de repente do riso fez-se o pranto silencioso e branco ... · fez-se do amigo próximo, ... não...
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De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama
De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo, distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente
SONETO DE DESPEDIDA
(VINICIUS DE MORAES)
Caríssimos, caríssimas...
As lágrimas que por dentro me corroem são, por fora, lavadas por um sentimento
de contribuição à coisa pública. Um sentimento de dever cumprido que me faz sair da
gestão da Uneal com a cabeça erguida. Sinto-me como uma abelha que após defender,
arduamente, sua colmeia, após ter durante uma vida inteira ou grande parte dela
contribuído para dissipar uma centena de árvores, agora entrega sua vida pela abelha
rainha. É assim que me sinto, como uma abelha que doou parte de sua vida a esta
Instituição. Por isso quero falar de alegria.
Não foram poucas as decepções, desilusões, como também não foram poucas as
alegrias das conquistas:
Alegria ao estar presente num dos momentos mais bonitos e emblemáticos desta
Instituição quando, no início da década passada vi a antiga FUNESA se transformar
nesta pequena/grande UNEAL. Por saber que aquela Fundação, nascida pelos idos de
1970, inicialmente de natureza privada, depois estadualizada, florescera e dera frutos.
Alegria por saber que feita esta passagem fui contemplado com o voto de
confiança da comunidade acadêmica para conduzi-la por quase oito anos. E, mais feliz
ainda, por saber que não decepcionei. Que avançamos. Por saber que conseguimos,
neste curto espaço temporal, conquistas históricas como a realização de ao menos três
concursos para reposição de professores e técnicos, uma conquista que fez a diferença.
As nossas progressões horizontais e verticais para professores e técnicos, como também
a Dedicação Exclusiva-DE para um terço de nossos professores. Isso tudo na contramão
do que tem acontecido Brasil afora. Até o último segundo, incansavelmente, batalhamos
ao lado dos técnicos e cumprimos nossa palavra ao entregar o processo de conversão da
bolsa em salário. Agora cabe ao nosso chanceler fazer valer a sua palavra, enviando-o à
Assembleia Legislativa dentro dos prazos. Mais uma tarefa executada!
Alegria por ter conduzido o grupo de trabalho do Xangô Rezado Alto, que
culminou, dentre outras coisas, no pedido oficial de perdão por parte do governo
estadual à comunidade negra pelo fatídico episódio de 02 de fevereiro de 1912, quando
uma milícia armada e a mando do então governador destruiu as casas de matriz africana
de Maceió. Um momento histórico e comovente.
Alegria por saber que deixo a reitoria com mais de 1000 (mil) alunos
beneficiados com programas que antes não existiam e outros tantos que foram
potencializados com novos investimentos, a exemplo do Bolsa Alimenta, um programa
belíssimo que visa ajudar alunos em situação de vulnerabilidade social.
Alegria porque sei do aumento significativo que tivemos, nesse período, do
número de bolsas de iniciação científica, de iniciação à docência, além das bolsas de
extensão. Isso sem mencionar o privilégio que tivemos em inaugurar a modalidade de
bolsas de intercâmbio internacional, algo completamente novo em nossa IES, através de
nossa articulação com o Banco Santander.
Afasto-me falando em Alegria por saber que contribuímos para uma verdadeira
Democratização dos recursos, hoje distribuídos, proporcionalmente, entre os Campi e a
Reitoria. E pela revolução de investimento em pesquisa e extensão através de editais a
todos os professores e técnicos que responderam aos nossos editais, o que totalizou,
aproximadamente, 3 milhões de reais de investimento direto nas contas de nossos
quadros permanentes, desburocratizando a coisa pública através da modalidade de
auxílio ao pesquisador.
Alegria por saber que abrimos canais diversos ao visitarmos, constantemente, os
canais federais em busca de recursos. Conquistamos, nestas visitas, para ficar apenas em
alguns exemplos, recursos para o Programa de Licenciaturas Intercultural Indígena
(Prolind), um programa exitoso e inédito em nosso Estado e que deu formação superior
a quase uma centena de índios e que ora estamos deixando engatilhado sua
continuidade, desta vez com recursos de ordem de 2 milhões para cada dois semestres,
com recursos oriundos do FECOEP, para daqui a pouco formar mais 280 professores
indígenas de todas as etnias de Alagoas; recursos para o Programa de Formação de
Professores do Campo (PROCAMPO), cuja realização garantiu formação superior a
quase uma outra centena de trabalhadores rurais e lideranças dos movimentos
organizados da terra.
Deixo a gestão com a certeza da valorização das políticas de ensino, pesquisa e
extensão e feliz por ter protagonizado a política de Execução do Plano de
Desenvolvimento Institucional (PDI); a Execução de políticas que possibilitaram a
elevação do Índice Geral de Cursos - IGC (tais como a efetiva implantação do Sistema
de Registro Acadêmico e a qualificação dos técnicos, dos coordenadores e dos
professores para a sua plena utilização, criação do CETEC entre outras ações);
ampliação de investimento na formação dos servidores técnico-administrativos, através
de cursos de pós-graduação; ampliação das políticas de apoio e assistência ao estudante
(através de estágios remunerados, monitoria, bolsa-alimentação, bolsas de iniciação
científica e de extensão, residência universitária no Campus do Sertão, recém entregue a
comunidade.
Alegria por ter permitido, através da rubrica de Auxílio ao Estudante, estímulo à
mobilidade acadêmica para divulgação científica de uma grande parte de nossos alunos,
sobretudo dos que tiveram envolvimento com as atividades de pesquisa e extensão. Pela
primeira vez na história da UNEAL, tantas pessoas desta casa circularam os grandes
centros de excelência do país e do mundo, com recursos do erário de nossa Instituição.
Alegria por ter sido em nosso mandato que criamos, estruturamos e rodamos o
terceiro edital valorizando a produção intelectual dos professores e servidores da casa
através da Editora da UNEAL, a EDUNEAL. Nossa, quão importante e significativa foi
essa sacada, para potencializar inclusive a submissão de novos APC’s, na medida em
que, nos nossos primeiros editais, a nossa lógica foi publicar as dissertações e as teses
de nossos professores da casa. Para todos, indistintamente, toda a comunidade sabe
disso.
Alegria, muita alegria, de ter criado e oficializado a política museológica da
UNEAL, com dois espaços de memória, sendo um no povoado ribeirinho do Rio São
Francisco, na Ilha do Ferro, já inaugurado e mais um dentro da estrutura do Campus V.
O primeiro, valorizando o ofício artístico do bordado e da escultura em madeira do
homem sertanejo do São Francisco, o segundo, valorizando a produção do barro
quilombola alagoano dos descendentes de Zumbi: os dois, portanto, valorizando a
expressão da cultura popular, tão latejante e que desafia, a todo tempo, o grande capital
que, quase sempre, aniquila expressões e singularidades locais como essas.
Uma despedida de cabeça erguida por saber que os princípios democráticos
foram real e efetivamente instituídos na atual gestão através da criação dos Fóruns de
diretores, de coordenadores de curso e de secretários de curso, bem como através da
manutenção do Fórum de Estágio Curricular Supervisionado. Essa política contribuiu,
sobremaneira, para o avanço da Uneal.
Feliz também por termos contribuído para uma melhora na legislação da nossa
IES, através da Regulamentação dos TCCs, das políticas de Estágio, das Atividades
Complementares, da Monitoria, dos auxílios aos pesquisadores e aos estudantes,
desburocratizando o acesso e a gestão do dinheiro público, dentre tantas outras
resoluções discutidas e aprovadas pelo nosso Conselho Superior, o CONSU.
Alegria por ter gastado todo o recurso oriundo do tesouro estadual que por aqui
chegou durante esse tempo. Por exemplo, quando assumimos a reitoria, em outubro de
2010, pegamos o caixa com mais de um milhão de reais. Em 31 de dezembro do mesmo
ano, conseguíamos destinar tudo entre a comunidade acadêmica. Quem não lembra
daquela festa de vivência acadêmica com recurso para tudo que nos pediram? Pra nós,
uma Instituição que recebe tão pouco, devolver tanto ao final do exercício sempre foi
visto como um atestado de incompetência e mesquinhez.
Alegria por ter gestado, junto com abnegados quadros de professores e técnicos
da Uneal, o PROESP, tudo pelo SIAFEN da Uneal. Nada de colocar esse recurso nas
mãos de empresas privadas como fizeram com o PGP, antes de nosso projeto de gestão
chegar à reitoria da Uneal. Denunciamos a situação do PGP ao Ministério Público.
Espero que um dia nos seja dado o direito de sabermos para onde foram os recursos que
nunca conseguimos esclarecer. Se tiverem dúvidas para onde foram os recursos do
PROESP, basta acessar o portal da transparência de Alagoas. Está tudo lá.
Alegria por ter gestado todos os recursos oriundos do tesouro estadual e de
convênios federais e estaduais como manda a lei. Todas as despesas acima de 8 mil
devidamente licitadas pela nossa competente CPL, formada pelos técnicos de carreira da
Uneal. Sim! Fomos nós que realizamos as primeiras licitações dessa Instituição, sem
dependermos de atrasos de outros órgãos do Estado. Diferentemente do que fizeram, por
exemplo, com a gestão da primeira etapa do PROLIND. Tudo gasto sem nenhuma
licitação. Ao terminar o primeiro ano do convênio, a partir de outubro de 2010, quando
assumimos, fomos orientados pelos nossos juristas a pagar as despesas às empresas
contratadas sem licitações e que na prestação de contas deveríamos informar essa
situação ao MEC. Assim foi feito. Aguardem os desdobramentos disso quando os
técnicos federais se debruçarem sobre esses papéis.
Alegria por ter sido ao longo de exatos 7 anos e 6 meses um cão de guarda dessa
Instituição, brigando por ela e a defendendo 24h por dia. Diferentemente de
companheiros nossos que saíram daqui durante anos, para assumirem funções
importantes em nível de Estado, e foram incapazes, literalmente incapazes, de
construírem espaços de pesquisas para eles mesmos trabalharem quando um dia
retornassem a esta casa.
Essas pessoas estão por aí, apoiando outros projetos que não são os projetos do
grupo a que sempre nos vinculamos. Reflitamos a metáfora do “velho” e do “novo”. O
resultado dessa interpretação metafórica fica por conta de cada membro dessa
comunidade.
Deixo a gestão, mas não o projeto por nós pensado e iniciado, por saber que
valorizamos a cultura quando apoiamos a criação da Tenda Cultural em Arapiraca;
quando valorizamos nossos servidores da casa e mais 1700 de 52 municípios e do
Estado de Alagoas, através do Programa Especial para a Formação de Servidores
Públicos - PROESP; ao dar um salto para o futuro ao arrancarmos, através da luta com
outros tantos companheiros, o terreno para construção do Campus I, em Arapiraca; o
aumento da verba de custeio; a instituição de um mestrado e aprovação de 2 Dinteres
para avançar na qualificação dos nossos professores junto a UEM e a UFRGS; ao
propormos dezenove cursos de especialização, um deles em especial dedicado
exclusivamente aos nossos técnicos e capitaneado pela Pró-Reitoria de
Desenvolvimento Humano; ao ousar em apoiar o Conselho Superior na decisão de criar
novos cursos, como Direito e Física em Maceió e Pedagogia em União dos Palmares.
Isso tudo para que pudéssemos ter a oferta de 3 cursos regulares para que de fato e de
direito nossos Campi sejam Campi.
Muito feliz por ter, junto ao Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia,
defendido a aprovação da gestão do pólo agroalimentar de Arapiraca para a UNEAL,
como sempre foi nosso de fato e de direito. Os resultados estão aí, a olhos vistos, a
relação ensino x pesquisa x extensão sendo vivenciada, sem falar na nova tendência da
Universidade brasileira de se relacionar com o setor produtivo. Como o Brasil, também
estamos ensaiando esse caminho tão importante para o crescimento dialético de nossas
instituições.
Saio, deveras feliz, por ter realizado, juntamente com tantas outras mãos, o
sonho de ver construída a sede própria do meu Campus de origem, o Campus Zumbi
dos Palmares. Hoje uma realidade. Só quem esteve naquele Campus durante as lutas
travadas para saber do que estou falando, do que isso significa para mim. Isso sem
mencionar a conquista de um prédio em Maceió para funcionamento do Campus VI.
Enfim, a alegria fala mais alto que os desatinos do percurso. Despeço-me com a
sensação de dever cumprido e me sentido como a abelha que desafia as leis da física
para alçar voo. Não fosse a nossa rebeldia e irreverência não teríamos chegado até aqui.
Mas, sou um daqueles incansáveis sonhadores e sei que o nosso projeto não morre aqui.
Outros darão continuidade. Tive o privilégio de ter ao meu lado pessoas que estão
dispostas à doação. Pessoas capazes de abrir mão de parte da vida privada em nome
desta linda Instituição. Confio neles e estou com eles. Para além de amigos, são uma
extensão profissional do nosso projeto de Uneal e de sociedade. Tornamos juntos a
Uneal viva, e assim que toda e qualquer IES deve permanecer. Definitivamente, o
nosso grupo, os verdadeiros e fiéis amigos, a maioria desta Instituição não tenho
dúvidas disso, entregaremos esta Instituição daqui a pouco por circunstância de minha
antecipação de saída pelos motivos já sabidos por todos, mas estou certo, que em
outubro, a Uneal devolverá o nosso grupo ao protagonismo desta Universidade. A
Uneal sim, de forma secreta e soberana, dará a resposta nas urnas de nosso trabalho, de
nosso elevado nível de doação a este projeto.
Outrossim, não poderia deixar de reconhecer a importância da ABRUEM na
nossa formação durante essa trajetória. Talvez, somente aqui, me senti magnífico. O
resto, quase sempre, tratei de tirar as pedras do caminho, como dizia o poeta. E não
foram poucas. A forma que encontrei de agradecer a ABRUEM por tudo, os momentos
formativos, as trocas de experiências, as amizades conquistadas que ficarão para
sempre, foi, mesmo nesse turbilhão de despedida, de eleição interna para a escolha do
nosso novo representante, juntar minha equipe (a quem agradeço carinhosamente) e
organizar uma reunião tão bonita em Maceió, inaugurando um novo momento na
história da Associação: a realização de reuniões fora de Brasília para fomentar a
participação de maior parte dos reitores/ras de nosso sistema. Os reitores, as reitoras,
todos ficarão, cada um ao seu modo, guardados no meu coração. Peço desculpas pelos
meus excessos, sou muito verdadeiro, às vezes posso ter assustado alguém com a alta
carga emotiva que caracteriza o meu ser.
Por fim, meus sinceros votos de agradecimentos a todos que somaram esta
corrente. Vocês são parte desta história. Sou fruto, também, da confiança de vocês. Sou
hoje, com certeza, um cidadão melhor. Os caminhos que trilharei de agora em diante
serão, com certeza, mais fáceis pelo aprendizado que esta linda Instituição me
proporcionou. Finalizo, pois, com um poema em homenagem a vocês, meus amigos e
minhas amigas da Universidade Estadual de Alagoas – UNEAL:
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Soneto de Separação
(Vinicius de Moraes)
MUITO OBRIGADO!!!
Jairo José Campos da Costa