davis (1989, p.13) cita no capítulo “concepções de

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39 Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de desenvolvimento: correntes teóricas e repercussões na escola”: No trabalho de Vygotsky e de seus seguidores, especialmente no de seus compatriotas Luria e Leontiev, encontra-se uma visão do desenvolvimento baseada na concepção de um organismo ativo, cujo pensamento é construído paulatinamente num ambiente que é histórico e, em essência, social. Nessa teoria dando destaque às possibilidades que o indivíduo dispõe a partir do ambiente e que dizem respeito ao acesso que o ser humano tem a instrumentos físicos (como a enxada, a faca, a mesa, etc.) e simbólicos (como a cultura, valores, crenças, costumes, tradições, conhecimentos) desenvolvidos em gerações precedentes. Vygotsky (1984) considera o desenvolvimento humano como resultado de um processo sócio-histórico, em que a aquisição de conhecimentos acontece pela interação do sujeito com o meio. Propõe uma visão em que a formação das funções psíquicas superiores (linguagem, memória) seria resultado da internalização mediada pela cultura e considera serem decisivas para o desenvolvimento a interação social e a linguagem. A cada estágio de desenvolvimento as respostas se transformam, gerando novos padrões de pensamento e de comportamento. Vygotsky enfatiza a importância dos processos de aprendizado, que têm estreita e íntima relação com o desenvolvimento, sendo essencial para o processo de maturação das funções psicológicas. É o aprendizado, aliado ao processo de maturação do organismo, que possibilita o desenvolvimento dos processos psicológicos internos, que, na ausência do contato da pessoa com seu ambiente, não ocorreriam. Dentro dessa perspectiva, o conceito de desenvolvimento abarca tanto as estruturas orgânicas determinadas pela maturação, quanto as experiências sociais como formadoras de funções mentais mais complexas.

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Page 1: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

39

Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de desenvolvimento: correntes

teóricas e repercussões na escola”:

No trabalho de Vygotsky e de seus seguidores, especialmente no de seus compatriotas Luria e Leontiev, encontra-se uma visão do desenvolvimento baseada na concepção de um organismo ativo, cujo pensamento é construído paulatinamente num ambiente que é histórico e, em essência, social. Nessa teoria dando destaque às possibilidades que o indivíduo dispõe a partir do ambiente e que dizem respeito ao acesso que o ser humano tem a instrumentos físicos (como a enxada, a faca, a mesa, etc.) e simbólicos (como a cultura, valores, crenças, costumes, tradições, conhecimentos) desenvolvidos em gerações precedentes.

Vygotsky (1984) considera o desenvolvimento humano como resultado de um

processo sócio-histórico, em que a aquisição de conhecimentos acontece pela

interação do sujeito com o meio. Propõe uma visão em que a formação das

funções psíquicas superiores (linguagem, memória) seria resultado da

internalização mediada pela cultura e considera serem decisivas para o

desenvolvimento a interação social e a linguagem.

A cada estágio de desenvolvimento as respostas se transformam, gerando novos

padrões de pensamento e de comportamento. Vygotsky enfatiza a importância dos

processos de aprendizado, que têm estreita e íntima relação com o

desenvolvimento, sendo essencial para o processo de maturação das funções

psicológicas. É o aprendizado, aliado ao processo de maturação do organismo,

que possibilita o desenvolvimento dos processos psicológicos internos, que, na

ausência do contato da pessoa com seu ambiente, não ocorreriam. Dentro dessa

perspectiva, o conceito de desenvolvimento abarca tanto as estruturas orgânicas

determinadas pela maturação, quanto as experiências sociais como formadoras

de funções mentais mais complexas.

Page 2: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

40

Assim sendo, o desenvolvimento infantil é resultado da interação com o meio

ambiente e a brincadeira assume um papel básico, uma atividade consciente com

propósitos claros e precisos. Ele afirma ser a brincadeira crucial para o

desenvolvimento cognitivo, pois o processo de criar situações imaginárias leva ao

desenvolvimento do pensamento abstrato e das relações entre significados de

objetos e ações. Vygotsky salienta ainda a importância da atividade da criança na

construção do seu conhecimento, tanto na família como na comunidade.

Vygotsky, apud Antunes (1999, p.39) considera o brinquedo um indiscutível meio

de aprendizagem, sobretudo as brincadeiras do tipo faz-de-conta, como o brincar

de casinha, ônibus, escolinha ou cavalgar em um cabo de vassoura. Ao brincar de

faz-de-conta a brincadeira é facilmente apreendida. Por exemplo, quando a

criança cavalga um cabo de vassoura, ela se relaciona com o significado em

questão (a idéia do cavalo) e não com o objeto que tem em mãos. O brinquedo,

assim, provê uma situação de transição entre a ação da criança com objetos

concretos e sua ação sobre seus significados, provocando nela comportamentos

mais avançados que os habituais para sua faixa etária.

John-Steiner e Souberman (2003, p.173), organizadores da obra sobre Vygotsky,

A Formação Social da Mente, apontam:

No brinquedo, a criança projeta-se nas atividades adultas de sua cultura e ensaia seus futuros papéis e valores. Assim, o brinquedo antecipa o desenvolvimento; com ele a criança começa a adquirir a motivação, as habilidades e as atitudes necessárias à sua participação social, a qual só pode ser completamente atingida com a assistência de seus companheiros da mesma idade e mais velhos.

E referem ainda:

Durante os anos da pré-escola e da escola as habilidades conceituais da criança são expandidas através do brinquedo e do uso da imaginação. Nos seus jogos variados a criança adquire e inventa regras ou, ao brincar, a criança está

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sempre acima da própria idade, acima de seu comportamento diário, maior do que é na realidade. Na medida em que a criança imita os mais velhos em suas atividades padronizadas culturalmente, ela gera oportunidades para o desenvolvimento intelectual (JOHN-STEINER e SOUBERMAN, 2003, p. 173).

De acordo com M. K. Oliveira (1995), para Vygotsky a relação entre sujeito e

resposta é intermediada por um elemento que ele chama de mediador da ação

(instrumentos e símbolos). A mediação é um processo essencial para possibilitar

as atividades psicológicas voluntárias, intencionais, controladas pelo próprio

indivíduo. Para ele, a relação do homem com o mundo não é uma relação direta,

mas mediada por ferramentas auxiliares.

Assim, as interações sociais das crianças com adultos ou com companheiros

mais experientes impulsionam o desenvolvimento de seu pensamento e

comportamento. Verifica-se que, na brincadeira, a presença do adulto e de outras

crianças funciona como mediadora na socialização, facilitando as trocas de

conhecimentos, a aprendizagem, a linguagem e o desenvolvimento.

Kishimoto (1994, p.42) comenta, na perspectiva vigotskyana, a valorização do

fator social e mostra que, no jogo de papéis, a criança cria uma situação

imaginária, incorporando elementos do contexto cultural, adquiridos por meio da

interação e comunicação. A noção central é que se desenvolve uma zona de

“desenvolvimento proximal”, em que se diferenciam o nível atual que a criança

alcança com a solução de problemas, independentemente, e o nível de

desenvolvimento potencial, atingido com a colaboração do adulto e colegas mais

capazes. “E o jogo é o elemento que irá impulsionar o desenvolvimento dentro da

zona de desenvolvimento proximal”. Esse conceito é utilizado pelo autor para

explicar o que uma criança é capaz de fazer com a orientação de pessoas mais

experientes ou colaboração de companheiros mais capazes.

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42

Nessa perspectiva, torna-se evidente a importância da participação e mediação do

adulto na brincadeira como forma de impulsionar as funções que ainda não

amadureceram.

Oliveira (1995, p.66) observa que, na perspectiva de Vygotsky, o comportamento é

determinado, nas crianças pequenas, pelas características das situações

concretas em que elas se encontram e o ato lúdico propriamente dito começa aos

três anos. Vygotsky e seus seguidores consideram que, somente ao adquirir a

linguagem, a criança será capaz de utilizar a representação simbólica e terá

condição de libertar seu funcionamento psicológico dos elementos concretamente

presentes no momento atual.

2.2.2. O brincar, o brinquedo e o jogo na perspectiva piagetiana

Piaget (1978) analisa de forma minuciosa o processo do desenvolvimento infantil,

procurando explicar a função do jogo1 no desenvolvimento intelectual da criança e

sua evolução nos diferentes estágios. Expõe seu estudo e conclusões sobre o

jogo infantil como resultado da observação das atividades de seus próprios filhos,

analisando e esclarecendo as relações entre o jogo e o funcionamento intelectual

e interpretando as brincadeiras dentro do pensamento infantil. Para ele, o brincar é

uma maneira para a criança adquirir conhecimentos sobre novos e mais

complexos objetos e acontecimentos – uma maneira de ampliar a formação de

conceitos e integrar o pensamento à ação.

Para o autor, durante diferentes períodos da vida, as crianças desenvolvem

sucessivamente a capacidade de generalização, diferenciação e coordenação e

os reflexos se convertem em ações dirigidas pela vontade. Os movimentos das

crianças são cada vez mais complexos e elas aprendem por repetições a

influenciar o meio ao redor, a engatinhar e a andar. Sua teoria sobre o brincar está

1 Nos estudos de Piaget os conceitos de brincar e brincadeira são definidos como jogo; porém o significado que ele atribui a jogo é similar ao usado por Friedman na definição de brincadeira, ou seja, comportamento espontâneo que resulta em uma atividade não estruturada.

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muito relacionada com a descrição do desenvolvimento da inteligência,

ressaltando que a brincadeira e a imitação têm importância decisiva no

aparecimento do pensamento, sendo elas as ferramentas que a criança utiliza

para o conhecimento do mundo.

De acordo com Piaget, até os dois anos, fase em que aparece a linguagem, a

brincadeira tem como característica principal a repetição, o exercício; adquire a

seguir o caráter simbólico, e aos poucos vai se aproximando do real, o símbolo

representando e imitando a realidade, até os sete anos; mais tarde há o

predomínio do jogo de regras, numa fase de maior socialização.

Piaget (1975) considera o jogo como um instrumento favorecedor do processo de

interação, comunicação e trocas de pontos de vista; enfatiza o valor do jogo como

fonte de experiência e construção de conhecimento, pois, explorando e agindo

sobre os objetos, as crianças assimilam o real, estruturam o espaço e o tempo e

desenvolvem a noção de causalidade, a representação e as relações lógicas. O

jogo para o autor estimula a inteligência e ajuda a criança a resolver conflitos

emocionais e problemas da vida prática.

2.2.3. Conceitos, definições e terminologia

No Brasil, os termos jogo, brinquedo e brincadeira ainda são empregados de

forma indistinta, demonstrando um nível baixo de conceituação neste campo

(KISKIMOTO,2002, p.17).

Neste trabalho adotaremos a definição proposta por Friedmann (1992, p.28):

Brincadeira refere-se basicamente ao ato de brincar, ao comportamento espontâneo que resulta de uma atividade não estruturada. Jogo seria uma brincadeira que envolve regras. Brinquedo é o objeto de brincar e Atividade Lúdica abrange de forma mais ampla os conceitos anteriores.

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Oportuno salientar que os brinquedos especiais que desenvolvi foram criados

especialmente para as brincadeiras das crianças cegas e com baixa visão,

visando atender suas necessidades específicas. Entretanto, eles são divertidos

para as brincadeiras entre todas as crianças.

Vygotsky concebe o brinquedo como elemento mediador e promotor do processo

de desenvolvimento e aprendizagem, pois “fornece estrutura básica para

mudanças das necessidades e da consciência da criança” (VYGOTSKY apud

JOHN-STEINER e SOUBERMAN, 2003, p. 110). O brincar e o brinquedo ocupam

um espaço de destaque no desenvolvimento infantil, pois é através deles que a

criança tem acesso à cultura e aos conhecimentos socialmente construídos.

O termo brinquedo é entendido por Vygotsky (2001) como atividade, como ação e

interação. Para tal é preciso desvelar os motivos que levam a criança a esse tipo

de ação, ou seja, suas necessidades, incentivos, modificações e tendências. O

brinquedo situa-se entre o pensamento e o mundo real.

O autor define a brincadeira como “desejo satisfeito”, originado dos “desejos

insatisfeitos” da criança que se tornam afetos generalizados. Assim explica: “num

mundo ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser

realizados, situando-se nesse mundo o brinquedo“ (VYGOTSKY, 2003, p.106).

Vygotsky focalizou e caracterizou como jogos de papéis ou brincadeiras de “faz-

de-conta”: brincar de casinha, de bonecas, viajar de ônibus; e para ele o principal

não é o objeto em si, mas o significado estabelecido pelas brincadeiras, as idéias,

a relação objeto-significado.

O brinquedo torna-se dessa forma uma transição entre o objeto, a ação e o

significado atribuído pela criança, além de ser, também, uma atividade regida por

regras; mesmo no universo do faz-de-conta há regras que devem ser seguidas.

São as regras das brincadeiras que levam as crianças a se comportar de forma

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mais avançada, aprendendo a ceder, a conviver com outras crianças, a adquirir

habilidades e competências.

Para Piaget (1978), o jogo é definido como uma atividade particularmente

poderosa para estimular a vida social e a atividade constitutiva da criança. Ele

apresenta três caracterizações do jogo: jogo de exercício, jogo simbólico e de

regras, os quais seguem o desenvolvimento das estruturas cognitivas.

No jogo de exercício, funcional ou sensório-motor, segundo Piaget, a criança

exercita-se com a repetição de ações na busca do prazer, assimila o real e ensaia

comportamentos de imitação. Os jogos de exercícios são categorizados em dois

grupos: o puramente sensório-motor e os que envolvem o próprio pensamento,

sem que se constituam em simbólicos. Os jogos de exercícios se subdividem em:

exercícios simples em que a criança repete a ação por diversas vezes; as

combinações sem finalidades prévias que são lúdicas do começo ao fim; as

combinações com finalidades lúdicas. Essas ações diminuem gradativamente com

o surgimento da linguagem, dando lugar a um novo tipo de jogo, o simbólico.

Piaget (1978) define o jogo simbólico como a capacidade infantil de representar

alguma coisa, objetos e acontecimentos (significado) por meio de um significante,

através da evocação do elemento ausente e construção ou emprego de

significantes diferenciados.

No jogo simbólico aparecem quatro condutas simultâneas à linguagem oral que

são: imitação diferida (na ausência do modelo), o jogo propriamente dito (faz-de-

conta), o desenho e a imagem mental. O ápice do jogo simbólico acontece aos

três anos, quando a criança constrói cenas com detalhes. A função do jogo

simbólico é assimilar o real ao eu. Entre os quatro e seis anos surgem as

compensações simbólicas, que constituem uma nova forma de ficção simbólica;

surgem as narrações fantasiosas com idéias organizadas numa seqüência lógica

até o declínio do jogo simbólico.

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No período pré-escolar, do pensamento pré-operatório, as crianças tomam ciência

das regras simples do jogo, através da definição dos papéis, das classificações e

organização do jogo. A partir dos sete anos, a criança inicia a internalização das

regras, concebem-nas como fixas, permanentes e reguladoras das condutas.

2.3. Papel e função do brinquedo e do brincar

Na visão psicanalítica de Winnicott (1975, p. 63), o brincar é caracterizado como

uma atividade fundamental para a saúde física, mental e desenvolvimento das

crianças. É uma maneira de aperfeiçoar as relações sociais, a comunicação da

criança consigo mesma e com o mundo à sua volta.

Erickson (1986) considera a segurança e a confiança fundamentais para a criança,

em seu espaço vital, sendo importante que os pais satisfaçam suas necessidades

biológicas e emocionais, tais como: alimento, cuidados, descanso e jogo, enfim

bem-estar total. Esses são fatores essenciais para que ela possa estabelecer

relações sociais sadias.

As teorias cognitivistas de Piaget e Vygotsky e as psicanalíticas de Winniccot e

Erickson colocaram como função do brincar: a alegria, o prazer, o desprazer, as

emoções e a motivação, entre outras. Para Piaget e Vygotsky, o brinquedo e o

brincar, além dessas funções, têm relevante papel no desenvolvimento, na

construção do conhecimento e socialização da criança.

Brunner 1978, apud Kishimoto (1994, p. 45), demonstra que a brincadeira do bebê

em parceria com a mãe auxilia na aquisição da linguagem, na compreensão de

regras e colabora para o seu desenvolvimento cognitivo.

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O brincar é importante para o desenvolvimento afetivo da criança, para a formação

da auto-imagem, dos sentimentos e atitudes positivas sobre si mesmas e os

outros, para sentir-se forte e enriquecer a personalidade. Os adultos costumam

atribuir ao brincar significações e sentidos prévios, conforme essa ou aquela teoria

psicanalítica, entretanto cada criança apresenta sua própria especificidade frente

ao lúdico e ao brincar, trazendo consigo uma história que deriva de como ela é

percebida nos diferentes ambientes.

O brincar desenvolve as capacidades físicas, perceptivas, emocionais, intelectuais

e sociais, sem que a criança perceba estar em uma situação de aprendizado.

O espaço social e o cultural são essencialmente espaços de aprendizagem e esta

ocorre em momentos alegres e de brincadeiras, na comunicação e interação não

só entre crianças, mas entre estas e os adultos. As crianças aprendem a brincar

umas com as outras, observando-se mutuamente, movimentando-se juntas,

imitando, participando de brincadeiras, tornando-se solidárias.

As interações sociais ocupam um espaço de destaque no desenvolvimento infantil,

pois é a partir delas que “a criança tem acesso à cultura, aos valores e

conhecimentos universais. A criança tem a oportunidade, através dessa interação

com outras crianças e adultos, de cooperar, de competir, de praticar e adquirir

padrões sociais que irá usar, mais tarde, nos seus encontros com o mundo”

(FRIEDMANN, 1992, p.73).

A aprendizagem, de acordo com Friedmann (1996, p.55), depende em grande

parte da motivação: as necessidades e os interesses da criança são mais

importantes que qualquer outra razão para que ela se ligue a uma atividade. Ser

esperta, independente, curiosa, ter iniciativa e confiança na sua capacidade de

construir uma idéia própria sobre as coisas, assim como exprimir seu pensamento

com convicção, são características que fazem parte da personalidade integral da

criança.

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O espaço lúdico é mágico: encanta, motiva e desperta na criança a curiosidade e

o desejo de aprender. O brincar favorece a movimentação, a exploração do

mundo e a construção do conhecimento, o aprendizado sobre os objetos e seus

nomes, como funcionam, para que servem, de que forma utilizá-los, como

desmontá-los e montá-los, como tirar e pôr, como elaborar e recriar a realidade.

Ela adquire conhecimento sobre o tempo e o espaço e de que forma neles situar-

se, relacionar-se, comunicar-se, expressar suas idéias, equilibrar e desequilibrar

seus pensamentos e ações mentais, essenciais para a capacidade de resolução

de problemas e aprendizagem.

Com tentativas, erros e acertos, a criança aprende a criar; suas mãos e todo seu

corpo apreendem o ambiente, reconhecem-no, dominam o espaço. Interagindo

com pessoas e objetos, aprende a se expressar, a se comunicar, desenvolve a

linguagem, o processo do pensamento e da simbolização.

Makarenko (1981) discute a grande importância do brincar para a ação educativa,

afirmando que ele prepara o futuro cidadão para o trabalho. Para que o brincar se

torne educativo, defende o autor, os pais e professores devem dar oportunidade

para a criança brincar com iniciativa, em atividade criadora e construtiva que

desenvolve a autoconfiança e capacidade de resolução de problemas. Ele fala

sobre o equívoco de muitos pais que dão a seus filhos excesso de brinquedos

mecânicos e engenhosos, que acabam sufocando a vida das crianças.

Brunner (1976) apud Kishimoto (1976, p. 45), em pesquisas com pré-escolares,

concluiu que a brincadeira infantil contribui para a solução de problemas. A criança

enfrenta desafios, é estimulada a resolver problemas que exigem o uso da força, o

trabalho da musculatura e o desenvolvimento de habilidades. Torna-se ativa e

participante, conhece o próprio corpo, relaciona-o com o ambiente, com as

pessoas e objetos que nele se encontram. A movimentação e exploração no

Page 11: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

49

espaço são benéficas para todas as crianças, fundamentais para sua

aprendizagem e desenvolvimento.

Brougère (2004, p. 216) acredita que “o brinquedo é mais do que uma

necessidade, ele é reconhecido por muitos como essencial, com uma justificativa

de dois pólos, o divertimento (prazer, entretenimento, afeto, fuga) e o educativo

(aprendizagem, desenvolvimento da imaginação, utilidade)”. O autor considera ser

o primeiro pólo o principal.

As crianças e suas famílias são afetadas direta e indiretamente pelas atitudes,

formas de comunicação, manifestações simbólicas e práticas do meio em que

vivem. É, portanto, importante que a família possa lidar de forma adequada com

as questões de desenvolvimento e educação da criança.

A brincadeira em família e a interação pais-filho são cada vez mais reconhecidas

como fundamentais para o desenvolvimento da criança. O brincar possibilita a

formação de vínculos afetivos, para trocas sociais e culturais, para aprendizagem

significativa e participação na sociedade. Brincando com os pais, a criança

aprende a se relacionar, comunicar e expressar idéias, emoções, afetos e

pensamentos, aprende a fazer, de forma divertida, as atividades que formam o

cotidiano da família. É assim que a criança conhece o próprio corpo, o espaço,

estabelece as relações espaço-tempo, aprende a criar, a interagir com outras

pessoas e objetos, desenvolve a linguagem, o processo de pensamento e a

simbolização. As crianças se preparam assim para as relações no convívio social.

As crianças pertencentes às classes sociais menos favorecidas, muitas vivendo

em situação de risco, deveriam ter oportunidade e lugar para brincar e

desenvolver-se, compensando assim as situações acentuadas de desvantagem

em que vivem, alcançando pelo brincar um caminho de humanização,

aprendizagem e inclusão social.

Page 12: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

50

Muitas organizações procuram entreter e alegrar as crianças que estão internadas

em hospitais, às vezes por longos períodos, passando por situações dolorosas,

isoladas dos familiares. Esses grupos levam divertimento, visando transformar a

internação hospitalar em momentos agradáveis, contribuindo ainda para o bem-

estar dos familiares e da equipe hospitalar. Podemos citar o Graac, Grupo de

Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer, que construiu um hospital

pediátrico com brinquedoteca e vários programas para crianças e mães; os

Doutores da Alegria, palhaços que freqüentam vários hospitais de S. Paulo e de

outras cidades e o Viva e Deixe Viver, contadores de histórias que estão em

muitos hospitais.

É necessário que nesses ambientes de brincadeiras as crianças encontrem

pessoas sensíveis, que compreendam o mundo infantil, que entendam seus

anseios, fantasias e interesses, que respeitem sua individualidade, seus

sentimentos e atos. Pessoas que queiram interagir com elas de forma alegre e

agradável, ajudando-as a ser felizes.

2.4. Tipos de brinquedo e brincar

Makarenko (1981) apresenta três estágios do brincar infantil. O primeiro é o

brinquedo ou brincar em casa, que dura até os cinco ou seis anos. É uma

brincadeira solitária, pois a criança prefere brincar sozinha e raramente admite a

participação de companheiros. É a etapa do brincar sensorial e do

desenvolvimento de atitudes pessoais. Nesta primeira fase a influência familiar

assume grande importância, pois a criança age quase que exclusivamente no

âmbito familiar, está à margem de influências externas, e não tem outros

orientadores senão os pais.

O segundo estágio, que vai dos sete aos onze ou doze anos, é o do brincar

social, no qual as crianças atuam num ambiente mais amplo, na escola, longe dos

pais. A escola proporciona um círculo maior de companheiros, interesses, regras,

Page 13: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

51

disciplina e controle social para que a criança aprenda a agir como membro de

uma sociedade.

No terceiro estágio, a criança atua como membro de uma coletividade, não mais

limitada somente ao jogo, mas em uma coletividade de estudo, esporte e trabalho.

2.5. O brinquedo - Tipos

O brinquedo adquire diferentes sentidos e significados de acordo com a

experiência cultural de uma determinada comunidade. Brougère (2004) define o

brinquedo de duas maneiras: em relação às brincadeiras e em relação à

representação social. Segundo ele, o brinquedo é empregado como suporte da

brincadeira: pode ser um objeto manufaturado, fabricado, uma sucata ou um

objeto adaptado. O brinquedo como representação social pode ser um objeto

industrial ou artesanal, reconhecido como tal pelos traços intrínsecos, aspecto e

função. Nesse sentido, o brinquedo é dotado de um forte valor cultural, um

conjunto de significações produzidas pelo homem.

Também Kishimoto (2003) argumenta que o brinquedo permite várias formas de

brincar, desde a manipulação até brincadeiras de representação. O objetivo do

brinquedo é dar à criança um substituto dos objetos reais para que ela possa

manipular. O brinquedo evoca, representa e reproduz a realidade. O brinquedo

não reproduz apenas os objetos, mas uma totalidade social.

Makarenko (1981) divide os brinquedos em algumas categorias: brinquedos

prontos, mecânicos e simples tais como: automóveis, barcos, cavalinhos,

bonecas, palhaços etc; brinquedos de montar, que exigem da criança a realização

de uma tarefa: jogos de construção, cubinhos, quebra-cabeças, modelos para

armar; brinquedo material: argila, areia, cartão, madeira, papel, plantas etc.

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52

Cada um desses tipos apresenta vantagens e desvantagens. O brinquedo pronto,

na opinião do autor, é útil porque relaciona a criança com idéias e coisas

compostas, coloca-a diante de problemas de técnica e provoca a imaginação. Já

o brinquedo de montar coloca para a criança uma situação problema e requer

certa disciplina mental e lógica e entendimento das relações entre as partes. O

inconveniente é que é repetitivo e se torna monótono. O terceiro tipo de brinquedo

engloba materiais diversos, mais baratos e úteis. Brincar com eles assemelha-se

às atividades naturais humanas, pois o homem cria valores e cultura com esses

materiais. Diferente da fantasia que se limita a reproduzir modelos, esse tipo de

brinquedo estimula a imaginação, a criatividade. Para o autor o melhor brinquedo

é a combinação dos três, evitando sempre a oferta excessiva deles à criança.

Page 15: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

53

3. Especificidades da aprendizagem e desenvolvimento

da criança com deficiência visual

A deficiência visual caracteriza-se por uma alteração significativa das funções

visuais tais como: acuidade visual, campo visual, sensibilidade aos contrastes e

visão de cores. É considerada cegueira a perda visual com valores de acuidade

visual corrigida menores que 20/400 no melhor olho, e baixa visão a acuidade

visual corrigida, menor que 20/70 e maior ou igual a 20/400 no melhor olho. Esses

dados são referentes a 10º. Revisão da Classificação Internacional de Doenças e

Problemas Relacionados à Saúde, da Organização Mundial da Saúde (CID-10,

1/1/1993).Educacionalmente são consideradas cegas as pessoas que necessitam

usar o Braille para sua educação.

Estudos do desenvolvimento evolutivo de pessoas com deficiência visual, em

diferentes linhas teóricas, (PIAGET, 1975; FRAIBERG, 1981; FERREL, 1985;

BRUNO, 1993; LEONHARDT, 1992; BUUTJEANS, 2002; BRODIN E RIVERA,

1999a) apontam a necessidade de intervenção precoce tendo em vista o

desenvolvimento integral da criança. Piaget (1974) considera a integração dos

sentidos como meio de organização do sistema sensório-motor que formará suas

estruturas cognitivas e aponta que, para que esse desenvolvimento aconteça é

necessária a facilitação. Para que os objetos do ambiente tenham significado para

a criança é necessário que haja alguém disposto a despertar nela o desejo de

explorar e interagir com o mundo a sua volta, organizando as informações,

dirigindo-a neste contato e ampliando suas ações e ajudando-a a aproveitar cada

vez mais na construção de seu conhecimento do ambiente. Bruno (1993)

compartilha essas idéias e destaca a grande importância da interação e

comunicação, do ambiente rico em estímulos e, principalmente, a participação da

família como elementos promotores do processo de desenvolvimento e

aprendizagem das crianças com deficiência visual. Leonhardt (1992) recomenda a

organização dos Programas de Intervenção Precoce desenvolvidos e estruturados

junto com os pais, tendo como foco das interações o brincar e o brinquedo. Brodin

Page 16: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

54

e Rivera (1999a p. 10) consideram ser a brincadeira “a atividade principal para a

criança relacionar-se socialmente e aprender, constituindo-se em um elemento

imprescindível para seu correto desenvolvimento físico, emocional e social”.

Conforme Rosel (1980), a criança cega de nascença pode apresentar, durante o

seu desenvolvimento, um pequeno atraso na aquisição de algumas condutas

elementares, tais como: aprendizagem da marcha, habilidades básicas de

autonomia pessoal, aquisição de hábitos sociais e algumas noções cognitivas, “o

que deve ser tomado como natural no desenvolvimento da criança cega e não

pode ser diagnosticado como patológico” (ROSEL, 1980 apud GUINOT,1989 p.

30).

Pesquisa sobre o desenvolvimento de crianças cegas, na perspectiva piagetiana

realizada por Rivero (1981), indica que elas têm a grande desvantagem de não

poderem fazer as mesmas coordenações no espaço que as crianças videntes são

capazes de fazer, durante o primeiro e segundo ano de vida; o desenvolvimento

da integração sensório-motora e das ações fica a esse nível seriamente

prejudicado nas crianças cegas.

A maior parte dos estudos a respeito do desenvolvimento cognitivo de pessoas

cegas congênitas foi realizada na perspectiva piagetiana. Estudos de Hatwell

(1986), Ochaíta (1984) e Guinot (1989) consideram que as crianças com

deficiência visual podem apresentar atraso de dois a três anos na aquisição da

função simbólica; e de até quatro anos nas provas de manipulação de elementos

figurativos e espaciais. Tal atraso poderá ser compensado a partir do momento em

que a linguagem assume a função de representação e organização do

conhecimento.

Peraita, Elosua e Linares (1992) assinalam que “a linguagem para as crianças

cegas se converte em um meio muito importante para aquisição dos

Page 17: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

55

conhecimentos do ambiente físico e social, compensando assim as informações

visuais”.

Entretanto estudos de Vygotsky (1983) indicam que, na ausência do sentido da

visão, não há uma substituição da função fisiológica, mas uma complexa

reestruturação de toda a atividade fisiológica e mental, pois as qualidades e

relações físicas, espaciais e temporais da matéria em movimento-densidade,

peso, forma, tamanho, separação e simultaneidade, são espelhadas pelos

sistemas analisadores conservados, como: o tato, a audição, o olfato e outros.

Alerta Vygotsky (1983) para o fato de que a perda grave das funções visuais

dificulta o processo de percepção, em particular a formação de uma imagem

íntegra. E é possível compensar pela inteligência a insuficiência de informações

sensoriais. Entretanto, enfatiza o perigo da chamada

[...] compensação fictícia que se expressa no verbalismo dos conhecimentos e na formação de pseudoconcepções, ou seja, a particularização formal dos atributos que tem, com freqüência, caráter fortuito e não refletem as conexões e relações substanciais (VYGOTSKY, 1983, p. 227a).

Seguindo esta linha de pensamento vygostkiniano, Katz (1930) indica que não

existe uma divisão entre os sentidos, nem uma rivalidade entre eles, mas sim uma

complementação, explicando o motivo de que na ausência de um sistema

sensorial, os outros ativem mecanismos de compensação, que necessitam de

mediação para serem efetivos. Por exemplo, para Galen (apud Gil Ciria, p. 27) a

pele responde aos estímulos táteis somente se for colocada em contato direto

com o objeto do estimulo, ele questiona a noção de que o contato com o objeto é

sempre direto. Esta afirmação de Galen rebate a idéia de que os sentidos se

desenvolvem espontaneamente na ausência da visão.

Em concordância com esses autores sempre tive a maior preocupação, ao

desenvolver os brinquedos especiais de oferecer objetos lúdicos e interessantes

Page 18: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

56

que permitam à criança ampliar suas experiências sensoriais e adquirir conceitos

das relações físicas, espaciais e temporais. Ajudá-la a conhecer a si mesma e ao

mundo, a ter maior domínio do ambiente, a imitar, representar e interagir

socialmente.

Para Vygotsky (1983, p. 227b), a compensação fictícia se deve ao número

reduzido de experiências e ao fato das pessoas cegas se familiarizarem

superficialmente com um número relativamente pequeno de objetos e por trás das

palavras aprendidas por elas nem sempre figurar um conteúdo concreto. Outro

problema apresentado por Vygotsky é o fato de que a pessoa cega recebe “tudo

mastigado, pronto, lhe contam tudo. As palavras não são precisas para os cegos,

posto que sua experiência se forma de modo distinto. Recebendo todo

conhecimento de forma acabada, é o mesmo que perder o costume de concebê-

lo.”

Para superar essas questões o autor recomenda que, no processo de educação

da pessoa cega, o pedagogo deve dirigir o processo de assimilação dos

conhecimentos sensitivos concretos e ajudar a formar concepções necessárias,

sem divorciar o sensitivo do racional.

Hatwell (1986) afirma que a modalidade sensorial é um fator de primeira ordem e

que a linguagem ocupa um lugar muito mais relevante para a criança cega do que

o previsto na teoria piagetiana, e que a própria lógica dos períodos do

desenvolvimento pode não ser adequada para descrever o desenvolvimento

desses alunos.

3.1. A importância do brincar e da brincadeira para a educação de

crianças com deficiência visual

Brincar é importante para qualquer criança, mas, para a criança com deficiência, a

brincadeira é ainda mais importante, em todas as idades, desde bebês até a

Page 19: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

57

adolescência. Os brinquedos especiais e os adaptados tornam seu aprendizado

significativo e alegre, facilitam a aquisição de conceitos e habilidades, integram os

sentidos, promovem a interação, comunicação e socialização.

Como bem lembram Bruno e Heymayer (2001, p. 10):

[...] as crianças com algum tipo de deficiência, seja ela qual for, independente de suas condições físicas, sensoriais, cognitivas ou emocionais são crianças que têm necessidade e possibilidade de conviver, interagir, trocar, aprender, brincar e ser felizes; algumas vezes de forma diferente.

O brincar alegra e motiva as crianças, juntando-as e dando-lhes a oportunidade de

ficar felizes, trocar experiências, ajudarem-se mutuamente; isto vale tanto para as

que enxergam, como para as que não enxergam ou enxergam muito pouco, as

que escutam muito bem e aquelas que não escutam, as que correm muito

depressa e as que não podem correr.

Brincando, a criança aprende a lidar com as diferenças: somos diferentes,

gostamos de coisas diferentes, fazemos as coisas de modo diferente,

necessitamos de um tempo diferente para realizá-las, aprendemos de maneiras

diferentes.

Para Vygotsky (1984) o desenvolvimento infantil é um processo dialético

complexo, que implica revolução, evolução, crises, mudanças desiguais de

diferentes funções, incrementos e transformações qualitativas de capacidades.

Segundo Góes (2002), diante da condição da deficiência é preciso criar formas

culturais singulares, que permitam mobilizar as forças compensatórias e explorar

caminhos alternativos de desenvolvimento, que implicam o uso de recursos

especiais. A autora discute, ainda, esses conceitos na visão vygotskiniana e

enfatiza que essas leis são iguais para todas as crianças. Mas lembra que “há

peculiaridades na organização sociopsicológica da criança com deficiência e que

Page 20: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

58

seu desenvolvimento requer caminhos alternativos e recursos especiais”

(VYGOTSKY, 1983 apud GÓES, 2002, p. 99).

Minha experiência como educadora de crianças deficientes visuais mostra que o

brinquedo impulsiona o desenvolvimento, pois ele é um importante meio de

interação e comunicação. Ajuda a desenvolver os sentidos, facilita a

aprendizagem, a aquisição da linguagem e o desenvolvimento psicomotor, a

movimentação e exploração do ambiente. Com ele a criança poderá tornar-se

ativa e participante, consciente do próprio corpo, relacionando-o com o meio, com

as pessoas e objetos que se encontram no ambiente.

De acordo com Glockler (2003), o desenvolvimento dos sentidos consiste no mais

importante aspecto para o desenvolvimento infantil. Ele observa que as crianças,

quando estão, por exemplo, em contato com a natureza, explorando e brincando

com água, desenhando na areia, apresentam uma expressão alegre, ficam ativas

e radiantes. Vê-se realmente como a criança se manifesta por meio de seus

órgãos dos sentidos, unindo-se ao mundo. Por meio do estímulo, para Glockler, a

criança desenvolve seus órgãos sensoriais e se une ao mundo circundante pela

observação, escutando, tocando e brincando.

Este aspecto é também valorizado pela pedagoga dinamarquesa Lilli Nielsen

(apud BRODIN, 1999a), que criou uma série de sugestões, ajudas técnicas e uma

metodologia para estimular sensorialmente as crianças com deficiência visual

associada à deficiência mental. Seu método parte da consideração da criança em

sua totalidade, em que os aspectos físicos, emocionais, motores, perceptivos e

sociais se fundem. Pela brincadeira e a companhia de pais e professores que

oferecem segurança e afeto, formam-se condições para que a aprendizagem

aconteça.

Entre as publicações referentes ao brincar, destacam-se a da Royal Nacional

Institute for the Blind, em Londres, denominado Play it my way – learning through

play with your visually impaired child (2000) que se originou da experiência de

Page 21: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

59

pais, professores e outras pessoas envolvidas no trabalho com crianças

deficientes visuais. Nela são sugeridas inúmeras formas de brincadeiras e

brinquedos e muitas idéias para favorecer o desenvolvimento da criança com

deficiência visual e múltipla deficiência. As atividades sugeridas são fáceis de

desenvolver no dia-a-dia, na própria casa, com materiais comuns, para ajudar a

criança a descobrir mais e mais o mundo ao seu redor.

Existem ainda vários manuais publicados por instituições americanas e

escandinavas, com sugestões interessantes de brincadeiras para crianças

deficientes visuais. Entre eles há: Play with me e Play with me more,

desenvolvidos pela fisioterapeuta Ann-Mari Hartman (1996) de Tomteboda

Resource Centre, na Suécia; Move with me, escrito por Hug, Hayashi e Mansfield

de Blind Children Centre, na Califórnia, EUA; Get a wiggle on escrito por Raynor e

Drouillard de Michigan State University, EUA.

No Brasil, Laramara é pioneira em publicações referentes a este tema, com títulos

como: Papai e Mamãe, ajudem-me por favor (1991), Toque o bebê (1996), Papai e

Mamãe, vamos brincar (1997), Aprendendo junto com papai e mamãe (1998), Ler

e escrever em Braille (1999) e Brincar Para Todos (2005), escritos por esta

pesquisadora.

Cabe salientar que as crianças se desenvolvem interagindo com o ambiente ao

redor, mas a qualidade da interação vai depender da capacidade que ela tem de

captar os estímulos do ambiente e reagir a eles. Se a criança cega não tiver

contato com as pessoas e objetos do ambiente, não for incentivada a aprender

pela imitação, poderá chegar aos 5 ou 6 anos sem adquirir esquemas básicos de

ação, podendo apresentar atraso acentuado no desenvolvimento, que poderá se

instalar e se tornar permanente. Não terá mobilidade independente e não

alcançará processos de abstração, com sério prejuízo para sua vida futura. Ela

não pode ver sua imagem, seus movimentos e os de outras pessoas e tem

dificuldade em desenvolver atividades motoras. Por não poder imitar visualmente

Page 22: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

60

apresenta problemas na postura, no caminhar, conversar, nas expressões faciais

e gestuais e deverá ser ensinada a realizar cada uma destas ações, inclusive

como se brinca e como os brinquedos funcionam.

Cunha (2004, p. 124) aponta que “os brinquedos têm para a criança cega a função

primordial de tirá-la do isolamento e dar-lhe oportunidade de ampliar seu

conhecimento sobre o mundo que ela não pode captar visualmente.”

A brincadeira ocorre pela interação entre crianças e resulta de um aprendizado.

Aprende-se a brincar. As crianças aprendem a brincar umas com as outras,

observando-se mutuamente, movimentando-se juntas, imitando, participando de

brincadeiras. A criança que não pode ver as outras brincando, que não sabe

brincar junto e não entende as brincadeiras, tende a permanecer isolada em seu

canto, podendo ficar marginalizada e sofrer atraso em seu desenvolvimento.

Cabe à família, aos educadores e a todas as pessoas que convivem com ela

mudar este quadro, orientando-a em brincadeiras, proporcionando oportunidades

para que ela aprenda a brincar e interagir realmente com outras crianças.

Em virtude dessas constatações é importante ressaltar o fato de que nestes

quinze anos, o trabalho de habilitação e reabilitação na Laramara sofreu uma

modificação bastante expressiva, tendo sido abandonado o atendimento

individual, com características clínicas e passou a ser enfatizado o atendimento

sóciocultural e educacional, priorizando a socialização e participação ativa das

crianças e jovens no ambiente familiar, escolar e comunitário. As atividades são

realizadas em grupos de até seis participantes, sendo a idade e os interesses os

principais critérios para o agrupamento, havendo desta forma uma grande

heterogeneidade em relação às necessidades e características de cada membro.

Os encontros do grupo duram de duas a três horas, uma vez por semana.

Observa-se que assim as crianças progridem e aprendem mais, ajudam-se

mutuamente, havendo oportunidade para todas participarem. Gostaria de lembrar

Page 23: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

61

que nossa Instituição prioriza a interação por meio de brincadeiras e que elas

estão presentes em todos os espaços e atividades com crianças, havendo ainda

vários espaços destinados exclusivamente às brincadeiras.

De acordo com Vygotsky (2003), a experiência social se dá pelo processo de

imitação. Quando a criança imita a forma pela qual o adulto usa instrumentos e

manipula objetos, ela está dominando o verdadeiro princípio envolvido numa

atividade particular.

O bebê cego deve receber atenção especial para que não sofra atraso em seu

desenvolvimento. Precisa de apoio, de brinquedos interessantes, feitos de

materiais que possam ser percebidos pelos outros sentidos, de estímulo para

imitar por outros meios que não o visual. Assim, todas as atividades que

dependam da visão, devem ser comunicadas e realizadas em conjunto com a

criança cega, pois ela não pode imitar usando a visão: sentar, engatinhar, andar,

comer, vestir, brincar. É assim que ela poderá aprender posturas, conceitos,

habilidades, adquirir linguagem e comunicação e construir de forma significativa

seu conhecimento do ambiente. Deve, pois, conviver com pessoas dispostas não

apenas a transmitir-lhe sensações ou impressões visuais que muitas vezes não

significam muito para ela, mas que a ajudem a ampliar suas experiências e a

construir suas próprias imagens pelo conhecimento e exploração do ambiente com

o próprio corpo; a interpretar as pistas ambientais utilizando o sistema tátil-

cinestésico e aproveitar as descrições verbais de tudo o que se passa em volta.

É fundamental que a criança cega tenha acesso a brinquedos atraentes e

interessantes, simples e criativos, feitos de materiais variados, com texturas,

aromas e sons, que possam ser percebidos pelos outros sentidos que não o

visual. No momento adequado, deverá conhecer as características de cada um,

seu nome, uso e função. Os brinquedos sonoros favorecem o desenvolvimento da

coordenação ouvido-mão (em substituição à coordenação olho-mão), fundamental

Page 24: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

62

para a localização de sons e ajudam na integração ao ambiente e na

movimentação e orientação espacial.

É muito importante que tenha um ambiente de grande interação e comunicação,

que participe da vida da família, da escola e da sociedade. A convivência,

brincadeiras, otimismo, alegria e companheirismo vão favorecer um aprendizado

de modo espontâneo, o conhecimento do ambiente, a autonomia e independência

nas ações, melhorar a auto-estima e a criatividade.

A criança cega necessita de amor, carinho e compreensão de todos que com ela

convivem para lhe dar segurança e formar uma auto-imagem positiva, o que será

essencial para um bom desenvolvimento afetivo e emocional. Deve ser ativa, sair

de casa, passear, fazer visitas, ir à escola, sentir o ambiente com todo o corpo:

pisar descalça nos espaços internos e externos, estar ao ar livre para sentir o frio,

o calor, o vento, a chuva, brincar na areia, ter contato com vegetais e flores.

Enfrentar desafios e resolver problemas para que se desenvolva integralmente.

A participação, as atividades e brincadeiras infantis possibilitarão que ela

desenvolva a coordenação motora, adquira noções de forma, grandeza e peso,

reconheça textura, temperatura, consistência e superfícies vibratórias dos

materiais e objetos, reconheça tatilmente os objetos e aprenda seu nome, uso e

função, estabelecendo relações das partes com o todo. Fique curiosa para

procurar os objetos e desenvolver o sentido de busca e direção, desenvolva a

estruturação e organização espaço-temporal. Adquira noção de causalidade e

seqüência lógica, seriação e classificação, a noção de quantidade e pensamento

lógico-matemático. Adquira capacidade de representação simbólica, aprenda a

representar os objetos tridimensionalmente em massinha ou argila, represente

graficamente em relevo os objetos e formas geométricas, linhas, curvas e retas,

enriqueça o vocabulário, descubra muitos objetos e materiais, ampliando seu

conhecimento do mundo, brinque com os pontinhos e aprenda letras e palavras

em Braille.

Page 25: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

63

Cabe pontuar que os estudos realizados para subsidiar a criação de brinquedos

especiais e jogos pedagógicos adaptados para o atendimento a essas

necessidades específicas de aprendizagem das crianças com baixa visão e

cegueira permitiram reflexões sobre a prática pedagógica e exerceram grande

influência na busca de uma reorientação teórica e no redimensionamento

institucional que apresentaremos a seguir.

Page 26: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

64

4. LARAMARA – Associação Brasileira de Assistência ao

Deficiente Visual

4.1. Enfoque interdisciplinar na atenção à pessoa com deficiência

visual

Este capítulo aborda a proposta interdisciplinar de atendimento socioeducativo e

cultural oferecido às pessoas com deficiência visual e famílias que freqüentam

Laramara. Apresenta um fluxograma que expressa a filosofia institucional, os tipos

de atendimentos, a organização do trabalho e reestruturação dos programas.

Discute a importância da participação da Família no processo de aprendizagem e

desenvolvimento de seus filhos. Apresenta o papel do brincar na cultura da

Instituição e como proposta lúdica para o atendimento educacional especializado.

A Associação Brasileira de Assistência ao Deficiente Visual – Laramara foi

fundada em 1991. Entretanto a idéia e a vontade de criá-la surgiu muito antes,

naqueles momentos difíceis em que nós, como pais de uma menina cega,

escutamos de vários profissionais a frase: "Não há nada a fazer". Ao caminhar na

contramão do que ouvimos, eu e meu esposo fomos descobrindo que havia, sim,

muito por fazer: educá-la e ajudá-la a ser a pessoa que é hoje, integrada e feliz.

Educando nossa filha, pudemos ver que a criança com deficiência visual tem

possibilidade de se desenvolver como qualquer criança, desde que tenha

oportunidade e acesso a materiais, métodos adequados e interação com os

objetos e as pessoas do ambiente.

A experiência com nossa filha motivou-nos a compartilhar tudo o que aprendemos

e a transmitir às famílias nossa fé, otimismo e crença no potencial de

desenvolvimento da criança deficiente visual, apoiá-las na responsabilidade de

educar seus filhos e ajudá-las a vencer os momentos difíceis; enfim dar

oportunidade de educação a muitas crianças. A idéia da fundação da Laramara

estava em processo.

Page 27: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

65

Nosso ideal era criar um espaço onde a pessoa com deficiência visual pudesse

encontrar apoio para se desenvolver em todos os sentidos, com recursos e

serviços de alta qualidade, onde pudesse aprender com prazer, com brincadeiras

e brinquedos, ser feliz.

O primeiro local onde funcionou Laramara foi uma casa pertencente à minha

família, localizada na Vila Pompéia – São Paulo. Sem fins de lucro, vínculos

políticos ou religiosos, sua proposta era acompanhar crianças com baixa visão ou

cegueira, com idade de 0 a 6 anos, ajudando-as durante esse importante período,

para que se desenvolvessem e se integrassem bem à família, escola e

comunidade.

A Instituição começou com um pequeno grupo de quatro profissionais, atendendo

aproximadamente vinte crianças. Percebemos logo que o limite de 6 anos de

idade não poderia ser mantido, pois algumas crianças necessitavam de mais

tempo e apoio para seu desenvolvimento. E também porque muitas delas

precisavam retornar mais tarde para completar sua educação em Orientação e

Mobilidade e Atividades de Vida Diária. Por esta razão ampliamos o limite de

idade para dezesseis anos.

Desde essa época sentimos a necessidade de atender crianças com deficiências

associadas, pois éramos procurados por muitas delas, que dificilmente

conseguiam ser atendidas em outras instituições. Hoje elas representam 50% dos

usuários de Laramara.

A crescente demanda por parte das famílias e crianças era constante e para

atendê-las o trabalho institucional foi se ampliando e exigindo mais espaço. Em

1996 mudamos para o prédio que ocupamos hoje no bairro da Barra Funda, que

possui uma área de mais de 9.000 m2. Neste espaço pudemos receber um

número maior de usuários. Mudamos nossa atuação: buscamos formas mais

eficientes e criativas de trabalho em equipe, revimos métodos e técnicas de

Page 28: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

66

avaliação e habilitação, desenvolvemos novos programas e abrimos

possibilidades variadas para permitir a entrada de mais crianças e jovens.

Criamos espaços de recreação, vivências no campo e na praia, piscina,

brinquedoteca, espaços de convivência, desenvolvemos cursos e seminários.

Podemos considerar Laramara hoje como Centro de Desenvolvimento Humano e

Apoio à Inclusão Social, realizando ações dentro e fora da instituição, com este

objetivo. A população atendida é constituída de 69% de crianças menores de 12

anos e por essa razão o trabalho junto à família e uma proposta metodológica rica

em elementos lúdicos como a brincadeira e os brinquedos especiais e adaptados

se constituem em pilares fundamentais de seu trabalho.

Embora sua proposta inicial se baseasse no modelo Clínico Terapêutico, ela

evoluiu ao longo dos anos, acompanhando as características da população e as

demandas sociais. Atualmente redimensionou seus serviços e programas sob a

perspectiva sociocultural ecológica, pois acreditamos que a aprendizagem e a

evolução cultural da criança com deficiência visual dependem das oportunidades

oferecidas pelo ambiente, do acesso aos materiais e recursos especiais, dos

métodos adequados e, principalmente, das experiências de interação com as

pessoas e os objetos existentes no meio em que vivem.

Em 1996 iniciamos programas de Preparação de Jovens para o trabalho e de

Expressão Artística.

O núcleo inicial de quatro profissionais evoluiu e atualmente representa uma

concentração de 250 pessoas, vinte das quais pessoas com deficiência; 50

pessoas trabalham no Centro Técnico, atuando diretamente com as crianças e

jovens. A este grupo acrescentam-se 150 voluntários que desenvolvem trabalhos

sistemáticos na Instituição; colaboradores nos ajudam de várias maneiras:

divulgando-nos na mídia, doando máquinas Braille e bengalas aos usuários e

desenvolvendo ações variadas. Todos trabalham pelo objetivo comum que é o

Page 29: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

67

desenvolvimento de ações que beneficiem, informem e melhorem a qualidade de

vida e a auto-estima da pessoa com deficiência visual e sua família. São

entusiastas desta causa e têm o compromisso de inovar e criar projetos

interessantes e diferentes para ampliar as possibilidades de inclusão social das

crianças e jovens e suas famílias.

Atualmente são realizados cerca de 2.000 atendimentos mensais para 600

usuários e estão cadastradas aproximadamente 8.000 famílias, vindas de todo o

Brasil e até do exterior (Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai, Equador, Peru,

Chile, Portugal).

O Centro Técnico, considerado o coração da Laramara, é composto de uma

equipe multiprofissional de 50 pessoas, executando um trabalho de

complementação educacional, junto a todas as crianças, jovens e famílias

integradas aos programas e serviços da Instituição, seguindo uma abordagem

sociocultural numa perspectiva ecológica.

As famílias que procuram Laramara são recebidas e acolhidas pelo Serviço Social

que lhes apresenta a Instituição e seus programas e realiza sua avaliação

socioeconômica.

A maioria é constituída por famílias sem recursos e de nível cultural baixo.

Segue-se a avaliação oftalmológica que utiliza exames, testes específicos e outros

recursos para avaliar a visão e, quando necessário, realizar a adaptação e

orientação para o uso de auxílios ópticos. Sabe-se que 93% das crianças da

Laramara possuem algum grau de visão, ainda que muito reduzido.

A avaliação das funções visuais e do desenvolvimento integral é feita em seguida

por pedagogos especializados, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e

profissionais de outras áreas. As crianças de outras cidades retornam aos locais

Page 30: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

68

de origem com o diagnóstico oftalmológico, relatório sobre as funções visuais e do

desenvolvimento e orientações para a escola e a família. As crianças que residem

na cidade de São Paulo poderão ser integradas, com participação sistemática nos

programas da Instituição, ou encaminhadas a outros serviços da comunidade. Na

figura 1, é apresentado o fluxograma de serviços que vigorou até o ano de 2004.

Fluxograma (gráfico 1)

FLUXOGRAMA DO ATENDIMENTO

Serviço Social Oftalmologia Avaliação Funcional da

Visão e do

Desenvolvimento

Integração aos

Programas

Atividades Complementares

Inclusão

Oftalmologia

Serviço Social

Intervenção Precoce

Pedagogia

Psicologia

Orientação e

Mobilidade

Atividades de

Vida Diária

Curso de

Preparação para

o Trabalho

Oficinas de Artes

Atividades

Complementares

Espaço de Integração e

Convivência da Família

Pejô

Centro de Recursos

Tecnológicos

Brinquedoteca

Atividades Aquáticas

Encaminhamento para Recursos da

Comunidade

Orientação Familiar/ Escolar

e Profissional

Adaptação de

auxílios ópticos

AMA – Atividades

Motoras Adaptadas

(gráfico 1)

No ano de 2001, começamos a questionar nossa atuação relativa à inclusão

escolar das crianças e jovens que freqüentam Laramara. Encomendamos uma

pesquisa externa com o objetivo de avaliar o impacto institucional sobre a inclusão

escolar dos usuários e que se denominou “A inclusão escolar de estudantes

deficientes visuais – Avaliação das atividades da Associação Brasileira de

Assistência ao Deficiente Visual - Laramara”. Ela foi coordenada pela Dra. Elcie

Salzano Masini e realizada em parceria com a Faculdade de Educação da

Universidade de São Paulo e do Laboratório Interunidades de Estudos das

Page 31: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

69

Deficiências (LIDE - USP), com apoio do CNPQ. A investigação buscava oferecer

uma contribuição concreta referente à inclusão, por meio da análise científica de

dados coletados sobre a realidade educacional das escolas onde estudavam os

usuários de Laramara.

Os resultados da pesquisa, divulgados no início de 2004, tornaram claro que,

embora os usuários e suas famílias estivessem satisfeitos com o trabalho

realizado em Laramara, a inclusão não se concretiza pelo esforço isolado dessa

Instituição, por mais completo que seja o atendimento e apoio ao aluno com

deficiência visual.

Mostraram ainda que as dificuldades ocorridas no processo da inclusão referem-

se ao despreparo dos profissionais da escola regular e à falta de material

específico para o atendimento de suas necessidades educacionais; que a

efetivação da inclusão requer clareza sobre a contribuição que cada um pode dar

em situações concretas de convívio e é indispensável considerar: a importância de

ser bem acolhido pelos colegas e ajudado por eles; a qualidade do trabalho da

professora da sala de recursos; a diferença que os alunos sentem em sua relação

com as professoras do ensino fundamental e do ensino médio; e que todos os

alunos contem com apoio na escola e não somente aqueles que desfrutam do

trabalho da Associação Laramara.

Nos anos de 2002 e 2003, Laramara realizou, apoiada por uma consultoria

externa, um plano de redimensionamento dos programas e serviços oferecidos,

dentro de uma perspectiva de inclusão social das pessoas com deficiência visual,

objetivando a melhoria da qualidade e funcionamento do atendimento.

Em 2004, iniciou-se a mudança do modelo de trabalho, seguindo uma abordagem

sociocultural, numa perspectiva ecológica, na qual o foco está direcionado à

pessoa com deficiência visual, sua família, escola e comunidade, com interações e

relações nos ambientes naturais. Assim, o perfil da Instituição passou a ser o

Page 32: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

70

apoio e suporte à inclusão social por meio de ações educacionais complementares

e suplementares, quando necessárias, para crianças, jovens e adultos com

deficiência visual e deficiências associadas. Ações que consistem em oferecer

avaliação e desenvolver atividades específicas consideradas essenciais ao

processo de desenvolvimento, aprendizagem e inclusão; em divulgar, disseminar

e articular conhecimentos e experiências sobre educação, na perspectiva

inclusiva, para a comunidade, especialmente para as escolas, famílias e pessoas

com deficiência visual.

Realizamos então o “Encontro para uma Ação Inclusiva Compartilhada, Famílias-

Laramara-Escolas”, com mais de 200 participantes. Formaram-se em seguida

grupos de discussão sobre inclusão, com participação de famílias, profissionais do

ensino regular e profissionais de Laramara. E paralelamente organizamos um

Seminário sobre Inclusão.

Iniciamos em 2004 uma reorganização do trabalho, que passou a se desenvolver

da seguinte forma:

Avaliação clínica ou oftalmológica e socioeducacional, das funções visuais e do

desenvolvimento integral, para identificar as necessidades específicas. Esta

avaliação é individual, processual e contínua, com a participação da família.

Atendimento às necessidades específicas, através de programas de ações

educacionais, complementares e suplementares, em grupos de até 6 crianças,

com participação da família. São grupos heterogêneos em relação às

necessidades específicas, crianças agrupadas por idade (diversidade). O

atendimento é feito em encontros de duas a três horas, uma vez por semana.

Deles participam profissionais de diferentes áreas, como por exemplo:

psicólogos, pedagogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, numa ação

interdisciplinar.

Page 33: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

71

No gráfico 2 mostramos de forma resumida todo trabalho realizado pela

Instituição:

Gráfico 2

4.1.1. Programas de atendimento

A integração da criança ou jovem à Instituição é realizada após a avaliação social,

oftalmológica, das funções visuais, desenvolvimento e aprendizagem. É formulado

então o Plano de Atendimento Individual (PAI), estudo realizado pelos

profissionais e a família, a respeito dos pontos fortes, dificuldades e necessidades

da criança, de suas interações e relações no ambiente social, escolar e familiar.

Após a elaboração do PAI, o usuário é incluído em um dos seguintes programas,

de acordo com a faixa etária:

1. Programa de complementação educacional Infantil: 0-6 anos;

Page 34: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

72

2. Programa de complementação educacional do Ensino Fundamental: 7 a 16

anos;

3. Programa de complementação educacional de jovens e adultos: 17-21 anos;

4. Oficinas de Expressão Artística.

Cada programa desenvolve atividades que procuram atender às necessidades e

dificuldades dos usuários, enfatizando suas fortalezas.

Núcleos de atividades:

- Experiências para a organização sensóriomotora e perceptiva;

- Interação e comunicação;

- Atividades funcionais – experiências que contribuem para a autonomia e

independência e o desempenho funcional: Orientação e Mobilidade,

Atividades de Vida Diária, Atividades Motoras;

- Atividades lúdicas e Expressão Artística;

- Aprendizagens sobre necessidades específicas decorrentes da deficiência

visual: atividades psicopedagógicas, Braille, sorobã e tecnologia assistiva;

- Módulo CAMT – Cidadania, Autonomia e Mundo do Trabalho – educação

com o objetivo de desenvolver competências para a inclusão profissional e

pessoal;

- Atividades de orientação vocacional e encaminhamento profissional;

- Grupo psicossocial: atendimento mensal à família, ao adolescente e ao

adulto, mediado por um assistente social e um psicólogo Atividade

obrigatória para os pais dos usuários integrados aos atendimentos

regulares.

4.1.2. Modelo do Atendimento

Page 35: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

73

Os atendimentos são realizados em grupos de até seis participantes, sendo o

principal critério de agrupamento a idade. Há grande heterogeneidade em relação

às necessidades e características de cada membro, o que exige dos profissionais

e das famílias o respeito à diversidade e dá oportunidade de construir formas

inovadoras de resolução dos problemas e dificuldades, características da inclusão,

sistematizando-as para compartilhá-las com a escola e a comunidade. Os

encontros do grupo duram de duas a três horas, uma vez por semana, sendo que

o módulo CAMT (Cidadania, Autonomia e Mundo do Trabalho) se desenvolve

diariamente, com a duração de um semestre.

4.1.3. Grupo de apoio à inclusão

Visando agilizar o processo de inclusão das crianças que freqüentam Laramara,

criamos o Grupo de Apoio e Suporte à Inclusão, formado por uma equipe

multidisciplinar, que, trabalhando em ação conjunta com a família, a escola e a

comunidade, atua no espaço escolar e comunitário, levantando as necessidades

educacionais, as fortalezas e dificuldades das crianças e jovens. Vai à escola para

realizar avaliação das necessidades educacionais especiais; serve de ponte entre

a escola e os programas de avaliação e orientação, oferecidos pela Instituição;

participa da elaboração do plano de desenvolvimento educacional, ajudando a

escola e a família na formulação do plano de inclusão da pessoa com deficiência

visual. Dá apoio para identificação de adaptações curriculares, facilita a interação

social da criança. Contribui ainda para a formação continuada da escola e da

implantação da Rede de Apoio Comunitário à inclusão.

Desde sua implantação o Grupo de Apoio e Suporte à Inclusão beneficiou 30

escolas e 3 universidades, públicas e privadas, 600 professores e 1.200 alunos de

escolas regulares, sendo 200 usuários de Laramara.

Page 36: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

74

Além das oficinas para adaptação de materiais destinadas aos professores da

escola regular, Laramara realizou o I Curso Nacional de Orientação e Mobilidade

na Educação Infantil e o curso Reflexões sobre os Processos de Desenvolvimento

e Aprendizagem na Perspectiva da Educação Inclusiva.

Distribuímos para todo o Brasil 5.000 kits com material informativo sobre

Orientação e Mobilidade e 5.000 exemplares do livro Brincar para Todos em

parceria com a SEESP-MEC. Para as escolas onde estudam usuários de

Laramara, foram distribuídos 200 kits, compostos de manuais, vídeos e livros

sobre as necessidades educacionais específicas decorrentes da deficiência visual.

Por meio de campanhas junto a empresários e pessoas físicas, conseguimos a

doação de 1790 máquinas Braille e 932 bengalas.

Possuímos um centro de produção de tecnologia assistiva denominado Laratec

onde são encontrados todos os equipamentos necessários à melhoria da

qualidade de vida da pessoa com deficiência visual e o Centro de Recursos põe à

disposição das pessoas que deles necessitarem todos os avanços existentes na

Laratec.

4.2. A Família – uma parceria de importância fundamental

Conforme já mencionado, desde sua fundação, Laramara valoriza o papel da

família na educação da criança e considera-a parte integrante de seu trabalho.

Como uma instituição familiar, foi criada para compartilhar experiências a respeito

da educação da criança cega e para facilitar a tarefa dos pais na educação de

seus filhos com deficiência visual. Hoje, observamos com satisfação um número

relativamente grande de instituições que priorizam o papel da família na educação

e inclusão das crianças com deficiência visual.

Embora a família tenha sido sempre um elemento importante em nossa Instituição,

evoluímos muito em nossa relação com ela e nos dias de hoje criamos estratégias

Page 37: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

75

e instrumentos muito eficientes para garantir sua participação efetiva em nosso

trabalho. Isso fortalece o diálogo, o que significa acolher seus sentimentos,

desejos, necessidades e expectativas. Assim, procuramos conhecer seus pontos

de vista, suas preferências, prioridades, fortalezas, a cultura familiar e o ambiente

social de cada uma.

Nosso trabalho, em parceria com as famílias, abre espaço para que elas possam

pôr em prática suas capacidades e competências na resolução de problemas e

superação dos desafios que surgem no dia-a-dia, o que lhes proporciona

esperança e confiança.

Temos consciência de que os pais, por conhecerem os interesses e necessidades

de seus filhos, são cooperadores indispensáveis para tomar decisões, resolver

problemas relativos à construção do conhecimento e desenvolvimento da

autonomia da criança, participando da elaboração do PAI (Plano de Atendimento

Individual) e do projeto pedagógico de inclusão escolar.

Além do mais, trabalhar numa perspectiva sociocultural e ecológica exige a

presença ativa da família na vida institucional. A solidariedade, a cooperação, o

compromisso com a melhoria da qualidade de vida e a educação das crianças

devem ser as prioridades de todos, família, instituição especializada e

comunidade.

Embora todos os espaços de Laramara sejam acolhedores para as famílias,

sempre tivemos a preocupação de criar um local especialmente reservado para

elas. Entretanto, passaram-se seis anos desde a fundação de Laramara até

podermos concretizar esta idéia.

Em 1997, inauguramos o Espaço de Integração e Convivência da Família Vó

Clotilde, onde acontecem hoje várias atividades e que se converteu em um

ambiente criativo e interativo, totalmente assimilado pelos pais, que nele

Page 38: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

76

organizam festas, desenvolvem projetos e cursos, aprendem, ensinam e se

divertem.

Após oito anos de funcionamento, podemos observar nas famílias grande

influência do Espaço de Convivência. Muitos pais, quando entraram na Laramara,

além das dificuldades econômicas, não participavam da vida cultural e social, não

tinham esperança no futuro de seus filhos e ignoravam o que fazer para mudar tal

situação.

Hoje verificamos que evoluíram bastante, em especial as mães, participam muito

das atividades, são dinâmicas, informadas e grandes lutadoras pelos direitos de

seus filhos. Algumas começaram a estudar ou retomaram seus estudos, outras

aprenderam trabalhos artesanais e os vendem para ajudar no sustento da família,

outras, que eram analfabetas, se alfabetizaram e aprenderam o sistema Braille.

O Espaço de Convivência, que teve como eixo inicial a elaboração de brinquedos,

é hoje um local agradável, dinâmico, onde a família se conscientiza de seu

potencial.

Para que os familiares das crianças tenham acesso fácil às informações a respeito

de situações do dia-a-dia, desenvolvemos vários manuais. Eles são ilustrados e

escritos em linguagem muito simples, sugerindo atividades para as diferentes

fases de desenvolvimento: bebê, pré-escolar e escolar. Essas atividades são

muito variadas, têm forte embasamento teórico e foram testadas com inúmeras

crianças, podendo ser realizadas em casa, num clima lúdico, com envolvimento de

toda a família. São eles: Papai e mamãe – Ajudem-me por favor; Aprendendo

junto com papai e mamãe; Ler e escrever em Braille, uma história que começa lá

atrás; Papai e Mamãe, vamos brincar; Toque o bebê; Ganma Laramara,

Brincando em Família, com brincadeiras adaptadas a crianças com deficiência

neuromotora associada à deficiência visual; Manual ilustrado para uso do Braille;

Baixa Visão: Conhecendo mais para ajudar melhor; Caminhando juntos - Manual

Page 39: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

77

das habilidades básicas de orientação e mobilidade; Brincar Juntinhos e Brincar

Para Todos.

Laramara é hoje um verdadeiro espaço de integração sociocultural, que cumpre

seu papel de esclarecer e orientar a família sobre seus direitos, deveres, recursos

e encaminhamentos. Conhecer os problemas e necessidades de seu filho é

importante para que a família possa usufruir das facilidades existentes e de melhor

qualidade de vida. Deve estar bem preparada e consciente para ser um agente de

modificação do meio, informando e esclarecendo as pessoas da comunidade.

4.2.1. Atividades para e com as famílias

Oficinas de saberes e competências: atividades realizadas no Espaço de

Convivência da Família, em que são criados e produzidos materiais e brinquedos

e nas quais as famílias aprendem sua utilização como facilitadores do

desenvolvimento e aprendizagem das crianças e adolescentes. As oficinas

representam ainda uma oportunidade ideal de convívio, conhecimento mútuo e

dialogo sobre os anseios, experiências, desejos e dúvidas das famílias, que

tentam resolver os problemas cotidianos da criança. Tal esforço resulta em

aumento da auto-estima familiar. São estas as principais oficinas:

- Oficina de brinquedos;

- Oficina de adaptação de materiais pedagógicos;

- Oficina de Braille e Sorobã;

- Oficina de elaboração de moveis e adaptações em papelão;

- Oficina de pães.

Page 40: Davis (1989, p.13) cita no capítulo “Concepções de

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4.2.2. Vivências lúdicas para pais

Por meio de jogos e brincadeiras, de forma prazerosa, as famílias são desafiadas

a tomar decisões, solucionar problemas, liderar e trabalhar em equipe.

Em 1997, foi criado o Conselho Mundial de Pais e Amigos do Deficiente Visual –

Compadres: Rede de Informações e Orientações à Família, que tem o intuito de

mantê-los unidos e informados sobre serviços, publicações e pesquisas.

Atualmente é coordenada por algumas mães em colaboração com o serviço

social.

4.3. O brincar na cultura institucional: uma proposta lúdica para o

atendimento educacional especializado

Laramara sempre acreditou no valor do brincar e do brinquedo para a interação

com a criança e como facilitador de seu desenvolvimento. Defende o direito da

criança com deficiência visual a um aprendizado prazeroso, como qualquer

criança. Esta crença determina a fundamentação da cultura institucional, a ponto

de podermos afirmar que o brincar e o brinquedo se constituem na filosofia

norteadora de Laramara.

Esta filosofia se expressa não apenas nas atividades sistemáticas com as

crianças, mas também nos esforços por criar e manter espaços e atividades

lúdicas diferenciadas.

O brinquedo e o brincar estão presentes em todos as atividades propostas,

integrando entre si as áreas de trabalho e reunindo todas as pessoas da

Instituição: crianças, jovens, famílias, profissionais, voluntários, professores do

ensino regular e pessoas de todo o Brasil e até do exterior.