe foge do peito

O resto da féAi, ai, ai, ai

Agora pensandoEle segue outra trilhaChamando a família

Começa a dizerMeu Deus, meu Deus