de bar a bar muitas historias a contar

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ARCOS

Cláudia Cristina SilvaEspecial para Revista “a par”

Era final da Década de 60 e iníciodos Anos 70. Período marcado, defini-tivamente, pela a institucionalização dacensura e pelo auge da repressão polí-tica, devido ao Golpe Militar de 64. Osartistas Caetano Veloso, Chico Buar-que, Gilberto Gil, Geraldo Vandré eElis Regina, defensores de uma políticaativa e esquerdista, ganharam a inimi-zade do regime ditatorial e tiveram suascanções recriminadas e banidas da cir-culação nacional. O governo repressorcom intenções de alienar o povo brasi-leiro agiu de forma que a MPB desapa-recesse das rádios, cedendo lugar àsmúsicas da Jovem Guarda e ao rock in-ternacional, como Beatles, Led Zeppe-lin e Deep Purple. O “Glam Rock”, oexcêntrico rock com purpurina, refe-renciado pelo ícone musical DavidBowie, e no Brasil pelo grupo “Secose Molhados” também fazia parte das

paradas de sucesso, assim como o “be-lisquete”. A moda evidenciada pelastendências singulares permitia que asmocinhas mostrassem mais o corpocom as míni-saias e os tops “tomara-que-caia”, enquanto os homens se tra-javam com as calças bocas de sino e ascamisetas justas de botão. O Estado deMinas Gerais, especificamente BeloHorizonte, recebia essas influências doeixo Rio-São Paulo, que por sua vezrefletia nas pequenas cidades do inte-rior.

Nesse contexto, Arcos estava em umprocesso de transição, deixando de serum município essencialmente agráriopara se tornar industrializado e urbano.A população era estimada em 20 milhabitantes, embora a cidade recebesseum grande número de imigrantes, quevinham para trabalhar nas indústriasextrativas. Bailes e “horas dançantes”era a forma que os moradores encontra-vam para se entreter no Clube Social(único espaço de festas), até surgir os

primeiros barzinhos, verdadeiros pon-tos de encontro da juventude. A cidadeera bem pequena e aconchegante, de talforma que era muito mais fácil a aglo-meração e integração entre as pessoas.

Quem viveu as Décadas de 60 e 70em Arcos jamais esquece os dois baresque marcaram a história social do mu-nicípio: o pioneiro, Gamelão, e o Cha-péu de Palha, ambos de natureza rústica.

O PRECURSOR: GAMELÃOInaugurado no dia 21 de janeiro de

1968 por Expedito Rezende, arcoense jáfalecido, juntamente com sua esposaMaria Carmelita de Rezende e filhos, oespaço nada convencional era caracte-rizado por três itens: o capim, o bambue a madeira. Tinha o teto todo de capime era contornado por bambus; as mesase as cadeiras eram de madeira, todasredondas, localizadas nas laterais, poisno meio se formava a pista de dança. Osbanquinhos, mais parecidos com tam-boretes, eram grudados no chão de ci-mento liso. O bar se localizava na Ave-nida Gétulio Vargas, onde é hoje a Ele-trozema.

A denominação se deu pelo fato deo formato do local ser uma grande ga-mela virada de cabeça para baixo, por

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Nos barzinhos, grandes casos são contados, grandeslaços são firmados e muitas amizades sãoeternizadas. O perfil dos bares Gamelão e Chapéude Palha: os primeiros de uma série de reportagenssobre os principais pontos de encontro de Arcos

isso a palavra no aumentativo: Game-lão, inclusive o símbolo de inauguraçãofoi uma gamela ornamentada com flo-res.

De acordo com Eliana ResendeBorges, filha de Expedito, o Gamelãofoi o primeiro bar de Arcos que propor-cionava ampla integração social e umaconstante programação de eventos.Afinal, já havia outros bares, porém demovimentação quase restrita a homens,como o do Idolves, do Vivi e do ZéPires.

O Gamelão não era um simples bar.Era um espaço alternativo em que sepromoviam comemorações de datascívicas, casamentos, desfiles, festas decarnaval e bailes de reveillon. Á noite,o som era proporcionado pelos antigosdiscos de vinil e, nos finais de semana,havia shows ao vivo.

O primeiro conjunto musical da ci-dade, “Os Jovens”, ativo até 1971, eramarca carimbada do Gamelão e doChapéu de Palha. O grupo tocava suces-sos de Vanderléia, Roberto Carlos, Van-derlei Cardoso e Os Incríveis, além dereleituras de músicas dos Beatles, bandaque dominava o mundo na época.

De acordo com João Teixeira daSilva, 59, guitarrista do grupo e freqüen-

tador do bar, as festas eram muito agra-dáveis. “A moçada se encontrava parabater papo e se divertir. O local era tãobom que eu e alguns amigos deixáva-mos de assistir aulas para irmos aoGamelão”.

A arcoense Delorme Soraggi deAmorim, 55, era namorada de um dosintegrantes da banda “Os Jovens” e tam-bém adorava ir ao Gamelão. “O ambi-ente era bastante saudável e receptivo.Todos interagiam, conversavam e joga-vam dama, dominó e baralho”, comenta.

Para manter a ordem, o bom funci-onamento e, conseqüentemente, ter umpúblico seleto, Expedito Rezende per-mitia a entrada somente de pessoas queapresentassem a carteira de sócio doClube Social ou que estivessem acom-panhadas por algum freqüentador assí-duo. “Quem já estava muito bêbado nãoentrava. Meu pai queria que o Gamelãofosse um ambiente saudável, fraterno eque a sociedade pudesse freqüentar comtranqüilidade”, lembra Eliana.

Depois de cinco anos de funciona-mento, em agosto de 1973, o calor daconvivência dos freqüentadores assídu-os do bar foi “superaquecido” por umincêndio. Era uma tarde quente e demuita ventania, clima comum daquela

época do ano, quando o fogo começoua lastrar na parte superior do teto. “Todomundo ficou desesperado para apagar ofogo. Meus irmãos começaram a subire jogar água. Em poucos minutos, váriaspessoas juntaram-se e fizeram uma cor-rente para repassar baldes de água paraquem estava no teto. Todos queriamajudar. A turma era tão animada que semobilizou para arrumar o bar e cobrir oteto com lona, para que ele funcionas-se normalmente naquele dia”, relataEliana.

A família desconfia que tenha sidoalguma ponta de cigarro ou algo pare-cido que desencadeou o incêndio, masaté hoje nada foi comprovado.

Um ano depois do ocorrido, Expe-dito vendeu o Gamelão para Olívio, quemanteve o bar na ativa por mais doisanos.

CHAPÉU DE PALHAInaugurado em 26 de julho de 1969,

em frente à praça central da cidade, oChapéu de Palha assemelhava-se aoGamelão em relação aos aspectos físi-cos, mas diferenciava-se quanto aosserviços, pois funcionava como restau-rante e churrascaria durante o dia e, ànoite, como boate. Segundo o proprie-

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tário, Ayrard Olivério Siqueira, o esta-belecimento possuía 370 metros quadra-dos, disponibilizava 76 mesas e 320cadeiras e o funcionamento do restau-rante e da boate era diário. “Até as 22horas, tocava-se discoteca; das 22 às 24,samba; e de 24 às 2 horas só rodavamúsica lenta”, observa.

Para Ayrard, o investimento foimuito bom para Arcos, já que não exis-tiam restaurantes no município, e aspessoas, sem opção, tinham de ir almo-çar em Formiga. Pelo restaurante, pas-saram várias personalidades, entre eles,políticos e atletas. “Certa vez, o time doCruzeiro veio jogar em Arcos e foi al-moçar no Chapéu de Palha. A praça fi-cou lotada de curiosos e fãs”, lembra.

Com exceção das mulheres, a entra-da no estabelecimento era cobrada nosdias de festa. “Esta era a chave de suces-so do bar. As mulheres não pagavam eisso atraía os homens, mesmo que opreço cobrado deles fosse mais caro”.

O Chapéu de Palha também foi in-cendiado em 1972, um ano antes doGamelão. No dia, estava acontecendouma festa de bodas de prata e fogos deartifício foram soltos em comemoração.Fatalmente, um deles caiu no teto decapim e provocou o incêndio. Ayradconta que teve grande prejuízo paraacabar com o fogo, pois o bar foi quei-mado por inteiro.

O Chapéu de Palha funcionou ain-da por mais 17 anos e foi fechado 1989,época em que a cidade já havia se mo-dernizado e a concorrência entre oslocais de entretenimento era bem maior.

O ponto de encontro da juventude nas Décadas de 60 e 70 era no Gamelão,primeiro espaço alternativo de Arcos

O primeiro conjunto musical deArcos, ‘Os Jovens’, tocou até 1971e fez histórias nos bares Gamelãoe Chapéu de Palha. Osintegrantes da banda eram osarcoenses Criolo, Tote, Toninho,Adilson, Geraldinho, Ringo eJoãozinho

A única foto que oproprietário do Chapéu de

Palha tem consigo mostra atriste lembrança do incêndio

ocorrido em 1972