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DAVID

THOMSON

da Universidade de Cxmbrdge Pequena Histria

do

Mundo Contemporneo COKSULTI 1914-1961 Traduo de J. C. TEIXEIRA ROCHA

Pequena historia do mundo contemporneo 2704 UNEB ALA Quarta edio .HAR EDITORE

ZAHAR

EDITORES

RIO DE JANEIRO

COHSLTI

Ttulo original: World History

i y 14-1961 1964, por Oxford

Traduzido da segunda edio, publicada em University Press, New York (Galaxy Book 116) Copyright capa de R ICO f) by OXFORU UNIVERSITY PRESS

34o.

T3. c n" principais trabalhos de Berfrson tinham sido tradnldos para o Ingls antes IlilSENRlO 51 MUNDIAL KM 1914

e sistematizou. Por volta de 1914, tinha-se tornado o credo ortodoxo de muitos filsofos influentes. Sua convico bsica era que o filsofo devia adotar o critrio da verdade do cientista: uma teoria ou um princpio so verdadeiros na medida em que possibilitam ao homem prever, e em alguma extenso controlar, o universo fsico. Partindo da, sentia-se tentado a caminhar para o pragmatismo, resumido pelo filsofo americano William James como significando que "No podemos rejeitar qualquer hiptese, se dela derivam conseqncias teis para a vida". Essa perspectiva mental era, de certo modo, uma conseqncia do utilitarismo, e harmonizava to convenientemente com uma poca de industrialismo e progresso material que obteve grande aceitao. Correspondia, na arte, ao "realismo" e ao "naturalismo", que encontraram sua expresso nas novelas de significao social, no drama de Ibsen, Shaw c Galsworthv e em tendncias acentuadamente intelectualistas em todas as artes. Em forte reao contra essa perspectiva, estavam os argumentos filosficos que variavam desde o amoralismo e o antiintelectualismo do alemo Friedrich Nietzsche

(que morreu em 1900) at a exaltao da intuio em oposio ao intelecto nos escritos de Henri Bergson (que morreu em 1941). Muito embora tivessem certas afinidades com o anterior movimento romntico do sculo XIX, essas idias tendiam a ser aristocrticas e antidemocrticas. Na arte, tiveram seu correspondente nas novelas de Mareei Proust (cujo trabalho apareceu, em sua, maior parte, aps 1918), no renascimento do simbolismo e no cubismo de Matisse e Picasso. Em alguns pases, foi tambm desencadeada uma poderosa ao de retaguarda pelos filsofos idealistas, liderados pelos hegelianos de Oxford, na Inglaterra, e por Gentile e Croce, na Itlia. Mas os filsofos e artistas no-ortodoxos estavam frente, tanto da teoria poltica como da opinio geral que os desafiava. A descoberta de que os homens - especialmente os homens na massa - so impelidos ao por impulsos e instintos irracionais, pelo menos tanto quanto por consideraes racionais ou intelectuais, ainda no havia lanado a confuso sobre as suposies do radicalismo e do liberalismo, ambos mais antigos. 52 PEQUENA HISTRIA DO MUNDO CONTEMPORNEO

Na Gr-Bretanha, os fabianos consideravam-se como estudantes da "engenharia social" e, se j havia muita discusso sobre o papel da violncia e do "mito" social nas foras que modelariam a moderna sociedade industrial e urbana, tais discusses estavam ainda associadas com sindicalistas exaltados como Sorel (cujo livro Reflexes sobre a Violncia, muito influenciado por Nietzsche e Bergson, apareceu em 1906). No era levado demasiadamente a srio pela maioria dos pensadores liberais e dos homens prticos, da mesma maneira que o cubismo era considerado como uma extravagncia. Mesmo a conjugao de movimentos de extrema violncia na Gr-Bretanha, como as grandes greves, a agitao das sufragistas e os distrbios irlandeses, era considerada como uma desordem temporria, que um tratamento firme por parte do governo podia dominar adequadamente. Revolues eram ento coisas que aconteciam somente na Europa oriental e na Amrica Latina. At a Frana no tinha conseguido manter a Terceira Repblica durante quarenta anos ? A brecha entre o pensamento poltico e a realidade teve seu correspondente em um divrcio crescente entre o artista e a sociedade. O artista criador sofreu com o desenvolvimento da especializao, e foi considerado como um tipo diferente de especialista, provavelmente incompreensvel para o grande pblico. Romancistas e dramaturgos, preocupados com as doenas sociais de seu tempo - um Tolstoy e um Wells, um Ibsen e um Shaw - permaneceram compreensveis de modo geral, porque estavam dentro da tradio naturalista; mas a pintura, a poesia e a msica sofreram de indiferena e falta de simpatia de seu pblico. (O culto de Charles Pguy somente apareceu aps a sua morte em combate em 1914. O resultado foi a obscuridade e o tecnicismo, por parte dos artistas criadores, e um empobrecimento correspondente

no gosto do pblico. O artista era tentado a abandonar-se, seja a uma auto-expresso caprichosa, como o cubismo e o impressionismo extremado, ou a procurar escapar, como Gauguin, para lugares exticos do mundo, ainda livres do industrialismo. Entretanto, a nova incoerncia - que depois da guerra deveria produzir o "surrealismo" - tinha certas razes comuns O CENRIO MUNDIAL EM 53 1914

com o positivismo e a cincia. O impulso para o materialismo, sempre presente no sculo XIX, tinha encontrado expresses cada vez mais cruas e supersimplificadas. O darwinismo deuugar aos "darwinistas sociais", que viam o progresso humano como resultado da luta fsica; e tambm aos racialistas, como Houston Stewart Chamberlain, que via no sangue a pista da histria humana. Um declnio na f e na observncia religiosa constitua talvez mais um sintoma do que uma causa desse materialismo, pois a religio do sculo XIX tinha sido, muitas vezes, compatvel com uma perspectiva fortemente materialista. Talvez tivesse estado sempre presente na prpria devoo, ao progresso cientfico, que os acontecimentos do sculo XIX haviam encorajado. Parecia naturalmente evidente que, somente estudando-se o mundo material e o seu funcionamento, e somente o fazendo mediante as tcnicas experimentais da cincia, podia-se acumular conhecimento e obter progresso real. Mas, se a nova cincia da Psicologia revelou at ento aspectos desconhecidos da natureza humana, no era igualmente "realstico" explor-los, e enfatiz-los, no processo de atacar no somente o intelectualismo dominante como tambm as suposies racionalistas, com base nas quais a prpria cincia se tinha desenvolvido? O resultado, por volta de 1914, era a confuso dos espritos' e certa desorientao. O cenrio mundial em 1914, em termos amplos, era o de uma interdependncia econmica mais intensa, combinada com uma separao poltica mais severa; de progresso econmico e social, no sentido de mais elevados padres de vida e de conforto, combinado com tenses crescentes na sociedade, entre o capital e o trabalho; de grande progresso material, combinado com o empobrecimento cultural e a confuso. Claramente, era um mundo em estado de mutao e de rpida transformao. Entretanto, na maioria dos pases ocidentais, foi uma poca de segurana e otimismo, em comparao com o mundo da dcada de 1960. Os estgios atravs dos quais aquele mundo se tornou o mundo da atual dcada, e, assim fazendo, ganhou enormemente em riqueza e em disseminao do bem-estar, muito embora perdendo grandemente em segurana e em otimismo, constituem o tema dos captulos seguintes deste livro.

A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL, 1914-1918

1.

As Questes em Jogo

De mUITAS MANEIRAS, a guerra de 1914-1918 foi uma guerra sem precedente e, na histria humana, inteiramente nova. As guerras anteriores, como a Revoluo Francesa e as guerras napolenicas, tinham durado mais tempo, envolvendo inmero equivalente de pessoas. Mas esta foi a primeira guerra das massas que, como j foi mostrado, haviam aumentado to amplamente de volume, desde 1815. Foi o primeiro conflito generalizado entre as naes-Estados altamente organizadas do sculo XX, capazes de comandar as energias de todos os seus cidados ou sditos, de mobilizar a capacidade produtiva das indstrias pesadas, e de utilizar todos os recursos da tecnologia moderna, para descobrir novos mtodos de destruio. Foi tambm a primeira guerra em escala suficientemente grande para deslocar a economia do mundo que, durante o sculo anterior, se tinha tornado to estreitamente entrelaada. Era provvel, desde o princpio, que tal guerra se mostrasse no somente a mais destruidora de vidas humanas e de riquezas materiais do que qualquer outra guerra anterior, mas tambm de muito maior alcance, mais incalculvel e mais incontrolvel em suas conseqncias. a primeira guerra de importncia na histria em que houve tanta disparidade entre suas conseqncias e realizaes, e as intenes e propsitos declarados A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL 55 dos que primeiro entraram nela. Por esta razo, necessrio manter perfeitamente separadas as questes declaradamente envolvidas na guerra, quando ela comeou, e aquelas que vieram a s-lo, antes do seu trmino; devem ser consideradas igualmente distintas de ambas as coisas as conseqncias que, agora o sabemos, derivaram da guerra. Quando o Imprio Austro-Hngaro entrou em guerra com a Srvia em 1914, e quando a Rssia se mobilizou ao lado da Srvia, a Questo Oriental do sculo XIX atingiu o auge. O imprio dinstico multinacional da ustria-Hungria no podia tolerar o crescimento da Srvia sem incorrer no risco de desintegrarse ainda mais em seus componentes nacionais. O Imprio dinstico da Rssia czarista no podia tolerar a Expanso Austraca nos Blcs sem perder a simpatia dos povos eslavos da Europa oriental. Quando a Alemanha se mobilizou ao lado da ustria-Hungria, e a Frana, ao lado da Rssia e da Srvia, foi porque nenhuma delas podia sujeitar-se a perder o apoio de seus aliados, em seus clculos de segurana contra o outro. Quando a Alemanha invadiu a Blgica, cuja neutralidade ela e outras potncias ocidentais se tinham comprometido a respeitar, foi porque o Plano Schlieffen, elaborado vrios anos antes, justamente para tal contingncia, tornou imperativo que os exrcitos alemes tentassem um golpe decisivo no norte da Frana e contra Paris, antes que os russos pudessem atacar e antes que um possvel apoio britnico pudesse tornar-se

efetivo. Quando a Gr-Bretanha declarou guerra Alemanha, foi parcialmente porque tanto os acordos navais feitos com a Frana como o medo do poder naval germnico tornaram necessrio que a Gr-Bretanha se colocasse ao lado da Frana, em face desse ataque. Quando o Japo "declarou guerra Alemanha, foi para apoderar-se de suas concesses na China e de suas ilhas no Pacfico. Quando, depois de alguma demora, o Imprio Turco Otomano e a Bulgria juntaram-se Alemanha, foi porque um era inimigo da Rssia e o outro alimentava ressentimentos contra a Srvia. Quando, em 1915, a Itlia se uniu Inglaterra, Frana e Rssia, foi porque, no Tratado de Londres, de carter secreto, firmado naquele ano, foram-lhe prometidos ganhos territoriais, a expensas da Turquia 56 PEQUENA HISTORIA DO MUNDO CONTEMPORNEO

e da ustria, ficando ainda na expectativa de recompensas nas colnias. Assim, a entrada de cada um dos beligerantes foi determinada por consideraes de segurana nacional e de poder nacional. Se, como o acreditavam os cobdenitas otimistas do sculo XIX, o comrcio fosse um vnculo de interesse e de amizade entre as naes, a Alemanha e a Inglaterra no deviam ter-se colocado em lados opostos, e aquela deveria estar em excelentes termos com a maioria de seus vizinhos europeus. Como observou Lorde Keynes, "exportvamos para a Alemanha mais do que para qualquer outro pas do mundo, exceto a ndia, e comprvamos mais dela do que de qualquer outro pas do mundo, exceto os Estados Unidos".12 Ela era o melhor cliente da Rssia, Austria-Hungria, Itlia, Sua, Blgica, Holanda e Noruega, e o terceiro cliente da Frana. Todos os pases que lhe ficavam aeste tinham mais de um quarto do seu comrcio com ela. Essas ligaes comerciais, que se desenvolveram todas to extensamente aps 1890, nada fizeram para impedir ou para alterar o alinhamento dos beligerantes. Serviram apenas para agravar o deslocamento econmico causado pela derrota da Alemanha em 1918. As disputas tinham muito a ver com os receios e mtuas desconfianas existentes no continente europeu, mas pouco se relacionavam com as rivalidades coloniais no exterior. Muito embora os territrios coloniais, utilizados para o recrutamento de tropas, e os Domnios do ultramar, formassem ao lado da Gr-Bretanha, a guerra foi, em essncia, uma guerra europia, travada em torno de disputas europias. Por essa razo, sua designao original de "a Grande Guerra" era mais adequada do que a que lhe foi dada subseqentemente de "Primeira Guerra Mundial". Se ela tivesse terminado, como os alemes esperavam e planejavam, em torno de 1915, com a derrota decisiva da Frana e o colapso financeiro e administrativo da Rssia, e sem a participao da Gr-Bretanha, teria resultado na consolidao dos imprios continentais dinsticos da Europa central e oriental. Sua principal conseqncia teria sido uma vasta expanso do poder alemo nos Blcs e nos confins deeste, com as portas abertas para o Oriente Prximo, ________ M. KEYNES: The Economic Contequence of the Peace (1"U), p. 15.

A PRIMEIRA GUERRA 57

MUNDIAL

para o Extremo Oriente e para a expanso colonial do alm-mar. Nesse caso, teria sido considerada historicamente no como a primeira guerra mundial, mas como a quarta guerra imperialista alem 13 e teria quase certamente levado quinta, que poderia ser, na verdade, uma guerra mundial. Nesse sentido foi, acima de tudo, a participao da Comunidade Britnica, a mais universal de todas as potncias, que a transformou em uma guerra mundial. A recusa britnica em manter-se neutra, como a Alemanha tinha esperado, significou tambm que os Estados Unidos teriam, eventualmente, que abandonar sua poltica de neutralidade, pois a participao da Comunidade assegurava que a guerra seria longa, e era improvvel que a Amrica do Norte permitisse que a barreira de proteo constituda pela marinha britnica se enfraquecesse demasiado, sem que ela prpria entrasse na guerra, para garantir sua segurana. Mas, muito embora possamos ver agora, com todas as vantagens da perspectiva histrica, que essas implicaes estavam presentes desde o momento do fracasso do Plano Schlieffen em 1914, elas no eram evidentes naquele tempo. Uma vez comeada a guerra, os motivos para continu-la modificaram-se. A Frana tinha que prosseguirutando pela pura sobrevivncia, e porque tinha sido invadida, da mesma maneira que a Rssia e a Srvia. A Alemanha, confrontada com o horror tradicional da guerra em duas frentes, tinha que lutar desesperadamente, primeiro no oeste, depois no leste, para preservar-se da invaso e do colapso. Os Imprios Austraco e Turco tinham somente as alternativas da guerra e do colapso interno. Somente a Gr-Bretanha tinha alguma escolha, se bem que no pudesse arriscar-se a uma vitria final da Alemanha, no sentido de que podia planejar uma guerra de longa durao, de bloqueio e de atrito, sem qualquer risco imediato de ser invadida. Os Estados Unidos, pelo mesmo raciocnio, tinham ainda maior margem de escolha e de tempo para agir. At 1917, o alinhamento das potncias no permitia nenhuma clara definio ideolgica. Os Estados parlamentaristas e democrticos, GrBretanha, Frana e Blgica, eram aliados _____ Sendo as trs primeiras as guerras de Bismarck de 1804 contra a Dinamarca, de 1806 contra a Austria-Hungria e de 1870 contra a Frana. 58 PEQUENA HISTRIA DO MUNDO CONTEMPORNEO

do mais reacionrio de todos os Imprios dinsticos, a Rssia czarista. A Alemanha estava aliada sua antiga rival e oponente, a Austria-Hungria, e sua vtima em potencial, o Imprio Otomano. As potncias ocidentais proclamavam estarem combatendo o militarismo e o imperialismo alemes, mas elas prprias eram potncias

imperialistas e colonialistas, e a Frana era tradicionalmente uma das naes mais militaristas da Europa. As afirmaes idealistas somente eram vlidas na medida em que as potncias ocidentais estavam de fato apoiando a causa da autodeterminao nacional da Srvia, e a importante causa da inviolabilidade das obrigaes dos tratados, no caso da Blgica. Por outro lado, essas alegaes encobriam as realidades de profundos receios e cimes internacionais, que constituam a herana dos anos transcorridos desde 1870. Mas, a partir de 1917, foi possvel falar validamente de um entrechoque de ideologias. Quando a Rssia, na agonia d uma revoluo interna, assinou o Tratado de Brest-Litovsk, retirando-se da guerra, e quando os Estados Unidos entraram ao lado dos Aliados ocidentais, o alinhamento tornou-se claro. i A partir da, tornou-se principalmente uma guerra entre as potncias martimas ocidentais, que tambm eram coloniais e de idias democrticas, e as potncias dinsticas centrais e orientais, que eram imprios continentais hostis aos ideais da democracia. Essa completa transformao da natureza da guerra, que se deu em seu terceiro ano, no somente determinou previamente seu resultado, uma vez que o peso da participao americana assegurou a vitria ocidental, como tambm preparou o cenrio para o aparente triunfo dos ideais e das instituies do governo democrtico, que dominaram a dcada de 1920. Esse resultado, convm ser repetido, no estava nas cogitaes de nenhum dos participantes em 1914. Dessa maneira, a maior das guerras de nacionalismo do sculo XIX transformou-se dramaticamente na primeira das guerras ideolgicas do sculo XX. A guerra durou cinqenta e dois meses; comparada com as Blitzkriegs bismarckianas, pode ser considerada longa, mas, comparada com as outras guerras europias em geral, pode A 59 ser considerada curta. A novidade no foi a durao, mas a ferocidade e sua concentrada intensidade, a velocidade com a qual as grandes potncias industriais mostraram ser capazes de mobilizar novos exrcitos e suprimentos, transport-los a centenas de milhas e lan-los uns contra os outros, em feroz autodestruio. Os dois lados apresentaram-se to aproximadamente iguais em sua capacidade e competncia para faz-lo que a principal caracterstica da guerra no oeste foi uma completa paralisao, com tanto poder concentrado de cada lado, que dava a impresso de uma fora irresistvel que tivesse deparado com um obstculo inarredvel. Assim, paradoxalmente, a guerra da velocidade e dos movimentos rpidos transformou-se, no campo de batalha, em uma guerra de impasse e desgaste. Essa natureza peculiarmente exaustiva da guerra moderna teve importncia devido prpria natureza das questes em disputa. Cada governo foi levado a exigir cada PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

vez maiores esforos de seu povo, no somente nas foras armadas, mas tambm na frente civil e na produo industrial. A Inglaterra no introduziu o alistamento obrigatrio at 1916, e a Frana at 1917 no introduziu o imposto de renda para financiar a guerra. Mas, no final, ambos tiveram que se valer desses recursos essenciais para a guerra total. O bloqueio naval da Alemanha e os afundamentos, por submarinos, de alimentos importados essenciais Inglaterra abriram as hostilidades na frente interna. A guerra tornou-se, cada vez mais, semelhante a uma luta darwiniana pela sobrevivncia. Os apelos no sentido de esforos nacionais cada vez mais coordenados e vigorosos no somente intensificaram os sentimentos nacionalistas como tambm foram acompanhados por mais e mais promessas de completa justia social depois da guerra, de "criar condies seguras para a democracia no mundo", de "lares altura dos heris", de completo reconhecimento dos direitos de "autodeterminao nacional", e tudo o mais. Assim, o prprio carter da guerra ajudou a infundir mais idealismo nos objetivos de paz dos Aliados e encorajou maiores esperanas de liberdade e igualdade na paz. Cada vez mais se ouvia o argumento de que, se a organizao e a determinao humanas podiam produzir 60 \ PEQUENA UTSTORIA DO MUNDO CONTEMPORNEO

tais maravilhas na guerra, um esforo comparvel na paz podia remover todos os males sociais. Assim, a guerra ampliou grandemente a lista dos males sociais do sculo XIX considerados como remedveis mediante o esforo humano, que no deviam ser tolerados como inerentes a uma providncia maligna. Encorajou uma f no perfeccionismo, uma disposio para experimentar reformas sociais e planejamento econmico, que a Revoluo Bolchevista devia, com o tempo, acentuar ainda mais. O Estado do bem-estar social foi muito promovido pelo Estado de belicosidade. A derrota e a retirada da Rssia demonstraram que os Estados absolutistas estavam mal preparados para sobreviver aos esforos da guerra, e essa concluso foi logo reforada por colapso semelhante da ustria-Hungria e do Imprio Otomano. Ao mesmo tempo, a entrada dos Estados Unidos infundiu um idealismo novo e ainda mais otimista aos objetivos de paz dos Aliados. O prprio Presidente Wilson fez-se, estranhamente, o porta-voz do idealismo e do perfeccionismo. Seus famosos Quatorze Pontos, de janeiro de 1918, tm sido muito mal compreendidos por aqueles que os tm discutido sem hav-los lido. Longe de serem declaraes de carter geral de vagos princpios morais, eles incluem uma lista de propsitos perfeitamente especficos que os Aliados j haviam proclamado fazer parte do que procurariam obter nas negociaes do ps-guerra. Entre esses propsitos estavam includas a restituio da Alscia e Lorena Frana, a libertao da Blgica, a reconstituio da Polnia e a evacuao alem dos territrios russos e balcnicos. Mas, de permeio com esses objetivos indisputvelmente justos e realizveis, havia uma srie de proposies wilsonianas mais discutveis: "convnios ostensivos, abertamente negociados", o que significava um fim no somente para os tratados secretos como tambm para a diplomacia de

bastidores;, "liberdade dos mares, igualmente na paz e nayguerra"; remoo das barreiras e desigualdades no comrcio internacional; reduo dos armamentos; reajustamento das reivindicaes coloniais e das possesses; reformulao do mapa da Europa, especialmente de sua parte oriental, seguindo os anseios de "autodeterminao nacional"; e, acima de tudo, a criao de uma nova organizao A 61 PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

internacional para impedir a guerra. Essas idias foram aperfeioadas pelo Presidente, em uma srie de discursos e pronunciamentos, 14 e adquiriram forte atrativo como um programa liberal esclarecido para uma nova espcie de elaborao da paz. Essa poderosa formulao de objetivos de paz de carter moral harmonizava-se com o contraste mais realstico entre as Potncias Aliadas e seus inimigos. Da mesma maneira como foi a cnica violao alem dos direitos da Blgica o que levou a Gr-Bretanha unida para a guerra, assim tambm os Estados. Unidos foramevados a intervir devido proclamao desumana de guerra submarina sem restries. Os Aliados tinham condies de apelar diretamente, como parte de sua guerra psicolgica, para as diversas nacionalidades da Europa oriental, divididas e reprimidas, porque o seu sucesso automaticamente esfacelaria os imprios dinsticos; esse apelo pde ser feito ainda mais fortemente aps a derrota da Rssia, cuja aliana tinha, a esse respeito, embaraado os Aliados. Vrios fatores conspiraram nesse sentido para tornar a guerra para os Aliados, por volta de 1917-1918, uma cruzada moral pelos ideais liberais caractersticos do respeito pelas obrigaes internacionais, independncia nacional e autodeterminao, e pelos valores da democracia. Entretanto, esse poderoso idealismo estava, por assim dizer, superposto aos velhos propsitos nacionais separatistas, e no os substituiu. Os Aliados no estavam dispostos, de maneira alguma, a endossar as propostas de Wilson. A Frana, sendo o principal campo de batalha ocidental, insistia em que a Alemanha devia fazer algumas reparaes pelos danos de guerra. A Inglaterra estava em dvida sobre a noo de liberdade dos mares "na paz e na guerra", que teria tornado impossvel seu bloqueio da Alemanha. Ambas hesitavam em erigir a autodeterminao nacional no que Wilson estava em condies de descrever como "um princpio de ao impera__________________________ M Especialmente os que ficaram conhecidos como "Os Quatro Princpios" (fevereiro), "As Quatro Finalidades" (julho) e "As Cinco Particularidades" (setembro). Esses ltimos pronunciamentos apresentavam um tom cada vez mais idealista e geral, chegando a incluir "a destruio de todo o poder arbitrrio, em qualquer parte..." e "nenhuma liga ou aliana ou conveno e entendimentos especiais, dentro da famlia geral e comum da Liga das Naes". 62 Pequena histria do mundo contemporneo

tivo", c previam as dificuldades que surgiriam em aplic-loogicamente ao emaranhado de nacionalidades existentes nos Blcs. Os franceses encaravam qualquer acordo no tanto por sua conformidade com uma justia abstrata, mas pela medida em que satisfazia as finalidades bsicas pelas quais a Frana tinha lutado: sua sobrevivncia como Estado nacional e sua prpria segurana contra a recorrncia de uma invaso alem. A Inglaterra encarava-o pela extenso em que removesse permanentemente a ameaa de uma rivalidade naval alem e restaurasse um equilbrio mais uniforme do poder na Europa. A Itlia o considerava pelo grau em que satisfizesse as finalidades que tinha estipulado no Tratado de Londres e, de acordo com isso, era uma potncia longe de estar satisfeita, desde- o princpio. As nacionalidades balcnicas consideravam-no pela medida em que lhes possibilitaria satisfazer suas aspiraes nacionais de unidade e independncia, e aqui tambm era inevitvel que algumas ficassem desapontadas, uma vez que seus objetivos estavam muitas vezes em conflito. Assim, muito embora a guerra, medida que prosseguia, passasse de uma fase deuta nacionalista para uma de idealismo moral e liberal, ternrnou como uma mistura das duas, e a principal caracterstica dos problemas com que se confrontaram os negociadores da paz em 1919 foi precisamente essa mistura desconccrtante de reivindicaes realsticas e morais. 2. O Servio de Marte

A determinao dougar ocupado pela guerra na histria mundial moderna requer uma estimativa do esforo humano e dos sacrifcios envolvidos. A guerra era muito menos mecanizada do que veio a tornar-se na Segunda Guerra Mundial. Por iSso, foi em primeiro lugar uma guerra de soldados, de infantaria e de artilharia. Mesmo o transporte motorizado ainda era uma novidade. A despeito do emprego do bloqueio naval por ambos os lados, o combate naval entre navios grandes foi sem importncia, aps a Batalha da Jutlndia, em 1916; por isso, a guerra foi mais dos soldados do que dos marinheiros. a primeira guerra mundial 63 A aviao foi usada para reconhecimento, observao dos tiros da artilharia e bombardeios ocasionais, mas o bombardeio das reas de retaguarda somente se realizou durante os ltimos meses. Muito embora os esforos da frente interna, na produo e no moral dos civis, fossem de considervel importncia durante todo o tempo, e muito mais importantes do que nas guerras anteriores, a guerra foi, ainda assim, mais dos soldados do que dos civis. At a generalizao da fome na Rssia e na Alemanha, e a grande epidemia de gripe no final da guerra, os mortos e os feridos foram os soldados e no os civis. As incurses dos Zeppclins alemes sobre Londres causaram pequenos danos. Considerada a demorada guerra de atrito no oeste e os entrechoques macios de tropas na frente oriental, O problema crucial de ambos os lados, durante todo o tempo, consistiu no alistamento, treinamento, transporte e equipamento de milhes de homens em uniforme.

Foram os esforos dos governos no ataque a esses problemas que levaram os efeitos da guerra ao recesso do corao de praticamente todas as famlias, dentro de cada nao. com exceo dos Estados Unidos que, na ocasio do armistcio, tinham 4 milhes de homens em armas, tendo entrado a tempo suficiente para serem decisivos, muito embora suficientemente tarde para sofrerem apenas 115.000 mortes,15 o servio de Marte na Europa significou o massacre sistemtico de 10 milhes de homens, principalmente homens de idade inferior a 40 anos. At as ltimas fases da guerra a vantagem ficou fortemente do lado da defensiva, no obstante as principais teorias militares, tanto na Alemanha como na Frana, favorecerem uma estratgia ofensiva. A razo principal para a guerra de desgaste era a metralhadora. Contra ela, a infantaria armada de rifles, baio: netas e granadas somente podia avanar depois de longas e custosas preparaes por meio do fogo da artilharia pesada. Assim sendo, cada lado meteu-se em trincheiras defendidas com emaranhados de arame farpado e metralhadoras, e somente _____________ '" Dessas, menos de metade ocorreu realmente em combate. O resto deuse principalmente devido a doenas, incluindo cerca de 25.000 soldados que morreram na grande epidemia de gripe. O Reino Unido perdeu 744.000 e o resto da Comunidade cerca de 202.000. A Frana e suas colnias perderam quase 1.400.000 homens: a Alemanha 1.K35.000 e a ustria Hungria quase 1.500.000. 64 PEQUENA HISTRIA DO MUNDO CONTEMPORNEO

podia ser desalojado depois de preparaes muito longas, e com pesadas perdas de vidas. Em Ypres, em abril de 1915, os alemes utilizaram gs venenoso como auxiliar do fogo da artilharia, na preparao para o ataque. O gs no se mostrou decisivo, mas, a partir da, ambos os lados passaram a us-lo, at o fim da guerra. A Batalha do Somme, no vero de 1916, ilustra o problema. Os Aliados concentraram 2.000 canhes pesados por trs de uma frente de 15 km, e bombardearam continuamente as trincheiras inimigas, durante uma semana. No primeiro dia do ataque, os ingleses perderam 60.000 homens. Depois de um ms, tinham avanado apenas quatro quilmetros. Na batalha toda, os alemes perderam 500.000 homens, os ingleses e os franceses 600.000. Cada avano encontraria o inimigo entrincheirado dois ou trs km mais atrs, e todo o processo de bombardeio preparatrio tinha que comear novamente. Assim, as grandes ofensivas consumiam muito tempo na preparao, e normalmente resultavam em pequenos ganhos territoriais. Mas, para manter essas linhas de defesa e, ainda mais, para montar ataques to custosos, eram necessrios milhes de homens. O emprego de exrcitos inteiros, em massa, como aretes, foi a mais engenhosa forma de fazer a guerra que a arte dos generais de ambos os lados pde imaginar. Raramente resultou no rompimento da linha de defesa, na melhor das hipteses pressionando-a para poucos quilmetros mais atrs.

Somente duas armas podiam arrebatar a vantagem de que gozava a defensiva. Uma era o tanque e a coluna motorizada. Os ingleses tinham inventado o tanque, usando-o experimentalmente na Batalha do Somme, mas a mentalidade militar foi lenta em perceber suas possibilidades, e seu papel no foi decisivo. A outra era o emprego da aviao para os bombardeios, o que somente foi adotado na fase final da guerra. Entretanto, talvez nenhuma das grandes batalhas da frente ocidental, entre a primeira Batalha do Marjie, em setembro de 1914, que frustrou o Plano Schlieffen, e a ltima Batalha do Marne, no vero de 1918, que conseguiu realizar um rompimento, pudesse ser considerada realmente decisiva. A maioria delas no trouxe proveitos, porque os avanos e os ganhos estavam fora de qualquer proporo com os custos. Em 1916, os franceses contiveram A PRIMEIRA 65 GUERRA MUNDIAL

o ataque alemo em Verdun a um custo de cerca de um tero de milho de homens, para cada lado. Em 1917, os ingleses, na Batalha de Passchendaele, avanaram oito quilmetros nas proximidades de Ypres, a um custo de 400.000 homens. At 1918, os nicos lucros de qualquer grande batalha no oeste foram os negativos, embora importantes, que consistiam em simplesmente frustrar e deter o inimigo. Da a ironia e o paradoxo de que o chamado impasse e guerra de desgaste no oeste tenham consumido homens como carne para canho em um ritmo amplamente superior ao de qualquer outra guerra na histria. Os franceses calcularam que, entre agosto de 1914 e fevereiro de 1917, um francs foi morto em cada minuto. A guerra de mais movimento da frente oriental no foi menos custosa em vidas humanas, muito embora as razes para isso fossem ali algo diferentes. No somente era a frente demasiado extensa para ser mantida por meio de trincheiras defensivas como tambm os russos sofriam de falta de metralhadoras e de artilharia. Os alemes, com organizao e armamento superiores, podiam, dessa maneira, realizar avanos dramticos. Mas as grandes vantagens da Rssia eram o espao e vastos recursos em potencial humano, que ela podia permitirse esbanjar despreocupadamente, sem incorrer no perigo da derrota. Somente em 1915, perdeu dois milhes de homens, mortos, feridos ou aprisionados, e os alemes penetraram bem no interior da Litunia e da Rssia Branca. Em 1916, ela perdeu outro milho. Mas os exrcitos russos ainda mantinham o terreno, e recusavam-se a fazer um armistcio. A absoro de exrcitos alemes inteiros no leste, a despeito da capacidade dos alemes para o transporte rpido de homens e suprimentos, de uma frente para a outra, era inevitavelmente uma grande vantagem para os Aliados ocidentais. Seu objetivo era, naturalmente, manter a Rssia na guerra a todo custo e, para consegui-lo, prontificaram-se a prometer-lhe concesses a expensas da Turquia, depois da guerra, bem como a ajud-la a financiar

seu esforo de guerra de todas as maneiras possveis. Obtiveram sucesso em um grau extraordinrio, nessa poltica. Em 1917, quando o czar foi derrubado, sendo estabelecido um novo governo provisrio, este manreve a Rssia na guerra. Foi 66 PEQUENA HISTORIA DO MUNDO CONTEMPORNEO

somente depois da Revoluo Bolchevista que Trotsky foi enviado para negociar a paz com os alemes a qual foi assinada em Brest-Litovsk a 3 de maro de 1918. As nacionalidades incorporadas parte ocidental da Rssia ja tinham com o encorajamento alemo, proclamado suas reivindicaes de independncia e, pelo Tratado os bolchevistas concordaram em perder a Finlndia, a Polnia russa, a Ucrnia e as trs reas blticas da Litunia, Letnia e a EStnia. Muito embora a Alemanha ainda tivesse quemanter algumas foras no leste Para fazer cumprir o Tratado estava agora livre da Guerra em duas frentes e podia deslocar exrcitos inteiros para a frente ocidental. Obteve tambm suprimentos adicionais da Ucrnia, que a ajudaram a sobreviver ao bloqueio. Mas essas vantagens vieram muito tarde para pntrabalanar os reforos americanos, obtidos pelo lado contrrio 10 Por outro lado, elas foram em Parte anuladas Pelo colapso de todos os principais aliados da Alemanha. At 1917 tanto a Turquia como a Austria-Hungria estavam agentando firmes e at obtendo vitrias. Os turcos reforados por oficiais alemes, tinham mantido os Dardanelos com sucesso, contra ataques terrestres e navais dos ingleses e franceses em 1915. Em 1916 a Srvia e a Romenia que recente e inoportunamente havia entrado na guerra foram aniqiladas pela Alemanha e pela Austria-Hungria e em 1917 os italianos foram desbaratados em Caporetto. Mas, dentro de ambos esses imprios, os aliados tinham conseguido mobilizar as nacionalidades prontas para insurgirem-se, e as tenses internas eram muito fortes. Estavam preparadas para separarem-se logo que a derrota parecesse iminente, o que constitua motivo de permanente ansiedade para a Alemanha. Por essas razes, quando chegou o fim, veio de maneira rPida e catastrfica. Exatamente como nenhuma potncia tinha planos preparados para uma guerra de longa durao em 1914, assim tambm nenhuma delas esperava seu fim to repentino em 1918. A paz apanhou os estadistas ainda mais despreparados do que a guerra o tinha feito em 1914. A guerra no oeste terminou' como tinha comeado, com uma momentosa deciso do alto Comando Alemo. Em cada A 67 um dos anos que durou a guerra, eles tinham elaborado um plano destinado a lev-la a um fim rpido e decisivo. O Plano Schlieffen, conforme executado por Moltke em 1914, tinha como objetivo o envolvimento do norte da Frana e de Paris em um golpe arrasador. Falhou porque ele tinha sido compelido a deslocar algumas foras PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

para oeste, enfraquecendo o golpe, e porque a Fora Expedicionria Britnica e os franceses o apararam. Os esforos de Hindemburgo em 1915, para aniquilar a Rssia, foram igualmente frustrados. O ataque a Verdun, destinado a "ferir de morte a Frana", tinha sido contido- por Ptain. A campanha submarina de 1917 tinha conseguido inicialmente um sucesso quase completo, mas foi frustrada por efetivas medidas contra os submarinos e pela ajuda americana. O Plano Ludendorff de 1918, para forar uma cunha entre as foras inglesas e francesas, foi anulado pelo comando unificado de Foch e pela chegada de poderosos reforos e de suprimentos dos ingleses e dos americanos. Agora, no outono de 1918, com a Alemanha extenuada ao mximo, seus aliados rendendo-se e as tropas americanas desembarcando na Europa a uma mdia de 250.000 por ms, o Alto Comando Alemo notificou seu governo de que no poderia vencer a guerra, e recomendou que a Alemanha solicitasse armistcio. O General Ludendorff insistiu em que deveria ser formado um governo democrtico especialmente para esse propsito, acompanhado por reformas constitucionais que garantissem que a responsabilidade pela aceitao dos termos da derrota no recasse sobre os ombros do Exrcito e da aristocracia, que a tinha provocado. Enquanto isso, o Presidente Wilson, por razes inteiramente contrrias, insistia em que, a paz deveria ser feita somente com uma Alemanha mais democrtica. O Prncipe Max de Baden, umiberal, encabeou uma coalizo que inclua os socialistas. Em face de um motim ocorrido em Kiel a 3 de novembro e de uma greve geral a 9, o Kaiser Guilherme II abdicou. A Alemanha foi transformada em uma repblica, e dois dias mais tarde a 11 de novembro - foi assinado o armistcio. O Alto Comando transformou a derrota nacional em uma vitria para si mesmo. A guerra terminou com os exrcitos alemes dentro do territrio francs e nenhuma fora 68 PEQUENA HISTRIA DO MUNDO CONTEMPORNEO

inimiga sobre solo alemo, permitindo assim que fosse criado o mito de que o Exrcito no tinha sido derrotado. Ficou para a nova repblica democrtica a responsabilidade pela assinatura do armistcio e aceitao dos termos de paz. A casta militar, que tinha feito da Prssia o ncleo central do Reich alemo, permaneceu intacta para lutar em outra ocasio. At o Kaiser, que logo depois seria acusado como criminoso de guerra, viveu tranqilamente na Holanda neutra at 1942. Tal foi a revoluo alem de 1918, da qual nasceu a repblica parlamentarista de Weimar. Entrementes, antes que a prometida conferncia de paz pudesse reunirse em Paris, muitas outras naes tinham-se encarregado do seu prprio destino. Em outubro de 1918 os Aliados tinham reconhecido as vrias comisses nacionais que representavam os grupos nacionais do Imprio Austro-Hngaro. A 13 de novembro, o ltimo imperador Habsburgo partiu para o exlio. A ustria e a Hungria tornaram-se duas repblicas distintas. Apareceram no mapa os novos Estados da TchecoEslovquia, sob a liderana dos tchecos, a Iugoslvia, sob a liderana dos srvios, uma Polnia ressuscitada e uma Romnia aumentada. Seus governos e suas fronteiras permaneciam indefinidos

em seus detalhes, mas os apelos para serem constitudos e reconhecidos como novos Estados nacionais eram agora irresistveis. No Oriente Prximo, um grupo de Estados rabes emergiu igualmente dos destroos do Imprio Turco. A luta continuou na Turquia por muito tempo aps o armistcio da Alemanha, porque os gregos invadiram a Anatlia, apoiados pelos ingleses e franceses. A resistncia turca foi organizada por Mustaf Kemal que, por volta de 1923, com alguma ajuda do novo governo sovitico da Rssia, expulsou os gregos e os Aliados da pennsula de Anatlia. Foi proclamada em 1923 uma nova Repblica Turca, sob o regime forte de Kemal. Um vasto cordo de novos Estados foi criado, desde as praias orientais do Bltico at o golfo Prsico. Os antigos imprios tinham-se fragmentado, deixando entre a Europa e a sia uma rea de novas nacionalidades inquietas, ainda alimentando ressentimentos umas contra as outras, e buscando o apoio de uma ou outra das grandes potncias. Na perspectiva mais A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL 69

afastada da histria, essa foi talvez a modificao isolada mais momentosa produzida na Europa pela guerra. Ela se tornou possvel pelo fato extraordinrio de que tanto a Rssia como a Alemanha foram derrotadas, criando ao longo dos territrios de fronteira o que tem tido chamado de um "vcuo de poder". A sorte dos Estados mediterrnicos, como a Polnia, situada entre dois vizinhos poderosos, como a Alemanha e a Rssia, tinha dependido normalmente dos termos de suas relaes com um ou outro de seus vizinhos mais fortes. Desaparecendo ambas as presses simultaneamente, tais Estados estavam em condies de reivindicar sua completa independncia Je ambas, muito embora dependendo inevitavelmente das potncias ocidentais, particularmente da Frana, como fonte de apoio externo. A Frana, ansiosa para encontrar aliados no leste, fosse como uma proteo contra a expanso do bolchevismo para o ocidente, fosse como uma arma contra o ressurgimento alemo, estava disposta a fazer o papel de patrocinadora dos novos Estados. At este ponto, estava pronta a secundar o princpio defendido por Woodrow Wilson, relativo autodeterminao, no que se aplicava Europa oriental. Assim sendo, surgiu um acordo de fronteiras territoriais e um sistema de alianas diplomticas, ambos repousando na pressuposio de que aquele vcuo de poder no leste podia ser preservado, ou de que pelo menos podia ser adequadamente preenchido pelos novos Estados. Qualquer recuperao., do poder militar ou econmico, tanto da Alemanha como da Rssia, estava destinada a enfrentar esse dispositivo. Finalmente, ambas as potncias recuperaram seu poderio por volta de 1936, seguindo-se inevitavelmente uma srie de crises europias, que resultaram em uma segunda guerra mundial, quando a Alemanha e a Rssia aliaram-se para repartir a Polnia. Nesse sentido e em outros, as sementes da segunda guerra mundial estavam presentes no clmax da primeira.

O deslocamento do poder no Pacfico por volta de 1918 devia mostrar-se quase igualmente significativo. O Japo, como j mencionamos, apoderou-se, no primeiro ano da guerra, das concesses alems na China e das ilhas alems do Pacfico - as Carolinas. Em 1915, imps China a maior parte das suas 70 PEQUENA HISTORIA DO MUNDO CONTEMPORNEO

Vinte e Uma Exigncias, o que lhe deu um extenso grau de controle sobre o norte da China e a Mancharia do Sul. Prosperou com a conquista dos antigos mercados europeus da sia e da Amrica do Sul, transportando grande parte do comrcio da sia em seus navios. Tambm no Pacfico, com uma China enfraquecida, uma Rssia derrotada, e os Estados Unidos e a Comunidade Britnica preocupados, houve um vcuo de poder temporrio, que o Japo estava melhor equipado e tinha maior ambio para preencher. Os acordos firmados na Conferncia de Washington de 1921 adiaram o conflito por dez anos, ao fixarem a paridade naval entre a Comunidade e os Estados Unidos, estabelecendo a fora do Japo em 60% dos ndices ingleses e americanos em navios de primeira linha. Por algum tempo, parecia ter sido restabelecido o equilbrio de poder no Pacfico, vigorante antes da guerra. Mas aqui tambm o legado da guerra, que os construtores da paz pouco podiam fazer para modificar, continha as condies do futuro conflito. O servio de Marte tinha sido estabelecido em contratos aongo prazo. 3. As Decises do Ps-Guerra

Os representantes das "potncias aliadas ou beligerantes associados" reuniram-se em Paris em janeiro de 1919 para estabelecerem as condies de paz. Estavam representados no somente os principais aliados e os Estados de sucesso como tambm todas as potncias que haviam rompido relaes com as potncias inimigas, nas fases finais. Essas eram a Bolvia, o Equador, o Peru e o Uruguai. A China e o Sio, tendo declarado guerra no ltimo momento, foram includos entre os beligerantes aliados. Os antigos Estados inimigos foram excludos, e dessa maneira todos os tratados foram ditados e no negociados, exceto o de Lausanne, firmado com a Turquia em 1923. A conduo e as linhas principais das decises foram determinadas pelos "Trs Grandes" - Presidente Wilson, dos Estados Unidos, Georges Clemenceau, da Frana, e David Lloyd George, Primeiro-Ministro da Gr-Bretanha. O Japo e a Itlia A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL 71

foram includos inicialmente no crculo interior das potncias principais, masogo se retiraram. Os principais objetivos de Wilson eram assegurar a aplicao dos princpios gerais que tinha enunciado como necessrios para uma paz justa, e fundar a Liga das Naes. Visando a obter a anuncia geral para a fundao da Liga, foi compelido a aceitar solues de acordos e transigncias na aplicao dos seus princpios gerais aos convnios territoriais, e consolou-se com a reflexo de

que partes dos convnios territoriais e polticos que lhe desagradavam podiam ser aperfeioadas com o tempo, dispondo de mais vagar, atravs do trabalho da Liga como entidade de conciliao e de modificaes pacficas. Na prtica, as decises constituram uma srie de barganhas e de acordos entre os desejos elevados, mas freqentemente pouco realistas de Wilson, as exigncias nacionalistas e intensamente realistas de Clemenceau e os objetivos algo instveis e oportunistas de Lloyd George. O convnio, e principalmente a parte dele includa no Tratado de Versalhes firmado com a Alemanha, tem sido freqentemente criticado por constituir uma colcha de retalhos de propsitos conflitantes. Entretanto, no era necessariamente o pior que poderia ter sido feito. Para que mais serviria uma conferncia internacional to numerosa, se no para encontrar o maior grau de entendimento comum entre Estados cujos objetivos e interesses conflitavam de tantas maneiras? Os princpios gerais de Wilson, se tivessem sido aplicados consistentemente, teriam provocado resultados desastrosos e muitas vezes absurdos; entretanto, seu enorme prestgio pessoal e sua persistncia tiveram sucesso em infundir uma viso mais' ampla e mais duradoura s decises. As exigncias exageradas de Clemenceau e de Lloyd George, se no tivessem sido moderadas, teriam resultado em uma paz cartaginesa; entretanto, serviram para lembrar a Wilson as srdidas realidades da poltica europia. Uma crtica mais sria que as decises foram no somente uma colcha de retalhos, mas foram tambm severas, nos pontos errados, e brandas, nos casos inadequados. At onde vlida essa crtica, pode ser melhor ajuizado pelas principais decises tomadas, e pelo grau de permanncia que as caracterizou. 72 PEQUENA HISTRIA IX) MUNDO CONTEMPORNEO

A independncia da Blgica foi restabelecida, e as provncias da Alscia e da Lorena foram restitudas Frana, da qual a Alemanha as tinha tomado em 1871. Isto foi inegavelmente justo. A Frana tambm ganhou a posse dos campos carbonferos do Sarre, devendo a rea ser administrada durante quinze anos por uma Comisso da Liga das Naes. Em 1935, depois do plebiscito que havia sido prescrito, a regio retornou Alemanha. Ainda aqui, esse convnio funcionou razoavelmente bem. A Rennia devia permanecer sob ocupao aliada durante vinte anos, como garantia do cumprimento do Tratado por parte da Alemanha. Esta foi uma soluo conciliatria e, do ponto de vista da Frana, inteiramente insatisfatria. Clemenceau, instado por Foch, pleiteou o controle, por tempo indefinido, das cabeas-de-ponte do Reno, como uma garantia militar para a segurana da Frana. Os Estados Unidos e a Inglaterra recusaram-se a concordar e persuadiram a Frana a aceitar, em vez disso, uma garantia conjunta anglo-americana de apoiar a Frana imediatamente, se ela viesse a ser de novo atacada pela Alemanha. Mas, quando o Tratado no foi ratificado pelo Senado

americano, essa garantia ficou perempta, no que tocava aos Estados Unidos, e a Inglaterra proclamou ento que o fato invalidava sua parte na barganha. Em conseqncia, a Frana sentiu que tinha sido enganada, trocando sua segurana material pelo que agora se.provava ser uma garantia diplomtica sem valor. Da sua busca febril de garantias mais firmes para sua segurana nacional, durante os anos que mediaram entre as duas guerras. A ocupao da Rennia por quinze anos resultou igualmente ilusria: significava que as foras aliadas seriam evacuadas justamente aps o Intervalo de tempo de que a Alemanha necessitava para reviver suas ambies e reaver sua fora militar. Pode certamente ser argumentado que as garantias materiais exigidas da Alemanha foram, a esse respeito, muito superficiais. Por outro lado, as tentativas para insistir na aceitao, por parte da Alemanha, da chamada Clusula de Culpabilidade da Guerra, foram inteiramente irrealistas. Um senso de responsabilidade moral no podia ser criado pela incluso de uma declarao, nesse sentido, em um documento que os represenA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL 73

tantes alemes foram compelidos a assinar; e a exigncia de reparao dos danos de guerra infligidos pelos exrcitos alemes, que ficou na dependncia dessa declarao, foi formulada em nmeros astronmicos, sem nenhuma considerao sria sobre como poderia ser economicamente possvel Alemanha pagar, ou aos Aliados receber, tais bens. No foram fixadas cifras para as reparaes, no Tratado, muito embora grandes reivindicaes tenham sido feitas pela Frana, Blgica e Inglaterra. Foi criada uma Comisso de Reparaes para fixar o total a ser exigido, e para dispor sobre os mtodos e as pocas de pagamento. Dessa maneira, as inevitveis dificuldades foram engavetadas, deixando que se tornassem uma fonte peridica de rancores, durante a dcada seguinte. Imediatamente, entretanto, outras formas de reparao foram exigidas. A Alemanha foi privada de todas as suas possesses coloniais e da maior parte de sua frota. Algumas fbricas e certos bens foram requisitados, assim como a maioria das propriedades dos cidados alemes no exterior. A frota foi quase toda posta a pique por suas prprias tripulaes em Scapa Flow. A conscrio militar na Alemanha foi proibida, e seu exrcito foiimitado a 100.000 homens. Foi proibida de ter artilharia pesada, aviao ou submarinos. De qualquer maneira, ela no poderia ter-se permitido a construo de tais armas durante alguns anos aps a guerra; quando pde faz-lo, havia muitas maneiras de burlar a vigilncia das comisses de desarmamento. Entrementes, uma vez que seu pequeno exrcito tinha -que ser recrutado entre voluntrios, que se tornariam profissionais, a fora da casta de oficiais foi preservada, o que lhe permitiu planejar a rpida expanso do seu poderio militar, logo que possvel. Toda essa srie de medidas punitivas e compensatrias foi mal engendrada e mostrou-se impraticvel. Serviram para consolidar o ressentimento nacional alemo, sem tomar quaisquer medidas de segurana a toda prova contra sua capacidade para expressar em ao o seu ressentimento.

O convnio na Europa oriental, incorporado nos outros quatro tratados esboados e concludos pela'conferncia, tratava principalmente do novo traado do mapa poltico, e da busca de alguma proteo para as minorias nacionais que, mesmo aps 74 PEQUENA HISTRIA DO MUNDO CONTEMPORNEO

os mais engenhosos traados de mapas, acabaram ficando do lado errado das fronteiras, e interminveis acordos refinamentos tiveram que ser aceitos na aplicao da doutrina de "autodeterminao nacional". O movimento eslavo do sul ficou amplamente satisfeito com o nascimento da Iugoslvia pela fuso da Srvia, Eslovnia e Crocia, muito embora a Itlia, conforme lhe havia sido prometido no tratado secreto de 1915, tivesse recebido Trieste e algumas ilhas dlmatas. A Polnia foi reconstituda como Estado independente, ganhando uma sada para o mar atravs do "Corredor Polons" de Posen alm da Prssia Ocidental. Essas reas continham minorias alems, e sua concesso Polnia teve o efeito de separar a Prssia Oriental do resto da Alemanha. A Romnia foi aumentada pelo acrscimo de antigos territrios russos e hngaros. A Grcia foi aumentada a expensas da Turquia. Uma nova repblica composta foi criada na Tcheco-Eslovquia, incluindo os tchecos, eslovacos, rutenos e sudetos alemes. As naes blticas da Finlndia, Letnia, Estnia e Litunia foram reconhecidas como Estados independentes. A ustria e a Hungria transformaram-se em pequenos Estados mediterrnicos separados. A Turquia veio a ser eventualmente um novo e forte Estado, sob a liderana de Mustaf Kemal, mas confinado a Constantinopla e sia Menor. A Sria e o Lbano foram confiados administrao francesa, sendo a Palestina, a Transjordnia e o Iraque confiados Inglaterra como territrios sob mandato. Isto significava que eram administrados por aqueles pases, que eram responsveis por eles perante a recentemente criada Comisso de Mandatos Permanentes da Liga das Naes. As antigas possesses coloniais alems foram distribudas em bases semelhantes, indo a frica Ocidental do Sul para a Unio Sul-Africana, sendo suas outras colnias africanas divididas entre a Inglaterra, a Frana, e a Blgica. As ilhas do Pacfico Norte foram entregues sotrrhandato ao Japo, cabendo Austrlia a Nova Guin Alem, e Nova Zelndia a Samoa Alem. A crtica quanto sabedoria dessas decises deve ser distinguida da que dirigida contra os arquitetos da paz em Paris. Houve muitos casos em que eles realmente no tiveram escolha. Antes de se terem reunido, j os novos Estados da A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL 75

Europa oriental tinham comeado a existir, e o mais que podia ser feito em Paris era assegurar que as novas fronteiras fossem razoveis. Igualmente, as potncias interessadas j estavam ocupando os territrios que agora lhes eram entregues sob mandato, e estipular as condies mediante as quais deviam administr-los era o

mximo que a conferncia podia fazer. No poderiam ter restaurado os imprios de antes da guerra, mesmo que o quisessem, pois eles se tinham desintegrado literalmente. Tambm no podem os negociadores da paz ser acusados pela continuao de grandes e turbulentas minorias nacionais na Europa oriental. Havia agora menor nmero de pessoas do que antes, vivendo sob o que sentiam ser um jugo estranho. A inovao era que agora os papis estavam normalmente invertidos, e eram os alemes e os hngaros que viviam como minorias sob o domnio polons, tcheco ou italiano. O benefcio da dvida devia ter sido mais freqentemente concedido s nacionalidades derrotadas, mas, por outro lado, muito pouco diferentemente podiam ter sido dispostas as coisas. A sistemtica transplantao de minorias para o outro lado das fronteiras foi acertadamente evitada, por trazer mais sofrimentos e dificuldades para uma rea j assolada pela guerra, muito embora alguns tenham migrado espontaneamente, e a fuga das minorias gregas da Turquia bem como a remoo das minorias turcas da Grcia, em 1923, tenham servido a esse propsito. Nada havia inerentemente injusto em deixar povos de diferentes nacionalidades vivendo dentro do mesmo Estado, desde que fossem tratados com justia pela maioria dominante daquele Estado. Os Estados de sucesso, como foram chamados os novos Estados criados, assinaram tratados com as potncias aliadas comprometendo-se a no sujeitarem as minorias nacionais a privaes. Entretanto, esse dispositivo bem intencionado, que dava a uma minoria oprimida o direito de petio contra seu governo a uma autoridade externa, que tinha poucos meios sua disposio para proteg-los, no mostrou ser uma boa maneira de conciliar os grupos existentes dentro de um Estado multinacional. A maior parte dos ataques contra o que foi resolvido, durante vinte anos seguintes, originou-se da disparidade 76 PEQUENA HISTRIA DO MUNDO CONTEMPORNEO os

existente entre as esperanas excessivas que os homens tinham depositado nas solues e o emaranhado de compromissos pouco inspirados. Entretanto, esses compromissos surgiam inevitavelmente em qualquer tentativa para aplicar os princpios racionais ou morais aos fragmentados territrios da Europa. A justia em tais casos no podia ser mais do que relativa, muito embora a disposio dos homens fosse perfeccionista. Era simplesmente impossvel satisfazer as necessidades da Polnia relativas a uma sada para o Bltico ao longo do Vstula e, ao mesmo tempo, a pretenso dos alemes de que a Prssia Oriental no ficasse territorialmente separada da Alemanha. No havia soluo imparcial satisfatria para as reivindicaes rivais dos judeus e dos rabes na Palestina. Era humanamente impossvel dissociar o problema das minorias da poltica balcnica. Tais conflitos de interesses nacionais tm sido sempre resolvidos, afinal, pelo uso da fora ou por um longo processo de acomodao e cura, o que acaba fazendo-os perder a importncia. No podiam ser resolvidos em termos de justia absoluta, em uma nica conferncia de paz. Entretanto, era justamente

isso que tantos esperavam que conseguissem os negociadores da paz em Paris. Considerando-se as paixes levantadas por mais de quatro anos de guerra, a prpria intratabilidade dos problemas e as conseqncias imprevisveis que esperavam no futuro, os responsveis pelas decises obtiveram mais do que poderia parecer provvel quando se reuniram pela primeira vez. 4. As Repercusses Sociais

A mais importante conseqncia isolada da guerra sobre a sociedade foi um fortalecimento das paixes e dos sentimentos de nacionalismo, dos quais os princpios de autodeterminao nacional aplicados nos acordos foram apenas um reflexo. As mobilizaes de massas e as perdas, as violentas paixes levantadas pelo massacre de dez milhes de homens, a prolongada tenso de um esforo de guerra demorado, a partilha das mgoas na adversidade, e do triunfo na vitria, tudo conspirou para A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL 77

atormentar os espritos dos homens com o orgulho nacionalista e o fervor patritico. Em cada pas, o inimigo era apresentado como bestial, inescrupuloso e completamente dominado pelo dio. Desde o princpio, o nacionalismo mostrou ser uma fora muito mais pondervel do que o socialismo. As teses marxistas de que os trabalhadores de todos os pases nada tinham a perder, salvo seus grilhes econmicos, e de que as guerras eram guerras capitalistas, nas quais os trabalhadores no deviam tomar parte, foram completamente abandonadas por todos salvo alguns revolucionrios extremados. Em todos os pases, durante o ano de 1914, os partidos socialistas apoiaram nos parlamentos os seus governos nacionais e votaram a favor da mobilizao e dos crditos de guerra. A guerra, a no ser mais tarde na Rssia, no foi paralisada por greves e por sabotagens pacifistas. Apenas uns poucos socialistas ou pacifistas resistiram individualmente ao esforo de guerra, mas o socialismo em sua maior parte tornou-se um nacional-socialismo e Essa aliana dos dois movimentos mais fortes do mundo moderno, sob vrias outras formas, devia perdurar por todos os anos subseqentes. O triunfo do grupo extremista na Rssia, em 1917, alargou e perpetuou a diviso dentro das fileiras socialistas. Os socialistas parlamentares no podiam aceitar os mtodos brutais do bolchevismo, muito embora tivessem sustentado a tese da guerra de classes do marxismo. Assim sendo, comunismo e socialismo separaram-se, se bem que fossem necessrios alguns acontecimentos na dcada seguinte para esclarecer e alargar a divergncia. O fortalecimento do nacionalismo e da espcie nacionalista do socialismo foi acompanhado pelo que poderia ser chamado de nacionalizao do capitalismo. Cada governo teve de assumir um alto grau de controle e de direo sobre o conjunto da vida econmica de seu pas. O comrcio exterior e o investimento de capitais estrangeiros tinham que ser controlados, a produo agrcola e industrial tinha de ser planejada ou dirigida, para __________

O smbolo da futura diviso foi o "programa Zimmerwald" de 1915, quando os grupos minoritrios socialistas de todas as naes, contrrios guerra, reuniram-se e formularam exigncias de uma paz Imediata, sem aneiacOe" r scni indenizaes. Ldnln esteve especialmente ativo nesse movimento, que foi o embriSo do futuro Comintern. 78 PEQUENA HISTORIA DO MUNDO CONTEMPORNEO

satisfazer as demandas de suprimentos para a mobilizao e para a guerra. A produo para uso civil e de artigos noessenciais tinha que ser limitada, suprimentos de matrias-primas tinham que ser garantidos e o potencial humano (incluindo cada vez mais as mulheres) de cada nao tinha que ser dirigido. Os capitalistas que exploravam as necessidades ou que obtinhamucros exagerados com os contratos de guerra tornaram-se implacavelmente odiados como "aproveitadores", e a taxao sempre crescente tendia a nivelar as rendas e a colocar um novo e imenso poder nas mos dos governantes. Mecanismos para atingir todos esses propsitos, bem como para racionar os alimentos e controlar os preos, foram estabelecidos por todos os Estados. Isso acarretou novos problemas de administrao, de burocracia e de gerncia. Devido ao fato de terem os Estados Unidos entrado mais tarde na guerra, e porque sua economia em expanso tornou esse processo menos necessrio, o mesmo se desenvolveu ali muito menos do que nos pases europeus, mas, ainda assim, progrediu um pouco. Suas relaes com a Europa foram tambm revolucionadas pela guerra. Cidados e companhias ingleses e franceses, assim como outros europeus, tinham mantido grandes investimentos nos Estados Unidos. Em 1914, esses investimentos montavam a 800 milhes de libras. Durante a guerra, os governos apossaram-se deles, vendendo-os Amrica do Norte para comprar suprimentos, compensando seus proprietrios em libras ou francos e, alm disso, os pases europeus levantaram vastos emprstimos de guerra naquele pas. Em conseqncia, os Estados Unidos emergiram da guerra como o maior credor mundial, ao qual os pases europeus deviam quase 2.000 milhes de libras. O pagamento desses dbitos de guerra devia tornarse um problema espinhoso, durante a dcada seguinte. As convulses sociais causadas pela guerra foram enormes. O equilbrio normal entre os grupos de idades e de sexos, no seio da populao, foi alterado, por ter sido destruda a vida de famlia durante a mobilizao, por terem morrido milhes de homens jovens, e porque a taxa de nascimentos caiu rapidamente, para subir de maneira igual, aps o trmino da guerra. As mulheres, trabalhando patrioticamente nas fbricas

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PRIMEIRA''GUERRA

MUNDIAL

e nos servios de guerra, entraram no mercado de trabalho em escala desconhecida anteriormente. Encontrando, por esse meio, base econmica para sua maior independncia, muitas permaneceram trabalhando. O papel desempenhado por elas no esforo de guerra, especialmente na Gr-Bretanha, tornou irresistveis suas exigncias de direito ao voto, aps a guerra. Por todo o mundo, a modificao da situao da mulher na comunidade uma das revolues mais silenciosas e mais desapercebidas dos tempos modernos. Saindo de uma subservincia legal e social, no seu pior aspecto, e da dependncia econmica e poltica, no seu melhor aspecto, as mulheres conquistaram, em pas aps outro, uma posio de maior igualdade com os homens. Essa revoluo estendeu-se at sia, e provvel que finalmente venha a afetar a frica. Em todo o processo, na Inglaterra e na Europa ocidental, a guerra desempenhou uma parte importante. Seguiram-se outras repercusses sociais de maior alcance, motivadas pela inflao de preos do psguerra e pela carga imposta pela pesada taxao. Todos aqueles cujos meios de vida dependiam de rendas fixas provenientes de investimentos, penses ou economias, ou cujos salrios em dinheiro no podiam ser aumentados com facilidade, sofreram um declnio em seus padres de vida. As tenses e as dificuldades, a histeria e a exausto da guerra deixaram as naes emocionalmente extenuadas e desequilibradas para preocuparem-se com suas conseqncias. Acima de tudo, as relaes econmicas entre a Europa e os outros continentes foram revolucionadas. No mundo de antes da guerra, todos os pases adiantados da Europa importavam, pagando a diferena com os juros dos seus investimentos no estrangeiro, com os fretes martimos ou outras servios. Seu alto padro de vida dependia disso. Agora, para pagar seus dbitos de guerra e recuperar seus mercados externos em um perodo de preos em elevao, os pases da Europa tinham de tentar exportar mais do que importavam. Seus padres de vida sofreram correspondentemente. No mundo de antes da guerra, conforme foi esboado acima, a produo industrial estava centralizada na Europa, e o grosso de suas importaes dos outros continentes era constitudo de matrias-primas e de 80 PEQUENA HISTORIA DO M V X DO CONTEMPORNEO

alimentos. Os pases no-europeus dependiam geralmente das exportaes da Europa para obteno de seus produtos acabados, do mesmo modo que dependiam de seus investimentos para obteno de capital, e de seus emigrantes para obteno dos seus tcnicos especializados. Essa interdependncia orgnica, envolvendo uma posio privilegiada dos pases europeus em face dos demais, tinha sido parcialmente minada por volta de 1914, mas a rpida expanso industrial dos Estados Unidos, dos Domnios, do Japo e de alguns pases da Amrica do Sul, para satisfazer as insaciveis darnandas de suprimentos em tempo de guerra, retiraram para sempre a posio industrial privilegiada da Europa. As naes de alm-mar juntavam-se agora s fileiras de exportadores

internacionais de bens manufaturados, ou estavam aptas a satisfazer uma proporo mais elevada de suas prprias necessidades domsticas. Novas relaes comerciais tinham sido estabelecidas, as quais deixaram de fora as naes europias. Os Estados Unidos comerciavam mais diretamente com a Amrica do Sul e com o Extremo Oriente. O Japo comerciava mais diretamente com a Amrica do Sul, com a Australsia e com a ndia. A Europa ainda era um dos maiores centros industriais do mundo, mas no mais constitua o foco da produo industrial. Durante as duas dcadas que se seguiram, ela conseguiu, at certo ponto, recuperar sua posio no mundo, mas nunca pde recuperar as alturas privilegiadas de 1914. Assim como o equilbrio de vantagens econmicas se tinha alterado antes de 1914, entre as potncias europias, assim tambm agora se alterava esse equilbrio entre os continentes, e todas as potncias da Europa sofreram um declnio relativo em sua importncia mundial. Essas modificaes e seu carter revolucionrio no foram inteiramente percebidos em 1919. Os problemas prticos, mais imediatos, de recuperao das devastaes e dos deslocamentos da guerra eram demasiado urgentes. Mas trs coisas ocupavam principalmente os espritos dos homens naquele tempo. A primeira era o triunfo-da democracia. As velhas dinastias foram derrubadas aps a derrota e o colapso, enquanto os Estados A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL 81

democrticos ocidentais sobreviveram na vitria. Mais ainda, os novos Estados, com muito poucas excees, adotaram constituies altamente democrticas, at a Alemanha. O mundo parecia realmente ter adquirido condies seguras para a prtica da democracia. Isto era mais evidente e parecia mais importante do que os triunfos do nacionalismo. Em segundo lugar, havia a Liga das Naes e seus acompanhamentos - a Alta Corte de Justia Internacional de Haia, a Organizao Internacional do Trabalho, a Comisso dos Mandatos Permanentes, a Comisso das Minorias. Nelas estavam depositadas as esperanas do futuro, para uma ordem internacional mais racional e mais pacfica, o remdio para a chamada "anarquia internacional" de 1914 que, como muitos acreditavam, havia produzido a guerra. Na Assemblia da Liga e em seu Conselho, representando a extenso lgica dos princpios liberaldemocrticos organizao internacional, as naes do mundo podiam reunir-se e remover os obstculos s suas boas relaes e prosperidade, que tinham causado as guerras no passado. O Presidente Wilson obteve sucesso em incluir o Convnio da Liga no texto de todos os tratados, de tal maneira que ele foi amplamente impregnado no contexto do acordo de paz. Outros governos, especialmente o ingls e o francs, mantiveram-se inicialmente cticos, a respeito de seus mritos. Mas cada governo comeou a acreditar que poderia servir a alguns dos seus interesses nacionais atravs da Liga, e aprendeu a apoi-la e us-la. Foi um impacto tremendo quando o Senado dos Estados Unidos, recusando-se a ratificar os Tratados, impediu esse pas de entrar para a Liga. Seu

principal patrocinador havia desertado. Uma vez que a Assemblia representava os governos nacionais e que os Estados recm-criados a consideravam como parte do conjunto de solues a que deviam sua existncia oficial, ela provocou novas fontes de entusiasmo e de apoio. Durante a dcada seguinte, medida que os problemas de reconstruo do ps-guerra se faziam sentir pesadamente em todos os pases, certa mstica da Liga desenvolveu-se em toda a Europa ocidental. Parecia que era a nica tbua de salvao para um futuro mais cheio de esperanas. Entretanto, exatamente nesses anos, estava sendo minada por outras foras, ultranacionalistas e 82 PEQUENA HISTRIA DO MUNDO CONTEMPORNEO

com propsitos guerreiros, que afinal deviam destru-la. Em terceiro lugar, havia o bolchevismo. Esse fato causou talvez maior influncia nos espritos e nos receios dos homens em 1919 do que qualquer outro no mundo do ps-guerra. O cordo de novos Estados das fronteiras orientais foi recebido pelo oeste como uma barreira contra a expanso desse novo terror. Nisso, os que fizeram a paz em 1919 foram corretos em seu diagnstico, muito embora os remdios empregados fossem fteis. Ali estava, na verdade, o mais significativo fenmeno poltico do mundo do psguerra. A DCADA DO PS-GUERRA,: 1919-1929 1. O Cisma no Socialismo

DURANTE o LTIMO quarto do sculo XIX, os movimentos socialistas em todas as naes adiantadas confrontaram-se com uma deciso crucial. Deviam aderir estrita doutrina marxista, e assim tentar derrubar os Estados, substituindo-os por um novo Estado proletrio ? Ou deviam tentar conquistar o Estado existente, control-lo como um regime em funcionamento, e us-lo para obter as reformas socialistas ? Essa questo dividiu os movimentos socialistas na maioria dos pases em faces revolucionrias e faces participacionistas. Onde existissem amplas franquias, um sistema industrial bem desenvolvido e um forte movimento sindicalista, havia forte tendncia a procurar obter o poder por meios parlamentares e constitucionais. Isso acontecia, em geral, no Reino Unido, Frana, Alemanha e Escandinvia. Os socialistas que escolheram esse caminho ou tinham que procurar conquistar a maioria do eleitorado para sua causa ou aliar-se com outros partidos parlamentares para garantir sua participao no governo. Em ambos os casos, tinham que colocar diante do eleitorado no somente seus objetivos finais e sua doutrina bsica como tambm um programa imediato de reformas prticas, que pudessem ser obtidas dentro da estrutura social e econmica existente. Uma vez empenhados nos mtodos democrticos e constitucionais de procedimento, tendiam a tornar-se gradativamente mais democrticos, no temperamento e no comportamento. Nos pases

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84 PEQUENA

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DO

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em que as liberdades eram ainda reduzidas, como na Itlia de antes de 1913 e na Blgica e Holanda de antes de 1918, os socialistas prosseguiram usando a linguagem e os mtodos mais revolucionrios do marxismo, durante mais tempo que seus colegas da Inglaterra e da Frana. Mas o marxismo permaneceu mais significativo onde coexistia certo grau de industrializao com a ausncia de qualquer mecanismo atuante do governo constitucional, como foi o caso da Rssia, depois da falha evidente da Duma, em 1905. Havia, dessa maneira, uma estreita correlao entre os sucessos anteriores da liberal-democracia e o crescimento do socialismo parlamentar. A separao posterior entre a democracia social da Europa ocidental e o totalitarismo comunista da Europa oriental originou-se dessa correlao. A divergncia, que se apresentou claramente no Programa Zimmerwald de 1915, foi aprofundada pela vitoriosa Revoluo Bolchevista de 1917. O Partido Trabalhista Social Democrtico Russo tinha debatido em 1903 exatamente esse ponto. Lnin liderava a ala que sustentava que o partido devia ser revolucionrio, e que portanto devia ser rigidamente organizado em torno de um ncleo de revolucionrios de confiana, cuidadosamente escolhidos, que dirigissem as atividades do partido atravs de um pequeno comit central, no responsvel perante os membros ordinrios do partido. Essa ala ganhou a disputa contra a concepo mais democrtica da organizao d Partido, que o teria enfraquecido como um instrumento da revoluo. Em 1912, o partido dividiu-se sobre essa questo e o Partido Bolchevista Leninista passou a existir desde ento, pronto para aproveitar as oportunidades revolucionrias oferecidas pelas falhas do regime czarista. As razes da situao revolucionria na Rssia mergulham em seu sistema de governo altamente desptico, cruel e corrupto, sua vida econmica atrasada, e na fermentao, dessas condies, dos ideais derivados da Revoluo Francesa de 1789, bem como do marxismo. Os primeiros frutos dessa fermentao tinham sido admirveis. Neles estavam includos os romances de Tolstoy e Dostoievsky, a msica de Tchaikovsky e Korsnkov. A cultura russa, no final do sculo XIX Se A DCADA^ DO PS-GUERRA 85

fundido com a cultura europia mais completamente do que nunca e, ao mesmo tempo, os mtodos industriais ocidentais estavam penetrando na Rssia ocidental. Ferrovias, telgrafo, fbricas, investimentos estrangeiros, comrcio exterior, ligavam cada vez mais a Rssia ao resto da Europa. Em 1905, quando o Czar Nicolau II convocou

a Duma, parecia que o pas caminhava cada vez mais para os padres da civilizao ocidental. Durante a dcada seguinte, apresentou a aparncia de ser pelo menos uma monarquia semiconstitucional. Mas a Duma no dispunha de nenhum poder real, e o constitucionalismo liberal no deitou razes profundas em solo russo. Lnin provou ser o maior gnio revolucionrio do mundo moderno, e um dos maiores de todos os tempos. Combinou um notvel poder de anlise intelectual e uma f fantica na correo de suas concluses com um agudo senso das realidades polticas e da arte prtica de governar. Usou essa rara combinao de poderes para amalgamar seu partido em uma arma irresistvel de ao revolucionria. Atravs dele, desviou todo o desenvolvimento da Rssia para um novo canal, tornandoa gradativamente mais divergente do resto da Europa. Literalmente, modificou o curso da histria mundial. Entretanto, Lnin e o Partido Bolchevista pouco ou nada fizeram para provocar a revoluo na Rssia. A situao de 1917 originou-se de causas muito diferentes, como sejam a falncia do velho regime e o colapso do governo produzido por trs anos de guerra. A conduta vitoriosa da guerra moderna exige a solidariedade nacional e a autoconfiana, bem como a eficincia da direo governamental, nada do que a Rssia dos czares possua. Quando estourou a revoluo em maro de 1917, os lderes bolchevistas foram mais tomados de surpresa do que o prprio governo. Em sua maior parte, estavam exilados no exterior. Uma comisso de emergncia da Duma e um Soviete, recentemente criado, de Deputados dos Trabalhadores e dos Soldados em Petrogrado, estabeleceram um governo liberal provisrio, sob a chefia do Prncipe Lvov. Quando o czar foi compelido a abdicar, a 17 de maro, foi proclamada uma repblica. 86 PEQUENA HISTRIA DO MUNDO CONTEMPORNEO

O governo provisrio, partilhando de grande parte dos ideais polticos dos aliados ocidentais, e esperando estabelecer um regime constitucional democrtico na Rssia, continuou a guerra contra a Alemanha. Em abril, sabendo o governo alemo que os lderes bolchevistas eram favorveis ao estabelecimento da paz com a Alemanha, ofereceram-lhes uma passagem segura da Sua para a Rssia, atravs da Alemanha, em um trem fechado. Esse foi o segundo servio prestado pelo Alto Comando Alemo causa do bolchevismo; o primeiro tinha sido infligir perdas to pesadas Rssia. Agora, de volta Rssia, Lnin podia afiar sua arma revolucionria, deixando-a pronta para conquistar oportunamente o poder. O novo governo logo descobriu que no podia sustentar simultaneamente uma guerra e uma revoluo. Proclamou uma distribuio de terras aos camponeses. Os exrcitos russos simplesmente se dissolveram, quando os soldados-camponeses resolveram regressar a seus lares para estarem certos de obterem seu quinho de terras. A confuso e o caos administrativo j tinham avanado demasiado longe, para que a situao pudesse ser salva. Na noite de 6 de novembro, os bolchevistas

tomaram conta do poder. Seus principais agentes eram o Soviete de Petrogrado, unidades do exrcito e da marinha, e a prpria organizao partidria. A Revoluo Bolchevista, em seu esrgio inicial, foi um golpe de Estado em meio ao caos. Seu programa, formulado por Lnin, apresentava quatro pontos: terra para os camponeses; alimentos para os famintos; poder para os Sovietes; paz com a Alemanha. O primeiro j estava tendo lugar, e o ltimo foi logo cumprido, com o Tratado de Brest-Litovsk. O segundo e o terceiro foram alcanados juntos, no sentido de que os alimentos foram distribudos somente para os que estavam dispostos a garantir o poder para os Sovietes. Sovietes ou conselhos de trabalhadores disseminaram-se por todo o pas, especialmente nas fbricas e nas unidades do exrcito, sob os auspcios do partido. Dessa maneira, o poder foi de fato conquistado pelo partido altamente disciplinado e admiravelmente organizado que Lnih vinha forjando desde 1903. Seu poder foi imediatamente consolidado pela criao de duas outras organizaes: a "Comisso Extraordinria de A DCADA DO PS-GUERRA 87

Todas as Rssias para o Combate Contra-Rcvoluo, Especulao e Sabotagem", conhecida mais resumidamente como CHEKA, e subseqentemente OGPU, NKVD e MVD; e, um ms mais tarde, em janeiro de 1918, o Exrcito Vermelho foi fundado por Trotskv. Dessa maneira, os quatro principais rgos do sistema poltico bolchevista foram estabelecidos dentro dos trs primeiros meses. com esses quatro instrumentos - o partido (rebatizado em maro de 1918 como Partido Comunista), os Sovietes, a polcia secreta e o Exrcito Vermelho - Lnin prosseguiu erigindo a primeira das ditaduras totalitrias de partido nico do mundo moderno. Todas as fases subseqentes da revoluo da Rssia desenvolveram-se, do ponto de vista da histria mundial, em umn nica direo: visando fuso do comunismo com o nacionalismo. O perodo de interveno estrangeira, que continou at 1922, serviu para consolidar o poder do partido como governo nacional. Forjou o Exrcito Vermelho em uma fora combatente mais eficiente para a defesa nacional. Seu triunfo sobre as foras mistas de contra-revolucionrios e de contingentes ingleses, franceses, americanos e japoneses deixou o partido e seus instrumentos sem nenhuma oposio armada sria e organizada. Na frente interna, a CHEKAanou um reinado de terror, que excedeu de muito, em brutalidade e derramamento de sangue, o clssico reinado de terror na Frana, em 1793. Por meio da crueldade e do massacre, conseguiu destruir todos os elementos da reao "burguesa" e eliminou todos os rivais dos bolchevistas entre os outros movimentos revolucionrios. Por volta de 1922, o Partido Comunista de Lnin exercia uma ditadura completa e indisputada sobre toda a Rssia, at as fronteiras ocidentais fixadas pela Conferncia de Paris. O perodo da Nova Poltica Econmica de Lnin (1921-27) ajudou a cicatrizar algumas das feridas abertas por aes revolucionrias precipitadas. Em suas prprias

palavras, era a tcnica de dar "dois passos frente e um passo atrs" e, pela sua habilidade em controlar uma grande revoluo social em curso e deliberadamente dirigir seus rumos, mostrou quo 88 PEQUENA HISTORIA DO MUNDO CONTEMPORNEO completo era o domnio do partido sobre o curso do desenvolvimento russo. Os crticos dessa poltica, inclusive Trotsky, podiam apontar para o retorno aos hbitos burgueses, propriedade privada, classe dos "novos-ricos" e para as desiluses com respeito coletivizao. No obstante, o Estado ainda controlava todos os principais meios de produo. O sucessor de Lnin como secretrio do partido, o georgiano Jos Stalin, estava em condies de mostrar como se poderia passar agora para o planejamento de longo alcance. O triunfo de Stalin. que preferia a meta do "socialismo em um Estado nico", contra seus crticos trotskistas, que favoreciam o objetivo imediato da revoluo mundial "permanente", foi um triunfo do nacionalismo sobre o comunismo internacional. Trotsky foi exilado na Sibria e, depois de viver na Turquia, Frana e Mxico, foi assassinado em 1940. Seus seguidores caram em descrdito e foram expurgados do partido durante a dcada de 1930. Stalin prosseguiu, depois de 1928, com sua srie de Planos Qinqenais, destinados a equipar a Rssia com indstria pesada e melhores transportes, a mecanizar e a coletivizar a agricultura, e a desenvolver novas fontes de energia e as indstrias, alm dos Urais.17 O planejamento econmico detalhado no tinha sido visualizado em 1917 e, na verdade, uma vez que a doutrina marxista pressupunha que a estrutura econmica da sociedade determinava a estrutura poltica, o planejamento estatal da vida econmica tinha sido considerado a princpio como uma inverso do processo histrico normal. Mas, no governo de Stalin, isso se tornou e manteve-se como uma caracterstica permanente do governo comunista na Rssia. Seu efeito foi o de produzir em todo o territrio uma economia nacional altamente integrada e de moldar seus cidados em uma comunidade mais conscientemente unida do que jamais havia sido em toda a sua histria. Tomados em conjunto, os Planos constituram a revoluo industrial da Rssia. Em duas dcadas, permitiram obter o que tinha levado vrias dcadas para conseguir em outros pases. Em 1939, quatro quintos de sua produo industrial provinham __________ 17 O primeiro Plano Qinqenal foi lanado em 1928, o segundo em 1832, um terceiro foi "interrompido pela guerra, um quarto (1916-50) foi dedicado reconstruo do ps-guerra, e um quinto cobriu os anos de 1951-35. Um Plano Setenal foi elaborado para o perodo 1839-1)9. A DCADA DO PS-GUERRA 89

de fbricas construdas durante os dez anos anteriores. Como muitas dessas fbricas estavam situadas a leste dos Urais, os Planos levaram a industrializao moderna

bem para o interior do corao da sia. Abriram os vastos recursos minerais da sia central, dessa maneira acrescendo enormemente o estoque de riquezas mundiais disponveis. A Rssia, tanto econmica como politicamente, tornou-se mais uma parte da sia do que da Europa. Seu exemplo estimulou a demanda de outros povos asiticos, particularmente China e ndia, por uma industrializao semelhante. A transformao social efetuada entre os povos da Unio Sovitica foi incalculvel. Surgiu uma grande classe nova de burocratas, gerentes, engenheiros e tcnicos, que a Rssia nunca tinha conhecido antes. So eles os que gozam do maior prestgio social e das maiores vantagens. Ao mesmo tempo, devido mecanizao e ao desenvolvimento mais cientfico da agricultura, os Planos possibilitaram ao solo da Rssia manter uma populao grandemente aumentada, em um padro de vida mais alto. Muito embora em eficincia produtiva e em produo per capita a Rssia ainda esteja muito atrs dos Estados Unidos, foram essas tremendas modificaes em sua economia que fizeram dela, na metade do sculo XX, o, principal rival dos Estados Unidos como potncia mundial. A atitude das potncias europias relativamente a esse novo fenmeno passou por vrias fases na dcada de 1920. A princpio, a revoluo e o terror provocaram uma violenta reao de repulsa e de medo. A primeira potncia a firmar um acordo formal com a Rssia foi, bastante significativamente, a Alemanha Pelo Tratado de Rapallo de 1922, ambas essas potncias no ostracismo obtiveram vantagens. A Rssia obteve o reconhecimento diplomtico, manufaturas e ajuda" tcnica alems. A Alemanha ganhou um mercado e a oportunidade de manter em bom estado de treinamento seus oficiais e tcnicos, ajudando a Rssia. Foi a terceira vez que a Alemanha deu ajuda substancial e oportuna ao Partido Bolchevista. Gradualmente, durante a dcada seguinte, a Unio Sovitica realizou acordos comerciais com outros pases ocidentais e, em 1934, foi admitida como membro da Liga das Naes. Mas suas relaes com o Ocidente eram periodicamente perturbadas pelas atividades do 90 PEQUENA HISTRIA DO MUNDO CONTEMPORNEO Comintern, criado em maro de 1919, o qual, segundo insistiam os russos, no tinha carter oficial. Suas atividades em geral harmonizavam-se extraordinariamente bem com os propsitos da poltica exterior sovitica. Na verdade, ela seguia uma poltica dupla: para certos propsitos, operava sob o princpio de que sua tarefa era conseguir a implantao do comunismo primeiramente em um nico pas; para outros, aderia ao princpio de que a revoluo mundial devia continuar sendo a meta inevitvel do comunismo, de tal maneira que no fosse perdida nenhuma oportunidade para promover esse fim. Como veremos, o principal fruto dessa poltica da dcada de 1930 foi o crescimento dos movimentos fascistas e outros poderosos movimentos anticomunistas em grande parte dos pases ocidentais. Esses movimentos prosperaram antes que o comunismo tivesse ganho uma base firme nesses pases, de tal maneira que ele foi ali invariavelmente o perdedor.

Por volta de 1932, quando se completou o primeiro Plano Qinqenal, os principais efeitos da Revoluo Bolchevista, juntamente com os arranjos do ps-guerra, tinham sido os de empurrar a Rssia mais para fora da Europa e mais para dentro da sia. Tanto o credo marxista, que ela adotou, como os mtodos de industrializao que empregou, tinham-se originado na Europa ocidental, mas, na Rssia, produziram repercusses inteiramente novas. Uma poderosa e monoltica ditadura de partido, uma economia nacional planejada e altamente integrada, e um movimento dinmico dirigido para uma revoluo mundial, nada disso tinha acompanhado a industrializao em qualquer outro pas. O industrialismo na sia devia, da para a frente, estar ligado a foras polticas muito diferentes do industrialismo na Europa ou nos Estados Unidos. O feito mais importante da Revoluo Bolchevista para a histria mundial foi que ela estabeleceu o "socialismo em um pas", e ligou o comunismo russo. Foi significativo que o Partido Bolchevista estendesse seu poder sobre um territrio to vasto como a Rssia inteira, um sexto da superfcie das terras do planeta. As foras soviticas ocuparam o Azerbaj, a Armnia e a Gergia em 1920-21, e a Monglia em 1922. Mas no foi menos significativo que ali se interrompessem, at 1940, as A DCADA DO PS-GUERRA 91 expanses do poder sovitico. Na Letnia, falharam em 1919. No mesmo ano, um malogrado regime comunista na Hungria, encabeado por Bela Kun, foi derrubado dentro de seis meses. Tentativas comunistas para se apossarem do poder falharam na Alemanha em 1921 e 1923, na Bulgria em 1923, na China em 1927, e na Espanha durante o governo da Frente Poupular. O confinamento do regime comunista aos territrios russos, at depois de 1940, foi de extraordinria importncia, porque compeliu-o a adaptar-se para sobreviver em um nico pas, rodeado por Estados no-comunistas. Dessa maneira, tornou necessria uma aliana, e finalmente uma fuso, entre as foras e as idias do nacionalismo e do comunismo. Essa aliana foi elaborada e consolidada pelos resultados dos Planos Qinqenais, pelo culto de Stalin como um grande heri nacional russo, e pela experincia da resistncia nacional inquebrantvel invaso alem, depois de 1941. O seguinte regime comunista vitorioso, o da Iugoslvia, no foi estabelecido seno em 1944, e era ento to nacionalista em seu carter que desafiou as diretrizes do Kremlin. Enquanto isso, o socialismo democrtico, aumentando sua participao na vida parlamentar das naes da Europa ocidental, estava tambm adquirindo carter mais nacionalista. Por todo o mundo, depois de 1919, a ciso no socialismo se aprofundou, e cada ala do movimento tendia a fundir-se com as foras do nacionalismo.18

2.

A Organizao Internacional

A Conveno da Liga das Naes criou a organizao internacional mais prxima de um mbito verdadeiramente mundial at ento estabelecida. Mas jamais conseguiu ser universal, e isso mostrou ser um de seus defeitos fatais. Logo de incio, a Rssia foi excluda, bem como a Alemanha; os Estados Unidos se excluram espontaneamente. com trs das maiores potncias mundiais fora de seus quadros, a Liga ficou _________ 18 Ver mais adiante, no cap. IV, 2. A nica anlise boa, feita em escala mundial, das condies sociais que ajudaram ou dificultaram a atividade revolucionria dos comunistas encontra-se em H. SETOK-WATSON : The Pattern of Communistevoliition: An Historiral Analysis (lir,S). 92 PEQUENA HISTRIA DO MUNDO CONTEMPORNEO

fatalmente enfraquecida. Sua efetividade dependia agora, essencialmente, de uma parceria operante entre a Frana e a Comunidade Britnica. Em 1933, ela foi ainda mais enfraquecida pela retirada do Japo, muito embora, nesse meio tempo, a Alemanha tivesse sido admitida, em 1926. Na ocasio em que a Unio Sovitica foi admitida, em 1934, a Alemanha j a tinha deixado. Mesmo abstraindo da ausncia permanente dos Estados Unidos, no houve momento algum em que todas as grandes potncias europias dela participassem simultaneamente. Nunca foi uma organizao cem por cento mundial, a despeito da participao ocasional dos Estados Unidos em muitas das suas atividades de carter mais tcnico, e na Organizao Internacional do Trabalho.

Devido excluso das potncias mais contrariadas com as decises, e devido incluso da Conveno nos prprios tratados de paz, a Liga foi, desde o incio, identificada com a preservao dos arranjos. A esperana que consolava Wilson, de que as deficincias dos arranjos logo seriam remediadas pela ao da Liga, estava assim fadada a trazer-lhe um desapontamento. A Liga no mostrou ser um instrumento adequado para o que veio a ser chamado de "modificaes pacficas". Os Estados de sucesso, particularmente reforados pela Frana, apresentavam a tendncia de considerar qualquer modificao proposta nos arranjos como um enfraquecimento da prpria base de sua sobrevivncia. Como formavam permanentemente um todo compacto dentro da Liga, seu peso era decisivo para bloquear quaisquer modificaes importantes do que havia sido estabelecido, por meio de acordos realizados atravs da Liga. Tornou-se cada vez mais certo e bvio que qualquer modificao substancial s poderia ser feita em desafio Liga e, por conseguinte, por meio da violncia. Esse aspecto da Liga, que a transformou em um concerto de potncias europia