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DE RECEPTOR A CO-ENUNCIADOR: ÚLTIMOS 30 ANOS DE ENSINO DE LEITURA EM LÍNGUA ESTRANGEIRA SANDRA VENANCIO KEZEN BUCHAUL UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO – UENF CAMPOS DOS GOYTACAZES / RJ MARÇO - 2007

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DE RECEPTOR A CO-ENUNCIADOR: ÚLTIMOS 30 ANOS DE ENSINO DE

LEITURA EM LÍNGUA ESTRANGEIRA

SANDRA VENANCIO KEZEN BUCHAUL

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE

DARCY RIBEIRO – UENF CAMPOS DOS GOYTACAZES / RJ

MARÇO - 2007

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Sandra Venancio Kezen Buchaul

DE RECEPTOR A CO-ENUNCIADOR: ÚLTIMOS 30 ANOS DE ENS INO DE

LEITURA EM LÍNGUA ESTRANGEIRA

Dissertação de Mestrado apresentada no Centro de Ciências do Homem da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, como parte das exigências para obtenção do título em Cognição e Linguagem.

Orientador: Prof. Dr. Mário Galvão de Queirós Filho

Campos dos Goytacazes

Março 2007

3

Sandra Venancio Kezen Buchaul

DE RECEPTOR A CO-ENUNCIADOR: ÚLTIMOS 30 ANOS DE ENS INO DE

LEITURA EM LÍNGUA ESTRANGEIRA

Dissertação de Mestrado apresentada no Centro de Ciências do Homem da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, como parte das exigências para obtenção do título em Cognição e Linguagem.

Data da aprovação: 08/03/2007

Banca:

________________________________________________

Mário Galvão de Queirós Filho (Doutor em História, UFF) – UENF

________________________________________________

Sílvia Lúcia dos Santos Barreto (Doutora em Comunicação Social, UFRJ) – Cefet Campos

________________________________________________

Sérgio Arruda de Moura (Doutor em Literatura Comparada, UFF) – UENF

________________________________________________

Carlos Henrique Medeiros de Souza (Doutor em Comunicação Social, UFRJ) – UENF

Campos dos Goytacazes

2007

4

Agradecimentos

A Deus, princípio e fim de todas as leituras.

Aos professores do mestrado em Cognição e Linguagem da UENF, pelo

apoio.

Ao professor Dr. Sérgio Arruda de Moura, pelo incentivo constante.

E por último, mas não menos importante, ao meu orientador professor Dr.

Mário Galvão de Queirós Filho, por ter acreditado no meu projeto de pesquisa e

pelo olhar lúcido sobre minha escrita.

5

Dedicatória

A meus pais, Chicralla e Magali, que

me ensinaram a ler a vida e a atribuir-

lhe sentidos; a meu marido, Victor,

que tornou outras leituras possíveis; e

a minhas filhas, Elisa e Leticia, pela

construção de novos significados.

6

RESUMO

Esta pesquisa teve por objetivo criar espaços para (auto)reflexão sobre a situação de ensino/aprendizagem de leitura em língua estrangeira. Para tanto, buscou verificar como aulas de inglês contribuem para que o professor se conscientize sobre o processo da leitura em língua estrangeira e para a (re)construção de significados sobre esse processo. Este estudo está fundamentalmente embasado nos construtos teóricos do modelo sociointeracional de leitura (Moita-Lopes, 2000; Nunes, 2000; Widdowson, 1983, 1990) aliado às estratégias de leitura (Nuttall, 1982, 1996) e complementado pelo interacionismo sócio-discursivo (Bronckart, 2003; Vygotsky, 1998; Bakhtin, 1989, 2000, entre outros). Fundamenta-se, também, em Freire (1997, 2001), Wallace (1992) e Silberstein (1987) no que tange à conscientização, reflexão e questionamentos sobre o processo de ensino-aprendizagem. Além disso, questões relacionadas ao ensino da leitura em LE foram apoiadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais para a Língua Estrangeira (PCN-LE, 1998) e no desenvolvimento das capacidades de linguagem (Dolz & Schneuwly, 1998).

Palavras-chave: ensino-aprendizagem; língua estrangeira; estratégias de leitura; modelo sociointeracional, interacionismo sócio-discursivo.

7

ABSTRACT

This study aimed at creating spaces for (self)reflection upon the teaching and learning of reading in a foreign language. Therefore, it intended to observe how English classes contribute to a teacher´s awareness of the process of reading in a foreign language and to the (re)construction of meanings during such process. The theoretical framework is based on the sociointeracional model of reading (Moita-Lopes, 2000; Nunes, 2000; Widdowson, 1983, 1990), attached to reading strategies (Nuttall, 1982, 1996) and complemented by the socio-discursive interactionism (Bronckart, 2003; Vygotsky, 1998; Bakhtin, 1989, 2000, among others). It is also based on Freire (1997, 2001), Wallace (1992) and Silberstein (1987), regarding the process of awareness raising, reflecting and questioning upon the process of teaching and learning. Furthermore, this study has its basis on the National Curriculum Parameters for the teaching of reading in a Foreign Language (PCN-LE, 1998) and on the development of language capacities (Dolz & Schneuwly, 1998).

Key words: teaching and learning; foreign language; reading strategies; sociointerational model; sociodiscursive interacionism.

8

FIGURAS

Figura 1 O processo de comunicação....................................................... 45

Figura 2 Uma visão de leitura.................................................................... 46

Figura 3 Pressupostos e comunicação...................................................... 47

Figura 4 Uma outra visão de leitura........................................................... 49

Figura 5 O texto como um manual “faça-você-mesmo”............................ 51

Figura 6 O processo descendente............................................................. 53

Figura 7 O processo ascendente............................................................... 54

QUADROS

Quadro 1 Resumo das estratégias de leitura segundo

Grellet..........................................................................................

56

Quadro 2 Visões do processo de ler em LE segundo Nunes...................... 58

Quadro 3 Um modelo interacional de leitura............................................... 77

Quadro 4 Critérios para avaliação da aprendizagem da compreensão

escrita em LE...............................................................................

85

Quadrinho 1 ..................................................................................................... 94

Quadrinho 2 ..................................................................................................... 95

Quadrinho 3 ..................................................................................................... 95

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................... 11

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA................................................................ 18

1.1 O Processo da Leitura e seu Ensino em Língua Estrangeira.................... 19

1.1.1 O Processo da Leitura............................................................................... 19

1.1.2 O Ensino de Leitura................................................................................... 21

1.2 Pressupostos Teóricos do Interacionismo Sócio-Discursivo..................... 26

1.2.1 Ensino/aprendizagem na visão vygotskiana............................................. 26

1.2.2 A noção de gênero.................................................................................... 31

1.2.3 Gêneros e ensino...................................................................................... 35

1.2.4 Seqüência didática.................................................................................... 36

1.2.5 O Ensino de Leitura em LE....................................................................... 40

2 LEITURA E COMPREENSÃO TEXTUAL.................................................. 43

2.1 O que é compreensão textual................................................................... 43

2.1.1 Por que lemos............................................................................................ 43

2.1.2 Como lemos............................................................................................... 44

2.2 Leitura com um objetivo específico........................................................... 45

2.3 A Leitura e o Processo de Comunicação segundo Nuttall........................ 45

2.3.1 O papel do esquema................................................................................. 47

2.3.2 Compreensão total?.................................................................................. 48

2.3.3 O papel ativo do leitor................................................................................ 48

2.3.4 Leitura como interação.............................................................................. 49

2.3.5 Dando significado ao texto........................................................................ 50

2.3.6 Estratégias de leitura................................................................................. 51

2.3.6.1 Segundo Nuttall ........................................................................................ 51

2.3.6.2 Segundo Grellet......................................................................................... 55

2.3.7 Os três modelos de leitura......................................................................... 56

2.4 Considerações sobre o uso das estratégias de leitura em LE.................. 59

10

3 A VISÃO SOCIOINTERACIONAL DE LEITURA....................................... 66

3.1 Teorias interacionais de leitura.................................................................. 66

3.2 Um modelo sociointeracional de leitura..................................................... 70

3.2.1 A teoria dos esquemas segundo Widdowson........................................... 73

4 O INTERACIONISMO SÓCIO-DISCURSIVO........................................... 78

4.1 Leitura na Visão do Interacionismo Sócio-Discursivo............................... 78

4.2 Proposta de princípios para o ensino de leitura em LE............................. 80

4.2.1 Leitura e ação de linguagem..................................................................... 81

4.2.2 Leitura com base no ensino de gêneros e pluralidade de gêneros........... 81

4.2.3 Capacidades de linguagem....................................................................... 81

4.2.4 Leitura e contexto de produção do texto e contexto de leitura.................. 86

4.2.5 Uso de textos sociais................................................................................. 87

4.2.6 Tipos de comparações construtivas.......................................................... 88

4.2.7 Progressão em espiral............................................................................... 89

4.2.8 Complexidade da tarefa............................................................................ 90

4.2.9 Uso de recursos pedagógicos para mediação.......................................... 91

4.2.10 Processo colaborativo e método indutivo.................................................. 92

Uma aula de leitura no modelo sociointeracional aliada a estratégias de

leitura e aos pressupostos do ISD.............................................................

93

Considerações finais................................................................................. 97

Referências bibliográficas......................................................................... 100

11

INTRODUÇÃO

Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual a sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura.

A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha. Vale dizer como alguém vive, que experiências tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o animam. Isso faz da compreensão sempre uma interpretação.

Sendo assim, fica evidente que cada leitor é um co-autor. Porque cada um lê e relê com os olhos que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo que habita. (Leonardo Boff, 1988)

Este trabalho discute um projeto de (auto)reflexão sobre a situação

de ensino/aprendizagem de leitura em língua estrangeira (doravante LE), com foco

na (re)construção de significados. Meu interesse em investigar a situação de

ensino/aprendizagem de leitura em LE teve início em 2002, em meio à pós-

graduação em Ensino/Aprendizagem de Inglês como Língua Estrangeira, na

Faculdade de Filosofia de Campos - FAFIC. Nesse ano, iniciei a prática no Curso

de Inglês Instrumental do Laboratório de Línguas da Faculdade de Direito de

Campos. Tinha então um grande desafio à minha frente: como professora treinada

para ensinar a aquisição das quatro habilidades da língua, agora teria que

aprender novos caminhos e técnicas para um ensino mais eficiente de leitura.

Pude constatar que em 90% de minhas aulas o trabalho era feito através da

realização de exercícios de compreensão propostos em livros didáticos ou em

apostilas elaboradas para facilitar o entendimento do aluno sobre as dificuldades

gramaticais ou lexicais da língua. A análise do contexto de produção desses textos

bem como a utilização de estratégias relacionadas às necessidades daquele

contexto não eram levadas em consideração. Em quase todas as situações, a

tradução era empregada como instrumento de ensino-aprendizagem e

compreensão de textos em inglês. Tal fato poderia estar diretamente relacionado à

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falta de estabelecimento de propósitos para a leitura de um texto, conforme

relatado por Willis (1996, p.72; tradução minha):

A menos que os aprendizes tenham um propósito específico para a leitura, eles tenderão a ver o texto como um instrumento de aprendizagem, lendo palavra por palavra. Quando eles encontram uma palavra que não sabem, páram para pensar sobre ela ou procuram-na num dicionário.

Unless learners are given a specific purpose for reading, they tend to see the text as a learning device and read one word at a time. When they come to a word they don’t know, they stop to think about it or look it up (Willis, 1996, p. 72).

Mas muito antes de Willis, Jespersen (1904) demonstrara grande

preocupação com o modelo de ensino de línguas modernas de sua época,

opondo-se à leitura em voz alta e à tradução das palavras para a língua do

aprendiz. Esse pesquisador também enfatizou a importância da aprendizagem de

uma língua estrangeira através de métodos específicos para escolas, uma vez que

isso possibilitaria não somente a comunicação com outros países, mas também o

treinamento das faculdades mentais de classificação, dedução e reflexão a partir

da observação dos diversos pontos de vista. Criticou a pura e simples repetição de

palavras, sem a conscientização da importância da aprendizagem de línguas

(Jespersen, 1904, pp.7-8; tradução minha):

Qualquer instrução em línguas que simplesmente consista em repetição de palavras do professor ou do livro didático, se realmente tal método é aceitável, não teria lugar em nossas escolas (...). Any instruction in languages which merely consisted in a parrot-like repetition of words of the teacher or the book, if indeed such a method is conceivable, would not be in place in our schools (...) (Jespersen , 1904, pp.7-8).

Com relação aos textos utilizados, Jespersen destacou a importância de

serem interessantes e fazerem sentido, “sem muita consideração sobre o que é

gramaticalmente fácil ou difícil” (Jespersen, 1904, p.23) – “yet without too much

consideration for what is merely grammatically easy or difficult”; tradução minha).

Ele enfatizou também a relevância e a utilização do contexto para a compreensão

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de palavras desconhecidas, em oposição à simples tradução para a língua

materna, conforme citação abaixo (1904, pp.66-67; tradução minha):

Todos nós que somos mais avançados devemos confessar que ao lermos livros em língua estrangeira freqüentemente deixamos de procurar uma palavra desconhecida em um dicionário, porque seu significado ficava perfeitamente claro através do contexto. E nós aprendemos milhões de palavras em nossa língua-materna da mesma forma. Então, por que não usar essa experiência no ensino de línguas estrangeiras?

All of us who are further advanced must confess to ourselves that in reading foreign books we have often omitted to look up an unfamiliar word in the dictionary, because its meaning was perfectly clear from the context. And we have learned thousands of words in our mother-tongue in the same way. Then why not use this experience in the teaching of foreign languages? (Jespersen, 1904, pp.66-67).

As considerações de Jespersen (1904) remeteram-me a questões sobre a

atuação do professor na sala de aula. Ao analisar a minha situação de trabalho,

pude constatar que dispunha de ótimas condições para o exercício do ofício de

professora no Laboratório de Línguas da Faculdade de Direito de Campos, tais

como materiais didáticos produzidos recentemente e recursos tecnológicos

avançados em sala de aula. Todavia, alguns questionamentos surgiram: de que

valeriam os recursos tecnológicos e os materiais disponíveis se os mesmos não

fossem utilizados em benefício da aprendizagem? Além disso, como poderia

atingir o meu próprio desenvolvimento e contribuir para o desenvolvimento de

outros professores?

Participar do programa de mestrado em Cognição e Linguagem, da UENF,

a partir de 2004, além de contribuir para o meu desenvolvimento, possibilitou-me

adotar uma postura crítico-reflexiva em relação à situação de

ensino/aprendizagem em minha sala de aula. Como aponta Magalhães (1994):

(...) a discussão do professor como um profissional crítico e reflexivo envolve uma rediscussão dos papéis tradicionalmente atribuídos ao professor, aos alunos, ao livro didático. Envolve questionamentos constantes sobre as práticas discursivas da sala de aula quanto a concepções de ensino/aprendizagem, conteúdos, valores e representações que estão sendo veiculadas (...).

14

Cada disciplina cursada foi importante para o desenvolvimento quanto a

visões prévias e distorcidas sobre o ensino-aprendizagem de língua estrangeira,

entre outras questões. Além disso, pude melhor compreender os materiais que

vinha utilizando na aula de leitura, uma vez que os mesmos pareciam privilegiar a

construção de conhecimento sistêmico. Todavia, somente o uso mais adequado

do material na sala de aula não poderia garantir a aprendizagem. Algo mais

deveria ser considerado: a interação dos participantes na sala de aula. Para

Celani (1997, p.153), dar-se conta da importância da interação social entre

professor e alunos constitui-se “como elemento fundamental na aprendizagem”.

Sendo a interação professor/aluno primordial para a qualidade da

aprendizagem, a minha grande preocupação foi pensar sobre formas de evitar que

os alunos olhassem para mim e vissem somente mais um profissional que

aplicava técnicas, a partir de um livro didático, embasadas em publicações e

estudos prévios sobre o ensino de inglês como língua estrangeira (doravante EFL

- English as a Foreign Language).

Assim, ao ler as palavras de Jespersen (1904) fazem-se novos

questionamentos: se há mais de 100 anos a situação de ensino/aprendizagem de

LE já exigia novas reflexões e transformações na sala de aula, por que ainda

teríamos, nos dias de hoje, situações semelhantes (frases descontextualizadas,

leitura em voz alta, cópia e tradução, principalmente) em nossas salas de aula?

Qual teria sido o papel das pesquisas realizadas até então? Como novas

pesquisas, em particular as que têm como foco a leitura em LE, poderiam

contribuir para mudanças na situação de ensino/aprendizagem na sala de aula?

Na tentativa de escolher o foco de minha pesquisa, uma breve revisão das

pesquisas em leitura realizadas anteriormente se fez necessária. Constatou-se

que algumas tiveram como foco a necessidade da construção conjunta de

conhecimentos, a partir da interação na aula de leitura (Moita-Lopes, 2000;

Magalhães, 1996; Magalhães & Rojo, 1994; entre outros). Outras pesquisas

abordaram as estratégias utilizadas na compreensão de leitura em LE (Scott,

1986; Grellet, 1989; Nuttall, 1997; Ramos, 1992; Nunan, 1992, entre outros) e os

processos cognitivos realizados no ato da leitura (Fantini, 1997; entre outros). O

15

ensino da leitura em LE a partir de gêneros de texto também foi pesquisado

anteriormente (Meurer & Motta-Roth, 2002; Bakhtin, 1989, 2000; Bronckart, 2003;

Cristóvão, 2001). A reflexão como estratégia de leitura em LE também foi foco de

pesquisa anterior (Coelho, 2000). E, finalmente, o professor, isto é, sua

participação no processo de ensinar e aprender na aula de leitura foi investigada

anteriormente, no contexto universitário (Nunes, 2000).

Ao realizar a revisão teórica acima, novos questionamentos surgiram: como

minha pesquisa poderia contribuir não somente para a construção de significados

mas também para promover novos espaços para a conscientização e reflexão

sobre o ensino/aprendizagem da leitura em LE na minha sala de aula? Seria

possível realizar novas mudanças quanto à situação de ensino/aprendizagem da

leitura?

Ao refletir sobre o papel do professor, o uso dos materiais e a interação

com os alunos, percebe-se a importância de poder viabilizar a criação de espaços

para conscientização e reflexão. Tal fato só seria possível a partir de mudanças na

minha ação pedagógica, que por sua vez, poderia contribuir para o

desenvolvimento dos alunos, no que se refere à situação de ensino/aprendizagem

de leitura em LE. Dessa forma, esses alunos também poderiam repensar sua

participação nas ações pedagógicas, o que propiciaria seu desenvolvimento

futuro. Nas palavras de Mello (2005):

Ninguém facilita o desenvolvimento daquilo que não teve oportunidade de desenvolver em si mesmo. Ninguém promove a aprendizagem de conteúdos que não domina nem a constituição de significados que não possui ou a autonomia que não teve oportunidade de construir.

Tendo em vista as considerações realizadas até o momento, além de

complementar as pesquisas realizadas anteriormente, este trabalho investigou a

contribuição das aulas de leitura em LE no modelo sociointeracional aliado ao uso

das estratégias de leitura e aos pressupostos do interacionismo sócio-discursivo

para:

* a conscientização dos professores sobre o processo da leitura em LE;

16

* a (re)construção de significados sobre o ensino/aprendizagem da leitura

em LE.

Uma vez decidido que deveria buscar respostas para questões

relacionadas ao ensino-aprendizagem de leitura em LE através de uma

investigação científica, busquei a interação com outras áreas do conhecimento (a

Análise do Discurso, entre outras). Portanto, a natureza transdisciplinar desta

pesquisa a caracteriza como sendo do âmbito do curso de mestrado em Cognição

e Linguagem, que, em um de seus projetos, concebe a pesquisa da linguagem

como elemento de interação cultural e representação social, além de investigar a

linguagem na sua diversidade de referências sociocognitivas sob o ponto de vista

da interação entre os sujeitos envolvidos em formas de representação, dos efeitos

do social nas formações discursivas, das redefinições sígnicas e contextuais

envolvidas na aplicação das novas codificações tecnológicas e nas aplicações

sociais dos universos lingüísticos.

Pennycook concebe “a linguagem como fundamental para mudar a maneira

como vivemos e compreendemos o mundo e nós mesmos”, mas também como

crítico ao compreender que o conhecimento produzido “é sempre veiculado a

interesses” (Pennycook, 1998, p. 46).

Baseando-se em teóricos do estudo crítico da linguagem (Fairclough, 1989;

Wallace, 1992), Moita-Lopes (2000) também acredita que a emancipação pode ser

alcançada através da conscientização e, para isso, enfatiza a importância do

pesquisador em engajar-se em projetos críticos, acreditando não somente na

possibilidade da mudança, mas também em sua concretização.

E, por acreditar na possibilidade e concretização das mudanças

relacionadas à situação de ensino/aprendizagem da leitura em LE em minha sala

de aula, esta pesquisa investigou:

* como as aulas de leitura sob a perspectiva do sociointeracionismo

contribuem para que os professores se conscientizem sobre o processo da leitura

em LE?

* em que medida a conscientização sobre o processo de ler contribui para a

(re)construção de significados sobre o ensino/aprendizagem da leitura em LE?

17

O resultado dessa pesquisa e reflexões é consignado, aqui, em quatro

capítulos. No primeiro capítulo, faço uma sucinta revisão teórica sobre como o

processo de leitura foi discutido anteriormente através de teorias e pesquisas

realizadas na área. Discuto o ensino de línguas através da leitura e a importância

de contextos que viabilizem a conscientização, reflexão e questionamentos sobre

esse processo.

No segundo, meu foco é a leitura em LE: abordo as estratégias de leitura,

discorro sobre a importância da utilização dos conhecimentos pré-existentes

durante o ato da leitura, e sobre as abordagens de processamento de textos.

O terceiro capítulo apresenta as teorias interacionais e um modelo

interacional de leitura, estabelecendo um arcabouço teórico de tal modelo,

centrado na teoria dos esquemas.

No quarto capítulo, discuto o interacionismo sócio-discursivo, seus

fundamentos, suas implicações e suas aplicações pedagógicas.

E, por último, apresento uma aula de leitura no modelo sociointeracional

aliado às estratégias de leitura e aos pressupostos do interacionismo sócio-

discursivo e as considerações finais, incluindo a minha interpretação das visões

sobre o processo de ensino-aprendizagem da leitura em LE e os possíveis

significados (re)construídos sobre esse processo, assim como reflexões sobre a

situação de ensino/aprendizagem da leitura em LE, e sugestões para futuras

pesquisas nesta área.

18

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Ler pelo não Ler pelo não, quem dera! Em cada ausência, sentir o cheiro forte do corpo que se foi, a coisa que se espera. Ler pelo não, além da letra, ver, em cada rima vera, a prima pedra, onde a forma perdida procura seus etcéteras. Desler, tresler, contraler, enlear-se nos ritmos da matéria, no fora, ver o dentro e, no dentro, o fora, navegar em direção às Índias e descobrir a América. (Paulo Leminski, 1991)

Esta seção aborda alguns construtos teóricos que podem ser fundamentais

para a realização deste trabalho. Inicialmente, faço uma sucinta revisão das

teorias e modelos que fundamentam o processo da leitura. Em seguida, faço uma

breve discussão sobre o ensino de línguas através da leitura, especificamente em

LE, à luz dos pressupostos teóricos da abordagem instrumental ao ensino de

línguas e o uso de estratégias de leitura (Scott, 1986; entre outros).

Discuto, também, a importância de contextos que propiciem a

conscientização, reflexão e questionamentos sobre o processo de

ensino/aprendizagem (Freire, 1996; 2001).

Direciono a atenção para o estabelecimento de propósitos específicos e o

uso de conhecimentos durante o ato da leitura (Parâmetros Curriculares Nacionais

para a Língua Estrangeira – PCN-LE, 1998) e para o desenvolvimento das

capacidades de linguagem (Dolz & Schneuwly, 1998).

Posteriormente, discorro sobre os construtos teóricos do interacionismo

sociodiscursivo, baseados em Bronckart1 (2003), que, por sua vez, está

fundamentado em Vygotsky (1998) e Bakhtin (1998; 2000).

1 Bronckart é um dos pesquisadores da Unidade de Didática de Línguas da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Genebra, que realiza estudos fundamentados no Interacionismo Sócio-Discursivo.

19

1.1 O Processo da Leitura e seu Ensino em Língua Es trangeira

A leitura envolve processos mentais de atenção, percepção, memória e

pensamento, que desencadeiam operações necessárias para a compreensão da

linguagem. Tais operações foram discutidas por diversos autores (Van Dijk &

Kintsh, 1983; LaBerge & Samuels, 1976; Goodman, 1982; Rumelhart, 1984)

através de teorias sobre o processo de leitura e de modelos para esse processo.

Esses modelos têm sido utilizados na formulação de políticas educacionais a partir

das quais métodos de ensino de leitura têm sido elaborados até os dias de hoje.

Tais modelos também têm sido questionados e rediscutidos, como apontamos

neste trabalho.

1.1.1 O Processo da Leitura

Conforme já elencado e revisado pela pesquisadora brasileira Fantini

(1997), entre outros, o processo de leitura foi foco de pesquisas com base na

Teoria dos Esquemas2, na Teoria de Solução de Problemas (Newell & Simon,

1972) e na Psicologia do Processamento3 (Ericsson & Simon, 1987).

2 “(...) Os esquemas são estruturas que armazenam conhecimento sobre um determinado âmbito. Estes contêm não apenas o conhecimento propriamente dito, mas também as regras sobre sua utilização” (Fantini, 1997, p.7). 3 Para esses teóricos a cognição humana é um processamento de informações que também auto-transformam-se internamente (Fantini, 1998, p. 8).

20

A partir dessas teorias surgiram os modelos de processos pré-interativos de

leitura, tais como o processamento serial de Gough4 (1976), mais conhecido como

processamento ascendente (“bottom-up processing”, in Nuttall, 1996), o modelo

automático de processamento de leitura de LaBerge & Samuels5 (1976) e o

modelo psicolingüístico de testagem de hipóteses de Goodman6 (1982), mais

conhecido como processamento descendente (“top-down processing”, in Nuttall,

1996).

Sem dúvida essas pesquisas contribuíram para o desenvolvimento das

investigações sobre o processo cognitivo da leitura, no entanto, tiveram como foco

a simples decodificação de significados, ou seja, destacaram a importância do

reconhecimento de palavras na compreensão textual. Deixaram uma lacuna

quanto ao processo da leitura em sala de aula; dito de outra forma, não

contemplaram a interação professor-aluno-texto no contexto institucional e sua

implicação no processo ensino-aprendizagem. Sendo assim, esta pesquisa

discute possibilidades da criação de espaços para a conscientização do processo

de leitura em LE, bem como a (re)construção de significados, a partir da interação

professor-aluno-texto.

Com o intuito de buscar mais evidências sobre o que acontece na sala de

aula de leitura, em específico na leitura de textos em LE discuto, a seguir, o ensino

de leitura em LE.

4 A atenção é dirigida a unidades lingüísticas menores, ou seja, a percepção e o reconhecimento das letras para sons, palavras, sentenças e finalmente para a construção de significado e elaboração do pensamento. 5 Descreve o desenvolvimento de automatismos (habilidade de realizar uma tarefa com pouca atenção) por leitores experientes e a dificuldade encontrada por leitores iniciantes na decodificação e compreensão de textos. 6 O leitor faz uso de pistas lingüísticas mínimas que são processadas, possibilitando, assim, a geração de hipóteses, que poderão ser confirmadas, rejeitadas ou refinadas, através do processamento descendente de informações.

21

1.1.2 O ensino de leitura

Algumas pesquisas vêm apontando várias falhas ou problemas existentes

na prática da leitura na escola. A bibliografia consultada nos aponta algumas

destas questões, tais como: uma visão falha de compreensão subjacente aos

materiais; as próprias características dos materiais, em especial, o tipo de

atividade e o tipo de pergunta; a ausência de uma perspectiva crítica voltada para

a construção do conhecimento; a falta de objetivos na aula de leitura; o tipo de

aula que se privilegia com o tipo de material usado; o papel do professor e dos

alunos em função do material; a questão do nível de conhecimento de vocabulário;

a seleção de textos e o tipo de avaliação proposta. Assim, essas críticas revelam a

insatisfação com relação às propostas dos livros didáticos e/ou do professor, nas

quais as atividades levam o aluno a ser cerceado por limites de interpretação

estabelecidos ora pelo autor ora pelo professor. Por exemplo, as pesquisas

coordenadas por Nunes (2000) mostram que comumente a escola e, em especial,

a aula de línguas privilegiam a leitura com sentido produzido a partir do texto. Em

aulas de LE, é constante o uso de tradução linear, principalmente das palavras

consideradas difíceis por uma avaliação do professor, fazendo com que a leitura

seja trabalhada como decodificação de palavras para que o texto seja construído

ao decodificar mais e mais palavras e partes do texto. O movimento de leitura

parte do fragmento para o texto, numa tarefa linear, pressupondo um trabalho do

fragmento para o todo, não se considerando a influência das condições de

produção na construção do sentido. Kleiman & Moraes (2002), por sua vez,

mostram que o livro didático ainda se apresenta com uma concepção de trabalho

pedagógico linear e seqüencial. Na mesma perspectiva, Moita Lopes (2000)

também critica o livro didático por este ser homogeneizador em relação à criação

dos sentidos, buscando uma uniformização de interpretações como se o ‘sentido

verdadeiro’ pudesse ser extraído do texto.

Critica-se ainda o uso freqüente de perguntas de compreensão que

dependem apenas do reconhecimento ou localização de idéias no texto. Além

22

disso, o texto é também, muitas vezes, usado como simples pretexto para o

ensino de gramática, de vocabulário ou de outra estrutura lingüística.

Em relação às aulas de leitura, Nunes (2000) mostra que o objetivo do

professor nem sempre é compartilhado com o aluno, permanecendo nos materiais

tanto o papel do professor como o daquele que detém o poder outorgado pela

instituição escolar e o papel do aluno como passivo, como mero receptor de um

saber e de determinados sentidos inquestionáveis. De forma alguma considera-se

que, em condições de produção de leitura diferentes, outros sentidos podem ser

construídos para a mesma leitura.

Em relação à aquisição de vocabulário no ensino de inglês como segunda

língua (doravante ESL – English as a Second Language) e como LE, Nunan

(1992), propõe uma discussão envolvendo a importância do vocabulário na

aprendizagem de leitura, criticando a noção de que esse vocabulário é aprendido

automaticamente no contexto em que ele é usado, sem necessidade real de

instrução. Entretanto, a nosso ver, não são palavras de alta freqüência que devem

ser ensinadas (Nunan, 1992), pois a escolha lexical refletida nos textos não se dá

aleatoriamente, mas, sim, dependente da situação de ação de linguagem, do

gênero, do propósito da atividade e do objetivo desejado.

Em relação aos perfis dos diferentes leitores, Nunes (2000) apresenta três

tipos: (a) o perfil do leitor moldado pela instituição, que não considera as

experiências do sujeito, (b) o de acumulador de leituras, independentemente das

condições de produção dessas leituras e (c) o do leitor estrategista, que tem

sucesso na leitura ao lidar com ela a partir de orientações dadas. Como vemos,

nenhum desses perfis contempla o leitor como agente na construção de sentidos,

implicado em um contexto sócio-histórico.

Ao tratar especificamente da progressão de tipos de textos em livros

didáticos sejam eles usados na íntegra ou como orientadores da seqüência e do

conteúdo das aulas, Nuttall (1982) verifica que os livros tratam a narrativa como o

tipo de leitura mais simples, seguida da descrição e, finalmente, o tipo mais

complexo, a dissertação. Além de questionar essa complexidade, a autora verifica

que o sujeito/leitor não tem espaço para reflexão, independente do tipo de texto

23

disponibilizado, ou seja, o procedimento é sempre voltado para o reconhecimento

de algum(ns) tipo(s) de informação.

Em relação à seleção de textos, Wallace (1992) critica o uso de textos de

imprensa somente como pretexto para o ensino de língua. Tais textos não seriam

simples, fáceis e/ou próprios para o desenvolvimento desse tipo de atividade. Ao

contrário, eles oferecem a possibilidade de se discutirem os sentidos possíveis e

as prováveis ‘omissões, distorções e recursos argumentativos’ do discurso. Nessa

insatisfação com o livro didático, a tão almejada criticidade e participação do leitor

seriam possibilitadas por práticas que procurem proporcionar ao aluno

instrumentos para que possam vencer a alienação e deixar emergir um agente

responsável por sua formação, com opinião, argumentação e consciência.

Nessa perspectiva, Moita-Lopes (2000) também enfatiza a necessidade de

se ter o objetivo de conscientizar o sujeito/leitor, para libertá-lo da alienação. Para

isso, é necessário superarmos a carência da relação entre leitura e contexto social

com o uso de textos sociais e levando à uma interpretação de texto que revele os

aspectos da ideologia, da historicidade que envolvem os textos e o sujeito/leitor.

Também em relação à leitura crítica, Grellet (1981) acredita que ela deva

ser ensinada por meio de técnicas que levem o leitor a reagir a todo tipo de texto e

a atingir os diferentes níveis de compreensão (do geral ao mais detalhado). Por

outro lado, Moita-Lopes (2000) censura a concepção de leitura crítica como

complemento às atividades de compreensão, pelo fato delas se deterem apenas

no sujeito/leitor, carecendo ainda o questionamento sobre a autoria do texto. Para

reverter isso, o autor propõe a utilização da Análise Crítica do Discurso, que

investiga a linguagem reconhecendo que é na língua e, através dela, que

podemos reconhecer a ideologia e a historicidade.

Além desses tipos de reflexão, outra preocupação dos pesquisadores é

com o tipo de instrumento disponibilizado para os alunos e o tipo de articulação

proporcionado. Para isso, Kleiman & Moraes (2002) enfatizam a importância do

trabalho com diferentes fontes de textos, especialmente aquelas às quais ao

alunos têm acesso mais facilmente, como as revistas semanais, por exemplo.

Uma vez feita a escolha da fonte de textos, o próximo passo seria a seleção dos

24

temas, que poderia ser guiada por tratarem de um problema local da escola, de

uma questão da atualidade; de um tema transversal ou de um tópico recorrente no

conteúdo dos programas.

Já para o trabalho com o texto, Nuttall (1996) sugere um movimento de pré-

leitura, cuja ênfase se centraria na ativação do conhecimento prévio do leitor,

englobando conteúdos e tipos de texto. Posteriormente, a leitura visaria a uma

compreensão mais detalhada, na qual o item lingüístico abordado seria o verbo

(considerado como uma parte fundamental para a compreensão). Com as

perguntas de compreensão, também se lançaria mão de questões que

associariam leitura e língua, tendo em vista a solução de problemas verificados

nos alunos.

A idéia básica subentendida parece ser a de que se deve proporcionar uma

possibilidade de leitura com sucesso, isto é, de viabilizar o envolvimento do aluno

com o texto, com seus interlocutores e consigo mesmo. Essa proposta vai além

dessas sugestões propondo que o trabalho com itens lingüísticos e discursivos se

dê de acordo com os que serão selecionados a partir da construção do modelo

interacional de leitura aliado às estratégias e aos pressupostos do interacionismo

sócio-discursivo. Portanto, não necessariamente esse item seria o verbo.

Em relação ao tipo de pergunta, Fantini (1997) sugere que o professor pode

facilitar a compreensão com o uso de determinados tipos de perguntas em

determinados momentos para levar o aluno a questionar sua leitura; assim, o

material didático pode ser caracterizado pelo tipo de perguntas de compreensão

que apresenta.

Além de perguntas, a aula de leitura e o material didático podem se valer de

outros tipos de atividade. Nunan (1992), por exemplo, afirma que uma atividade de

leitura positiva teria como características: a autenticidade do texto; o fornecimento

de instrumentos para os alunos poderem analisar um texto; a leitura em voz alta

seguida de leitura silenciosa; interação com o texto e com colegas; análise direta

do texto e representação da interpretação do texto. Com isso, os alunos poderiam

verbalizar suas hipóteses sobre o que vão ler; fazer comparações e confirmação

ou refutação das hipóteses junto aos colegas e ao texto, priorizar a compreensão

25

sobre pontos relevantes, contar com a cooperação do professor com informações

e intervenções necessárias, e, finalmente, ter seu senso crítico incentivado.

Ainda sobre os tipos de atividade, Nunan (1992) reforça a idéia de dois

tipos de atividade que servem como alternativa aos procedimentos tradicionais de

leitura. Um deles é a atividade de reconstrução, como a colocação de partes de

um texto em ordem e o outro tipo seria alguma atividade de análise, como a

produção de um resumo. A escolha do tipo de atividade deve se pautar pelo

objetivo geral e pelos objetivos específicos de cada atividade.

Em relação aos objetivos na aula de leitura, Nunan (1992) propõe a

existência de sete finalidades principais para a leitura: a de obter informações, de

receber instruções, de entender o funcionamento de um jogo, aparelho, etc, de se

corresponder (por prazer ou negócio), de informar-se sobre eventos, de saber dos

acontecimentos passados e futuros, de se divertir ou passar o tempo. Além

dessas finalidades, Nunan (1992) considera que há quatro tipos de leitura: a

receptiva (rápida e automática); a reflexiva (envolvendo a reflexão sobre se está

lendo); a leitura rápida (conhecida como skimming, ler para se ter uma idéia geral

do texto) e a leitura em busca de informações específicas (conhecida como

scanning). O autor reconhece que esses tipos de leitura não são tipos fixos e

limitados, mas sim que, pelo contrário, podemos realizar uma leitura em que todas

essas formas de ler sejam necessárias.

Para a avaliação das formas de ler, Nuttall (1996) discute o uso de

instrumentos de avaliação da capacidade de leitura, segundo objetivos

estabelecidos. Algumas possibilidades são: a avaliação por comportamento; a

avaliação através de perguntas; o teste de múltipla escolha com somente uma

alternativa incorreta, portanto a que deve ser escolhida; o preenchimento de

lacunas em um texto; a tradução de um texto em LE para a língua materna;

protocolos; a produção de um resumo do texto lido; e a observação da interação

entre os participantes. Recomenda também o uso de diversas formas de avaliação

usadas como parte do processo de aprendizagem tendo seus resultados uma

influência no planejamento. O aluno deveria ser levado à reflexão sobre seu

processo, possibilitando, inclusive, sua autonomia.

26

Ao mesmo tempo que a natureza das pesquisas nessa área mostra uma

situação de inadequação entre as propostas metodológicas e as práticas de

leitura, elas sugerem uma mudança de foco para o ensino de leitura, que enfatiza

a influência do contexto de produção do texto sobre a compreensão e o contexto

de produção da leitura. Com essa mesma ênfase, apresento a seguir os

pressupostos teóricos do interacionismo sócio-discursivo, que embasam essa

pesquisa e, mais particularmente, a concepção de ensino/aprendizagem e de

linguagem seguidas das concepções sobre leitura e seu ensino.

1.2 Pressupostos Teóricos do Interacionismo Sócio-D iscursivo

O interacionismo sócio-discursivo é uma corrente da psicologia da

linguagem que se apóia em uma perspectiva interacionista social de linguagem e

em teorias de linguagem que dão primazia ao social, sobretudo na de Bakhtin

(Bronckart, 2003). Seu quadro epistemológico se baseia na concepção de que ‘as

condutas humanas’ são produto de um processo histórico de socialização,

marcado, principalmente, pelo uso de instrumentos semióticos, como a linguagem.

Os pressupostos do interacionismo sócio-discursivo que ressalto serão os

conceitos de aprendizagem e desenvolvimento de Vygotsky (1998) e suas

decorrências para a prática do ensino de línguas. Na seqüência, exponho a noção

de gêneros de Bakhtin (1989; 2000), a noção de gênero como instrumento para o

ensino (Schneuwly, 1994) e a proposta de desenvolvimento de materiais didáticos

em forma de seqüências didáticas norteadas por esses conceitos.

1.2.1 Ensino/aprendizagem na visão vygotskiana

Apresentar um quadro das contribuições do pensamento vygotskiano

especificamente para a área de ensino-aprendizagem de LE leva-me a comentar,

principalmente, o sexto capítulo da obra de Vygotsky, Pensamento e Linguagem.

27

Minha meta é articular os pensamentos do autor acerca da relação entre

desenvolvimento e aprendizagem e o conceito de Zona Proximal de

Desenvolvimento (doravante ZPD) com as atividades de linguagem

conceitualizadas por Bronckart (2003).

Para Vygotsky (1998), aprendizagem e desenvolvimento interagem

continuamente para que haja crescimento de ambos. O autor (1998) esclarece

que “o desenvolvimento das bases psicológicas para o aprendizado de matérias

básicas não precede esse aprendizado, mas se desenvolve numa interação

contínua com as suas contribuições.”

Sobretudo, defende a tese de que, geralmente, o aprendizado ocorre antes

do desenvolvimento e que as curvas de um e de outro não necessariamente

coincidem, já que cada um tem uma relação temporal em cada sujeito. Vygotsky

(1998), assim, se opõe ao behaviorismo e ao cognitivismo, afirmando que não é o

ambiente que determina o desenvolvimento dos conhecimentos científicos na

criança por meio de compreensão e assimilação. Defende também a idéia de que

os conceitos espontâneos não são realmente substituídos pelos conceitos

científicos, defendendo a tese da existência de uma forte correlação entre eles.

Dessa forma, os conceitos espontâneos vão sendo construídos pela criança, no

seu cotidiano e vão se desenvolvendo, ao passo que os conceitos científicos

precisam dos espontâneos como base. Assim, uma vez dominado um conceito

científico, os conceitos cotidianos também serão elevados a outro nível, pois serão

reconstruídos ou transformados. Nesse sentido, o autor defende a interação entre

desenvolvimento e aprendizagem, sendo que a última impulsiona o primeiro. Em

relação à situação de aprendizagem, Vygotsky (1998) chama a atenção para o

valor da colaboração entre os pares. Nesse sentido, distingue entre a Zona Real

de Desenvolvimento (doravante ZRD) e a Zona Proximal de Desenvolvimento,

situada entre o que o aluno pode fazer sozinho e o que consegue realizar com a

ajuda de um colaborador mais experiente. Esse colaborador usará o que o agente

já sabe e apresentará o novo em relação ao que já é dominado. Assim, segundo

Magalhães & Rojo (1994, p.76),

28

Seguindo Vygotsky, qualquer instrução eficiente e, portanto, instrução que gera aprendizagem e Desenvolvimento Real, deve começar pela avaliação do desenvolvimento real assim como do potencial - isto é, as tarefas que a criança pode encarar autonomamente e as tarefas que a criança já pode encarar em interação, mas não ainda autonomamente - e deve trabalhar na ZPD, em outras palavras, deve fornecer mecanismos de internalização desses padrões que ainda são interpessoais. (Magalhães & Rojo, 1994, p.76)

No processo de aprendizagem dos seres humanos, a imitação exige a

participação de um outro que colabore com a ação do primeiro. Pode, então

colaborar para o processo de aprendizagem que, segundo Vygotsky (1998), deve

estar voltado para o que ainda não é função amadurecida. “O aprendizado deve

ser orientado para o futuro, e não para o passado.” Ainda segundo o autor, no

decorrer do desenvolvimento, a criança constrói socialmente sistemas semióticos

e os transforma através de imitação e aprendizagem, processando-se, assim, o

desenvolvimento que vai do intersubjetivo (construída na interação social) para o

intra-subjetivo (conhecimento internalizado pelo sujeito).

A contribuição vygotskiana em diversas áreas do conhecimento é crescente

no Brasil, com inúmeras pesquisas orientadas por seu pensamento. Dentre estas,

no Brasil, destacam-se os trabalhos de Oliveira (1999), de Wertsch & Smolka

(1994), de Magalhães & Rojo (1994), de Freitas (1994, 2000), bem como as

pesquisas de Machado (1994), entre outros.

Magalhães & Rojo (1994), por sua vez, fazem uma retrospectiva dos

estudos vygotskianos no Brasil, afirmando que é a partir dos anos 80 que crescem

as pesquisas com um enfoque em educação lingüística e em

ensino/aprendizagem com temas recorrentes como a produção de textos, a

interação em sala de aula e a construção de conceitos. Segundo as autoras, a

expansão ocorreu devido à problemática de “reinterpretar, do ponto de vista de

uma teoria da linguagem, a teoria da construção social do humano presente na

obra vygotskiana”. Por conseguinte, o foco das pesquisas na década de 90 passa

pela interação e pelo discurso. As releituras das proposições de Vygotsky (1998)

vêm se dando em diversas áreas do conhecimento e em diferentes tópicos como o

de nossa pesquisa, a compreensão escrita. Para as autoras, o tema é atual, pois

com as re-interpretações feitas, a dicotomia entre produção e compreensão de

29

texto vem se dissipando, para dar luz a mudanças na sala de aula. Dessa forma,

as autoras colocam como necessária uma “re-interpretação das teorias cognitivas

de processamento em leitura e produção de textos (orais e escritos), a partir deste

novo enfoque”. Essa pesquisa pretende, justamente, trazer uma contribuição no

sentido de que as atividades e as produções de linguagem têm uma atribuição

fundamental rumo ao pensamento consciente.

Os processos de aprendizagem, então, dependem do processo de

mediação. Assim como a escrita, também a aprendizagem de LE faz a criança

conhecer melhor sua língua materna (doravante LM), pois tanto uma quanto a

outra demandam intenção e consciência por parte do aprendiz, ao passo que a

aprendizagem de LM oral, usada no cotidiano, se dá naturalmente,

inconscientemente. Segundo Vygotsky (1998),

a influência dos conceitos científicos sobre o desenvolvimento mental da criança é análoga ao efeito da aprendizagem de uma língua estrangeira, um processo que é consciente e deliberado desde o início... No caso de uma língua estrangeira, as formas mais elevadas se desenvolvem antes da fala fluente e espontânea (Vygotsky, 1998).

Assim, podemos dizer que os alunos iniciam os estudos de LE já com

experiência prévia do que seja aprender uma matéria na escola e já com contato

prévio com a língua alvo, no que diz respeito a palavras ou expressões usadas em

situações do cotidiano ou mesmo em áreas específicas.

Em relação ao ensino/aprendizagem de LE, Vygotsky (1998) afirma que:

o êxito no aprendizado de uma língua estrangeira depende de um certo grau de maturidade na língua materna. A criança pode transferir para a nova língua o sistema de significados que já possui na sua própria. O oposto também é verdadeiro – uma língua estrangeira facilita o domínio das formas mais elevadas da língua materna.

Assim sendo, podemos estabelecer relações com os conceitos de ZRD e

de ZPD já apresentados, afirmando que o nível de desenvolvimento real da

criança em relação à aprendizagem de línguas é diferente para sua língua

materna e para a língua estrangeira. Portanto, pelo menos parte do que se pode

30

fazer para a formação dos conceitos científicos pode ser feito para o ensino de LE,

pois,

Não é de surpreender que exista uma analogia entre a interação das línguas materna e estrangeira e a interação dos conceitos científicos e espontâneos, já que ambos os processos pertencem à esfera de desenvolvimento do pensamento verbal. Entretanto, há diferenças essenciais entre eles. No estudo das línguas estrangeiras, a atenção centra-se nos aspectos externos, sonoros e físicos do pensamento verbal; no desenvolvimento dos conceitos científicos, centra-se em seu aspecto semântico. Os dois processos de desenvolvimento seguem trajetórias separadas, embora semelhantes (Vygotsky, 1998).

Assim, em relação à analogia apontada por Vygotsky (1998), podemos

então apontar que:

a) ao aprenderem uma LE e um conceito científico em ambiente escolar, os alunos

se valem dos conhecimentos que já têm de sua LM, dos conhecimentos sobre

situações de seu cotidiano e de conceitos cotidianos adquiridos;

b) ao se envolverem em atividades de linguagem em uma LE e estudarem um

conceito científico, vivenciam um processo de conscientização que pode levar à

aprendizagem do funcionamento dessas atividades em LM e podem reconstruir

seus conceitos cotidianos baseados nas novas experiências;

c) ao usarem seus conhecimentos em LM e conhecimentos de seus conceitos

cotidianos como instrumentos para seu desenvolvimento potencial, podem

reinterpretá-los, a partir de suas finalidades, para a LE e para os conceitos

científicos;

Nessa mesma linha de pensamento, de integração entre os conhecimentos

do ensino de LM e de LE, Nunes (2000) afirma que a análise para compreensão

da organização do discurso deve poder contar com a LM do sujeito como um

instrumento de apoio para a construção de novos conhecimentos. Também nós

desenvolvemos esse argumento, ao afirmarmos que o que propomos é que L1

seja tomada como instrumento de co-construção do conhecimento (Cristovão,

1996, p.137).

31

Adotando e desenvolvendo e pensamento vygotskyano, o interacionismo

sócio-discursivo defende a tese de que o comportamento humano é o resultado de

uma socialização particular capacitada por meio da emergência histórica de

instrumentos semióticos (Bronckart, 2003, p.78). Dessa afirmação decorre o

entendimento de que é nas atividades sociais em uma formação social que se

desenvolvem as ações de linguagem. Diferentemente da concepção (aristotélica)

de que as representações do mundo antecedem a linguagem, Bronckart (2003)

considera como primeiras as dimensões históricas e sócio-semióticas do

funcionamento humano. Portanto, não são as capacidades cognitivas do sujeito o

objeto primeiro de análise, pois o conhecimento é aprendido sempre em atividades

coletivas sociais e mediatizadas por interações verbais. Assim, se o pensamento

deriva da ação e da linguagem, o objeto de análise deve ser essas ações de

linguagem, relacionadas às representações do agente do contexto da ação, em

seus aspectos físicos, sociais e subjetivos.

A ação de linguagem integraria os parâmetros do contexto de produção e

do conteúdo temático que o agente/produtor de um texto mobiliza. A primeira

dessas mobilizações é a escolha de um gênero que o agente considere adequado

e eficaz para a situação que está vivendo. Para essa escolha, ele recorre ao

conjunto de gêneros disponíveis ao seu redor e decide por aquele que se

apresente como mais pertinente. Para compreendermos melhor este processo, na

próxima seção, apresento, primeiramente, a noção de gênero de Bakhtin, e, a

seguir, as decorrências de sua utilização no ensino.

1.2.2 A noção de gênero

Conforme se pode constatar facilmente, no decorrer da história humana

desenvolveram-se diferentes tipos de atividades sociais, nas quais foram

produzidos tipos diferentes de textos a elas adequados. Esses diferentes tipos de

textos são o que Bakhtin (1989; 2000) chama de gêneros do discurso, 'tipos

relativamente estáveis de enunciados’, caracterizados por um conteúdo temático,

32

um estilo (estruturação lingüística) e uma construção composicional (organização

textual e relação entre locutor e interlocutor). A esse conjunto dos gêneros

podemos chamar de intertexto, que é teoricamente constituído de um número de

gêneros infinito, já que a atividade humana, em tese, é também bastante variada.

Para Bakhtin (1989; 2000), os inúmeros gêneros existentes em uma

sociedade podem ser distinguidos entre os gêneros primários e secundários. Os

primários estariam relacionados às situações de comunicação oral e imediata,

como as conversas informais, ao passo que os secundários estariam relacionados

a situações de comunicação mais complexas e que implicariam a escrita, como o

gênero tese.

De acordo com Bakhtin (1989; 2000), a natureza do enunciado deve ser

estudada para que fique clara a formação histórica dos gêneros, a inter-relação

entre os gêneros primários e secundários e a "correlação entre língua, ideologia e

visões de mundo" (Bakhtin, 1989, p.282). Desconsiderar essa natureza é o mesmo

que abstrair a língua de seu contexto de produção e, portanto, desviar-se da ótica

proposta pelo sociointeracionismo que considera a língua como o instrumento de

mediação usado pelo ser humano para agir com a linguagem.

Entendemos, então, que o tema, a composição e o estilo influenciam

também a escolha dos itens lexicais que usamos, para uma adequação ao gênero

e à finalidade de nosso enunciado. Além disso, Bakhtin (1989; 2000) ressalta a

relação existente entre os enunciados e a idéia de que, diferentemente das

palavras e das orações, um enunciado tem relação com o locutor e com os

parceiros da cadeia de comunicação verbal, constituindo-se como um elo nessa

cadeia. Sua expressividade não advém do sistema da língua ou da realidade

objetiva, mas da significação das palavras escolhidas para dar sentido concreto ao

conteúdo do enunciado.

Essa relação de um enunciado com os outros enunciados envolve a relação

com enunciados que o precedem e com aqueles que o sucedem. Sua elaboração,

assim, é guiada para ir ao encontro de uma reação, de uma resposta. Entretanto,

muitos ainda consideram que o interlocutor é um receptor passivo, que não

interfere na mensagem, deixando-se de lado todo o processo de construção de

33

significado e de negociação de sentido na relação dialógica entre locutor e

interlocutor. Dessa forma, "o papel ativo do outro no processo da comunicação

verbal fica minimizado ao extremo" (Bakhtin, 2000, p.292). Ao contrário, segundo o

autor, a composição dos gêneros é determinada em função do destinatário. “É sob

uma maior ou menor influência do destinatário e da sua presumida resposta que o

locutor seleciona todos os recursos lingüísticos de que necessita” (Bakhtin, 2000,

p.326).

A importância que Bakhtin (2000, pp.301-302) dá aos gêneros na interação

e, portanto, à necessidade de seu aprendizado fica clara, quando o autor afirma

que: "As formas da língua e as formas típicas de enunciados, isto é, os gêneros de

discurso, introduzem-se em nossa experiência e em nossa consciência

conjuntamente e sem que sua estreita relação seja rompida. Aprender a falar é

aprender a estruturar enunciados".

Assim, em um ato de comunicação verbal, reconhecemos, identificamos e

usamos o gênero mais adequado àquela situação. Com esse saber construído,

distinguimos, logo no início de uma troca verbal, o gênero utilizado, seu tema, sua

estrutura composicional e, assim, a comunicação verbal é possibilitada. Do

contrário, teríamos que criar um gênero a cada ato de fala, o que inviabilizaria a

comunicação.

Outros autores têm seguido as premissas básicas do pensamento

bakhtiniano, apontando para a necessidade de seu estudo na escola. Dentre eles,

destacam-se Bronckart (2001; 2003), Schneuwly (1994), Dolz & Schneuwly

(1998), Magalhães & Rojo (1994), Machado (1994), etc.

Ressalte-se aqui que, embora alguns desses pesquisadores defendam a

utilização da expressão ‘gênero de discurso’, como sendo a mais fiel ao

pensamento bakhitiniano, a opção pela expressão gênero de texto como sinônimo

de gênero de discurso se apóia fundamentalmente em Bronckart (2003), assim

como em Dolz & Schneuwly (1998), como podemos observar em sua afirmação de

que “... gêneros de textos, maneira de formar os textos impostos no curso da

história, textos compostos geralmente de segmentos de discursos e que, para os

34

usuários da língua, constituem-se como modelos e instrumentos necessários para

suas atividades de escrita e leitura”, que é nitidamente de cunho bakhitiniano.

Dessa forma, o estudo de gêneros de texto na escola, como objeto de

ensino/aprendizagem, pode, como defendido por esses autores, criar condições

para a construção de conhecimentos lingüístico-discursivos necessários para as

práticas de linguagem em sala de aula. Sob o mesmo ponto de vista, Magalhães &

Rojo (1994) sustentam que “(...) os gêneros discursivos ou textuais são

tomados como objetos de ensino nos PCNs e são, portanto, responsáveis pela

seleção dos textos a serem trabalhados como unidades de ensino .” (grifos das

autoras)

É de se salientar ainda que esses gêneros não podem ser considerados

como sendo estáticos dado que vão sendo adaptados às situações sócio-

comunicativas, pois ao realizar uma ação de linguagem, o agente confronta suas

próprias representações da situação vivida com as representações já cristalizadas

por formações sociais outras.

Ora, se a definição de texto como dada por Bronckart (2003, p.77) é a de

que texto “designa uma unidade concreta de produção de linguagem, que

pertence necessariamente a um gênero, composta por vários tipos de discurso, e

que também apresenta os traços das decisões tomadas pelo produtor individual

em função da sua situação de comunicação particular”, não se pode, numa visão

interacionista sócio-discursiva, separar texto e contexto. Também a definição de

gênero dada pelo mesmo autor reforça a estreita inter-relação do texto com o

contexto:

... na noção de gênero de texto no decorrer deste século e, mais particularmente a partir de Bakhtin, essa noção tem sido progressivamente aplicada ao conjunto das produções verbais organizadas: às formas escritas usuais (artigo científico, resumo, notícia, publicidade, etc.) e ao conjunto das formas textuais orais, ou normatizadas, ou pertencentes à “linguagem ordinária” (exposição, relato de acontecimentos vividos, conversação, etc). Disso resulta que qualquer espécie de texto pode atualmente ser designada em termos de gênero e que, portanto, todo exemplar de texto observável pode ser considerado como pertencente a um determinado gênero. (Bronckart 2003, p.73)

35

Em síntese, articula-se aqui o que Bakhtin e Bronckart postulam sobre

gênero, o que serviu de base na elaboração do material didático para o ensino de

compreensão escrita em LE, voltado para o desenvolvimento de capacidades

lingüístico-discursivas envolvidas na leitura.

1.2.3 Gêneros e ensino

Parto da noção de gêneros como macro-organizadores enunciativos

(Schneuwly, 1994) para trabalhar com o desenvolvimento da compreensão de

textos por alunos de LE. Em relação aos gêneros, Dolz & Schneuwly (1998, p.6)

se propuseram a expor seu papel como articulador entre as práticas de linguagem

e os objetos de ensino. Para os autores, “As práticas de linguagem implicam

dimensões, por vezes, sociais, cognitivas e lingüísticas do funcionamento da

linguagem numa situação de comunicação particular”. (grifo dos autores)

Por isso, compreendem que o estudo dessas práticas está diretamente

relacionado à situação de ação de linguagem em que acontecem, já que o

contexto (produtor, destinatário, lugar, momento, objetivo) pode fazer variar as

características da organização social dos agentes de uma determinada

comunidade e o funcionamento da linguagem.

O gênero é tratado por eles como uma forma de articulação das práticas de

linguagem, uma vez que “é através dos gêneros que as práticas de linguagem

encarnam-se nas atividades dos aprendizes” (Dolz & Schneuwly, 1998, p.6). Além

disso, consideram que:

Os gêneros textuais, por seu caráter genérico, são um termo de referência intermediário para a aprendizagem. Do ponto de vista do uso e da aprendizagem, o gênero pode, assim, ser considerado um mega-instrumento que fornece um suporte para a atividade nas situações de comunicação e uma referência para os aprendizes. (Dolz & Schneuwly (1998, p.7)

Dentro dessa perspectiva, Schneuwly (1994) considera que a ação

humana é tripolar, envolvendo o sujeito, o objeto ou situação e os instrumentos de

36

mediação. Esse(s) instrumento(s), objeto(s) socialmente elaborado(s), media(m) a

atividade do sujeito sobre o objeto, e, ao mesmo tempo, a representa(m), a

materializa(m). Se o instrumento se transforma, a própria atividade que está

relacionada ao seu uso pode ser modificada.

As contribuições das pesquisas em uma perspectiva bakhtiniana dizem

respeito à concepção de linguagem construída na interação, inserida em uma

situação de produção e expressada em forma de gêneros e constituída por

discursos. O ensino/aprendizagem de linguagem, portanto deve se pautar por

práticas discursivas. A partir dessas considerações, dentre alguns

questionamentos, Magalhães & Rojo (1994) se indagam quais seriam os materiais

didáticos adequados a esta nova proposta. Sua questão é endereçada ao ensino

de língua portuguesa para o ensino fundamental. Da mesma forma, coloco a

questão para o ensino de LE no ensino fundamental. Muitas pesquisas sobre

ensino/aprendizagem de línguas têm seguido essa orientação para o ensino de

gêneros específicos. Complementando de forma prática essa orientação está a

concepção de que o ensino deve ser organizado na forma de seqüências

didáticas, noção que apresento a seguir.

1.2.4 Seqüência didática

A definição de seqüência didática, específica para o ensino/aprendizagem

de produção de textos, dada por Dolz & Schneuwly (1998, p.93) é a seguinte: “um

conjunto de módulos escolares organizados sistematicamente em torno de uma

atividade de linguagem dentro de um projeto de classe”. Tal atividade seria

constituída de uma produção inicial, feita sobre uma situação de comunicação que

orientaria a seqüência didática, e de módulos que levam os alunos a se

confrontarem com os problemas do gênero tratados de forma mais particular.

Como fechamento, haveria uma produção final. Esses três passos constituiriam o

projeto de classe.

37

A seqüência didática, proposta como instrumento para o ensino (Dolz &

Schneuwly, 1998), tem a vantagem de ser sistemática, pois apresenta-se como

um todo coerente de módulos de atividades, com adaptabilidade em função da

diversidade das situações de comunicação e das classes.

Durante a primeira etapa, constroem-se as representações da situação de

comunicação por meio da produção inicial. A atividade de linguagem em questão

seria o objeto de ensino/aprendizagem, que seria desenvolvido em duas

dimensões.

A primeira seria o projeto coletivo de produção de um gênero que se guiaria

pelas seguintes perguntas:

* Qual é a atividade de linguagem que será abordada?

* A quem se destina a produção?

* Em qual contexto de produção ela será produzida?

* Quem vai participar de sua produção?

A segunda dimensão envolveria o conteúdo, que já é apresentado aos

alunos na situação de comunicação dada. O papel da produção inicial é o de ser

instrumento de regulação e a primeira ocasião de aprendizagem, construindo-se

as representações da situação de comunicação. Por meio da produção inicial,

conhecem-se as capacidades de linguagem já existentes e as potencialidades dos

alunos, definindo-se a seqüência didática e motivando-se o aluno. Essa produção

inicial não precisa ser inteira, pode ser simplificada ou dirigida a um destinatário

fictício, regulando a seqüência didática e definindo as capacidades de linguagem a

serem desenvolvidas com o estudo do gênero.

Os módulos da seqüência didática seriam elaborados a partir da descrição

e definição dos problemas e dificuldades dos alunos e em relação às

características que devem ser ensinadas do gênero em questão. A escolha

desses módulos depende, assim, das capacidades dos alunos, do nível escolar,

do currículo e do gênero trabalhado. Outra influência sobre a construção dos

38

módulos seriam as características histórico-culturais particulares de cada classe,

que também determinaria intervenções didáticas diferenciadas.

Cada etapa pode apresentar atividades obrigatórias e outras facultativas. O

estatuto de facultativo dependerá da produção inicial dos alunos. Outra

possibilidade é a elaboração de exercícios complementares, criando-se múltiplas

possibilidades de adaptação da seqüência às necessidades da classe.

Assim, os alunos vão construindo também uma metalinguagem para

poderem falar sobre essas atividades. Finalmente, a produção final se caracteriza

como o lugar de integração dos saberes construídos e de instrumentos

apropriados.

Segundo Dolz & Schneuwly (1998), há alguns princípios para a construção

de seqüências didáticas para garantir sua eficácia de serem um guia para os

professores e um instrumento de trabalho para os alunos. Como guia, o material

deve explicitar as características do gênero que seriam ensinadas para um

determinado grupo de alunos, a natureza do trabalho, a lógica da progressão das

atividades e as propostas de avaliação. Como instrumento de trabalho, deve

conter atividades e instruções acompanhados de textos. Para garantir um trabalho

de colaboração entre professor e alunos, a construção das seqüências didáticas

deve incluir:

a) a definição de uma situação de comunicação na qual a produção inicial se

insere;

b) uma previsão de preparação de conteúdos;

c) a constituição de um corpus de textos apropriado;

d) a antecipação de possíveis transformações nas capacidades dos alunos;

e) uma organização geral de ensino que vá ao encontro das transformações

desejadas;

f) estratégias de ensino e atividades que contribuam para que os objetivos sejam

alcançados;

g) propostas de percursos e situações que levem a atingir os objetivos desejados.

39

Os autores (1998, pp.122-123) defendem ainda que “a realização concreta

de seqüências didáticas exige uma avaliação fina das capacidades de linguagem

dos alunos na aula, antes e durante o curso do ensino. Assim, os professores que

praticam tais seqüências devem adaptá-las aos problemas particulares de escrita

e oralidade de seus alunos”.

Para essa adaptação, o professor precisa intervir em diversos níveis de sua

prática. Em geral, precisa adaptar a escolha de gêneros e de situações de

comunicação, de acordo com as capacidades de seus alunos. Os objetivos devem

ser claramente delimitados no projeto de aprendizagem, bem como os módulos e

atividades devem ser propostos com base nas observações da produção inicial. A

aprendizagem pode ser ainda facilitada com a adaptação da seqüência didática ao

tempo de ensino que permita auto-regulação e auto-avaliação.

Considerando que essa proposta pode ser adequada para o ensino de

leitura em LE, sugerimos que as seqüências didáticas sejam organizadas a partir

de uma sensibilização do aluno às situações de comunicação em que a leitura do

gênero acontece, seguida de seções com atividades específicas de trabalho com

as características do gênero a serem ensinadas com a leitura de textos do gênero.

Nessas seções, haveria sistematização dessas características e atividades

voltadas para o desenvolvimento das capacidades de linguagem mobilizadas para

a construção de sentidos quando da leitura. Para finalizar, tarefas de consolidação

e de realização de um projeto seriam então apresentadas.

Em síntese, o quadro teórico sugerido para o ensino/aprendizagem de

línguas no contexto escolar envolve: a) uma concepção de linguagem considerada

em sua dimensão discursiva e sócio-histórica; b) uma concepção de

ensino/aprendizagem que se realiza em atividades sociais mediadas pela

linguagem com a participação do sujeito como agente; c) uma concepção de

leitura como um processo interativo de construção de sentido.

A seguir, apresentamos a concepção de leitura que também se constituiu

como base para nosso trabalho didático e científico referente ao desenvolvimento

da compreensão escrita.

40

1.2.5 O Ensino de Leitura em LE

Conforme relatado anteriormente por Nunes (2000), a leitura era vista como

simples decodificação de palavras, ou seja, com o intuito de chegar-se à

compreensão textual era necessário compreender o significado das palavras.

Dessa forma, a leitura só poderia ser atingida a partir do ensino do léxico ou de

estruturas gramaticais presentes nos textos.

Todavia, no final dos anos 50 e início dos anos 60, o ensino de inglês para

fins específicos (doravante ESP: English for Specific Purposes), através da

abordagem instrumental ao ensino de línguas, trouxe novas contribuições ao

ensino da leitura em Língua Estrangeira. Estudos nessa linha, com base na Teoria

dos Esquemas, também foram realizados por Carrell (1988), Widdowson (1983) e

Fantini (1997).

Uma das grandes contribuições dessa abordagem está relacionada à

mudança na visão de linguagem: de estrutural, através do estudo da gramática e

palavras isoladas, para funcional, através da abordagem comunicativa, visando a

função social da língua, conforme discutido por Vygotsky (1998) e Bakhtin (1989;

2000).

No Brasil, estudos sobre a abordagem instrumental ao ensino de línguas,

em específico do inglês, tiveram início em 1978, através do Projeto Nacional

Ensino de Inglês Instrumental em Universidades Brasileiras, liderado pela

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob coordenação da Profª Drª

Maria Antonieta Alba Celani. Esse projeto teve como foco o trabalho da leitura,

uma vez que foi esta a habilidade comunicativa identificada como necessária.

Entre outros aspectos, a abordagem instrumental ao ensino de línguas

introduziu a importância do uso de estratégias durante a leitura dos textos, em

oposição à decodificação de todas as palavras do texto. No Brasil, o Projeto

Nacional Ensino de Inglês Instrumental também teve como foco o emprego de

estratégias para o ensino/aprendizagem da leitura, que, até então, eram

desconhecidas; o que trouxe implicações para os professores universitários que

ministravam o curso, conforme aponta Kleiman (1994, p.39):

41

para um grande número de graduandos, o ensino de leitura em LE envolvia o aprendizado daquelas estratégias pela primeira vez, e para o professor de inglês, (tal ensino) envolvia tornar-se um professor de leitura.

Muitos autores referiram-se ao uso de estratégias gerais ou de leitura. Nos

parágrafos seguintes, fazemos uma sucinta revisão dessas referências. Ramos

(1992) também defende o uso de estratégias para o ensino de línguas em geral.

Em suas palavras (1992, p.153):

As estratégias são igualmente de valia para o ensino de línguas em geral, uma vez que podem fornecer contribuições não só para a prática do ensino da leitura, mas também para o próprio aluno que se defronta com um texto em língua estrangeira.

Rubin (1985) relacionou o uso de estratégias ao ensino de leitura com

eficiência. Segundo a autora, o bom aprendiz é aquele que emprega diversas

estratégias, constituindo-se como um bom adivinhador, capaz de inferir o

significado através de palavras-chave.

Além disso, o bom aprendiz é aquele que busca pistas que possam

contribuir para construção do significado (título, tópico e atitude do autor), arrisca-

se com mais freqüência, utiliza seu conhecimento prévio para facilitar a

compreensão e, finalmente, prioriza a comunicação. Silberstein (1987) enfatizou a

importância do professor na identificação das estratégias utilizadas pelo bom

aprendiz, a fim de ajudar o aprendiz menos eficiente a empregá-las, tornando-o,

por conseguinte, um bom aprendiz.

Oxford (1990) referiu-se ao uso geral de estratégias como parte da

competência comunicativa do aprendiz de uma língua. A competência estratégica,

segundo a autora, é a habilidade de usar gestos ou mecanismos, tais como

inferências sobre palavras desconhecidas, a fim de superar as limitações

encontradas durante a aprendizagem. Complementa dizendo que as estratégias

são ações orientadas à resolução de um problema, embora nem sempre possam

ser observáveis. Além disso, postula que as estratégias são freqüentemente

utilizadas de forma consciente e podem ser ensinadas (Oxford, 1990, pp.7-9). No

42

entanto, surge uma questão: como poderia uma estratégia ser “freqüentemente

utilizada de forma consciente”? Quais seriam as outras possibilidades para o

emprego de estratégias?

Assim, julgo ser de extrema importância a criação de espaços para que o

professor torne-se um intelectual transformador, no sentido de ter a oportunidade

de fazer escolhas informadas sobre quando utilizar livros didáticos ou textos

autênticos, conscientizando-se sobre o fato de que os conteúdos abordados

nesses textos deverão contribuir para a (re)construção conjunta de significados,

através de questionamentos e criação de espaços para discussão, contribuindo,

dessa forma, para a constituição da cidadania.

Uma vez constatada a importância 1) de (auto)questionamentos, 2) da

conscientização e 3) da reflexão, buscamos nas estratégias de leitura, na visão

interacional de leitura e nos pressupostos teóricos do interacionismo sócio-

discursivo possibilidades de (re)construção conjunta de significados no

ensino/aprendizagem da leitura em L.E

43

2 LEITURA E COMPREENSÃO TEXTUAL

A Arte de Ler O leitor que mais admiro é aquele que não chegou até a presente linha. Neste momento já interrompeu a leitura e está continuando a viagem por conta própria. (Mário Quintana, 1973)

2.1 O que é compreensão textual

Compreender um texto escrito significa extrair a informação necessária da

maneira mais eficiente possível. Por exemplo, aplicamos diferentes estratégias de

leitura quando olhamos a página de classificados de um jornal à procura de um

tipo particular de apartamento e quando cuidadosamente lemos um artigo

científico de especial interesse. Entretanto, localizar o classificado relevante e

compreender a nova informação contida no artigo demonstra que o objetivo de

leitura foi alcançado com sucesso. No primeiro caso, um leitor competente

rapidamente rejeitará a informação irrelevante e encontrará o que está

procurando. No segundo caso, não é suficiente entender a idéia geral do texto:

uma compreensão mais detalhada é necessária. É, portanto, essencial levar estes

elementos em consideração.

2.1.1 Por que lemos

De acordo com Grellet (1989, p.4), há duas principais razões para a leitura:

* ler por prazer;

* ler por informação (para encontrar algo ou para fazer algo com a

informação que se tem)

44

2.1.2 Como lemos

Abaixo temos os principais modos de ler, ainda de acordo com Grellet.

Segundo Grellet (1989, p.4), as principais maneiras de leitura são:

* Leitura rápida para obter a idéia central do texto (Skimming).

* Leitura rápida para buscar uma informação específica (Scanning).

* Leitura extensiva: ler textos mais longos, geralmente por prazer. Esta

atividade geralmente envolve uma compreensão global.

* Leitura intensiva: ler textos mais curtos à procura de detalhes.

Esses modos de leitura muitas vezes acontecem simultaneamente. Por

exemplo, freqüentemente passamos os olhos sobre um texto para identificar seu

conteúdo (Skimming) antes de decidirmos se vale a pena procurar um parágrafo

particular para a informação que procuramos (Scanning).

Segundo Nunan (1992), há quatro tipos de leitura:

* Receptiva (rápida e automática);

* Reflexiva (envolvendo a reflexão sobre se está lendo);

* Leitura rápida (conhecida como “Skimming”, ler para se ter uma idéia

geral do texto);

* Leitura em busca de informações específicas (conhecida como

“Scanning”).

Vamos agora observar com mais detalhes a leitura e o processo de

comunicação, para melhor compreensão do processo de ler em língua

estrangeira.

45

2.2 Leitura com um objetivo específico

Nuttall (1996, p.3) diz que excluindo-se a leitura que objetiva o aprendizado

da língua, é muito improvável que se esteja interessado na pronúncia do que se lê,

e mais improvável ainda que se esteja interessado nas estruturas gramaticais

usadas. Lemos porque queremos obter algo do texto. A autora refere-se a esse

“algo” como “mensagem”. Sua visão de leitura é essencialmente relacionada ao

significado, especificamente como a transferência de significação de mente para

mente: a transferência de uma mensagem do autor para o leitor. Sem ser tão

simples quanto se imagina, ela explora como se obtém o significado pela leitura, e

como leitor, autor e texto contribuem para esse processo (Nuttall, 1996, p.3).

2.3 A Leitura e o Processo de Comunicação segundo N uttall

Utilizaremos neste item figuras do capítulo 1 (“What is reading”: O que é

leitura) do livro Teaching Reading Skills in a Foreign Language, de Christine

Nuttall (1996).

Figura 1 O processo de comunicação

(Nuttall, 1996, p. 4)

46

Do lado esquerdo está o emissor/codificador/autor/falante, que vai codificar

sua mensagem. Uma vez codificada, essa mensagem estará disponível em um

texto, que estará acessível a outrem. Após ser decodificada, a mensagem entra na

mente do receptor/decodificador/leitor/ouvinte, e o processo de comunicação está

completo.

Este modelo é obviamente muito simples e erros podem ocorrer a qualquer

momento, por isso há uma interrogação na mente do receptor: nunca poderemos

ter certeza de que ele recebeu a mensagem pretendida. Contudo, o processo é

claro o suficiente para dizermos que ler significa retirar do texto tanto quanto

possível da mensagem que o autor escreveu.

Figura 2 Uma visão de leitura

(Nuttall, 1996, p. 5)

O texto é cheio de significado como uma jarra de água; a mente do leitor

absorve-o como uma esponja. O papel do leitor é passivo nessa visão, que

devemos rejeitar, porque isso raramente corresponde à realidade. Infelizmente, o

fato de que a mensagem esteja no texto não é garantia de que o leitor poderá

compreendê-la por completo. Sabemos por experiência que um texto pode

parecer fácil para uns, mas difícil para outros.

47

É importante que leitor e autor tenham certas coisas em comum: o mínimo

que se pede é que eles compartilhem um código, no caso em questão, a língua.

Caso contrário, as dificuldades são enormes.

Figura 3 Pressupostos e comunicação

(Nuttall, 1996, p. 7)

Esta é uma maneira simples de mostrar como, para quaisquer duas

pessoas, algumas experiências são compartilhadas enquanto outras não. Na área

comum está todo o conhecimento – inclusive da língua – que eles compartilham.

Isto também inclui coisas intangíveis como atitudes, crenças, valores e todos os

não ditos compartilhados por pessoas criadas numa mesma sociedade.

2.3.1 O papel do esquema

Os tipos de suposição que fazemos sobre o mundo dependem do que

vivenciamos e de como nossas mentes organizaram o conhecimento que

obtivemos a partir de nossas experiências. Uma maneira útil de se pensar sobre

isso é dada pela teoria do esquema. Nuttall (1989, p.7) descreve esquema (em

inglês, schema; plural schemata) como uma estrutura mental. É uma estrutura

porque é organizada, inclui relações entre as partes. É um conceito útil para

48

entendermos como somos capazes de interpretar textos. A autora diz que “a

maneira que interpretamos depende dos esquemas ativados pelo texto; e

conseguirmos interpretá-lo com sucesso depende do fato de nossos esquemas

serem suficientemente semelhantes ao do autor” (“The way we interpret depends

on the schemata activated by the text; and whether we interpret successfully

depends on whether our schemata are sufficiently similar to the writer´s”; Nuttall:

1989, p.7; tradução minha). A Teoria dos Esquemas segundo Widdowson é objeto

de estudo do próximo capítulo.

2.3.2 Compreensão total?

Quanto maior a área compartilhada entre leitor e autor (ver Figura 3), mais

fácil será a comunicação. Leitores cuja nacionalidade difere da do autor podem

esperar mais dificuldades na compreensão de textos. Contudo, mesmo que

compartilhe a nacionalidade com o autor, o leitor poderá encontrar dificuldades de

interpretação. Isso parece inevitável, pois todos nós – não importando o quanto

temos em comum – temos experiências diferentes que nos fazem ver as coisas de

diferentes maneiras.

2.3.3 O papel ativo do leitor

Podemos, então, compreender por que o modelo de leitura da Figura 2 não

é satisfatório. O significado não está latente no texto esperando passivamente

para ser absorvido. Pelo contrário, o leitor está ativamente envolvido nesse

processo. Um modelo como a Figura 4 está mais próximo da verdade, pois mostra

uma visão de leitura na qual o leitor pode ser visto aproximando-se ativamente do

significado. O leitor à esquerda não está encontrando dificuldade para interpretar o

texto – o significado está bastante claro, ele tem muitas coisas em comum com o

49

autor e poucos problemas com a língua. Para o leitor à direita, contudo, o mesmo

texto parece ser muito difícil, pois ele tem que lutar para obter o significado, e não

está certo a respeito da rota a ser percorrida. Ele traz muito pouco para a tarefa e

seu caminho é continuamente bloqueado por problemas como vocabulário

desconhecido, ignorância dos fatos, entre outros. Contudo, este leitor à direita não

está sentado nem desesperado. Ele tem consciência de que está encontrando

problemas, mas equipou-se para a jornada. E sabe que a realização desta tarefa

envolve seus próprios esforços, assim como os do autor: esta é uma tarefa que

exige cooperação de ambos os lados.

Figura 4 Uma outra visão de leitura

(Nuttall, 1996, p. 9)

2.3.4 Leitura como interação

Quando conversamos, contamos uns com os outros: cada participante

confia que certas regras não ditas serão seguidas. Essas regras são os princípios

de cooperação. Em relação à leitura, o leitor supõe que:

* ele e o autor estão usando o mesmo código (a mesma língua);

50

* o autor tem uma mensagem;

* o autor quer que ele, leitor, entenda a mensagem.

O autor faz suposições semelhantes, e uma delas é a de que o leitor terá

boa vontade para chegar ao significado. Se um deles falhar, a comunicação falha.

Se o autor falhar, pode ser impossível decodificar a mensagem. Se o leitor falhar,

o resultado é semelhante: a interpretação é incompleta ou distorcida. Em ambos

os lados, a falta de suposições compartilhadas parece ser o problema mais

comum, porém nem sempre reconhecido. O leitor tenta atribuir um sentido ao

texto em termos de seus próprios esquemas, e pode levar um longo tempo até

que ele seja forçado a reconhecer que estes diferem dos do autor. De acordo com

esta visão, “ler é um processo interativo – como conversar – porque tanto o leitor

como o escritor dependem um do outro”(“Reading is an interactive process – as

conversation is – because both reader and writer depend on one another; Nuttall,

1989, p.11; tradução minha ).

2.3.5 Dando significado ao texto

O autor tem uma vantagem sobre o falante: ele tem tempo para ajudar o

leitor fazendo o texto o mais direto possível. O leitor também tem tempo à sua

disposição: ele pode parar e pensar, voltar e verificar uma passagem anterior,

reler partes difíceis. O leitor cuidadoso deveria ser capaz de reconstruir a maior

parte das suposições sobre as quais o texto se baseia. Para fazer isso ele deverá

acessar as evidências – escolha de palavras, seleção dos fatos etc. – e retirar as

inferências apropriadas, para que ele obtenha a mensagem pretendida e não a

mensagem que ele talvez esperasse. Tudo isso sugere que a leitura seja mais

como o processo mostrado na Figura 5.

51

Figura 5 O texto como um manual “faça-você-mesmo”

(Nuttall, 1996, p. 11)

O texto funciona como um manual de instrução “faça-você-mesmo”. A

mensagem na mente do autor são as perfeitas peças dos móveis. O processo de

separá-las em suas partes e empacotá-las em uma caixa com instruções para

montagem é um pouco como o processo de transformar pensamentos em

palavras e organizá-los em um texto coerente.

2.3.6 Estratégias de Leitura

Descrevem-se abaixo algumas das estratégias de leitura sugeridas por

Nuttall (1982; 1996).

2.3.6.1 Estratégias de Leitura segundo Nuttall

* Previsão (Prediction) para ativação dos esquemas

A experiência do leitor o ajuda a prever o que o autor vai dizer. Um leitor

que compartilhe muitas das suposições do autor será capaz de pensar junto com

este e usar sua própria experiência para solucionar dificuldades.

52

A previsão é importante porque ela ativa a schemata, isto é, ela chama à

mente quaisquer experiências e conhecimentos associados que se tenha sobre o

tópico do texto. Conforme já dito, nós fazemos uso de nossos esquemas para

interpretar um texto. Se os esquemas relevantes são ativados, prontos para uso,

podemos entender um texto mais facilmente. Os esquemas ativados são também

mais prontamente disponíveis para serem modificados por idéias novas: em outras

palavras, nós aprenderemos melhor.

A previsão começa no título. Pode-se determinar o tipo de texto a ser lido,

em que o aluno ativa seus esquemas de tipos e gêneros textuais, o que inclui

expectativas sobre a maneira pela qual o texto é organizado, a formulação de

hipóteses que serão confirmadas, rejeitadas ou refinadas com a subseqüente

leitura. Essas expectativas limitam o número de coisas a serem investigadas, por

isso a leitura é mais eficiente.

* Confirmação, rejeição ou acomodação das hipóteses levantadas;

* Estudo de títulos e cabeçalhos;

* Informação bibliográfica sobre o autor;

* Skimming e Scanning;

* Estudo das convenções gráficas (layout, margens, espaço entre palavras,

fontes, maiúsculas e minúsculas, etc.);

* Pontuação;

* Análise de elementos não verbais (figuras, gráficos, tabelas, símbolos

etc.).

Pudemos constatar, assim, as visões de Nuttall sobre o processo de leitura

em língua estrangeira e as estratégias e procedimentos de análise de texto que

ela sugere para uma compreensão textual mais efetiva.

53

Modos de processamento de texto segundo Nuttall

Abaixo descrevem-se as abordagens indicadas por Nuttall (1982; 1996) nos

modelos sociointeracionais de leitura.

A abordagem descendente (the top-down approach)

Nesta abordagem, nós fazemos uso de nossa própria inteligência e

experiência – as previsões que nós podemos fazer, baseadas nos esquemas que

adquirimos – para entendermos o texto. Este tipo de processamento é usado

quando nós interpretamos suposições e fazemos inferências. Nós usamos tal

abordagem conscientemente quando tentamos apreender o objetivo geral do

texto, ou obter uma idéia do padrão argumentativo do texto, a fim de formular uma

hipótese para o próximo passo.

Nós podemos comparar esta abordagem à visão da águia sobre uma

paisagem. A uma grande altura, a águia pode ver uma extensa área abaixo; ela

compreende a natureza de todo o terreno, seu padrão geral e as relações entre as

várias partes do todo, melhor que um observador no chão.

Figura 6 O processo descendente (a abordagem descendente)

(Nuttall, 1996, p. 12)

Um leitor adota a visão da águia quando ele considera o texto como um

todo e relaciona-o ao seu próprio conhecimento e às suas experiências. Isto o

capacita a predizer o objetivo do autor, seus prováveis argumentos, e então usar

54

esta estrutura para interpretar as partes difíceis do texto. Esta abordagem dá um

senso de perspectiva e faz uso de tudo o que o leitor traz para o texto:

conhecimento prévio, senso comum, etc, o que às vezes não é valorizado em sala

de aula.

A abordagem ascendente (the bottom-up approach)

Na abordagem ascendente, o leitor constrói o significado a partir do texto:

reconhecendo letras e palavras, trabalhando na estrutura das sentenças. Nós

podemos fazer uso consciente desta abordagem quando a leitura inicial de um

texto nos deixa confusos. Isto pode ocorrer quando nós não entendemos a

mensagem do texto, quando nosso conhecimento de mundo é inadequado, ou se

o ponto de vista do autor é muito diferente do nosso. Neste caso, nós podemos

examinar minuciosamente o vocabulário e a sintaxe para termos certeza de que

entendemos o significado corretamente. Então esta abordagem pode ser usada

como corretivo à “visão de túnel” (ver as coisas apenas de nosso limitado ponto de

vista).

A imagem da abordagem ascendente pode ser a de um cientista com uma

lupa examinando um detalhe – uma pequena parte da paisagem que a águia

contempla.

Figura 7 O processo ascendente (a abordagem ascendente)

(Nuttall, 1996, p. 12)

55

O cientista desenvolve uma compreensão detalhada daquela pequena área

(que pode representar uma sentença no texto); porém somente alcança a

compreensão total se combinar essa compreensão com o conhecimento das

áreas adjacentes e do terreno inteiro, para que os efeitos de um sobre o outro

sejam possam ser reconhecidos. Em outras palavras, as abordagens descendente

e ascendente são usadas para se complementarem.

A interação das abordagens descendente e ascendente

Na prática o leitor continuamente muda de um foco para o outro, ora

adotando a abordagem descendente para predizer o provável significado do texto,

ora movendo-se para a abordagem ascendente para verificar se é isto o que o

autor realmente quis dizer. A isto se chama “leitura interativa”, na qual ambas as

abordagens podem ser utilizadas por escolha consciente, e ambas são

importantes estratégias de leitura. A interação desses dois processos capacita o

leitor a negociar o significado do texto com o escritor.

2.3.6.2 Estratégias de Leitura segundo Grellet

* Estudo da apresentação do texto: título, figuras, etc.

* Formulação de hipóteses sobre conteúdo e funções.

* Antecipação de onde olhar para confirmar hipóteses.

* Leitura rápida.

* Confirmação ou revisão de hipóteses.

* Mais previsões.

* Segunda leitura para mais detalhes.

56

Resumo deste tipo de abordagem: Quadro 1 Resumo das estratégias de leitura segundo Grellet

(organizado pela autora) 2.3.7 Os três modelos de leitura segundo Nunes (20 00)

A bibliografia sobre leitura tem-se voltado muito mais para investigações

sobre o processo de ler, o preparo do material didático, os objetivos de leitura, do

que para o professor. A visão de leitura tem sofrido inúmeras mudanças, e as

próprias pesquisas sobre o ato de ler têm uma história recente. Mais

precisamente, só após a década de cinqüenta, realmente, os conhecimentos

sobre leitura tomaram forma de modelos teóricos explícitos, distinguindo-se cada

um deles no que se refere ao processamento da informação e ao envolvimento

leitor/texto: modelo de decodificação; modelo psicolingüístico e modelo

sociointeracional.

Estudo da apresentação

do texto: título, figuras,

etc.

Formulação de hipóteses

sobre conteúdo e

funções

Antecipação de onde olhar para confirmar

hipóteses

Leitura rápida

Confirmação ou revisão de

hipóteses

Mais previsões

Segunda leitura para

mais detalhes

57

1- No primeiro, o sentido é inerente ao texto, e envolve uma concepção

logocêntrica da linguagem. Leitura é uma habilidade passiva, em que se espera

que o leitor decodifique o significado de cada palavra. O fluxo da informação é

visto como ascendente, do texto para o leitor. Se o significado não depende da

contribuição do leitor, o texto é olhado como um universo em si, e o sentido é

monológico, exato. Ler passa a ter um sentido, o de associar a palavra ao seu

significado, por mediação fonológica, visual ou pela língua materna.

2- Quanto ao modelo psicolingüístico, o significado não é visto como exato,

o texto tem como papel ativar o processo de atribuição de sentido, que depende

da contribuição do leitor: este é quem atribui coerência ao texto. O fluxo da

informação é descendente, do leitor para o texto. No ato de ler, há uma recriação

do significado por meio do leitor, que é ativo: ele planeja, decide, coordena

habilidades e estratégias, traz para o texto expectativas, informações, idéias,

crenças, seleciona pistas significativas, formula ou confirma hipóteses.

3- Pesquisas atuais mostram tanto a leitura quanto a aprendizagem como

resultantes de procedimentos sociointeracionais. Este modelo de leitura é

interacional no sentido de que é derivado de uma visão interacional do fluxo da

informação – na linha de teorias de esquema; e do discurso, entendido aqui como

o processo comunicativo entre leitor e escritor na negociação do sentido do texto.

Assim, o sentido é criado através da interação entre autor, leitor e texto. Nessa

visão de leitura, o significado não é intrínseco ao texto, mas é construído pelos

participantes do discurso. Este tem sentido potencial, que o leitor reconstrói por

meio de sua interação com o texto e baseando-se em pistas fornecidas pelo autor

e em seu conhecimento prévio. Pode, portanto, variar de leitor para leitor. O fluxo

da informação é bidirecional: ascendente (do texto para o leitor) e descendente

(do leitor para o texto).

Abaixo vê-se um quadro que contém resumidamente as visões do processo

de leitura em língua estrangeira segundo Nunes (2000).

58

Quadro 2: Visões do processo de ler em língua estra ngeira segundo Nunes

LEITURA – MODELO / CONCEITO

O LEITOR PAPEL DO PROFESSOR

1. Antes do século XX - Leitura subordinada à fala, estudo da fonética

- Uso da leitura para ensinar a escrever

2. Após o século XX - Atividade silenciosa / individual

- Sentido passando pela língua materna

- Tradutor modelo - Supervisor de tradução

- Responsável pela aprendizagem

ÚLTIMOS 30 ANOS DE PESQUISA SOBRE LEITURA

2.1. Modelo de decodificação

- Sentido inerente ao texto - Visão logocêntrica da

linguagem - Habilidade passiva,

receptiva - Fluxo da informação do

texto para o leitor

- Professor “expert”

- Fonte de conhecimento, informação

- Sentido exato, monológico

2.2. Modelo psicolingüístico

- Processo de atribuição de sentido

- Leitor ativo, planeja, decide, coordena, seleciona pistas

- Fluxo da informação do leitor para o texto

- Ênfase ao trabalho individual do aluno

- Cabe ao professor ajudar o aluno a

desenvolver estratégias - Controle de intervenção

2.3. Modelo sociointeracional

- Resultado de procedimentos

sociointeracionais - Sentido construído pelos

participantes - Reconstrução através de

interação - Processo comunicativo

- Fluxo da informação nos dois sentidos T→L e L→T

- Professor consultor - Autoridade sem

autoritarismo - Dar conta da pluralidade

de sentidos e da intersubjetividade

- Equilibrar situação de assimetria em poder e

conhecimento

(Organizado pela autora para melhor visualização)

� →→→→

→→→→ �

59

2.4 Considerações sobre o uso das estratégias de le itura em LE

Nesta pesquisa, considero que para a leitura de textos em LE o uso de

estratégias por si só não é suficiente, conforme discutido por Scott (1986). Assim

como ele, reconhecemos a importância da conscientização do uso das estratégias

durante a leitura na sala de aula, ou seja, o aluno precisa entender o porquê, o

para quê e como poderá utilizar tais estratégias, posteriormente, num contexto real

de comunicação, ou seja, fora da sala de aula.

Segundo Freire (1997), a conscientização não se restringe apenas ao

reconhecimento de uma situação, mas sim a um plano de ação que implica

transformar o modo de percepção da realidade. Há necessidade de agir

criticamente sobre a situação. Faz-se necessário investigar o modo de pensar dos

homens, que os levará à superação. A produção de idéias, em oposição à simples

aceitação delas, possibilitará ao homem superar-se na medida em que transforma

a sua própria forma de agir no mundo. Isso se dará através da comunicação, que

é mediada pela linguagem. Portanto, é na linguagem e pela linguagem que o

homem poderá transformar o mundo através de sua ação. Freire (2001) defende a

instituição de uma educação como prática da liberdade, em oposição à educação

bancária. O termo “bancária” está relacionado ao depósito de informações em um

“banco”, neste caso, a consciência, através do qual os homens passam a ser

somente espectadores e não agentes do mundo. Esse depósito passa a ser o

conteúdo e o modo pelo qual o homem vê e se vê no mundo; o homem é

adaptado ao mundo que vê.

Sendo assim, o que podemos notar na grande maioria dos casos e, em

específico, no contexto de nossas escolas da Rede Pública, é que o desempenho

dos educandos é tido como objeto controlado, testado a partir da leitura dos textos

que, por sua vez, são vistos apenas como depósitos de palavras a serem

decodificadas. E quanto aos professores, infelizmente, muitos ainda atuam como

técnicos obedientes, fiéis aos conteúdos a serem trabalhados na sala de aula,

pouco se questionando sobre a importância de tais conteúdos na vida social dos

alunos.

60

No que se refere ao ensino/aprendizagem da leitura em LE, em muitos

contextos nota-se somente a utilização de textos do livro didático, em sua maioria

reduzidos e simplificados para fins pedagógicos. Por conseguinte, os papéis

sociais na sala de aula ficam restritos, pois ao professor cabe apenas recuperar o

que está escrito através de perguntas e respostas e, ao aluno, memorizar

respostas prontas, que provavelmente serão esquecidas num futuro próximo, uma

vez que poderão não ter ligação com sua vida diária. Há, nesse sentido, apenas

uma leitura legítima para o texto (Kleiman & Moraes, 2002, pp.66- 67). Tal fato, a

meu ver, contribui para a consolidação de uma prática “bancária” do ensino da

leitura.

Por outro lado, Freire (1997) acredita que a educação como “prática da

liberdade” nega o homem totalmente desligado do mundo. Através da

problematização, novos desafios surgem, bem como a compreensão desses

desafios. Nas palavras de Freire (1997, p.71):

Enquanto, na concepção “bancária” – permita-se-nos a repetição insistente –, o educador vai “enchendo” os educandos de falso saber, que são os conteúdos impostos, na prática problematizadora, vão os educandos desenvolvendo o seu poder de captação e de compreensão do mundo que lhes aparece, em suas relações com ele, não mais como uma realidade estática, mas como uma realidade em transformação, em processo.

A educação problematizadora promove um novo modo de pensar,

propiciando momentos para a reflexão, através da qual o homem passa a ver a si

próprio nas suas relações com o mundo. Portanto, a reflexão leva à

conscientização e esta, por sua vez, abre caminho para novas reflexões; o

movimento é cíclico. O contexto escolar deve promover espaços para que essa

conscientização aconteça, por isso esta pesquisa sugere a criação de tais

espaços para estimular a conscientização sobre o processo de leitura.

Com essa prática o aluno tem a possibilidade de construir novos

conhecimentos a partir de conhecimentos já existentes e de que faz uso em sua

língua materna, conforme já defendido por Jespersen (1904, pp.66-67) e citado

pelos PCN-LE (1998, p.32) :

61

No que se refere aos conhecimentos que o aluno tem de adquirir em relação à língua estrangeira, ele irá se apoiar nos conhecimentos correspondentes que tem e nos usos que faz deles como usuário de sua língua materna em textos orais e escritos. Essa estratégia de correlacionar os conhecimentos novos da língua estrangeira e os conhecimentos que já possui de sua língua materna é uma parte importante do processo de ensinar e aprender a língua estrangeira.

Nessa mesma perspectiva, surge a necessidade de desenvolverem-se

formas de aprendizagem através das quais haja a possibilidade de criticar,

investigar e questionar. Nesse sentido, educadores e educandos poderiam

participar conjuntamente da (re)construção de significados, relacionando suas

histórias individuais ao processo coletivo de aprendizagem.

Freire afirma ainda que os professores não deveriam somente estar

preocupados com o progresso dos alunos, mas sim com o fato dos alunos

poderem interpretar o mundo, criticá-lo e, caso seja necessário, transformá-lo.

Conforme mencionado anteriormente, tal transformação se dará através do

questionamento sobre o que ensinar, como ensinar e quando ensinar, utilizando

formas pedagógicas que propiciem a problematização, através de um diálogo

crítico.

Neste trabalho, a importância da reflexão e dos questionamentos sobre o

processo de ensino/aprendizagem da leitura na sala de aula é verificada através

do arcabouço teórico adotado para o preparo consciente do material didático a ser

usado na prática educativa em sala de aula de leitura.

Quanto ao ensino/aprendizagem da leitura em LE, além da importância da

criação de espaços para questionamentos, esta pesquisa também defende o

estabelecimento de propósitos específicos para a leitura de textos, através de

tarefas específicas. Segundo os PCN-LE, (1998, p.88):

O essencial é que a tarefa tenha propósitos claramente definidos e que o foco esteja na atividade ou num tópico e não em um aspecto específico do sistema lingüístico, ou seja, que o foco esteja mais no significado e na relevância da atividade para o aluno do que no conhecimento sistêmico envolvido.

Em caso de não estabelecimento de propósitos através de tarefas, o aluno

tenderá a concentrar a leitura em todas as palavras do texto, conforme já discutido

62

por Willis (1996, p.72). Segundo Scott (1986), perdemos a noção do todo quando

focamos em palavras isoladas no texto.

“Lemos para compreender o significado e não para aprender palavras ou

gramática”, diz Scott (1986, p.12). Portanto, sem o estabelecimento de propósitos

para a leitura, o texto passará a ser visto como fonte de palavras ou conceitos

gramaticais, a serem depositados nas cabeças dos alunos, contribuindo, dessa

forma, para a educação bancária (Freire, 1997) que por sua vez, não propiciará

espaços para questionamentos ou mudanças em suas visões de mundo.

Portanto, a utilização de diversos tipos de textos na sala de aula contribuirá

para o aumento do conhecimento intertextual do aluno, além de mostrar os

propósitos pelos quais os indivíduos agem na sociedade.

Uma vez tomadas as decisões referentes ao tipo de texto a ser utilizado, o

professor deverá voltar-se para o desenvolvimento das capacidades de

linguagem, enquanto instrumentos mediadores de ação, contribuindo para a

compreensão de um texto. O aluno, por sua vez, integrará seus conhecimentos

prévios a outros conhecimentos, construindo, dessa maneira, novos

conhecimentos.

Apoiados nos construtos teóricos do Interacionismo Sócio-Discursivo

(doravante ISD), Dolz & Schneuwly (1998) conceituam capacidades de linguagem

em três categorias, a saber:

* Capacidades de ação: referentes aos conhecimentos construídos sobre

os mundos físico, social e subjetivo, identificáveis no texto através do

contexto de produção e levantamento do conteúdo temático;

* Capacidades discursivas: referentes aos mecanismos discursivos que

sinalizam a organização do conteúdo temático, através dos tipos de

discurso e seqüências;

* Capacidades lingüístico-discursivas: referentes aos mecanismos textuais

utilizados para a organização dos tipos de discurso e seqüências, tais

como: conectivos, coesivos verbais, coesivos nominais.

63

Dolz & Schneuwly (1998) trabalharam com o conceito de capacidades

visando à produção textual e destacaram a importância do desenvolvimento das

capacidades de linguagem na compreensão escrita. Ao explorar-se a situação de

produção dos textos (do que trata o texto, onde foi publicado, quem fez o texto,

para quem e para que), o leitor, baseando-se em seu conhecimento de mundo

(PCN-LE, 1998), emprega capacidades de ação, utilizando, modificando e

construindo conhecimentos que possibilitam a compreensão textual.

Além disso, o leitor mobiliza conhecimentos sobre a estrutura lingüística

(léxico, gramática, funcionamento das unidades lingüísticas e expressões verbais)

e conhecimentos sobre a estrutura textual. Nas palavras de Dolz & Schneuwly

(1998):

Para o leitor, compreender pressupõe poder estabelecer relações significativas entre o que sabe, o que viveu ou experimentou, o que o texto traz e o contexto no qual a leitura se realiza. Se compreendemos é porque somos capazes de selecionar e mobilizar esquemas de conhecimento, de valorizar a plausibilidade das informações contidas e de integrar as novas informações nos esquemas pré-existentes que são conseqüentemente, modificados. Nesse sentido, a leitura permite não apenas compreender mas sobretudo ampliar as capacidades prévias, isto é, aprender e modificar a ação comunicacional.

Dessa forma, acredito que a orientação para o reconhecimento de itens

gramaticais e lexicais semelhantes aos da língua materna é bastante útil para a

compreensão do texto. O aluno certamente encontrará novas informações no texto

que poderão ser integradas ao conhecimento que já possui, uma vez que há

relacionamento contínuo das informações que estão sendo processadas no ato da

leitura com as que já foram processadas anteriormente. Isso poderá ser possível

através do desenvolvimento das capacidades lingüístico-discursivas, utilizando-se

o conhecimento sistêmico (PCN-LE, 1998).

Já o emprego das capacidades discursivas, através da observação da

organização textual/distribuição gráfica do texto, possibilita ao aluno fazer uso de

seu conhecimento textual (PCN-LE, 1998), uma vez que um texto sempre nos

remete a outros textos. Essa intertextualidade facilitará a compreensão textual.

Nas palavras de Kleiman & Moraes (2002, p.62):

64

Entendemos um texto porque somos capazes de reconhecer esses traços e vestígios. Quanto mais elementos reconhecermos, mais fácil será a leitura e mais enriquecida será a nossa interpretação. Ou seja, a intertextualidade é um fenômeno cumulativo: quanto mais se lê, mais se detectam vestígios de outros textos naquele que se está lendo e mais fácil se torna perceber as suas relações com outros objetos culturais e, portanto, mais fácil é sua compreensão.

Na mesma perspectiva, Cristovão (1996) defende o ensino de estratégias

de leitura através do desenvolvimento de capacidades de linguagem. Para a

autora (1996:34), “aprender a ler textos demanda a aprendizagem de capacidades

de linguagem”, uma vez que “exige do sujeito sua participação prática no

processo”.

Acreditamos que o desenvolvimento das capacidades de linguagem poderá

proporcionar aos professores/pesquisadores não somente a oportunidade de ter

maior compreensão da manifestação concreta das unidades declarativas da

língua, mas também maior entendimento do contexto no qual determinado texto foi

produzido e dos interesses sociais a que serve.

Além disso, acredito que o enfoque no autor e em seu propósito ao

escrever determinado texto proporcionará aos alunos o conhecimento da leitura

enquanto prática sociointeracional, além de modificar conhecimentos pré-

existentes. Já a prática da leitura através do emprego de automatismos

(identificação e pareamento das palavras do texto com as palavras idênticas de

um comentário ou uma pergunta) privilegia o reconhecimento de informações do

texto, através de sinônimos ou expressões semelhantes. Para Kleiman (1997,

p.20) essas atividades são vistas como “uma prática muito empobrecedora” da

leitura, pois resumem-se a simples “atividades de decodificação”, e além disso tais

atividades dão “lugar a leituras dispensáveis, uma vez que em nada modificam a

visão de mundo do aluno” .

Por outro lado, através de uma leitura crítica do texto o aluno poderá

verbalizar avaliações sobre o que foi lido e levantar questões que julgue

relevantes. Poderá, dessa forma, ampliar sua visão de mundo através da leitura

de textos em LE.

65

Sendo assim, ao possibilitar ao aluno acesso a outros conhecimentos, o

ensino da leitura em LE também contribui para um acesso mais igualitário ao

mundo acadêmico, ao mundo dos negócios e ao mundo da tecnologia. Poderá,

também, contribuir para a inserção do aluno na sociedade, fornecendo-lhe

subsídios para entrar em contato com outras culturas e maior abertura para o

mundo, através da percepção de culturas diferentes, conforme destacam os PCN-

LE (1998, p.39):

A aprendizagem de Língua Estrangeira aguça a percepção e, ao abrir a porta para o mundo, não só propicia acesso à informação, mas também torna os indivíduos, e, conseqüentemente, os países, mais bem conhecidos pelo mundo. Essa é uma visão de ensino de Língua Estrangeira como força libertadora de indivíduos e de países.

Portanto, o ensino de LE através da leitura está fundamentado na

necessidade social, pois além de possibilitar o seu acesso a outras culturas,

possibilitará ao aluno utilizar o idioma no meio acadêmico, como pré-requisito para

exames de proficiência da língua, e posteriormente, através da leitura de diversos

tipos de texto em cursos de graduação e/ou pós-graduação. O aluno poderá,

também, fazer uso do idioma autonomamente, após finalizar os seus estudos

formais (Moita Lopes, 2000, pp.132-133).

66

3 A VISÃO SOCIOINTERACIONAL DE LEITURA

A Coisa A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra e o leitor entende uma terceira coisa... e, enquanto se passa tudo isso, a coisa propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita. (Mário (Quintana, 1973)

3.1 Teorias interacionais de leitura

As teorias interacionais de leitura são informadas por teorias de esquema,

que oferecem arcabouço teórico adequado para dar conta do uso do pré-

conhecimento na compreensão em geral. Nestas teorias, a compreensão escrita é

realizada quando um leitor, ao se deparar com um enunciado escrito – em um

processamento ascendente –, ativa o seu pré-conhecimento, armazenado em

seus esquemas – estruturas cognitivas que constituem sua memória de longo

prazo (MLP). Esses esquemas, por sua vez, através de um processamento

descendente, criam expectativas no leitor quanto ao possível significado a ser

negociado com o escritor.

Esta visão interacionista da compreensão escrita (Moita-Lopes, 2000)

parece indicar quais as dificuldades na leitura podem ser explicadas não só por

problemas quanto à decodificação do texto, como entendido tradicionalmente, mas

também por dificuldades causadas pela falta de esquemas apropriados por parte

do leitor. Este segundo problema na leitura tem sido normalmente ignorado por

professores de línguas, em geral, pelo fato de operarem geralmente a partir de

uma visão de leitura como decodificação. Esta crença certamente, herdada do

ensino de línguas clássicas, e partilhada por muitos professores, tradicionalmente

se centra no estudo dos aspectos sistêmicos (morfológicos, sintáticos e léxico-

semânticos) da língua, e deixa de lado os aspectos esquemáticos, que são

67

cruciais no ato da compreensão escrita e que podem até minimizar a falta de

conhecimento sistêmico por parte do aluno.

Embora as teorias de esquema dêem conta de uma visão interacionista do

processamento da informação, é necessário acrescentar a esta uma concepção

interacionista de leitura como ato comunicativo (Widdowson, 1983), em que são

considerados aspectos relacionados ao uso da linguagem em uma interação

comunicativa entre os participantes no discurso (neste caso, o leitor e o escritor),

situados socialmente. Assim, no ato da leitura, o leitor utiliza sua competência

como leitor e interage com o escritor, por assim dizer, através de procedimentos

interpretativos. Esses procedimentos são então os meios através dos quais os

esquemas do leitor e do escritor, conforme apresentados no texto, são

negociados.

Uma maneira possível de se conceituar os tipos de conhecimento que

caracterizam a competência de um leitor, enquanto usuário da linguagem, é

apresentada em seguida. Na visão de Widdowson (1983), um leitor utiliza dois

tipos de conhecimento: o conhecimento sistêmico e o conhecimento esquemático.

O conhecimento sistêmico refere-se ao domínio que o leitor tem dos níveis

sintático, morfológico e léxico-semântico da linguagem. Já o conhecimento

esquemático está relacionado ao conhecimento que um leitor tem da área de

conteúdo do texto (esquemas de conteúdo) e das suas estruturas de organização

retórica (esquemas formais), no entender de Carrell (1983). É por meio do

relacionamento desses dois tipos de conhecimento (sistêmico e esquemático)

através de procedimentos interpretativos (por exemplo, a integração da

informação nova com a já conhecida, a utilização da característica da

predictabilidde ou previsão, da organização do discurso, a realização de

inferências, a procura de laços coesivos no discurso, etc.) que o leitor negocia o

significado do texto com o escritor, por assim dizer, através de um processamento

ascendente/descendente da informação.

Depreende-se da concepção interacionista de leitura que ensinar a ler é

ensinar o leitor/aprendiz a relacionar os conhecimentos sistêmico e esquemático

através de procedimentos interpretativos. Note-se, antes de mais nada, que o

68

aluno de LE já está familiarizado com o ato de ler em sua LM. Portanto, o que ele

tem a fazer é aprender a utilizar os procedimentos interpretativos, que já são do

seu conhecimento, ao aprender a ler em LE. Todavia, devido à falta dos

conhecimentos sistêmico e esquemático por parte do aluno, esses procedimentos

não podem ser ativados pelo leitor/aprendiz. O professor tem, então, de facilitar a

utilização desses procedimentos interpretativos através de artifícios pedagógicos

adequados.

Tradicionalmente, isto tem sido feito no ensino de línguas clássicas, de

maneira sistemática, colocando-se o foco principal no ensino de conhecimento

sistêmico. É natural que, por causa das dificuldades da sintaxe, da morfologia e do

léxico da língua clássica, o professor tenha geralmente centrado suas aulas

nesses aspectos. O que acontece, porém, é que o professor nesse caso parece

estar operando na sala de aula a partir de uma visão de leitura como

decodificação, em que o significado é visto como estando contido nos elementos

sistêmicos estudados no texto a ser lido. Atualmente, ainda se vê tal

comportamento em salas de aula de LE. Os professores de LE parecem ter

herdado essa visão de leitura dos antigos professores de línguas clássicas. E esta

herança resultou em procedimentos equivocados de ensino de leitura em LE, pois

não reflete o que ocorre no ato de leitura. Esta concepção reflete uma visão não-

comunicativa da natureza da linguagem, em que a contribuição dos participantes

na construção do significado, o leitor e o escritor, no ato da compreensão não é

levada em consideração. Isso colabora para desenvolver uma visão de ensino de

LE como exemplificação de formas lingüísticas a serem analisadas, mas

desprovidas de seu valor comunicativo. Por isso, esse modo de encarar o ensino

de LE é constantemente apontado como sendo típico, embora não seja o mais

adequado nem o mais eficiente. É, portanto, a recuperação da natureza

comunicativa da linguagem que, em última análise, parece vital para o

desenvolvimento de uma pedagogia mais adequada para o ensino de

compreensão escrita em LE.

Um modo possível de se fazer isso é colocar ênfase no pré-conhecimento

do leitor, ou seja, na sua contribuição para o ato comunicativo da leitura, o que, na

69

visão interacionista, corresponde ao conhecimento esquemático do leitor, isto é,

ao seu conhecimento da área de conteúdo do texto e dos tipos de organização

retórica – isto é – esquemas formais – da língua que está aprendendo. Ensinar o

leitor a utilizar esse tipo de conhecimento, ou seja, a usar um procedimento

interpretativo, tem se mostrado um aspecto facilitador do ato de aprender a

compreender textos tanto em LM como em LE. Além disso, quando as dificuldades

com o nível sistêmico por parte do leitor são grandes, o foco no conhecimento

esquemático tem se mostrado um poderoso aliado no engajamento do leitor com o

discurso, ou seja, com a construção do significado, já que colabora para diminuir

os efeitos da ausência de conhecimento sistêmico da parte do aluno.

Há que se criar artifícios pedagógicos que ensinem o leitor a ativar e utilizar

o conhecimento esquemático necessário para a compreensão de um determinado

texto. A indução desse tipo de conhecimento tem se mostrado muito útil ao ensino

de leitura em LE.

A indução da área de conteúdo esquemático do texto a ser lido para criar

expectativas no leitor, que vão ser confirmadas ou não em sua leitura. Se a área

de conteúdo esquemático é induzida através de um artifício pedagógico, um dos

dois tipos de conhecimento esquemático, necessário para a leitura, é ativado pelo

leitor, o que ajuda na tarefa de compreender o texto.

O outro tipo de conhecimento esquemático, o formal, pode ser considerado

ao se ensinar o aluno a utilizar a organização retórica do texto como fornecedora

de pistas para seu acesso ao significado. É preciso que o leitor se familiarize com

os marcadores de discurso (conectores, itens lexicais, etc.) que indicam a

organização da informação no discurso. Se o leitor aprende a usar esses

marcadores discursivos no ato de ler, a interação leitor/escritor através do texto é

facilitada.

O foco no conhecimento esquemático nas aulas de LE, além de dar conta

de um tipo de competência importante para o leitor e de um tipo de procedimento

interpretativo, colabora para imprimir ao ensino de LE uma concepção de

linguagem como instrumento de comunicação escrita. Isso pode afetar

positivamente o desempenho dos alunos, aumentando, inclusive aspectos

70

motivacionais, portanto, facilitadores da aprendizagem, visto que o texto em LE

que está sendo ensinado passa a ser tomado não mais como um esqueleto para a

exibição de formas lingüísticas a serem estudadas, mas como um veículo de

interação entre participantes do discurso – o leitor e o escritor.

3.2 Um modelo interacional de leitura

O modelo de leitura a ser esboçado aqui está detalhado em Moita-Lopes

(2000). Este modelo de leitura é interacional no sentido de que é derivado de uma

visão interacional do: a) fluxo da informação – na linha de teorias de esquema; e

b) do discurso, entendido aqui como o processo comunicativo entre leitor e escritor

na negociação do significado do texto.

Em linhas gerais, a direção que o fluxo da informação toma nos vários

modelos de leitura encontrados na bibliografia pode ser entendida como a

diferença crucial entre eles. O fluxo da informação pode ser visto como um

processo ascendente, descendente ou ascendente e descendente ao mesmo

tempo.

Modelos de fluxo da informação no ato de leitura

Moita-Lopes (2000), em seu livro Oficina de Lingüística Aplicada, Parte 5

(Uma abordagem de ensino de línguas estrangeiras para a escola pública: o

ensino de leitura), Item 9 (Um modelo sociointeracional de leitura), descreve os

modelos de fluxos de leitura.

71

Modelo de fluxo ascendente ( Bottom-up processing )

O processamento ascendente é identificado com teorias de decodificação

de leitura. O leitor só utiliza dados apresentados no texto na tarefa de

compreender o texto escrito: a informação flui, então, do texto para o leitor. Nesta

visão, a leitura é vista como um processo perceptivo e de decodificação.

Modelo de fluxo descendente ( Top-down processing )

No processamento descendente, o foco é colocado na contribuição do leitor

para o ato de ler. o significado do texto está na mente do leitor: a informação flui

do leitor para o texto. Os modelos que se centram neste tipo de processamento

são normalmente chamados de modelos psicolingüísticos de leitura em que esta é

vista principalmente como um processo cognitivo.

Modelo de fluxo ascendente/descendente simultaneame nte (Bottom-up/ Top-down processing )

Este terceiro grupo de modelos teóricos é caracterizado pela visão de que o

processamento do texto ocorre nas duas direções – ascendente e descendente –

ao mesmo tempo. Assim, o ato de ler é visto como envolvendo processos

perceptivos e cognitivos. Este grupo é associado com teorias de esquema ou

interacionistas de leitura.

É esta terceira visão de leitura que parece captar mais claramente o

fenômeno da compreensão escrita, já que modelos não-interacionistas não dão

conta do fato de que a leitura é ao mesmo tempo um processo perceptivo e

cognitivo.

Nesta visão, então, o ato de ler envolve tanto a informação impressa na

página escrita quanto a informação que o leitor traz para o texto – seu pré-

conhecimento. Ao advogar esta visão de leitura, estou também adotando uma

concepção interacionista do significado. Ou seja, o significado não está nem no

72

texto nem na mente do leitor; o significado torna-se possível através do processo

de interação entre o leitor e o escritor, através do texto.

Diferentemente do modelo de decodificação (centrado no texto) e do

psicolingüístico (centrado no leitor), em que o fluxo da informação toma as

direções ascendente e descendente, respectivamente, o modelo de leitura a ser

apresentado aqui considera que o fluxo da informação opera em ambas as

direções interacionalmente, ou seja, o processo é, ao mesmo tempo, ascendente

e descendente. Este tipo de modelo é baseado em teorias de esquema. Nestas,

esquemas são estruturas cognitivas armazenadas em unidades de informação na

memória de longo prazo (MLP) – ou seja, constituem o nosso pré-conhecimento –

que são empregadas no ato da compreensão. Assim, os esquemas do leitor são

vistos como informando, na direção descendente (quando ele contribui para o

texto com seu pré-conhecimento), a informação oriunda do texto que está sendo

processada de maneira ascendente (com suas pistas, etc.). Há, portanto, aqui

uma troca entre leitor e texto. Deste modo, o ato de ler no modelo interacional é

visto como um processo que envolve tanto a informação encontrada na página

impressa – um processo perceptivo – quanto a informação que o leitor traz para o

texto – seu pré-conhecimento, um processo cognitivo. Esta é a posição que nos

parece mais adequada para a compreensão do ato de ler.

Embora o modelo de leitura baseado em teorias de esquema seja mais

apropriado do ponto de vista de sua formalização do fluxo da informação, do pré-

conhecimento e de como este é engajado na leitura, ele não leva em consideração

uma visão de leitura como um ato comunicativo, ou seja, a perspectiva de como a

linguagem é usada na interação comunicativa entre os participantes do discurso –

aspectos sociais e psico-sociais. Assim sendo, sugerimos que este modelo seja

complementado pelos pressupostos do interacionismo sócio-discursivo, em que o

discurso é uma unidade recuperada do processo real de negociação do significado

entre os participantes em uma interação comunicativa, no caso em questão, o

leitor e o escritor (Widdowson, 1983), posicionados social, política, cultural e

historicamente (Wallace, 1992; Fairclough, 1989, 1992). Desta forma, na busca do

significado, o leitor utiliza sua competência textual ao interagir com o escritor

73

através das pistas lingüísticas que este escolheu incluir no texto. O significado do

texto é então um processo caracterizado por procedimentos interacionais entre o

escritor e o leitor através dos quais seus respectivos esquemas são negociados.

Assim, essa visão de leitura considera que o leitor não apreende meramente um

sentido que está no texto: ele atribui sentidos ao texto. Ou seja, este modelo

considera que a leitura é produzida. Daí se poder dizer que a leitura é o momento

crítico da constituição do texto, o momento privilegiado do processo de interação

verbal, uma vez que é nele que se desencadeia o processo de significação.

O conhecimento sistêmico tem a ver com competência lingüística em

lingüística tradicional. No modelo interacional, o conhecimento sistêmico engloba o

conhecimento do leitor aos níveis sintático, lexical e semântico. Ou seja, estou

incorporando a este modelo a posição tomada na visão psicolingüística de leitura

de que a interpretação semântica não requer a interpretação fonológica. Assim, o

leitor interpreta o significado das palavras diretamente da forma escrita.

3.2.1 A Teoria dos Esquemas segundo Widdowson

Em sua teoria do uso da linguagem, Widdowson (1983) define os dois tipos

de conhecimento que um usuário da linguagem – no caso em questão, um leitor –

utiliza: conhecimento sistêmico e conhecimento esquemático. O conhecimento

sistêmico tem a ver com competência lingüística em lingüística tradicional e

engloba o conhecimento do leitor aos níveis sintático, lexical e semântico. Ou seja,

estou incorporando a este modelo a posição tomada na visão psicolingüística de

leitura de que a interpretação semântica não requer a interpretação fonológica.

Assim, o leitor interpreta o significado das palavras diretamente da forma escrita.

O outro tipo de conhecimento que os leitores utilizam é o conhecimento

esquemático – conhecimento convencional do mundo, que é responsável pelas

expectativas que os leitores têm sobre o que encontram no texto. Este tipo de

conhecimento incorpora o pré-conhecimento do leitor na área de conteúdo do

texto (ou seja, esquemas de conteúdo – Carrell, 1983), e o conhecimento que os

74

leitores têm das rotinas de interação lingüística, conforme expresso nas estruturas

retóricas da linguagem (ou seja, esquemas formais – Carrell, 1983). Os esquemas

de conteúdo são então responsáveis pelo conteúdo proposicional do discurso, e

os esquemas formais, pelo valor retórico do que está sendo lido.

O conhecimento esquemático é o conhecimento estereotipado que prepara

os leitores para a comunicação lingüística. É neste tipo de conhecimento que os

leitores projetam na página escrita na direção ascendente/descendente para

realizar o texto como discurso, conhecimento este que, segundo Hymes (1989),

refere-se à competência comunicativa.

Na interpretação do discurso, o leitor segue as instruções dadas no texto,

utilizando os dois tipos de conhecimento (sistêmico e esquemático) descritos

acima. Esse processo é caracterizado por uma interação entre o mundo do leitor,

representado por seu conhecimento sistêmico e seu conhecimento esquemático, e

o mundo do escritor, expresso no texto.

Esses conhecimentos que o aluno já possui e utiliza para a construção de

significado durante a leitura de um texto são descritos abaixo:

* Conhecimento sistêmico: tem a ver com competência lingüística em

lingüística tradicional e envolve o conhecimento do leitor aos níveis

sintático, lexical e semântico, o funcionamento da língua (conectivos e

referentes, por exemplo) através de semelhanças e convergências

(palavras cognatas e falsos cognatos, por exemplo) entre a língua

estrangeira e a língua materna.

* Conhecimento esquemático:

→ Esquemas formais: o conhecimento da organização retórica de textos

(ou dos gêneros textuais) orais ou escritos, tais como entrevistas, cartas,

artigos, receitas, entre outros, já construídos socialmente em situações

semelhantes na língua materna.

75

→ Esquemas de conteúdo: o pré-conhecimento, o conhecimento de

mundo, a visão de mundo; o conhecimento já adquirido socio-

historicamente, que constitui as experiências vividas anteriormente. Daí a

importância do professor criar espaços para ouvir a voz dos alunos,

possibilitando assim, a projeção de suas visões.

O leitor é visto então como sendo parte de um processo de negociação do

significado com o escritor, por assim dizer, do mesmo modo que dois

interlocutores estão interagindo entre si na busca do significado, ao tentar ajustar

seus esquemas respectivos. Essa interação é caracterizada por procedimentos

interpretativos que são parte da capacidade do leitor de se engajar no discurso ao

operar no nível pragmático da linguagem.

Então, além de envolver a noção de competência lingüística e a de

competência comunicativa, respectivamente, este modelo também inclui o

conceito de capacidade formulado por Widdowson (1990). Esta noção tem a ver

com a habilidade de realizar a linguagem no uso. Em oposição aos conceitos de

competência lingüística e comunicativa, que são construtos analíticos e, portanto,

enfocam o comportamento lingüístico como objeto de análise, a noção de

capacidade é um construto do usuário, sendo, portanto, “essencialmente

etnometodológico” (Widdowson, 1990). A noção de capacidade, portanto, envolve

um enfoque do comportamento lingüístico do ponto de vista de um participante no

ato comunicativo. Assim, o conceito de capacidade é um construto relacionado

não à análise lingüística – uma visão da linguagem como produto – mas à

negociação do significado – uma visão da linguagem como processo.

Este modelo então tenta dar conta da competência lingüística e da

competência discursiva, envolvendo esta última a competência comunicativa e a

noção de capacidade, ou seja, a projeção por parte do leitor do seu conhecimento

esquemático no texto através dos procedimentos de interpretação. A competência

discursiva e a competência lingüística constituem o que se chama de competência

textual – uma noção que incorpora os tipos de competência que o leitor possui.

76

Deve-se acrescentar também que, ao situar a leitura como ato

comunicativo, está implícito neste modelo o fato de que leitores e escritores estão

posicionados social, política, cultural e historicamente ao agirem na construção do

significado. Isto quer dizer que ler é, portanto, “saber-se envolvido em uma

interação com alguém em um momento sócio-histórico específico e que o escritor,

como qualquer interlocutor, usa a linguagem a partir de um lugar social marcado.

“Ler é se envolver em uma prática social” (Moita-Lopes, 2000). Portanto, os

projetos políticos de escritores e leitores estão em jogo, isto é, a noção de poder é

intrínseca aqui (Fairclough, 1989).

A tentativa desse modelo interacional de leitura de abarcar em um mesmo

arcabouço teórico elementos em nível de competência lingüística e comunicativa e

capacidade parece oferecer àqueles que estão interessados no ensino de leitura

um modelo mais adequado do que modelos não-interacionais, já que envolve não

só os tipos de conhecimento requeridos do leitor como também os procedimentos

interpretativos utilizados na negociação do significado na sociedade. Um modelo

que tem esta preocupação é, portanto, mais relevante para professores de leitura,

cujos interesses não se restringem a questões em nível sistêmico, esquemático e

pragmático, mas também a questões em nível de uso da linguagem na sociedade,

isto é, como leitores e escritores projetam seus valores, crenças e projetos

políticos na construção do significado. Portanto, ao considerar que a leitura não

ocorre em um vácuo social, este modelo também sugere a relevância pedagógica

de que é primordial no ensino de leitura o desenvolvimento da consciência crítica

de como a linguagem reflete as relações de poder na sociedade através das quais

se defrontam leitores e escritores (Fairclough, 1989).

Assim sendo, acreditamos que para se aprender a ler não é suficiente ter-

se conhecimento sistêmico e esquemático mas também é importante saber-se

usar esse conhecimento, ou seja, ter domínio dos procedimentos interpretativos,

que recuperam o discurso de elementos sistêmicos.

77

Quadro 3 : Um modelo interacional de leitura

Moita-Lopes, Oficina de Lingüística Aplicada, 2000, p. 143.

competência comunicativa

competência discursiva

capacidade

competência textual

Níveis sintático, léxico e semântico

Nível esquemático Nível pragmático

CONHECIMENTO SISTÊMICO

CONHECIMENTO ESQUEMÁTICO

CONHECIMENTO DO LEITOR

esquemas de conteúdo

esquemas formais

TEXTO (conhecimento apresentado

no texto)

ESCRITOR

procedimentos interpretativos

compreensão

competência lingüística

78

4 O INTERACIONISMO SÓCIO-DISCURSIVO

Rios sem discurso Quando um rio corta, corta-se de vez o discurso rio de água que ele fazia; cortado, a água se quebra em pedaços, em poços de água, em água paralítica. Em situação de poço, a água equivale a uma palavra em situação dicionária: isolada, estanque no poço dela mesma e porque assim estanque, estancada; e mais: porque assim estancada, muda, e muda porque com nenhuma comunica, porque cortou-se a sintaxe deste rio, o fio de água por que ele discorria. O curso de um rio, seu discurso-rio, chega raramente a se reatar de vez; um rio precisa de muito fio de água para refazer o fio antigo que o fez. Salvo a grandiloqüência de uma cheia lhe impondo interina outra linguagem, um rio precisa de muita água em fios para que todos os poços se enfrasem: se reatando, de um para outro poço, em frases curtas , então frase a frase, até a sentença rio do discurso único em que se tem voz a seca ele combate. (João Cabral de Melo Neto, 1994)

4.1 Leitura na Visão do Interacionismo Sócio-Discur sivo

Coerentemente com o quadro teórico mais amplo que assumimos, a noção

de interação é aqui determinante. Logo, dentro dessa perspectiva, a leitura é vista,

prioritariamente, como uma atividade social em que há construção de sentidos em

um contexto determinado. A palavra deve ser, então, vista como polissêmica e

plurivalente, pois os significados são dependentes dos contextos em que elas

ocorrem e dos valores ideológicos que as permeiam. Se, como vimos, todo ato de

fala é de natureza social, a leitura também é social, bem como a forma de lermos

é aprendida socialmente. Por isso, o papel do outro e o caráter social da leitura

são fundamentais para a aprendizagem de leitura.

79

O ensino de LE com foco na transmissão e reconhecimento de conteúdos

estaria baseado em uma concepção de leitura como decodificação, já largamente

considerada ultrapassada e inadequada como o ensino pautado pela comunicação

com foco no aprendiz, sem levar em conta o contexto. Precisamos de cidadãos

participativos, de agentes responsáveis pelo seu processo de construção de

conhecimento. Diante disso, observamos que as posturas de leitura como

decodificação ainda colocam o texto como o grande detentor de sentidos que

devem ser compreendidos com uma certa competência pelo leitor. A discordância

com essa visão levou autores a proporem uma concepção de leitura que

chamamos de perspectivas discursivas por levarem em conta as condições de

produção de um texto.

A partir das concepções expostas, só podemos assumir uma posição

interacionista mais ampla, quando concebemos a linguagem como sócio-histórica

e implicada em um contexto ideológico que se materializa entre indivíduos

socialmente organizados, através de enunciações que são sempre o produto da

interação. A concepção de leitura a que nos filiamos vê o texto relacionado ao

contexto sócio-histórico em que foi produzido e aquele em que o leitor está

inserido no momento da leitura.

Diante dessas considerações, adotamos uma visão mais abrangente do

processo de compreensão em leitura, tal como observada em Dolz & Schneuwly,

(1998), ao afirmarem que:

Nas concepções decorrentes do interacionismo social, a compreensão de um discurso é teorizada como um processo de interação entre um leitor ativo e um texto, no qual as características de um interagem com as do outro para produzir uma significação específica ao contexto em que a atividade de leitura se realiza. Compreender um discurso é apreender como as representações do mundo são ativadas e organizadas pelos discursos, sob o controle dos valores da interação social.

De acordo com os autores, na concepção do interacionismo social, as

dimensões estruturais e lingüísticas são combinadas com fatores extra-verbais e

de uso para se poder construir significados. Portanto, para o processo de

compreensão, o leitor ativa diferentes tipos de conhecimento, tais como: (a) das

80

características do texto, do gênero, de sua infra-estrutura textual e estruturas

lingüísticas; (b) de suas capacidades de linguagem para ler o texto; (c) do

conhecimento sobre a situação de comunicação e da interação que envolvem

tanto a produção quanto a leitura do texto.

A ênfase nesses três tipos de conhecimento se deve ao fato de a leitura em

situação escolar assumir necessariamente um duplo objetivo, o da situação de

comunicação e o da situação escolar. Assim, o uso de textos sociais em sala de

aula exige que o leitor compreenda qual é destinatário originariamente

representado pelo autor do texto e discrimine as diferenças entre esse destinatário

e o leitor da sala de aula.

Ainda segundo Dolz & Schneuwly (1998), as capacidades de linguagem

que o leitor mobiliza para ler exige que ele mobilize conhecimentos

enciclopédicos, conhecimentos sobre o funcionamento da linguagem,

conhecimentos lingüísticos e estruturais. A compreensão sobre a situação de

produção do texto e sobre a situação de sua leitura é outra dimensão que intervém

na construção de significados.

Em vista do aqui exposto, somos conduzidos a questionar: como ensinar a

leitura em língua estrangeira nessa perspectiva?

Partindo de Dolz & Schneuwly, (1998), que, nesse trabalho, apontam

caminhos para o ensino de produção textual, buscamos aqui elencar uma espécie

de ‘Passo a passo para Ensinar Leitura em LE’, cujos princípios poderão, a nosso

ver, servir também como critérios para a análise de material didático destinado à

leitura em LE.

4.2 Proposta de princípios para o ensino de leitura em LE

Abaixo descrevem-se as propostas para o ensino de leitura sugeridas pelo

interacionismo sociodiscursivo.

81

4.2.1 Leitura e ação de linguagem

Se a perspectiva teórica em que nos baseamos define a ação de linguagem

como uma unidade psicológica que queremos analisar e apreender para melhor

usá-la e ensiná-la, então, não podemos nos orientar pelo termo habilidade, que, a

nosso ver, implica uma unidade biológica com seu desenvolvimento derivado de

uma perspectiva maturacional e cognitiva. Assim, ao incorporarmos os aspectos

sociais envolvidos na constituição do texto e aspectos pragmáticos e discursivos

ao ensino, devemos nos referir a ações de linguagem e não a habilidades. “A

noção de ação de linguagem reúne e integra os parâmetros do contexto de

produção e do conteúdo temático, tais como um determinado agente os mobiliza,

quando empreende uma intervenção verbal.” (Bronckart, 2003, p.99)

Assim, consideramos que a leitura, tanto quanto a produção de texto,

envolve uma determinada ação de linguagem que é situada social e

historicamente e influenciada do contexto. “De maneira mais concreta (...), uma

ação de linguagem consiste em produzir , compreender , interpretar e/ou

memorizar um conjunto organizado de enunciados orais ou escritos.(...).” (grifos

dos autores) (Dolz & Schneuwly, (1998).

4.2.2 Leitura com base no ensino de gêneros e plura lidade de gêneros

Ao tentar entender a concepção da natureza social da linguagem e,

portanto, sua relação com as condições de comunicação, ressaltamos a

relevância da teoria bakhtiniana e da noção de gênero para o

ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras. Se o uso da linguagem é

organizado pelos gêneros, consideramos que o ensino de leitura, organizado em

função da aprendizagem de diferentes gêneros, deve ser levado em todas as suas

conseqüências.

Assim, consideramos que o ensino/aprendizagem de leitura deve se servir

do gênero como instrumento, orientando esse processo para a compreensão das

inúmeras situações de ação de linguagem associadas aos gêneros textuais.

82

Assim, o aluno estaria envolvido na aprendizagem de capacidades de linguagem

específicas para cada situação.

Além disso, acreditamos que a pluralidade de gêneros textuais é

fundamental para a formação de um sujeito que possa dominar o funcionamento

da linguagem como um instrumento de mediação nas diferentes interações em

que se envolvem. Esse domínio pode contribuir para a conscientização do sujeito

sobre as escolhas que venha a fazer, seja para a manutenção, seja para a

transformação da situação.

Como vimos anteriormente, os próprios PCNs-LE indicam o trabalho com

diferentes “tipos de texto” como parte do conteúdo a ser ensinado. Da mesma

forma que cada gênero de texto exige procedimentos específicos para sua

produção, sua compreensão também exigirá procedimentos de compreensão

diferenciados e específicos ao gênero em questão.

Como exemplo, podemos analisar o caso de uma criança que

freqüentemente lê gibi. Provavelmente, ela não encontra dificuldades em sua

compreensão. Contudo, isso não necessariamente significa que ele/ela não tenha

dificuldades com sua leitura. Essa mesma criança pode não entender um manual

de instrução, uma receita culinária ou um editorial de um jornal. Isso ocorre porque

cada um dos gêneros textuais é solicitado em uma situação de comunicação

particular, com objetivos e temas distintos (narrar, descrever, explicar, convencer)

e com uma organização específica.

4.2.3 Capacidades de linguagem

De acordo com Bronckart (2003), a noção de competência deve ser

abandonada em benefício da noção de capacidade. Para desenvolver essa

discussão, fazem uma retrospectiva histórica das concepções de competência

desde o século XV, se contrapondo a elas e apontando para a sua definição

baseada em uma releitura dos princípios para a educação.

83

Criticando a primeira, afirmam que “A competência permanece, apesar do

que é dito por alguns, portadora de conotações que acentuam as dimensões

inatas ou pelo menos as propriedades inerentes a uma pessoa” (Bronckart, 2003).

Já o termo capacidade estaria relacionado com a dimensão da

aprendizagem, exigindo do sujeito sua participação prática no processo:

O termo capacidade nos parece, nesse debate, mais apropriado, na medida em que ele está relacionado à uma concepção epistemológica e metodológica segundo a qual as propriedades dos agentes não são inferíveis a não ser pelas ações que elas conduzem e através de um processo permanente de avaliação social. (Bronckart, 2003)

Assim, os sociointeracionistas consideram que aprender a ler textos

demanda a aprendizagem de capacidades de linguagem. Também é verdade que

ao lê-los, o sujeito mobiliza seus conhecimentos sobre os procedimentos a serem

seguidos, como as estratégias de leitura comumente propostas e usadas em

cursos de inglês instrumental para leitura e que, a nosso ver, relacionam-se com

as capacidades de linguagem. Estas, segundo Bronckart (2003) e Dolz &

Schneuwly (1998), seriam três tipos: capacidades de ação, capacidades

discursivas e capacidades lingüístico-discursivas.

As capacidades de ação possibilitam ao sujeito adaptar sua produção de

linguagem ao contexto de produção, ou melhor, às representações do ambiente

físico, do estatuto social dos participantes e do lugar social onde se passa a

interação. Dessa forma, as representações da situação de comunicação têm

relação direta com o gênero, já que o gênero deve estar adaptado a um

destinatário específico, a um conteúdo específico, a um objetivo específico.

As capacidades discursivas possibilitam ao sujeito escolher a infraestrutura

geral de um texto, ou seja, a escolha dos tipos de discurso e de seqüências

textuais, bem como a escolha e elaboração de conteúdos, que surgem como

efeito de um texto já existente e estímulo para outro que será produzido.

As capacidades lingüístico-discursivas possibilitam ao sujeito realizar as

operações implicadas na produção textual, sendo elas de quatro tipos: as

operações de textualização, sendo elas a conexão, coesão nominal e verbal; os

mecanismos enunciativos de gerenciamento de vozes e modalização; a

construção de enunciados, oração e período; e, finalmente, a escolha de itens

84

lexicais. Partindo dessa visão, consideramos as capacidades de linguagem como

um conjunto de operações que permitem a realização de uma determinada ação

de linguagem, um instrumento para mobilizar os conhecimentos que temos e

operacionalizar a aprendizagem dos conceitos científicos (Vygotsky, 1998).

Queremos ressaltar, entretanto, que os autores trabalham com o conceito

de capacidades exclusivamente para a questão da produção escrita e que

consideramos que a mesma abordagem pode ser estendida à questão da leitura.

Assim, essas noções são absolutamente fundamentais para a análise do

material didático escolhido a fim de observar se este propicia ou não o

desenvolvimento dessas capacidades.

Ainda segundo Dolz & Schneuwly (1998), “O ensino das estratégias de

aprendizagem de leitura busca fundamentalmente o desenvolvimento de

mecanismos de auto-regulação no aluno/leitor”. Mecanismos de auto-regulação,

como entendemos aqui, estão voltados para a mestria de conhecimentos

necessários para a realização de atividades de linguagem como, neste caso, a

leitura.

A fim de exemplificarmos a relação que estabelecemos entre o que

chamamos de capacidade de linguagem e o que comumente é chamado de

estratégias, lembramos que, em relação à avaliação dos alunos na aprendizagem

de compreensão escrita, os PCNs-LE sugerem alguns critérios de avaliação que

podemos co-relacionar às capacidades de linguagem propostas, conforme

podemos verificar no quadro a seguir. Não queremos dizer que elas sejam

estanques ou que ajam isoladamente, mas indicamos as capacidades de

linguagem mais evidentes em relação a cada um dos critérios propostos,

relacionando-as às estratégias e aos conhecimentos que mobilizam.

Esboçamos um quadro para resumir os critérios para avaliação da

aprendizagem da compreensão escrita em língua estrangeira, segundo os PCNs e

a correlação com as capacidades de linguagem, às estratégias e aos

conhecimentos mobilizados, no qual pretendemos demonstrar que as estratégias

carecem de capacidades lingüístico-discursivas que apontem para uma leitura

crítica.

85

Quadro 4: Critérios para avaliação da aprendizagem da compreensão escrita em língua estrangeira

Compreensão escrita Capacidades de linguagem correspondentes

estratégias e conhecimentos

mobilizados 1. “demonstrar compreensão geral de tipos de textos variados, apoiado em elementos icônicos (gravuras, tabelas, fotografias, desenhos) e/ou em palavras cognatas;”

1. Capacidade de ação, explorando a situação de produção do texto, a capacidade discursiva, usando inferência em relação às informações implicitamente mencionadas por meio dos elementos icônicos e a capacidade lingüístico-discursiva para o reconhecimento dos cognatos.

1. Conhecimento esquemático (formal e de conteúdo).

2. “selecionar informações específicas do texto;”

2. capacidade discursiva, usando o plano textual global e capacidades lingüístico-discursivas, usando conhecimento lexical e de estruturas lingüísticas.

2. Leitura rápida para buscar uma informação no texto (Scanning).

3. “demonstrar conhecimento da organização textual por meio do reconhecimento de como a informação é apresentada no texto e dos conectores articuladores do discurso e de sua função enquanto tais;

3. capacidade discursiva, reconhecendo o plano textual global de cada tipo de texto e a capacidade lingüístico-discursiva mobilizada para a compreensão da função dos conectivos no texto.

3. Conhecimento esquemático (formal e de conteúdo).

4. “demonstrar consciência de que a leitura não é um processo linear que exige o entendimento de cada palavra”;

4. a interpretação do texto demanda que o aluno extrapole-o, integrando informações explicitamente mencionadas com seu conhecimento de mundo. Para isso, são combinadas as capacidades de ação, capacidades discursivas e capacidades lingüístico-discursivas.

4. Conhecimento esquemático (formal e de conteúdo) baseado no conhecimento prévio.

5. “demonstrar consciência crítica em relação aos objetivos do texto, em relação ao modo como escritores e leitores estão posicionados no mundo social;”

5. capacidade de ação, primordialmente, em conjunto com as capacidades discursivas e capacidades lingüístico-discursivas.

----

6. “demonstrar conhecimento sistêmico necessário para o nível de conhecimento fixado para o texto.”

6. capacidade lingüístico-discursiva

6. Conhecimento sistêmico

86

De acordo com critérios de avaliação e as respectivas capacidades a serem

desenvolvidas pelos alunos, muitos procedimentos podem ser propostos para

fazer o leitor acionar seus conhecimentos para trabalharem com as capacidades

de linguagem para a construção do sentido do texto.

4.2.4 Leitura e contexto de produção do texto e con texto de leitura

Quando analisamos as condições de produção dos textos, realizamos uma

análise dos parâmetros da situação de ação de linguagem para chegarmos a uma

definição dessa ação como unidade psicológica que se materializa em uma

unidade comunicativa, ou seja, no texto. Para Bronckart (2003), é necessário, em

primeiro lugar, distinguir entre os conceitos de texto e discurso. Do ponto de vista

teórico, poderíamos considerar como texto a maior unidade de produção verbal

que veicula uma mensagem, uma unidade. Do ponto de vista empírico, seria

qualquer exemplar concreto e sempre único dessa unidade, produzido segundo o

modelo de um gênero adequado a uma situação específica. Já os discursos

seriam segmentos de texto caracterizados por unidades lingüísticas específicas e

que refletem as operações que o produtor efetua sobre o contexto e o conteúdo.

Nessa abordagem, o contexto de produção seria definido por elementos do

mundo físico (situação material de produção: o lugar de produção, o momento de

produção, o emissor e o receptor) e por elementos do mundo sócio-subjetivo

(situação de interação social: o lugar social, o objetivo, o papel social do

enunciador, o papel social do destinatário) que exerceriam uma efetiva influência

sobre aspectos textuais. Na leitura, do mesmo modo, a construção do significado

vai se definindo pelas representações do mundo físico e sócio-subjetivo que o

leitor mobiliza, isto é, pelas suas representações a respeito do autor e do seu

papel social, da instituição, das representações sobre si mesmo e de seu papel

social, sobre seus objetivos e propósitos de leitura.

87

Assim, para que o aluno construa sentidos no ato da leitura, é necessário

chamar sua atenção para os diferentes contextos de produção de cada texto, bem

como para o contexto de produção de leitura (Nunes, 2000), já que contextos

distintos levam à construção de sentidos distintos. O uso de diferentes gêneros

possibilitaria a construção da consciência dessa relação entre contexto e

interpretação.

A contextualização contribuiria ainda para que o leitor criasse uma

expectativa em relação ao que vai ler, quanto ao conteúdo, quanto ao gênero,

quanto às características textuais. A nosso ver, isso contribuiria para a construção

de sentido, porque o texto existe em relação ao seu objetivo e ao seu contexto.

Sobretudo, concebendo-se a linguagem escrita não como a fonte única de

sentido, mas como um instrumento de socialização, de veiculação – oral ou

escrito, instrumento de reprodução ou manutenção de uma ideologia, o sujeito-

leitor poderia agir criticamente em seu processo de interpretação.

4.2.5 Uso de textos sociais

Consideramos que para o ensino de leitura em LE, os textos a serem

utilizados devem ser textos sociais em circulação, isto é, oriundos de contextos

sociais reais, preparando o aluno para agir com a linguagem em diferentes

contextos.

Assim, somos contrários à utilização de textos didatizados, que são, em sua

maioria, simplificações de textos sociais em circulação, assim como de textos

fabricados, que são escritos com função didática, podendo desviar o texto de seu

objetivo, de seu público-alvo, de seu contexto, dificultando, portanto, sua

compreensão. Se adotamos a noção de aprendizagem como construção social e

os gêneros como nossos modelos de referência, não nos basta a capacidade de

construirmos e interpretarmos frases como capacidade lingüística.

88

Necessitamos produzir e interpretar os discursos, ou seja, apreendê-los.

Nesse jogo de papéis justapostos, Nunes (2000) chama a atenção para a

necessidade do uso de textos autênticos e de sua exploração adequada. Para

isso, seria necessário o uso de instrumentos que o aluno possa usar para analisar

e compreender sua organização, instrumentos esses que devem ser

disponibilizados pelo professor.

4.2.6 Tipos de comparações construtivas

Com a finalidade de ensinar e aprender linguagem, tanto a LM como a LE

podem ser vistas como recursos de mútua ajuda. Isso se deve ao fato de que há

semelhanças entre os conhecimentos necessários para as diferentes

aprendizagens do aluno. Visto dessa forma, o trabalho com textos de um gênero

em LM para um reconhecimento inicial de seu funcionamento para posterior

comparação com textos do mesmo gênero em LE pode beneficiar a

aprendizagem.

Segundo Moita-Lopes (2000), com a finalidade de ensinar e aprender a

competência discursiva, professor e alunos precisam se servir de recursos tanto

em situação de ensino de LM como de LE, devido ao fato de que considera haver

semelhanças entre elas do ponto de vista pedagógico. Todavia, o autor identifica

um problema: os alunos vivenciam metodologias diferentes no

ensino/aprendizagem de LM e de LE.

O resultado é que professor e alunos abordam estruturas e usos distinta e

diferentemente, como se não houvesse nada em comum entre elas. Se

admitirmos que os princípios são comuns, bem como alguma(s) estrutura(s) da

língua, então, enfatiza o autor, essa separação seria prejudicial.

De acordo com Moita-Lopes (2000),

O professor deve, portanto, dispor de conhecimentos precisos sobre tal organização para poder avaliar e corrigir de forma útil as produções tanto orais como escritas dos aprendizes e lhes fornecer as informações que lhes permitem progredir no ensino-aprendizagem da competência discursiva. (Moita- Lopes, 2000).

89

De maneira resumida, Moita-Lopes (2000) sugere como possibilidade de

integração do ensino de LE e LM, a análise da organização do discurso.

Outro tipo de comparação que pode ser utilizado é a comparação entre

diferentes gêneros. Ao compará-los, o aluno pode lançar mão de semelhanças e

diferenças no funcionamento dos textos para melhor compreendê-los. A

comparação por diferenças também é sugerida por Bakhtin (2000) para o estudo

inicial de um gênero, ao passo que a comparação entre diferentes textos

pertencentes ao mesmo gênero seria um recurso usado para se estudar as

características específicas desse gênero.

4.2.7 Progressão em espiral

A idéia de progressão envolve a questão da chamada aprendizagem em

espiral (Dolz & Schneuwly, 1998). Diferentemente da concepção de se abordar um

tipo de texto considerado mais fácil nas primeiras séries, para, gradativamente, se

incluir outros tipos mais complexos, como se um fosse pré-requisito para o outro, o

sócio-interacionismo preconiza a progressão em espiral, possibilitando o

reencontro com objetos de ensino em diferentes etapas da aprendizagem. Assim,

o mesmo objeto pode reaparecer envolvendo uma maior complexidade na tarefa.

São as diferentes situações de comunicação que exigem uma maior complexidade

quanto ao gênero textual e sua composição.

Além do que já apresentamos com relação ao pensamento vygotskiano,

podemos acrescentar que a noção da criação de uma zona proximal de

desenvolvimento para o ensino-aprendizagem de leitura em LE poderia garantir

uma educação voltada não somente para as necessidades de aprendizagem

(nível de desenvolvimento real), mas voltada para as possibilidades de

aprendizagem (nível de desenvolvimento potencial).

90

Sobre isso, Nunes (2000) alerta para os princípios subjacentes aos

materiais didáticos que regem o estabelecimento de objetivos e a organização de

objetos de ensino. Para possibilitar uma prática com uma organização didática

com base em gêneros textuais, seria fundamental a descrição dos gêneros

escolhidos para se compreender seu funcionamento e sua complexidade e,

conseqüentemente, para se poder propor tarefas adequadas à situação, aos

objetivos e ao aluno/leitor, considerando suas necessidades e possibilidades.

4.2.8 Complexidade da tarefa

Ao iniciar a leitura em LE com uma tarefa complexa, o leitor conta com o

conjunto de seus conhecimentos prévios (segundo os PCNs-LE, conhecimento de

mundo, de organização textual e sistêmico) para atingir o seu objetivo. Por um

lado, no caso de um texto, o leitor terá como suporte o contexto, a organização do

texto, seu conhecimento a respeito do assunto, etc. Por outro lado, é comum

encontrarmos propostas de leitura que se iniciam com o trabalho de vocabulário,

pois a compreensão do léxico é considerada como anterior ao trabalho com o

texto, como um pré-requisito para realizar a tarefa complexa que é a compreensão

de um texto. Neste movimento, partir-se-ia do ‘simples’, para que o acúmulo

dessas partes simples pudesse levar à globalidade do texto e possibilitar sua

compreensão.

Ora, entretanto, sabe-se que é o objetivo da leitura que define os

movimentos do leitor em relação ao texto. Um leitor pode ler uma receita para

simplesmente conhecer os ingredientes, e, em outro momento, ler a mesma

receita para entender seu modo de preparação. Para identificar os ingredientes de

uma receita, ele pode contrastar a parte que selecionou do texto com as outras

partes do mesmo texto e/ou com outros textos. Para isso, é necessário que tenha

contato com o texto como um todo e uma situação de comunicação que requeira

91

essa tarefa. Ou seja, não acreditamos que se possa partir do estudo de itens

lexicais isolados para se chegar ao texto da receita. O movimento deve ir no

sentido contrário: do texto global da receita para os itens lexicais que a

constituem, movimento que é definido por Nuttall (1996) como um movimento que

vai do complexo para o simples.

4.2.9 Uso de recursos pedagógicos para mediação

Ao compreendermos a mediação como constitutiva da construção de

sentidos, remetemo-nos ao processo de negociação a que os leitores são

submetidos. No caso do ensino de leitura em LE, o professor pode lançar mão de

diferentes recursos para oportunizar essas negociações, dar espaço para as

interpretações emergirem sendo reveladas nas interações. A partir dessas

interações e com o auxílio de recursos, o leitor pode se apropriar de operações

que contribuem para o processo de significação.

É evidente a importância do uso de diversos recursos pedagógicos no

processo de aprendizagem e na construção conjunta da significação. Alguns

desses recursos, segundo o interacionismo sociodiscursivo, seriam:

a) a repetição da leitura em voz alta para que o outro possa reelaborar sua

própria leitura e transformá-la;

b) o uso de textos com conteúdo já conhecido;

c) a soletração como meio de reconhecimento da grafia;

d) a comparação para mediação em auxílio à atividade de leitura;

e) a leitura conjunta;

f) o uso de entonação.

Assim, parece-me que os recursos compõem as condições de produção da

leitura.

Além desse ponto de vista, gostaríamos de reforçar a idéia de que a escrita

alimenta a leitura e vice-versa, sendo esta, inclusive, uma estratégia de

92

aprendizagem da leitura. Acreditamos também na importância de um trabalho

conjunto entre compreensão e produção escrita para o processo de letramento.

Esse ponto de vista transposto para o ensino de LE no ensino fundamental levar-

nos-ia a uma longa discussão, especialmente das condições, interesse e

necessidades em jogo.

4.2.10 Processo colaborativo e método indutivo

Na situação tripolar da sala de aula, com os três pólos professor-aluno-

objeto do conhecimento, uma das funções do professor é atuar como par mais

experiente, ou seja, alguém que pode orientar a tarefa a ser desenvolvida, quando

o aluno não pode realizá-la sozinho. Essa orientação envolve a referência ao

modelo que esse par mais experiente proporcionaria no processo de

aprendizagem. Porém, isso não exime a ação do próprio sujeito; pelo contrário, ele

deve ter oportunidades criadas para suas ações e informações necessárias para

esse agir, com os meios adequados.

Esses meios seriam, para nós, oriundos do modelo didático usado como

instrumento para o professor usar na definição de suas escolhas relacionadas às

perguntas: O que ensinar? Por quê? Como? Baseado nesse modelo, ele também

poderá tanto produzir suas próprias seqüências didáticas quanto analisar o que

lhe seja disponibilizado como material. Para os alunos, o instrumento é fornecido

pelo professor em forma de atividades, tarefas, textos, enfim em uma seqüência

didática construída depois da elaboração do modelo didático.

Dentre os muitos recursos para um processo colaborativo estão os

instrumentos lingüísticos que são explorados nos exercícios propostos em um

material. Na opinião de Dolz & Schneuwly (1998), o método indutivo seria o mais

apropriado, já que é a partir de oportunidades criadas em sala de aula, das

observações e dos textos de referência que o aluno se apropria do funcionamento

da linguagem. Concordamos que, seguindo o método indutivo, o professor se volta

para criar as oportunidades adequadas de aprendizagem em oposição àquele

93

professor que se dedica à transmissão de conhecimento. Assim, nem o texto, nem

o professor dão o sentido, mas este é construído pelos sujeitos leitores inseridos

em um contexto de produção de leitura adequada à situação. Isso não significa,

entretanto, que não deve haver espaço para sistematização e formalização de

conhecimentos por parte do professor. Pelo contrário, elas são ferramentas

indispensáveis como estratégias de ensino necessárias para a apropriação do

aluno de uma prática de linguagem. Acreditamos verdadeiramente que as visões

do interacionismo sócio-discursivo complementam o modelo sociointeracional no

sentido de que resgata o processo da negociação do significado através do

discurso, dando ao leitor a possibilidade de co-enunciação.

A partir deste estudo apresentamos um modelo de aula que utiliza

quadrinhos de Charlie Brown, personagem do cartunista americano Shulz,

retirados do site oficial “Peanuts”. Este modelo é baseado no uso de estratégias

de leitura e nos princípios do interacionismo sociodiscursivo, que poderá ser

usado na preparação de aulas de leitura em língua estrangeira.

The first day of school

(organizado pela autora; quadrinhos retirados do si te oficial “Peanuts”:

www.unitedmedia.com/comics/peanuts/ - 36k – em 10 de março de 2002 –

Você vai ler textos que falam sobre o primeiro dia de uma criança na escola.

Pense.

a) O que geralmente acontece no primeiro dia de aula de uma criança? (ativação

de esquemas de conteúdo, previsão, combinação das c apacidades de

linguagem )

__________________________________________________________________

94

b) Quais palavras você espera encontrar nele? (previsão , estudo de elementos

léxicos, capacidades lingüístico-discursivas )

__________________________________________________________________

c) Que tipo de texto poderia ser? (ativação de esquemas formais,

conscientização para o gênero, combinação das capac idades de linguagem )

__________________________________________________________________

Leia agora o 1 o texto:

Responda :

a) Suas previsões estavam corretas? (confirmação/rejeição/refinamento de

hipóteses, combinação das capacidades de linguagem )

__________________________________________________________________

b) Que tipo de irmão é Charlie Brown? (ativação de esquemas de conteúdo,

combinação das capacidades de linguagem )

__________________________________________________________________

c) Qual é a reação de Sally? O que você imagina que vai acontecer no seu

primeiro dia de aula? (ativação de esquemas de conteúdo, previsão,

combinação das capacidades de linguagem )

__________________________________________________________________

95

Leia o 2 o texto:

Responda:

a) A história se passou como você esperava?

(confirmação/rejeição/refinamento de hipóteses, comb inação das

capacidades de linguagem )

__________________________________________________________________

b) O que ela sentiu quando viu a escola? Como você sabe?

(confirmação/rejeição/refinamento de hipóteses; obse rvação da informação

não-textual, combinação das capacidades de linguage m)

__________________________________________________________________

Agora leia o 3 o texto:

Responda :

a) Você esperava que o final fosse assim? Por quê?

(confirmação/rejeição/refinamento de hipóteses, comb inação das

capacidades de linguagem )

__________________________________________________________________

96

Aplicações pedagógicas:

Pode-se, entre outros tópicos selecionados pelo professor, fazer-se um estudo de:

1o quadrinho: - substantivos;

- formação de palavras (sufixo formador de substantivos -er;

sufixo formador de adjetivos -ed);

- presente simples.

2o quadrinho: - dias da semana;

- interjeições;

- verbo “there to be” (haver)

3o quadrinho: - elos coesivos;

- interjeições;

- passado simples.

97

Considerações finais

Os objetivos desse trabalho foram posicionar o leitor como co-enunciador

na construção do sentido dos textos através do modelo sociointeracional de leitura

e enfatizar a abordagem sociointeracional de leitura como mais adequada para

uma prática de leitura com resultados mais eficientes, aliando-nos ao uso de

estratégias, da teoria dos esquemas e dos pressupostos do interacionismo sócio-

discursivo. Em última análise, procurou-se recuperar a natureza comunicativa da

linguagem ao permitir a contribuição do leitor como participante na construção do

significado dos textos.

Os professores de LE não estão familiarizados com a idéia de leitura como

um processo durante o qual continuamente levantamos hipóteses para depois as

rejeitarmos, confirmarmos ou redefinirmos.

A leitura, portanto, não é uma questão de tudo ou nada, é uma questão de

natureza da linguagem, de condições, de modos de relação, de trabalho, de

produção de sentidos, em uma palavra: de historicidade. Historicidade do texto,

mas também historicidade da própria ação da leitura, da sua produção. Daí

dizermos que a leitura é o momento crítico da produção da unidade textual, da sua

realidade significante. É nesse momento que se desencadeia o processo de

significação do texto.

Contudo, não podemos esquecer que há um outro aspecto relevante na

produção da leitura: a “incompletude”. Para Bakhtin, a categoria básica da

concepção de linguagem constitui-se na sua realidade dialógica. Para ele, toda

enunciação é um diálogo, mesmo as produções escritas, num processo de

comunicação ininterrupto. Segundo Bakhtin, “a palavra é uma espécie de ponte

lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na

outra, apóia-se sobre meu interlocutor”.

Bakhtin considerou que o homem, fora das condições sócio-econômicas

objetivas, fora de uma sociedade, não tem nenhuma existência. Só como membro

de um grupo social, de uma classe, é que o indivíduo ascende a uma realidade

98

histórica e a uma produtividade cultural. Nessa perspectiva, ele elaborou sua

concepção de consciência e de ideologia. As interações verbais, para ele, são

consideradas como um produto social, e todos os seus elementos resultam em

uma consciência de classe. Resta lembrar, que, na prática da língua viva, a

consciência lingüística do falante, do ouvinte e conseqüentemente, do leitor,

relacionam-se sempre com a linguagem. A palavra está sempre carregada de um

sentido ideológico.

A leitura crítica nunca foi encorajada em aulas de língua estrangeira. Pelo

contrário, a leitura tem sido uma atividade não-problematizada, simplesmente algo

que acontece quando o leitor encontra o texto. Muitas vezes os professores têm a

prática de “pular” a leitura, ou mandá-la como tarefa de casa, sem dar-lhe a devida

importância. Os textos dos livros não são selecionados pelo seu potencial

desafiador, para levar o aluno a pensar. Eles são apenas considerados veículos

para a apresentação e/ou fixação de estruturas lingüísticas, vistos como um

material de interesse geral, de conteúdo seguro e não questionado. Wallace

(1990) afirma que os alunos de língua estrangeira são freqüentemente

marginalizados como leitores. Ela alega também que o que está faltando é (a)

uma tentativa de situar a leitura e a escrita em um contexto social; (b) o uso de

textos provocativos e (c) uma metodologia para a interpretação crítica dos textos.

Textos não podem ser considerados produtos isolados. E, no entanto, na

sala de aula de língua estrangeira este é o procedimento padrão – o texto é

trazido para a sala ou então está no livro, é lido e talvez analisado ou seguido de

exercícios. Muitas vezes não se sabe a autoria, a data nem a origem dos textos.

Eles não têm história. Entretanto, estes elementos fazem parte do sentido de um

texto. Temos que saber alguma coisa sobre a situação histórica na qual um texto

foi escrito, as circunstâncias de sua produção e como este texto se situa em

relação a outros textos. É aqui que os saberes da análise do discurso, adotados

pelo interacionismo sócio-discursivo, podem elucidar nossa prática pedagógica

quanto à compreensão de textos, ajudando professores e alunos a identificarem o

contexto de produção de textos e a situação de interação social que influencia

seus aspectos lingüístico-discursivos. Tais questões ajudariam a refletir sobre os

99

aspectos do poder no mundo real – que tipo de influências sócio-políticas afetam o

que se publica, onde e de que forma.

Muito ficou para ser pesquisado, como o desenvolvimento do construto

teórico sobre capacidades de linguagem. Esperava poder ter avançado no sentido

de pesquisar se outros tipos de capacidades estariam envolvidas no processo de

compreensão escrita, porém não foi possível avançar em relação a isso, mas

acredito ter demonstrado sua relação com os critérios de avaliação propostos

pelos PCNs-LE e sua aplicação como instrumento de análise.

Como contribuição para a prática, indica-se a possibilidade de organizar o

ensino de leitura em LE com base na visão interacional e nos pressupostos do

interacionismo sócio-discursivo. Na dimensão teórica, sugere-se o

desenvolvimento de práticas pedagógicas para o ensino de leitura em LE, que

podem ser tomadas como princípios gerais para a prática em sala de aula de

leitura. Finalmente, como contribuição metodológica, confirma-se a validade do

uso de estratégias de leitura aliadas às teorias de esquemas como instrumento

para a produção de material didático mais adequado ao ensino de LE.

100

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