dcv0212 - fontes das obrigações i - aline nazareth (185-24)

58
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DCV0212 Fontes das Obrigações: Teoria Geral dos Contratos e Contratos do Código Civil Professor Associado José Fernando Simão Caderno do 2 o semestre de 2013 Turma 185 Sala 24 Organizadora : Aline Nazareth Colaboradores: Beatriz Rico, Camila Oliveira, Débora Chammas, Débora Nachmanowicz, Débora Vizeu, Izabella Passos, Juliana Constancio, Jussara Costa, Louise Maia, Stephanie Kodlulovich e Thais Juliana.

Upload: axwell96

Post on 07-Dec-2015

9 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

FDUSP

TRANSCRIPT

Page 1: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO DCV0212 – Fontes das Obrigações: Teoria Geral dos Contratos e Contratos do Código Civil

Professor Associado José Fernando Simão

Caderno do 2o semestre de 2013 Turma 185 – Sala 24

Organizadora: Aline Nazareth Colaboradores: Beatriz Rico, Camila Oliveira, Débora Chammas, Débora Nachmanowicz, Débora Vizeu, Izabella Passos, Juliana Constancio, Jussara Costa, Louise Maia, Stephanie Kodlulovich e Thais Juliana.

Page 2: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 2 Aline Nazareth – Turma 185

Aula 05.08 Bibliografia: Dos Contratos – Orlando GOMES; Contratos – José Fernando SIMÃO.

Inadimplemento das obrigações

Artigos 389 e 4201 do Código Civil

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Pagamento é a realização da obrigação no tempo, forma e lugares devidos. Pagar é

cumprir o programa obrigacional. A situação normal, comum, é que a obrigação tenha seu fim com o pagamento. Ou seja, adimplemento é o meio comum da extinção das obrigações. Agostinho ALVINO diz que o inadimplemento das obrigações é um estado patológico, é um estado raro, mas é mais importante para os juristas, pois são incitados a agir quando a obrigação é inadimplida.

Inadimplemento é o não cumprimento da obrigação, tanto pelo devedor quanto pelo credor. Diante de um inadimplemento, o intérprete deve se perguntar se o não cumprimento é ou não imputável ao devedor. Ou seja, o devedor teve ou não culpa pelo inadimplemento. Se a resposta for positiva, ele responderá; do contrário, não. E quando é que o inadimplemento não será culpa do devedor? O inadimplemento não poderá ser imputado ao devedor quando resultar de caso fortuito ou força maior.

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Qual é a diferença entre caso fortuito e força maior? O Professor Maurício BUNAZAR diz

que existe diferença porque, então, não haveria denominações diferentes, mas ninguém sabe – perdeu-se nos tempos, não há base histórica. Assim, a doutrina é absolutamente divergente. Fato é que a legislação os trata como expressões sinônimas, ambas têm a mesma eficácia: irresponsabilizar o devedor pelo inadimplemento.

O Código de Defesa do Consumidor não arrola (não coloca em lista, no rol) o caso fortuito e a força maior como causas de exclusão da responsabilidade do fornecedor. O artigo 122 não contempla o fortuito e a força maior. Porém, a doutrina estabeleceu uma distinção

1 Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função

unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar. 2 Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da

existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - sua apresentação; II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi colocado em circulação. § 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado. § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

Page 3: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 3 Aline Nazareth – Turma 185

que é acolhida pela jurisprudência: fortuito interno é aquele ligado à atividade do fornecedor e fortuito externo é aquele estranho à atividade do fornecedor. O fornecedor responde pelo interno – Súmula 479 do Supremo Tribunal de Justiça:

As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

Toda norma de conduta tem o chamado “âmbito de proteção”, que é o espaço abarcado pela norma. Assim, precisa-se descobrir se estamos ou não dentro desse âmbito. No caso de eu estar com um carro parado dentro de um estacionamento e ter minha carteira roubada na hora do pagamento, eu estou nesse âmbito de proteção? Não. A norma protege o meu carro e não a minha pessoa. Quando eu faço o contrato de transporte de pessoas – passagem de ônibus – em segurança. Se eu for assaltado, o que acontece? Mas, antes, que tipo de segurança é essa? A segurança é contra acidente. O Supremo Tribunal de Justiça dizia que se a linha do transporte é sabidamente perigosa, o transportador responde. Graças a Deus o STJ mudou de posição e disse que o transportador não responde. O mesmo pensamento ocorre dentro de uma sessão de cinema caso ocorra um massacre: a responsabilidade do cinema é proteger contra briga física, garantir o filme etc. Isso é diferente de um assalto que ocorre dentro de um shopping ou quando uma joalheria é roubada dentro de um também – há a questão da segurança porque esta é abarcada, é presumida – paga-se mais cara por ela. Nos casos de âmbito de proteção, para saber o seu limite, eu vou aplicar o que usualmente se aplica, de acordo com a razoabilidade – é abstrato, depende fundamentalmente da experiência jurídica, do dia-a-dia.

Sendo assim, em algumas hipóteses, o devedor responderá pelo fortuito. Quais são

essas hipóteses? 1. Quando ele assume contratualmente a responsabilidade (contratos

paritários), sendo nulo quando houver disparidade entre as partes, como no caso de consumidor e produtor.

2. Em algumas hipóteses, a lei expressamente impõe ao devedor a responsabilidade pelo fortuito. Exemplo: venda com reserva de domínio, mora do devedor etc.

Se o inadimplemento for por culpa do devedor, ele responderá: (i) por perdas e danos

(prejuízo causado), (ii) correção monetária (atualização do valor alterado pela inflação, o índice oficial de correção é o IPC – Índice de Preços ao Consumidor. Observação: o artigo 2º da Lei 10.192 de 20013, Lei do Plano Real, proíbe correção monetária em periodicidade inferior a um ano com o intuito de conter a inflação), (iii) juros (espécie de fruto civil do capital – capital é o principal e o fruto civil é o acessório) e (iv) honorários de advogado (sucumbências – situação de quem perdeu – ou contratuais? Há divergência na doutrina sobre a natureza desses honorários. Alguns entendem que são os sucumbenciais, outros que são contratuais. Este último posicionamento é o adotado no Enunciado 426 do CJF4 – Conselho da Justiça Federal –: caráter de doutrina, não vincula).

III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. 3 Art. 2

o É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a

variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano. § 1

o É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano.

§ 2o Em caso de revisão contratual, o termo inicial do período de correção monetária ou reajuste, ou de nova revisão, será a

data em que a anterior revisão tiver ocorrido. 4 “Os honorários advocatícios previstos no art. 389 do Código Civil não se confundem com as verbas de sucumbência, que, por

força do art. 23 da Lei n. 8.906/1994, pertencem ao advogado”.

Page 4: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 4 Aline Nazareth – Turma 185

Distribuição da culpa

Artigo 3925 do Código Civil Cada classificação corresponde a um regime jurídico. Nos contratos onerosos, ambos

os contratantes respondem por culpa. Nos contratos benéficos, aquele que prestou a vantagem somente responde por dolo. Ver súmula 145 do STJ:

No transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave.

“A culpa grave ao dolo se equipara”. Então, se o meu agir foi absolutamente

desastrado, equivale ao comportamento doloso. Contudo, há algumas exceções, por exemplo: o depósito e o mandato, a princípio, são benéficos, mas o prestador do benefício responde por simples culpa. Exemplo: vou viajar e deixo o meu cachorro com a minha vizinha. Ao passear com ele, ela o deixa escapar e ele morre atropelado – a vizinha responderá por simples culpa.

O inadimplemento divide-se em duas espécies: 1. Absoluto: caracteriza-se quando a realização da prestação não mais atender aos

interesses do crédito – não atingir objetivamente os interesses do credor, ou seja, não é algo pessoal de interesse dele.

2. Relativo ou mora: a realização da prestação ainda atenderá aos interesses do crédito. Ou seja, a definição gira em torno do interesse ou não da realização da prestação.

Quando que eu definirei o inadimplemento como absoluto ou relativo? Quando houver interesse na prestação, é relativo; quando não houver mais, é absoluto.

Mora

Artigo 394 do Código Civil

Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.

Graças ao Clóvis BEVILACQUA, temos o melhor sistema de mora do mundo. Mora é

atraso, etimologicamente falando. Contudo, isso não funciona no nosso Código, que possui um sistema tripartido: mora é o inadimplemento relativo em relação ao tempo, ao lugar e à forma do pagamento. Eu tenho tempo, lugar e forma certa de fazer o pagamento – caso faça em outro lugar, por exemplo, estou em mora. Aula 07.08

Espécies de Mora

5 Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a

quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei.

Page 5: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 5 Aline Nazareth – Turma 185

1. Mora do devedor – debendi, debitoris ou mora solvendi (conhecida assim porque o devedor é quem solve, é o solvente – solvens). Só há mora do devedor se ele agiu com culpa – elemento fundamental para que se impute a mora ao devedor. Se ele não teve culpa, houve simples atraso, logo, não imputarei ao devedor as consequências da mora (juros, multa etc.). Se eu imaginar que o devedor tem que entregar o cavalo no dia 10 de janeiro e há um grande alagamento fazendo com que ele não consiga entregar, não houve culpa dele, logo, não há mora. É o chamado simples atraso ou retardamento. Por isso entende-se que quando os bancos entram em greve e as pessoas não conseguem pagar seus boletos, trata-se de um caso típico de um atraso que não é mora. Multa pressupõe culpa, porém, o PROCON (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) decidiu que o devedor deve procurar outros meios de pagamento, como a internet, o que para o professor é um absurdo. Há ainda outro caso colocado pelo Código Civil – artigo 399.

Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.

Como mostrado, coloca que o devedor em mora responde pelo caso fortuito ou pela força maior. Portanto, há o efeito do aumento da responsabilidade do devedor: responde por algo que, na situação ordinária, não responderia. Contudo, há o porém no artigo de que se o devedor provasse que ainda que tivesse cumprido a prestação, haveria o prejuízo, ele não responderia pela força maior/caso fortuito – a morte do cavalo seria inevitável, mesmo que ele tivesse sido entregue oportunamente. Tal regra tem como fundamento evitar o enriquecimento sem causa. Ainda, pode-se dizer que esse artigo é processual: quem tem que provar é quem alega que o cavalo teria morrido da mesma forma – questão de prova e também de juízo de probabilidade. O artigo coloca também sobre a isenção de culpa. Eu não respondo por mora se eu provar isenção de culpa, mas o que significa isenção de culpa? O devedor que não tem culpa, não tem mora – só há mora se houver culpa. Se o devedor está em mora, ele responde pelo caso fortuito e pela força maior. Se o devedor prova que ele não teve culpa (isenção de culpa), ele não está em mora – é simples retardo. E se ele não estava em mora, ele não responde por ela e, consequentemente, pelo caso fortuito e força maior (responsabilidade pela mora). Essa é a explicação do Agostinho Alvino, autor do novo Código Civil de 2002 – ou seja, é a explicação básica do fundamento da mora.

2. Mora do credor – credente, creditoris ou mora accipiendi. Caso prático: eu devo um cavalo a alguém. No dia avençado, eu contrato o caminhão, coloco o cavalo lá e vou até a fazenda da pessoa para entregar, mas ela não está. Eu pego o cavalo, pego de novo o caminhão e deixo o cavalo na minha fazenda. Tenho um gasto com o cavalo por uma semana. Na semana seguinte, eu faço tudo de novo com o caminhão. Com culpa ou sem culpa da pessoa por não ter pego o cavalo no dia certo, quem vai arcar com os gastos? O credor – regra do favor debitoris. A mora do credor se verifica independentemente da culpa deste. Portanto, se pessoa não receber o cavalo ou porque bebeu ou porque estava hospitalizado, não interessa se há culpa ou não, o credor entra em mora simplesmente por não receber a prestação para que se evite um sobrepeso, uma carga maior nos ombros do devedor, que já tem a carga obrigacional.

Page 6: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 6 Aline Nazareth – Turma 185

Contudo, o credor não é obrigado a aceitar prestação diversa daquela avençada no dia certo. A recusa nesse caso é justa – ele não entra em mora. Quais são os efeitos do credor entrar em mora? Isso se encontra no artigo 400 do Código Civil:

Art. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação.

O credor em mora responde pelas despesas que o devedor teve com a coisa (benfeitorias necessárias). O devedor teve uma diminuição da sua responsabilidade: no caso da mora do credor, o devedor só responde por dolo – antes ele respondia por dolo e por culpa, agora tem sua responsabilidade diminuída. Agora só responde pelos prejuízos intencionalmente causados, como é o caso de matar o cavalo. Última consequência: se eu tenho uma compra e venda, eu tenho um comprador que é credor da coisa e devedor do dinheiro. Por sua vez, o vendedor é credor do dinheiro e devedor da coisa. Vendo uma saca de café por oitenta reais para ser entregue no dia 10 de janeiro. Nesse dia, o comprador não está lá para receber – mora do credor: é mora do credor porque ele é credor da coisa. Depois de uma semana, tento entregar novamente, contudo, a saca de café aumentou para cem reais. Assim, o comprador tem que pagar o valor mais alto, pois responde pela mora. Se, por acaso, o valor caiu para cinquenta, o comprador deve continuar a pagar oitenta reais. O comprador – credor da coisa – sempre tem que pagar o preço mais alto. Os riscos da oscilação ficam com o credor que está em mora. É possível mora recíproca? Esqueço-me de levar o cavalo e o credor esquece-se de

buscá-lo. Se houver mora recíproca ou simultânea, as moras se aniquilam e não há produção de nenhum efeito, pois a mora do credor diminui a responsabilidade do devedor e a mora do devedor aumenta a sua responsabilidade. Isso se chama compensação de moras.

É possível purgar ou emendar a mora? Sim. Porque, na mora, a prestação ainda é útil

ao credor, logo, tanto o devedor quanto o credor podem purgar a mora. Purgar significa que o devedor cumpre a prestação ou que o credor recebe a prestação, mas com os consequitários da mora – cada um com as suas responsabilidades, dependendo se é mora do credor ou do devedor.

A mora ainda pode ser ex re ou ex persona – possibilidades quanto ao início da mora.

O que é a mora ex re? É a mora automática, que independe de qualquer atividade do credor. Chegou o dia, a obrigação não foi cumprida: há mora. Essa mora é a regra no sistema brasileiro por força do artigo 397 do Código. Exemplo: qualquer boleto bancário, aluguel etc.

Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva (dar ou fazer) e líquida (certa quanto à existência e determinada quanto ao valor), no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.

Contudo, existem obrigações que não têm prazos de vencimento ou porque o valor

não foi acertado – ex persona. Exemplo do caso do semestre passado em que o pai tinha prometido o apartamento pelos filhos. Quando começa a mora? Depende de uma atitude do

Page 7: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 7 Aline Nazareth – Turma 185

credor, depende de uma interpelação. Atenção: deve-se respeitar o prazo razoável. É parágrafo único do artigo anterior:

Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.

Ainda, existem leis especiais que podem transformar uma mora ex re em ex persona. É

uma opção do legislador. O Decreto nº 58 de 1957, que dispõe sobre o loteamento e a venda de terrenos para pagamento em prestações, é um exemplo disso.

Juros

Os juros são frutos civis produzidos pelo capital e, portanto, são acessórios. Ainda, juros não se confundem com correção monetária – esta é a atualização do valor da moeda em relação à inflação.

Espécies de Juros

Quanto a sua função, temos duas: 1. Juros compensatórios ou remuneratórios

Quando eu resolvo aplicar o meu dinheiro em um banco, o banco me paga juros porque investi dinheiro – o banco trabalha com o meu dinheiro, assim, me remunera, me paga juros remuneratórios ou compensatórios. Muita gente chama esse tipo de empréstimo de dinheiro e sua consequente remuneração de “aluguel de dinheiro”. Nada tem a ver com o inadimplemento.

2. Juros moratórios Esse nasce da própria mora, do atraso culposo, como o próprio nome já diz.

Quanto à origem: 1. Juros convencionais

Como o próprio nome diz, são os juros que nascem da vontade, do acordo de vontades. São os juros previstos em contratos, são combinados. Atenção: não há juros remuneratórios que nasçam da lei, eles nascem necessariamente de acordo entre as partes. Se não há previsão de juros, prevalece o nominalismo.

2. Juros legais Têm previsão legal. É o caso dos juros moratórios, já que advêm de mora. Um exemplo disso são os juros advindos do atraso do pagamento do aluguel – decorre da Lei do Inquilinato. Sendo assim, os juros moratórios são juros legais.

Como dito, as partes podem fixar os juros da mora. Existe limite para tal convenção? O

Decreto nº 22.626 de 1933 (Lei da Usura) prevê a nulidade da taxa de juros que for superior ao dobro da taxa legal. A taxa legal de juros é de 1% ao mês com base no artigo 161, § 1º do Código Tributário Nacional6, contudo, o Supremo Tribunal de Justiça adota a taxa SELIC, que varia de acordo com os humores da economia e serve para a política macroecômica – de

6 Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da

falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária. § 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.

Page 8: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 8 Aline Nazareth – Turma 185

maneira nenhuma deveria ter sido a taxa adotada pelo Código Civil no seu artigo 4067, pois pensa a economia como todo. Assim, deveria prevalecer o entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que toma o ditado pelo artigo 161, §1º do CTN.

Ainda, os bancos e as financeiras não se incluem nesse limite, podendo cobrar o que

quiser. Mas não é assim hoje em dia, na prática: se o banco cobrar uma taxa abusiva, o Judiciário pode intervir e controlar. Mesmo assim, os bancos e financeiras não estão sujeitos à Lei da Usura por serem usurários por natureza.

Se a mora se iniciou na vigência do Código Civil de 1916, a taxa legal de juros era

daquela época, de 0,5% – expresso no artigo 1062. Se a mora começou no Código antigo, não posso aplicar a taxa do Código Civil atual (a SELIC) porque estaria retroagindo a lei para o momento anterior a sua existência. Quando entrou em vigor o Código novo, começa a SELIC. Assim, se a mora se perpetuou no tempo, mas começou antes do Código novo, o juros é de 0,5% até 2002 e só se vale da SELIC pós-2002.

Início dos Juros de Mora Quando é que se iniciam os juros de mora? O Código de Processo Civil tem uma regra

que o Código Civil reproduziu, mas os juízes aplicam-na erroneamente. Art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial.

Portanto, os juros começam com a citação. Agora, o problema é que o artigo 405 traz uma regra que precisa ser lido com o artigo 397 – aplicado nos casos de mora ex re.

Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.

Se a data tiver data de vencimento, a mora é automática (ex re). Logo, se a obrigação

tiver prazo de vencimento, como a mora é automática, os juros não podem começar da citação, devendo começar da data do inadimplemento. Mas no caso de a obrigação advir de ato ilícito, os juros começam a partir da data do ato ilícito – artigo 398, que reflete o previsto na Súmula 54 do STJ e no Enunciado 163 do CJF.

Art. 398. Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou.

Cláusula Penal

Artigos 411 a 417 do Código Civil

7 Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de

determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

Page 9: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 9 Aline Nazareth – Turma 185

Chamada de multa contratual. Entretanto, “multa” é um termo com mais de um

significado para o Direito. A mula contratual é o acordo de vontades que, na qualidade de obrigação acessória, prevê uma prestação para hipótese de descumprimento do contrato.

Qual é a função da cláusula penal? Devo cem reais para a Sabesp e cem para SIMÃO, mas só tenho cem reais. Para a Sabesp tem multa, para o Simão, não. Assim, a primeira função cláusula penal estimula o cumprimento da prestação.

Toda vez que o devedor descumpre a prestação por culpa, responde por perdas e danos. É fácil para o credor provar que teve prejuízo com o inadimplemento da obrigação por culpa do devedor? Depende do caso – o locador não consegue provar facilmente que teve prejuízo com um dia de atraso do pagamento do aluguel. É por isso que a segunda função da cláusula penal é a pré-fixação das perdas e danos. Ou seja, combino o valor do prejuízo e combino por presunção absoluta, não cabendo prova em contrário. Aula 09.09

Conceito de Contrato

Qual é o conceito de contrato? Contrato normalmente acaba por se confundir, na cabeça do leigo, com o instrumento do contrato. Aliás, é muito comum ouvir do cliente: eu moro em um imóvel há três anos, pago aluguel, mas não tenho contrato – porque o leigo confunde o instrumento do contrato (papel), que é como o contrato se materializa, com o contrato enquanto instituto.

O contrato é um negócio jurídico abstrato, que se aperfeiçoa a partir de um encontro de vontades. Duas vontades, pelo menos, em sentidos opostos, e desse amálgama destas duas vontades é que nasce o contrato. Portanto, o contrato é um instituto abstrato que está no mundo das ideias; é um instituto que não precisa necessariamente tomar a forma física: quando toma a forma física, digo que tenho o instrumento do contrato. O contrato é a abstração – o papel é a instrumentalização.

Se o contrato nasce no mundo das ideias, desta abstração, não seria melhor dizer que ele precisa de um instrumento escrito? Por que deixá-lo no mundo das ideias? O metrô transporta três milhões de passageiros por dia. Imagine se três milhões de passageiros precisassem celebrar um contrato escrito para serem transportados todas as vezes? A formalidade levaria o transporte urbano ao caos porque o sistema, quando abre mão da forma escrita, democratiza o concreto. Democratizar no sentido de que o contrato passa a ser de acesso franco, acesso amplo. Por isso que a maioria dos contratos não precisa da forma escrita para valer: a maioria tem forma livre. E por isso que os contratos verbais são admitidos pelo sistema jurídico brasileiro.

Agora, alguns costumam fazer certa confusão. É possível contrato de locação de imóvel urbano sem o instrumento, sem a forma escrita? A Lei do Inquilinato é especifica: a locação pode ser verbal. Logo, a locação pode nascer do simples acordo de vontades – não necessita do instrumento escrito para valer.

O comodato é verbal por excelência. Exemplo do empréstimo de caneta – o famoso

“emprestar”. É um contrato de forma livre por excelência. Em certos tipos contratuais, contudo, a lei elege o valor da segurança jurídica no lugar da democratização. Isso quer dizer que certos contratos devem seguir a forma escrita. Um deles é a fiança porque, no tocante a ela, o Código Civil diz que a fiança dar-se-á por escrito – ou eu sigo isso, ou ela será nula. A lei sacrifica o acesso ao contrato, a sua democratização, para ter e garantir segurança jurídica.

Page 10: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 10 Aline Nazareth – Turma 185

Para o bom funcionamento do sistema, a regra é da não necessidade da forma escrita.

A forma verbal é plenamente admitida como válida no Direito brasileiro. Portanto, celebramos contratos verbais diversas vezes ao dia.

A partir dessa ideia, é preciso tirar o conceito de contrato, já que este não se confunde com o instrumento do contrato (papel) – como dito. A definição é quase que empírica, ela pouco precisa do Direito: acordo de vontades. E é claro que esse acordo de vontades vai ter por objeto criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações.

Definição mais técnica: Contrato, na categoria dos atos humanos lícitos, é negócio jurídico que cria,

modifica ou extingue relações jurídicas (direitos e deveres). Quando definimos negócio jurídico, lembramos que a vontade está no momento da

formação. E os efeitos também decorrem dessa vontade. Ou seja, vontade está na formação e na produção de efeitos. A doutrina, assim, define negócio jurídico como a autorregulamentação da vontade das partes.

Se eu pegar o vício oculto ou o redibitório, o Código Civil diz que o alienante responde pelo vício oculto nos chamados contratos comutativos. Se eu vendo um carro com defeito, mesmo que oculto, por ele eu sou responsável. Contudo, o contrato é negócio jurídico e há a autorregulamentação da vontade das partes, fazendo com que o contrato possa dizer que o vendedor não responde por vício oculto – a vontade prevalece sobre o texto de lei, se esta não for de ordem pública. Exemplo: seu comprar um carro de uma concessionária e a concessionária colocar que não responde pelos vícios do carro no contrato, esta é uma cláusula nula porque não é válida uma cláusula de irresponsabilidade. Isso ocorre diferentemente para aquele que quer vender o carro, mas não é fornecedor próprio disto – pode combinar com o comprador que não é responsável pelos vícios ocultos. Portanto, a norma relativa à responsabilidade do alienante por vício oculto é norma supletiva, só se aplica se as partes não declaram vontade.

O conceito de contrato tratado até agora não trouxe a questão que o Direito italiano

resolveu, mas que, para a doutrina brasileira, não é pacífica: objeto que tem por prestação natureza econômica ou patrimonial da prestação. O Código Civil italiano expressamente diz que o contrato tem por objeto uma prestação de natureza econômica. VILLAÇA dizia que contrato não precisa ter conteúdo econômico ou patrimonial, dando exemplo: marido e mulher terminam casamento, resolvendo por acordo disciplinar duas coisas – quem tem a guarda e quem tem direito de visita ao filho. Contrato de Direito de família sem qualquer conteúdo patrimonial. O conceito aqui é alargado, passa a assumir o valor de qualquer acordo de vontade.

Muitos anos depois, um professor da federal do Paraná, Paulo NALIN, escreve um livro sobre a constitucionalização do Direito Privado em matéria contratual. Nessa obra, defende a existência de contratos existenciais, que se oporiam aos contratos patrimoniais: contratos sem qualquer aferição pecuniária da prestação. Um dos exemplos dados, que o professor Simão discorda, é daqueles atores que fazem campanha solidária sem receber cachê – a opinião do professor é a de que é um contrato patrimonial do qual o ator abriu mão. Então, a ideia de contrato sem natureza econômica ou patrimonial é chamar qualquer acordo de vontades de contrato.

O problema desse debate surge no chamado “contrato de namoro”. Pode ser entendida como união estável – união estável, se de fato é, é união pública, contínua ou duradoura, com intuito de constituir família e não tem papel para comprovar: se você chama isso de namoro, é fraude à lei – continua sendo união estável.

Page 11: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 11 Aline Nazareth – Turma 185

Se eu não estiver em união estável e sim em namoro: algum dia poderei pretender

constituir família. Se a gente procura advogado e diz para fazer contrato de namoro. Qual é o objeto de contrato? Não há tecnicamente prestação, não consigo enxergá-la. O que se pode existir é declaração conjunta de namoro – duas pessoas dizendo a mesma coisa. O Tribunal de Justiça entendeu que era válido o contrato de namoro para afastar a união estável. Simão finaliza esse tópico ao defender que casamento não é contrato, baseando-se no artigo 1.5118.

Alguns autores defendem a tese de que o contrato morreu. Imagine um contrato entre

Tício e Mévio em 220 de compra de grãos. Agora um contrato de compra e venda aqui na Saraiva. Comparando a compra e venda de Tício e Mévio com a do Simão com a Saraiva, nota-se que o contrato mudou muito nos últimos séculos. A partir dessa reflexão, um autor lançou uma expressão: “morte do contrato”, justamente por ele não ser mais o mesmo, já que hoje em dia o contrato acaba sendo só de adesão (vontade sofre muitas limitações) ou resultante também das regras de ordem pública que o limitam – há um simulacro de contrato.

A Revolução Francesa culminou no Código Napoleônico, acarretando na vitória de algumas ideias da burguesia. Assim, no século XIX, o contrato era um ato entre iguais e livres, e se somos iguais e livres, não podemos sofrer a intervenção de terceiros (o Estado juiz não podia interferir). Entretanto, a igualdade e a liberdade eram formais (e não materiais) e a fraternidade só veio no contrato no século XXI com a função social do contrato. Aí, então, houve a intervenção do Estado sobre o contrato, de duas maneiras distintas ao longo do tempo:

1. O Estado legislador, por meio de lei, cria os chamados “microssistemas” ou legislações especiais. Essas legislações especiais, ou microssistemas, reconhecem a diferença de poder nos contratos – um é mais fraco do que o outro. Isso se cunhou como vulnerabilidade dos contratantes. E a partir do momento que o Estado legislador reconhece que uma das partes é mais fraca, esta parte merece proteção. Com isso, houve a Consolidação das Leis do Trabalho como consequência – CLT –, por exemplo. Teve outros decretos e leis, como a proteção ao comprador de lote rural etc. Assim, o Estado cria microssistemas protetivos e até hoje isso é efetivo. A Lei de Locação de 1991 continua produzindo efeitos; tem o Código do Consumidor e manteve a CLT. O Estado protege a parte mais fraca criando leis especiais.

2. Mas o momento que vivemos é muito mais interessante, momento este que a Alemanha vive desde o BGB e que a França nunca teve: quando o Código Civil opta por romper com o sistema fechado pelo qual o juiz era boca da lei e adota o sistema aberto, ético – abandona essa velha noção de Montesquieu e abre as chamadas cláusulas gerais. A partir dessas cláusulas, abre-se uma janela para o juiz fazer uma intervenção sobre o contrato: não é mais um microssistema protetivo de alguém que é vulnerável, é um sistema inteiro aberto para a proteção de certas pessoas que também precisam. O Direito chegou a uma sofisticação nos contratos que não precisa mais criar microssitemas protetivos para o vulnerável – o sistema inteiro fica aberto à proteção do necessitado – exemplo da boa-fé e da função social do contrato. Caminhamos de uma total autonomia, de uma total não-intervenção do Estado sobre o contrato, e hoje temos uma total intervenção do Estado no contrato, quer seja pelo microssistema quer seja pelo sistema aberto.

Aula 11.09

Classificação dos Contratos

8 Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.

Page 12: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 12 Aline Nazareth – Turma 185

O sistema de classificação é interessante porque classificar significa agrupar os semelhantes e afastar os diferentes de acordo com quem classifica e seus critérios. Assim, as classificações variam de acordo com os critérios adotados por cada classificador. É difícil dizer se uma classificação está certa ou errada; é melhor dizer se é útil ou inútil. A classificação boa é a que tem efeito e utilidade práticos – tem um propósito. A cada critério de classificação, o professor vai indicar para o que serve e quais são os seus efeitos práticos.

Primeiro critério: quanto à existência de contraprestação

a. Contrato Unilateral Tem apenas prestação, não possuindo contraprestação. É o exemplo do contrato de doação. Os contratos de mútuo e de comodato, ou seja, as modalidades de empréstimo, também são unilaterais porque só tem prestação para o devedor (mutuário e comodatário). Alguns chamam o mútuo e o comodato, como o próprio CARVALHO DE MENDONÇA, de bilaterais imperfeitos porque haveria algumas prestações menos importantes em segundo plano. Exemplo: no comodato, se o comodatário causar dano, tem o dever de repará-lo. Todavia, o professor, ao ouvir “bilateral imperfeito”, acha que falta definição – é o caso de “meio grávida”. E porque, tecnicamente, este dano a ser reparado não é uma prestação, é um dever geral de quem causa um dano dentro do Direito Civil. Exemplo de empréstimo de carro que dá defeito elétrico. O dever de pagar esse reparo vem da regra de evitar o enriquecimento sem causa – não é prestação, aí não há contraprestação. Assim, o professor não aceita a ideia de bilateralidade imperfeita. Não dá para ter meio termo, pois, se surgirem deveres, são regras gerais de Direito Civil, não tendo relação com a natureza do contrato.

b. Contrato bilateral Há prestação e contraprestação, sendo esta categoria a de maior quantidade entre as duas.

Quando trato unilateralidade ou bilateralidade, estou no plano da eficácia – contrato

já nasceu e é valido, só resta saber o que produz: prestação e contraprestação ou somente prestação.

Como colocado, a grande maioria dos contratos é bilateral. Qual é a importância dessa primeira distinção entre contratos unilaterais e bilaterais? Porque, na Teoria Geral dos Contratos, tem-se uma figura chamada exceção do contrato não cumprido (exceptio), que diz que, se eu não fiz a minha parte, não posso exigir que a outra parte faça a dela. A exceção do contrato não cumprido nasce dessa ideia de que, se não houve prestação, não se pode exigir a contraprestação. O aluno não sabe dizer, às vezes, o que é prestação ou contraprestação. Na lógica, e pela lei, o dinheiro é a contraprestação e o outro lado é a prestação. Hoje, curiosamente, pode-se dar um exemplo diferente porque pode ocorrer o inverso, a depender do contrato. A compra e venda é um dos contratos mais curiosos nessa situação de exceção de contrato não cumprido, tendo regra específica: a prestação é dar dinheiro e a contraprestação é dar a coisa. Só que se o próprio artigo diz que se a venda for a prazo, primeiro dá-se a coisa (prestação) e depois o dinheiro (contraprestação).

Dentro dos contratos bilaterais, há uma subdivisão feita pela doutrina. i. Contratos comutativos

O contrato é comutativo quando há certeza da existência da contraprestação e de sua extensão.

ii. Contratos aleatórios

Page 13: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 13 Aline Nazareth – Turma 185

O aleatório é um contrato de risco/sorte que simplesmente, pois (i) a contraprestação pode não existir ou (ii) esta pode existir em tamanho/ montante que não se sabe qual é. Como exemplo, tem-se que a compra e venda pode ser aleatória: compra e venda de safra futura. Nesse tipo de contrato, pode-se pagar determinado valor em dinheiro, correndo dois riscos, a depender do contrato: (i) o risco quanto à existência da prestação – paga-se o mesmo valor, independente de quanto da safra vier, por exemplo (pode vir nenhuma laranja porque houve uma praga como também pode vir dez toneladas) – e (ii) o risco quanto à extensão da contraprestação – paga-se tantos reais pela safra, mas esta tem que vir com, no mínimo, uma determinada quantidade e no máximo outra (entre uma e três toneladas, por exemplo). Para o professor, o contrato de seguro é um contrato comercialista – e não civilista, como a compra e venda. Alguns civilistas tradicionais também colocam que é um contrato aleatório, pois a contraprestação só ocorre quando há sinistro – paga-se o valor do seguro, independente de ser usado ou não: vende-se o risco. Caso se faça seguro de um carro anualmente contra roubo, tem-se uma prestação, um boleto. Qual é a contraprestação do segurador? Se não foi roubado, no final do ano, o seguro dá “graças a Deus”, pois nada despendeu. Caso se pague o prêmio (valor do seguro), tem-se certeza do valor da prestação, mas se não houver roubo, não se terá contraprestação porque esta não foi necessária. Entretanto, os comercialistas, e de muito tempo, dizem que o contrato de seguro é comutativo. Para o contrato ser comutativo, cabe a pergunta: qual é a prestação da seguradora? Os empresarialistas diziam que a obrigação do segurador, a prestação do segurador, não é propriamente a de pagar o valor em caso de sinistro, a de garantia – esta á uma prestação menor. A prestação é administrar os recursos dos administrados – é uma obrigação de fazer: a seguradora calcula o risco e, a partir disso, pega o prêmio que os segurados pagaram e o administra para poder pagar as indenizações. Portanto, a obrigação primária é cuidar do dinheiro dos segurados para poder pagar as indenizações necessárias.

Qual é a importância da distinção entre contrato comutativo e aleatório? A disciplina dos vícios redibitórios (artigo 441 do Código Civil9) só se aplica aos comutativos – não há nos contratos aleatórios.

Abrindo um parêntese, têm-se como exemplos de contratos aleatórios por excelência o jogo (esforço físico ou intelectual) e a aposta (é um palpite).

Segundo critério: quanto às vantagens para as partes

a. Contrato gratuito ou benéfico Só há vantagem patrimonial para uma das partes.

b. Contrato oneroso Existem vantagens e desvantagens recíprocas. Se o contrato for unilateral, só tem prestação para uma das partes, logo, ele é benéfico, como é o caso de se ter um contrato de comodato: empréstimo gratuito – é unilateral e benéfico. Se fosse

9 Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem

imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor. Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.

Page 14: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 14 Aline Nazareth – Turma 185

oneroso, seria uma locação. Mas eu posso ter um contrato unilateral, que em regra é gratuito, mas pode ser oneroso, como é o caso do mútuo. O contrato de mútuo é o empréstimo de bem fungível, sendo em regra gratuito – empréstimo de açúcar para o vizinho que devolve no dia seguinte uma mesma quantidade de mesma qualidade. Se eu peço três reais emprestados, é um mútuo de favor – vou devolver os mesmos três reais. Mas o artigo 59110 diz que se o mútuo tiver natureza econômica, finalidade econômica, ele se transforma em contrato oneroso, em que os juros são devidos de maneira presumida pelo mutuário ao mutuante. Esse caso recebe o nome de mútuo feneratício. Para esclarecer, finalidade econômica é tudo aquilo que não for um favor – sempre é o caso dos bancos, pois, mesmo que eles não mencionem juros no contrato, deve-se pagar. Ressalte-se que o mútuo continua unilateral, tornando-se oneroso excepcionalmente. O contrato no Direito Romano nasceu a partir de tipos que, apesar de ser primitivo, não quebrava a segurança jurídica. O Direito Penal continua sendo um sistema de tipos, pois só é crime o que está tipificado. Assim, naquela época, por exemplo, a compra e venda era um contrato porque, se descumprida uma das prestações, tinha-se uma actio própria do contrato. Dessa forma, a permuta não era um contrato, somente um mero pacto, já que não existia uma ação que exigisse a prestação. Em suma, só era contrato o que estava no ius civile. Qual é a importância de o contrato ser oneroso ou gratuito? Os contratos gratuitos não comportam interpretação extensiva ou analogia – não se aumenta o dever do contratante em contrato gratuito: o ônus é diferenciado.

Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei.

O artigo 392 do Código Civil coloca que, se o contrato é oneroso, ambos os contratantes têm vantagens e desvantagens, logo, ambos respondem por dolo e por culpa. Agora, se o contrato é gratuito, um dos contratantes tem a vantagem e o outro tem a desvantagem – eles não são iguais e, assim, sua responsabilidade não é a mesma – tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual. Nos contratos benéficos, o contratante que tem a vantagem do contrato responde por dolo e por culpa, ao passo que o contratante que não tem a vantagem do contrato só responde por dolo. A Súmula 145 do Superior Tribunal de Justiça11 coloca que, no contrato de transporte gratuito (carona), o transportador (que não ganha nada por isso) só responde por dolo ou por culpa grave.

Terceiro critério: quanto ao momento do aperfeiçoamento a. Contratos consensuais

O contrato nasce de um acordo de vontades e da fusão, amálgama, destas. Portanto, se eu digo para alguém comprar um copo de água por um real, mesmo não tendo pagado e ainda entregue, já há um acordo de vontades – assim, o contrato se perfaz no plano da existência. A prestação e contraprestação estão no plano da eficácia – ato de execução. Dessa forma, não se pode confundir o momento do nascimento com o momento do cumprimento do contrato. É

10

Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual. 11 Ver página 3 – lá consta a referida Súmula.

Page 15: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 15 Aline Nazareth – Turma 185

exatamente dessa distinção que faz com que esses contratos sejam consensuais: nascem do acordo.

b. Contratos reais Alguns contratos, que são excepcionais no sistema, só nascem se houver a entrega – plano da existência. Esses contratos são os chamados reais: só nascem e se aperfeiçoam com a entrega da prestação. São quatro: (i) mútuo, (ii) comodato, (iii) depósito e (iv) contrato estimatório (entre o consignante e o consignatário). Por que são só esses? Por que a compra e venda e a locação não são reais, por exemplo? Na verdade, na sua origem histórica, todos os contratos eram reais. A pergunta deveria ser: por que os outros contratos deixaram de ser reais? Em uma sociedade primitiva, sem complexidade, a ideia do contrato estava no mundo abstrato: o homem não abstraía a categoria contratual e provar uma ideia era difícil – a entrega era visível, estava no mundo fático, mesmo que a entrega fosse simbólica. Os romanos perceberam isso e evoluíram alguns contratos para a categoria do contrato consensual, apesar de alguns terem mantido a categoria de origem, pois se entendeu que continua útil essa classificação. Se eu pedir a casa de praia de um amigo emprestada e este concordar, não nasceu o comodato porque este só nasce com a entrega da coisa, no caso, a entrega simbólica da chave. Se eu fizer um contrato escrito disso, é uma promessa de contrato de comodato. Qual é a importância dessa dicotomia? Se eu combino, nasce o contrato e depois o descumpro, este descumprimento gera responsabilidade civil contratual porque já nasceu. Portanto, qual é o efeito de se descumprir a promessa de um contrato real? É mais complicado no comodato porque ninguém é obrigado a fazer um ato de generosidade – é uma liberalidade –, assim nada sofre – não se pode forçar a promessa a virar contrato, pois não se pode compelir a generosidade. Mas se a desistência for desmotivada, deve-se responder por perdas e danos. Em suma, contratos reais gratuitos não se pode obrigar o cumprimento, mas pode ter perdas e danos se for infundada a quebra do contrato. Quando há onerosidade, pode-se compelir a cumprir o contrato.

Aula 16.09 – continuação

Quarto critério: Regulamentação legal

a. Contratos Típicos Typhos = forma/molde (grego). É aquele que tem regulamentação legal, que a lei o disciplina. Não basta que a lei o mencione – a menção da lei não confere tipicidade. É preciso que a lei regulamente o contrato, trazendo as regras contratuais que delimitem o tipo. Não podemos confundir o contrato típico e atípico com os nominado e inominado. Por que há essa confusão? Porque o nome que se dá ao contrato decorre dos usos – então as pessoas batizam os contratos com certo nome, porém, nem sempre os contratos que recebem nome têm previsão legal. Exemplo: franquia – é utilizada em larga escala aqui no Brasil, mas só recebeu lei cuidando dela na década de 90, apesar de sempre ter tido nome. Em suma, não se confunde nome com tipicidade contratual.

b. Contratos atípicos Se não há lei que regulamente as suas características, efeitos e deveres das partes, o contrato é atípico. Exemplo: não há lei que regulamente o built to suit (feito para servir) – caso do dono do terreno que constrói o prédio com

Page 16: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 16 Aline Nazareth – Turma 185

orientação do futuro locatário – empreitada com locação posterior. O built to suit é mencionado na Lei do Inquilinato, mas esta não o regulamenta. O Código Civil de 2002 trouxe vários contratos que, na vigência do antigo Código, eram atípicos. Existe um contrato que já é praticado desde o Direito Romano – chamado popularmente de venda em consignação. Foi trazido com nome próprio no Código atual: estimatório – passou a ser típico. Não basta que a lei mencione o contrato para que ele seja considerado típico. O contrato de leasing (arrendamento mercantil) tem uma lei que disciplina as questões tributárias e não as contratuais – grande parte da maioria o define como atípico porque se considera que esta lei não configura totalmente o contrato. Às vezes, a lei faz a opção de dizer que não cuida de determinado contrato. O exemplo é a locação em flat – o próprio legislador, na Lei de Inquilinato, optou por não regulamentá-lo. No flat há também uma prestação de serviços – isto desnatura a locação típica. Há algum outro exemplo? Professor conhece mais dois: (i) contrato de depósito em cofre bancário – contrato que o banco cede um espaço (locação), mas coloco minhas coisas (depósito), só que o banco garante segurança (prestação de serviços) e (ii) contrato de time sharing (dividir o tempo) – alguns chamam isso de propriedade coletiva: um grupo de pessoas decide comprar um bem de alto valor econômico – compram cotas de um helicóptero, por exemplo. Quem deu mais dinheiro, é “mais dono” – tem mais tempo para usar, mas tem mais gastos também. Ao contrário do condomínio, tenho divisão de tempo de uso. Nos EUA e na Europa têm muito time sharing, especialmente se tratando de imóveis. Qual é o fundamento da existência de contratos atípicos? Autonomia privada. Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.

Assim, é possível a existência de contratos atípicos. O que não pode confundir é o contrato atípico com o contrato coligado porque o contrato atípico é um único contrato que forma um todo uno e indivisível, a ponto de VILLAÇA afirmar que neste tipo de contrato, por formar um todo uno e indivisível, se houver nulidade de uma das cláusulas, compromete-se o contrato todo. Ou seja, no contrato atípico não se aplica o princípio “a parte útil não se vicia pela inútil” (conservação dos negócios jurídicos) porque a nulidade das cláusulas contamina o contrato como um todo. Nos contratos coligados se tem, pelo menos, dois contratos. Esses contratos têm uma unidade econômica – a própria coligação exige a unidade econômica – é uma operação econômica representada por dois contratos ou mais. Dessa forma, na coligação, um contrato não se fundiu com o outro, desaparecendo: mantém sua autonomia enquanto contrato, mas, em relação a operações econômicas, estão interligados. Exemplo: locação como contrato de fiança – dois contratos, sendo a locação o principal e a fiança o acessório, estão coligados numa mesma operação econômica. Melhor exemplo: contrato de seguro-saúde e os que se coligam a ele. Firma-se um contrato de seguro e a seguradora firma um com os médicos conveniados para que prestem serviços ao seu contratante. Na coligação contratual, os contratos se unem, não se fundem, mas não aniquilam suas individualidades. A terminologia varia de país para país – alguns

Page 17: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 17 Aline Nazareth – Turma 185

falam em contratos conexos ou em rede contratual. Ao contrário do atípico, é necessário estudar o que ocorre nos planos de existência, validade e eficácia e se há contaminação de validades e de eficácia de um contrato incidindo no outro. Não é toda vez que eu tiver dois contratos juntos que eu tenho uma coligação – posso vender uma casa para um amigo e dar procuração para o mesmo para que ele cuide de outra casa – não há unidade econômica nesta operação, que é o que caracteriza a coligação contratual. Assim, a coligação independe da tipicidade dos contratos. O problema dos contratos atípicos, e aí está a sua importância enquanto atípicos, é que, se eu tenho uma dúvida em uma regra que se aplica a um contrato típico, eu consulto a lei, porém, se é atípico, não tenho lei que o discipline. Na falta de lei, o que eu aplico ao contrato atípico? Qual é a regra? Nesses contratos, o que se escreve é muito importante – texto contratual tem mais relevância do que teria nos contratos típicos, sendo a interpretação dos atípicos vinda a partir do que está avençado. A doutrina cita três teorias para descobrir qual é a lei aplicável na hipótese de contratos atípicos: i. Teoria da Absorção: se eu tenho um tipo principal que absorve o

menor, aplico a lei que cuida do tipo que gerou a absorção. Ou seja, na dúvida, eu aplico a lei relativa àquele tipo preponderante. Para as demais cláusulas, aplica-se a Teoria Geral dos Contratos. É quase o que ocorre no leasing – é mais ou menos uma locação que eu tenho uma opção de compra. Logo, o tipo que absorve o outro é a locação e o absorvido é a compra e venda;

ii. Teoria da Combinação: para cada tipo, aplicam-se leis próprias no seu momento, pois ambos os contratos são igualmente importantes. Esse é o caso do contrato de built to suit, em que a empreitada e a locação têm a mesma relevância. Assim, aplicam-se primeiro as regras da empreitada e, assim que esta findar, aplicam-se as regras da locação – com ressalvas que a própria Lei do Inquilinato concebeu;

iii. Teoria da Criação: aplica-se aos contratos puramente atípicos (não possuem nem nome nem tipo contratual). Dessa forma, não há nenhum tipo, nem por absorção nem por combinação. Por isso, aplicam-se as regras da Teoria Geral dos Contratos. Contudo, é muito difícil imaginar um contrato atípico puro, pois, normalmente, os atípicos são fusões e criações de tipos contratuais. Ou, ainda, no mundo globalizado, os contratos que vêm do exterior já vêm com nome, ao menos, além dos usos e costumes.

Essa classificação merece duas notas:

VILLAÇA tem uma obra sobre contratos típicos e atípicos e trata da locação de lojas em Shoppings Centers. Quando se aluga esse tipo de loja, na verdade se tem um contrato atípico, pois, na locação típica, a regra é que “dou a posse para que me pagues o aluguel”. Contudo, na locação de lojas em Shopping, as prestações do locatário vão muito além desse tipo descrito: o locatário tem muitas obrigações – como, em épocas festivas, remodelar a vitrine de acordo com a época (obrigação de fazer) ou não poder montar a vitrine fora dos padrões daquele Shopping (obrigação de não fazer). Por outro lado, o empreendedor também tem obrigações que não são próprias de locação (obrigações de não fazer). Em Shopping, então, é contrato atípico misto.

Page 18: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 18 Aline Nazareth – Turma 185

Pedro Paes de VASCONCELOS fala sobre contratos socialmente típicos, que são contratos que padecem de tipicidade legal, mas são praticados com tanta frequência pela sociedade que a tipicidade advém dos usos e dos costumes. SIMÃO não gosta muito dessa classificação porque vai ser difícil achar um contrato que é realmente atípico.

Quinto critério: quanto às negociações preliminares

a. Contrato Paritário É aquele que nasce a partir de uma negociação das partes. Portanto, o acordo surge depois de negociação quanto ao seu conteúdo.

b. Contrato de Adesão Nasce a partir da estipulação de uma das partes que, portanto, traz as condições contratuais pré-estabelecidas (estipulante), enquanto o aderente apenas aceita estas condições. Portanto, o estipulante impõe e o aderente aceita. Utiliza-se com frequência a expressão “contrato de adesão”, porém, SIMÃO coloca que

a preposição “de” é equivocada porque indica o tipo contratual (como nos casos de “contrato de compra e venda”, “contrato de locação”). Assim, o mais correto seria dizer “contrato de compra e venda por adesão”, “contrato de mútuo por adesão” etc. porque é a forma como foi feito o contrato. O próprio Orlando GOMES distingue o “contrato de adesão” do “contrato por adesão”: o primeiro ocorre quando não tenho opção de escolher os contratantes (contrato firmado com os monopólios, como é o caso da fornecedora de luz para São Paulo – só há a Eletropaulo – ou da fornecedora de água – Sabesp), enquanto o segundo é aquele em que o aderente não tem opção de discutir os termos do contrato, mesmo podendo escolher entre vários contratantes, já que não existe monopólio (exemplo do empréstimo bancário ou do contrato com operadores de celular).

Questiona-se: todo contrato de consumo é de adesão? O contrato de consumo pode

ser paritário? Exemplo de ambiente paritário por excelência: feira livre – discute-se a negociação. O contrato de profissionais liberais (prestação de serviços) é paritário por excelência também. Assim, ressalta-se que o que diferencia o contrato paritário do de adesão são as partes contratantes.

Qual é a importância de classificar um contrato como de adesão? É um contrato que já

nasce desequilibrado, pois uma das partes adere à vontade da outra. Logo, o Código Civil e o Código do Consumidor têm dispositivos paralelos para a proteção do aderente ou do consumidor.

A primeira regra de proteção provém do artigo 423 do Código Civil e do artigo 47 do Código do Consumidor: in dubio pro fragile.

Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

A segunda regra está contida no artigo 424 do Código Civil e no artigo 51 do Código do

Consumidor.

Page 19: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 19 Aline Nazareth – Turma 185

Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio.

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III - transfiram responsabilidades a terceiros; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; V - (Vetado); VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

§ 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. § 3° (Vetado). § 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a

Page 20: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 20 Aline Nazareth – Turma 185

nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.

Assim, se fosse possível que o aderente renunciasse aos direitos decorrentes do

contrato de adesão, o próprio contrato de adesão já deixaria isso expresso através do estipulante. Exemplo: as placas dentro de estacionamentos que dizem que não se responsabilizam por objetos deixados no veículo tem esta cláusula nula – é um contrato de depósito. Por outro lado, para evitar abusos do consumidor, o estacionamento coloca que o dono deve informar os objetos de valor que se encontram no interior do veículo. Outro caso é o da fiança locatícia, pois, em regra, tal contrato nasce de um contrato pronto que se vende em papelarias, ou seja, já vem com cláusulas pré-estabelecidas. Normalmente, nesses casos, o fiador renuncia a direitos, como o de exoneração – o que não é permitido, pois este se obriga, não podendo se exonerar, enquanto o contrato de locação durar. Dessa forma, se não existisse esses artigos, todo estipulante faria o aderente desistir de seus próprios direitos.

O contrato de adesão matou o paritário? Não. Apesar de ser muito maior o número

dos contratos de adesão nesse meio se comparados aos paritários, estes últimos ainda representam uma porção significativa do business feito no Brasil e no mundo. Os grandes contratos empresariais ainda são paritários, por exemplo, assim como os de grandes obras privadas, os grandes empréstimos bancários etc. O contrato paritário continua, mas em um nicho negocial específico, sendo tão importante quanto o de adesão.

Sexto critério: quanto à formalidade

a. Contrato Formal Quando a lei impõe algum tipo de forma (como no caso da fiança12, que tem que ser por escrito). Tal contrato garante maior segurança jurídica. Subdivide-se em: i. Não Solene: pode ser firmado por instrumento particular (quando o advogado

faz um contrato de prestação de serviço ou realiza-se um contrato que se compra em papelaria);

ii. Solene: lavrado por escritura pública – feita exclusivamente pelo tabelionato de notas. A forma dele é pública. É o caso da compra e venda de imóveis acima de 30 (trinta) salários mínimos – artigo 108 do Código Civil13. A competência do tabelionato de notas não é territorial – se a pessoa quiser fazer escritura pública de compra e venda de imóveis pode escolher qualquer tabelionato do Brasil. Salienta-se que apenas o registro é no local do imóvel.

b. Contrato Não-Formal (Informal) Tem forma livre, já que a lei não exige forma. Dessa forma, pode ser verbal (como no caso da locação). A maioria dos contratos se encaixa nessa categoria, pois são poucos os que a lei exige forma. A vantagem desse tipo é que é mais fácil de realiza-lo, permitindo um amplo acesso. Portanto, a ausência de forma democratiza o contrato, ao passo que, como dito, a forma garante a segurança jurídica. A OAB, por exemplo, exige um contrato de prestação de serviços por escrito, pois se o contrato está escrito, a chance de problema cliente-advogado é muito menor. Se o advogado não faz nem é

12 Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva. 13

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Page 21: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 21 Aline Nazareth – Turma 185

questão de nulidade, apenas acarreta uma advertência feita pela própria OAB – problema deontológico.

Aula 18.09

Princípios dos Contratos

Quando se estuda essa matéria, didaticamente dividem-se estes princípios em dois

grupos: (i) princípios tradicionais e (ii) princípios sociais. Por que há essa divisão e por que nessa ordem? Porque os princípios sociais, que são

basicamente dois (Boa-Fé e Função Social) permitem a releitura dos princípios tradicionais – são suas desconstruções. Estuda-se o que é clássico e se relê como pós-moderno. Os princípios tradicionais estão mantidos no sistema brasileiro e produzem efeitos, mas essa manutenção é feita por um abrandamento, uma suavização – que são os princípios sociais. É como se fosse um prisma.

a. Princípios Tradicionais

i. Autonomia Privada: auto = própria/nomos = regra → regra própria. A vontade estabelece se vou ou não contratar – essa é a primeira decisão. Portanto, se a vontade decide contratar, a vontade entra no conteúdo do contrato – logo, tem-se vontade na formação e no estabelecimento do conteúdo. Mas se a vontade está na formação e no estabelecimento do conteúdo do contrato, não seria melhor chamar esse princípio de autonomia da vontade? Tecnicamente e classicamente, chamava-se de autonomia vontade, mas, após uma reflexão, mudou-se de nome porque hoje a vontade sofre tantas restrições, limites e interferências que é mais certo dizer “autonomia privada” porque não implica só no âmbito dos contratantes. Assim, a vontade tinha mais conteúdo e força no século XIX, em que era absoluta e não havia interferência estatal, contrapondo-se ao hoje, em que a autonomia privada é limitada e não se restringe aos direitos dos contratantes – os próprios princípios sociais minam esta vontade. Dessa forma, o princípio da autonomia privada reflete o momento histórico que hoje se vive, porém é ressaltado que ambas as expressões aqui trabalhadas não são antagônicas.

ii. Obrigatoriedade: decorre do primeiro. Estampa-se na máxima pacta sunt servanda (os acordos devem ser cumpridos) – boa parte da doutrina coloca que é um princípio medieval. O Código Civil francês tem essa regra estampada em artigo próprio – artigo 1134 do Código Napoleônico. O Código Civil brasileiro de 1916 não constava esse artigo, bem como o atual não consta. Hoje, o Código Civil não precisa dizer que o contrato obriga os contratantes – é óbvio, é a base, a própria estrutura da relação jurídica contratual: é uma regra quase que ontológica – faz parte da essência do negócio. Esse princípio é mais ou menos forte – há uma série de cláusulas abusivas em contratos, das relações de consumo, que se pode descumprir, fazendo com que essa velha máxima seja lida também através de um filtro social, já que apresenta certa relativização. Detalhes: sabe-se que caso se descumpra a lei, em princípio, rebe-se uma sanção por este descumprimento. Se eu digo que o contrato é lei entre as partes e eu o descumpro, o que ocorre? O contrato funciona assim

Page 22: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 22 Aline Nazareth – Turma 185

também. Tal sanção, nesse caso, chama-se perdas e danos ou indenização e, algumas vezes, esta indenização é pré-fixada pelas partes (prevista no próprio contrato – o credor não precisa provar seus próprios prejuízos, pois consta no contrato: perdas e danos pré-avençados), como é o caso de multa em contrato de locação (lembra-se que o nome técnico para multa aqui é cláusula penal: indenização pré-fixada). Por que se coloca multa em contrato? Justamente pelo explicado: se a pessoa tem perdas e danos, deve provar; se coloca multa como cláusula penal, isto é dispensado porque está previsto. Assim, a dica do SIMÃO é que, quando fizer contrato, é importante colocar a multa – não é menos importante do que o preço porque traz prejuízos pré-fixados, promove o equilíbrio do contrato. Mesmo assim, a multa no contrato é a parte mais delicada, pois dá o seu peso. Atenção! A cláusula penal é uma multa e não pode ter valor superior ao do objeto principal (artigo 41214) – ressalvados os prejuízos (artigo 41615) que se pode ter a mais, os complementares, caso previstos no contrato.

iii. Relatividade dos Efeitos: esse princípio se traduz da forma “o contrato só vincula os próprios contratantes, não beneficiando nem prejudicando terceiros”. Isso é uma meia verdade – a função social muda isso. Desdobramento: Se há um inquilino de um imóvel urbano (Lei 8.245 de 1991 – Lei de Locações de Imóveis Urbanos), o artigo 2716 informa que se o dono do imóvel resolver vende-lo ou dá-lo em pagamento, o inquilino tem direito à preferência (tem que oferecer antes a ele, nas mesmas condições que ofereceu ao terceiro – o inquilino só adere, se quiser comprar o imóvel). Suponha que o proprietário não deu preferência ao inquilino – preterição de preferência –, logo, o proprietário paga a indenização por descumprimento – quem comprou não é parte no contrato: a locação não atinge o terceiro comprador. Agora, se o contrato de locação é registrado, tal contrato tem eficácia real porque os terceiros têm ciência – com isto, o contrato gera efeitos para terceiros. A punição para quem comprar esse imóvel que tinha o contrato de locação registrado junto à matrícula é a de que o locatário pode entrar com ação contra quem comprou, mediante o depósito do preço constante na escritura, podendo tomar o imóvel para si (adjudicação). Assim, o registro ampliou a eficácia do contrato, colocando seus efeitos para além dos contratantes. Ressalta-se que não há quebra contratual pelo locador se este vender o imóvel depois de ter oferecido a preferência e o locador ter rejeitado.

14

Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal. 15

Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo. Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente. 16 Art. 27. No caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar-lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca. Parágrafo único. A comunicação deverá conter todas as condições do negócio e, em especial, o preço, a forma de pagamento, a existência de ônus reais, bem como o local e horário em que pode ser examinada a documentação pertinente.

Page 23: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 23 Aline Nazareth – Turma 185

Aula 23.09

Boa-Fé Objetiva

Orlando GOMES e Caio Mário já colocavam a boa-fé como princípio fundamental. Entretanto, BITTAR, ao elencar a boa-fé, fala que, antes dos princípios fundamentais do Direito Contratual, existem os princípios fundamentais da sociedade capitalista? Propriedade, iniciativa privada, comutatividade no comércio jurídico, segurança no comércio jurídico etc., que se dão baseando-se na boa-fé.

Judite Martins COSTA fala que a boa-fé subjetiva é um estado de consciência que se assemelha com o erro e a ignorância. Não é essa que nos interessa, pois essa demanda o exame do estado psicológico. Para o Direito Civil, por aplicação do artigo 242 do Código Civil alemão, desenvolveu-se a tese da boa-fé objetiva – que é justamente a lealdade, a honestidade, a probidade (artigo 422 do Código Civil brasileiro 17 ) que se espera dos contratantes no mercado.

ENÉAS fala que as partes têm que pautar sua atuação na lealdade e na confiança recíprocas: é um comportamento esperado, uma regra de conduta. Na frase pré-contratual, e principalmente nela, também vale a boa-fé objetiva.

Esse princípio importa no reconhecimento de deveres principais e laterais (na fase preliminar há muitos deveres laterais, que são os deveres de informação, de esclarecimentos, de cuidado, previdência e segurança, aviso e esclarecimento, informação, colaboração, proteção e cuidado, deveres de omissão e segredo). Esses deveres existem de forma extremamente forte na fase pré-contratual (isso excede o que está no artigo 422), pois é isso que o mercado espera.

Assim, a boa-fé objetiva é uma necessidade do mercado para este funcionar de forma coerente e eficiente, pois se precisa de segurança jurídica que, por mais que possa parecer uma noção conservadora, é importante para o funcionamento do próprio mercado. Exemplo: dois CEOs conversando sobre a possibilidade de um negócio, mas não levaram adiante as conversas. O americano entrou com uma ação dizendo que já havia tratativas preliminares, já havia um vínculo. Porém, ninguém no mercado espera que um contrato milionário se resolva de forma verbal, ou seja, tem que se considerar o que o mercado espera. Nem chegaram a contratar advogados, não tiveram qualquer discussão jurídica ou econômica. Então, o dado importante é que, nas negociações preliminares, também precisa ser analisada a boa-fé objetiva.

O artigo 112 coloca que, nas declarações de vontade, leva-se em consideração as intenções18, enquanto o artigo 113 trata da interpretação de acordo com a boa-fé19 (GOMES fala de usos interpretativos).

A primeira função da boa-fé objetiva é servir de interpretação dos contratos. Três funções da boa fé objetiva, segundo Judite Martins COSTA:

Boa-fé como cânone hermenêutico integrativo: ou seja, a boa-fé como forma de interpretação do contrato, principalmente no caso de eventuais lacunas deixadas na realização do contrato.

17 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 18 Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. 19

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.

Page 24: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 24 Aline Nazareth – Turma 185

Boa-fé e a criação de deveres jurídicos: a boa-fé pode exercer a função de criar

ou de extinguir direitos, porque assim o mercado espera. Por exemplo, faço um contrato com uma empregada doméstica que não dorme no trabalho. Com o passar do tempo ela passa a dormir. A boa-fé objetiva responderia que nesse caso criou-se um direito, pois você se omitiu, não exerceu sua faculdade de dizer não ao pedido dela, caso não quisesse – surgiu um dever jurídico de permiti-la dormir lá.

Boa-fé como limite ao exercício de direitos: da mesma forma a boa-fé também importa, na medida em que você espera que a pessoa seja leal, isso importa uma limitação. O exemplo do comportamento contraditório novamente cabe aqui.

Institutos: → Venite contra factum própria: é um exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento exercido anteriormente pelo exercente. Ou seja, analiso o comportamento de uma das partes contratantes. Se num primeiro momento seu comportamento foi A, num segundo momento também deve ser A. As pessoas devem agir de forma coerente na relação contratual, sem contradição; → Supressio: um direito não exercido durante determinado lapso de tempo, não poderá mais sê-lo; → Surrectio: criação de direitos, o contrário da supressão – distribuição de dividendos, participação nos lucros etc.; → Tu quoque: é uma adaptação da regra exeptio non adimplendi contractus. Não estou mais analisando o comportamento de um contratante em dois momentos, mas sim o dos dois contratantes. É a proibição de exigir um comportamento que você mesmo não o faz. Exemplo: condomínio. Carlos GONÇALVES diz que um condômino sempre estaciona numa vaga que não é a dele, aí o outro estaciona na vaga do primeiro indivíduo: como exigir um comportamento que você não faz? É de extrema ofensa à boa fé. → Culpa in contrahendo: incorre na responsabilidade pré-contratual. Não só a violação de deveres principais como também laterais podem levar a essa modalidade de culpa. → Sancionamento específico: já há um pacto para a hipótese de descumprimento do contrato Há uma cláusula dispondo sobre o cumprimento e comportamento das partes. Ocorre, por exemplo, na fusão e aquisição de uma empresa. → Sancionamento indenizatório: perdas e danos.

A boa fé se presume, ainda mais atualmente, com os contratos eletrônicos. O Código do Consumidor protege o consumidor hipossuficiente, mas as embalagens, as informações prestadas, são também consequência do princípio da boa-fé objetiva.

Tanto o princípio da boa fé objetiva quanto a função social do contrato partem da visão da autonomia privada. Não a liberdade total para a formação dos contratos, mas constitucionalmente limitada. O limite imposto pela Constituição é a dignidade da pessoa humana. Aula 25.09

Função Social do Contrato

Page 25: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 25 Aline Nazareth – Turma 185

A doutrina majoritária entende a função social do contrato como consequência do

princípio da boa-fé.

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Como colocado, a propriedade tem uma função e esta será em sua maioria cumprida

por contratos. Assim, para muitos, o princípio da função social decorre da própria função social da sociedade (artigo 5º, XXIII20). As condições elencadas no artigo 136 supra tambem valem para a propriedade urbana. Função econômica: transmissão de riqueza, preservação do patrimônio.

A circulação de riquezas se dá por meio do contrato. Há diferentes formas de dirigismo contratual:

a. Legislativo: o Estado, através de leis e buscando a intervenção nas relações entre particulares, tem em vista a proteção dos mais fracos;

b. Jurisprudencial: diante de cada situação posta diante do juiz, ele analisará se a função econômica do contrato é cumprida. Aqui se vê a ideia da função social do contrato: o juiz verificará se as parte respeitam os interesses de terceiros, se os efeitos relativos dos contratos são cumpridos, efeitos que estão além das partes contratantes (como planos de saúde, locação do imóvel etc.). Há um tempo se falava que, por inadimplemento contratual, não cabia dano moral, só patrimonial. Discute-se, então, se o contrato tem valor meramente patrimonial ou também cumpre alguma função para a sociedade. Existem muitos contratos hoje que são extrapatrimoniais, como doação de sangue e de órgãos, por exemplo. Os interesses vão além das partes;

GODOY diz que a função social do contrato é exercida quando o contrato respeita a

dignidade da pessoa humana. Assim, se o contrato deixou de ser puramente patrimonial e deve proteger a dignidade, então, num contrato de prestação de serviço de saúde, por exemplo, cabe dano extrapatrimonial? Sim, de acordo com JUNQUEIRA, porque a reparação do dano extrapatrimonial é a resposta ao dano à dignidade da pessoa humana, que não tem preço. A visão patrimonialista do contrato caiu com a Constituição Federal de 1988 e diante da função social do contrato. Quanto ao contrato de transporte, têm-se disposições que, nos casos de ofensa contra a saúde, o juiz disponibilizará uma verba extra nos acidentes ferroviários: uma pessoa que morre no transporte poderá entrar com uma ação por inadimplemento do contrato (pessoa deve ser levada incólume até o fim do trajeto). Exemplos: pacificou-se na jurisprudência que, em contratos de saúde com prazo máximo de internação, fere-se a dignidade ou também alargamento de carência (ou aceita isso ou não tem contrato).

20Art. 5, XXIII - a propriedade atenderá a sua função social.

Page 26: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 26 Aline Nazareth – Turma 185

Então se percebe que o dano moral cabe muitas vezes quando o contato não cumpre a

função social, como quando a companhia de luz e água cortam os serviços para pessoas que atrasaram prestação por estarem desempregados, por exemplo. Esso porque há, muitas vezes, danos à sociedade no cumprimento dos contratos (cortar a luz numa casa com um bebê recém-nascido).

Baliza para a função social do contrato é a dignidade da pessoa humana? Apesar de ser essa a visão predominante na doutrina, não há essa baliza para GODOY, pois é a própria dignidade. Contudo, para muitos outros, é a evolução do contrato de não ser mais apenas patrimonialista ou ainda tem-se a visão de Karl RENNER que verifica a situação histórico-social dos contratos frente a essa situação. ENÉAS ainda acredita que a baliza está na diferença da liberdade contratual das partes, ou seja, não se tem discussão em contratos de banco, de plano de saúde etc. A questão dos problemas contratuais está entre contratantes com poderes econômicos muito diferentes. O contrato tem uma natureza jurídica, tem uma finalidade, ou seja, não se resume apenas ao lucro de uma ou das partes contratantes. Os institutos do Direito devem servir para sua verdadeira natureza jurídica e para a sociedade.

Resumo: SIMÃO, José Fernando. Direito civil: contratos, 5ª ed., São Paulo: Atlas, 2011 (Série Leituras Jurídicas: provas e concursos; v.5), pp. 13-17.

Função Social do Contrato – art. 421 do Código Civil

Função do contrato: é a transferência de riqueza, que tem por base uma necessária colaboração das partes que, sem o contrato, não conseguiriam suprir suas necessidades e desenvolver as atividades pessoais e profissionais.

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

O que pode ser limitada é a liberdade contratual que, de acordo com as normas de ordem pública, será maior ou menor. Tal liberdade está condicionada à lei e por isto determinado contrato pode ser considerado nulo e não produzir os efeitos almejados pelas partes. Então, a função social atingiria a liberdade contratual (análise do objeto e conteúdo do contrato), mas não a inalienável liberdade de contratar.

A função social do contrato significa que nem sempre os contratantes poderão

regulamentar sua vontade, porquanto representa elemento de limitação do conteúdo do contrato. Nesse sentido, a autonomia privada mantém-se, mas não de forma absoluta e sim limitada pelo princípio de função social. Esse é o teor do Enunciado 23 do CJF:

A função social do contrato, prevista no artigo 421 do CC, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.

Eficácia interna

Page 27: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 27 Aline Nazareth – Turma 185

No tocante à figura dos próprios contratantes, estamos diante de ideia de justiça

interna do contrato. Assim, as cláusulas iníquas ou abusivas, que, em última análise, levam um dos contratantes à ruína, atentam contra a função social do pacto e, portanto, podem ser consideradas nulas pelo juiz. Tais cláusulas desvirtuam a ideia do contrato como forma de circulação de riqueza e de obtenção de fins comuns e o transformam em meio de falência de um dos contratantes. O equilíbrio faz parte da ideia de função social do contrato, ou seja, deve o contrato assegurar trocas úteis e justas.

Exemplos de eficácia interna previstos no Código Civil: artigos 413, 423, 424, 473 (parágrafo único), 317, 720 e726.

Eficácia externa

Com referência aos terceiros, que o contrato não pode ser mais entendido como mera relação individual (que produz efeitos inter partes). Devem-se considerar seus efeitos sociais, econômicos, ambientais e até mesmo culturais. Seria a função social do contrato frente à sociedade e, por isso, a avença deve atender ao bem comum e não pode ser fonte de prejuízo para a sociedade.

É decorrência da eficácia externa da função social do contato a chamada tutela externa do crédito, no qual se tem o Enunciado 21 do CJF:

A função social do contrato constitui cláusula geral, a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito.

O princípio de função social do contrato é matéria de ordem pública e não pode ser

afastado pelas partes:

Art.2.035; Parágrafo Único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

Aula 30.09

Formação dos Contratos

Negociações Preliminares Quando se pensa em formação dos contratos, pensando através da história do

processo obrigacional, evidentemente que vai se ter a proposta e a aceitação. No momento em que ocorre a aceitação, o contrato se forma.

Contudo, a formação do contrato começa antes, na fase das negociações preliminares ou puntuação, geralmente só existindo em grandes contratos, em contratos mais complexos. Essa fase vem antes da proposta. Exemplo: quando o governo federal resolveu privatizar as empresas – febre de venda de empresas públicas – antes de vender e do outro querer comprar, precisava-se conhecer a situação das empresas. Antes das propostas, tinham-se as duo diligences: estudava-se o passivo trabalhista, ambiental etc. Nessas fases pré-proposta, têm-se gastos.

Page 28: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 28 Aline Nazareth – Turma 185

O problema técnico é: pode uma parte pode romper indevidamente quando a outra

parte teve gastos? Faço um investimento de tempo ou até financeiro e estas negociações preliminares são rompidas por uma das partes. Qual é o efeito do rompimento dessas negociações preliminares? Não posso obrigar o outro a contratar porque sequer houve proposta. Pode-se romper essas negociações? Em princípio, em face do abuso do Direito, se se tiver um justo motivo, o Direito admite esse rompimento como ato lícito e não haverá dever de indenizar. O que é um motivo justo ou abusivo? Quando digo “não quero” são questões puramente contestativas – Direito repele. O motivo ser justo depende da realidade concreta das negociações. Exemplo: pretendo comprar um imóvel novo, mas fico desempregado. Isso é um motivo justo: não é somente por questão de vontade que quero romper a negociação preliminar. Isso também acontece se o imóvel que eu fosse vender para comprar esse outro sofresse uma desvalorização – não teria verba necessária para a compra. Ressalta-se que o Direito Civil não tolera a má-fé – esta não pode ser premiada, ela sempre é punida.

Nessas fases de pré-negociação, existe contrato? Não, porque é uma preparação para

uma proposta, que pode ser aceita. O contrato só nasce com a aceitação da proposta. Por isso, como o Direito trabalha com o rompimento das negociações preliminares? Duas formas:

IHERING considerava a quebra dessas negociações como a quebra da boa-fé na fase pré-contratual. É a chamada culpa in contrahendo. Portanto, a base da teoria dele é que os deveres laterais ou anexos da boa-fé objetiva existem antes mesmo do contrato ser celebrado. Logo, quando uma das partes rompe imotivadamente com tais negociações pré-contratuais, paga por indenização – a responsabilidade tem dever contratual (e não extra) e o rompimento imotivado, nesta fase, é descumprimento do dever de lealdade.

DINIZ vê como um ato ilícito extracontratual – regra de responsabilidade civil, regra geral. A autora considera que, como não há contrato, não pode haver responsabilidade contratual. Assim, a referida responsabilidade decorre do artigo 18621 do Código Civil.

Qual é o efeito da distinção se é responsabilidade contratual ou extracontratual? Se for

de cunho contratual, podemos ter, por exemplo, o acordo entre as partes prevendo uma multa pelo abandono dessas negociações preliminares – seria um contrato cujo objeto são as negociações preliminares. Exemplo: quem desistir paga tanto para o outro. Se for extracontratual, tem-se que resolver à luz da quantificação do dano que deve ser provado pela vítima.

Se for responsabilidade civil contratual, diminui o peso do ônus da prova para a vítima do descumprimento porque, se for responsabilidade extracontratual, aquele que teve as negociações rompidas tem que provar: o rompimento em si, a conduta, o dano que sofre, o nexo causal e montante do dano, porque assim que funciona na responsabilidade extracontratual – responsabilidade geral. Diante do contratual, basta que a vítima afirme que foi rompida a negociação preliminar imotivadamente – a outra parte que vai ter que provar que não rompeu de forma imotivada. Na contratual, o ônus da prova fica mais leve para aquele que se prejudicou com o rompimento. Portanto, na contratual, facilito a vida da vítima, mas, independente da forma, a vítima tem que provar os danos sofridos, o prejuízo – isso é sempre de responsabilidade dela, é sempre ônus da vítima.

21

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Page 29: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 29 Aline Nazareth – Turma 185

Proposta É chamada de policitação ou oblação. E, por isso, o proponente também é chamado

de policitante e o destinatário da proposta de oblato. É o que chamamos de negócio jurídico unilateral, pois basta uma única vontade para

existir, enquadrando-se nos chamados negócios unilaterais receptícios: são aqueles que só produzem efeito após o conhecimento do destinatário. A exoneração, por exemplo, também é um exemplo de negócio unilateral receptício.

Qual é a diferença de proposta e oferta? A doutrina costuma dividir proposta e oferta

de acordo com o oblato. A proposta seria a feita à pessoa determinada e a oferta à pessoa indeterminada. Portanto, não chamo de proposta oculta e sim de oferta oculta. SIMÃO confessa que não há um grande crime confundir ambas – quem ofertou, propôs; quem propôs, ofertou.

Para que a proposta seja considerada proposta deve conter todos os elementos necessários para que haja aceitação, senão, não é proposta. Se eu fizer uma proposta de compra e venda de um copo sem dar o elemento preço, não é proposta. Assim, a proposta deve reunir todas as informações necessárias de um contrato para aceitação. Quando digo: preços a negociar, preços excelentes – isso é mera publicidade e sai do campo da proposta.

A proposta obriga. Se a proposta obriga, a pergunta é: pode haver uma proposta que não obriga? Que não tem a força obrigatória? O artigo 42722 do Código diz que a própria proposta pode reduzir a sua força obrigatória, limitá-la ou dizer que não obriga. A proposta pode perder a força obrigatória? Pode – artigo 42823. Ao lado desse ponto, nas hipóteses de erro grosseiro, a proposta não pode obrigar também. Mas é verdade que muitas vezes o supermercado lança o preço da cerveja até abaixo do custo porque há uma jogada de marketing envolvida. Essas questões são analisadas de acordo com a casuística.

Os contratos podem ser: (i) presentes (oblato pode, de imediato, externar a aceitação.

Mas não se deve esquecer que a presença física é imprescindível – por telefone, Skype etc. são considerados contratos entre presentes) e os (ii) ausentes (aquela forma de comunicação que a resposta demanda um tempo para ser dada. O Código Civil de 1916 chamava de contratos epistolares, ou seja, o contrato que o oblato não pode de imediato dizer se aceita ou não – são contratos com declarações intervaladas, de acordo com DINIZ: carta, e-mail etc.). Qual é a importância disso? Para a perda da força obrigatória. No contrato entre presentes: ou se aceita de imediato ou a proposta perdeu a força obrigatória – não tem prazo para refletir. Nos contratos entre ausentes, inciso II do artigo 428: o prazo é o tempo suficiente para se chegar a resposta. Terceira hipótese que perde a obrigatoriedade: inciso III – ausente com o prazo.

Se a retratação chegou antes da proposta, a proposta perde o efeito. E se a proposta chegou junto com a retratação? O Código Civil entende que não houve tempo hábil para se formar a vontade do oblato, no espírito deste – inciso IV.

22

Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso. 23

Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta: I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante; II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente; III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado; IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente.

Page 30: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 30 Aline Nazareth – Turma 185

Aceitação Negocio jurídico unilateral e receptício, só produzindo efeito quando a outra parte

tem conhecimento. Sem aceitação, não há contrato, portanto, é no momento da aceitação que o contrato se forma. Aceitar é aderir integralmente à proposta, ou seja, se eu colocar uma condição é uma contraproposta – não há aceitação: artigo 43124 – invertem-se os papéis: quem era proponente passa a ser oblato e vice-versa. Enfim, o que há é adesão ou contraproposta – por lógica: quando houver contraproposta é porque a proposta foi negada e o contrato não se firmou. Aceitação mudando teor da proposta ou com novo prazo é nova proposta.

A aceitação pode ser expressa ou tácita. A tácita se dá por atos que indicam a aceitação, por manifestações de vontade que indicam tal aceitação. O melhor exemplo é o frigobar do hotel: retirei dele e tomei – aceitação tácita. A mesma coisa acontece se você aceitar receber a assinatura gratuitamente por trinta dias de algum jornal – tem que cancelar passado esse mês: se não cancelar, aceitou tacitamente. E a aceitação que, por motivos imprevisíveis, chega tarde às mãos do proponente: artigo 430 do Código Civil25. A resposta foi expedida dentro do prazo, mas a aceitação demorou a chegar – o proponente não pode ficar obrigado além do prazo, mas tem um dever: o de informar, de lealdade decorrente da boa-fé objetiva na fase pré-contratual, de avisar ao oblato que fechou a proposta com outra pessoa por causa desse atraso imprevisível (após recebê-la) – se não o fizer, responde por perdas e danos. Exemplo: greve dos correios. Convidei alguém a contratar, ele aceitou, mas, por um motivo imprevisível, a aceitação demorou a chegar. Nessa hipótese, o proponente não fica obrigado além do prazo, mas ele tem um dever de dizer ao oblato que, por motivo de greve no correio, a carta demorou a chegar e vendeu a outro, caso contrário, o oblato poderia entender que o contrato se formou.

Momento da Formação do Contrato

Se eu pergunto a outra pessoa, entre presentes, para fechar contrato de compra e venda e a pessoa aceita, concebi o contrato. E nos contratos entre ausentes, quando se forma? Primeiro momento: escrevo que aceitei a proposta – declaração. Segundo momento: vou ao correio e faço a expedição da resposta. Terceiro momento: quando o proponente recebe a carta. Quarto momento: quando leio a carta e sei da aceitação.

O Código Civil, tanto o atual quanto o passado, não adota a teoria da cognição (quando sei da aceitação), ele adota a teoria da agnição, da aceitação. Só que a teoria da aceitação se subdivide em três:

1. Teoria da declaração: quando declaro que aceito 2. Teoria da expedição: quando postei a resposta 3. Teoria da recepção: quando recebi a carta dizendo que aceita O Código encara que a aceitação se dá quando a declaração é expedida. Contudo, ele

próprio traz exceções a essa teoria da expedição no seu artigo 43426: a vontade das partes

24

Art. 431. A aceitação fora do prazo, com adições, restrições, ou modificações, importará nova proposta. 25 Art. 430. Se a aceitação, por circunstância imprevista, chegar tarde ao conhecimento do proponente, este comunicá-lo-á imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos. 26 Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto: I - no caso do artigo antecedente; II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta; III - se ela não chegar no prazo convencionado.

Page 31: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 31 Aline Nazareth – Turma 185

afastou essa teoria e adotou a teoria da recepção (se as partes combinaram esperar a resposta, prevalece esse momento).

Enunciado 173 do CJF: A formação dos contratos realizados entre pessoas ausentes, por meio eletrônico, completa-se com a recepção da aceitação pelo proponente.

Esse enunciado do Conselho da Justiça Federal acata a recepção e não a expedição – é

uma exceção também por força das regras de Direito Internacional: contrato eletrônico se forma quando é recebido. Aula 02.10

Contrato Preliminar ou Pré-Contrato

Artigos 462 a 466 do Código Civil

É aquele em que as partes se comprometem a celebrar o contrato definitivo. Portanto, o objeto do pré-contrato ou do contrato preliminar é uma obrigação de fazer (a celebração do contrato definitivo). Diferenças entre contrato e pré-contrato

Por que as partes celebram um pré-contrato e não celebram desde logo um contrato

definitivo? A questão é negocial. Exemplo: um time tem interesse num jogador, mas não sabe se vai se adequar ao esquema tático. Daí faz um pré-contrato, com certas condições, para que celebre no futuro um contrato definitivo. Por exemplo, paga 10% do valor do contrato, mas ainda decidirá se vai mantê-lo ou não (“opção de compra”). Você tem o direito de comprá-lo. É comum também na compra e venda de imóveis: a cliente queria comprar quatro casas para construir um prédio, porém, o dono de três delas queria, com certeza, vender, mas o quarto dono não tinha certeza.

Qual a diferença, em termos jurídicos, entre o pré-contrato e o contrato? Artigo 46227 do Código – os elementos de validade do pré-contrato são os mesmos do contrato, com exceção da forma. O pré-contrato pode ter forma livre (ainda que a lei exija forma para alguns contratos). Exemplo: faço um instrumento particular de compra e venda (pré-contrato) e só vai haver o lavramento da escritura quando houver o pagamento (contrato). Artigo 10828 – direitos reais sobre imóveis cujo valor excede trinta salários mínimos: a escritura é necessária, sob pena de nulidade (não posso escrever “contrato de compra e venda” no pré-contrato). Se vai pagar a vista, não há necessidade de pré-contrato. O registro é para transferir a propriedade. Assim, o pré-contrato também é um instrumento particular, um compromisso.

Tipos de pré-contrato Existem dois tipos de pré-contrato, o primeiro é o chamado pré-contrato unilateral

(opção). No momento da formação, tenho duas vontades, mas no momento de exigir a celebração do contrato definitivo, tenho apenas uma vontade (só uma das partes pode fazer). “Se eu quiser, eu compro o jogador, faço se quiser”. Normalmente a opção tem prazo. A

27

Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado. 28 Ver nota 13.

Page 32: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 32 Aline Nazareth – Turma 185

construtora paga parte do preço para ter a opção, ou poderia vender a outro, se decidir comprar, paga a diferença, se não, perde o que investiu. É um direito potestativo de uma das partes.

O segundo tipo é o pré-contrato bilateral, em que tenho duas vontades na formação e qualquer um dos contratantes pode exigir a celebração do contrato definitivo. Então imagine que uma pessoa faça um pré-contrato de compra de cota de uma limitada, paga o preço, agora se celebrou em definitivo – ambas as partes têm interesse na celebração final para alterar o contrato e registrá-lo. Na escritura pública de compra e venda é a mesma coisa – qualquer uma das partes pode exigir a celebração do contrato definitivo.

Efeitos Quando se fala de pré-contrato uni ou bilateral, têm-se diferentes efeitos. Num

contrato unilateral, tem-se a aplicação do artigo 46629, pois só uma parte pode exigir a celebração do contrato em definitivo. Tal artigo coloca que, após o prazo, o pré-contrato perde sua eficácia e ele se extingue. Há a possibilidade de quando não houver prazo combinado (avençado) entre as partes, o Código diz que será aquele indicado pelo devedor (quem carrega o fardo obrigacional) – favor debitoris. O prazo fixado deve ser razoável (conceito analisado de acordo com a função social e a boa-fé), ou seja, analisado de acordo com o caso concreto.

Já no contrato bilateral, pode-se ou não admitir direito de arrependimento. Eu posso ter no contrato a seguinte regra: se quem deu sinal descumpre o contrato, perde; se quem recebeu o sinal descumpre, devolve o dobro das arras (sinal). São as arras confirmatórias – é uma regra que não comporta arrependimento. Há também as arras penitenciais (coloca-se no contrato que as partes podem se arrepender, mediante a devolução em dobro ou a perda do sinal). Portanto, há contratos com os dois tipos de arras, dependendo de haver ou não arrependimento – a diferença é fundamentalmente se eu escrevo no contrato que há direito de arrependimento. Se eu escrever que há direito de arrependimento permitido, o contrato tem então uma flexibilização do princípio pacta sunt servanda. Se o pré-contrato permite arrependimento o efeito é um; se não permite, é outro – é necessário separar, já que, se o arrependimento não é permitido, ocorre um ato ilícito, ao passo que, se é permitido, o efeito é lícito. Mesmo assim, em regra, não há flexibilização, portanto, a maior parte delas é confirmatória.

Porém, se dei o sinal com arras confirmatórias ninguém pode se arrepender; se houver o ato é ilícito, não lícito. Os artigos 463 e 464 são possíveis para casos em que o arrependimento constitui ato ilícito (não há direito de arrependimento):

Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive. Art. 464. Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação.

29

Art. 466. Se a promessa de contrato for unilateral, o credor, sob pena de ficar a mesma sem efeito, deverá manifestar-se no prazo nela previsto, ou, inexistindo este, no que lhe for razoavelmente assinado pelo devedor.

Page 33: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 33 Aline Nazareth – Turma 185

Artigo 465 – supondo que eu não queira o ato definitivo posso cobrar? Se eu não tiver

mais interesse no contrato definitivo, posso considerar extinto o contrato preliminar com cobrança de perdas e danos.

Art. 465. Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá a outra parte considerá-lo desfeito, e pedir perdas e danos.

Artigo 463; parágrafo único – tem uma regra que deixou em pânico os estudiosos: diz

que o contrato preliminar deverá ser levado a registro competente. Se o pré-contrato tem por objeto bens imóveis o registro é o de imóveis; se tiver por objeto bens móveis, é cartório de registro de títulos e documentos. Se o contrato não for registrado, haverá uma sanção, já que a lei diz que deverá haver registro. Contrato preliminar, registrado ou não, obriga e vincula os contratantes. Logo, não preciso de registro para obrigar a celebração do contrato definitivo, pois esta decorre do próprio vínculo contratual – pode-se obrigar a parte a efetuar a sua prestação de acordo com os princípios do contrato. Nesse sentido, temos o Enunciado no 3030 do CJF e a Súmula 239 do STJ31.

Art. 163; Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.

Se o Código Civil diz que o pré-contrato deverá ser registrado e está se dizendo aqui

que, para o pré-contrato, não se precisa de registro, para o quê serve o registro? Esse é necessário para dar eficácia diante de terceiros. Ou seja, se eu quiser opor esse contrato perante terceiros, ele deverá estar registrado (mantém-se a ideia do pacta sunt servanda).

Aula 07.10

Efeitos do Contrato com Relação a Terceiros

Primeiramente, precisa-se lembrar de quem é o terceiro: aquele que não fez parte do

contrato – não é o comprador/vendedor, locador/locatário etc. É alguém estranho à relação contratual. Tem-se que lembrar também que, pela regra geral, princípio res inter alios acta (princípio da relatividade dos efeitos), o contrato não beneficia nem prejudica terceiros. Portanto, nesse tema, serão vistas situações em que o referido princípio é suavizado, abrandado, fazendo com que o contrato atinja terceiros.

O estudo dessa matéria pode ser dividido em duas partes: 1. Três figuras que estão no Código Civil – o Código novo colocou mais uma, além das

duas do Código antigo a. Estipulação em favor de terceiros – artigos 436 a 438

O terceiro vai receber os efeitos benéficos do contrato (as vantagens), sem qualquer

ônus. O melhor exemplo de estipulação em favor de terceiro é o seguro de vida, em que eu sou estipulante, procuro um segurador (promitente – aquele que aceita) e o estipulante

30 Enunciado 30: a disposição do parágrafo único do art. 463 do novo Código Civil deve ser interpretada como fator de eficácia perante terceiros 31

Súmula 239: O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.

Page 34: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 34 Aline Nazareth – Turma 185

(aquele que propõe) estabelece em favor de terceiro (que não é parte do contrato), chamado de beneficiário (aquele que receberá os efeitos do contrato).

Costuma-se confundir seguro de vida com o direito das sucessões: seguro de vida é matéria contratual e não sucessória. A única semelhança entre ambos é que a morte é o fato jurídico que proporciona efeitos jurídicos em ambos os casos. Posso nomear como beneficiário do seguro de vida (quase) qualquer pessoa, até pessoa jurídica, nem precisando ser parente – nem herdeiro – é pessoa que eu indico, não precisa ter vínculos. Exceção: artigo 172732 – problema do concubinato (amantes). O Código detesta a pessoa casada que arruma caso extraconjugal – Código conservador. Então, se sou casado e tenho uma amante, esta é condenada pelo Direito Civil, assim, não posso nomeá-la beneficiária do seguro de vida. O próprio STF afirma que não há relação possível no Direito de Família que tutele a relação entre amantes. Qualquer ato em favor do amante é nulo para o ordenamento – sistema retrógrado. Ressalta-se que casos extraconjugais com várias pessoas e de maneira esporádica não são considerados concubinatos. Conclui-se daqui que monogamia é questão de ordem pública.

Ainda, o contrato só vincula o estipulante e o prometente, nunca o beneficiário, que só receberá os efeitos. Caso dos sobrinhos, beneficiários, que não podem ser cobrados pela dívida do não pagamento do premium do seguro de vida pelo estipulante, mas também não irão receber, pois o contrato não foi cumprido para poder gerar os efeitos. Mesmo assim, o Código Civil, no artigo 43633, dá no caput o direito de, tanto o beneficiário quanto o estipulante, exigirem o cumprimento do benefício estipulado. Ou seja, o beneficiário tem o direito por causa da vantagem pecuniária (vantagens econômicas) e o estipulante porque é contratante.

Direitos concorrentes – artigo 43834. O direito de nomear o beneficiário é do estipulante, podendo também trocá-lo – é direito dele substituir a qualquer tempo o beneficiário. A substituição do beneficiário pode ser por ato mortis causa (testamento – o risco de se usar isso é de não chegar ao conhecimento do promitente o novo beneficiário – não é risco de lei, mas da dinâmica do negócio) ou por ato inter vivos (vai com o promitente e troca).

Se o estipulante, no contrato, informar que não pode trocar o beneficiário, é lícita a cláusula contratual da limitação da vontade do estipulante.

b. Promessa por fato de terceiro – artigos 439 e 440

Vou prometer que alguém realizará determinado ato. Se eu prometo fato de terceiro,

a promessa obriga a quem? O terceiro ou a quem prometeu? A quem prometeu, claro. Portanto, quem promete fato de terceiros, não compromete terceiros, mas só a si próprio – artigo 43935. Se o terceiro não cumpre, perdas e danos com relação àquele que prometeu. Tem alguma forma de não ser quem prometeu o responsável? Mandato – assino por terceiros o

32

Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato. 33

Art. 436. O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação. Parágrafo único. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não o inovar nos termos do art. 438. 34

Art. 438. O estipulante pode reservar-se o direito de substituir o terceiro designado no contrato, independentemente da sua anuência e da do outro contratante. Parágrafo único. A substituição pode ser feita por ato entre vivos ou por disposição de última vontade. 35 Art. 439. Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos, quando este o não executar. Parágrafo único. Tal responsabilidade não existirá se o terceiro for o cônjuge do promitente, dependendo da sua anuência o ato a ser praticado, e desde que, pelo regime do casamento, a indenização, de algum modo, venha a recair sobre os seus bens.

Page 35: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 35 Aline Nazareth – Turma 185

contrato. Alguma outra forma? Se o terceiro aderir, concordar com os termos do contrato – terceiro, quando adere, recebe efeitos por vontade própria. Em suma, se eu prometo fato de terceiro e o terceiro não aderiu, eu respondo pelos danos causados. Se o terceiro aderiu, caio fora e o problema é dele. Se eu prometo fato pelo meu cônjuge e ele não cumpre, e é comunhão universal de bens, o Código, excepcionalmente, no parágrafo único do artigo ora em xeque, diz que se o cônjuge não cumprir e na indenização o outro toma prejuízo (terceiro), nessa hipótese não há como cobrar perdas e danos – a vítima da promessa pode nada receber – Código retira direito de indenização.

c. Contrato com pessoa a declarar36 – artigos 467 a 471

Quando o Código trouxe essa figura em 2003, SIMÃO entrou em pânico porque não

sabia que exemplo dar aos alunos. Em um ato de desespero, foi ver DINIZ, o que salvou. Exemplo perfeito de contrato com pessoa a declarar: nesse contrato, têm-se três partes – stipulans (reserva o direito de indicar terceiro), electus (terceiro indicado) e o promitens (se compromete desde logo a aceitar o electus). Na prática, esse contrato serve para: sou uma construtora, pretendo comprar uma casinha para construir um prédio – se for comprar a casa, o preço sobe absurdamente pelo fato de eu ser uma construtora. Peço pra terceiro fechar o negócio, cujo contrato com o vendedor estipula que o comprador outorgará a escritura a quem tá fazendo o favor ou a terceiro que ele indicar – aí ele pode colocar no nome da construtora.

Qual é a diferença entre cessão de posição contratual com o contrato com pessoa a declarar? No contrato com pessoa a declarar, é combinado desde o início – é uma pré-aceitação. Na cessão, a aceitação é posterior. O principal efeito da entrada do electus é que, quando adere, o stipulans sai com efeitos retroativos – como se ele nunca tivesse sido parte. Portanto, a adesão do electus, por ficção, faz com que ele seja o contratante originário – artigo 46937. A indicação desse electus não pode ficar aberto ad eternum – artigo 46838: confere prazos para que o stipulans indique o electus (cinco dias da celebração do contrato, mas, como muitos prazos, a norma não é de ordem pública – contrato pode alterar esse prazo). Se o prazo passar, não há mais como se indicar – perde-se a possibilidade de indicação, que perde seus efeitos: ineficácia com pessoa a declarar, só obriga o stipulans e o promitem. O parágrafo único desse artigo fala que o electus deve aceitar, pela mesma forma com a qual o contrato foi celebrado. Se a lei exige forma e o electus desobedecê-la, qual é o efeito prático disso? Nulidade. Portanto, a aceitação do electus e a inobservância da forma prevista em lei, não produzirá efeitos, fazendo com o que contrato só obrigue o promitens e o stipulans.

O contrato pode só produzir efeitos entre o promitens e o stipulans? Hipóteses do artigo 470 e 471 – só vincula as partes stipulans e promitens. O artigo 47039 usa a expressão “ou a quem indicar”, mas, caso não se indique ninguém (pois se trata de um direito e não de

36

Não confundir com as situações que envolvem “laranjas” – estes fazem uma simulação objetiva, não têm a intenção de realizar o contrato de fato – só visa o lucro que receberá com isso. 37

Art. 469. A pessoa, nomeada de conformidade com os artigos antecedentes, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes do contrato, a partir do momento em que este foi celebrado. 38 Art. 468. Essa indicação deve ser comunicada à outra parte no prazo de cinco dias da conclusão do contrato, se outro não tiver sido estipulado. Parágrafo único. A aceitação da pessoa nomeada não será eficaz se não se revestir da mesma forma que as partes usaram para o contrato. 39

Art. 470. O contrato será eficaz somente entre os contratantes originários: I - se não houver indicação de pessoa, ou se o nomeado se recusar a aceitá-la; II - se a pessoa nomeada era insolvente, e a outra pessoa o desconhecia no momento da indicação.

Page 36: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 36 Aline Nazareth – Turma 185

uma obrigação de indicar alguém) ou o electus não aceite, a vinculação só se dará entre as partes contratantes originárias. Já o artigo 47140 trata da questão do insolvente e do incapaz.

2. Eficácia externa da função social do contrato, ou seja, quando o contrato em razão

da eficácia externa da razão social, atinge terceiros. Quando se estuda o artigo 42141 do Código Civil, que trata da função social do

contrato, tal artigo só diz que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

A função social nasce do Código italiano (e a boa-fé do Código alemão). É a ingerência máxima do Estado no contrato para planejar a economia em cima do próprio conteúdo do contrato – ZANETTI entende que a função social nasce de uma política estatal de controle do contrato, opinião histórica. Essa função social no Brasil é uma cláusula geral que dá poderes de intervenção do juiz sobre o contrato. Os juízes ficaram muito mais felizes com a função social do que com a boa-fé. Qual é o efeito prático disso? A doutrina construiu dupla eficácia para a função social – é uma construção doutrinária, não está em lei. Essa dupla eficácia gerou um deleite na magistratura – dupla ingerência: eficácia interna (efeito entre os próprios contratantes, equilíbrio contratual) e eficácia externa. O Código Civil não pode mais ser entendido só com os interesses do contratante; deve-se levar em conta os demais interesses – sociais, ambientais etc. Se eu sou banco, minha função é emprestar dinheiro; se eu recebo um empréstimo a juros baixos para construir um empreendimento – resort construído próximo a área de proteção ambiental, o dano ao ecossistema é enorme. É bom para todos, menos para a sociedade.

Essa ideia de enxergar o contrato não só entre os contratantes é a

eficácia externa da função social. A doutrina brasileira localiza na eficácia externa duas figuras que acabam tendo

funções semelhantes, mas não são iguais: i. Tutela externa do crédito ii. Doutrina do terceiro cúmplice

Aula 09.10 – continuação

i. Tutela externa do crédito Doutrina do terceiro cúmplice. Por que tutela externa do crédito? Porque o contrato, apesar de só vincular credor e devedor, tem efeitos perante terceiros – a ideia da res inter alios acta não é mais absoluta. Esse movimento começa a ser sentido na figura do “contrato de gaveta”. Normalmente, quando um brasileiro financia um imóvel junto a um banco credor (acaba sendo hipotecário, se não for o caso da alienação fiduciária de garantia – o banco é o dono), aí descubro que não consigo mais pagar ou que não o quero mais; quero passar para frente. Qual seria o mecanismo que qualquer outro país faz? Chego ao banco e falo que não posso ou não quero mais pagar o financiamento, mas um amigo meu quer assumir isto. O banco analisa o amigo e transfere o contrato para ele, fazendo com que ele seja o contratante – esse é o esquema correto para a cessão. Aqui no Brasil, faz-se um contrato particular –

40 Art. 471. Se a pessoa a nomear era incapaz ou insolvente no momento da nomeação, o contrato produzirá seus efeitos entre os contratantes originários. 41 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Page 37: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 37 Aline Nazareth – Turma 185

contrato de gaveta: quando você acabar de pagar as prestações no meu nome, a casa é sua. É oculto porque o banco não sabe que eu parei de pagar e que outro é o contratante. Esse meu amigo quita a dívida junto ao banco e aparece lá avisando que quitou – banco não passa a casa para o nome dele porque não é ele o contratante: só pode liberar o imóvel para o contratante – se eu não for, o amigo não recebe nada. O amigo, ao alegar que tinha um contrato particular, reconhecido no cartório, ouve do banco que não o atinge – res inter alios acta. Aí o amigo ia ao Poder Judiciário explicando a situação e que o banco não quer transferir. Poder Judiciário alega que esse contrato produz efeitos para o banco, para terceiro, sendo este obrigado a respeitar o contrato de gaveta. É por isso que o nome é tutela externa do crédito. Assim, a partir dessa figura, o Direito brasileiro chancela que o contrato também pode atingir terceiros. E se for o caso de um quinto contrato de gaveta – cinco pessoas já assumiram esse contrato? Banco vai exigir que as pessoas que cederam se manifestem para evitar fraude. A partir da figura dessa tutela externa do crédito, o Judiciário começou a notar uma postura no contrato de seguro que não existia há tempos atrás. Exemplo de alguém que bate o carro por negligência em outro, mas tem seguro de carro, alegando isto para o proprietário do carro que foi batido. Essa vítima faz um Boletim de Ocorrência informando os dados, inclusive qual a seguradora e o número do cadastro. Assim, se o autor do acidente não quiser pagar pelo feito, a vítima pode demandar a seguradora diretamente porque o contrato de seguro entre o autor do acidente e a seguradora atinge a vítima, fazendo com que a eficácia do contrato beneficie as vítimas do ato ilícito. Isso é uma inovação que começou a pouquíssimo tempo – Direito pós-moderno: posso cobrar o segurador do causador do dano e a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo assegura essa prática. É um Direito que busca mais justiça ao quebrar o paradigma da segurança.

ii. Doutrina do terceiro cúmplice Nova teoria contratual no seu expoente máximo. O cantor, ator e compositor, Zeca Pagodinho fez uma propaganda para uma cervejaria chamada Schincariol, quando esta remodelou a própria marca. Ela mesma descobriu que a Schin original era uma porcaria e que o brasileiro gostava da Brahma e da Antártica. Por isso resolveu reformular, com um novo blend e daí o marketeiro pediu uma propaganda publicitária com o Zeca – proposta do Experimenta, Experimenta! Vários cantores e atores tomavam a cerveja sob esse fundo musical (Experimenta, Experimenta!) e rodeado de mulheres bonitas. Zeca tomava e fazia um joia com a mão – vendas da Schincariol dispararam. Na plena vigência do contrato entre Zeca e a Schin, a Brahma chega e fala para o Zeca trabalhar com eles, com um contrato muito melhor. Zeca abandona o contrato com a Schin, presta serviços para a Brahma e a primeira propaganda com o seu aliciado é a seguinte: “aquela cerveja que eu tomei, foi amor de verão. Experimentei, não gostei e voltei para o meu verdadeiro amor: a Brahma!”. Além disso, afirmou que durante o intervalo da Schin, tomava Brahma porque não suportava a primeira de tão ruim que era. Quebrou contrato e, ainda por cima, desdenhou. Schin reage com uma publicidade genial: propaganda de um boteco com um sósia do Zeca amuado num canto com uma lousa atrás escrito: Prato Do Dia – Traíra. Zeca se sente ofendido e abre um processo de danos morais contra a Schin, ao passo que a Schin propõe uma ação contra a Brahma por ter aliciado o Zeca – duas ações. Em primeira instância, em uma sentença inacreditável, o juiz decidiu que o Zeca rompeu com o contrato, efetivamente e culposamente descumpriu com a prestação de serviços e de má-fé

Page 38: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 38 Aline Nazareth – Turma 185

foi à Brahma. Contudo, a conclusão joga a ação da Schin contra a Brahma improcedente. Alegação: porque a Schin não teve nenhum prejuízo com a saída do Zeca para a Brahma – o rompimento do contrato só deu lucro para a Schin. Por óbvio que a Schin teve lucro pelo aumento de vendas e quando o Zeca tira sarro da Schin (dano social, como chamado por JUNQUEIRA – rebaixamento de confiança do contrato: representa o anti-contratante e tem lucro com isso – ganhou de duas empresas com os contratos e não foi punido pela má-fé). O advogado da Schin não citou o único dispositivo (artigo 60842 do Código Civil) que resolveria de fato a questão: se alguém aliciar prestador de serviços que tenha contrato escrito com o tomador, o aliciador pagará à tomadora prejudicada o que o tomador pagaria ao prestador pelos próximos dois anos. Leia-se: o contrato entre o Zeca e a Schin atingiria a Brahma para puni-la ao pagar a Schin o que o Zeca receberia pelos próximos dois anos. Doutrina do terceiro cúmplice: Brahma é cúmplice do Zeca para que ele rompesse o seu contrato e o descumprisse perante à Schin. Assim, apesar de o juiz ter a lógica de a Schin ter ganhado, o Zeca quebrou a boa-fé objetiva e o juiz, ao não perceber e não punir isso, tutela a torpeza. Esse artigo 608 se aplica a várias situações da vida. Por exemplo, sou apresentador de TV do SBT e a globo me tira, fazendo com que eu rompa o contrato. Sou advogado de um escritório e outro escritório quer me pegar – rompe contrato porque é cooptado, aliciado. Qualquer um que tem um prestador de serviço cooptado pode usar esse artigo. Esse artigo não é indenizatório, é punitivo. Quando manda pagar por dois anos, não é indenização do prejuízo, é para punir o aliciador – não é caráter reparatório. Esse artigo é uma expansão dos efeitos da pessoa que rompe o contrato e da sua torpeza. Responsabilizar quem descumpriu é perdas e danos e esse artigo 608 expande esses efeitos – se terceiro pagar perdas e danos também é responsabilidade extracontratual por causa da coautoria na má-fé.

Vício Redibitório versus Evicção

O Código cuida de duas figuras paralelas: o chamado vício redibitório e a chamada evicção. Por que o vício redibitório e a evicção são figuras paralelas? Porque ambas cuidam de uma garantia que a lei confere, que a lei concede, ao adquirente. O vício redibitório é chamado vício de fato porque ele atinge as qualidades da própria coisa. E a evicção (ex vintere) é o vício de direito porque macula a aquisição do bem. Portanto, a evicção macula uma relação jurídica.

Se eu compro um cavalo que tem gastrite nas noites de lua cheia, ele tem um vício redibitório. Se eu compro um cavalo de quem não é proprietário porque furtou este cavalo, tenho um vício de direito – posso perdê-lo por evicção. Portanto, em ambos os institutos eu tenho uma garantia concedida ao adquirente.

Vício Redibitório

Artigos 441 a 446 do Código Civil

42

Art. 608. Aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar serviço a outrem pagará a este a importância que ao prestador de serviço, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante dois anos.

Page 39: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 39 Aline Nazareth – Turma 185

Redibitório vem do substantivo redibição, que significa desfazer o contrato em razão

do vício. Portanto, o termo redibitório não é o melhor – trato pelos efeitos, não pelo que ele realmente é (termo só ficou pela tradição histórica civilista). O termo correto seria vício oculto – termo que usa o Código do Consumidor.

O que é vício oculto, então? É o defeito que torna a coisa imprópria ao uso a que se destina ou lhe diminui o valor.

Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.

Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.

Agora, se eu parar a definição por aqui, eu não dei o conceito completo de vício oculto. Se eu vender um carro que eu dei uma mega batida, isso é um defeito que diminui o valor do carro, mas é um defeito aparente. Até aqui há uma definição de vício, tão somente, e não de oculto.

Não se pode também confundir vicio oculto com vício interno e vício aparente com vício externo. – são conceitos distintos. Se eu adquirir um carro com a lataria completamente detonada, é um vício aparente e externo. Se eu comprar um carro que, após rodar 300 km ele para por causa de um problema elétrico, é um vício interno e oculto. Mas eu posso ter um vício interno e aparente: se eu adquiro um carro com o motor fundido, este é um vício interno e aparente – é um vício perceptível por pessoa de diligência média.

O vício oculto não é percebido pelos cuidados do homem médio e sua diligência. Agora, o caso do carro que ficava ligado por muito tempo e o motor esquentava é um

vício oculto e interno. Assim sendo, se eu compro um cachorro cego, é um vício aparente – se eu compro um cachorro surdo, é um vício oculto e interno.

Requisitos: 1. O bem, a coisa, tenha sido adquirido em virtude de um contrato comutativo – não

só a compra e venda: a permuta, empreitada e mesmo a locação também. Contrato comutativo é o bilateral em que eu tenho certeza da extensão e da existência da contraprestação. Assim, em contrato de doação, não pode ser considerado que haja vício oculto – cavalo dado não se olha os dentes – (contratos unilaterais como um todo).

2. Deve ser prejudicial à utilidade da coisa ou diminuir o seu valor. Tomar cuidado com uma coisa: de minimis lex non curat – ideia de insignificância: se o vício oculto gerar uma redução de valor insignificante, o Direito Civil não produz proteção ao adquirente. É o risco de qualquer negócio. O vício oculto tem que gerar uma redução de valor relevante. Exemplo: compro um carro que tem o banco de tecido e, depois de vinte dias de uso, percebo que, em uma parte do tecido, surgiram umas manchinhas brancas e microscópicas. Isso diminui o valor? Claro. Significante? Não. Aí o Direito Civil não se preocupa. Evidentemente que a noção de pequenos valores depende do bem do contrato e da situação fática.

3. O vício deve existir em germe não manifestado antes de ocorrer a entrega e se manifestar após a entrega. Se o vício existir antes da entrega e se manifestar antes

Page 40: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 40 Aline Nazareth – Turma 185

da entrega, ele é aparente e não oculto – vaca está babando, vício está aparente. Existe em germe e só se manifesta depois da entrega – se eu entrego uma vaca totalmente sã e no rebanho do comprador ela adquire o vírus, o vendedor não responde. Mas se o vírus está na vaca, mas só se manifesta posteriormente à entrega – vício oculto, res periti domino. É ônus do adquirente provar que o vício existe.

Aula 14.10 – continuação

Direitos do adquirente em decorrência do vício oculto O Código Civil dá ao adquirente uma opção: (i) o adquirente pode optar entre a

redibição, por meio da ação chamada redibitória – significa desfazer o contrato: devolve a coisa que eu devolvo o dinheiro – (ii) ou o abatimento do preço, por meio da ação quanti minoris/estimatória. Por que se chama estimatória? Porque o objetivo é estimar – leia-se, quantificar – o abatimento do preço de acordo com a extensão do vício. Portanto, o adquirente pode optar pela ação redibitória ou pela ação estimatória.

As ações recebem o nome de ações edilícias ou edilicianas – recebem esse nome em homenagem ao seu criador, Aediles Curules – homenagem ao Direito Romano.

Requisitos

Aqui serão elencados os requisitos que o adquirente tem que obedecer para usar as ações edilícias.

Se o vendedor vende um cachorro surdo e não sabe disso, responde por vício oculto? Sim. O adquirente não precisa provar que o alienante conhecia o vício para se valer das ações. Na realidade, trata-se de uma garantia legal e, como garantia legal, ela independe do conhecimento ou não do vício. Contudo, o artigo 44343 traz uma regra interessante – se o adquirente pretender cobrar perdas e danos, pretender receber uma indenização pelos prejuízos decorrentes do vício redibitório, aí sim é necessária a prova da má-fé do alienante. Ou seja, provar que o alienante conhecia o vício. É quase impossível provar a má-fé do alienante – mas tem casos que a má-fé é óbvia: mão de tinta passada em cima de rachadura.

Como provo que agiu de má-fé? Chamo testemunha. Carro usado é um grande problema quando se trata disso. É difícil provar que o fornecedor, em uma relação de consumo, agiu de má-fé. CUIDADO: para o Código do Consumidor cabe perdas e danos em qualquer hipótese – o fornecedor não se exime, mesmo que tenha má-fé. O exposto até aqui só funciona para os casos civis.

É a má-fé que induz o elemento culpa no Código Civil para o pagamento

de perdas e danos dentro dos vícios redibitórios. A responsabilidade por vício redibitório no Código Civil é norma de direito dispositivo,

logo, o contrato pode afastar a responsabilidade do vendedor, pois advém de acordo de vontades. Se for Direito do Consumidor, esquece, aplica-se o artigo 5144 – norma de ordem pública. A cláusula de irresponsabilidade, em regra, é válida, salvo se conheço o vício e pretendo dele me eximir – há dolo e, assim, a cláusula não produz efeitos porque contraria a boa-fé objetiva.

43

Art. 443. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão-somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato. 44 Ver o quinto critério da classificação dos contratos – o artigo 51 do CDC foi copiado lá.

Page 41: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 41 Aline Nazareth – Turma 185

Prazos para exercícios das ações edilícias O prazo para exercício das ações edilícias – artigo 445 45 – prazo de natureza

decadencial: porque as ações edilícias são ações desconstitutivas/modificativas – desfazem ou modificam o negócio jurídico, portanto, seus prazos são decadenciais e extinguem o direito potestativo de redibir o contrato ou de pleitear o abatimento do preço. Portanto, o direito potestativo de redibição do negócio jurídico, ou de abatimento do preço, se sujeita a prazos decadências e não prescricionais. NERY entende que o prazo é prescricional porque na ação redibitória/quanti minoris o autor requer condenação do réu – tutela é condenatória, logo, o prazo seria prescricional – tem pretensão de exigir a prestação – é isolado da doutrina (nota: prescrição extingue a pretensão e a decadência extingue o direito potestativo). Agnello AMORIM FILHO fez uma nota em um artigo dizendo que vão dizer que a ação quanti minoris se sujeita a prescrição, mas não! A ação quanti minoris se sujeita a decadência porque eu não peço ao alienante “me dê dinheiro”, é um “me devolva parte do preço”. Há uma desconstituição parcial do preço ou modificação do preço. Logo, a tutela é desconstitutiva e não condenatória. Portanto, a ação quanti minoris se sujeita a prazo decadencial. Perdas e danos não é nem redibição nem estimatória – portanto, é prazo prescricional.

O artigo 445, caput, traz o prazo para reclamação. O prazo é de 30 dias para bens

móveis e um ano para bens imóveis. E esse prazo se conta a partir da entrega efetiva da coisa. Mas se o vício aparecer no 31º dia em um bem móvel? Aqui a lei preserva o valor segurança jurídica: azar do adquirente – vício tinha 30 dias para aparecer e eu reclamar dele.

Na segunda metade do dispositivo, se já estava na posse, o prazo se reduz pela metade, sendo contado da alienação (traditio brevi manu: possuía em nome alheio e passo a possuir em nome próprio). Se o artigo parasse aqui, tudo iria muito bem, mas tem o § 1º: o caput é vício percebido desde logo, diferentemente do parágrafo – vício que depende de maturação, não se percebe de imediato. Exemplo muito simples: sujeito entrega um prédio que aparentemente não tem problema. Mas depois de um ano, quando envelhece o encanamento, o vício se manifesta – encanamento, em condições normais, tem prazo de vida muito maior. Mesma coisa do carro que quando atinge 10.000 km apresente problemas na suspensão – caso de parágrafo primeiro: 180 dias para bens móveis e de um ano para os imóveis, contados a partir do surgimento do vício.

Vício que demora para aparecer: pecuarista que compra a vaca com o vírus da febre afitosa – vírus, incubado, demora para apresentar sintomas. Vício que se manifesta desde logo: meu vizinho me vende um computador usado. Assim que tiro da caixa, vejo que o computador tinha um risco gigantesco – vício oculto que manifesta desde logo – só precisei tirar da caixa e o que era oculto se mostrou.

45

Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade. § 1o

Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis. § 2o

Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria.

Page 42: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 42 Aline Nazareth – Turma 185

Artigo 44646: de difícil aplicação prática. O artigo 445 traz os prazos para reclamação

quanto aos vícios redibitórios (trata de uma garantia legal). Só que eu posso aceitar e posso imaginar uma garantia contratual ou uma garantia estendida – caso muito comum quanto a compra de celulares – nasce do acordo, da vontade das partes. O que acontece com a garantia legal se eu contratei outra garantia? Os prazos começam juntos, se sucedem? O artigo 446 trata disso: não correrão os prazos de decadência do artigo 445 na hipótese de cláusula de garantia. Então, se eu contratei uma garantia estendida, uma garantia convencional, os prazos da garantia legal não correm – significa impedimento da decadência legal, suspensão da decadência legal ou interrupção da decadência legal? (interrupção para e volta para o zero – não é o caso porque não se inicia) A hipótese é claramente de impedimento porque o prazo nunca sai do zero enquanto estiver na garantia contratual.

Contudo, o adquirente deve denunciar o defeito nos trinta dias seguintes ao descobrimento do defeito. Contratei uma garantia, logo a legal está impedida de correr. Aparece o defeito – tenho 30 dias para informar a outra parte sobre o defeito, sob pena de decadência. Decadência do quê? Da garantia legal ou contratual? Depende da doutrina – decaiu, acabou a contratual. SIMÃO entende que decai as duas – morte de ambas.

Ressalta-se: acabou garantia convencional, começa a legal – isso se não tiver o percebimento do vício.

O Código do Consumidor tem regras próprias – tudo isso não se aplica. Primeira regra própria do CDC: admite reclamação por dois tipos de vícios – os ocultos

e os aparentes. No sistema do Código Civil, não se pode reclamar por vício aparente. Por que no Código Civil eu não posso reclamar do vício aparente e no Código do Consumidor eu posso? Porque o consumidor é vulnerável. Mas por que isso não acontece com alguém que não é fornecedor? Porque o adquirente geralmente tem cuidados, e muitos a mais, que não tem em relações tuteladas pelo Código do Consumidor. Nas relações de consumo, tendo a confiar no fornecedor e sou bombardeado por publicidade – me leva a consumir coisas que eu não precisava.

Os prazos não dependem do tipo de vício para o seu cálculo, no CDC, mas dependem para o seu início. No caso de bens duráveis, o prazo de reclamação é de 90 dias. Já nos casos de bens não-duráveis, o prazo de reclamação é de 30 dias. Qual é o início dos prazos? Se o vício for aparente, pelo artigo 2647, os prazos se iniciam com a entrega da coisa; se oculto, se iniciam quando o vício se manifesta. Se eu comprei um carro – bem durável – e a loja me entrega com a pintura riscada: 90 dias da entrega. Se andei 10.000 km e o motor esquenta: 90 dias a partir disso. Só que se eu compro uma televisão e quando eu ligo, só sai som e nada de imagem – 90 dias desse vício.

46 Art. 446. Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência. 47

Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis; II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. § 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços. § 2° Obstam a decadência: I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca; II - Vetado III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento. § 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.

Page 43: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 43 Aline Nazareth – Turma 185

Mas se eu compro e o aquecimento da TV me queima – atingiu a integridade do

consumidor; extrapolou – vou querer indenização. Essa hipótese é o vício por insegurança ou defeito e daí eu estou nas hipóteses do artigo 1248 do Código do Consumidor. Nessa hipótese, o prazo é prescricional e o prazo para reparar os danos é de cinco anos – artigo 2749. E se conta da seguinte maneira: do surgimento do vício e do conhecimento de sua autoria. Portanto, se eu compro carro, saio da concessionária, testo o freio – que não funciona. Isso é vício – 90 dias para devolver o carro. Pego o mesmo carro, mas não sabendo que o freio não funcionava, bato o carro e me machuco – cinco anos para reclamar por indenização/reparação civil. O vício, se fica interno ao produto, é vício. Se atinge o consumidor, é fato – por isso o prazo não é mais decadencial e é prazo para reclamar perdas e danos. Aula 30.10

Evicção

É disciplinada nos artigos 447 a 457 do Código Civil. A evicção é o chamado vício de direito em que o bem é perdido para o real

proprietário. Portanto, tem-se o evicto que é o atual proprietário e que vai ser privado da propriedade.

É matéria contratual porque é uma garantia legal em favor do adquirente, logo, nasce do contrato – assim como o vício redibitório, que é o vício de fato. Dessa forma, quem compra, tem uma garantia que a lei confere caso existam esses vícios.

Outra figura: o evictor – real proprietário que toma a coisa para si e toma a

propriedade, não só a posse. Tem-se também o alienante – quem transferiu a coisa ao evicto (atual proprietário). Deste modo, tem-se uma perda da propriedade e o evictor ficará com o bem. Exemplo de evicção: venda de terrenos na Ilha Comprida – há trinta aos, uma imobiliária se associou a um tabelionato para a prática de estelionato. Assim, o tabelionato falsificava procurações dos proprietários dos bens para que a imobiliária vendesse terrenos, autenticados pelo tabelionato, e a pessoa que comprava, acreditando que era dono por causa da procuração, acabava descobrindo que o terreno era de terceiro. O evicto perde o bem para o evictor.

48 Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - sua apresentação; II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi colocado em circulação. § 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado. § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. 49

Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

Page 44: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 44 Aline Nazareth – Turma 185

Detalhe: normalmente, a perda da propriedade se dá por uma ação judicial que o

evictor promove contra o evicto – ação de natureza petitória (diferentemente da possessória), em que eu discuto a propriedade (é uma ação reivindicatória – rei = coisa; vindicar = pedir para si). Logo, o evictor promove uma ação reivindicatória afirmando que tem a propriedade real enquanto a propriedade do evicto é viciada – não se discute posse, discute o título: quem tem o melhor título. Prova que a procuração, no exemplo, era falsa e que era o verdadeiro proprietário. O evicto se utiliza de um mecanismo processual para que o alienante participe do processo – se vale de uma denunciação da lide (cria uma lide secundária entre o evicto e o alienante).

Quais são os requisitos para que surja a responsabilidade por evicção? A primeira coisa que provou uma mudança significativa entre os dois Códigos Civis é

que o artigo 1.117, I, do Código Civil de 1996 exigia que se perdesse a coisa em razão de uma ação judicial. Destarte, evicção pressupunha uma ação reivindicatória do evictor contra o evicto. Nesse Código Civil, existia um problema muito claro: exigia perda por ação judicial e que não era considerada evicção. O Código Civil atual diz que os efeitos são os mesmos, logo, não necessita de uma perda do bem através de uma ação – pode ser por causa de uma perda administrativa também para ser considerada evicção. Não precisa, então, de uma sentença declarando a perda do ato – a perda se dá tanto por esta quanto por apreensão pela autoridade administrativa – polícia, controle alfandegário etc. Perda da evicção se dá tanto por evicção tanto por sentença judicial.

Segundo requisito: necessário que haja uma alienação onerosa – exemplo de venda ou dação em pagamento. Não há evicção nos contratos gratuitos, como na doação, por exemplo.

Terceiro requisito: na verdade, era uma dúvida que existia no Código Civil antigo e que foi resolvido no de agora – supondo que eu deva e tenho um bem penhorado (juiz fez uma constrição sobre meu bem) e esse bem vai ser vendido para (que o valor apurado pague o credor) que tenha dinheiro para a execução – vai à hasta pública: venda judicial d bem. A dúvida é quando o terceiro, quando compra judicialmente em hasta pública, e este descobre que esse bem não era de devia – era de outra pessoa ainda. Aí esse terceiro perde esse bem comprado em hasta pública. Nessa hipótese, existe responsabilidade por evicção, já que não foi vendido (não houve contrato de compra e venda – foi alienado judicialmente: pedi por decisão judicial) por contrato e sim tomado por decisão judicial? Artigo 447 50 – subsiste essa garantia ainda que a aquisição tenha se realizado em hasta pública – gera mesmo efeito de um acordo de vontades.

O problema técnico é que a doutrina diverge do que é hasta pública – podem-se imaginar dois tipos: (i) tradicional – em que o devedor tem o bem constrito judicialmente em penhora e vai ser vendido em hasta pública para que o dinheiro vá para o credor – e (ii) não se é obrigado a ser condômino (“condemônio”). Se não se quer ser condômino, não adianta a vontade do outro – análogo ao casamento (ninguém é casado se não quiser ficar/ser). Esse direito de extinção de condomínio – e de casamento – é potestativo. Dessa forma, há o caso de uma ação chamada venda judicial, em que um dos condôminos leva o bem indivisível à hasta pública, não porque ele quer ou porque deve, mas simplesmente para obrigar o outro condômino a vender. Assim, dessa hasta pública, tem-se a extinção do condomínio: transforma o imóvel em dinheiro e partilha, já que não consegue se partilhar o imóvel. Portanto, existem duas hipóteses de hasta pública: (i) a do credor que deve e (ii) a do condômino que leva o imóvel à venda judicial. Assim, a pergunta que a doutrina se faz é, para qual hasta pública eu aplico a evicção? Alexandre CÂMARA entende que a responsabilidade por evicção só se dá na hasta pública em que há extinção do condomínio e o alienante seria aquele

50

Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela evicção. Subsiste esta garantia ainda que a aquisição se tenha realizado em hasta pública.

Page 45: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 45 Aline Nazareth – Turma 185

que está alienando judicialmente o bem. Entretanto, não é essa visão que predomina, inclusive na jurisprudência – STJ defende que, mesmo nas alienações que decorrem de penhora há responsabilidade civil. Assim, tem-se um problema sério – quem responde por evicção? Tem-se A (devedor/dono do bem), B (credor da penhora do bem) e C (arrematante: deposita o dinheiro nos autos e fica com o bem). Assim, B recebe o dinheiro enquanto C, como arrematante, fica com o bem. Mas aparece D (evictor), que move ação contra C, arrematante, e diz que o bem não é deste devido a um vício. Dessa forma, C perde o bem para o evictor, D. Quem responde por evicção nessa hipótese? O dinheiro do arrematante está com o credor e perdeu o bem para o evictor. Quem responde por evicção: A (devedor) ou B (credor)? O dinheiro do arrematante está com B, apesar de o devedor ser A e ter perdido o bem para D. A doutrina de Araken DE ASSIS diz que o devedor é quem responde, mas, se ele já estava devendo e teve o bem penhorado, não tinha como pagar, como faria? O B responderia subsidiariamente se A não conseguisse – responsabilidade cascata: se o devedor não responder, cobro do credor. Nelson ROSENVALD, por sua vez, entende que há solidariedade, mas é descartada logo de cara porque solidariedade não se presume – não há previsão legal. Terceira tese, também defendida por DE ASSIS: quem responde é o Estado – porque ele admitiu a penhora no processo judicial e entregou ao arrematante B o bem para depois dizer que o bem não era dele em outro processo – deu com uma mão e tirou com a outra (gerou a aquisição e tirou). O STJ afirma que, como é o credor quem está com o dinheiro, este responde por evicção. Pragmaticamente, é o único que tem chances de conseguir pagar ao evicto.

Pergunta: para que surja a responsabilidade do alienante pela evicção, é preciso que o

evicto prove a má-fé do alienante (que este conhecia o vício)? Não, é igual ao vício redibitório. A responsabilidade independe da ciência do alienante quanto ao vício. Tanto que se tem uma decisão de 2010 – RE 873.165 – do STJ que reafirma o óbvio: a responsabilidade por evicção independe do conhecimento do vício pelo alienante porque é uma garantia legal.

Pergunta-se: quando se vender uma casa, por exemplo, pode-se colocar no contrato

que o vendedor não se responsabiliza por vícios? Tratando-se de vício redibitório, a norma é de direito dispositivo, logo, pode haver cláusula de irresponsabilidade se não decorrer de má-fé. Já na evicção, a coisa é bem mais complicada. Nessa, pode-se imaginar três hipóteses:

1. O contrato contém cláusula de exclusão da responsabilidade e o adquirente assume o risco. Nessa hipótese, o alienante informou que poderia haver riscos de o bem não pertencer a ele e o adquirente assumiu. Dessa forma, o contrato passa a ser aleatório e o alienante não tem nenhuma responsabilidade.

2. E se eu colocasse que eu não respondo por evicção, tão somente, no contrato? Há cláusula expressa de exclusão de responsabilidade, mas o adquirente não assume o risco – só tem uma cláusula de não responsabilidade. Nesse caso, o alienante responde parcialmente – só responde por restituir o valor que recebeu devidamente corrigido.

3. Adquirente é avisado do risco, mas expressamente não o assume – corre o risco de o cavalo que está à venda ser perdido porque talvez não seja meu e o comprador não assume o risco. Nesse caso, o alienante só responde pelo valor que recebeu com correção monetária – responsabilidade parcial.

Se nesses dois últimos casos há responsabilidade parcial, supondo que ele responde

por evicção, quais são os efeitos completos desta (nada consta no contrato)? O que engloba a responsabilidade por evicção?

Efeitos da evicção

Page 46: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 46 Aline Nazareth – Turma 185

Pode ser com coisa móvel e imóvel, ressalta-se. Mas vamos pensar num imóvel –

vendo uma casa e recebo 500 mil reais, o contrato não prevê qualquer irresponsabilidade, logo, respondo por qualquer responsabilidade. Quais são os direitos que o evicto tem contra o alienante? O primeiro e principal direito está no caput do artigo 450 51 Código Civil: o problema é que esse direito precisa ser lido conjuntamente com o parágrafo único porque há uma aparente contradição. O evicto deve cobrar do alienante o valor que foi pago ou o valor que tinha a casa quando foi pega? A opção do Código Civil é sempre a de maior valor – “além da restituição integral do preço” (caput) e “preço que a coisa tinha quando se evenceu” (parágrafo único). Como conjugar os dois? Sempre o de maior valor – a exceção está no parágrafo, já que a regra está no caput, que é o pagamento do mínimo. Se o bem se valorizou, esse valor deve ser pago; contudo, se houve desvalorização, paga-se o preço mais correção monetária – o caput traz um mínimo. Esse parágrafo não tinha no Código Civil de 1916.

Além disso, de pagar o preço que a coisa tinha quando se perdeu ou devolver o preço corrigido, o evicto tem mais algum direito? Vários:

1. O valor dos frutos que o evicto tiver restituído ao evictor. As regras sobre quais

frutos são pagos dependem da boa-fé ou da má – regra de matéria de posse: artigos 1214 e 1215 52.

2. O valor das despesas de contrato. Exemplo de imóvel: emolumentos da escritura pública e do registro – já são dois aqui.

3. Os prejuízos diretamente decorridos da evicção. Exemplo: lucro cessante de um aluguel de imóvel. Tinha alugado o veiculo e ia ter os alugueis, mas com a evicção deixei de tê-los. Cobra-se.

4. Se a evicção se deu por ação judicial (uma ação reivindicatória), o evicto perdeu uma ação. Se esse perdeu uma ação, responderá por uma sucumbência – pode cobrar do alienante as custas judiciais e os honorários de advogado. Ressalta-se que isso só cabe se houver processo.

5. O evicto tem direito ao valor das benfeitorias úteis e necessárias, com exceção daquelas que o evictor pagou ao evicto, pois seria enriquecimento sem causa – se o evictor não pagou, cobro do alienante. Ressalta-se que a lei não confere ao evicto o direito à indenização com relação às benfeitorias voluptuárias. Mas o evicto pode tirar tal benfeitoria voluptuária desde que essa não danificar o principal – artigo 1219 53, de efeitos da posse.

51 Art. 450. Salvo estipulação em contrário, tem direito o evicto, além da restituição integral do preço ou das quantias que pagou: I - à indenização dos frutos que tiver sido obrigado a restituir; II - à indenização pelas despesas dos contratos e pelos prejuízos que diretamente resultarem da evicção; III - às custas judiciais e aos honorários do advogado por ele constituído. Parágrafo único. O preço, seja a evicção total ou parcial, será o do valor da coisa, na época em que se evenceu, e proporcional ao desfalque sofrido, no caso de evicção parcial. 52

Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos. Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação. Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia. 53

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

Page 47: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 47 Aline Nazareth – Turma 185

Prazos Não há regra específica para o prazo que o evicto possa cobrar o alienante – uso a

regra geral: dez anos (artigo 205 54) – prazo prescricional. Qual é o prazo que o evictor tem para pedir a propriedade para o evicto? Aqui seria caso de prazo decadencial, não mais prescricional, contudo, não há prazos para reivindicar. O direito do proprietário para pedir o que é dele não pode decair nem prescrever – opõe-se a isso, tão somente, o usucapião (modo originário e sana quaisquer vícios).

É possível a chamada evicção parcial? Compro um imóvel e perco um pedaço dele.

Sim, é possível – o Código Civil admite no artigo 45555, em que não se perde o todo, mas só se perde uma parte. O critério é: a evicção parcial é ou não considerável? Se sim, se considerável, tem-se a possibilidade de (i) o adquirente desfazer o negócio – a lei fala em rescisão (tecnicamente é uma resolução) – e pegar o dinheiro de volta ou (ii) o credor tem a opção (evicto parcial) de exigir apenas a restituição de parte do preço correspondente à perda. Se a evicção não for considerável, o evicto só tem direito à devolução a uma parte do preço correspondente à perda – não há rescisão/resolução. Por que não há rescisão/resolução? Qual é o princípio que inspira? O da manutenção do contrato/conservação do negócio jurídico – utile per inutile non vitiato.

O que é uma perda considerável e uma não considerável? A primeira não tem necessária relação com o seu tamanho, com sua extensão, com seu volume, por uma questão óbvia – 5% de uma área enorme, mas só nessa extensão tem manancial ou é a única terra agricultável ou, até, era necessária a área inteira para construção de um imóvel –, tem relação com as suas características e com a própria natureza do negócio. Aula 04.11 – continuação

Questões processuais na evicção A primeira questão processual é saber se a denunciação da lide pelo evicto em

relação ao alienante é ou não obrigatória. Sobre essa pergunta, subjaz outra: se responderem que a denunciação da lide é obrigatória – o evicto tem que se valer da denunciação. Aí, pergunta-se: e se ele não o fizer? Qual é o seu efeito prático? A conclusão é que, se essa tese for defendida, se o evicto não se utilizar dela, ele perderá os direitos decorrentes da evicção. Portanto, se entendermos que a denunciação é obrigatória, o evicto perde os direitos que tiver contra o alienante. Mesmo assim, pela literalidade do artigo 70 do Código de Processo Civil, é obrigatório. Portanto, se o evicto não se utilizar da denunciação da lide, perderia qualquer direito decorrente da evicção. Civilistas são unânimes em afirmar que a denunciação da lide não é obrigatória por mais de um motivo:

1. Se a perda do objeto se deu por apreensão da autoridade policial, é impossível se imaginar evicção por denunciação da lide, pois o bem foi tomado por ato da autoridade policial ou administrativa;

2. Se o não exercício da denunciação gerasse perda do direito para o evicto, isto significaria, em última análise, um claro enriquecimento indevido, injusto, do alienante. Ou seja, o evicto poderia muito bem esperar perder a ação

54 Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. 55

Art. 455. Se parcial, mas considerável, for a evicção, poderá o evicto optar entre a rescisão do contrato e a restituição da parte do preço correspondente ao desfalque sofrido. Se não for considerável, caberá somente direito a indenização.

Page 48: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 48 Aline Nazareth – Turma 185

reivindicatória, proposta pelo evictor, e depois em ação autônoma manejar os direitos que ele tem com relação ao alienante.

Não há perda de direitos pela não denunciação da lide. O Enunciado 434 do CJF diz que

“a ausência de denunciação da lide ao alienante, na evicção, não impede o exercício de pretensão reparatória por meio de via autônoma.” – ou seja, entende que a denunciação é uma faculdade – cabe ao evicto decidir se maneja ou não a denunciação. O STJ, em decisões recentes, tem dito exatamente isso – entendimento assente que o direito independe de se denunciar a lide ao alienante em ação que terceiro reivindica a coisa. A denunciação da lide não é obrigatória, mas uma faculdade do evicto que não perde os direitos decorrentes da evicção com o seu não exercício – REsp 255.639 e AgRg no Ag 917.314/PR.

Segunda questão processual: quem o evicto pode demandar? No sistema do antigo

CC, o evicto só podia demandar o chamado alienante direto – aquele que lhe vendeu. No sistema atual, artigo 456 56, o evicto pode demandar qualquer um dos alienantes. Qual o princípio dos contratos que explica essa mudança? Função social na eficácia externa – pode demandar o alienante direto ou qualquer um dos alienantes. Problema: o Código de Processo Civil, no artigo 73, proíbe a chamada denunciação per saltum – o evicto, na teoria tradicional, demanda o alienante I e este demanda o alienante II. O Código de Processo Civil não permite que o evicto demande o alienante II. O Código de Processo Civil não permite, mas o Código Civil permite. Como resolver a antinomia entre um Código processual que proíbe e um Civil que permite? O Código Processual proíbe qualquer denunciação por salto, o Civil permite em caso de evicção. Assim, o Código Civil é especifico com relação à evicção, sendo o Código de Processo Civil geral – aplico a especialidade do Código Civil para admitir, no sistema brasileiro, a denunciação per saltum na hipótese de evicção e só nela. Enunciado 29 do CJF57 – admite no caso de evicção a denunciação per saltum e só nesse caso.

Terceira questão: ausência de contestação pelo evicto. O Código Civil tem uma regra

no parágrafo único do artigo 456 58: não atendendo, o alienante, a denunciação da lide e sendo manifesta a procedência da evicção (evictor entra com uma ação em relação ao evicto), pode o adquirente deixar de oferecer contestação ou usar de recursos – ele se queda inerte.

O evicto (adquirente) perde a ação para o evictor, mas ganha do alienante. Por isso que o adquirente não precisa apresentar defesa, pois perde para um e ganha em relação a outro. Contudo, o artigo 55 do Código de Processo Civil diz que a procedência da ação gera a procedência da denunciação, assim, o denunciante deve contestar. Nesse caso, ocorre o mesmo do item anterior: prevalece o Código Civil por ser especial (ter essa exceção de poder abandonar a defesa de si próprio) e o Código de Processo Civil geral.

Extinção do contrato

Separamos em duas letras: a. Extinção normal do contrato

É a esperada do contrato, é a finalidade, a forma desejada: adimplir, pagar a obrigação. Daí se tem a diferença entre adimplemento e pagamento: são termos

56 Art. 456. Para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo. 57 Enunciado 29 - Art. 456: a interpretação do art. 456 do novo Código Civil permite ao evicto a denunciação direta de qualquer dos responsáveis pelo vício. 58

Art. 456, Parágrafo único. Não atendendo o alienante à denunciação da lide, e sendo manifesta a procedência da evicção, pode o adquirente deixar de oferecer contestação, ou usar de recursos.

Page 49: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 49 Aline Nazareth – Turma 185

confusos e enseja uma discussão pra saber se há realmente uma diferença entre eles, tanto que a doutrina brasileira diverge sobre essas acepções. A mais radical diz que ambas são sinônimas, pois, afinal, o Código Civil os trata como iguais (adimplir e pagar são iguais) – quem defende isso é o Orlando GOMES e a Judith MARTINS COSTA. Mas a doutrina tende a diferenciar pagamento de adimplemento. Pontes DE MIRANDA diz que pagamento é expressão restrita às obrigações pecuniárias – dar dinheiro. É um termo popular. É também o entendimento de Silvio VENOSA. Para todas as outras formas de extinção, de cumprimento, teria-se, então, o adimplemento: na obrigação de fazer, na obrigação de não fazer, na obrigação de dar coisa que não dinheiro. Silvio RODRIGUES vai além ao dizer que pagamento é o cumprimento espontâneo da prestação devida. Logo, se a obrigação se extingue, não pelo cumprimento direto da prestação, mas pelas formas que equivalem a este cumprimento, eu teria adimplemento (dação em adimplemento, consignação em pagamento etc.). SIMÃO gosta da ideia de que adimplemento é gênero e pagamento é espécie – adimplemento se aplica às obrigações de dar, fazer ou não-fazer, mas pagamento é específico da obrigação de dar. É uma discussão bonita na teoria, mas sem nenhuma aplicação prática porque quem paga, adimpli e quem adimpli, paga.

b. Extinção por outros meios 59 i. Extinção por motivos simultâneos ou anteriores à formação de um contrato. Se a extinção se dá por motivos anteriores ou simultâneos a formação do contrato, o problema se dá no plano da validade – o contrato ou é nulo ou é anulável. Exemplo: contrato celebrado por pessoa absolutamente incapaz – é nulo porque deveria estar representada. Ou – só contratei porque fui anulado: dolo – nulo. Invalidade do contrato. ii. Motivos posteriores ou supervenientes à formação do contrato Tenho três termos: rescisão, resilição e resolução. O Código Civil de 1916 usava rescisão para tudo – está na boca do povo. É difícil ver fora do juridiquês os outros dois termos. Resilir é francês e resolver é depurado pelos alemães. O século XX assistiu a um detalhamento desses termos que o século XIX não conheceu tão bem. Portanto, o Código Civil antigo usava o que conhecia e o Código Civil atual segue a orientação da doutrina e separa os termos. Problema prático: os termos resilição e resolução têm um valor em si ou um valor que a lei escolheu lhes dar? À luz do Código, pode-se distinguir resilição de resolução facilmente, o que desagradou grandes civilistas, dizendo que errou o Código Civil (VILLAÇA e

JUNQUEIRA), apesar de SIMÃO concordar porque os institutos não tinham valor em si – têm porque a lei atribuiu. No entanto, se for aprovado o projeto de Código Comercial, haverá desespero – voltará a usar rescisão e não saber o que é resilição, por exemplo: pega toda a construção doutrinária de categorias jurídicas e joga no lixo. Em suma, hoje é muito simples distinguir resolução de resilição, apesar das críticas.

Aula 06.11

Resilição

59

Ler quatro páginas do Orlando GOMES na parte que inicia a extinção dos contratos – explica o seguinte: a extinção por outros motivos se desdobra em das hipóteses (as apresentadas por SIMÃO).

Page 50: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 50 Aline Nazareth – Turma 185

O termo rescisão é considerado gênero que comporta essas duas espécies, hoje. O

instituto da resilição vem do Direito francês. Orlando GOMES explica que resilir o contrato é a extinção deste que decorre do ato de vontade de um ou de ambos os contratantes. Dessa definição, pode-se dividir a resilição em duas espécies:

1. Resilição bilateral – artigo 472 60 Também chamada de distrato. Se as partes criam o contrato por acordo de vontades, assim podem extingui-lo. O Código Civil de 1916 continha uma redação sobre distrato que o Código atual mudou um detalhe que fez toda a diferença – o anterior dizia que o distrato deve se dar pela mesma forma do contrato. O atual diz que o distrato deve se dar pela forma exigida para o contrato. O problema do Código Civil antigo é: a locação de imóvel urbano pode ser feita por escrito, oral ou escritura pública. Só que se eu elegi o instrumento público, o Código antigo exigia outro instrumento público para extingui-lo – a forma escolhida seria necessária para o distrato. Hoje, se nenhuma forma é exigida para aquele contrato, qualquer forma pode ser usada para desfazer o contrato, pois a forma é uma opção das partes nesse caso. Exemplo que a lei exige: “a fiança dar-se-á por escrito”, logo, o distrato da fiança também se dará por escrito. Outro exemplo: compra e venda de imóvel acima de trinta salários mínimos:

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Tal artigo coloca que tem que ter escritura pública. Logo, o distrato de tal contrato tem que se dar por escritura pública – instrumento particular não valeria, no caso, por exemplo.

2. Resilição unilateral Decorre da vontade de uma das partes – só uma põe fim ao contrato. Essa resilição deve ser pensada com calma. Comprei, paguei o preço, mas o vendedor se nega a entregar porque quer resilir o contrato – um cumpre, a outra parte não. Em que hipóteses o Direito Civil admite a resilição unilateral? Não é em qualquer contrato. Só é permitida: a. Quando há autorização legal, como no caso de mandante que perdeu a

confiança no mandatário, revogando o mandato. Pode ocorrer a qualquer tempo. Da mesma forma, se o mandatário não mais quiser sê-lo, pode renunciar ao mandato – resilição unilateral autorizada por lei. É resilição unilateral em favor do mandante ou do mandatário.

b. Nos contratos por prazo indeterminado – apesar de a expressão correta ser “tempo indeterminado” (porque se há prazo, este é certo). Nos contratos por tempo indeterminado, há um problema prático: quando ele acaba? Você sabe o fim dele quando há prazo. Duas respostas: (i) nunca ou (ii) quando uma das partes quiser – óbvio que é essa resposta a correta. Assim, qualquer uma das partes pode por fim ao contrato. É o caso do contrato de trabalho, no geral. Na hipótese de contrato de trabalho, a resilição tem nome próprio: demissão ou dispensa. Essa possibilidade de resilir contrato de trabalho imotivadamente é recente (na França e em Portugal só se pode demitir por justa causa – resilição é condicionada a um motivo, diferentemente daqui que pode ser

60 Art. 472. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.

Page 51: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 51 Aline Nazareth – Turma 185

incondicionada). Mesmo assim, o brasileiro ganhou, com a criação dessa instabilidade pelo Governo, o FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

c. Resilição pode receber o nome de denúncia. Na Lei do Inquilinato, por exemplo, se eu tiver contrato escrito por tempo determinado igual ou superior aos trinta meses, se ninguém falar nada, o contrato se prorroga por tempo indeterminado. Quando ele se prorrogou, qualquer uma das partes pode denunciá-lo. Nesse caso, o prazo é de trinta dias para a operação da denúncia.

d. Contrato de fiança. O direito de exoneração do fiador – artigo 835 do Código – é uma forma de resilição da fiança. O contrato de fiança se dá entre o fiador – garantidor – e o credor (não é com o afiançado). Então, se a fiança está sem prazo, o fiador notifica o credor e resili. Nesse caso, o prazo é de sessenta dias após a resilição. Em 2009, nasceu a Lei 12.112 que modificou profundamente a Lei do Inquilinato, sendo uma das mudanças a resilição do fiador de locação – responde por mais 120 dias, não só por sessenta para gerar efeitos.

Por que sempre há prazos? O direito de resilir contratos é um direito potestativo – a outra parte não tem o direito de se opor. Mas não quer dizer que é incondicionado. Como a outra parte é pega de surpresa, há um período mínimo para que haja uma acomodação contratual. Nas relações contratuais, o sumiço do nada fere as funções do contrato. O prazo dado é o da ineficácia da resilição – não produz efeitos antes do prazo previsto –, sob pena de ferir a função social do contrato. Se a lei não dá prazo para a ineficácia da resilição, depende do caso concreto e das especificidades da relação. O costume forense é de dar trinta dias – não está escrito em nenhum lugar. Ver artigo 473, parágrafo único do Código 61 – se ele for de alta complexidade, pode não ser suficiente o prazo de trinta dias – é uma construção da jurisprudência que virou lei. Exemplo do VILLAÇA: este era consultor da Mercedes Bens. A empresa contratou uma pessoa jurídica para ser revendedor por cinco anos – em 2,5 anos o contrato ainda não tinha dado lucros para o revendedor. A loja, nessa metade do contrato, faz uma reformulação gigantesca e as vendas deslancham pós-investimento. Findo o prazo do contrato, qualquer uma das partes pode resili-lo unilateralmente. Mercedes manda uma carta ao revendedor avisando para tirar o nome da loja como Mercedes. Aí o revendedor manda notificação avisando que investiu pesadamente e não aceitava a resilição. O referido artigo é exatamente isso: se um dos contratantes houver feito investimentos consideráveis, de acordo com a natureza do negócio, a parte pode requerer ao juiz a suspensão dos efeitos da resilição. Mas até quando? O juiz impede a resilição até que haja equilíbrio no contrato para o contratante que fez os investimentos, ou seja, faz com que a parte celebre contrato compulsoriamente. É o ápice da ingerência do Estado no contrato, já que impede a extinção do contrato. Caso do Judiciário que mais obriga a celebração compulsória: seguro de vida – cria relação contra a vontade de uma das partes. Boris Casoy fazia, anualmente, seguro de vida com um determinado segurador durante muito tempo – contratos de longa duração cativos. Um dia, foi renovar e a seguradora não quis fazer mais – devido à idade. A seguradora lucrou com os sucessivos seguros, mas quando estava perto da hora de ele realmente poder precisar, a seguradora se negou. Juiz obrigou a renovar porque é questão de deslealdade – questão de boa-fé objetiva.

61 Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte. Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.

Page 52: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 52 Aline Nazareth – Turma 185

Contudo, princípios contratuais têm aplicação de acordo com o tipo contratual. Em um acordo empresarial entre iguais, a chance de eu aplicar a renovação compulsória é quase inexistente. Assim, o artigo 473 também tem que ser olhado de acordo com o tipo de contrato e a isonomia das partes – não pode ter a mesma aplicação sob pena de injustiça. O prazo da resilição pode ser aumentado contratualmente, apesar de nunca poder ser diminuído.

Resolução

Quando a extinção decorre de um fato superveniente à formação do contrato, mas não decorre da vontade, ter-se-á resolução. Assim, a resilição decorre da vontade e todo o resto é resolução. Alguns autores defendem que até a morte faz resolução no contrato.

A resolução se divide em: (i) com culpa do devedor e (ii) sem culpa do devedor – resolução por fato imputável ao devedor ou por fato não imputável ao devedor, como prefere dividir GODOY.

VILLAÇA afirma que, se a obrigação se extingue por culpa do devedor, está-se numa hipótese de rescisão contratual – apesar de SIMÃO ter chamado de resolução. O Código Civil optou por dar ao tema da resolução o duplo aspecto mencionado – foi opção do legislador. Contudo, como colocado, para a visão de VILLAÇA, o certo seria rescisão, apesar de o Código ter adotado também o termo resolução com culpa. Esse autor fala que não existe resolução com culpa ao passo que JUNQUEIRA fala que rescisão é a extinção do contrato por vício de lesão. Nada obstante, esses institutos são ontologicamente diferentes ou foi só uma escolha do legislador? SIMÃO diz que os nomes decorrem de uma opção do legislador, logo, JUNQUEIRA e VILLAÇA estão errados – resolução é por fato imputável ou não ao devedor.

Sem culpa do devedor Obrigação se extingue e as partes retornam ao estado anterior, logo, não há dever de

indenizar. Porém, em situações excepcionais, o Código reputa ao devedor a responsabilidade pela perda do objeto, mesmo sem culpa, como é o caso de mora – artigo 39962: aumento da responsabilidade.

Outra hipótese é o comodato. Nesse caso, o Código diz que se o comodatário estiver com a coisa e essa perece, mesmo sem culpa, responde. Já no caso de venda com reserva de domínio – própria de bens móveis –, o comprador responde pela coisa mesmo sem culpa.

Artigo 524, segunda parte 63. Oposto do res periti dominum – é res periti emptoris

(coisa perece para o comprador). Compra, mas só recebe a posse e não a propriedade – caso do crediário (vendedor continua sendo dono até o comprador acabar de pagar).

Outra exceção: respondo pela força maior mesmo não tendo culpa, mesmo por fato a mim não imputável – contrato estimatório (venda em consignação) – vem da estimatio do Direito Romano. A outra parte estima o sobrepreço – Yakult cobra um real para o revendedor e este, o que vender de a mais no preço, é dele. Todas as bancas de jornal fazem contrato

62 Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada. 63

Art. 524. A transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que o preço esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de quando lhe foi entregue.

Page 53: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 53 Aline Nazareth – Turma 185

estimatório todos os dias com os jornais – ressalta-se que, o que não for vendido, devolve-se e não é pago pelo revendedor. O que não devolver, paga.

Art. 535. O consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável.

Aula 11.11

Com culpa do devedor

A resolução do contrato pode ser também por fato imputável ao devedor. Nesse caso, aplico o artigo 47564 do Código Civil e o credor pode optar (i) pela resolução do contrato ou (ii) por exigir a prestação do devedor mais as perdas e danos. Não deve se esquecer de que, para que o credor possa exigir o cumprimento da prestação, esta tem que ser possível de ser executada. Se não for possível, somente pode se obter a resolução mais perdas e danos. O direito do credor de resolver o contrato esbarra, algumas vezes, no chamado adimplemento substancial (substancial performance).

Adimplemento Substancial O adimplemento substancial é uma figura, extraída do Direito inglês, que impede a

resolução do contrato pelo credor. O credor pode se deparar com três situações: (i) adimplemento total, (ii) adimplemento parcial ou quase-total ou (iii) inadimplemento total. O problema é o segundo caso, o do adimplemento quase-total, hipótese a que se dá o nome de adimplemento substancial. Nessa hipótese, pela boa-fé objetiva e pela função social do contrato, o credor não pode pedir a resolução do contrato, apenas a prestação mais perdas e danos, pois prejudicaria o devedor e o equilíbrio entre os contratantes – o contrato deve ser bom para ambos os contratantes. Trata-se da conservação do negócio jurídico.

Dentro desse cenário, qual é o montante da prestação para que se configure o adimplemento substancial? Não há resposta a priori, pois se baseia numa cláusula aberta (boa-fé), dependendo das circunstâncias do caso concreto. No entanto, basta saber que o tal adimplemento impede que o credor resolva o contrato, apenas podendo pedir a prestação mais perdas e danos – o Enunciado nº 361 do CJF65 parte dessa linha de interpretação. Esse fato de não haver uma resposta a priori gera polêmica, apesar de ser mais justo, pois qualquer estipulação poderia findar com o equilíbrio do contrato e beneficiar alguma parte. Assim, quem acaba por definir o que é ou não substancial é o juiz ao analisar o caso, de acordo com o artigo 475.

Cláusula Resolutiva Expressa O contrato pode conter a chamada cláusula resolutiva expressa, abordada no artigo

47466 do Código Civil. É aquela cláusula que diz que, se o devedor não cumprir a prestação, o

64 Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos. 65 Enunciado 361 — Arts. 421, 422 e 475. O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475. 66

Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.

Page 54: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 54 Aline Nazareth – Turma 185

contrato está automaticamente extinto. As partes combinam, desde a formação do contrato, que, havendo o inadimplemento, o contrato se resolve, extingue-se, automaticamente. Não pagou uma prestação, extinguiu o contrato.

O efeito de tal cláusula é que, ocorrendo o inadimplemento, o contrato se extingue de imediato. Logo, quando o credor propuser uma ação, a sentença judicial não vai desconstituir o contrato, já que, o que desconstituiu, foi o inadimplemento. Assim, a sentença apenas declarará uma extinção que já ocorreu. Portanto, não é possível purgar a mora – os efeitos da cláusula são ex tunc (desde então) e não ex nunc (desde agora). Mesmo assim, SIMÃO defende que essa cláusula, em um contrato de consumo, seria abusiva, para ele o consumidor teria um direito absoluto de purgar a mora. A cláusula não produz efeito por conta da boa-fé e função social.

Se a cláusula resolutiva não for expressa e o contrato for bilateral, a cláusula resolutiva é tácita. Isso significa que, se a parte devedora não cumprir o contrato, o credor pode pedir a sua resolução. Contudo, pelo fato de ela ser implícita, exige uma notificação da outra parte para que ela gere efeitos (não basta só o inadimplemento). Nesta hipótese, se o devedor não cumpriu o contrato e a cláusula resolutiva for tácita, é possível a purgação da mora? Sim, porque quando peço a um juiz para reconhecer o inadimplemento, ele não irá declarar a resolução do contrato, mas decidi-la. Assim, a sentença é desconstitutiva, portanto, seus efeitos são ex nunc. Logo, se o devedor não cumpriu o contrato e a cláusula resolutiva for tácita, é possível a purgação da mora ou a contestação por parte do devedor quando o credor propuser a ação. Se optar pela primeira alternativa, a ação é extinta e a obrigação é resolvida, pois há o adimplemento – obrigação é reconduzida à sua normalidade.

Resolução por onerosidade excessiva

Quando os romanos construíram a ideia de pactos, era exatamente para opor à ideia de contrato. Os contratos, na sua origem, eram os acordos de vontade aos quais o ius civilie atribuía força obrigatória – assim, havia uma ação que tinha o nome do contrato que garantia a sua coerção, a força obrigatória ao contrato. Assim, nos pactos, as partes que pactuavam não podiam ser compelidas a cumprir o contrato devido à inexistência da característica presente nos contrato: coercibilidade.

Porém, o Direito romano foi evoluindo e, com isso, alguns pactos receberam essa força obrigatória. Fato é que os romanistas não têm bem certeza se o princípio do pacta sunt servanda era romano ou foi criado na Idade Média, pois já se tem certeza de que, na Idade Média, os acordos já obrigavam.

A partir da ideia de que o acordo obriga, há a pena de coerção forçada – questão prática. Os juristas medievais chegaram a uma conclusão: é verdade que o acordo deve ser cumprido e, se não for cumprido por bem, haverá uma sanção para obrigar a parte a cumprir. Mas será que isso é sempre justo ou pode haver situações em que obrigar a outra parte a cumprir o contrato é injusto? E a partir da ideia de justiça dentro da pacta sunt servanda, há a cláusula rebus sic stantibus – “estando assim as coisas”.

Cláusula rebus sic stantibus Essa cláusula vem de uma fórmula maior: nos contratos de trato sucessivo, em que

haja dependência de futuro, devem ser compreendidos “estando assim as coisas”. Como “estando assim as coisas”? Se do momento da formação – plano da existência – até o momento da execução – plano da validade – houver mudanças, a parte prejudicada por tais mudanças pode pedir a extinção do contrato. Ou seja, a cláusula rebus sic stantibus permite a extinção do vínculo contratual em razão das mudanças – é usada para abrandar o princípio do pacta sunt servanda. Qual é o fundamento? Quando a parte contratou, a situação era A, mas

Page 55: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 55 Aline Nazareth – Turma 185

quando foi cumprir, a situação já era B, completamente diferente da situação inicial A. Portanto, a parte quer se livrar do vínculo contratual – a ideia é destruir o vínculo contratual já que as coisas mudaram: “se as coisas não estão assim, vamos mudá-las”.

O século XIX assiste a releitura das fontes do Direito romano – pandectismo: retomada do Digesto como fonte do Direito. No início século XX, estoura a Primeira Guerra Mundial – 1914-1918 – e quando esta estoura, há, antes mesmo da Lei Faillot, um problema com a companhia de gás de Bordeaux. Por muitos anos, a companhia sempre cobrava o mesmo preço para entregar o gás, contudo, houve um problema prático das minas de carvão da Alsácia e Lorena – preço do carvão dispara e este era usado na produção de gás, aí a empresa precisava aumentar o valor do contrato. Na justiça, o debate foi sobre a revigoração da cláusula rebus sic stantibus – se as coisas mudaram a parte não pode ser obrigada a continuar – houve desequilíbrio no contrato – não poderia mais vender o preço que vendia.

Foram pelos motivos expostos que se volta a discutir tal cláusula. Só que evidentemente, esse debate já é no século XX. Portanto, o que os franceses desenvolveram foram teorias que tinham por base a velha cláusula rebus sic stantibus, mas evidentemente que os franceses, no século XX, só aplicam desdobramentos históricos – desdobramentos da cláusula. Deste modo, a cláusula rebus é a fonte histórica de teorias modernas, desenvolvidas no fim século XIX e século XX. Observação: depois desse caso, os franceses editaram a referida Lei Faillot que permitira a revisão de contratos no período de guerra, já que esta desestruturou a economia.

Basicamente, essas teorias vêm com os mais diversos nomes. Todas elas partem da mesma ideia: entre a formação e a execução do contrato, houve mudanças. Portanto, toda e qualquer teoria não se aplica aos negócios de execução imediata – não há tempo entre a formação e a execução para se aplicar as teorias. As teorias exigem contratos com contraprestação diferida no tempo (pagamento em dez vezes – quebro o preço em dez vezes, por exemplo. A contraprestação é diferida, alargada, no tempo) ou de trato sucessivo (prestação e contraprestação se repetem periodicamente, como a locação, por exemplo):

1. Teoria da imprevisão – francesa. Indica que há um desequilíbrio das prestações

por um motivo imprevisível. Portanto, essa exige como motivo do desequilíbrio – superveniente a formação do contrato – um fato imprevisível. Se o fator for previsível, não se pode adotar essa teoria. Mas o que é previsível e o que não é? Basicamente, previsível é quase tudo que pode ser previsto pelas partes. A doutrina francesa tem essa dificuldade de definir o que é e o que não é. A ideia de imprevisibilidade passa pela noção do homem médio – o que o contratante médio poderia prever naquela contratação. O STF, nos ano 80, teve que discutir o problema da inflação porque no Brasil, na época do Sarney, chegava em 60% ao mês. Discutia-se, então, se eu não colocasse cláusula prevendo a correção monetária pela inflação, se eu poderia colocar depois. Inflação, foi decidido, não era fato imprevisível – não poderia ser alegada. Era previsível – RE 74069/SP. Professor entende que hoje a inflação poderia ser considerada imprevisível – talvez o STJ analisasse de modo diferente. Da mesma forma, hoje, os tribunais não entendem que a perda de emprego é algo imprevisível para ser utilizada como quebra de contrato permitida. A imprevisibilidade é quase questão de manual, é a exceção.

2. Teoria da onerosidade excessiva – italiana/romana. É o desequilíbrio, tão somente. A imprevisibilidade ficou tão complicada que o Código do Consumidor fez a opção de não trazer esse elemento – permite a revisão do contrato, mas vale-se do termo desequilíbrio. Não exige o requisito da imprevisibilidade, pois este praticamente inviabilizaria a questão da revisão do contrato. Por isso, adota a

Page 56: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 56 Aline Nazareth – Turma 185

teoria de que basta o simples desequilíbrio. Caso mais recente é de 1999: leasing de veículos em moeda estrangeira. Havia uma lei de 1994 que permita aos bancos que oferecessem duas formas de leasing: (i) leasing atrelado ao real ou (ii) leasing atrelado ao dólar. Leasing é um contrato de locação com opção de compra ao final. Se eu financiasse em dólar saía mais barato do que em real, mas o banco só não contava para a pessoa que, quando assinava o leasing atrelado à moeda estrangeira, se, por acaso, o dólar subisse, a pessoa iria pagar o preço da subida do dólar. Em janeiro de 1999, o dólar foi para a banda flutuante – deixou de ser fixa. A subida do dólar era fator imprevisível ou não? Primeiro de tudo, decidiu-se que era relação de consumo e não civilista. Há um fato concreto – dólar disparou. Houve uma mudança, um desequilíbrio no contrato? Sim. Tornou-se excessivamente pesado para uma das partes cumprir? Sim. Começou-se a discutir que o leasing podia ser em dólar, mas aqui, era uma compra e venda travestida só – leasing aparente, uma simulação. Assim, prevalece a compra e venda no contrato. Aí se derruba a aplicação do dólar porque não era aplicado à compra em venda. Os contratos começaram a ser extintos: colocou-se IPC porque era compra e venda – correção monetária era praticamente nula. Quando chegou ao STJ (“tribunal dos banqueiros”, palavras do SIMÃO), este, em três recursos, simula – é compra e venda e não é leasing. Mas essa desapareceu do sistema poucos dias depois. Aí o STJ dá a segunda súmula que prevalece até hoje. Qual é a melhor forma, sem jogar fora o leasing? Fixou-se o dólar médio. Resultado prático: dólar ficou dividido meio a meio. Por que não condenar os bancos ao IPC, abandonando a cláusula dólar? Porque eles não foram firmados com IPC, é mudar a noção de pacta sunt servanda.

3. Teoria da base do negócio – alemã. Tem o seu caso mais famoso no Direito inglês. Coronation Cases. Rainha Vitória – a monarca inglesa mais longeva (64 anos no trono). Quando ela morreu, seu filho Eduardo VII assumiu o trono. Ia ser coroado e fizeram um roteiro do desfile, em que pessoas tinham casas no percurso do cortejo. Por isso, alugaram varandas para quem quiser assistir também. Dias antes, por um motivo qualquer, o cortejo foi cancelado – não ia mais passar. O locatário da sacada chegou para o locador e pediu o dinheiro de volta. O dono da sacada não queria devolver porque a prestação não era impossível – a sacada estava lá, poderia ser usada, mesmo que para outro fim. O problema todo é exatamente esse: o objeto da locação não era juridicamente impossível. Ingleses alegaram quebra da base do negócio – locamos com uma premissa: cortejo – usaria a sacada para assistir, por mais que isso não estivesse explícito no contrato de locação. Logo, a base objetiva da locação era a existência do cortejo real. Portanto, os tribunais decidiram pela resolução, extinção do contrato, pela quebra da base do contrato. No Brasil, alguns chamam essa teoria de frustração do fim contratual. Diferentemente da onerosidade excessiva, não se exige desequilíbrio das prestações – o que há é uma mudança de base. Qual é o fundamento? Ideia da função social do contrato e da própria boa-fé objetiva – o contrato pode ser cumprido, mas é inútil para uma das partes. Resolução por fatores externos à vontade ou por fatores não imputáveis ao devedor.

Com isso, as três teorias têm por origem a cláusula rebus sic stantibus. Qual foi a teoria

que o Código Civil adotou, já que o Código do Consumidor adotou uma teoria afastada da noção de imprevisão? O artigo 478 fez uma opção altamente complicada.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem

Page 57: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 57 Aline Nazareth – Turma 185

para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação

Parênteses: se os contratos já nascem com as partes desequilibradas, é lesão. Aqui, o contrato nasceu equilibrado, mas se tornou excessiva por motivo posterior a sua formação

A extrema vantagem colocada no artigo, para a doutrina, não é requisito, além de não

ser exigível para se ter onerosidade. Requisito do acontecimento extraordinário – foge à ordem, fora do comum. Tem que

ser isso além de imprevisível. A doutrina também coloca que não se pode levar ao pé da letra essa parte também sob a mesma pena de se acabar com o instituto – são dois institutos diferentes: um furacão no Brasil seria extraordinário, mas poderia ser previsto. Se o risco for extraordinário, nessa hipótese de riscos fora do comum, poderia usar o artigo 478 para contratos aleatórios – há um risco normal no contrato se já foi computado. Mas há excessivo também, uma área fora do comum – chamada alea extraodinaria: foge do risco ordinário. Nunca se parabeniza a torpeza, então, nesse último caso, poderia ser aplicado.

Há também a crítica de que o referido artigo inaugura a onerosidade excessiva como possibilidade de extinção do contrato, não dando chance para este ser revisto. Assim, o devedor pode pedir para colocar fim ao contrato, apesar de todo o Direito Civil ser construído em cima da ideia de conservação do negócio jurídico. O artigo nem sequer fala de revisão: a resolução é o que se espera no caso de onerosidade excessiva, não a revisão. Tanto que essa vem, claudicantemente, no artigo subsequente, o que gera horror à doutrina porque esta diz, como explicado, que o esforço deve ser pela manutenção, pela conservação do contrato.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

O “””réu””” modifica ou revisa o contrato. Ressalta que não há réu. O artigo presume

que a parte entra com uma ação e o “””réu””” decide mudar o contrato – como se fosse um ato de generosidade. Réu só há se já houve ação e não precisa desta para se ter revisão do contrato. E se o “””réu””” não se oferecer para modificar equitativamente o contrato? Se ele não se oferece, a revisão é impossível – juiz tem que extinguir o contrato por meio da resolução. O juiz muitas vezes tem que manter o contrato para poder manter o equilíbrio entre as partes e salvaguardar a parte hipossuficiente, mas essa interpretação depende da forma como se encara a função social do contrato – mais intervencionista ou não, através do juiz. A revisão é a manutenção do contrato.

É possível revisão do contrato se ele for unilateral – prestação para uma das partes?

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

O contrato de mútuo é unilateral por excelência, mas pode haver onerosidade

excessiva. Esse artigo não exige reciprocidade das prestações para ter essa onerosidade. O termo rescisão sumiu do Código Civil, que o utiliza de maneira técnica em poucos

artigos. É utilizado como gênero, pela doutrina, de duas espécies. Rescisão é extinção por um

Page 58: DCV0212 - Fontes Das Obrigações I - Aline Nazareth (185-24)

P á g i n a | 58 Aline Nazareth – Turma 185

ou duas partes. Resolução é extinção por motivo superveniente que não tem por substrato fático a vontade das partes – pode se dar por culpa, sem culpa ou por motivos previstos em lei – como esse, a onerosidade excessiva.

Apesar de o Código não tratar da base do negócio, é motivo de resolução, aclamado pela doutrina.

Discute-se se o devedor em mora pode se valer da onerosidade excessiva: depende

do autor, da doutrina. Para SIMÃO, o contrato tem que estar em ordem. Mora é justo motivo para perdas e danos etc. E a não permissão desse instituto ao devedor em mora também. Contudo, para o grupo intervencionista – juiz pode intervir – esse seria um benefício a mais, mesmo que em mora.