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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA Programa de Pós-Graduação em História Mestrado em História “AS FORÇAS SECRETAS DA REVOLUÇÃO”: anti - semitismo verde-oliva na Bahia (1933-1937) David Costa Rehem Feira de Santana 2011

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA Programa de Pós-Graduação em História

Mestrado em História

“AS FORÇAS SECRETAS DA REVOLUÇÃO”: anti-semitismo verde-oliva na Bahia (1933-1937)

David Costa Rehem

Feira de Santana 2011

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA Programa de Pós-Graduação em História

Mestrado em História

“AS FORÇAS SECRETAS DA REVOLUÇÃO”: anti-semitismo verde-oliva na Bahia (1933-1937)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Feira de Santana para obtenção do título de Mestre. Orientador: Profº Dr. Iraneidson Costa

David Costa Rehem

Feira de Santana 2011

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Ficha Catalográfica: Biblioteca Central Julieta Carteado - UEFS

Rehem, David Costa

R271f “As forças secretas da revolução”: anti-semitismo verde-oliva na Bahia (1933-1937) / David Costa Rehem. – Feira de Santana, 2011.

161 f.: il.

Orientador: Iraneidson Santos Costa

Dissertação (Mestrado em História)– Universidade Estadual de Feira de

Santana, Departamento de Ciências Humanas e Filosofia, Programa de Pós-

Graduação em História, 2011.

1. História da Bahia. 2. Anti-semitismo. 3. Ação integralista brasileira. 4. Intelectuais. 5. Imprensa – Bahia. I. Costa, Iraneidson Santos. II. Universidade Estadual de Feira de Santana. III. Departamento de Ciências Humanas e Filosofia. IV. Título.

CDU: 981(814.2)

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4

“AS FORÇAS SECRETAS DA REVOLUÇÃO”: anti-semitismo verde-oliva na Bahia (1933-1937)

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

David Costa Rehem

Banca Examinadora:

_____________________________________________

Professor Doutor Orientador Iraneidson Costa

_____________________________________________

Professor Doutor Muniz Ferreira

_____________________________________________

Professor Doutor Gilberto Calil

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5

Se você falar mentiras sobre a gente, falamos a verdade sobre você.

(Mentiras por Enquanto, Plebe Rude)

Dedico a minha mamãezinha, Maria José, minha sobrinha, Maria Luíza, meu pai, Miguel, minha irmã, Bárbara e minha companheira, Flaviane.

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6

Agradecimentos

“Em volta dessa mesa velhos e moças lembrando o que já foi Em volta dessa mesa existem outras, falando tão e igual

Em volta dessas mesas existe a rua, vivendo o seu normal Em volta dessa rua uma cidade, sonhando seus metais”

(Conversando no Bar, Milton Nascimento)

Sempre se dedica a dissertação a algumas pessoas. Normalmente familiares e

um número bem restrito de pessoas. Dedico destacadamente a poucas

pessoas, mas considero esse agradecimento como uma parte dessa

dedicatória, já que a formalidade da escrita não me permitiria colocar tantos

nomes.

Primeiramente gostaria de homenagear uma pessoa, com a qual não tenho

mais contato, mas que foi fundamental para a minha escolha de ser historiador,

numa época em que as pessoas me dissuadiam de sê-lo e diziam que, por ter

afinidades com a área de humanas eu deveria fazer Direito. Essa pessoa é

homônima de minha mãe, Maria José, chamada por nós de Gal, e foi minha

professora de História da 5.ª a 8.ª série no Centro Educacional Sophia Costa

Pinto. A confiança que ela tinha em mim me fez decidir o que queria ser

quando crescer, diante das diversas “opções” que uma criança e um

adolescente acham ter.

Dando continuidade, agradeço a meus irmãos, Bárbara e Júnior, e aos meus

pais, Maria José e Miguel, por sempre terem confiado em mim e terem me

dado a liberdade que é necessária para os difíceis caminhos dos estudos e

pesquisas de História.

Agradeço aos meus colegas de graduação e movimento estudantil e aos

amigos e amigas que de lá surgiram, como Giselle, Carlinha, Denise, Daniel

Caribé, Simão e outros tantos. De lá surgiram dois amigos e interlocutores dos

meus primeiros passos nos caminhos da pesquisa: Aruã Lima e Muniz Ferreira.

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7

Não teria seguido o caminho da academia se não fosse o incentivo de Taíse

Chates e Igor Gomes. Igor, além de ter me incentivado a fazer o mestrado na

UEFS, me ajudou a ver que a academia pode valer a pena, quando me

apresentou o Laboratório de História e Memória das Esquerdas e das Lutas

Sociais – LABELU, no qual ingressei e que teve um papel importante na minha

chegada (e não passagem, porque pretendo ficar!) à UEFS. Além das

saudáveis relações acadêmicas, lá fiz diversas amigas e amigos que pretendo

levar por toda a vida. Por isso mesmo agradeço a todas/os as/os labelistas (ou

como é mais comum no Laboratório, labelúdicas/os) que deixaram “mais fácil”

estar na universidade e escrever, já que sozinho seria mais difícil. De certa

forma, essa dissertação foi escrita por diversas mãos e cérebros, em sua

maioria membros do Laboratório. Foram leitoras e leitores assíduos de meus

escritos, artigos e dissertação, Manuela, Darliton, Luciane, Chintamani, Diego,

Hugo (com seus “dossiês”), Coelho, Aruã, Rafael... Sintam-se co-autores, não

se responsabilizando pelos erros, mas sim pelos acertos desta dissertação.

No tirocínio com o professor Eurelino Coelho pude vivenciar o seu modo

admirável de ser professor e trocar experiências que, com certeza, levarei

como exemplo profissional e pessoal. Nas disciplinas, além do próprio Coelho,

agradeço às contribuições de Iran, meu orientador e leitor minucioso de

qualquer texto que tenha em mãos, e Lucilene Reginaldo, aos ricos bate-papos

em sala de aula.

Agradeço aos diversos amigos e amigas que fiz em Feira de Santana, já que

sem eles não seria tão prazeroso minha estadia nessa cidade que aprendi a

admirar, respeitar e desejar. Pelas “restrições acadêmicas”, citar o nome de

todos e todas não é possível, mas não posso deixar de nomear alguns, como

Mayara Pláscido, Ione Celeste, Silvana França, Charlene Brito, Marcos

Roberto. Lembro ainda dos Quilombolas e Ousados/as, com os quais pude

conversar, divergir, concordar e debater sobre a vida e atualidades...

Agradeço aos trabalhadores da Biblioteca Pública do Estado da Bahia (BPEB),

em especial o pessoal da recepção e do setor de periódicos raros; do Arquivo

Edgard Leuenroth (AEL), da UNICAMP, em especial ao camarada Mário e as

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8

intermináveis conversas sobre o dia-a-dia, política e dicas de pesquisa e a

simpatia e atenção dada por Silvia. Às trabalhadoras e trabalhadores da UEFS,

em especial da Biblioteca Julieta Carteado e do módulo VII, de todas as áreas.

Àqueles que fazem o mestrado funcionar: Julival, Andrei, Coelho e, em

especial, à professora Elizete Silva, exemplo de professora, pesquisadora e

pessoa, que coloca o coração em tudo que faz.

Aos amigos de Campinas que me receberam de braços abertos: Léo, Danilo

(Magrão), Tati, Iuri, Ricardo Festi, Fernanda...

Aos meus colegas e amigos da Secretaria de Educação do Município de

Salvador, em especial Ladjane (Lad), Daniela e Manuel Calazans por me

ajudarem nessa jornada. Às minhas novas colegas e amigas da

Superintendência de Políticas para Mulheres, do município de Salvador, em

especial Bárbara Suzane, pela confiança pessoal e profissional e Eliane Boa

Morte, dentre outras coisas, pela sensibilidade em compreender o momento de

escrita e correção desta dissertação.

A minha banca de qualificação, composta pelos professores Iraneidson Costa,

Muniz Ferreira e Zacarias Sena Júnior. Vocês transformaram o “terror da

qualificação” em um bate-papo onde ouvi avaliações e dicas importantíssimas

para o meu trabalho.

Também gostaria de agradecer a Denise Silva, amiga que se tornou minha

professora de francês, que me ajudou e corrigiu as traduções necessárias

nesse texto, do francês para o português e vice-versa. A ajuda dada foi de

extrema importância, já que estava no apagar das luzes da correção desta

dissertação e o meu pedido de socorro foi logo respondido.

Agradecimento especial à minha companheira, Flaviane Ribeiro, que conheci

na UEFS, minha principal interlocutora nessa dissertação e com quem tenho

construído uma relação de respeito e admiração!

Agradeço a CAPES que me financiou por 2 (dois) anos.

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RESUMO:

Esta dissertação tem como objeto de estudo a construção do anti-semitismo em terras baianas na década de 1930. Nesses anos a perseguição aos judeus tomou proporções e repercussões nunca vistas na História da humanidade. Como um fenômeno político-social de escala mundial, repercutiu no Brasil. No Brasil houve, entre seus representantes, uma burguesia xenófoba e a Ação Integralista Brasileira (AIB), esta última, uma organização de massas, de cunho fascista e teve entre seus integrantes, como Gustavo Barroso e Brasilino de Carvalho, propagandistas do anti-semitismo a brasileira que contaram com o apoio da própria Ação. O principal veículo de disseminação desse anti-semitismo aqui na Bahia, eram os jornais de circulação estadual que continham em suas páginas notícias e artigos de membros da AIB e simpatizantes do regime nazi-fascista da Alemanha. O objetivo dessa dissertação é analisar essa elaboração anti-semita na Bahia e suas possíveis repercussões. Palavras-chave: Anti-semitismo, Ação Integralista Brasileira, Intelectuais, Imprensa, Bahia (1933-1937).

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RESUMÉ:

Cette thèse vise à étudier la construction de l'antisémitisme dans les terres de Bahia dans les années 1930. Dans ces années, la persécution des Juifs a pris des proportions sans précédent et des répercussions dans l'histoire de l'humanité. De quelle manière un phénomène socio-politique à travers le monde a resonné au Brésil. Au Brésil avait parmi ses représentants une bourgeoisie xénophobe et l’Action Intégraliste Brésilienne (Ação Integralista Brasileira - AIB), celui-ci, une organisation de masse marqué par le fascisme et avait parmi ses membres, comme Gustavo Barroso et Brasilino de Carvalho, les propagandistes de l'antisémitisme à la brésilienne qui avait l'appui de leur propre organisation. Le principal vecteur de diffusion de l'antisémitisme dans l'état de Bahia étaient les journaux de la région qui contenaient dans ses pages des nouvelles et des articles des membres de l’AIB et des sympathisants de l'Allemagne nazie-fasciste. L'objectif de cette thèse est d'analyser cette préparation antisémite dans l’état de Bahia et de ses possibles répercussions. Mots-clés: Anti-sémitisme, Action Intrégaliste Brésilienne, intellectuels, Médias, Bahia - 1933-1937.

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Abreviaturas: Ação Integralista Brasileira – AIB Aliança Liberal - AL Aliança Nacional Libertadora – ANL Arquivo Edgard Leuenroth – AEL Diário de Notícias - DN Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP Idishe Kultur Farband (Associação Cultural Judaica) – IKUF III Internacional ou Internacional Comunista – KOMINTERN Lei de Segurança Nacional – LSN Organização das Nações Unidas – ONU Organizzazione per la Vigilanza e la Repressione dell’Antifascismo (Organização para Vigilância e Repressão ao Antifascismo) – OVRA Partido Comunista do Brasil – PCB Secretaria Nacional de Imprensa da AIB – SNI/AIB Secretaria Nacional de Propaganda da AIB – SNP/AIB Socorro Vermelho Judaico - BRAZCOR União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS

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Sumário Apresentação ................................................................................................... 13 Capítulo I – REFLEXÕES SOBRE O ANTI-SEMITISMO (ou A difícil tarefa de analisar a complexidade da perseguição aos judeus) ............................... 18

1.1. Os Judeus e a Questão da Raça .............................................................. 21 1.2. Questões Contemporâneas Sobre Raça e a Questão Judaica ................ 29 1.3. Anti-semitismo “Por Dentro” e “Por Fora” ................................................. 38 Capítulo II - XENOFOBIA, IMIGRAÇÃO E RAÇA NO BRASIL DOS ANOS 1930 ................................................................................................................. 48

2.1. 1930: Uma Década de Transformações ................................................... 49 2.2. Os Indesejáveis ........................................................................................ 53 2.3. As restritas possibilidades na análise dos dados sobre a imigração de judeus .............................................................................................................. 68 CAPÍTULO III - FASCISMO E ANTI-SEMITISMO. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E O DISCURSO ANTI-SEMITA NAS PÁGINAS DE O IMPARCIAL E DO DIÁRIO DE NOTÍCIAS .......................................................................... 74

3.1. Sobre o fascismo ...................................................................................... 74 3.1.1. Fascismos e anti-semitismos ................................................................. 94 3.2. O anti-semitismo na imprensa baiana ...................................................... 97 CAPÍTULO IV – GUSTAVO BARROSO, INTELECTUAIS INTEGRALISTAS BAIANOS E A QUESTÃO JUDAICA ............................................................ 111

4.1. Literatura e Propaganda ......................................................................... 114 4.2. Gustavo Barroso, Os Banqueiros e Os Sábios de Sião ......................... 116 4.3. Brasilino de Carvalho e o Anti-semitismo de Hitler ..................................124 4.3.1 A Barra de Ferro e a Browning ............................................................. 127 4.3.2 Debate entre Integralistas ..................................................................... 136 CONCLUSÕES PROVISÓRIAS .................................................................... 142

Fontes ............................................................................................................ 146 Referências Bibliográficas ............................................................................. 147 Anexo Fotográfico 1. Jornais recebidos e bibliografia sugerida. In: A Offenssiva, 14 dezembro de 1935 2. O comunismo e sua obra mundial (na foto, ministro soviético Litivinov), In: DN, 17 de dezembro de 1935.

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3. Nota do Partido Nazista convocando o grupo local (Bahia) para reunião, na quarta-feira, 30 de janeiro, às 20:30, no Boliche da Associação Alemã Germânia. In: DN, 29 de janeiro de 1935. 4. Caricatura do líder integralista Hebert Fortes. In: DN, 29 de julho de 1935 5. Gustavo Barroso discursa aos baianos (matéria: O integralismo em marcha). In: O Imparcial, 30 de novembro de 1933 6. O ideal racista na Allemanha de Hitler. In: O Imparcial, 12 de janeiro de 1934. 7. BRAZCOR, perigoso foco de agentes extremistas. In: O Imparcial, 1.º de dezembro de 1935 8. O judeu que insultou o Brasil! In: O Imparcial, 10 de setembro de 1935. 9. As forças secretas da revolução (Coluna Integralismo). In: Diário de Notícias, 11 de fevereiro de 1935 10. Sob o jugo a grande finança internacional (capa). In: A Offensiva, 12 de julho de 1934 11. A mentira da Liberal Democracia (charge). In A Offensiva, 08 de junho de 1935 12. Congresso Integralista da Bahia. In: A Offensiva, 07 de dezembro de 1935 (matéria de capa)

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APRESENTAÇÃO

“Como pode? Esses judeus são aqueles mesmo que mataram Jesus há dois

mil anos atrás...”; “Hitler fez pouco, devia ter matado todos os judeus...”; “Esse

ladrões da arrecadação para os desabrigados de Santa Catarina devem ser

judeus...”; “Não chame ele de judeu, assim você ofende o rapaz...” - essas e

outras frases foram ouvidas por mim ou por amigos meus que relataram o que

escutaram de outros sobre fatos acontecidos recentemente. A primeira delas

eu escutei aos 12 anos, em 1992, numa aula de Religião, na escola primária, a

última, quando cursava a graduação, no início da década que se findou, de um

passageiro no ônibus, ao ser chamado de judeu por um amigo da faculdade...

Mas, por que cito essas frases? O que elas têm a ver com o meu objeto de

estudo? Em primeiro lugar porque justifica o estudo que faço sobre o anti-

semitismo no Brasil. Com elas, demonstro que o anti-semitismo está presente e

é necessário pesquisar momentos em que esteve em maior evidência, como

nos anos de 1930 e 1940, na Era Vargas. Em segundo lugar porque é comum

dizer que não existe racismo no Brasil, ainda mais quando se trata dos judeus,

uma comunidade tão pequena. Como poderiam os judeus serem vítimas de

preconceito racial no Brasil, se nem mesmo se sustenta, hoje, a ideia de raça

com respaldo científico?

É em cima dessas reflexões que pretendo discutir sobre o que seria esse tal

anti-semitismo. Ele existiu no Brasil? Trata-se de uma racialização ou apenas

um preconceito religioso? Como ele se manifestou aqui e em outros locais?

Quais relações existem entre o anti-semitismo brasileiro e as diversas

elaborações anti-semita estrangeiras?

Quando em 2003 fui procurar o professor Muniz Ferreira, no início da minha

graduação na Universidade Federal da Bahia, tinha como interesse pesquisar o

anti-semitismo no discurso da esquerda. O combate ao Estado sionista de

Israel muitas vezes é confundido como “um problema dos judeus”. Nisso fui

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orientado por Muniz a iniciar minhas pesquisas a partir de um período no qual o

anti-semitismo era muito mais aberto, mais presente nos discursos, tanto

políticos quanto jornalísticos. O primeiro contato com o tema se deu com a

leitura do livro Anti-semitismo na Era Vargas, de Maria Luiza Tucci Carneiro.

Nessa leitura, encontrei noções básicas da discussão sobre anti-semitismo e

sobre sua manifestação no Brasil durante o governo de Getúlio Vargas.

O segundo passo foi ir aos jornais. O primeiro contato com essas fontes se deu

a partir do período em que fui bolsista do professor Carlos Zacarias Sena

Júnior, em 2004. Pesquisei o jornal A Tarde, na década de 1930 e 1940, para

sua tese de doutoramento. Nesse jornal tive contato com o discurso político da

época, familiarizei-me com a conjuntura baiana da época e com a presença

esporádica do anti-semitismo em suas páginas. Mas outros jornais cumpririam

um papel chave na disseminação do anti-semitismo baiano. Eram os jornais O

Diário de Notícias e O Imparcial.

O primeiro era dirigido pelo germanófilo Altarmirando Requião. O segundo

estava ligado aos autonomistas1 e ainda na primeira metade da década de

1930 passou a ter entre seus diretores o integralista Victor Hugo Aranha. Esses

jornais passaram, então, a ser o principal foco da minha pesquisa. Além deles,

encontrei nos Arquivos Edgard Leuenroth, da UNICAMP, a imprensa

integralista. Especificamente a revista Anauê! e o jornal A Offensiva, ambos em

microfilme e o último também em papel.

A análise do discurso anti-semita nessas fontes me permitiu perceber que fazia

parte de alguns setores da sociedade brasileira a sua disseminação. A Ação

Integralista Brasileira (AIB) foi a organização que mais elaborou sobre o

assunto e mesmo nos jornais baianos, que não faziam parte de sua imprensa

oficial, a maioria dos textos encontrados são de autoria dessa organização ou

de seus membros.

1 A Concentração Autonomista foi uma organização que reuniu diversos oposicionistas ao

governo do interventor Juracy Magalhães e tinha, entre seus integrantes, seguidores de políticos baianos ligados à Velha República, como os irmãos Mangabeira (Otávio e João), J. J. Seabra e família Calmon (em destaque Pedro e Miguel Calmon). Sobre os autonomistas ver bibliografia apontada no capítulo II sobre a interventoria de Juracy Magalhães no estado da Bahia.

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Diante disso a pesquisa passou a ser orientada pelo discurso integralista sobre

os judeus e seus ecos na Bahia.

O primeiro capítulo é dedicado a fazer uma reflexão sobre o que seria anti-

semitismo, estimulado pela idéia de que não houve anti-semitismo na Bahia, a

partir de alguns judeus da época e alguns autores. A partir disso considerei

relevante trazer o debate para a dissertação, constituindo, então, um capítulo

de aspecto mais teórico. A crítica que usualmente se faz a esse formato é que,

em alguns casos, o capítulo teórico se coloca de forma deslocada em relação

ao conjunto do trabalho. Não é esse o meu objetivo. Nele pretendo “aparar as

arestas” sobre o tema, normalmente visto como uma discussão no campo da

cultura e desprovida do conceito da luta de classes. Além disso, tento fugir de

um certo empiricismo, onde os aspectos teóricos são deixados de lado nas

produções historiográficas, quando, na verdade, é uma ferramenta essencial

para o ofício do historiador.

No segundo capítulo apresento uma rápida análise de conjuntura, localizando o

objeto dessa dissertação no período do governo Vargas. Para isso, além das

fontes jornalísticas e das leis sobre imigração ou relacionadas, me utilizo de

uma bibliografia que se refere ao período. Tento, portanto, traçar de que forma

a conjuntura sócio-política foi favorável à disseminação de idéias autoritárias de

direita, tendo como uma de suas características a xenofobia. Além disso, o

posicionamento oscilante do governo Vargas em relação a regimes tidos como

democráticos (como o dos Estados Unidos) e fascistas (como os da Itália e

Alemanha) significou uma tomada de posição dúbia em relação aos judeus: ao

tempo em que dizia que a questão dos judeus não era um problema para o

Brasil, evitavam a inserção destes no país, com restrições a sua imigração.

Inicio o terceiro capítulo com uma discussão sobre fascismo. A ideia de fazê-la

surgiu da necessidade de uma melhor definição da Ação Integralista Brasileira.

Seria a AIB uma organização que copiava o fascismo europeu? Seria um

fascismo à brasileira? Ou seria uma outra forma de manifestação político-

ideológica? Na primeira parte da discussão utilizo as impressões e formulações

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sobre o fascismo de autores marxistas que vivenciaram a década de 1930 e,

portanto, viram o desenvolvimento e a ascensão do fascismo. Feita essa

discussão, passo a analisar o discurso do anti-semitismo na imprensa baiana.

Utilizo como fonte os jornais O Imparcial e o Diário de Notícias. Apresento os

textos de origem integralista, mas não só. Faço uma análise de como esses

jornais, independente ou não da doutrina do sigma2, almejavam disseminar o

anti-semitismo em terras baianas.

No último capítulo discuto as elaborações semitas dos intelectuais integralistas

da Bahia a partir dos escritos do principal teórico do anti-semitismo da AIB,

Gustavo Barroso. Como toda a atividade intelectual integralista estava voltada

para uma ação prática, defendo que essas elaborações chegavam a toda

organização e deveriam repercutir em suas práticas, como indicam algumas

notícias sobre as atividades da AIB por todo estado e, no caso das notícias do

jornal oficial da AIB, A Offensiva, por todo o Brasil.

Por último, gostaria de ressaltar algumas escolhas para a escrita desta

dissertação. A primeira delas é o termo anti-semitismo. A escolha dessa grafia,

e não a que está de acordo com as novas regras gramaticais – Antissemitismo

-, foi por achar que ela é mais disseminada e porque garante o destaque ao

prefixo anti. Mantive essa escolha para outras palavras de mesmos prefixo,

como anti-capitalismo, anti-comunismo e outros. O uso da palavra raça em

itálico, do mesmo modo, foi pela opção de destacar a inexistência da mesma

que foi (e muitas vezes ainda é) utilizada de forma errônea para definir

diferentes povos. Por último, apenas utilizo o sic quando são palavras

perceptivelmente grafadas de forma incorreta por erro de digitação ou de

concordância e ortográficos, já que optei por manter a grafia de fontes e

bibliografia de acordo com o original.

Anti-semitismo e integralismo. Eis dois temas que compõem esse trabalho. São

temas aparentemente distantes, mas de repercussões atuais. As

2 O sigma era o símbolo da Ação Integralista Brasileira e foi adotada, segundo o seu principal

líder, Plínio Salgado, porque: “O sigma que adoptamos nos uniformes dos “camisas-verdes” e na bandeira do Integralismo (Sigma), indica em mathematica o symbolo do calculo integral.” (SALGADO, 1933)

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manifestações de extrema-direita crescem no país. As ocorrências dessas

manifestações têm sido registradas cada vez mais pela imprensa. Grupos

neonazistas e mesmo organizações de cunho integralista têm surgido e se

colocado nas ruas. Em cidades como São Paulo e no sul do país essas

ocorrências são maiores ainda, mas não só. Quando escrevi esse projeto, no

ano de 2008, havia encontrado no centro de Salvador, panfletos integralistas

conclamando a população contra o “comunismo de Lula e da América Latina”.

A repercussão ainda se limita a um número muito pequeno de pessoas, mas

nunca é tarde para relembrar o que esses movimentos significaram na História

contemporânea. Aliado a esse discurso, uma revista de ampla circulação

nacional, a Veja, vem criminalizando os movimentos sociais e defende a

criação de uma lei anti-terror no país, com o argumento de que provavelmente

existam (em que pese a revista confirmar a existência) diversas células

terrorista de fundamentalistas islâmicos, mas o objetivo são outros, como a

própria revista diz:

O principal motivo para isso é a falta de uma legislação

antiterror. É por tal motivo que a PF, quando prende um

desses ativistas, se vê obrigada a enquadrá-la em crimes de

menor gravidade – e, consequentemente, não consegue

mantê-lo na cadeia. A resistência do governo brasileiro em

aprovar uma lei contra o terrorismo tem um componente

ideológico. Se ela fizesse parte do Código Penal, integrantes

de “movimentos sociais” que promovem atos de vandalismo

em nome de suas causas retrógradas poderiam ser

processados e condenados rapidamente.3

Sempre alerta!

3 Grifos meus. Revista Veja, Edição 2.211, ano 44, n.º 14, 06 de abril de 2011.

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CAPÍTULO I

REFLEXÕES SOBRE O ANTI-SEMITISMO

(ou A difícil tarefa de analisar a complexidade da perseguição aos judeus)

Nada de triste existe Que não se esqueça

Alguém insiste E fala ao coração

Tudo de triste existe E não se esquece

Alguém insiste E fere no coração

(Conversando no Bar, Milton Nascimento)

Inicio essa dissertação com uma reflexão teórica que se justifica por estar

diretamente ligada a uma das problemáticas dessa pesquisa que é a afirmação

de manifestações não violentas, ou seja, físicas, do anti-semitismo na Bahia.

Essas afirmações são corroboradas por dois judeus brasileiros que iniciaram

suas vivências políticas na Era Vargas, Boris Tabacoff e Jacob Gorender4,

além de Esther Largman, em seu livro Judeu nos Trópicos. Gorender diz que

“(...) havia uma preocupação muito grande entre os judeus com o crescimento

do anti-semitismo.”5, ou seja, mesmo não havendo uma concretização de

agressões físicas por parte dos anti-semitas na Bahia, havia um medo da

comunidade judaica de que o mesmo chegasse. Dessa memória depreende-se

a importância de refletir sobre quais maneiras ele se manifestava, já que

quando se fala de anti-semitismo nos remetemos quase de imediato a duas

situações em que houve manifestações violentas e de perseguição, agressão e

assassinato de judeus: à Inquisição católica e ao Holocausto nazista.

A racialização dos judeus no anti-semitismo moderno é uma característica

importante e merece algumas reflexões. Principalmente por estar

4 Ambos comunistas, a época, sendo que o primeiro foi expulso do Partido Comunista em

1953, e posteriormente viria abandonar o comunismo, se tornando presidente da FIESP. Para saber mais sobre a vida de Boris Tabacoff ver: TABACOFF, Boris. Achados & Perdidos. São Paulo. Editora HUCITEC, 2005

5 Entrevista ao PROJETO MEMÓRIA DO MOVIMENTO ESTUDANTIL. Que pode ser encontrado no site: www.mme.org.br/services/.../FileDownload.EZTSvc.asp? Acessado em: 23 de dezembro de 2009.

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pretensamente embasado em métodos científicos de análise, sendo esse um

dos diferenciais do anti-semitismo, ou anti-judaísmo, pré-moderno.6

Juntamente com a noção de racialização é importante refletir algumas

questões que dizem respeito ao próprio judeu e sua inserção na sociedade

capitalista. Da fama de “financiador do capitalismo” à de “trabalhador

comunista” e, portanto, “subversivo”, a presença dos judeus nos diversos

movimentos das distintas classes sociais foi (e de certa forma ainda é) um

elemento de relevância para a idealização de um movimento judaico

internacional que visava destruir os valores da sociedade ocidental cristã.

Por último, e não menos importante, é necessário compreender o anti-

semitismo em seus diversos aspectos. Ele não se manifestou de forma racional

ou irracional. Ele se apresentou com um grau de complexidade que utilizou

tanto elementos objetivos quanto subjetivos, não só no campo político-

econômico, a partir de seu posicionamento nas classes, ou nas elaborações

raciais científicas que buscavam uma justificativa concreta para a inferiorização

do judeu e/ou para a sua classificação como irremediavelmente desonesto,

usurário, trapaceiro, mas também na subjetividade de todos esses aspectos, a

partir de bases mitificadoras, como apresentado pelo psicanalista austro-

húngaro Wilhelm Reich7.

6 Chamo de anti-semitismo moderno aquele que se preocupa em ir além do aspecto religioso

para explicar o por quê da necessidade dos judeus serem excluídos e /ou expurgados da sociedade. Ele se baseia principalmente num discurso científico. Problematizarei, mais a frente, a ideia de um anti-semitismo “milenarizado”, já que tendo concordar com a opinião de que o anti-semitismo é fruto da modernidade, a partir da racialização do semita. Sobre as outras manifestações de ojeriza aos judeus seria mais coerente caracterizá-las como anti-judaísmos, já que se pautam ou na religião ou na cultura judaica, ou mesmo na ancestralidade, não necessariamente vinculada a uma ideia de raça semita. Sobre pré-moderno, se refere ao período anterior e genericamente chamado de moderno que tem como principal marco a fundação dos Estados-nações e o desenvolvimento do Iluminismo na Europa.

7 Na verdade ele nasceu em uma região hoje pertencente à Ucrânia, chamada Galícia,

noroeste ucraniano, na época, em 1896, pertencente ao Império Austro-Húngaro. A obra aqui analisada é: REICH, Wilhelm. Psicologia de Massas do Fascismo. São Paulo. Editora Martins Fontes, 1988.

Page 21: David Rehem

21

Sobre essa complexidade Reich, analisando a questão do fascismo, aponta

para uma relação direta com aspectos biopsíquicos do homem que se

dividiriam em três níveis:

1) O nível superficial, em que percebemos o homem da cooperação social. É

aquele onde observamos que um “...homem médio é comedido, atencioso,

compassivo, responsável, consciencioso.”

2) Um nível intermediário “...constituído por impulsos cruéis, sádicos lascivos,

sanguinários e invejosos.” Nesse nível o homem se comporta dessa forma

porque é impelido a reprimir o seu cerne biológico.

3) O nível do cerne biológico que é aquele em que, em condições sociais

favoráveis, apresenta o homem como um animal racional de essência honesta,

trabalhadora, amorosa e cooperativa que tendo motivos odeia. (cf. REICH,

1988, p. XVII)

Problematizarei essas exposições de Reich mais adiante quando discutir os

elementos endógenos e exógenos do anti-semitismo, mas esse trecho serve

para ilustrar a tentativa de Reich de analisar questões racionais e irracionais

vinculadas ao ódio aos judeus. Ele ainda diz que “… a extensão da violência e

a ampla propagação desses 'preconceitos raciais' são prova da sua origem na

parte irracional do caráter humano. A teoria racial não é uma criação do

fascismo. Pelo contrário, o fascismo é um produto do ódio racial e a sua

expressão politicamente organizada.” (REICH, 1988, p. XXI)

Interessa aqui ponderar sobre o caráter meramente racional dado pelo

psicanalista à subjetividade, em que pese ser essa uma análise psicanalista e

não historiográfica; retomarei a questão mais à frente, mas o trecho

complementa a alusão de ir além de uma análise somente objetivista ou

funcionalista do anti-semitismo, apesar de sua tentativa, no campo teórico, de

se validar como empírico.

Page 22: David Rehem

22

1.1. Os Judeus e A Questão da Raça

Gostaria de tocar no ponto que se refere à categorização dos judeus enquanto

raça. Importante essa discussão porque traz luz ao debate que se estabelece

em torno das continuidades e rupturas do anti-semitismo. Defendo que a

racialização do judeu é um elemento diferenciado no anti-semitismo moderno,

com base na “cientifização” da sociedade. Para os intelectuais do século XIX,

não caberia mais uma argumentação de inferioridade racial dos homens

baseada em superstições ou meramente no argumento religioso, eram

necessárias comprovações científicas, com base em pesquisas, em dados

adquiridos a partir da observação e dos estudos sociais e biológicos para se

definir a inferioridade de um grupo social, e/ou povo, normalmente denominado

de raça ou subraça, com o interesse de apartar e/ou exterminar o “objeto” de

estudo da sociedade após a comprovação científica da impossibilidade de

assimilação, ou de assimilação condicional, daquele indivíduo ou grupo numa

determinada sociedade8.

Segundo Nei Lopes que, em sua obra, cria dois personagens que explicam aos

seus filhos o que seria o racismo, a origem da palavra raça vem do italiano

razza e tinha um sentido de índole. Ele afirma que só depois de um tempo, já

no período Iluminista, é que passou a se referir a cada uma das variedades da

espécie humana ou animal. Originalmente hierarquizava, de forma

depreciativa, as raças consideradas civilizadas e as selvagens. Só

posteriormente mudará a sua hierarquização para uma perspectiva de raças

inferiores e superiores. E essa diferença é importante, porque para o primeiro

momento o critério de racialização a partir do referencial civilizatório significava

que qualquer um poderia mudar sua situação, bastando aceitar o modelo de

civilização vigente. No caso da racialização a partir de raças superiores e

inferiores essa mudança passa a ser mais difícil porque ao se referenciar em

questões que estariam biologicamente pré-estabelecidos a mudança evolutiva-

racial se torna improvável ou impossível. No entanto, as coisas não eram tão

8 Uma obra que traz importantes contribuições para essa discussão, e que será utilizada por

mim nessa discussão, é: POLIAKOV, Léon. O mito ariano. Coleção Estudos, n.º 34. São Paulo. Editora Perspectiva. 1974

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simples. A teoria racial pretensamente biológica não era tão rígida assim, já

que mesclava seus referenciais científicos com religião e outras mitologias.9 A

discussão que segue visa, justamente, desconstruir essa idéia de rigidez das

ciências.

Vale a pena trazer aqui um breve resumo das reflexões do historiador Léon

Poliakov que estuda a evolução histórica do mito ariano, mas não só, já que ele

também recupera as fontes do racismo e dos nacionalismos desde antigos

mitos de origem e as vinculações destes com o processo histórico de

racialização; e a partir da historiadora brasileira Lília Schwarcz que analisa de

que forma essa racialização científica chegou ao Brasil e aqui foi apropriada na

perspectiva da construção de um racialismo à brasileira. O que me interessa

prioritariamente nesse momento, do texto de Schwarcz, é exatamente o que

ela traz das contribuições estrangeiras.

Para Poliakov o racismo do Conde francês Joseph Arthur de Gobineau (1816-

1882) e seus contemporâneos, inclusive para o socialista “utópico”10 Claude

Henri de Saint-Simon11, seria uma tentativa de explicação que mesclava razão

e relações com o misticismo religioso que tinham origens no século XVIII e que

a partir dessa mescla tirava, inclusive, posicionamentos políticos, já que era de

bom tom discutir política junto com ciência. Eric Hobsbawm diz que nessa

época os filósofos e pensadores, de modo geral, estavam em maus lençóis, já

que eram vistas como pensadores abstratos e de nenhuma relevância, com

algumas exceções como o positivismo francês de Augusto Comte, o empirismo

inglês de John Stuart Mill e Hebert Spencer, este último chamado pelo

historiador egípcio, radicado na Inglaterra de “...o medíocre pensador, cuja

influência era então maior do que a de qualquer outro no mundo...”

9 LOPES, Nei. O racismo explicado aos meus filhos. Rio de Janeiro. Agir, 2007 10 Entre aspas porque a definição de socialista utópico não é da época e sim de período

posterior e estruturado por Friedrich Engels em “Do socialismo utópico ao científico”. 11

Conde de Gobineau: nobre francês de origem aristocrática é o autor do livro Ensaios sobre a desigualdade das raças humanas (1853), um dos marcos da teoria racialista mundial. Um fato curioso foi que o Conde de Gobineau foi representante diplomático da França no Brasil, nos anos de 1869-70, em que classificava os brasileiros como “degenerados e malandros”. (RAEDERS, 1988, p. 10)

Saint-Simon: Socialista reformista francês, um dos principais socialistas utópicos e um dos fundadores do socialismo moderno, ao conceber uma sociedade futura dominada por cientista e industriais. (In: http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/SaintSim.html)

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24

(HOBSBAWN, 2007, p. )12. Mas esses homens das ciências de Hobsbawm

estão ligados às tentativas de “inserirem” nas ciências humanas o modelo das

ciências biológicas e criminais.

Dentro dessa discussão de racialização e hierarquização das raças havia

grupos distintos. Uma parcela desses cientistas acreditava que a razão, apesar

das diferenças, poderia “nivelar” as raças trazendo a ideia de humanização a

partir da civilização, a exemplo de Pierre Cabanis. Essa abordagem parece

carregar aquilo que vimos acima sobre uma hierarquização muito mais

relacionada ao processo civilizador (que dividia as raças entre selvagens ou

não) do que a uma superioridade racial de cunho biológico. Outros acreditavam

que a religião pudesse salvar e igualar os seres humanos. Poliakov diz que

essa perspectiva tinha muito mais aceitação entre os ingleses. Mas havia

aqueles que não acreditavam na igualdade dos homens, nem pela razão nem

pela religião. Era o caso de Victor Courtet d'Isle que defendia que o conceito de

liberdade era algo abstrato que estava muito mais no plano do desejo do que

da prática concreta. Daí ele “propunha como remédio uma acentuação das

diferenças raciais, de modo que não se pudesse mais invocar a igualdade.”

(POLIAKOV: 1974, p. 201)

Como disse acima os embates no campo intelectual eram diversos, contudo

parece que o último grupo, que defendia uma desigualdade racial acabou por

servir mais aos propósitos políticos de justificativa para a subordinação de uma

dita raça sobre outra com o pretexto de superioridade, ou mesmo que as

funções destas pretensas raças eram distintas, sendo que umas existiam para

mandar e outras para servir. 13

Sobre essa apropriação política Schwarcz reflete o seguinte:

Assim, interessa compreender como o argumento racial foi política e historicamente construído nesse momento, assim

12 HOBSBAWM, Eric. Ciência, religião, ideologia. In.: A Era do Capital 1848-1875. Rio de

Janeiro, 2007. 13 Poliakov cita o caso de interpretações que colocavam os povos de origem ariana, como os

anglo-saxônicos, ibéricos e germânicos que teriam uma propensão natural para comandar enquanto que os eslavos teriam uma propensão natural para trabalhar e, portanto, para serem comandados.

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como o conceito raça, que além de sua definição biológica

acabou recebendo uma interpretação sobretudo social. O termo raça, antes de aparecer como um conceito fechado, fixo e natural, é entendido como um objeto do conhecimento, cujo o significado estará constantemente renegociado e experimentado nesse contexto histórico específico, que tanto investiu em modelos biológicos de análise.14 (SCHWARCZ:

2001, p. 17)

Essa apropriação política teve vários propósitos. Justificativas para a

dominação imperialista, para a escravidão15 ou mesmo como base para

projetos nacionalistas. (cf. HOBSBAWN op. cit.). No caso dos judeus serviu

para apartá-los do convívio com seu meio social, fora da comunidade judaica,

tendo uma relação aparentemente direta com os projetos nacionalistas. Digo

aparentemente porque em diversos locais onde o anti-semitismo moderno

ganhou corpo os judeus já estavam num processo de assimilação muito

avançado, como é o caso da Alemanha da década de 1930, o que significa, a

partir de uma análise bem superficial, que esses judeus já se sentiam parte

desse país.16

A impossibilidade de adaptação das raças, mesmo pela conversão religiosa ou

pelo processo civilizador, serviu de argumento ao franco-inglês W. F. Edwards

que, com isso, questionava a teoria do clima e sua correlação com a

hereditariedade racial e de origem físico-moral. Para provar essa

inadaptabilidade ele cita o caso dos judeus e sua impossibilidade de adaptação

moral e física nos diferenciados lugares em que se instalaram. (POLIAKOV,

1974, op. cit. p. 209). Contudo o exemplo judeu não significava que todos os

racialistas considerassem os judeus como inferiores. Benjamin Disraeli, futuro

primeiro-ministro britânico,17 e de origem judaica, classificava os judeus como

representantes verdadeiros da raça caucasiana. Poliakov traz a seguinte

14 Grifos da autora. 15 Principalmente para os liberais brasileiros da primeira metade do século XIX que defendiam

a escravidão como um direito baseado na superioridade racial e levantavam críticas às intervenções inglesas utilizando o argumento de livre mercado para manutenção da mão-de-obra escravizada. Para saber mais ver: BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo. Companhia das Letras, 2004.

16 O processo de assimilação dos judeus na Alemanha se dava, nos principais centros, muito antes de sua

unificação (1871). Para saber mais ver: MARX, Karl. A questão judaica.

17 Disraeli foi primeiro-ministro do Reino Unido por duas vezes. Uma rápida passagem no ano de 1868 e, posteriormente, entre os anos de 1874-1880.

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citação de Disraeli, de sua obra Coningsby, publicada em Londres - Inglaterra,

no ano de 1844:

O fato é que não podeis destruir uma raça pura da organização caucásica. É um fato fisiológico... Neste momento, apesar dos séculos e das dezenas de séculos de degradação, o espírito judeu exerce vasta influência nos negócios europeus. Não falo de suas leis, às quais ainda obedeceis, nem de sua literatura, da qual estão saturados vossos espíritos, mas o intelecto hebraico vivo. Não há grande movimento intelectual na Europa no qual o [sic] judeus não desempenhem um grande papel. Os primeiros jesuítas foram judeus; a misteriosa diplomacia russa que tanto perturba a Europa Ocidental é conduzida principalmente por judeus; esta revolução poderosa, que se prepara neste momento na Alemanha, e que é tão pouco conhecida na Inglaterra, se tornará uma segunda e mais vasta Reforma, desenvolveu-se totalmente sob os auspícios judeus que quase chegam a monopolizar as cátedras da Alemanha... (Disraeli APUD Poliakov, 1974, p. 215)

Curiosamente a “ode” aos judeus, feita por Disraeli serviu para que os anti-

semitas criassem a ideia de uma conspiração mundial judaica de tomada do

poder.

Disraeli e Courtet de d'Isle aparecem como nomes que influenciaram o Conde

Joseph Arthur de Gobineau, talvez um dos principais teóricos da racialização.

Gobineau é tido como um dos inspiradores do racismo nazi-fascista. Porém, o

racialista francês pode não ter tido um posicionamento otimista em relação à

possibilidade de igualdade entre as raças, mas não chegou a desenvolver algo

sobre as “raças inferiores” em suas especificidades, nem sobre os judeus, nem

sobre os negros, nem sobre qualquer outro, mas acreditava na supremacia

branca como podemos ver na citação abaixo:

O fato fundamental no progresso ou na decadência das nações não é a religião, a moral ou um bom governo, mas o fator racial. A pureza racial, se a raça for bem dotada, é a condição necessária e suficiente para que se realize o progresso da sociedade de sua civilização, e para que fique obstada sua degenerescência e seu consequente extermínio. Toda mistura é uma contaminação que vicia as fontes do progresso. Afirmo que existe uma desigualdade das raças quanto ao seu valor: umas são superiores, outras inferiores. Das três raças originalmente existentes - a branca, a amarela e a negra – a primeira, particularmente seu ramo ariano, mostrou-se a mais

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criadora e sob sua égide constituíram-se as grandes civilizações da história. (GOBINEAU Apud LOPES, 2007, p. 25-26)

Apesar de negar os preceitos religiosos, como podemos ver nesse trecho,

Poliakov afirma que a teoria de Gobineau se vinculava com a cronologia

bíblica, mais uma característica do racialismo do século XIX, inspirador do anti-

semitismo do século XX. Sobre isso Reich traz mais uma contribuição: “O

caráter sádico-perverso da ideologia da raça revela-se também na atitude

perante a religião. O fascismo seria um retorno ao paganismo e um

arquiinimigo da religião. Muito pelo contrário, o fascismo é a expressão máxima

do misticismo religioso.” (cf. REICH, 1988, p. XXI)

Theodor Adorno e Max Hokheimer fazem um vínculo direto com o cristianismo,

da seguinte forma:

Desde os primeiros dias, o cristianismo teve esse pressentimento, mas só os cristãos paradoxais, os anti-oficiais, de Pascal a Barth passando por Lessing e Kierkegaard, fizeram dele a pedra angular de sua filosofia. Nessa consciência, eles foram não somente os radicais, mas também os tolerantes. Mas os outros, que recalcavam esse pressentimento e, com má consciência; procuravam se persuadir do cristianismo como uma posse segura, tinham que buscar a confirmação de sua salvação eterna na desgraça terrena daqueles não faziam o turvo sacrifício da razão. Eis aí a origem religiosa do anti-

semitismo. (ADORNO E HOKHEIMER, 2006, p. 148, grifo meu)18

O pressentimento a que se remete o trecho se reflete à contradição cristã que,

segundo os autores, ao mesmo tempo que se pretende espiritual (já que a

salvação é espiritual, segunda a máxima do “dai a César o que é de César”),

na prática não só está em constante negociação com o poder terreno, como o

formata a partir de seus próprios interesses. Porém o que isso tem a ver com

que foi dito até agora? Tudo. Para os intelectuais da Escola de Frankfurt essa

ligação religião-poder político se liga diretamente com a postura do fiel frente

ao seu posicionamento em relação ao denominado outro, aquele que não se

18 ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max. Elementos do Anti-Semitismo: Limites do Esclarecimento. IN: Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores, 2006. Tradução: Guido Antonio de Almeida. p. 139 – 171

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28

“encaixa” nessa sociedade cristã, apesar de se auto-declarar sociedade laica.

Enquanto a religião exige uma doação do fiel a partir da fé e da obra, sem ter a

garantia de um retorno, já que a escolha de ser ou não salvo não cabe ao fiel,

mas sim a Deus e seus representantes (terrenos ou celestiais), ele busca sua

própria justiça. Daí sua indignação contra o judeu que não compreende nem a

razão ligada, obviamente, ao pensamento cristão, e nem a religião “certa”, o

cristianismo. Aí a mescla entre as duas formas de anti-judaísmo, o científico e o

religioso.

E essa é uma das grandes discussões em torno do racismo, a relação entre

este e o místico. Poliakov cita o caso de dois nomes eminentes na

intelectualidade do século XIX, Johann Fichte e Friedrich Schelling. Para o

primeiro o que determinava a superioridade de uma raça sobre a outra não era

o seu fenótipo, mas sua origem. O termo “raça branca” para ele era muito

genérico, os judeus, por exemplo, eram brancos fenotipicamente, mas de

origem distinta daqueles reais representantes dessa raça: os povos de origem

germânica. Para isso, segundo Poliakov, ele utilizava um juízo metafísico,

então: “Assim, pois, a filosofia alemã continuava a tratar das 'relações entre o

físico e o moral' pelo viés do moral: o 'invisível' devia manifestar o visível, a

matéria era de certa forma secretada pelo pensamento”. (POLIAKOV, 1974, p.

222)

Schelling, por sua vez, considerava os judeus como um não-povo, contudo os

via com bons olhos já que essa classificação de não-povo não tinha um sentido

anti-semita e sim de representantes da raça pura, sem vínculos necessários

com algum povo para se constituir enquanto uma raça. Essa raça superior,

iluminada19, era a raça branca, que para Schelling tinha um caráter bem geral,

não importando se eram germânicos, eslavos, judeus ou qualquer outro povo.

O contato desse homem espiritualmente superior com aqueles que não

conseguiram atingir esse grau de evolução espiritual seria benéfico para o

mesmo, como no caso dos negros escravizados, posto que estariam

predestinados a escravidão ou a extinção. Por outro lado Fichte “era partidário

19 Para Poliakov, Schelling “parecia inicialmente julgar as diferentes raças humanas segundo o clássico espírito das Luzes.” (p. 222)

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29

da emancipação dos judeus, precisamente porque não via de que outra

maneira se poderia fazer com que renunciassem às suas crenças, que de

forma alguma lhe pareciam enraizadas em seus corpos.” (POLIAKOV, 1974, p.

225)

Essa última situação acabava por colocar os judeus numa situação dúbia. Ao

mesmo tempo em que, por se diferenciarem apenas pelo seu comportamento

religioso, social e cultural, eles seriam assimiláveis, outros intérpretes viam

nisso um perigo maior exatamente porque os judeus seriam um elemento

subversivo daquela ordem social difícil de ser identificado e, por isso mesmo,

de ser erradicado da sociedade de maneira a não mais desequilibrar tal ordem.

Poliakov diz que a origem mítica da superioridade da raça ariana é fortemente

marcada por uma fé nas origens diferenciadas de outros povos, mas o que

acabou por vencer não foi necessariamente o orgulho dessa origem diferente,

arianos oriundos da Índia, e sim a relevância que foi dada, pelos anti-semitas,

de ser uma origem diferente da dos judeus e, também, das outras raças

consideradas inferiores. O trecho abaixo ilustra bem o assunto:

Em 1904, um espírito crítico francês, Jean Finot, assim determinava a situação:

Estes produtos da imaginação científica, acolhidos cegamente, sem a menor crítica, passaram além disso, para os manuais de História e de Pedagogia. Hoje, dentre 1.000 europeus instruídos, 999 estão persuadidos da autenticidade de suas origens arianas (...) Isto tornou-se quase um axioma. Depois desta doutrina tão profundamente enraizada na consciência européia, a Sociologia, a História, a Política e a Literatura modernas não cessaram de opor os arianos aos outros povos semitas ou mongóis. A origem ariana tornou-se numa espécie de fontes benfazeja de onde fluem a alta moralidade da Europa e as virtudes de seus principais habitantes. Quando se procura comparar, de acordo com o jargão sociológico atual, duas mentalidades, duas morais, diz-se correntemente “ariano” e “anariano”. Crê-se então ter dito tudo. (POLIAKOV, 1974, p. 266)

Mas existiam aqueles que pensavam diferente de Fichte e Schelling e

naturalizavam a ojeriza aos judeus, considerado-a como inevitável. A citação

abaixo é do livro Kulturgerschichte, de Von Hellwald: “O preconceito antijudeu é

uma espécie de sentimento instintivo e natural, que se manifesta onde quer

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30

que homens de raça diferente entrem em contato.” (Idem , p. 263) Esse tipo

pensamento caiu como uma luva nas mãos dos anti-semitas e ecoou no século

XX.

1.2. Questões Contemporâneas Sobre Raça e A Questão Judaica

Acima demonstrei que para a historiadora brasileira Schwarcz interessa mais o

sentido social e político dado ao racismo do que sua conceituação científica

biológica. Obviamente que existe uma ligação direta entre um e outro porque,

como também disse anteriormente, a apropriação desse conceito pelas

ciências humanas se deu junto com o anseio de tornar esta área supostamente

mais científica, se aproximando não só das metodologias de análises das

ciências naturais bem como de seus objetos de pesquisa.

O caráter político do racismo resistiu (e ainda resiste a meu ver) mais tempo do

que sua matriz científica. Schwarcz diz que na Europa a abordagem das raças

humanas no campo das ciências biológicas entrou em desuso ainda nos anos

de 187020, mas no campo das ciências sociais e até mesmo da História essas

abordagens eram usadas para validar as ações imperialistas de dominação de

outros povos, principalmente após a partilha do continente africano no final do

século XIX. Mesmo em relação a sua aplicação no campo das ciências

biológicas há de se ter cuidado com essa afirmação, já que, mesmo que tenha

iniciado seu declínio, ela foi utilizada ainda como válida por médicos,

sanitaristas, dentre outros, como teoria de análise até pelo menos, a primeira

metade do século XX.

Nessa discussão vale a pena trazer as reflexões do sociólogo polonês,

radicado na Inglaterra, Zygmunt Bauman. Seria o anti-semitismo um tipo de

racismo? E mais. O racismo existe de fato?

20 Segundo essa mesma autora, aqui no Brasil tais conceitos chegavam e eram apropriados de maneira particular. Ela ainda afirma que tal apropriação não seguia uma lógica europeia, podendo, inclusive, mesclar linhas teóricas divergentes, mas igualmente úteis aos propósitos brasileiros, como o positivismo e o darwinismo-social.

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31

Sobre anti-semitismo o autor afirma que sua utilização é errônea, já que

mesmo os nazistas não utilizaram no período da guerra por causa do seu

significado semântico. Utilizar anti-semitismo significava transformar o judeu

em um grupo social organizado, o que significava territorializar o conflito, e um

dos elementos discursivos dos nazistas era exatamente o de que os judeus

não tinham pátria e não eram assimiláveis, por isso mesmo, descartáveis para

qualquer projeto de nação. Bauman, assim, difere a posição do judeu no

conflito intergrupal, por não existir um conflito por territorialidade. De fato a

desumanização do outro grupo, fossem judeus, ciganos, negros ou eslavos, fez

parte dos planos alemães, mas quando o autor reivindica existir territorialização

para que haja conflito intergrupal ele reproduz o sentido dado à prática racista

de desterritorializar o outro.

Explicarei melhor o que eu quero dizer. O mito ariano se funda na

superioridade racial de uma raça sobre outra. Dessa forma, o caminho natural

seria a raça ariana, dominar as outras a partir da conquista dos seus territórios.

Aí se baseia a territorialização dos conflitos entre o III Reich e os outros países,

principalmente os países do leste europeu, considerados como natos à

submissão e ao trabalho. Quando Bauman traz o argumento, a da não

existência da territorialização dos judeus (bem como dos ciganos) e daí a não

possibilidade de se denominar anti-semitismo a perseguição aos judeus à

época acaba por concordar que de fato os judeus não tinham vínculos com a

terra, não faziam parte de algum território, ou seja, eram de fato estranhos

àquele país.

Acho importante ressaltar que o conceito de territorialização utilizado pelo autor

se embasa nesse mito de origem. Entendo que o enraizamento dos grupos

sociais não perpassa apenas por isso, aliás, penso que tal aspecto só ganhará

grande relevância a partir da criação dos Estados-nações. Portanto, a despeito

desse critério, os judeus eram sim territorializados, já que, em muitos casos,

viviam há séculos em uma mesma localidade e se sentiam pertencentes a ela.

Esse conceito de territorialização demonstra de maneira contundente a ligação

existente entre esse cientificismo e a religião, porque, no final das contas,

quem define o pertencimento acaba sendo a filiação religiosa, tomando-se

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32

sempre o cuidado de que quando se é necessário fazer esse recorte - religião -

é apenas numa perspectiva metodológica, não compreendendo as outras

dimensões sociais, como a político-econômica.

Indo à segunda questão.

“A modernidade tornou possível o racismo.” (BAUMAN, 1998, p. 83). Com essa

afirmação Bauman faz o seu elo entre o pensamento moderno e racismo. O

autor argumenta que a conceituação do fenômeno racismo é comumente

vinculada a qualquer forma de ressentimento, preconceito grupal ou conflito

inter-grupal. Para Bauman os trabalhos historiográficos e etnológicos

documentam uma constância e universalidade da tendência a abominar e

manter a distância grupos estranhos (estrangeiros). A partir daí ele traz a

contribuição de Pierre-André Taguieff e os seus três níveis de racismo. (cf.

BAUMAN, 1998, p. 84.)

De acordo com Taguieff o racismo primário é universal, sendo que ele defende

que a ojeriza a grupos estranhos faz parte de nossa construção biológica,

assimilada desde outros tempos, onde o medo a outros grupos que nos fez

sobreviver. Esse racismo primário é uma resposta ao estranho e não precisa

de uma inspiração, instigação ou teoria, já que é nato ao ser humano. No

racismo secundário a aversão ao outro ganha uma argumentação lógica e é

racionalizada pela ideia de ameaça do estranho que seria o contraponto ao

bem estar do grupo a exemplo da xenofobia ou etnocentrismo. Já no terciário

encontramos a seguinte característica: “...mistificador, que pressupõe os outros

dois níveis inferiores, distingui-se pela utilização de argumentos quase

biológicos.” (BAUMAN, 1998, p. 85) Esse racismo terciário seria, então, algo

próximo do racismo moderno, das ciências.

Antes de tudo, vale lembrar que Reich, a partir de suas análises, chega a um

resultado oposto ao de Taguieff. Ao contrário do francês, o psicanalista austro-

húngaro vê um homem que tem uma tendência natural a se sociabilizar e viver

com o outro de forma harmônica, é o que apontamos acima como o cerne

biológico.

Page 33: David Rehem

33

A teoria de Taguieff, em sua raiz, naturaliza o comportamento racista. Mas, é

importante apontar que o sociólogo polonês critica o aspecto mistificador do

racismo terciário, pois para ele Taguieff teria sido mais feliz se tivesse

respaldado o caráter científico-biológico do mesmo, ou seja, não é quase

biológico o argumento, mas totalmente biológico. E é a partir desse caráter

científico-biológico que Bauman fará sua diferenciação entre heterofobia e

racismo.

Nela Bauman trouxe uma importante contribuição que é a atemporalidade da

heterofobia, já que se basearia no ressentimento ao outro e não a uma raça

que, para esse autor, é fruto da modernidade, no que ele tem razão. No

entanto, Bauman confere uma carga muito grande de subjetividade à

heterofobia. Ele traz uma irracionalidade heterofóbica, colocando-a como fruto

de uma ansiedade incontrolável. Penso que se esse argumento for verdadeiro

teremos que forjar outro conceito para ser utilizado atemporalmente nos casos

de conflitos inter-grupais. Por mais que esses conflitos tenham aspectos

subjetivos fortes não podemos descartar suas questões objetivas. Usando o

exemplo de nossos antepassados mais longínquos, conforme faz a teoria de

Taguieff, um grupo rivalizava com outro por questões objetivas como obtenção

de alimentos, água, etc..

O autor ainda traz mais uma categoria, que ele difere do racismo e da

heterofobia: a inimizade coletiva. Ela seria, “antagonismo mais específico

gerado pelas práticas humanas de busca de identidade e estabelecimento de

limites.”, nas quais “os sentimentos de antipatia e ressentimento parecem mais

apêndices emocionais de atividade de separação; separação que por si mesma

requer uma atividade, um esforço, uma ação continuada.” (BAUMAN, 1998, p.

86-87) Para mim a dissociação dos três conceitos empobrece a discussão.

Avalio importante fazer mais uma citação do autor sobre o racismo:

“Resumindo: no mundo moderno, caracterizado pela ambição do autocontrole e

da autogestão, o racismo declara certa categoria de pessoas endêmicas e

irremediavelmente resistente ao controle e imune a todos os esforços de

melhoria.” (idem, p. 88)

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34

É presumível a concordância com Bauman nas duas questões, embora o

acordo seja parcial. Porém, perde-se ao analisar de forma superficial os

elaboradores do racismo do século XVIII ao XX. 21 Penso que para uma análise

mais detida, o autor deveria considerar que quando se faz essa análise mais

profunda da História do racismo, percebe-se que isso é relativizado exatamente

por causa da visão civilizatória de mundo do Iluminismo que via na razão a

possível salvação daqueles que estivessem abertos para isso. Não ignoro,

porém, que dentro desse debate existem os incrédulos dessa salvação e os

que defendiam (e / ou defendem) a ideia de que estes nunca chegariam a ser

iguais, mas vejo nisso um resquício das sociedades pré-modernas ou

absolutistas, com a sua visão de mundo sem mobilidade social.

Se reivindicasse a linha de raciocínio de Bauman, chegaria à conclusão de que

o anti-semitismo se encaixa muito mais na heterofobia do que no racismo, já

que ele se insere na lógica de que, mesmo renegando sua herança judaica,

ainda assim seria visto como o outro. Acredito que isso possa ocorrer, porém

não creio que haja como dissociar os três conceitos, o racismo, a heterofobia e

a inimizade competitiva. O anti-semitismo é racista por racializar o judeu como

inferior, desagregador; é heterofóbico por colocar o judeu como o outro,

indesejável por ser estrangeiro e que tenta se assimilar de forma contagiosa a

essa sociedade que busca o equilíbrio; e é inimizade competitiva porque a

negação do judeu se faz necessária, como vimos anteriormente, enquanto

indivíduo e enquanto religioso, para a criação de uma identidade antagônica à

negada e ainda tenta estabelecer limites objetivos e subjetivos, como os

relacionados ao que um judeu pode ter ou não, qual espaço pode frequentar,

onde pode professar sua fé...

Num sentido contrário, principalmente se referido ao anti-semitismo, defendo a

existência do racismo, conforme o argumento do historiador brasileiro Marcelo

Badaró Mattos, que diz que se o mesmo não existe de fato ao menos

socialmente existe e serve, objetiva e subjetivamente, para uma hierarquização

21 Ele só faz isso, rapidamente, nas páginas 92 e 93 e só cita de passagem Gobineau e Levy. Para uma abordagem mais rica ver: POLIAKOV, 1974.

Page 35: David Rehem

35

social. O racismo cumpre esse papel exatamente por que necessita dessa

hierarquização para melhor explorar a partir da competitividade não apenas

extra-classe, mas intra-classe. Sua superação não está posta sem a mudança

no modo de produção vigente, o capitalismo. Somente com sua superação se

abre uma possibilidade de se extingui-lo. Abaixo as palavras de Badaró:

O núcleo duro do sistema a ser superado por qualquer projeto emancipatório consistente é a subordinação estrutural do trabalho ao capital. Porém, não é menos verdadeiro que, no exercício da exploração / dominação de classe, é importante para o capital estabelecer / estimular desigualdades outras, que induzam à concorrência interna e à fragmentação da identidade entre os trabalhadores e produzam “exércitos industriais de reserva” permanentes, ou seja, grupos de “excluídos” que contribuam em seu conjunto para pressionar para baixo a

massa salarial. (MATTOS, 2007, 174-200)

Também concordo com a socióloga Patrícia Pinho que diz o seguinte, sobre a

questão da raça, tendo como recorte a questão do negro:

Ao contrário daqueles que defendem que esta noção [de raça]

deve ser usada como meio de mobilização e unificação dos grupos que têm sido historicamente oprimidos, defendo aqui que a luta anti-racista deve incluir a superação da idéia de “raça”. Quanto mais percebemos o papel da cultura e da política na construção da negritude, mais fácil será reconhecer o quanto esta não é determinada por características fixadas pela “raça” ou pela natureza.” (PINHO, 2004, p. 20)

O que ela traz aos negros, aplico em relação à questão do racismo aos judeus.

Entretanto sem negar, como faz Bauman, a questão do racismo, mas

colocando-o como construção social sobre o outro. Sem fazer odes à ideia de

raça, no sentido de auto-afirmação, mas desconstruindo essa noção, como

propõe Pinho e Reich.

Reich caracteriza o racismo como algo que atua muito mais subjetivamente do

que objetivamente. Para ele, explicar a um racista que raças não existem e que

são conceitos científicos ultrapassados de nada adianta. O racista tem fé

religiosa na superioridade racial e tenta fazer suas vítimas acreditarem nisso,

se utilizando da propaganda e da naturalização disso para que, inclusive, suas

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36

vítimas corroborem com esse pensamento.22 Então, para o psicanalista austro-

húngaro, a única forma de se combater o racismo seria demonstrando não

apenas a sua incoerência teórica, mas sim o irracionalismo contido nele, já

que: “A única maneira de abalar a teoria racial é revelar suas funções

irracionais, que são essencialmente, duas: dar expressão a certas correntes

inconscientes e emocionais que predominam no homem [em relação] ao

nacionalismo, e de encobrir certas tendências psíquicas.” (REICH, 1988, p. 74)

E continua, após citar as contradições discursivas dos líderes nazistas:

Como tamanho disparate pode ser exposto numa “teoria” que pretendia ser a base de um mundo novo, um “terceiro Reich”? Se nos habituarmos à idéia de que a base emocional, irracional de tal hipótese devem sua existência, em última análise, a fatores existenciais definidos; quando nos libertamos da idéia de que a descoberta dessas fontes irracionais de concepção da vida, surgidas numa base irracional, significa relegar a questão para o campo da metafísica, então compreendemos não só as condições históricas que deram origem ao pensamento, mas também sua substância material. Os resultados falam por si. (REICH, 1988, p. 74-75)

Wilhelm Reich não nega os aspectos objetivos. Ele defende o aspecto

econômico como base objetiva do racismo, porém sua essência (a ser

combatida de forma mais efetiva) está em questões de cunho subjetivo, como a

ideia de Nação e superioridade racial. Mais uma vez dou a palavra ao autor:

Disto se conclui que as condições econômicas em que surge uma ideologia explicam a sua base material, mas não proporcionam um conhecimento imediato de seu fundo irracional. Este fundo surge diretamente da estrutura do caráter dos homens, sujeitos a determinadas condições histórico-econômico. À medida que desenvolvem a ideologia, os homens se transformam; é no processo de formação das ideologias que vamos encontrar o seu fundo material. Assim, a ideologia surge com uma base material dupla: a estrutura econômica da sociedade e a estrutura típica dos homens que a produzem, estrutura essa que é, por sua vez, condicionada pela estrutura econômica da sociedade. Torna-se claro, assim, que o processo irracional da formação de uma ideologia cria, por sua vez, estruturas irracionais, nos homens. (Idem, p. 75 e 76)

22

Para uma discussão interessante sobre o processo de naturalização, cf. GRAMSCI, Antonio. Cardenos do Cárcere. Vol. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2002. p. 50.

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37

Aponto isso como uma contribuição importante de Reich, já que ele demonstra

essa relação intrínseca entre o objetivo e o subjetivo, que parece ter sido a

tônica do racismo.

Reich ainda traz uma contribuição diferenciada por parte do ideólogo nazista

Alfred Rosemberg (1893-1946)23. Para o nazista citado, a origem das raças

nórdicas estava na Grécia. É na Grécia que a raça dos guerreiros existia e os

deuses gregos eram os heróis, ao contrário dos deuses do Oriente Próximo

que eram deuses humanizados. A derrocada da cultura superior grega se deu

a partir do contato com os etruscos e a inserção dos seus deuses entre os

adorados, em especial Dionísio e suas festas, já que para Rosemberg a

liberdade sexual trazida por esse deus trouxe a desestruturação da sociedade

grega.

O que de fundo se está condenando é a mistura de raças. Para Rosemberg a

presença do deus etrusco entre os gregos simbolizava a miscigenação a qual

se submeteu o povo grego e que coincidiu com a derrota de sua civilização; é

na pureza da raça que está o segredo do sucesso de um povo. E Rosemberg

não se limita a isso... Para ele a miscigenação entre classes diferentes também

significava derrocada de um povo. Para isso cita tanto os romanos como os

hindus. O que remete a uma outra ideia do racismo, relacionada diretamente a

sua origem fascista: para um bom funcionamento do organismo societal é

necessário não misturar as partes.

Até agora transitei por algumas formas de manifestações do racismo tentando

sempre ligá-lo ao anti-semitismo, já que é a questão do judeu que me interessa

aqui. Em todas essas manifestações racistas o pano de fundo foi a sua “base

científica”. Mas, como demonstrei acima, o que estava por trás na maioria das

vezes não eram interesses meramente científicos, mas também políticos, não a

toa no campo da política ele serviu, ao menos abertamente, até o fim do

apartheid sul-africano no final da década de 1980 e ainda na década de 1990,

23 Dirigente nazista de origem estoniana, quando a Estônia ainda pertencia ao Império Russo. Migrou para a Alemanha após a Revolução Russa de 1917. A base das reflexões de Reich para o que trato aqui é o livro “O Mito do Século XX” (no original “Der Mythus des 20 Jahrhunderts”, editora Hoheneichen - verlag), publicado, pela primeira vez, em 1930.

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38

no caso das justificativas das guerras e massacres na região da antiga

Iugoslávia. Além disso, trouxe também algumas reflexões sobre os aspectos

subjetivos desse racismo, principalmente a partir das reflexões de Reich que,

sem perder a relação entre o objetivo e o subjetivo, ressaltou o caráter

psicológico e irracional do racismo.

Por último vale acrescentar uma contribuição do campo da linguística, trazida

pelo ensaísta francês Jean-Pierre Faye. Segundo ele, a linguística age no

campo da subjetividade, também, e como Reich constata, quando diz que o

discurso fascista é pensado para atingir o subjetivo das massas24, ela é

pensada para tal25. Em Introdução a linguagens totalitárias26 Faye analisa as

mudanças ocorridas na forma de se relatar as questões. Ele vai posicionar no

século XIX a mudança mais efetiva na forma de se tratar os relatos que tinham

uma base quimérica (fictícia, na concepção spinoziana, segundo o autor) e

passam a buscar seu espaço do mundo das ciências. Mas ela se dá de forma a

garantir o discurso dominante. Ele cita o caso de Gobineau que serve como

ilustração dessa situação e que desloca (não só ele, mas segundo Faye ele é

uma das principais influências) a discussão da luta entre classes e a transforma

em luta entre raças.

Nas palavras do autor:

As quimeras da narração seguida pela imensa revolução foram substituídas por uma versão completamente distinta: aqueles que o Primeiro cônsul foi procurar e literalmente encomendar “no partido contrarevolucionário” [sic], na casa de M. de Montlosier. Ali, como exporá Thierry, constrói-se uma linguagem ou “o emprego de uma fraseologia” que, no decorrer do processo, “substitui a ideia de classes e estratos pela de povos diversos, [que] aplica à luta de classes inimigas ou rivais o vocabulário pitoresco da história das invasões e conquistas.”

24 Massas aqui é entendido não é entendido como grupo de pessoas amorfas e monolíticas, mas é uma forma de me referir genericamente às diversas frações que compõem as classes subalternizadas. 25 Imagino haver uma ligação estreita entre o discurso e a linguística. Uma das coisas que me apontam isso é a discussão sobre verdadeiro e falso feita por Faye e por Foucault. Para ambos ela é definida pelas classes dirigentes que, aí dialogando com Bourdieu, a definem sempre em diálogo com o sentimento popular, para mais fácil serem aceitas pelos subalternizados. 26 FAYE, Jean-Pierre. Introdução às linguagens totalitárias – Teoria e transformação do relato. Coleção Estudos, n.º 261. São Paulo. Editora Perspectiva. 2009

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39

Por sua vez, porém, tal vocabulário pitoresco e sua fraseologia

vão se transformar. Para chegar finalmente à forma mais brutal dos enunciados desta substituição:

Eles queriam a luta de classes. Eles terão o combate das raças, até

a castração.27 (FAYE, 2009, p. 13, grifos do autor)

O ensaísta francês ainda traz uma contribuição importante para compreender o

vínculo mitológico do anti-semitismo fascista citado por Reich. Eis que surge

Ernst Krieck28, ideólogo nazista discípulo de Rosemberg. Krieck antagoniza

duas formas de narrativas, a que parte do Logos (ou da Ratio) e a que parte do

Mythos. A primeira é valorativa, narra os fatos a partir do julgamento e da

decisão sobre a relação entre o verdadeiro e não verdadeiro. A segunda forma

se baseia apenas na narração do fato, no contar. A partir dessa compreensão

Krieck defende que a História contada a partir dos mitos é a forma correta;

aliás, ele coloca de forma dissociada História e mito, defendendo assim, a sua

forma de historicizar. Mas não só isso. O mito será a tônica dos discursos

totalitaristas. Contudo, aqui pode-se compreender que há uma tentativa,

mesmo que malfadada, ou como diz Faye, pobre intelectualmente, de se

vincular o mito com uma forma de se fazer ciência a partir de uma neutralidade

científica oferecida pela narrativa mitológica, pretensamente indefectível29.

Os autores contemporâneos enriqueceram o debate sobre o anti-semitismo.

Reich se coloca entre aqueles que viram a ascensão e queda do fascismo na

Europa, mas continuou a refletir sobre o tema posteriormente. Das discussões

mais recentes, Bauman e Faye trazem contribuições que avançam ao já

colocado pela historiografia do tema.

1.3. Anti-semitismo “Por Dentro” e “Por Fora”

Nesse tópico tratarei das questões ligadas ao anti-semitismo no que se referem

às “razões” de sua existência. Razões, entre aspas, porque não está colocado

27 Segue-se a nota do autor: Lanz von Liebenfels (ver: J-P.Faye, Langage totalitaires, livro II, parte II) 28 Foi membro do Clube Jovem Conservador nos anos 1920 e ingressa no Partido Nacional-Socialista na década de 1930. 29 Para mais detalhes ver o tópico O Enunciado Narrativo: Mythos contra Logos, no primeiro capítulo de FAYE, 2009.

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como justificativa real e sim justificativa construída socialmente e

historicamente.

Mas por que “por dentro” e “por fora”?

Parto da perspectiva de que a construção do anti-semitismo não é, como

afirma Jean-Paul Sartre, em Réflexions sur la question juive,30 apenas um

elemento do não-judeu para com o judeu. Existe uma relação dialética entre

esses dois elementos. Esse é um assunto polêmico e já rendeu muitos debates

sobre a principal defensora dessa ideia: Hannah Arendt31. Abaixo transcrevo

trecho em que ela apresenta sua reflexão:

A teoria que apresenta os judeus como eterno bode expiatório não significa que o bode expiatório poderia também ser qualquer outro grupo? Essa teoria defende a total inocência da vítima. Ela insinua não apenas que nenhum mal foi cometido mas, também, que foi feito pela vítima que a relacionasse com o assunto em questão. Contudo, quem tenta explicar por que um determinado bode expiatório se adapta tão bem a tal papel abandona nesse momento a teoria e envolve-se na pesquisa histórica. E então o chamado bode expiatório deixa de ser a vítima inocente a quem o mundo culpa por todos os seus pecados e através do qual deseja escapar ao castigo; torna-se um grupo entre outros grupos, todos igualmente envolvidos nos problemas do mundo. O fato de ter sido ou estar sendo vítima da injustiça e da crueldade não elimina a sua co-responsabilidade. (ARENDT, p. 25-26)

Primeiramente localizarei onde Arendt coloca essa questão.

É importante destacar a diferenciação que ela faz entre o anti-semitismo

moderno e o de outros tempos. A partir dessa questão a autora coloca as

diferenças em suas origens.

Para ela há uma diferença importante entre as manifestações contra os judeus

antes das elaborações racialistas da modernidade e depois. A diferença

estaria, exatamente, no que já expus no início do capítulo. Ou seja, as

30 Publicado no Brasil com o título: A Questão Judaica. Editora Ática, 1995. 31 A obra referência aqui é: ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Companhia das Letras, São Paulo. 2007

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perseguições aos judeus antes das elaborações racialistas estariam ligadas

discursivamente às diferenças religiosas. Os judeus não eram colocados como

raça inferior, mas sim como assassinos de Jesus e que renegavam a fé cristã.

Por outro lado, as elaborações racialistas colocavam a perseguição num outro

patamar e, junto com o projeto de criação das identidades nacionais, não

apenas de perseguição religiosa, mas uma perseguição respaldada na ciência,

como vimos no tópico acima.

Portanto no primeiro momento caberia mais o termo de anti-judaísmo, já que

estava diretamente ligada à religião e aos modos de ser dos judeus32; no

segundo momento se vinculava à questão da racialização judaica e mesmo

que isso não significasse um abandono à questão religiosa o que se destacava

discursivamente era o aspecto racial.

Em ambos os casos, não só para Arendt, bem como para Abraham Leon33, a

questão econômica estava diretamente ligada a essas perseguições. Nesse

sentido podemos verificar aspectos de fora e de dentro das comunidades

judaicas. Claro que mantendo as especificidades. As comunidades judaicas no

centro-oeste europeu estavam ligadas a atividades urbanas, ao comércio,

quando ainda essas atividades eram de pequena importância. Foram impelidos

a essa vida, pois como sofriam constantes perseguições buscavam atividades

onde pudessem acumular riquezas móveis. Por outro lado os judeus do leste

europeu se dedicavam a atividades agrícolas, ou seja, se configuravam na

estrutura social de forma diferenciada. Havia aqueles que estavam ligados ao

poder vigente, na maioria dos casos, a partir da administração financeira de

principados ou reinos. Eram estes os judeus-de-corte. Vale ressaltar que

enquanto a função de judeu-de-corte era um “privilégio” de alguns judeus e

seguramente momentânea, a visão do judeu enquanto usurário era

32 Modos de ser no sentido de que ser judeu está além da religiosidade, mas perpassa a cultura, a organização social, etc. O termo é usado no plural porque existem diversas formas de “ser judeu” não apenas a partir das diversas formas de se relacionar com a religião, mas variando de acordo com região e tempo. Para ver mais: BUBER, Martin. Histórias do Rabi. Ed. Perspectiva, São Paulo. 1967; DEUTSCHER, Isaac. O judeu não-judeu e outros ensaios. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro. 1970; VVAA. A Paixão de Ser – Depoimentos e Ensaios sobre a Identidade Judaica. Porto Alegre. Artes e Ofícios, 1998. 33

Marxista de origem judaica que escreveu: A concepção materialista da questão judaica.

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disseminada, de forma generalizada, seja para os da corte, que tinham a

proteção dos senhores, como para os das comunidades urbanas e rurais,

desprovidos de qualquer proteção.

É diante dessa imagem do judeu generalizada, independente da sua

localização na estrutura social, que Baumam traz a ideia de judeus como um

grupo arco-iris. Esse conceito serve de ilustração para compreender como o

judeu era visto, tratando o judeu a partir de uma visão prismática, uma

metáfora, em alusão a um arco-íris onde o judeu é visto a partir de uma lente

que recebe a luz e a projeta de diversas cores, em um prisma que dependendo

de onde e quem olha tem um formato diferenciado. Essa metáfora é utilizada

pelo o autor para ilustrar como o judeu era visto por servos e senhores. Para os

senhores nada mais eram do que iguais aos plebeus e para os servos eram

vistos como portadores da opressão senhorial.

Acredito que essa metáfora pode ser aplicada inclusive ao anti-semitismo. Se

pensarmos que classes dominantes e classes subalternizadas se relacionavam

com a perseguição aos judeus de forma diferente. Trazendo, rapidamente, para

o caso brasileiro, na década de 1930, enquanto a população tinha uma rejeição

mais baseada numa ideia de judeu anti-cristão, ou seja, opositor do

cristianismo, com uma raiz muito mais religiosa, intelectuais e políticos

procuravam restringir a presença judaica no país por outras razões34,

vinculadas, dentre outras, à razões de construção da nação, entre outros

motivos, os quais me debruçarei mais detidamente nos próximos capítulos, em

especial o segundo, em que apresento algumas das leis restritivas à imigração.

Por hora, o importante é perceber a relação existente entre o anti-judaísmo e o

anti-semitismo que apesar de distintos, estão relacionados.

Conceitualmente Marx contribui para pensarmos essa relação da seguinte

forma:

34 Sobre o assunto ver: CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O antisemitismo na Era Vargas (1930 – 1940). Editora Brasiliense, São Paulo. 1988; MAIO, Marcos Chor. Nem Rotschild Nem Trotsky – O pensamento anti-semita de Gustavo Barroso. Rio de Janeiro, Imago Ed., 1992; CRUZ, Natália dos Reis. A questão judaica. O anti-semitismo na doutrina integralista. IN: O Integralismo e a questão racial. A Intolerância como princípio. Tese de doutorado. Niterói. Universidade Federal Fluminense. 2004 – dentre outros trabalhos.

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“(...)a categoria simples que pode exprimir relações dominantes de um todo pouco desenvolvido ainda, relações que já existiam antes que o todo tivesse se desenvolvido na direção que é expressa em uma categoria mais complexa. Nesse sentido, as leis do pensamento abstrato que se eleva do mais simples ao complexo correspondem ao processo histórico real.” (MARX, 2007, p. 258)35

Dessa forma, podemos analisar o anti-semitismo moderno como tendo raízes

nos anti-semitismos anteriores. Apesar dessa relação, como o próprio Marx vai

defender mais à frente em sua obra, uma categoria simples só se desenvolve

quando as condições estão dadas pelo processo histórico real, quando se

desenvolvem as condições históricas que permitam o seu desenvolvimento

pleno.

Sim. Mas então qual a relação dos judeus com essa construção? Como eles

não são vítimas se até agora discuti apenas como o anti-semitismo foi

construído pelos não judeus?

Uma outra obra de Karl Marx nos ajuda nesse sentido. É A Questão Judaica.36

Ela não trata da questão das perseguições aos judeus, mas sim, trava um

debate sobre a emancipação do judeu na sociedade. Em linhas gerais, se

contrapondo a Bruno Bauer que defende a emancipação do judeu a partir de

sua liberdade de culto, Marx defende que a emancipação social do judeu só se

dará quando ele se emancipar de sua própria religião, bem como a sociedade

em geral, que só concretizará a sua libertação quando emancipar o Estado da

religião.

Ou seja, o judeu também se mantinha como tal por uma opção. A vivência em

guetos, as atitudes “estranhas”37 frente à convivência coletiva, a relação com a

religião e até mesmo com o dinheiro eram atitudes oriundas não apenas da

35 A obra aqui utilizada é: MARX, Karl. Introdução à Contribuição à Crítica da Economia Política. IN: Contribuição à Crítica da Economia Política. São Paulo, Editora Expressão Popular, 2007. 2.ª edição. Tradução: Florestan Fernandes. p. 235 – 270 36 Recentemente publicada pela Editora Expressão Popular com o título Para a questão judaica, no ano de 2009. 37 Entre aspas por não significar estranhas num sentido valorativo mas de diferentes atitudes comportamentais se comparado ao restante da sociedade. Obviamente isso não significava uma regra, mas características buscadas na necessidade de identificar “o outro”.

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cabeça dos anti-semitas. Não quero com isso dizer que essas justificativas

tinham validade, já que na maioria das vezes essas atitudes diferenciadas

serviam apenas como estereótipos, tendo em vista que, em se tratando do

período compreendido como “moderno”, os judeus já passavam, no mundo

ocidental, mais especificamente no centro-oeste europeu, por um processo de

assimilação muito rápido e por vontade própria de integração sócio-cultural.

Indo além dessas questões, a participação de judeus em movimentos políticos,

tanto os vinculados às classes dominantes, quanto os ligados às classes

subalternizadas, serviam como pano de fundo para a “conspiração mundial

judaica” contra o mundo ocidental cristão.

Mas há um elemento apontado por Arendt que me parece de extrema

importância. Ela reflete a assimilação apontada acima. Diz que, por sua vez,

setores do judaísmo viram no anti-semitismo a possibilidade de evitar essa

sangria. A seguir as palavras da filósofa alemã, radicada nos Estados Unidos:

O aparecimento e o crescimento do anti-semitismo moderno foram concomitantes e interligados à assimilação judaica, e ao processo de secularização e fenecimento dos antigos valores religiosos e espirituais do judaísmo. Vastas parcelas do povo judeu foram, ao mesmo tempo, ameaçadas externamente de extinção física e, internamente, de dissolução. Nessas condições os judeus que se preocupavam com a sobrevivência do seu povo descobriram, num curioso e desesperado erro de interpretação, a idéia consoladora de que o anti-semitismo, afinal de contas, podia ser um excelente meio de manter o povo unido, de sorte que na existência de anti-semitismo “eterno” estaria a eterna garantia da existência judaica. Essa atitude decerto supersticiosa, relacionada com a fé em sua “eleição” por Deus e com a esperança messiânica, era fortalecida pelo real fato de ter sido a hostilidade cristã, para os judeus, autêntico fator que, durante muitos séculos, desempenhava o papel do poderoso agente preservador, espiritual e político. Os judeus confundem o moderno anti-semitismo com o antigo ódio religioso antijudaíco. (ARENDT, 2007, p. 27)

Eis uma boa ilustração do papel dos judeus em relação ao anti-semitismo. Mas

é importante salientar que as questões apontadas acima não explicam de

forma completa, a problemática dos judeus. Na verdade, numericamente,

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esses judeus eram minorias se comparado aos milhões que não se

beneficiaram dessa perseguição, muito pelo contrário. Além disso, existe

também a relação de judeus que compunham a classe dominante e dos

sionistas que tiveram importância no desenvolvimento do anti-semitismo

moderno.

Os primeiros pensavam em se distanciar de qualquer reconhecimento

enquanto judeus, principalmente nas situações em que se achavam, posto que

isso fecharia portas no mundo burguês, como dizem Adorno & Hokheimer:

O entrelaçamento dialético do esclarecimento e da dominação, a dupla relação do progresso com a crueldade e a libertação, que os judeus tiveram que provar nos grandes esclarecedores38 bem como nos movimentos populares democráticos, também se mostra no ser dos próprios assimilados. O autodomínio esclarecido com que os judeus adaptados superam inteiramente as lembranças penosas da dominação imposta por outros (por assim dizer, a segunda circuncisão) tirou-os de sua comunidade carcomida e os jogou sem mais na burguesia moderna, que já avançava inexoravelmente para a recaída na simples repressão, ou seja, para sua reorganização como raça pura. A raça não é imediatamente como querem os racistas, uma característica natural particular. Ela é, antes, a redução ao natural, à pura violência, a particularidade obstinada que, no existente, é justamente universal. A raça, hoje, é a auto-afirmação do indivíduo burguês à coletividade bárbara. Os judeus liberais, que professaram a harmonia da sociedade, acabaram tendo que sofrê-la em sua própria carne como a harmonia étnica [Volksgemeinschaft]. Eles achavam que era o anti-semitismo que vinha desfigurar a ordem, quando na verdade é a ordem que não pode viver sem a desfiguração do homem. A perseguição aos judeus, como a perseguição em geral, não se pode separar de semelhante ordem. Sua essência, por mais que se esconda às vezes, é a violência que hoje se manifesta. (ADORNO & HOKHEIMER, 2006, p. 140)39

No caso dos sionistas a situação era ainda mais grave. A omissão de uma

parcela desses servia para validação de seus projetos de fundação de um

Estado judaico. Para isso, basta lembrar que os ideais sionistas não tinham

38 Esclarecimento, esclarecidos e suas derivações se referem ao Iluminismo, aos Iluministas e

suas derivações. A opção pela utilização da tradução de Aufklärung por esclarecimento é, trocadilho a parte, esclarecida pelo tradutor em nota preliminar ao texto, na p. 07.

39 ADORNO, Theodor W. e HORKHEIMER, Max. Elementos do Anti-Semitismo: Limites do Esclarecimento. IN: Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores, 2006. Tradução: Guido Antonio de Almeida. p. 139 – 171

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muita repercussão em diversas comunidades judaicas que, como afirmei

anteriormente, passavam por um processo de assimilação muitas vezes

acelerado. O artigo Israel: cinco décadas de pilhagem e limpeza étnica,

assinado pela jornalista Cecília Toledo ilustra bem o assunto:

Um dos reflexos mais sórdidos dessa política foi a ação do sionismo em relação à resistência judaica contra os massacres de judeus na Europa. Em julho de 1944, o dirigente judeu eslovaco, rabino Dov Michael Weissmandel, escreveu aos funcionários sionistas encarregados das “organizações de resgate”, propondo uma série de medidas para salvar os judeus de Auschwitz. Ofereceu mapas exatos das ferrovias e planejou o bombardeio das linhas que levavam aos crematórios. Pediu que bombardeassem os fornos de Auschwitz, que lançassem de pára-quedas munição para 80 mil presos e bombas para explodir o campo e pôr fim à cremação de 13 mil judeus por dia. Caso os aliados se recusassem a colaborar, Weissmandel propunha que os sionistas, que dispunham de fundos e organização, comprassem aviões, recrutassem voluntários e fizessem a operação. Weissmandel não era o único a pedir isso. No final dos anos 40 e durante os anos 40, porta-vozes judeus da Europa pediram socorro, campanhas públicas, resistência organizada, manifestações para obrigar os governos aliados a colaborar. Mas sempre se deparavam com o silêncio sionista ou mesmo com sua sabotagem ativa. O rabino Weissmandel, em julho de 1944, um ano antes de terminar a guerra, enviou aos sionistas uma carta de protesto, publicada parcialmente em História Oculta do Sionismo, de Schoenman: “Por que não fizeram nada até agora? Quem é o culpado por esta terrível negligência? Não são vocês os culpados, irmãos judeus, que têm a maior sorte do mundo, a liberdade? Enviamos a vocês esta mensagem especial: informamos que ontem os alemães iniciaram a deportação de judeus da Hungria. Os que foram para Auschwitz serão mortos com gás cianeto. Essa é a ordem do dia de Auschwitz desde ontem: A cada dia serão asfixiados doze mil judeus – homens, mulheres e crianças, anciãos, crianças de peito, doentes ou não. E vocês, nossos irmãos aí na Palestina, e de todos os países livres, e vocês, ministros de todos os reinos, por que mantêm silêncio diante desse grande assassinato? Silenciam enquanto assassinam milhares, já são seis milhões de judeus? Silenciam agora, quando dezenas de milhares estão sendo assassinados ou esperam na fila da morte? Seus corações destroçados pedem socorro, choram por vossa crueldade. São brutais, vocês também são assassinos, pelo sangue frio do silêncio com que olham, porque estão sentados com os

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47

braços cruzados sem fazer nada, apesar de que nesse mesmo instante poderiam deter ou postergar o assassinato de judeus. Vocês, nossos irmãos, filhos de Israel, estão loucos? Não sabem o inferno que nos rodeia? Para quem guardam seu dinheiro? Assassinos! Loucos! Quem faz caridade aqui, vocês, que soltam uns centavos daí, de suas casas seguras, ou nós, que entregamos nosso sangue neste inferno?” Nenhum dirigente sionista apoiou esta petição, nem os governos ocidentais bombardearam um único campo de concentração. A colaboração entre o sionismo e o fascismo fez com que o primeiro traísse a resistência e voltasse as costas para o operativo que resultou na morte de pelo menos 6 milhões de judeus. (TOLEDO, 2001, p. 75-76)40

Penso que, apesar de longa, a citação do artigo de Cecília Toledo nos serve

para termos ideia da dimensão da omissão de algumas organizações judaicas,

laicas ou religiosas, frente ao anti-semitismo mundial como forma de justificar

seus projetos político-religiosos. Anacronismos a parte, não é difícil perceber

essa utilização nos dias de hoje em relação ao Estado de Israel. Sempre que

questionado pela suas atrocidades impetradas contra os palestinos, os

representantes políticos do Estado de Israel levantam suas vozes contra o anti-

semitismo disseminado no mundo ocidental e milenar. Assim como o projeto

político da liberdade aos judeus da opressão somente por serem judeus era

uma mentira, a defesa do Estado de Israel por esse viés é uma outra

inverdade. Mas isso é um assunto para um outro trabalho.

Apesar desses fatores “internos” e “externos” aos judeus sobre o anti-

semitismo, o que estava em jogo era um emaranhado de interesses não

apenas individuais, mas de projetos coletivos como o sionismo. De forma

alguma isso justifica a omissão, mas o objetivo foi apenas tentar apontar para

essa complexidade do anti-semitismo e não encontrar um ou outro elemento

dele. Mesmo assim sei que é impossível dar conta dessas possibilidades de

40 TOLEDO, Cecília. Israel: cinco décadas de pillaje y limpieza étnica. IN: Revista Marxismo Vivo, n.º 3. Maio de 2001. Versão eletrônica acessada em 22 de junho de 2010 em: http://www.litci.org/inicio/newspublicaciones/marxismo-vivo (tradução livre minha); Para ver mais: VVAA. Judaísmo versus Sionismo – Três ilustres judeus opinam sobre Israel. Rio de Janeiro. Estudos Árabes da Delegação da Liga dos Estados Árabes, 1969. Coleção Monografias; e PINSKY, Jaime. Origens do Nacionalismo Judaico. São Paulo, HUCITEC, 1978.

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48

anti-semitismo que deram assunto para diversos livros de distintas áreas do

conhecimento, sendo que aqui, nem de perto, o tema foi esgotado. Mas

registro que é a partir dessa complexidade que tentarei analisar as fontes,

tentando compreender o anti-semitismo à luz do racismo, dos elementos

psicológicos, linguísticos e discursivos, além de tentar fugir da vitimização do

judeu diante desse monstro que é o anti-semitismo, até mesmo porque parto

da ideia de que, vítimas ou algozes, somos todos sujeitos ativos na história.

Retomando dois dos três autores baianos do início, Boris Tabacoff e Jacob

Gorender tinham quatro e nove anos, respectivamente, em 1933, início desta

pesquisa, e trazem relatos que se baseiam em lembranças, suas e de

familiares e da comunidade, segundo os próprios autores. Talvez por isso

mesmo não se apresente em seus relatos o anti-semitismo contido nos meios

de comunicação e na política da AIB. Já os equívocos da Esther Largman

estão na sua lida com suas fontes. Em Judeus nos Trópicos a autora utiliza

diversas fontes orais e parcas fontes jornalísticas. Em muitos casos, como na

impressão sobre o papel da imprensa para a divulgação do anti-semitismo na

Bahia e os “apelidos” dados aos judeus, são tratados pela autora como eventos

de menor importância.41 No desenvolver da dissertação se mostrará que essas

interpretações são equivocadas. As fontes aqui trabalhadas permitirão

demonstrar esses equívocos e refletir como o anti-semitismo foi uma

manifestação presente na imprensa baiana.

41 LARGMAN, 2002, p. 78 e 79.

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49

CAPÍTULO II

XENOFOBIA, IMIGRAÇÃO E RAÇA NO BRASIL DOS ANOS 1930

“Além do mito que limita o infinito E da cegueira dos guardas das fronteiras”

(Guardas das Fronteiras, Engenheiros do Hawaii)

Existe um número razoável de trabalhos que se referem ao anti-semitismo, em

sua expressão moderna, no Brasil da década de 1930.42 Para entender o por

quê do “terreno fértil” para a propagação dessa ojeriza aos judeus nesse

período é necessário compreender em qual conjuntura isso se dava. Qual

situação permitiu que se configurasse um anti-semitismo que, mesmo não

tendo tido uma expressividade, numericamente e em intensidade, semelhante

ao ocorrido na Europa, se apresentou no Brasil tanto entre os representantes

do Estado, mais especificamente no campo da diplomacia, bem como em

organizações de influência de massas, como AIB, que chegou a ter milhares de

filiados e divulgava esse anti-semitismo em obras, jornais e revistas, suas ou

sob sua influência? 43

Neste capítulo farei uma breve apresentação dessa conjuntura. Lanço mão,

para essa discussão, de trabalhos sobre o assunto e documentação

apresentados em outras obras e dados fornecidos pelos jornais utilizados como

fonte nessa dissertação.

42 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O anti-semitismo na Era Vargas (1930 – 1940). Editora Braziliense, São Paulo. 1988; CARNEIRO, Maria Luiza Tucci . Cidadão do mundo: Brasil diante do Holocausto e dos judeus refugiados. Editora Perspectiva, São Paulo. 2010. CYTRYNOWICZ, Roney. Além do Estado e da ideologia: imigração judaica, Estado-Novo e Segunda Guerra Mundial. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 22, n.ª 44, p. 393-423. 2002; MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em Guarda Contra o Perigo Vermelho. São Paulo, Perspectiva, 2002; CRUZ, Natália dos Reis. O Integralismo e a Questão Racial. A Intolerância como princípio. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense, 2004; MAIO, Marcos Chor. Nem Rotschild Nem Trotsky – O pensamento anti-semita de Gustavo Barroso. Rio de Janeiro, Imago Ed., 1992; ALMEIDA, Maria das Graças Andrade Ataíde de. A Construção da Verdade Autoritária. São Paulo. Série Teses. Ed. Humanitas FFLCH/USP. 2001; SANTOS, Manuela Monteiro Teles dos. O anti-semitismo no jornal O Imparcial (1933-1938). Monografia de especialização. Feira de Santana, Universidade Estadual de Feira de Santana. 2004. 43

Na Bahia o número total de filiados variam entre 46.000 a 80.000. ver: LIMA, 2010, p. 73, nota 39, onde o autor problematiza esses números. Existem ainda outros estudos sobre esses números que apontarei no próximo capítulo

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50

2.1. 1930: Uma Década de Transformações

A década de 1930 se inicia com significativas transformações político-

econômicas.44 O Brasil da hoje chamada Velha República (nascida com a

proclamação da República no Brasil, em 1889) agonizava em crises sociais e

político-econômicas. Para substituí-la apresentava-se um novo grupo político

que trazia em seu nome a imagem que fazia de si mesmo: Aliança Liberal.

Esse grupo trazia consigo bandeiras que rompiam, ao menos no discurso, com

a política oligarca do café-com-leite e defendia reformas sociais e voto secreto.

Digo ao menos discursivamente porque na prática se reuniam em torno da

Aliança nomes ligados à Velha República, como o ex-governador baiano José

Joaquim Seabra, além dos antigos parceiros dos paulistas, os oligarcas

mineiros que abriram mão do nome de Antônio de Andrada em detrimento da

candidatura do gaúcho Getúlio Dorneles Vargas.

No entanto, a Aliança Liberal (AL) sai derrotada das eleições de 1930,

marcadas por denúncias de fraudes. Mas não demoraria para que a AL

chegasse ao poder. O vitorioso das eleições, Júlio Prestes, candidato ligado ao

ex-presidente Washington Luís, não conseguiu solucionar a crise político-

econômica vivida no Brasil e em outubro de 1930 políticos e militares ligados

ou apoiadores da Aliança Liberal tomaram o poder, destituindo Washington

Luis e não permitindo que Júlio Prestes tomasse posse, criando uma Junta

Militar de um governo “revolucionário” provisório que logo seria substituído pela

figura de Getúlio Vargas, principal líder da “revolução de 1930”.45

Em torno dos eventos de 1930 constrói-se a idéia de uma revolução burguesa

à brasileira, já questionável hoje. Questionável porque hoje se pergunta em

quais aspectos houve de fato uma revolução. Tendo-se como referência o

“aburguesamento” arquitetônico e logístico das cidades brasileiras não cabe, já

44

Utilizo, aqui, o termo “político-econômico” para designar o que comumente são colocados de forma distinta: a política e a economia. O referencial teórico para a utilização do termo é a obra de Karl Marx “Contribuição para a Crítica da Economia Política”. Para o autor a separação entre economia e política é um artifício retórico dos economistas burgueses para desvincular a relação simbiótica entre ambas dimensões da sociedade. 45

Cf. AMADO, 1973; CAMPOS (a), 2006; CARNEIRO, 1998; FERNANDES, 2004; FURTADO, 1972; MENDES, 1992; MOURA, 1980; TRONCA, 1982; TOTA, 2000; TAVARES, 2001;

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51

que a Belle Époque brasileira do final do século XIX cumpriu esse papel em

cidades como Rio de Janeiro, Recife e Salvador. Se a referência for o

surgimento de uma burguesia brasileira menos ainda, tendo em vista diversos

trabalhos que já apontam para uma leitura processual sobre a construção da

burguesia no Brasil, como exporei a seguir.

Em “A escravidão entre dois liberalismos” Alfredo Bosi afirma que o liberalismo

à brasileira tem sua origem diretamente ligada aos interesses do sistema

escravista no país:

Porque foram, sem dúvida, as lutas da burguesia agroexportadora que tinham cortado os privilégios da Metrópole graças a abertura dos portos em 1808; esses mesmos patriotas tinham garantido, para si e para a sua classe, as liberdades de produzir, mercar e representar-se na cena política. Daí o caráter funcional e tópico do seu

liberalismo. (BOSI, 2004, p. 198, grifo do autor)

No decorrer do texto Bosi vai tratar de como o liberalismo possui margem de

manobra para se adaptar às mais diversas circunstâncias, sendo que no Brasil

se constituiu como uma alternativa de um conflito intra-classe dominante que

colocava em contraposição projetos políticos que se antagonizavam entre um

projeto patriótico e outro de recolonização. O liberalismo à brasileira, portanto,

não pautava as demandas das classes subalternizadas e nem buscava

alianças estratégicas. Ao fim e ao cabo, não cumpria um papel revolucionário.

46

Quem também contribui para essa discussão é o sociólogo Florestan

Fernandes. Indo além47 de Bosi, Fernandes, em “A concretização da

Revolução Burguesa”, explica as dificuldades em se definir uma revolução

burguesa. Para o Brasil, Fernandes diz ter havido uma configuração de ilhas

46

Há um levantamento bibliográfico pautado no debate acerca do liberalismo a brasileira feito em: GRINBERG, Keila. Liberata – a lei da ambigüidade: As ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século XIX. Rio de Janeiro: Relume – Dumará, 1994. Nessa obra a autora traz discussões muito importantes sobre o debate do tema no Brasil, como a concepção das “ideias fora do lugar”, de Maria Sylvia de Carvalho Franco, bem como outras leituras desse liberalismo à brasileira, ou no Brasil, como pautam alguns estudos, dentre eles Roberto Schwartz, Wanderly Guilherme e o Alfredo Bosi. 47

O “além” fica por minha conta, já que Bosi não tem como objetivo definir burguesia ou muito menos sua revolução.

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52

burguesas “desde o período colonial até o início da República, caracterizada

pela presença de capitalistas do campo e da cidade.” (FERNANDES, 2004, p.

426) Pela sua vinculação com o mundo rural, a burguesia brasileira,

notadamente a partir do Império, teria feito um pacto político, no qual o Estado

continuava na mão das oligarquias que lhe garantiria, em troca, a liberdade

político-econômica apenas para assegurar seus interesses comerciais e

industriais.

Portanto, estamos diante de uma burguesia dotada de moderado espírito modernizador e que, além do mais, tendia a circunscrever a modernização ao âmbito empresarial e às condições imediatas da atividade econômica ou do crescimento econômico. Saía desses limites, mas como meio – não como um fim – para demonstrar sua “civilidade”. Nunca para empolgar os destinos da nação como um todo, para revolucioná-lo de alto a baixo. (FERNANDES, 1975 (2004), p. 428)

Na Bahia as coisas se configuravam de forma semelhante, ainda que com algumas

particularidades. Em primeiro lugar, apesar da “revolução de 1930” ter indicado Juraci

Magalhães para a função de interventor, preterindo, assim, José Joaquim Seabra,

político baiano ligado à República Velha, e que havia apoiado a Aliança Liberal, essa

atitude não significou ruptura com a oligarquia baiana, já que o interventor oriundo do

Ceará garantiu sua governabilidade a partir de aliança com os velhos coronéis da

política baiana, a exemplo do coronel Franklin Lins de Albuquerque. Em segundo

lugar, as eleições para o legislativo de 1933 e 1934 apontam para o mesmo, sendo

que os aliancistas elegeram diversos nomes ligados à velha oligarquia baiana. (cf.

TAVARES, 2001, p. 419-446).

A dissertação de Aruã Lima sugere o contrário. Segundo o mesmo “o objetivo dos

primeiros momentos da interventoria de Juraci Magalhães foi estabelecer parâmetros

para diálogo entre classes. Fazer o estado parecer um mediador dos interesses

classistas e, mais que isso, tutelar – por meio do amparo – a organização das

classes.” (LIMA, 2010, p. 111). Para exemplificar tal postura Lima fala da Reforma

Política, que previa a participação de trabalhadores e sobre a perseguição promovida

pelo interventor Magalhães a figuras antigas da política baiana, como Simões Filho,

Góes Calmon, J. J. Seabra e os irmãos Mangabeira (João e Otávio), dentre outros.

Por outro lado é fácil notar a aproximação entre Magalhães e oligarcas e políticos

tradicionais a partir das eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, em maio de

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53

1933, e das eleições para a Constituinte baiana em outubro de 1934, a exemplo de

Clemente Mariani (filho do magistrado Pedro Ribeiro), Antônio Garcia de Medeiros

Neto (ligado a Rui Barbosa), cônego Manuel Leôncio Galrão (indicado por Miguel

Calmon, Simões Filho e outros para o senado, em 1927)48 e Valdomiro Lins de

Albuquerque. Ao que parece se por um lado Magalhães tentou executar os objetivos

da revolução, por outro manteve sua governabilidade a partir de alianças com esses

setores.

De qualquer sorte, percebe-se que se seguiu um esquema parecido, em relação à

questão oligarquia-burguesia, apresentado anteriormente. E mais, tanto na Bahia,

quanto no Brasil, as diferenças eram esquecidas quando o assunto era a repressão às

classes subalternizadas. Mais uma vez, Fernades:

Porque é nele [no conflito com as oposições dos subalternizados], nesse entrechoque de conflitos de interesses da mesma natureza ou convergentes e de sucessivas acomodações, que repousa o que se poderia chamar de “consolidação conservadora” da dominação burguesa no Brasil. Foi graças a ela que a oligarquia – como e enquanto oligarquia “tradicional” (ou agrária) e como oligarquia “moderna” (ou dos “altos negócios”, comerciais-financeiros, mas também industriais) – logrou a possibilidade de plasmar a mentalidade burguesa e, mais ainda, de determinar o próprio padrão de dominação burguesa. Cedendo terreno ao radicalismo dos setores intermediários e à insatisfação dos conflitos em largo prazo, pois não só resguardou seus interesses materiais “tradicionais” ou “modernos”, apesar de todas as mudanças, como transferiu para os demais parceiros o seu modo de ver e de praticar tanto as regras quanto o estilo do jogo. Depois de sua aparente destituição pela revolução da Aliança Liberal, as duas oligarquias ressurgem vigorosamente sob o Estado Novo, o governo de Dutra e, especialmente, a “revolução institucional”49 (sem que se ofuscassem nos entreatos). Parafraseando os mexicanos, poderíamos dizer que se constituiu uma “nova aristocracia” e que foi a oligarquia (“antiga” ou “moderna”) – e não as classes médias ou as industriais – que decidiu, na realidade, o que deveria ser a dominação burguesa, senão idealmente, pelo menos na prática. (FERNANDES, 2004, p. 428)

48

Folha do Norte, Ano XVIII, nº916, 29 de janeiro de 1927, p. 1, APUD CAMPOS (b), 2008. Em: http://www.abhr.org.br/wp-content/uploads/2008/12/campos-juliano-mota.pdf Visitado em 05 de janeiro de 2011. 49

A “revolução institucional” ao qual o autor se refere é o golpe civil-militar de 1964. (nota minha)

Page 54: David Rehem

54

Ou seja, se é correto afirmar que houve avanços no período compreendido

como a primeira fase da “revolução de 1930”, ou seja, entre os anos de 1930 e

1937, antes do Estado Novo, isso não significou um imobilismo da classe

dominante, mas sim um rearranjo temporário que serviu para preparar o

terreno para que a própria velha oligarquia voltasse com roupas novas. Num

primeiro momento como defensora do Brasil contra a ameaça estrangeira,

representada pelo comunismo, no Estado Novo; num segundo, como

defensora da democracia e contra a ditadura Vargas, em 1945.

Se houve uma revolução promovida pelos acontecimentos de 1930, essa foi

em outras questões de grande relevância para a consolidação da burguesia

nacional. Em primeiro lugar o que marca esse período é o avanço em relação

às leis trabalhistas que por sua vez estão diretamente ligadas à aceleração do

processo de industrialização do país. 50

Mas esse período consolida, também, o posicionamento do Brasil frente ao

cenário internacional, em que Tucci Carneiro afirma que Vargas posava de

defensor da democracia para fora, mas exercia seu poder de ditador dentro do

país. Tal postura significou uma posição dúbia do governo brasileiro em relação

à política de imigração, uma oficial e uma extra-oficial, como dissertarei a

seguir.

2.2. Os Indesejáveis

Historicamente os ministérios ligados à entrada de imigrantes no Brasil eram

responsáveis pelo comércio e pela agricultura. Num primeiro olhar pode-se

afirmar que a imigração no Brasil tinha um cunho meramente econômico, mas

basta ver do que tratava seus decretos e regulamentações para perceber que

existia algo mais nessa relação.

50

Ver: FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. – Dentre outras questões, o livro aborda sobre o destaque na recuperação da economia brasileira após a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, que gerou uma crise mundial. Esse destaque se dá pelo Brasil ter conseguido reagir a essa crise antes mesmo dos Estados Unidos da América (EUA).

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55

Em 14 de janeiro de 1888, a Princesa Izabel assina o decreto de número

9.841,51 prorrogando o contrato com a Sociedade Colonisadora de 1849,

localizada em Hamburgo (atual Alemanha), e regulamenta a entrada de

colonos encaminhados por esta Sociedade para trabalharem no setor

agrícola.52 Essa prorrogação traz um dado importante: o projeto de

embranquecimento da sociedade brasileira, que se iniciou muito antes do fim

da escravidão, já tinha a preocupação em trazer colonos brancos de

determinadas regiões da Europa (além dos germânicos, os italianos fizeram

parte de outra grande leva trazidos para o Brasil para substituir a mão-de-obra

negra no trabalho, não só industrial, mas no campo também). (Cf. RIBEIRO, p.

463, 2008). O decreto da Princesa ainda prevê a presença de um pastor,

bancado pela colônia, e um padre, bancado pelo Império, dentro das Colônias,

para garantir o “sustento espiritual”.

Ainda sobre o decreto n.º 9.841/1888, um demarcador dessa política é o

incentivo financeiro para os colonos. Num Brasil onde a expectativa de vida,

em 1910, portanto, 22 anos depois do decreto, era de apenas 33,4 anos, não

podem ser desprezados os incentivos aos imigrantes, que não ficavam apenas

no auxílio em relação à viagem, mas também à garantia de uma estrutura

habitacional (ao menos teoricamente) dentro das “regras de higyene”, e de

garantias de renda e de acesso à terra que nem de longe se assemelhava a

51

Assinado pela Princeza Imperial Regente, como consta no documento e pelo Bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de sua Magestade O Imperador e Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commercio e Obra Públicas. Os decretos apresentados estão disponíveis no site http://www2.camara.gov.br/, acessado em 26 de setembro de 2010. 52

Em seu artigo, sobre a Primeira República, Anna Clara Sampaio Ribeiro problematiza a utilização de conceitos como IMIGRANTES e ESTRANGEIROS. Para ela a utilização do segundo traz uma carga negativa, já que estrangeiro tem, dentre seus diversos significados, o sentido de alguém não pertecente a um determinado lugar, forasteiro, enquanto imigrante teria um significado mais acolhedor. No decreto que trato acima, o imigrante é tratado como COLONO, a meu ver uma visão não-pejorativa que trazia a idéia de colonização de lugares “ermos” ou “não-civilizado”. Nos documentos a seguir a definição varia, muitas vezes no mesmo texto, entre estrangeiro e imigrante. Tenho a impressão de que essa variação se dá dependendo do que está sendo tratado. Quando se trata do imigrante que se encontra dentro das regras estabelecidas, pesando aí o seu antecedente de boa conduta, ele é definido como imigrante. Quando se fala do não cumprimento desses requisitos, é tratado como estrangeiro. Nos documentos do Itamaraty (trazidos em CANEIRO, 1988) é comum o imigrante indesejável ser tratado como estrangeiro.

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56

realidade da população pobre do país, sem acesso a terra e nem garantias de

trabalho no campo.53

A despeito da realização das garantias contidas no decreto acerca do

cumprimento de tais vantagens aos imigrantes, o fato é que elas

demonstravam um tratamento diferenciado aos mesmos e uma garantia legal,

ao menos no papel. Em 03 de novembro de 1911 o então presidente Hermes

da Fonseca assinou o decreto 9.081 que regulamenta o serviço de

povoamento. O documento também é firmado por Pedro de Toledo, Ministro da

Agricultura, Indústria e Comércio.

Na regulamentação é tipificado qual imigrante pode adentrar o país. Ela

impede, dentre outras questões, a entrada de pessoas que exerciam profissões

ilícitas e pessoas conhecidas como criminosas, desordeiras, mendigas,

vagabundas, dementes ou inválidas. Definição mais aberta impossível. O

reconhecimento dessas características pode ser obtido por funcionários

brasileiros nos países de origem, a partir de fontes não especificadas, o que

permite que qualquer um entre nessas classificações de acordo com os

interesses desses funcionários ou de suas ligações políticas. O que seriam

profissões ilícitas ou pessoas conhecidas como desordeiras e vagabundas? A

ciência eugenista, da época, se baseava na craniologia para definir

vagabundos e desordeiros, definindo raças mais propícias a essas

características. Profissões ilícitas, decerto, variavam de acordo com o interesse

de mão-de-obra, no país.

Em 1911, o país era basicamente agrícola e como é observável no decreto,

“necessitava”54 de mão-de-obra para o campo. A mesma ciência que

classificava quem era vagabundo ou desordeiro, apontava quais raças eram

mais propícias ao trabalho e dentre elas as que melhor se encaixavam nos

diversos ramos no campo e na cidade. A título de ilustração ao debate aqui

53

Sobre os dados de expectativa de vida, ver ESTATÍSTICAS DO SÉCULO XX, IBGE, 2006. 54

Aspeado porque na verdade o Brasil já tinha uma mão-de-obra extremamente classificado para esse tipo de serviço, afinal, foram mais de 300 anos de escravidão negra e os ex-escravizados constituíam estavam mais do que qualificados a atender essa demanda.

Page 57: David Rehem

57

apresentado, os racialistas classificavam os judeus como uma raça voltada

apenas para as atividade usurárias, ou seja, econômicas, comerciais...55

Ainda no ano de 1911, o Estado mantinha as vantagens anteriores, como o

auxílio nas despesas de recebimento (ou seja, de chegada), hospedagem e

sustento desses imigrantes durante um determinado tempo e em algumas

situações de necessidade, como em caso de doença, e ampliavam os

benefícios no sentido da infra-estrutura, garantindo a criação de estradas e de

uma área urbana (rua e praça) na colônia. O artigo a seguir resume algumas

dessas vantagens:

Art. 56. Os immigrantes agricultores, formando familias

destinadas á localização em nucleos coloniaes, gosarão das

seguintes vantagens, além de outras referidas no presente

regulamento:

1ª, alimentação aos recem-chegados, gratuitamente

fornecida durante tres dias, e em casos extraordinarios até seis

dias no maximo, si porventura elles carecerem deste auxilio:

2ª, durante os seis primeiros mezes, e em casos

extraordinarios até o oitavo mez, a contar da data em que

chegarem ao nucleo, si os immigrantes cuidarem da cultura e

beneficiamento dos seus lotes e não dispuzerem de recursos

para se manter:

a) trabalhos a salario ou empreitada em obras ou serviços do

nucleo, fazendo-se a distribuição dos serviços de sorte que a

cada adulto de uma familia correspondam pouco mais ou

menos, a juizo da administração, 15 dias de trabalho por mez,

devendo, quanto possivel, consistir o serviço em preparo ou

melhoramento da estrada ou do caminho que servir ao lote que

lhe pertencer ou em outros trabalhos proximos;

b) em falta de trabalho remunerado, ou quando este não

baste, a juizo da administração, para manter familias

numerosas, fornecer-se-hão viveres a debito aos chefes da

55

Cf. CARNEIRO, 1998 e POLIAKOV, 1974.

Page 58: David Rehem

58

familia, calculando-se esse fornecimento á razão de $800 a 1$

diarios no maximo, por adulto ou por maior de sete annos, e de

metade por menor de sete até tres annos.

3º, medicamentos e dieta gratuitamente em caso de molestia

durante o primeiro anno, a datar do dia em que chegarem ao

nucleo.

Paragrapho unico. Dar-se-ha assistencia medica gratuita aos

immigrantes emquanto o nucleo não fôr emancipado.

Art. 57. O Governo Federal, por intermedio da Directoria do

Serviço de Povoamento, poderá distribuir periodicamente aos

colonos sementes e plantas, assim como publicações sobre os

diversos ramos da agricultura.

O Art. 62. inclui o trabalhador rural brasileiro, mas apenas para puni-lo, já que

ele não é citado em nenhuma outra parte do decreto-lei, no caso de não cultivo

da terra. Esse artigo diz o seguinte:

O colono estrangeiro ou o trabalhador nacional localizado que

deixar de cultivar seu lote por espaço de tres mezes, a não ser

por motivo justificado de força maior, a juizo do director do

nucleo, será excluido do mesmo, sem direito a indemnização

alguma, desde que não se ache de posse do titulo definitivo de

propriedade.

Nesse artigo evidencia-se uma pretensa igualdade de tratamento, mas no

acesso à terras, apenas na punição... O decreto ainda prevê a expedição de

títulos e distribuição de lotes, conforme define o capítulo X.

Sobre a organização da Diretoria do Serviço de Povoamento, mais

especificamente sobre a terceira seção, voltada para IMMIGRANTES E

CONTABILIDADE, o decreto nos informa:

Page 59: David Rehem

59

Art. 154. A 3ª secção terá a seu cargo:

§ 1º Preparo da correspondencia a ser expedida ao ministro,

aos inspectores do Serviço de Povoamento, administradores

de hospedarias de immigrantes, departamentos

administrativos, emprezas, associações ou particulares e a

quaesquer agentes ou encarregados de serviços que

interessem á secção.

§ 2º Providencias attinentes á chamada, introducção,

recebimento, hospedagem, expedição e patrocinio de

immigrantes.

§ 3º Estudo e applicação de medidas convenientes á

fiscalização dos mesmos.

Mas é ao intendente que é conferido o direito de aplicar as restrições para os

imigrantes autorizados, como consta no artigo 157, § 3º:

Impedir, de accôrdo com as autoridades de Policia e Saude

do Porto, o desembarque, como immigrantes, de pessoas que

soffram de molestias contagiosas, exerçam profissão illicita,

sejam reconhecidos como criminosos, desordeiros, mendigos,

vagabundos, dementes ou invalidos, que não possam ser

recebidos ex-vi das disposições em vigor.

Em 31 de dezembro de 1924, o então presidente Arthur da Silva Bernardes, e

seus ministros, João Luiz Alves, Ministro da Justiça e Negócios Interiores do

Brasil e no mesmo ano nomeado ministro do Superior Tribunal Federal (STF), e

Miguel Calmon du Pin e Almeida, da Agricultura, Indústria e Comércio, assinam

o Decreto n.º 16.761 que regulamenta, mais uma vez, a entrada de imigrantes

no país. O critério financeiro novamente foi o determinante, sendo que

estrangeiros que se aventurassem a ingressar no país tendo comprado

passagens de 2.ª e 3.ª classe estariam proibidos de entrar no Brasil. Além

disso, mantinha-se o critério volátil de boa conduta, sendo que agora atestada

por documentos devidamente authenticados que provem sua boa conducta

Page 60: David Rehem

60

bem como a respectiva carteira de identidade (Art. 2.º). Quais eram esses

documentos? Como e onde consegui-los? O Decreto não especifica...

Como dito anteriormente, a Era Vargas foi marcada por políticas de

regulamentação da entrada de imigrantes no país. Já no primeiro momento de

seu governo, em 12 dezembro de 1930, Getúlio Vargas assina o decreto n.º

19.482, publicado no Diário Oficial do dia 19 do mesmo mês e ano.56 Uma

característica forte desse decreto é a predileção por trabalhadores do campo

no processo de imigração e a criação da lei de dois terços que exige a

contratação de ao menos essa porcentagem de trabalhadores natos do Brasil.

Essa lei é voltada a indivíduos, empresas, associação, companhias e firmas

comerciais.57

Outra característica marcante do decreto é a obrigatoriedade do cadastro de

desempregados brasileiros ou estrangeiros junto às delegacias de

recenseamento do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio ou delegacias

policiais, sendo que aqueles que não procedessem assim, poderiam ser

processados por vadiagem. 58 Além disso, caso a ocupação fosse forjada, tanto

no caso de estrangeiros quanto no caso de brasileiros, e sendo descoberta a

fraude estariam sujeito à punições estabelecidas no Art. 8.º, com multa e/ou

prisão de até 30 dias. O mais interessante são as considerações que

antecedem o decreto. Nela podemos encontrar o seguinte texto:

Considerando, tambem, que uma das causas do desemprego

se encontra na entrada desordenada de estrangeiros, que nem

sempre trazem o concurso util de quaisquer capacidades, mas

frequentemente contribuem para aumento da desordem

econômica e da insegurança social;

E antes

Considerando que uma das mais prementes preocupações da

sociedade é a situação de desemprego forçado de muitos

56

Acessado em 15 de janeiro de 2011: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19482-12-dezembro-1930-503018-publicacao-1-pe.html 57

Decreto n.º 19.482 de 12 de dezembro de 1930, Art. 3.º 58

Op. Cit., Art. 4.º, § 1.º

Page 61: David Rehem

61

trabalhadores, que, em grande número, afluiram para a Capital

da República e para outras cidades principais, no anseio de

obter ocupação, criando sérios embaraços à pública

administração, que não tem meios prontos de acudir a

tamanhas necessidades;59

Ou seja, o governo encontrou na imigração e na migração os vilões do

desemprego. Portanto, nada tinha a ver com as condições precárias de

emprego no campo e nem tampouco com o próprio sistema de produção

capitalista, no caso das indústrias, ou mesmo uma “herança maldita” do

sistema escravista que deixou os ex-escravizados ao léu, expulsando-os dos

campos para as cidades. De fundo a década de 1930 marcou a economia

brasileira devido aos reflexos da crise de 1929 que abalou o mundo. Em

Formação Econômica do Brasil, Celso Furtado afirma que o café, principal

produto da economia brasileira que ainda tinha como base a sua produção e

venda, teve queda vertiginosa de preços na década referida, o que significou

crise econômica e desemprego, nos primeiros anos. Mas, nem por isso setores

da sociedade brasileira deixavam de defender a entrada de mão-de-obra

européia no país. Segue, na íntegra, texto publicado no jornal baiano O

Imparcial, de 11 de janeiro de 1933, sobre imigração de colonos para o Brasil.

O Plano A imprensa alemã acaba de nos surpreender com uma notícia deveras interessante. Ainda mais por demonstrar que, embora servindo também a interesses próprios, alguns estrangeiros se preocupam mais com os nossos problemas que nós mesmos. Trata-se da iniciativa tomada pelo general Kurdt, atualmente na Bolívia, de estudar a possibilidade de colonizar os vastos territórios do vale do Amazonas. Exposto o plano pelo seu autor, que pretende localizar no noroeste brasileiro os sem trabalho da Alemanha, foi dada a idea recebida com acentuada simpatia na republica teutonica. O Banco Internacional de Ajustes, da Basiléa, teria prometido ao general Kundt o apoio financeiro que lhe fosse possível para a efetivação de tal projeto. Pelo menos assim o afirmam

59

Op. Cit., ambos são retirados das considerações iniciais que precedem o decreto.

Page 62: David Rehem

62

alguns jornais gemanicos embora outros descreiam do financiamento de tal empresa por parte do aludido banco. Sejam, porém, quais foram os meios de que possam dispor o general, não deixa de ser bem achado o seu plano. Si, por um lado, está a preocupação patriótica justa e justa de beneficiar á sua terra, diminuindo-lhe o número de desocupados, é também verdade que o povoamento do vale amazônico é fato que marca uma nova era de atividade progressista para aquela zona. Assim saibam selecionar os colonos para ali destinados, mandando gente valida e capaz.

Há uma bibliografia que sugere que os nazistas tinham planos para a América

Latina o que pode comprovar que a notícia da coluna Notas e Tópicos não é

nenhum absurdo.60 Independente disso, é interessante extrair da matéria a

defesa do articulista (os textos dessa coluna eram apócrifos) de uma seleção

dos colonos a “povoarem” essa região.

Na continuidade do governo Vargas, outras leis serão colocadas em práticas

para o melhor controle da imigração, sempre tendo como justificativa um

discurso oficial que escamoteia o projeto de melhoria de uma pretensa raça

brasileira. O ano de 1934 representa um marco na elaboração jurídica no

Brasil. Visando assentar dentro da nova ordem todos os aliados, o novo

governo teve que conciliar tanto militares, quanto liberais e oligarcas. Antônio

Celso Mendes, citando Paulino Jacques, nos diz o seguinte, sobre as

novidades da Constituição de 1934:

a) quanto à forma: 1) introdução do nome de Deus no

preâmbulo; 2) incorporação do texto de preceitos de direito

civil, direito social e de direito administrativo; 3) multiplicação

60

Hitler e o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães – Partido Nazista – se efetivam no poder alguns dias depois da notícia da nota, em 30 de janeiro de 1933. Para saber mais sobre a presença e os planos do Partido Nazista no Brasil, ver: HILTON, Stanley E.. Suástica sobre o Brasil – A História da Espionagem Alemã no Brasil (1939-1944). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977; DIETRICH, Ana Maria. Caça às suásticas: O Partido Nazista em São Paulo sob a mira da Polícia Política. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, FAPESP, 2007; ATHAIDES, Rafael. O Partido Nazista no Paraná (1933 – 1942). Maringá: EDUEM, 2011.

Page 63: David Rehem

63

dos títulos e capítulos, ficando a Constituição com mais do

dobro de artigos que tinha a de 1891;

b) quanto à substância: 1) reforço dos vínculos federais; 2)

poderes independentes e coordenados entre si; 3) sufrágio

feminino e voto secreto; 4) o Senado com funções de prover a

coordenação dos poderes, manter a continuidade

administrativa e velar pela Constituição; 5) os ministros de

Estado, com responsabilidade pessoal e solidária com o

presidente da República e obrigados a comparecer no

Congresso para prestarem esclarecimentos ou pleitearem

medidas legislativas; 6) a Justiça Militar e Eleitoral, como

órgãos do poder Judiciário; 7) o Ministério Público, o Tribunal

de Contas e os Conselhos Técnicos, coordenados em

Conselhos Gerais, assistindo os ministros de Estado, como

órgãos de cooperação nas atividades governamentais; 8)

normas reguladoras da ordem econômica e social, da família,

educação e cultura e dos funcionários públicos, da segurança

nacional. (JACQUES apud MENDES, 1992, p. 89)

É nesse período que é assinado o Decreto n.º 24.258, de 16 de maio de 1934,

que regulamenta a entrada de estrangeiros em território nacional. 61 Nesse

decreto se mantém alguns dos critérios estabelecidos nos anteriores, como a

necessidade da demanda de mão-de-obra no setor agrícola e a autorização

e/ou solicitação prévia por parte de governos estaduais e Ministério do

Trabalho para entrada e estadia. 62

Sabendo-se que as leis são elaboradas a partir de interesses de classe e no

intuito de se criar consensos intra e entre classes, o Decreto de 1934 significou

mais do que aparentava ser.63 Não era meramente um marco regulatório da

entrada de imigrantes no sentido de garantir a estabilidade política brasileira

contra os “subversivos estrangeiros”, nem tampouco visava assegurar emprego

61

Acessado em 26 de setembro de 2010: www2.camara.gov.br 62

É do governo Vargas a criação do Ministério do Trabalho, em 26 de novembro de 1930, e a partir daí o Ministério que terá uma importância na decisão não mais será um daqueles vinculados à indústria, agricultura ou comércio, nem mesmo o de Relações Exteriores, como era de se esperar, mas sim aquele que regulamenta e fiscaliza as relações de trabalho. 63

Há uma bibliografia interessantíssima sobre o assunto. Dentre elas, trabalho aqui com: GRINBERG, 1994, LENIN, 1980 e GENOVESE, 1988.

Page 64: David Rehem

64

para brasileiros ou defender a saída de capitais do país ou controlar melhor seu

trânsito. Como pano de fundo da lei, que delegava aos cônsules a prerrogativa

de concederem vistos para estrangeiros e o Ministério do Trabalho, Indústria e

Comércio, trazia a idéia de construção da raça brasileira. Para o

aprimoramento da mesma seria necessário selecionar quais estrangeiros eram

“melhores” para o povoamento do país.

Essa afirmação não surge do nada. Em O Imparcial de 1.º de abril de 1935

uma notícia traz indícios de qual o verdadeiro intuito das leis de imigração:

O Problema Immigratorio Informações do M. do Trabalho O sr. Agamenon Magalhães, Ministro do Trabalho nomeou uma commissão encarregada de elaborar um ante-projeto de lei regulando a entrada dos immigrantes em território brasileiro e, bem assim, traçando as normas jurídicas dentro das quaes se deverão enquadrar os problemas administrativos da colonização nacional e da assimilação dos estrangeiros aqui entrados. Essa commissão, que é composta de pessoas illustres e idôneas, sob a presidência do sr. Oliveira Vianna, Consultor Jurídico do Ministério do Trabalho, já se installou e vae encaminhando normalmente os seus trabalhos. Para melhor estudo dos assumptos foram, mesmo, consultados varias sub-commissões, que ficaram assim formadas: Direitos do immigrante: - Deputado Moraes Andrade, Vaz de Mello e Oliveira Vianna; Custas e entrada de estrangeiros: - Dr. Dulphe Pinheiro Machado, Dr. Vaz de Mello e Dr. Raul de Paula. Selecção e condições enérgicas do immigrante: Prof. Roquete Pinto, Dr. Renato Kehl e Dr. Nicolas Debané; Colonização: Dr. Dulphe Pinheiro Machado, Dr. Raul de Paula, e deputado Moraes de Andrade; Assimilação: - dr. Vaz de Mello, dr. Nicolas Debané e dr. Oliveira Viana; Organização do Departamento Nacional de Immigração: dr. Dulphe Pinheiro Machado, dr. Renato Kehl e dr. Moraes de Andrade; Bases para o Instituto de Immigração: dr. Roquete Pinto, dr. Renato Kehl e dr. Oliveira Vianna. Estas sub-commissões estão trabalhando nos ante projectos parciaes e têm a grande parte dos seus trabalhos elaborada. Concluídos estes trabalhos parciaes, terão logar então as sessões da Commissão, em que serão debatidos os projectos parciaes e elaborado o ante-projecto geral.

Page 65: David Rehem

65

“Essa commissão (...) é composta de pessoas illustres e idôneas...”. Bem que

poderia ter sido uma piada de Primeiro de Abril, mas não era. Do Ministro

Agamenon Magalhães aos membros da comissão, começando pelo seu

presidente, o famigerado racista Oliveira Vianna, pude constatar em um

número significante dos que pensaram a política imigratória da primeira etapa

do governo Vargas (1930 – 1937) era composta por eugenistas racistas e/ou

anti-semitas.64

Em sua obra, Maria Luiza Tucci Carneiro65 pesquisa, principalmente, a

correspondência e documentação da diplomacia brasileira com Itamaraty. Isso

permitiu a autora encontrar o discurso do “melhoramento da raça” em diversas

dessas fontes. A maioria são circulares secretas que a autora disse ter tido

dificuldades em ter acesso no período de sua pesquisa, na década de 1980.

(CARNEIRO, 1995, p. 247). Segundo Carneiro, na prática havia uma

predileção a certos imigrantes, ligados ao “projeto de construção do povo

brasileiro”, como é possível ver no trecho de um documento oficial, a seguir:

Entretanto, permito-me repetir o que já escrevia essa

Secretaria, em meus relatórios referentes a 1931 (ver ofício n.º

25 de 24 de fevereiro de 1932) e a 1932 (ver ofício n.º 30, de

11 de março de 1933), que a emigração desta parte da Europa

para o Brasil, é a pior possível e de modo algum deveria ser

facilitada. Não é que na Rumânia faltem elementos bons para o

trabalho rural (êste é um país de camponeses, os quais,

porém, apegadíssimos ao solo nativo, raramente emigram).

Entre as populações que formam as minorias nacionais –

quatro milhões e meio contra treze milhões e meio de rumenos

-, os alemães e os húngaros, tão conhecidos e apreciados

64

Sobre Agamenon Magalhães e os judeus cf. ALMEIDA, 2001 e LEWIS, 2005; Sobre Renato Kehl cf. SANTOS, Ricardo Augusto. O que é bom já nasce feito? Uma leitura do eugenismo de Renato Kehl (1917 – 1937). IN: Revista Intelectus, ano 04, volume II, 2005. http://www.intellectus.uerj.br/Textos/Ano4n2/Texto%20de%20Ricardo%20Augusto%20dos%20Santos.pdf Acessado em 23 de maio de 2011; Sobre Oliveira Viana cf. SCHWARCZ, 2001; Dulphe Pinheiro Machado e sua ligação com a política de imigração: CARNEIRO, M. L. Tucci. A Imagem do Imigrante Indesejável. In: Seminários – n.º 3 (Crime, Criminalidade e Repressão no Brasil República). Acessado, no dia 23 de maio de 2011, em: http://www.usp.br/proin/download/revista/revista_seminarios3_imagemimigrante.pdf;

65 CARNEIRO, M. L. Tucci. O Anti-semitismo na Era Vargas (1930-1940).

Page 66: David Rehem

66

como trabalhadores na nossa terra, poderiam migrar em maior

número se possuíssem recursos para os enormes gastos com

a viagem até aí. Quando podem, porém, êles partem tomando

o vapor para o Brasil em Gênova ou em Trieste. Restam os

judeus que formam aqui uma população superior a um milhão

de indivíduos e que são os únicos que daqui partem para o

Brasil Avessos ao trabalho agrícola, eles emigram e

estabelecem-se nas nossas cidades se entregado às

especulações dos nosso pequeno comércio. (Relatório de

Nabuco Gouvêa, da Legação brasileira na Romênia, para o

Ministério das Relações Exteriores. Bucareste, 1934. In MDB,

Ofícios Recebidos, 1934, Arquivo Histórico do Itamaraty (AHI).

apud CARNEIRO, 1988 p. 507)

A Lei de Imigração, teoricamente, regulamentava a qualquer emigrante, mas o

que esse ofício demonstra é que havia, ao menos, uma não-predileção aos

judeus. O documento aponta para alguns estereótipos atribuídos aos judeus,

como comerciante, como o que tem dinheiro para viajar. No entanto, é

importante salientar aqui que haviam órgãos judaicos, como o IKUF (Idishe

Kultur Farband ou Associação Cultural Judaica), criado na década de 1930, e

que servia como um organismo para manter relação com organizações

progressistas judaicas a nível internacional, que financiavam a migração de

judeus para países onde não houvesse perseguições. É importante ressaltar

ainda que o IKUF mantinha-se financeiramente não a partir de investimentos

recebidos de grande empresários judeus e sim indivíduos solidários a causa

deles, de organizações sionistas e até mesmo da URSS.66 Além disso,

independente de haver pagamento ilícito ou não, a rejeição a judeus tem como

única base real o racismo, como visto no capítulo anterior.

Já no período de perseguição ostensiva aos judeus na Alemanha nazista, o

embaixador brasileiro nesse país, senhor Cyro de Freiras Valle, manda o

seguinte ofício, que segue parcialmente:

Senhor Ministro,

66

União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

Page 67: David Rehem

67

Por primeira vez em minha longa carreira, ao dirigir a Vossa

Excelência o telegrama n.º 185, de 25 de outubro próximo

findo, apartei-me de uma norma invariavelmente seguida,

desde que tive a honra de colocar meus fracos préstimos às

ordens do Serviço Público brasileiro. E só o fiz, conforme me

permití [sic] dizer a Vossa Excelência, por considerar êsse

passo um imperativo dever patriótico.

2. Tratava-se da questão da emigração de semitas para o

Brasil. Não sou, nem nunca fui, contra os judeus. Mas acho

impossível calar que aqueles que estão a entrar no Brasil são

de má qualidade. (…) (Ofício de Cyro de Freitas Valle, da

Embaixada Brasileira em Berlim, para Oswaldo Aranha, do

Ministério das Relações Exteriores. Berlim, 02/11/1939. In

MDB, Ofícios Recebidos, set. a dez. de 1939. AHI, APUD

CARNEIRO, p. 533 grifo meu)

Para um embaixador que, segundo o próprio, nunca havia entrado em contato

com o Ministro, esses judeus eram de “má qualidade” porque, segundo o

cônsul, na seqüência de seu ofício, eles estavam a pagar entre 800 florins a

440 dólares para conseguir sair da Alemanha nazista e entrar no Brasil. Que

crime imperdoável eles cometeram, não? Pagaram para viver e ainda eram

tidos como maus elementos. A mão pesava dependendo do caso. Vejamos o

trecho a seguir, relacionado a uma solicitação da Embaixada do Brasil, em

Washington, EUA, enviado ao Ministério das Relações Exteriores em 1940.

... conforme a Circular Secreta n.º 1.249, era permitida a

entrada no Brasil de cientistas e artistas de “origem semita”.

Aqueles que não dispunham de dinheiro para “comprar” um

visto, tentavam entrar através deste dispositivo legal, tendo

que, posteriormente, transformar o visto temporário em

permanente.

Diante desta possibilidade a Embaixada do Brasil em

Washington sugeriu ao Ministério de Relações Exteriores, em

Page 68: David Rehem

68

1940, o ingresso de seis mil intelectuais que, residentes na

Europa, procuravam refúgio na América, mas com uma

ressalva: a maioria era de origem ariana.

(...) A Secretaria do Ministério das Relações Exteriores

respondeu oficialmente que o Brasil não colocava obstáculos à

vinda desses indivíduos, conforme a Circular Secreta n.º 1.249.

Esta era uma forma indireta de se afirmar que aqueles que

eram judeus não poderiam entrar, impedidos pela legislação

vigente. (CARNEIRO, 1995, p. 278, grifos da autora)

O mais interessante nisso tudo é que a Circular Secreta citada por Carneiro foi

assinada por Oswaldo Aranha, considerado por muitos como defensor dos

judeus na Era Vargas, por compor o setor americanófilo do governo Vargas.

Acontece que a obra de Tucci Carneiro desconstrói o mito em torno da figura

de Aranha, que inclusive presidiu a reunião da Organização das Nações

Unidas (ONU) que fundou o Estado de Israel, em 1948.

A autora trabalha com vários exemplos que colocam Aranha como um dos

mentores e executores das restrições à entrada dos judeus no país,

principalmente no período do Estado Novo, a partir de 1938. Exemplos disso

são as negativas à entrada de judeus no país, quando Ministro das Relações

Exteriores, mesmo que enquadrado nas possibilidades previstas em lei, como a

existência de parentes no Brasil, estabelecidos até 31 de dezembro de 1938, e

que eram cientistas e artistas de reconhecimento internacional67, na maioria

das vezes indicados por diplomatas, embaixadores e outros representantes do

Brasil no exterior.68

Mas tal posicionamento não se restringia à principal figura da diplomacia

brasileira à época. O Itamaraty, de forma geral, foi um instrumento do anti-

semitismo fascista, principalmente no Estado Novo, segundo Tucci Carneiro. 69

Exagero ou não da autora, o que consta é um número grande de profissionais

67

Op. Cit. p. 270 68

Op. Cit. p. 276 a 284 69

Op. Cit. P. 262

Page 69: David Rehem

69

de primeiro escalão do Itamaraty, sendo que, baseada em correspondências e

documentos desse órgão, ela cita uma lista de diversos membros da chamada

Elite Rio Branco, como é conhecido o corpo diplomático dessa instituição. 70

Nessa lista Carneiro se preocupa em arrolar tanto aqueles que defendiam de

alguma forma a imigração de judeus como aqueles que propugnavam a idéia

do judeu como elemento nocivo à sociedade brasileira. Dentre os defensores,

invariavelmente imperava o quesito de caráter econômico dos judeus. Entre os

detratores, permeava a idéia de que os judeus eram elementos subversivos

(muitas vezes difusores do comunismo), não eram dados a trabalhos no

campo, eram avarentos e comerciantes que tinham práticas escusas, como a

cobrança de juros abusivos, no comércio.71

2.3. As restritas possibilidades na análise dos dados sobre a imigração de

judeus72

A primeira consideração a ser feita sobre o trabalho com os dados da

imigração judaica no país é a dificuldade de realizá-lo, já que os judeus só

passaram a constar no censo a partir de 1940. Existe uma grande variação dos

números apresentados antes dessa data, que permite levantar duas questões.

A primeira delas é a existência de duas formas de obtenção dos dados: a oficial

e a apresentada por grupos que incentivavam e patrocinavam as imigrações.

Contudo, será que de fato houve um levantamento sistemático sobre a

imigração pelas partes, já que os números apresentados têm uma diferença

muito grande entre um e outro? A outra questão levantada é: será que os

dados oficiais demonstram apenas uma tentativa de barrar esses imigrantes

sem, no entanto, ter havido uma organização e ação concreta do Estado para

sua concretização? Ou será que o dos organismos de imigração judaica trazem

um número super-estimado, já que, quando chegavam ao Brasil, nem sempre

era possível acompanhar a trajetória desses imigrantes e nem sempre se

70

Op. Cit. 295 a 337 71

Como vimos anteriormente, o trabalho no campo era a preferência legal para o ingresso de imigrantes. 72

Os dados aqui apresentados foram retirados das seguintes obras: CARNEIRO, 1995; LESSER, 1995; e LARGMAN, 2002. Sobre as dificuldades em relação os dados censitários sobre os judeus no Brasil, cf. DECOL, 2001.

Page 70: David Rehem

70

estabeleciam nas cidades que chegavam ou mesmo no país? Não existem

condições para respostas categóricas, sobre o assunto, mas ainda assim é

possível se realizar algumas análises, em cima desses dados.

Os números sobre apresentados por Tucci Carneiro demonstram a

preocupação do Itamaraty e do Ministério das Relações Exteriores sobre a

entrada de semitas no Brasil. Em um debate travado com o embaixador do

Brasil em Berlim, Cyro de Freitas, Aranha se defende das acusações de que

teria “afrouxado” na concessão de vistos de entrada de judeus no país. Na

resposta ao embaixador, Aranha demonstra que enquanto esteve à frente do

Ministério, a partir de 1938, houve uma queda drástica na entrada de judeus,

comparando com o ano anterior. Dessa forma apresenta os seguintes dados.

Ano Número de judeus imigrados

1937 9.263

1938 4.900

1939 2.289

Os dados acima confirmam a diminuição de vistos concedidos para imigrantes

de origem judaica. Se comparados com os anos anteriores verifica-se que a

queda na imigração coincidiu com a o primeiro governo Vargas. Na verdade, a

década de 1930 demonstra uma oscilação que talvez signifique o enrijecimento

em diversos períodos, sem existir um padrão nesses anos. Além disso, se não

evidenciam a realidade, ao menos ratifica a postura anti-semita de Aranha,

como o mesmo quis demonstrar oportunamente, e do governo Vargas.

O ano de 1931, referente ao decreto n.º 19.482, de dezembro de 1930, já

tratado acima, apresentou uma diminuição de 44 % em relação ao ano anterior,

que já havia registrado redução de 27% em relação a 1929. Em 1931 entraram

no Brasil 1.985 judeu contra 3.558 no ano anterior. No entanto a maior queda

foi registrada no ano de 1935, quando apenas 1.758 judeus entraram no país.

Page 71: David Rehem

71

O interessante é que essa redução coincide com o ano promulgação da Lei de

Segurança Nacional que se apresentou como medida contra as ameaças

externas de ideologias extremistas, principalmente o comunismo, vinculado

pelos anti-semitas como de origem judaica. Para Diorge Konrad esse ano

houve uma radicalização nos posicionamentos ideológicos, demonstrados na

adesão de militares da revolução de 1930 a movimentos como a AIB e a

Aliança Nacional Libertadora (ANL), de orientações de extrema-direita e

comunista, respectivamente.73

Os dados apresentados por Carneiro, citado em relatório por Oswaldo Aranha,

não coincidem com os apresentados por Jeffrey Lesser. Para Lesser, no

mesmo período, de acordo com suas fontes, os dados foram os seguintes. 74

Ano Número de Imigrantes Judeus

1937 2.003

1938 530

1939 4.601

Os números variam de forma absurda, sendo que a fonte de Carneiro são as

oficiais e de Lesser, da Publicação Judaica Sociedade da América.

Independente da variação ambos concordam com a diminuição no número de

judeus ao país nos anos de 1937 e 1938, sendo que os dados oficiais buscam

a defesa do Ministério de Relações Exteriores na gestão de Oswaldo Aranha.

As obras aqui analisadas não trazem informações sobre a entrada dos judeus

na Bahia durante a década de 1930. Lesser apenas informa o quantitativo

daqueles que desembarcaram na Bahia em 1930 (30 judeus). Lesser e

Largman apresentam os números do recenseamento de 1940, onde consta que

viviam na Bahia, nesse ano, 955 judeus espalhados por todo território, havendo

uma concentração maior em Salvador (764) e em Ilhéus e Itabuna (que

73

KONRAD, Diorge Alceno. Contra o empoderamento da Aliança Nacional Libertadora: o reforço do poder do Estado com a Lei de Segurança Nacional. IN: Revista História & Luta de Classes, ano 5, edição número 7, julho de 2009 (Dossiê: Estado e Poder). 74

Ver LESSER, 1995, p. 319, Apêndice 5

Page 72: David Rehem

72

somados contavam com 106 judeus), sem distinção de quantos eram nascidos

no Brasil ou oriundos de outros países.

Largman, a partir de entrevistas na comunidade judaica da Bahia, apresenta

outras informações:

Através de levantamento nominal, obtidos por entrevistas,

depoimentos, jornais e cartas, chegamos a um número

estimado de famílias judias que residiram no Estado da Bahia

entre 1912 e 1945, ano do término da Segunda Guerra

Mundial, quando chega outra onda de imigrantes, os refugiados

e egressos de campos de concentração nazistas.

Ashquenazim: 314

Sefaradim: 26

Total: 340 famílias (LARGMAN, 2002, p. 51)75

Os dados oferecidos por Largman não permitem avaliar o impacto das leis de

imigração aqui na Bahia, já que se referem a um período muito longo (33 anos)

que excedem ao proposto para trabalhar nesta dissertação. Mas servem para

se ter uma idéia do tamanho da comunidade judaica na Bahia. A média de

famílias, considerando o número total e dividindo pelo total de anos

apresentados por Largman, é de 9,5 famílias por ano, desconsiderando as

variações por ano. porém, considerando os dados de Lasser de que em 1930

entraram 30 judeus e que essas famílias hipoteticamente possuíam cerca de 3

pessoas, não houve uma variação muito grande em relação a média de

famílias que adentram o estado da Bahia durante os anos 1930.

A manutenção da média não significa que na Bahia não houve anti-semitismo

no estado. Talvez pelo tamanho da comunidade judaica, não houve na Bahia

75

Grosso modo, Ashkenazim é aquele judeu europeu de origem centro-oriental. Sefaradim é aquele judeu de origem ibérica, mediterrânea, do Oriente Médio, norte da África, em sua maioria, expulsos da Espanha e Portugal que se deslocaram principalmente para Holanda e Estados Unidos da América (EUA). Essa diferenciação se aplicava, inclusive, dentro das comunidades. Hoje, serve muito mais para apontar origens, já que judeus Serfardim e Ashkenazim migraram e tiveram filhos e filhas em Israel, localizada no Oriente Médio, além de fora dos locais tidos como referência.

Page 73: David Rehem

73

uma perseguição como pode se verificar em outros estados, como São Paulo,76

mas a perseguição aos judeus não depende da presença dos mesmos. O anti-

semitismo aponta como judeus ou colaboradores dos mesmos todos aqueles

que se opõem aos seus posicionamentos.

Penso que, a despeito dos números serem pequenos, aspectos outros que não

estão ligados necessariamente à dimensão numérica, mas a projetos e

expectativas, possam contribuir para entender esse processo na Bahia desse

período. Nesse sentido, ressalto que a xenofobia por parte das elites baianas é,

por certo, muito importante para pensar o estado como um cenário para a

proliferação do anti-semitismo entre setores da política baiana, notadamente.

Essa xenofobia é apresentada por Aruã Lima como uma das motivações para o

anti-comunismo dessas elites da seguinte forma:

Assim, dois elementos históricos são fundamentais para

compreender a construção do anticomunismo na Bahia: 1) o

ato de silenciar as lutas subalternas a partir da propagação de

suposto apreço natural dos baianos à ordem e à cordura; 2) a

absorção, por parte de antagônicos grupos políticos de elite, de

certa xenofobia para sustentar a proteção da Bahia aos

ataques de forasteiros. (LIMA, 2010, p. 95)

Forasteiro... O anti-semita aponta sempre o judeu como tal. Se não houve uma

“filiação” das elites baianas ao anti-semitismo deu-se um terreno fértil para

suas manifestações. Além disso, a preocupação com o crescimento da AIB na

província da Bahia era constante por parte da administração de Juraci

Magalhães em sua interventoria.

76

Na edição de 19 de julho de 1934, do jornal A Offensiva, órgão oficial da AIB, é encontrada uma matéria intitulada Nós e os judeus – Autoridades israelitas: attenção!, que é uma resposta da AIB a denúncias de que os integralistas estão a perseguir os judeus no Brasil. Com um conteúdo fortemente anti-semita, onde aponta para o caráter anti-nacionalista dos judeus, mas afirmando que a luta da AIB não é contra a religião ou a raça judaica, o texto é uma resposta da AIB a essas acusações. Não tenho como afirmar que a denúncia sobre a perseguição da AIB em São Paulo é verdadeira, mas a denúncia representa indícios de que isso deve ter ocorrido, feito pelos integralistas ou não.

Page 74: David Rehem

74

Tratarei de forma mais detida sobre a AIB e seu anti-semitismo nos próximos

capítulos. Saliento, porém, a lacuna existente na historiografia baiana sobre os

impactos das leis de imigrações da Era Vargas na Bahia. Como dito antes, os

dados disponíveis nas obras aqui trabalhadas não permitem analisar como isso

se deu a nível local. Porém, compreendendo que este capítulo visa trazer uma

análise de conjuntura a partir da relação do nacional e do local, postulando a

ligação entre a política de imigração a nível nacional com a permissividade de

um discurso anti-semita que encontrou eco em toda a sociedade brasileira.

A AIB como organização difusora do anti-semitismo à brasileira encontrou,

senão a permissão, a omissão do governo Vargas para propagar sua visão

sobre o judeu. E não só a AIB. Como apresentado acima essa visão permeou

as ações da política de imigração por parte dos órgãos oficiais, que teve o

cuidado de manter em caráter sigiloso seus objetivos, atuando a partir das

Circulares Secretas e correspondências do seu corpo diplomático.

Page 75: David Rehem

75

CAPÍTULO III FASCISMO E ANTI-SEMITISMO. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS E O

DISCURSO ANTI-SEMITA NAS PÁGINAS DE O IMPARCIAL E DO DIÁRIO

DE NOTÍCIAS

“Assim o principiante que aprendeu uma nova língua: a traduz sempre para a sua língua materna, mas só se apropria do espírito da nova língua e só é capaz de se exprimir livremente nela quando se move nela sem reminiscências e esquece nela a sua língua original.”

(Karl Marx, 18 Brumário de Luís Bonaparte)

Seria o integralismo uma forma de fascismo? Seria o anti-semitismo uma

característica primordial dos fascismos? As respostas a essas perguntas

norteiam esse capítulo no seu primeiro momento, no intuito de localizar o

debate sobre o discurso anti-semita da Ação Integralista do Brasil, na Bahia.

Pretendo levantar algumas discussões da época e outras atuais, sobre a

questão do integralismo, mas não só. Se tratei de forma específica o anti-

semitismo no primeiro capítulo, agora pretendo abordar o fascismo e sua

versão brasileira e sua elaboração anti-semita.

3.1. Sobre o fascismo O que é fascismo? Existem diversas respostas a essa pergunta, dadas por

seus elaboradores, simpatizantes, opositores. Mas o objetivo aqui não é propor

ou dar mais uma resposta e sim fazer algumas considerações acerca de

leituras e noções que norteiam o debate conceitual, obviamente sem a

pretensão de esgotá-lo, até mesmo porque não é possível, dada a

complexidade e o curto espaço proposto para sua alusão. Porém, é inevitável a

aproximação a determinadas leituras quando se pretende fazer um estudo

como ora apresento. Penso que localizar essa discussão seja expor quais os

artefatos com os quais opero e as lentes pelas quais lanço o olhar para o anti-

semitismo na Era Vargas e suas repercussões na Bahia. Parto da

compreensão da necessidade do diálogo com as perspectivas de classe para a

definição do mesmo que, de certa forma, orientam a leitura que faço desse

fenônemo.

Page 76: David Rehem

76

Algumas definições surgem no bojo dos acontecimentos e apontam para

algumas questões. Cronologicamente, entre os autores utilizados aqui, está

Antônio Gramsci, marxista italiano e ferrenho adversário do regime fascismo.77

De antemão, aponto para as limitações no trabalho com este autor, já que

apenas utilizo dois de seus textos sobre o assunto. Gramsci talvez tenha sido

um dos contemporâneos que mais elaboraram sobre o fascismo, já que desde

antes de sua prisão já realizava diversas análises sobre esse movimento. Das

obras publicadas no Brasil, encontram-se referências ao movimento fascista

em seus Escritos Políticos, Cadernos do Cárcere e Cartas do Cárcere, todas

lançadas no Brasil pela editora Civilização Brasileira. Portanto, para uma

análise mais completa de sua leitura sobre o fascismo seria necessária uma

leitura minuciosa dessas obras.

Antes de entrar no texto de Gramsci, propriamente dito, algumas

considerações de sua discussão sobre o fascismo. Para Marcos Del Roio, é

importante localizar o propósito da obra para compreender seus objetivos.78 O

comunista sardenho fizera sua análise não com objetivos acadêmicos, mas sim

de um militante que combatia o fascismo. Todavia, não é um texto panfletário,

já que ele teve uma preocupação metodológica de buscar sempre

compreender seus objetos de estudos a partir de leituras e fontes que lhe

permitisse uma análise processual e embasada. Como diz Del Roio: “Gramsci,

do cativeiro, analisava o fascismo dentro de um complexo quadro histórico,

envolvendo não só a Itália, mas a revolução francesa e os impulsos criativos

presentes no capitalismo do seu tempo.” (DEL ROIO, 2001)

Mas não só do cativeiro. Gramsci analisou o movimento fascista antes mesmo

de ser preso. Em 11 de março de 1921, ele já alerta para os perigos do

fascismo, afirmando que esse regime é uma opção aos setores médios da

sociedade que buscam uma solução fácil para seus problemas sociais e

econômicos, pela via armada e repressão, e denunciando o caráter ilusório,

77

Gramsci foi uma das vítimas do fascismo na Itália, tendo ficado preso até próximo de sua morte, em 1937. 78

DEL ROIO, Marcos. Gramsci e o fascismo. Acessado em 24 de junho de 2011: http://www.ifch.unicamp.br/mundosdotrabalho/tex/delroio.pdf

Page 77: David Rehem

77

citando o exemplo da Espanha, rico financeiramente e pobre em mercadorias e

energias produtivas. Além disso, esse autor também denuncia a eleição dos

trabalhadores organizados, da cidade e do campo, como reais ameaças à

economia, por parte dos fascistas e de seus seguidores. É a eleição de um

espantalho, característica presente nos fascismos, para desviar do real inimigo:

a burguesia, o capitalismo e seus gestores.79

August Thalheimer, marxista alemão, é o segundo a trazer reflexões de suma

importância sobre o fascismo. Em primeiro lugar ele se preocupa em não

realizar uma análise superficial sobre o objeto. 80 Para isso o comunista alemão

se utiliza do legado de Marx e Engels, mais detidamente as análises de Karl

Marx realizadas sobre o 18 de Brumário e a Comuna de Paris, utilizando-se do

conceito de bonapartismo como principal método de análise para se pensar em

como governos autoritários burgueses se compõem e suas características.81 A

contra-revolução impetrada por Luís Bonaparte na França seria uma

característica comum a períodos nos quais a burguesia sacrificava seu poder

político em prol da manutenção de seu poder social. O bonapartismo, então,

surge como uma alternativa à manutenção da ordem, tendo como discurso

uma exacerbação do que o autor chama de princípios de nacionalidade e um

discurso anti-burguês, que faz com que setores do proletariado, já incrédulos

em relação à burguesia, vejam na solução apontada pelo autoritarismo a

alternativa para a crise política (e em alguns casos econômica) criada pela

burguesia; ao mesmo tempo que em nenhum momento toma atitudes contra a

classe dominante, pelo contrário, a beneficia e garante à classe o direito de

explorar. O fascismo carregaria essas características. Em resumo:

Da mesma maneira encontram-se concordâncias na situação da luta de classes da qual se origina aqui a forma bonapartista, ali a forma fascista de poder de Estado. No caso do fascismo italiano, como no caso do bonapartismo, um assalto fracassado do proletariado, com a conseqüente

79 GRAMSCI, Antonio. Itália e Espanha. In: Escritos Políticos, vol. 2. Rio de Janeiro: Editora

Civilização Brasileira, 2004; E do mesmo autor, O povo dos macacos. In: Escritos Políticos, vol. 2. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2004.

80 O texto que me sirvo aqui é Sobre o fascismo, escrito por Thalheimer em 1930. A bibliografia

completa da obra encontra-se na referência bibliográfica. 81

As obras de Marx são O 18 de Brumário de Luis Bonaparte e A Guerra Civil em França.

Page 78: David Rehem

78

decepção da classe operária, a burguesia esgotada, confusa, sem energia, procurando por um salvador que lhe consolide o poder social. Concordância também na ideologia, centrada em torno da idéia “nacional”, a luta aparente contra a corrupção parlamentar e burocrática, investidas simuladas contra o capital, etc. Traços semelhantes quanto aos “heróis” do golpe de estado. (THALHEIMER, 2010, p. 62)

As diferenças também são apontadas por Thalheimer. Elas estão ligadas ao

local e tempo histórico de cada um dos regimes. As bases míticas nacionalistas

têm origens diferentes, refletindo no próprio título de seus líderes, sendo

Imperador dado a Luis Bonaparte em lembrança aos tempos de ouro de seu

tio, Napoleão; já Benito Mussolini busca está referência mítica no Duce, de

acordo com o autor, ligada aos tempos dos césares. Mas, mais do que isso,

Thalheimer aponta para as diferenças na conjuntura da luta de classes e do

próprio capitalismo.

Mais importantes são as diferenças devidas às modificações do caráter geral do capitalismo. O terceiro Napoleão agia ainda na época do capitalismo da livre concorrência e das revoluções burguesas inacabadas na Itália e Alemanha. A fama [reichtstitel] de revolucionário que Napoleão I por certo tempo teve direito, e que Napoleão III procura explorar, operava agora contra ele. Na guerra contra a Itália ele atrai o movimento de libertação italiano, para logo em seguida rejeitá-lo, na medida em que, no interesse de suas conquistas dinásticas, o abandona depois de breve apoio. Na guerra franco-alemã choca-se diretamente com os interesses revolucionários da Alemanha por uma unidade nacional e se despedaça em conseqüência. A guerra de conquista dinástica que, movida pela lenda napoleônica e pelas contradições internas do sistema, precisa conduzir, está fora de tempo: tardia por não representar mais nenhum princípio revolucionário; precoce, por não poder ainda representar o princípio imperialista no sentido moderno, na falta de bases econômicas adequadas. A política externa de Mussolini, pelo contrário, é desde o início baseada e dirigida de forma imperialista, no sentido moderno da palavra. Ela é assim “moderna” mesmo que mascarada como antiga, porém desde início, abertamente reacionária. Ela tem que se despedaçar na contradição, de um lado, entre os objetivos exagerados que se coloca e, por outro lado, os meios escassos que dispões para a sua execução. Além disso, a contradição entre a conformação e a estrutura social da organização militar, correspondente à discrepância entre a necessidade de demolir todas as classes da sociedade para

Page 79: David Rehem

79

viver às suas custas e as necessidades da condução da guerra imperialista. (THALHEIMER, 2010, p. 65-66)

Portanto, mesmo apontando para as semelhanças, Thalheimer consegue

ressaltar as diferenças. O equívoco da análise do marxista alemão, que

escreveu antes da ascensão de Hitler, foi achar que o fenômeno fascismo era

apenas característico de países de desenvolvimento capitalista atrasado, como

Itália, Polônia, Bulgária e Espanha. (THALHEIMER, 2010, p. 55-56). O nazismo

mostrou-se uma realidade para a Alemanha, de desenvolvimento capitalista

avançado, demonstrando que não havia um vínculo entre as características

feudais, visto pelo autor nos países acima citado, e uma conjuntura favorável

para a ascensão do nacional-socialismo. Em O Imparcial, de 03 de fevereiro de

1933, é publicado, na primeira capa, matéria oriunda da Alemanha, com o título

Política Alemã, tendo entre as fotos a de Ernst Thalmann, denominado chefe

do Partido Comunista, onde se encontra a seguinte matéria:

GUERRA AOS COMUNISTAS Berlim, 2 (O Imparcial) – Acredita-se que, em vista das graves ocorrências provocadas pelos comunistas, em luta constante contra os partidários de Hitler, o governo alemão resolverá fazer guerra de morte aos comunistas.82

O búlgaro Geórg Dimitrov foi secretário-geral da Internacional Comunista

(KOMINTERN) entre os anos de 1934 e 1943, tendo escrito A unidade operária

contra o fascismo como um informe ao VII Congresso Mundial da

KOMINTERN, em 02 de agosto de 1935. Dimitrov havia sido preso em 1933 na

Alemanha nazista, acusado de ter posto fogo no Reichtag (prédio do

parlamento alemão), mas foi repatriado pela União das Repúblicas Socialistas

Soviéticas no mesmo ano.83 Em seu informe sobre o fascismo na Europa, o

revolucionário búlgaro traz alguns apontamentos sobre o que seria para ele o

fascismo e aponta, como encaminhamento do Congresso, a criação de frentes

únicas anti-fascistas. Em que pese os acordos posteriores entre Stálin e Hitler,

o relato de Dimitrov traz diversas análises relevantes.

82

Grifo meu. 83

Informações retiradas de http://pt.wikipedia.org/wiki/Georgi_Dimitrov e http://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/d/dimitrov_georgi.htm

Page 80: David Rehem

80

Uma delas é de que a ascensão do fascismo ao poder é a substituição de

formas de governos burgueses. Nesses momentos a burguesia abre mão de

sua democracia em prol de uma ditadura, chamada pelo autor de terrorista.

Isso aproxima a análise de Dimitrov à de Thalheimer no que se refere à perda

de poder político da burguesia em nome da garantia do poder social.84

Acrescenta-se a essa análise a forma como o fascismo influencia as massas,

que para o comunista búlgaro se baseia na exploração de preconceitos

arraigados e também no apelo às questões mais imediatas para as massas,

como soluções para problemas sociais. Nisso o fascismo apela para um

discurso aparentemente anti-capitalista, o que colocam fascistas e burgueses

em campos opostos, aos olhos dessas massas. (DIMITROV, 1978, p. 13)

O fascismo atrai, no interesse dos setores mais reacionários

da burguesia, as massas decepcionadas que abandonaram os

antigos partidos burgueses impressiona estas massas pela

violência de seus ataques contra os governos burgueses, por

sua atitude irreconciliável com os antigos partidos burgueses.

(DIMITROV, 1978, p. 14)

A citação acima dialoga com outro autor que tratarei mais à frente: Wilhelm

Reich. O relato de Dimitrov tem um caráter panfletário, na medida em que se

trata de um informe dado a um Congresso para que se encaminhem

deliberações. Apesar do panfletarismo, tomo este como um texto de suma

importância, dentro de suas limitações, para a compreensão de como os

contemporâneos viam o fascismo.

Outro autor contemporâneo ao fascismo que deixou seu legado foi o

revolucionário russo Lev Davidovich Bronstein85, conhecido como Leon Trotsky.

Em alguns escritos ele levantou a discussão sobre o fascismo, normalmente

notas panfletárias ou respostas a cartas, jornais ou pedido de organizações

revolucionárias que se opunham à orientação de Stálin na URSS. Trotsky foi

84

A base dessas interpretações pode ser encontrada na obra em que Karl Marx analisa a ascensão de Luís Bonaparte, 18 de Brumário. 85

Lev e Leon significam Leão; Davidovich significa Filho de David, em russo; Bronstein é sobrenome materno de Trotsky, que por sua vez é apelido. Trotsky é judeu de nascimento mas nunca professou a fé.

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81

banido da URSS em 31 de janeiro de 1928, após expulsão do Partido

Comunista e exílio forçado dentro do próprio país soviético, anos antes. Em

seu banimento fugiu constantemente da perseguição de Stalin nos países em

que ficou exilado, tendo como última residência o México, onde foi morto por

um agente de stalinista. Nos anos pesquisados no jornal O Imparcial era

comum encontrar notas sobre Trotsky falando de sua decadência política,

associando, constantemente, sua figura ao de judeu errante ou como prova da

conspiração judaico-comunista. Uma nota do dia 15 de janeiro de 1933, ilustra

bem essa questão:

COMO O JUDEU ERRANTE - Trotsky quer ir para o Uruguay –

Montejideo [sic], 14 (A.B.) – Segundo se noticia o ex-comissário do povo da União Soviética, Leon Trotsky, que se encontra exilado em Stambul, estaria providenciando [ilegível] permissão do governo uruguaio afim de transferir residência para esta capital.

Na edição de maio de 1937 da revista integralista ANAUÊ86, de circulação

nacional, consta uma charge contendo a imagem de Trotsky, transpondo um

muro e se dirigindo a uma paisagem onde se vê homens com armas que estão

sentados e conversam em cima de várias caveiras. Na legenda se lê: “Quando

o Soviet transpõe as muralhas do Kremilin”. Odiado por Stálin e seu grupo87 e

pelos fascistas, quando do seu exílio no México, Trotsky é mais um

contemporâneo do fascismo a contribuir sobre sua definição.

Leon Trotsky considera o fascismo como uma forma de imperialismo.88 Para

provar isso, ele argumenta a partir do expansionismo ao estilo imperialista

seguido pelos países fascistas, como a Alemanha, em relação à Europa, a

Itália, em relação ao norte da África e o Japão, em relação ao leste da China.

Afirma ainda que, se não fosse a “intromissão” desses países na política

86

ANAUÊ, maio de 1937, caixa MR/5509 – Arquivo Edgard Leuenroth /Universidade Estadual de Campinas (AEL/UNICAMP) 87

Para saber mais conferir o livro de Trotsky, escrito em sua própria defesa após ser expulso da URSS: Revolução Desfigurada. Lisboa: Antídoto, 1977. 88

Os textos que trabalhei aqui são os seguintes: Combater o imperialismo para combater o fascismo e O fascismo e o mundo colonial, de agosto e 21 de setembro de 1938, ambos contidos em Escritos latino-americanos.

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82

imperialista de países como França e Inglaterra, não haveria problemas entre

essas nações, portanto, esses imperialismos “de primeira linha” foram

coniventes à ascensão do fascismo na Europa. Nesse sentido, se aproxima

das análises dos autores vistos até aqui.

Mas Trotsky diz que os fascistas dos países “atrasados”, como os da América

Latina, surgem como expressão de dependência servil ao imperialismo. Ao que

parece essa afirmação tem muito mais um caráter de bandeira política do que

uma análise mais detida sobre o assunto. Tanto Francisco Franco na Espanha,

como Antônio Salazar em Portugal, ou mesmo Plínio Salgado, no Brasil,

abraçam a defesa de um mito nacionalista e elaboram suas teorias, mesmo

que com características muito próximas, de forma a defender sua originalidade,

dialogando com as necessidades dos locais onde existiram, assim como foi nos

países que compuseram o Eixo.89

Por último, trago a contribuição do psicanalista Wilhelm Reich, já citado no

primeiro capítulo. Em Psicologia de massas do fascismo Reich faz uma rica

análise sobre os mecanismos de controle psicológico do fascismo, tendo

publicado seus estudos, pela primeira vez, em 1933. Tratei de alguns aspectos

dessa obra no capítulo sobre anti-semitismo. O que importa agora são as

aproximações deste autor com os autores acima. Ele trata mais

especificamente o fascismo alemão e pincela acerca do fascismo italiano.

Reich conclui que o fascismo seduz diversas camadas sociais e busca

explicações no campo da psicanálise para compreender esse processo.

Portanto, o êxito de Hitler não pode ser explicado pelo seu papel reacionário na história do capitalismo, pois este, se tivesse sido claramente apresentado na propaganda, teria obtido resultados opostos aos desejados. O estudo do efeito produzido por Hitler na psicologia das massas parte forçosamente do pressuposto de que um führer ou o

representante de uma idéia só pode ter êxito (se não numa perspectiva histórica, pelo menos numa perspectiva limitada) quando a sua visão individual, a sua ideologia ou o seu

89

Sobre Salazar e Franco, cf. SOARES, João Bernardo. Labirintos do fascismo. 1998

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83

programa encontram eco na estrutura média de uma ampla camada de indivíduos. (REICH, 1988, p. 34, grifos do autor)

O trecho acima explica o fenômeno fascismo não pelo seu líder, mas explica

seu líder pela necessidade do fenômeno. Como se para a concretização do

fascismo fossem necessárias duas coisas para que sua aceitação se

consolidasse:

1.º) Que houvesse um setor importante da sociedade que acreditasse na

necessidade de um salvador. Esse setor teria que ter uma posição tática dentro

da luta de classe que transitasse tanto entre a burguesia, quanto entre os

trabalhadores; seria a pequena-burguesia;

2.º) Para que se garantisse a influência diante desse setor, então, seria

necessário um posicionamento ambíguo em relação às classes dominantes. Ao

mesmo tempo em que se tinha um caráter de exaltação da classe trabalhadora

e a necessidade de uma revolução contra os capitalistas, se garantia à

burguesia os seu direito enquanto classe economicamente dominante. (REICH,

1988, p. 35)90

Corroborando com Reich, Plínio Salgado se mostra um defensor da classe

média, em O que é Integralismo?, obra publicada pela primeira vez em 1933 e

uma das leituras obrigatórias na formação dos integralistas, sugerida tanto na

imprensa Sigma, como no jornal A Offensiva e na revista ANAUÊ:

O ódio de uns e de outros [a grande burguesia e as “extremas esquerdas” do proletariado], contra as mentalidades cultas e contra o espírito elevado e nobre das classes medias, não tem limites. Já um socialista hespanhol exclamou no auge da cólera: “a pátria do proletariado é onde está seu pão: só a classe media tem pátria”. Não se trata, porém de classe média, e sim da intelligencia e da cultura, da moralidade e do espírito que cream a dignidade, determinando que esta paire acima das luctas mesquinhas,

90

No livro Por que ser anti-semita? a feminista e anarquista Maria Lacerda de Moura traz um telegrama em que Hitler “abre mão” de seu anti-semitismo e busca financiamento para seus projetos junto ao banqueiro alemão judeu Barão de Schroeder. Tratarei de forma mais detida o assunto no último capítulo.

Page 84: David Rehem

84

consciente dos superiores destinos da creatura humana. (SALGADO, 1933, p. 49-50)

O psicanalista austro-húngaro aponta para uma alegoria presente no discurso

fascista. A nação é tratada como família e a pátria como mãe. Para que a

“mãe” não tenha filhos doentes é necessário que não gere filhos de portadores

de doenças, como a sífilis e com isso não se contamine a “família”. Doenças

sexualmente transmissíveis estão sempre presentes nesses discursos, onde os

indesejáveis sempre são relacionados como essas doenças.

Quando fora promulgada uma lei que estabeleceu a execução de um decreto

obrigando portadores de doenças hereditárias ou incuráveis a serem

esterelizados o correspondente especial do jornal O Imparcial, Martins Castello,

escreveu um artigo sobre o tema que saiu em primeira página na edição do dia

12 de janeiro de 1934. O relato de Castello aponta os “enfermos” que seriam

esterelizados, como portadores de “loucura maníaca, a imbecilidade congenital,

a surdez hereditária, a dansa de São Guido, a schyzophremia [sic], a paralysia

geral hereditária, epilepsia e qualquer grave deformação corporal.”

Continuando a matéria o correspondente relata o caso em que um judeu,

chamado Martins Fuchs, teve filho com uma “ariana”. Esse caso foi julgado

pela Corte de Berlim e os juízes Von Eckstein e Von Laube condenaram Fuchs

a dez anos de prisão. Diante disso Martins Castello diz que, diante de “uma

decisão que é verdadeiramente edificante”,91 não sabe se os judeus estão

incluídos entre aqueles que se enquadram na lei, mas que deveriam estar.

No mesmo jornal citado acima, a 29 de janeiro de 1933, o tema retorna às suas

páginas na coluna Nota e Tópicos:

A ESTERELISAÇÃO É uma medida que, sem dúvidas, tem revolucionado os círculos sociaes e, sobretudo, scientificos do mundo civilizado, essa que Adolf Hitler acaba de estabelecer na Allemanha, tornando obrigatória a esterelisação para todos aquelles que forem portadores de doenças capazes de influir maleficamente, pela procreação, na eugenia da raça.

91

O ideal racista na Allemanha de Hitler, in: O Imparcial, 12 de janeiro de 1934.

Page 85: David Rehem

85

Evidentemente, dentre os mais avançados projectos do chanceler nazista é este o de maior projeção. Tem sido muito commentada a iniciativa do chefe nazista. No Brasil muitas tem sido as cogitações despertadas pela mesma, entrando, por fim, como assumpto obrigatório em os commentarios scientificos do momento. Várias autoridades abasiladas têm opinado, expendendo conceitos ao seu modo de vêr, em torno da esterilisação. Todo indivíduo portando de uma moléstia transmissível por hereditariedade, é obrigado, por lei, a submetter-se a uma interveção cirúrgica que o deixa impossibilitado para procrear. A syphilis é, portanto, um dos males incluídos neste ról. A providência tomada pelo governo hitlerista é, realmente, violenta. E, em nosso paiz, seria inexeqüível. Havia de limitar muito o número dos capazes...92

O texto é apócrifo já que é uma coluna em que essas notas são de autoria do

próprio jornal. A ironia é latente e a finalização indica que o autor do texto

considera a maior parte dos brasileiros como portador dessa doença e insere a

sífilis na lista das doenças passíveis de indicação para esterilização e que,

imagino, deva ter uma conotação semelhante ao dos nazistas, tendo em vista a

continuação do texto e o tom de ironia, já apontado.

Exposto os autores, pode-se verificar a relação entre si. Todos eles apontam

para a relação entre os fascismos e a burguesia, ou seja, o discurso anti-

capitalista é apenas uma máscara para atrair os setores críticos ao capitalismo.

Essa máscara se torna necessária quando o capitalismo gera crises em que

surgem protagonistas, no campo da política, que propõem sua superação

perante a derrubada da burguesia do poder. Dimitrov aponta que os governos

democráticos burgueses que precedem o fascismo preparam sempre o terreno

para a chegada destes ao poder. Penso que é possível ir além. Governos com

características autoritárias normalmente são precedidos de governos que

preparam esse teatro em que encenam uma mudança tática na forma de

governo, no regime, mas não no sistema e nem seus protagonistas.

92

Grifo meu

Page 86: David Rehem

86

Mas, será que o integralismo entra nesse rol de organizações fascistas?

Gilberto Vasconcelos, autor de A Ideologia Curupira tem a obra prefaciada por

Florestan Fernandes. O sociólogo da USP menospreza o Integralismo,

colocado-o como algo vazio e afirmando, por diversas vezes, a reduzida

importância que teve a AIB para a história do país, não tendo tido uma

relevância social e política. Ele ainda, afirma o seguinte:

Os que pensam que é importante estudar o “discurso integralista” e o integralismo por causa do presente comentem um equivoco. Não superamos essa conturbação da dominação de classe burguesa e da dominação imperialista com um reacionarismo exarcebado e, o que é mais grave, o totalitarismo de classe consolidou-se, por uma via moderna: o Estado autocrático burguês mostra muito bem os compassos dessa modernidade e suas conseqüências destrutivas. Contudo, o integralismo é uma página virada da história (se é que merece tamanha consideração). (FERNANDES, prefaciando VASCONCELOS, 1979, p. 14, grifo do autor)

O trecho acima demonstra o grau de desprezo que Fernandes dá à AIB.

Gilberto Vasconcelos, se não descarta a importância do integralismo no Brasil,

rejeita a sua originalidade. O autor busca, durante todo o texto, provar que o

discurso integralista era descolado de sua realidade, como se fosse uma

ideologia meramente transplantada da Europa e implantada, de forma

anacrônica, no Brasil. Em uma dessas tentativas ele diz que uma prova disso é

que o discurso integralista reivindicava, assim como no fascismo europeu, que

a necessidade espiritual estava acima da material. Para o autor, numa

realidade como a do Brasil, em que a população vivia em miséria e

subdesenvolvimento, isso era destoante. No entanto, nos locais onde o

fascismo chegou ao poder a população vivia em condições de miséria. Na

Alemanha e Itália, principais representantes do fascismo no período, a

população sofria com a escassez de alimentos, devido às sanções pós-

Primeira Guerra e crise dos anos 1920. Essa crise foi um dos elementos para

que Mussolini e Hitler chegassem ao poder em seus países. Os textos

analisados acima, de contemporâneos, demonstram isso muito bem e ainda

aportam demonstrando os aspectos burgueses dessa contra-revolução, que

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87

buscava controlar os elementos de ruptura com o capitalismo por parte das

classes subalternizadas e garantir o controle econômico da burguesia.

Outro aspecto contrário ao integralismo é seu vínculo nítido com a religião.

(VASCONCELOS, 1979, p. 33-38) O fascismo europeu, para Vasconcelos, era

anti-clerical. Porém, se houve uma superposição do Estado sobre a religião, o

catolicismo foi inspiração tanto para o nazismo como para o fascismo italiano.93

No jornal baiano Diário de Notícias (DN), na coluna Telegrammas de toda a

parte chegou a informação de que Mussolini solicita da Igreja Católica auxílio

contra as sanções impostas pela Liga das Nações referentes a invasão italiana

à Abyssinia (Etiópia)94 em 1935, o que é sucedido pelo pedido abstrato de paz

por parte da Igreja Católica.95 Paz na Europa ou no mundo e, portanto, contra a

invasão? O texto publicado no jornal não deixa isso claro. Porém, em Cadernos

do Cárcere, Gramsci aponta para essa relação entre burguesia, Igreja Católica

e fascismo como algo dado.96

Gilberto Vasconcelos também aponta a visão integralista como estetizante,

“humanista” e contemplativa (VASCONCELOS, p. 36). Sobre o humanismo e

espiritualismo de sua doutrina, o próprio Plínio Salgado, em O que é

integralismo?, aponta para como deve ser tratada as duas questões. 97 Tratarei

mais sobre os intelectuais, suas obras e a AIB no próximo capítulo. Se é

verdade que os integralistas eram estetizantes (pois que criavam uma

determinada estética no sentido de convencer em relação ao comportamento

moral, social ou mesmo de vestimentas) e humanistas (na medida em que se

reivindicavam ao lado das idéias de valorização do ser humano), as ações da

AIB não eram em nada contemplativas e incidiam diretamente no

comportamento, vivência e prática das pessoas.

93

Sobre o nazismo conferir REICH, 1988. 94

Os jornais se referem ao país com os dois nomes, não havendo um padrão. 95

Jornal Diário de Notícias de julho a novembro de 1935. 96

Cf. em especial, os volumes 4 e 5, que tratam de forma mais detida sobre a Ação Católica e sobre Risorgimento. Ver também: DECOL, op. cit.

97 SALGADO, 1933, p. 17. Mas não só nessa página. A brochura é toda voltada para

discussões espiritualistas e para demarcar as visões de mundo do Integralismo e é apresentada, como discutirei de forma mais detida no próximo capítulo, de forma bastante objetiva e com um linguajar acessível.

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88

Existem diversos aspectos que sugerem essa influência na forma como as

pessoas deveriam se comportar. As caravanas por todo o país, inclusive no

interior, que foram implementadas pela a AIB informa a respeito de suas

concepções comportamentais e, porque não, estéticas. Ressalta-se aqui que o

próprio Gilberto Vasconcelos aponta, quando faz sua análise da apologia ao

curupira por parte dos integralistas, que havia uma valorização do que vem do

interior. O que vinha de fora, pelo litoral, era estrangeiro e contaminava a

“pureza” da brasilidade, representada pelo que vinha da mata, do interior, etc

(VASCONCELOS, 1979, p. 21). Nessas localidades a AIB procurava dialogar

com a realidade local. Esse tipo de relação sugere que houve uma repercussão

positiva em prol da Ação, já que os camisas verdes, como também eram

conhecidos os integralistas, alcançaram 1.352.000 membros em todo o país,

chegando a 1.843 núcleos, em dezembro de 1935.98

Na Bahia o integralismo chegou a ter, segundo a própria organização em O

Imparcial, de 21 de maio de 1936, 46.000 integrantes, distribuídos em mais de

300 núcleos municipais e distritais, além de ter conseguido eleger 65

vereadores, além do prefeito da cidade de Santa Inês. Além disso, a AIB

promovia diversas ações que a aproximavam da população, como a campanha

de arrecadação de fundos para as famílias atingidas pelas chuvas do mês de

maio de 1935 na cidade de Salvador.99

Outro equívoco do autor é ver os intelectuais integralistas como meros

reprodutores de ideologias hegemônicas, no caso o fascismo.

(VASCONCELOS, 1979, p. 43). Essa afirmação se baseia nas formulações de

que o Brasil seria um país de capitalismo dependente. Isso geraria uma leva de

intelectuais que traziam modelos de economia, política e moral, de forma

pronta e acabada, do exterior. Nesse ponto o autor resgata e reivindica as

teorias de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e Florestan Fernandes. No

entanto, não existem exportações de ideais prontas e acabadas, seria anti-

98

Revista Anauê!, n.º 6, janeiro de 1936. Além dos dados de crescimento dos núcleos, no mesmo número é feita uma análise de crescimento dos votos na AIB em todo o país, projetando para 280.000 votos para o período entre 1935 e 1936. 99

O Imparcial, edições do dia 25 de maio de 1935 e do dia 06 de junho de 1935, dentre outras do mesmo período.

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89

dialético pensar dessa forma. Penso que a inserção do Brasil e da América

Latina no mundo ocidental eurocentrado se dá a partir da imposição pela

forma, num primeiro momento; mas para garantir a sua conformação nesse

plano foi necessário o diálogo com a realidade local, o que quebra com a idéia

de uma relação meramente reprodutora em qualquer tempo ou local. 100

Para indicar o contrário, Cristiano Cruz Alves utiliza o historiador Ricardo

Benzaquen de Araújo que aponta para as características que encaixariam o

integralismo brasileiro como totalitarismo.

Sua tentativa se fundamentava no exame do integralismo com as devidas distinções em relação ao pensamento conservador. A primeira e mais importante é o espírito revolucionário que o integralismo carrega consigo ao contrário da pura e simples crítica que o conservadorismo faz em relação ao capitalismo. Ao colocar o integralismo um pouco distante do pensamento conservador, Araújo propõe o uso do conceito de totalitarismo. Dois dos elementos constitutivos do totalitarismo, pensados por Araújo, estariam presentes para explicar a doutrina integralista: primeiro, a absolutização da participação e segundo a identificação da noção de igualdade com o de uniformidade. A igualdade pensada por Salgado, e aí está uma das principais inovações no âmbito das idéias de direita no Brasil, dentre elas o esparso e mal definido conservadorismo, é a dissolução da diferença e a negação do conflito. Já o conservadorismo procura resguardar alguns privilégios sociais e um grau de autonomia entre as instâncias sociais e políticas. (MAIO apud ALVES, 2008, p. 51)

De fato, Plínio Salgado e os outros intelectuais do integralismo eram originais

em suas elaborações, tendo constantemente o cuidado de trazer sua atuação

política para a realidade brasileira e sempre buscar uma linguagem que fosse

facilmente assimilada pelos não-letrados. No início de O que é integralismo? o

chefe integralista se preocupa em apontar para quem ele dirige o seu texto,

apontando para a necessidade de transformar o discurso difícil da

intelectualidade em uma linguagem que possa atingir “as massas populares...”.

(SALGADO, 1933, p. 13).

100

Discussões desse tipo estão contidas em obras como Os donos do poder, de Raimundo Faoro; A Heresia dos Índios, de Roberto Vainfas; A Conquista da América, Tsvetan Todorov; Dialética Colonial, Alfredo Bosi; e Liberata, de Keila Grinberg.

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90

Outra preocupação era se diferenciar das “doutrinas européias”, como o

fascismo e o nazismo. No jornal O Imparcial, de 21 de julho de 1935, em

matéria intitulada O Integralismo e o Extremismo: “O Integralismo é uma

concepção philosofica” – affirma o sr. Plínio Salgado – “que engendra um novo

systema salvador dos princípios democráticos, o líder integralista distingue,

dessa forma, o Nazismo, o Fascismo e o Integralismo:

Desde o primeiro dia tenho dito e repetido que o Integralismo é completamente diferente do Fascismo e do Hitlerismo, porque a nossa missão é muito maior. Na Itália e na Alemanha existia anteriormente o “espírito nacional consciente”, existia uma nação. No Brasil nada disso existia. Cumpre crear a Nação. Crear a nação é fazer coisa absolutamente nova, lançar os lineamentos de uma civilização também nova. Não temos aqui os resíduos das civilizações mortas. Não temos aqui de carregar, como Zarathustra, um cadáver às costas. O povo é creança, o paiz é jovem, immensas as reservas de energias. É preciso crear a Nação. Essa obra exige ordem. Na anarchia nada se fará.

Ao mesmo tempo em que se coloca como negativa a não existência de um

“espírito nacional consciente” se torna positivo não se carregar “os resíduos

das civilizações mortas”, já que, assim, existiria no Brasil a possibilidade da

originalidade. Na continuação da matéria Salgado ainda vai afirmar que o

integralismo é uma milícia de ALMAS e não de ARMAS, dizendo que as tarefas

postas para a AIB não eram para o presente e sim para o futuro. Em tom

profético ele diz que: “E se alguém não entender isto, guarde para seus netos

leiam e elles entenderão.”

Mas é importante entender a conjuntura em que ele escreveu essas

considerações. Eram tempos de Lei de Segurança Nacional, chamada pelos

integralistas de Lei Espantalho,101 que combatia os extremismos políticos,102

101

O Imparcial, 29 de janeiro de 1935 (matéria de capa) 102

Após o Levante Comunista de Novembro de 1935, no Rio de Janeiro, no Recife e em Natal, Plínio Salgado escreve sucessivos textos em que sugere que a Lei de Segurança Nacional especifique como extremismo apenas o comunismo. Em O Imparcial, de 13 de dezembro do mesmo ano o chefe do integralismo escreve um artigo intitulado A Imperiosa Definição (Com vistas ao sr. presidente da República e ás altas patentes do Exército), em que formaliza essa sugestão, visando inibir as ações das polícias estaduais contra a AIB. Aqui na Bahia o delegado auxiliar, tenente Hannequim Dantas, declara em entrevista dada ao Diário de Notícias de 05 de

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91

sem uma definição clara do que isso seria exatamente. E esse não era um

receio em vão. Governos, como o de Juracy Magalhães, na Bahia, e o de

Nereu Ramos, em Santa Catarina, criaram medidas de combate ao

integralismo. Cristiano Alves afirma que a perseguição do governo baiano se

deu por diversas razões ligadas ao clima de instabilidade suscitados pela AIB

em todo o Estado (ALVES, 2008, p. 58).

Já Patrícia Carvalho (2005) aponta para um medo em relação ao crescimento

político da AIB e às simpatias à organização por parte de seus opositores. Não

era à toa esse receio, já que o deputado autonomista Rafael Jambeiro, em

notícia divulgada pelo jornal Diário de Notícias de 02 de dezembro de 1935,

teria proposto uma homenagem da Assembléia Legislativa da Bahia à AIB que,

segundo o deputado estadual havia dado apoio a Vargas no combate ao

comunismo. Em Santa Catarina o mesmo jornal noticia, em 13 de setembro de

1935 que o governador do estado estaria apavorado com os integralistas. Em

29 de abril de 1936, num discurso de saudação ao interventor de Sergipe,

Eronildes de Carvalho, Juracy Magalhães expõe seu posicionamento em

relação ao que considerava extremismos.

Dos triunfos fugazes da barbárie contra o direito, da força contra a majestade da lei, obtidos em nações de formação étnico-históricas inteiramente díspares da brasileira, ousam, as velhas cassandras indígenas, inferir conclusões favoráveis aos seus reacionários objetivos clorofilados, ou à tentativa impatriótica de subjugação do Brasil aos internacionalistas interesses vermelhos. Esquecem-se, todavia, que esses surtos se verificaram como fenômenos esporádicos, determinados por condições específicas, assumindo até, em alguns casos, o significado patriótico de uma ocorrência de salvação nacional. (...) Tudo que há de bom e útil nas doutrinas extremistas pode e deve ser incorporado, como em grande parte incorporado já está, ao regime brasileiro, de vez que a Democracia oferece a elasticidade necessária à marcha evolutiva de nossa civilização.103

agosto de 1935, portanto, antes do Levante, que aguarda apenas autorização para o fechamento da AIB no estado da Bahia, já que para ele os integralistas seriam tão extremistas quanto os comunistas da Aliança Nacional Libertadora. 103

MAGALHÃES, Juracy. Pregação Democrática. In: Minha Vida Pública na Bahia. Livraria José Olympio Editora. Salvador. 1957. p. 97. Grifos meus, em que as palavras grifadas dão ênfase aos elementos indígenas reivindicados pela AIB e a cor da farda dos mesmos, respectivamente.

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92

Se os integralistas se defendiam, afirmando que não eram extremistas

violentos, nos seus escritos vemos um discurso diferente.

O mais inflamado deles surge do integralista cearense Gustavo Barroso. Na

obra Brasil: Colônia de Banqueiros, ele finaliza um de seus capítulos com um

texto de conteúdo fascista, em que recorre a um mito fundador, ligado à idéia

de uma Nação como autêntica comunidade humana perfeita, onde se lê o

seguinte:104

Busquemos a um século de distância as palavras do Príncipe-Regente D. Pedro no seu Manifesto de 6 de agosto de 1822 e ensinemos a mocidade a repeti-las, cheia de fé e de entusiasmo: “Não se ouça, entre nós outro grito que não seja UNIÃO... Formem todas as nossas províncias o feixe misterioso que nenhuma força pode quebrar!” É a profecia do fascio, do feixe da união, do fascismo salvador, que a voz da nossa História nos faz dos horizontes do Passado, para que possamos caminhar unidos e fortes para os horizontes do Futuro! (BARROSO, 1936, p. 140)

Aos que buscam desvencilhar o integralismo do fascismo esse texto serve para

uma reflexão, no mínimo, contrária. Ao discurso de que o integralismo pregava

uma revolução nas almas e não de armas, a prova de que esse discurso servia

para essa conjuntura e para diferenciar-se do discurso dos comunistas de

tomada do poder. O próprio Plínio Salgado, na obra já citada, fala dos planos

de ações violentas. No trecho que apresento a seguir, Salgado demonstra mais

uma característica fascista em seu projeto. Ele defende uma ação enérgica

contra os revolucionários de esquerda, ao mesmo tempo em que mascara um

ataque à burguesia.

9.º) – Reprimir o communismo, não pelos methodos de violencias da policia liberal-democratica, que hypocritamente massacra os pobre proletários, emquanto protege os communistas de collarinho, mas pela acção enérgica contra os responsáveis intellectuaes na propaganda desnacionalizadora do bolchevismo, inimigos da Pátria, os quaes, como tal, devem

104

Sobre o mito fundador e a Nação como autêntica comunidade humana perfeita, cf. KONDER, 2009, p. 45

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93

ser considerados, perdendo os cargos que occupam e abandonando a communidade brasileira;

10.º) – Reprimir os abusos do capitalismo, sua ingerência nos negócios do Estado, sua crueldade para com as massas

populares, sua ganância, sua avareza, a oppressão que exerce contra os productores; (SALGADO, 1933, p. 101 e 102, grifos meus)

Observa-se que aos comunistas está reservada sua expulsão do país que, é

lógico se pensar, não se faria através do convencimento e sim da força. Para a

burguesia não se coloca como alternativa sua expulsão, nem uma retaliação

maior, apenas reprimir os abusos do capitalismo e não da burguesia. A

liberdade de comércio da burguesia só estaria restrita nas áreas em que o

Estado tivesse domínio, garantindo, assim, a possibilidade de manutenção de

seu poder econômico e social. Isso diante de uma obra em que Salgado tem

uma preocupação muito maior em criticar o liberalismo burguês do que o

comunismo.

O discurso integralista ainda corrobora com o fascista em seu corporativismo

aparente. Sobre esse aspecto Plínio Salgado diz o seguinte:

É sobre a base corporativa que o Integralismo construirá a Pátria Brasileira. Só a corporação exprime os legítimos interesses da Nacionalidade, não só porque constitue uma expressão econômica, mas principalmente porque representa uma expressão ethica. (SALGADO, 1933, p. 103)

Sobre o corporativismo o marxista brasileiro Leandro Konder faz a seguinte

consideração: “O ‘corporativismo’ se mostrou, afinal, mera empulhação

destinada a manter a ficção de um ‘terceiro sistema’ capaz de funcionar como

síntese ou alternativa para o capitalismo e o socialismo.” (KONDER, 2009, p.

109)

Konder traz outra importante contribuição para o debate sobre o fascismo. Ele

seria um tipo de Totalitarismo ou Extremismos? É comum encontrar o termo,

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94

mesmo entre os escritos integralistas, 105 mas o significado dado era o de que

era necessária essa visão totalitária para que se evitasse a fragmentação na

construção do ideal de nação e, como vimos, há uma negação veemente por

parte dos mesmos sobre ser o integralismo uma forma de extremismo. A noção

de totalitarismo que é reivindicada pela AIB, portanto, está ligada à ideia de

coesão.

Em sua obra, Konder traz o debate à tona, expondo diversas contribuições

teóricas sobre o assunto, transitando de Jacques Maritain e Hanna Arendt à

Wilhelm Reich e Escola de Frankfurt.106 A principal crítica do autor gira em

torno da idéia de que ambas as terminologias tentam aproximar as

experiências autoritárias de esquerda e de direita, colocado-as num mesmo

balaio e têm como principal referencial a biografia de seus líderes, assinalando

as exceções, como é o caso de Reich. A meu ver, a tentativa de alinhar

stalinismo e fascismos visa desvincular os regimes fascistas do capitalismo e

da burguesia, algo semelhante a colocar o fascismo não como um fruto do

capitalismo e sim como uma exceção aos “caminhos natural” da democracia

burguesa, o que cai por terra diante das análises já apresentadas no início do

capítulo.

Nos argumentos expostos até agora fica clara a vinculação entre fascismo e

integralismo, bem como sua originalidade. Até mesmo em relação à discussão

sobre raça, em que pese o discurso anti-semita que analisarei mais à frente.

Em uma nota na primeira página de O Imparcial, de 14 de setembro de 1935,

aparecem informações sobre uma entrevista dada por Plínio Salgado a um

jornal da Alemanha nazista. Vejamos.

UMA ENTREVISTA DO SR. PLÍNIO SALGADO A UM JORNAL ALLEMÃO

Diz que o chefe nacional salvará o Brasil no momento opportuno!

Berlim, 13 (O Imparcial) – O “Deutsche Allgemeine Zeitung” publica entrevista do seu correspondente no Rio de Janeiro com o sr. Plínio Salgado, chefe do movimento integralista no

105

SALGADO, 1933, p. 22 a 24. 106

KONDER, 2009, a partir da p. 116.

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95

Brasil. Nessa entrevista o sr. Plínio declara que no momento opportuno os integralistas salvarão o Brasil. Perguntado sobre si o programma integralista comportava o combate aos semitas o chefe integralista respondeu que o problema a resolver no Brasil era moral e não ethnico. Os integralistas eram partidários do esquilibrio orçamentário obtido pelo monopólio financeiro do Estado e suppressão das coberturas ouro107. Eram contrários às ligas secretas internacionaes, aos trusts e aos partidos internacionaes exploradores. O chefe integralista terminou fazendo o elogio do nacional-socialismo allemão.

Mas o problema semita é uma característica presente em qualquer fascismo? É

o que analisarei a partir de agora.

3.1.1. Anti-semitismos e fascismos A resposta à segunda pergunta do capítulo pode ser encontrada na ojeriza que

os movimentos fascistas têm ao que é estrangeiro, de fora. Como expus no

primeiro capítulo, no mundo ocidental o judeu é visto como “o outro”, já que é

um ser estranho ao mundo cristão. Mesmo com a tentativa de laicização do

Estado, a ciência do século XIX colocou o judeu como aquele que está

naturalmente propenso a ser uma raça que não se adapta, não se dilui nas

outras.

Porém, para um estudioso português do assunto, essa concepção não se

sustenta. João Bernardo Maia Viegas Soares, conhecido como João Bernardo,

marxista autonomista português, defendeu, em 1998, a tese Labirintos do

Fascismo, onde busca fazer uma análise sobre alguns aspectos do fascismo

em diversas partes do mundo.

Bernardo não considera o anti-semitismo como algo constitutivo do fascismo.

Ele toma cuidados pertinentes e pondera sobre a compreensão do anti-

semitismo no nazismo. Mas o autor esquece que também é pertinente que

uma das características dos fascismos, em constante diálogo com suas origens

míticas de raças, é a ojeriza ao estrangeiro, mesmo que apenas

107

Cf. BARROSO, 1936, p. 86 e 87.

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96

discursivamente e, para o mundo ocidental, o judeu é a encarnação do que é

estrangeiro, como afirmado acima.

No capítulo em que analisa o racismo do fascismo João Bernardo escreve um

subtópico intitulado Fascismo filo-semita. Em que pese o título, que traz a idéia

de participação de judeus no fascismo, ou uma simpatia dos fascistas em

relação aos judeus, o autor traz provas que apontam para o lado oposto de sua

formulação. Na verdade, ele trata as manifestações anti-semitas como casos à

parte. No caso italiano diz que a grande preocupação de Mussolini era social e

não racial. Para isso cita a constatação de Alfred Rosemberg, Chefe da

Repartição de Política Exterior do Partido Nacional-Socialista Alemão,108 um

dos teóricos raciais do nazismo, ao visitar a Itália em 1932 em que afirma que o

anti-semitismo italiano era uma questão de conveniência e não

necessariamente uma prática, mesmo considerando que o ex-secretário do

Partido Fascista, Farinacci, e Paolo Orano tivessem desenvolvido uma doutrina

anti-semita. (BERNARDO, 1998, p. 348)

Contudo essa afirmação comprova que o anti-semitismo era parte constitutiva

do fascismo italiano, mesmo que não tenha se praticado uma perseguição

como na Alemanha nazista, já que seria um equívoco considerar que o anti-

semitismo só se aplica em casos de extermínios, como no caso alemão.

Mesmo assim, o autor admite que em 1939 membros da Gestapo, inseridos na

polícia secreta mussoliniana, a OVRA,109 efetivaram uma ampla perseguição

aos judeus nesse período.

Além das reflexões próprias, suscitadas pela tese de João Bernardo, os

Cadernos do Cárcere de Antônio Gramsci, trazem uma importante contribuição

para o assunto. Se para Bernardo não houve uma preocupação, por parte do

fascismo italiano, de elaborar sobre “questões rácicas”, já que “ocupou-se

apenas com uma problemática estritamente social...” (BERNARDO, 1998, p.

108

Sobre a função de Rosemberg no partido nazista, ver na revista Anauê!, n.º 3, agosto de 1935. Trato das elaborações desse membro do partido nazista no primeiro capítulo. 109

A OVRA foi a polícia secreta e política do reino da Itália, fundado em 1927, sob o regime de Benito Mussolini, no reinado de Vitor Emmanuel III. Cf.: http://pt.wikipedia.org/wiki/Organizzazione_per_la_Vigilanza_e_la_Repressione_dell'Antifascismo

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97

348), Gramsci defende que houve sim uma elaboração racial que teve de pano

de fundo a relação do Norte com o Sul da Itália, sendo que os nortistas

achavam que os sulistas eram inferiores racialmente, já que o próprio Orano e

outros intelectuais, que posteriormente serviriam de inspiração ao fascismo ou

mesmo elaborariam para e nesse movimento, estavam entre os criadores

desse racismo. Ao buscar a forma como os judeus eram tratados no

Risorgimento, movimento cultural e político, umas das bases de inspiração do

movimento fascista, Gramsci cita as memórias Raffaele Ottolenghi, em que se

pode constatar a presença do anti-semitismo nesse movimento, desde o século

XIX.110 Portanto, parece-me uma leitura precipitada a afirmação de João

Bernardo sobre o caso italiano, mas não só, como exporei a seguir.

Outro caso analisado pelo autor português é o fascismo (a partir da falange) no

governo Franco, na Espanha. Lá no final da década de 1920, o fascismo

buscou se aproximar das comunidades judaicas sefarditas fora do país. Essa

busca era defendida a partir da idéia de que essas comunidades eram

promotoras da língua espanhola em outros países, mas havia o interesse

econômico por trás disso. Esse discurso era tão frágil que o próprio Bernardo

diz que isso mudou, a partir da Guerra Civil Espanhola, quando os fascistas

espanhóis abriram mão de sua “solidariedade” aos judeus e passaram ao

campo anti-semita quando os nazistas passaram a enviar armas e apoio aos

falangistas.111 Além disso, autor ainda aponta, ainda para elaborações anti-

semitas dentro do próprio fascismo espanhol. O texto a seguir é carregado da

xenofobia, característica do fascismo, de autoria de Mariano Rodrigues

Vasquez, conhecido como Marianet, do Comitê Nacional dos Trabalhadores,

pelos fascistas: “Em Espanha existiam duas potências econômicas, a dos

Judeus e a dos jesuítas. A dos Judeus era quase toda formada por capital

estrangeiro. A dos jesuítas surgia na maior parte dos casos como capital

nacional.” (BERNARDO, 1998, p. 349)

110

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, vol. 5. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2002. p. 42 – 44 e p. 62-87

111 Nome dado aos combatentes pró-fascistas da Espanha. Desse apoio alemão, nunca é

demais lembrar o bombardeio da cidade de Guernica, ao norte da Espanha, no País Basco, em que milhares de pessoas morreram. O horror em Guernica foi eternizado na tela, homônima, do pintor espanhol Pablo Picasso.

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98

No caso brasileiro não era diferente. Esses aspectos podem ser encontrados

nos jornais e nas elaborações integralistas que apresentarei a seguir.

3.2. O anti-semitismo na imprensa baiana

ENTRE JUDEUS

- Triste, Abraham?

- Sim, meu caro Isaac. Muito treiste [sic]... - Alguma morte na família?

- Peór ainda, Isaac. Perdemos trinta e um contos na Bolsa. E desse dinheiro, o conto de réis era meu...

(O Imparcial, Domingo, 06 de janeiro de 1935, assinado

por M.) A utilização dos jornais como fonte não é uma novidade. Eles trazem a notícia

como uma verdade imparcial, mas carregam consigo uma carga ideológica

muito forte. Os jornais, portanto, criam verdades, trazendo ao leitor a ilusão do

conhecimento delas a partir da relação causa e efeito dada à informação

transmitida por eles, contribuindo, assim para a constituição do imaginário

social. (MARIANI, 1998, p. 60 e 61)

No caso da AIB encontram-se dois tipos de jornais que se vinculam a ela que

podemos tratar da seguinte forma: os jornais escritos por integralistas e os

jornais integralistas. Chamo de jornais escritos por integralistas aqueles em que

a linha editorial segue a doutrina ou abre espaço livre para informações

oriundas dessa organização; como jornais integralistas, considero aqueles que

estão submetidos ao crivo da Secretaria Nacional de Imprensa (SNI), Sigma -

Jornais Reunidos e as Comissões de Imprensa da AIB.112

Essa divisão tem como base a caracterização feita por Antonio Gramsci113, que

utiliza a metodologia de distinguir os jornais segundo suas características

(GRAMSCI, 2010, p. 198). Desemboca dessa definição a função do jornal,

estabelecida como jornais de informação ou de opinião. O primeiro seria um

112

Para saber mais cf. FERREIRA, 2006. 113

GRAMSCI, Caderno 24 (1934): Jornalismo. In: Cadernos do Cárcere, vol. 2. 2010.

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99

jornal “sem partido” explícito e o segundo um órgão oficial de algum partido, por

conseguinte, um escrito para as massas e outro para um público mais

específico.

O integralismo fazia essa distinção. As publicações da AIB passavam pelo crivo

da Secretaria Nacional de Propaganda (SNP) e pela SNI. Na primeira edição

da revista ANAUÊ! é facilmente observável esse procedimento. Na contracapa

encontramos o seguinte texto.

Secretaria Nacional de Propaganda Tendo examinado os originaes da matéria a ser publicada no primeiro número da revista “Anauê!”, e nada achando em desaccordo com a doutrina integralista, autorizo sua publicação. Secretaria Nacional de Propaganda, 2 de fevereiro de 1935.

a) Custodio de Viveiros Chefe do Departamento de Imprensa

Laís Ferreira diz que o controle do que era publicado era rígido e orientado pelo

Código de Ética do Jornalista, do Chefe Nacional, sendo os órgãos oficiais da

imprensa integralista obrigados a enviar um exemplar de cada edição ao SNI e

a Plínio Salgado. Ao que parece, a sede do jornal A Offensiva, de circulação

nacional, recebia esses jornais. Constatei em alguns dos números visitados

uma coluna em que eram listados jornais recebidos na sede do jornal, no Rio

de Janeiro. Esses jornais eram classificados como Integralistas e Diversos

(FERREIRA, p. 46). Ferreira lista, ainda, os seguintes jornais integralistas: O

Imparcial, A Província, O Popular, O Operário, A Voz do Estudante, A Voz do

Sigma, O Jornal, O Sigma, A Faula, O Serrinhense, O Sertão e A mocidade,

sendo os cinco primeiros de Salvador e todos os outros do interior da Bahia.

São 12 jornais enumerados, mas na coluna dos jornais que chegavam ao jornal

A Offensiva, apenas encontrei o jornal oficial da AIB no estado, A Província, o

que sugere que o controle sobre os jornais locais era feito pela Secretaria de

Imprensa de cada estado (ou provincial, como denominavam os integralista).

Aqui, desfaço um equívoco, O Imparcial não estava entre aqueles jornais

submetidos ao SNI da AIB, ou seja, não era um jornal integralista, ainda que

Page 100: David Rehem

100

escrito pelos mesmos. O que na verdade só aconteceria a partir de 1934,

quando Victor Hugo Aranha, um dos principais dirigentes da AIB baiana,

passou a dirigir o jornal, o qual fazia parte da Companhia Editora e Graphica da

Bahia, de propriedade do autonomista Álvaro Martins Catarino.

O Diário de Notícias era de propriedade do juracisista Altamirando Requião.

Requião apoiou desde o início o golpe civil-militar de 1930, mas foi acusado de

“revolucionário de última hora” por J. J. Seabra, já que estava alinhado

anteriormente ao governo de Washington Luis. Seu biografo, Cláudio Veiga,

afirma que o jornal de Altamirando foi o primeiro e único jornal baiano a apoiar

o golpe. (VEIGA, 1993, p. 86)

Mas o Diário de Notícias estava junto com O Imparcial na divulgação da AIB na

Bahia. A relação com O Imparcial se dava de forma mais direta, já que o jornal

era dirigido por um dos dirigentes da AIB baiana. Já o Diário de Notícias tinha

uma relação reconhecida pelos integralistas. Num quadro destinado à

divulgação da AIB nos estados, na coluna Província da Bahia do jornal A

Offensiva de 16 de agosto de 1934, fica demonstrada essa relação dos jornais

baianos com a AIB no relato sobre Imprensa.

Os jornaes “O Imparcial”, a “Era Nova” e o “Diário de Notícias”, têm dado ampla publicidade ás notícias referentes ao nosso movimento nesta Província, annunciando sessões e dando o seu resultado, illustrando-as com “clichês”, publicando artigos assignados por companheiros desta e de outras Províncias.

No Diário de Notícias (DN) de março de 1935, eis que surge um esclarecimento

da existência de uma coluna, no jornal, intitulada Integralismo.

A Posição da Imprensa Desta tribuna temos falado a linguagem integralista, facilitando a todos, e principalmente áquelles que vivem nos logares mais distantes do rumor das metrópoles, cuja virgindade é cortada pelo DIÁRIO DE NOTÍCIAS, o conhecimento deste movimento que é nosso que de todos os brazileiros, mormente dos que, ainda, guardam intacto o sentimento nacional e teem inviolável, o sentimento de honra. O “Diário de Notícias” que não é um defensor das nossas idéias, senão antes, de caracter conservador, doutrinador,

Page 101: David Rehem

101

noticioso, político, sem fugir da sua situação social e informativa, criou esta secção “Integralismo”, ao lado das demais columnas que enchem esta página. A imprensa tem uma superior finalidade: - a de trazer ao público assenhoreado da marcha social e política dentro de um critério honroso. E foi interpretando a missão da verdadeira imprensa que o “Diário de Notícias”, embora sem commungar com os nossos postulados, illustrou uma de suas páginas com esta secção. Nella serão reflectidos todos os pontos doutrinários, as notícias, daqui e das demais Províncias. E através deste espelho que o “Diário” creou, ouviremos também a palavra de ordem do Chefe. Esta secção, pois, é de grande alcance. E os integralistas devem propaga-la, fazendo-a conhecida daquelles que, ainda, a desconhecem. Comquanto não figure no quadro redactorial deste orgão, emprestarei á nossa secção todo o esforço, aliás commun a cada integralista, procurando mante-la e torna-la interessante cada vez mais. Para isso espero contar a dedicação e o estimulo de todos os companheiros de jornada, mesmo porque prestigiar esta secção é dever expresso e imperioso de qualquer “camisa-verde” seja qual for sua situação social. E.C.

A sessão de uma coluna no jornal não é casual. Altamirando Requião era um

admirador da AIB e do fascismo. A linha editorial do jornal prova isso, com

diversos textos pró-nazistas.114

Mas estes jornais não se limitavam a dar apenas publicidade ao integralismo.

Com exceção da Era Nova, que não encontrei nos arquivos da Biblioteca

Pública do Estado da Bahia, irei expor de que forma eles serviram para

divulgação do anti-semitismo integralista no estado da Bahia.

O anti-semitismo da AIB é tido como uma expressão apenas de um grupo

dentro da Ação, não representando a linha política da organização. Mas isso

não se sustenta a partir de uma rápida análise da imprensa integralista da

época. Não apenas Gustavo Barroso e Miguel Reale escreviam textos de

conteúdo anti-semita. Existem textos de autoria dos próprios órgãos, em que

pese a necessidade de aprovação por Plínio Salgado e da SNI para que

114

Cf. PEIXOTO JR., 2003. Além da referência, encontrei, no jornal, uma convocatória do Partido Nazista Alemão na edição de 29 de janeiro de 1935 que conta entre os anexos desta dissertação.

Page 102: David Rehem

102

fossem publicados, portanto, implicando que não estavam em desacordo com a

doutrina integralista.

Além disso, o discurso do Chefe de que o problema brasileiro era moral, ético e

não étnico não nega um conteúdo racista. Além disso, os integralistas

demarcavam bem qual a liberdade de credo que era permitida. Na revista

ANAUÊ! de janeiro de 1935, em sua primeira edição, foi possível encontrar um

hino integralista escrito pelo padre Mello, de Bom Jesus de Itabapoana, Rio de

Janeiro, em agosto de 1934. Nele encontramos o seguinte trecho: “Seja qual

for o credo/ É livre a consciência/ Mas creia, reconheça e adore a providência.”

Na mesma edição o mesmo padre e o reverendo Gastão de Oliveira, da

mesma cidade e da Igreja Episcopal Brasileira, escrevem uma carta que data

de 4 de janeiro, onde eles defendem que o integralismo não tem exclusividade

religiosidade desde que siga a tríade Deus, Pátria e Família e seja... cristão!

O anti-semitismo, mesmo, indica problemas morais como inerentes às raças. A

avareza relacionada ao judeu seria um defeito moral já internalizado

geneticamente, bem como a sua não adesão a nenhuma nação.

Inicio com um texto contido na revista ANAUÊ! na edição, de janeiro de 1935,

em que Gustavo Barroso escreve um artigo intitulado As Duas Internacionaes.

Em suas páginas uma rápida análise da relação conflituosa da II Internacional,

social-democrata, e a III Internacional, conhecida como a Internacional

Comunista (KOMINTERN). Barroso diz que ambas estiveram em conflito

enquanto não tinham um concorrente que surgiria com a criação do fascismo.

Após isso passaram a se unificar. E adivinhem quem estava por trás dessa

união? Deixo com Barroso a resposta.

Pois bem, depois que os dois credos irmãos – socialismo e

communismo – não se sentiram mais sozinhos no mundo e

que surgia para combatel-os e reduzil-os á impotência o

movimento fascista, começaram a se namorar no sentido

duma união defensiva. A ordem fascista ameaçava de morte

ambas as Internacionaes do desgoverno, anarchia e

Page 103: David Rehem

103

aniquilamento dos povos para entregal-os escravizados ao

jugo de Israel.

(...) A frente única socialista-communista contra o fascismo e a

guerra (que linda tapeação!...) foi furada por essa recusa [dos

socialistas ingleses, escandinavos, tchecoslovacos,

holandeses e belgas]. Deus sempre suscitou divisões entre as

tendas de Israel.115

Isso no primeiro número da revista. Na continuidade do texto Gustavo Barroso

faz um breve histórico afirmando que: “É inútil a luta do Povo Eleito pelo

domínio do mundo desde o dia em que adorou o Bezerro de Ouro...”,

estabelecendo um paralelo entre Judá e Samária com o Comunismo e o

liberalismo e a II e a III Internacional. Três coelhos em uma cajadada só: anti-

semitismo, anti-liberalismo e anti-comunismo. Aliás, algo bem comum no

discurso anti-semita integralista.

Na terceira edição número da revista, de agosto de 1935, num novo artigo,

intitulado Literatura Comunista, Barroso faz uma análise de obras que

considera estarem sob influência da URSS. Mas não analisa autores de

romances soviéticos, já que ele alega que a esterilidade que Hitler impôs aos

“fisicamente degenerados”, os russos impuseram aos seus intelectuais; ele se

dedica a autores que classifica como “da burguesia decadente, freudiano,

impotentes, vítimas ou servos do judaísmo corruptor”. Dentre os brasileiros ele

seleciona Jorge Amado, José Lins do Rego e Gilberto Freyre. Usa como

referência um estudo francês e aponta para autores daquela origem que,

apesar de nomes franceses, são todos descendentes do “famigerado fetor

judaicus, todos são judeus...”.116

Em outro artigo, Peor das Invasões, Barroso comenta a fundação da Escola

Livre de Sociologia e Política, em São Paulo, a qual ele classifica como uma

“fundação judaica, de espírito judaico, destinada a formar mentalidades de

acordo com os protocolos dos sábios de Sião que possam influir mais adeante

115

Grifos meus. 116

Grifo do autor

Page 104: David Rehem

104

nos rumos da vida brasileira.” Para sustentar sua argumentação ele lista o

nome dos fundadores da Escola, indicando “os judeus” e “proto-judeus” do

grupo. Na verdade, dos nove nomes que aparecem, quatro têm sobrenomes

que se poderia efetivamente afirmar de origem judaica: Armando Moretzsohn

de Oliveira, Roberto Simonsen, Raul Briquet e Ciro Berlink; os proto-judeus são

pessoas que possuem o primeiro nome de origem judaica, como Abraão

Ribeiro e um dos outorgantes, Samuel Ribeiro. A argumentação do integralista

é absurda e recheada de paranóias anti-semitas, mas ele termina seu texto

conclamando para os integralistas se levantarem contra essa invasão judaica.

Contudo, o anti-semitismo não se limitava apenas a Gustavo Barroso. Talvez

bebendo no próprio integralista cearense ou nas mesmas fontes, Ordival

Gomes escreve, no número 8 da revista, de março de 1936, o artigo As

primeiras affirmações do nosso nacionalismo, em que investiga nas diversas

resistências contra estrangeiros, dos quais excetua os portugueses, a origem

de nosso nacionalismo. Sobre o “saque das minas” no Brasil ele diz o seguinte:

“O ouro de Minas Geraes é pouco para alimentar a burguesia gozadora de

Lisboa [a crítica é feita à uma burguesia lisboeta e não aos portugueses, tidos

como parte constitutiva da raça brasileira] e saciar a fome foraz [sic] dos

judeus117 ingleses a quem Portugal se escravizara.”

Como um “incremento” ao proselitismo da formação anti-semita entre os

integralistas a Livraria Sigma Editora indicava, nas páginas da Anauê! como

leitura obrigatória, entre outros, o livro Protocolos dos Sábios de Sião de

conteúdo anti-semita e traduzido por Gustavo Barroso, sobre o qual me deterei

no próximo capítulo. No jornal integralista de circulação nacional, A Offensiva,

também eram sugeridas leituras no quadro Bibliographia Integralista, entre os

queais merecem destaque os livros de economia escritos pelos integralistas

Barroso e Miguel Reale, de conteúdo anti-semita, Brasil: Colônia de Banqueiros

e O Capitalismo Internacional, respectivamente.

117

Grifo meu

Page 105: David Rehem

105

As páginas dos jornais também eram recheadas do anti-semitismo verde-

oliva.118 Em 1.º de dezembro de 1933, portanto antes mesmo da entrega da

direção ao integralista Victor Hugo Aranha, o jornal O Imparcial noticia a visita

de Gustavo Barroso à Bahia e apresenta um resumo do discurso proferido por

ele na sede da Associação dos Universitários da Bahia (AUB). Nesse discurso

Barroso fala do materialismo semita do liberalismo e do capitalismo. Como

dirigente nacional, apresenta a análise do integralismo sobre a conjuntura, um

esboço do que viria a ser seu livro Brasil: Colônia de Banqueiros, onde ele

associa os planos judeus de dominação mundial ao comunismo e ao

capitalismo, cita Hitler como base para as suas considerações sobre política,

educação e economia. Nesta mesma edição, na coluna Notas e Tópicos, o

jornal tece diversos elogios ao integralista, o que demonstra simpatias de seus

redatores ao movimento.

O Imparcial não dá voz ao seu anti-semitismo somente pelas canetas verdes

dos integralistas. Na mesma coluna citada acima, do dia 19 de março de 1934,

o jornal afirma que as guerras ao redor do mundo são financiadas pelo ouro

judeu. Com o sugestivo título Propulsores da Guerra a redação do jornal

escreve o seguinte: “São os syndicatos armamentistas, a “Internacional”, as

fabricas todas de armas que se multiplicam e se espalham com o ouro judeu...”

Mais uma vez recai sobre o comunismo e os judeus as mazelas do mundo.

O nazismo também serve como pano de fundo para o anti-semitismo

“imparcial”. Em 05 de abril de 1934, na coluna Registro Internacional, uma

nota, intitulada O “aryanismo” no commercio allemão, apresenta um telegrama

oriundo da cidade de Nuremberg, Alemanha, com a informação de que os

judeus não estão impedidos de praticar o comércio na Alemanha nazista. O

referido telegrama, que não parece ser de origem alemã119, apesar da aludida

origem, sobretudo pela forma da escrita, termina com uma manifestação

indignada de seu autor. Vejamos:

118

Os integralistas também eram conhecidos como camisas-verdes, em razão de suas camisas verde-oliva.

119 A impressão de que o telegrama não seja de origem alemã está, sobretudo, na forma da escrita que se porta a Alemanha como quem está de fora do país. Além disso, parece uma notícias plantada, já que omite as perseguições comerciais às casas judaicas, implementadas, gradualmente

Page 106: David Rehem

106

Como compreender, portanto, que os hitleristas allemães, depois de tomarem aos judeus todas as armas com que poderiam manejar ao seu favor, deixem em seu poder a mais temível e poderosa dellas? Os actuaes dirigentes da Allemanha desconhecem, com certeza, a força do dinheiro...

O eufemismo começa com as aspas no título e termina com a indignação que

mascara a perseguição aos judeus no III Reich. E o melhor desse eufemismo

estava por vir. Na edição do dia 20 de abril de 1934, na coluna Notas e

Tópicos, a seguinte nota que transcrevo na íntegra.

ANTI-NAZISTAS Elles andam por toda a parte, despertando os mais desencontrados commentarios... Aqui são judeus capitalistas, explorando com toda força... a força alheia; ali, são agitadores reaccionários, cavando abysmos entre nações; adeante são revolucionários communistas, incendiários bolchevistas... São atacados em toda parte os judeus. Com ou sem razão, vae-se desenvolvendo a campanha, desencadeada pelo nazismo, disciplinado e enérgico. Porque serão tão perseguidos os judeus? Não moverá esta campanha ante-semita um ódio gratuito e injustificável? É o que as vezes parece, deante da tenacidade dos perseguidores... Mas o que ás vezes parece é apenas apparencia, ás vezes... A realidade, a verdadeira realidade está nos bastidores. Agora mesmo houve o julgamento sensacional, em Varsóvia, dos communistas da cidade de Luch. Depois de 42 dias descobriu-se que a maioria dos accusados era de raça hebraica, em numero de 55... Muitos delles foram

condemnados. Os judeus são considerados os instigadores mais perigosos da actuação communista, visceralmente contraria ao partido chefiado por Adolf Hitler.120

Como apontado acima, o jornal era do autonomista Álvaro Martins Catarino.

Mas a admiração por Hitler não era uma raridade entre os que compunham

120

Grifo meu.

Page 107: David Rehem

107

esse grupo político baiano. Acima vimos a homenagem do deputado

autonomista Rafael Jambeiro. Mas na edição de O Imparcial de 23 de fevereiro

de 1933 consta um texto de autoria do também autonomista Antônio Balbino

em que o político elogia a ascensão de Hitler. Interessa aqui ressaltar que,

como discutido no capítulo anterior, era perceptível a xenofobia entre os

autonomistas que se utilizaram desse expediente para construir seus discursos

contra a interventoria do cearense Juracy Magalhães na Bahia.

Em 1934, A Offensiva, na matéria de capa da edição do dia 12 de julho,

apresentava um texto do Chefe Fascista francês, Henry Coston. A matéria

intitula-se Sob jugo da grande finança internacional e analisa a influência dos

banqueiros judeus na economia francesa. Do mesmo modo, Miguel Reale

também utiliza as páginas de A Offensiva para destilar seu ódio contra os

judeus. Em 19 de julho de 1934, ele escreve um texto em que analisa um

pedido de proibição do fascismo no Brasil, feita na Constituinte, argumentando

que esse foi um ataque de judeus ao integralismo. É importante lembrar que

esse é um jornal para a formação da militância da AIB. O discurso de Reale,

um dos principais líderes da organização, junto com Salgado e Barroso, tem

um peso forte na formação de seus militantes.

Ao que parece, o ano de 1935 foi fértil para a propaganda contra os judeus no

Brasil. A tentativa dos órgãos de imprensa aqui analisados em disseminar uma

propaganda nesse sentido pode ser constatada aos folhear algumas edições.

O órgão oficial dos integralistas, A Offensiva, posta em primeira página A

Trajectoria da idéa communista, escrita por Reale, onde, mais uma vez, o

judaísmo é vinculado ao comunismo internacional e é exaltado o combate feito

pelos fascistas alemães e italianos aos marxistas.

No DN a presença das colunas Integralismo dão o tom ao ataque contra os

judeus. Em 11 de fevereiro de 1935 é publicado na coluna um texto com o título

“As forças secretas da Revolução”, um ataque aberto aos judeus onde o autor,

não identificado, do texto apresenta alguns trabalhos como referência aos

estudos sobre a questão do judeu. Entre esses livros consta o já amplamente

citado Brasil: Colônia de Banqueiros, de Gustavo Barroso, O anti-semitismo de

Page 108: David Rehem

108

Hitler, do integralista baiano Brasilino de Carvalho121, que analisarei no próximo

capítulo e um dos clássicos do anti-semitismo, As forças secretas da revolução,

de Leon Poncins. É importante lembrar que essa coluna é orientada como

leitura obrigatória de todo integralista na Bahia e leva as idéias dessa

organização para todo o estado. O que significa que o anti-semitismo

integralista atingia diversas regiões da Bahia.

No mesmo mês, ainda encontramos um texto, nessa mesma coluna, destinado

aos operários que, além de outras coisas, como negar a luta de classes,

denuncia o comunismo como uma doutrina dissolvente, uma criação judaica.

Um ano antes, em 27 de setembro de 1934, no jornal A Offensiva, havia sido

publicado o texto Operários e Judeus em que também era denunciada a

“influência nefasta” que os judeus tinham sobre o operariado e apontada essa

influência como parte seu do programa de dominação mundial dos judeus

contidas nos Protocolos dos Sábios de Sião.122 A coluna do DN parece ter

seguido a orientação de A Offensiva, haja vista a pequena presença de judeus

no operariado baiano, já que sua principal ocupação era o comércio. 123

Mas fora das colunas integralistas também vinham ataques aos judeus. O DN

de 17 de dezembro de 1935 traz a matéria O communismo e a sua obra

mundial – Milhões de creaturas sacrificadas, pela fome, pelo fogo, pela corda e

pelo ferro – Um relatório sinistro baseado nas próprias declarações dos

Soviets, de autoria do chefe da propaganda nazista, ministro Joseph Goebbels.

A matéria traz uma foto com a seguinte legenda: “LITVNOFF, ou melhor, o

judeu Wallack Meer,124 hoje ministro da Rússia, preso, há annos, em Paris,

como ladrão”. No corpo do texto uma lista de judeus, que teriam orquestrado

atrocidades contra os povos de seus respectivos países. Além de Litvnoff, Bela

Kun, na Bulgária e Levien, Axeirod e Levine Nissen, na Alemanha. A matéria foi

121 Lançado em 1935, este livro suscitou diversas notas de companheiros integralistas. 122 BARROSO, Gustavo (org.). Os protocolos dos Sábios de Sião. Coleção Comemorativa do

Centenário de Gustavo Barroso, 5,ª Edição. Porto Alegre: Revisão Editora,1991. Tratarei a obra de forma detida no próximo capítulo. O chamado Protocolos é um texto apócrifo surgido no final do século XIX, na Rússia czarista.

123 LARGMAN, 2002.

124 Apesar de realmente ser de origem judaica, Maxim Maximovitch Litívnov não se chamava Wallak Meer. Cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Maxim_Litvinov

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109

publicada em dois dias, terminando o relato da conspiração judaico-comunista

na edição do dia 18.

Em O Imparcial não era diferente. A presença do anti-semitismo estava

bastante presente em 1935. Na coluna Notas e Tópicos pequenas notas dão

conta do serviço. No mês de abril duas saltaram aos olhos. Na edição de 04 de

abril uma delas intitulada “Pelo Brasil”, anuncia a adesão do senhor Souza

Dantas, ex-diretor da Carteira Cambial do Banco do Brasil, ao integralismo. O

texto aponta para a experiência prática que o novo camisa-verde teria com os

banqueiros e que corroborava com a obra de Barroso sobre os banqueiros no

país referente ao papel espoliatório dos mesmos.

No texto do dia 11 de abril o título já diz tudo: Colônia de Banqueiros... De

acordo com o texto, enquanto o Brasil for refém deles não há como superar a

crise financeira. O país vivia em crise e não conseguia sair. Na verdade o que

acontecia era um misto de conjuntura internacional com política econômica

brasileira que ainda se mantinha agrária e refém da cafeicultura, que fazia com

que o país não conseguisse sair da crise.125 Mas para o anti-semitismo

barrosiano a culpa recaia, mais uma vez, nos judeus.

Nessas páginas de jornais, pode-se ler ainda, ao lado dos preconceitos, o tom

jocoso que é despendido aos judeus. A história de Isaac Velhacman é contada

em forma anedótica, o que põe em cheque a veracidade das informações ali

contidas. É narrado que esse judeu chegou ao Rio de Janeiro e se tornou

comerciante, na verdade um vendedor ambulante, que logo enriquecera e fixou

comércio. Certa vez Isaac precisou de alguém para abrir o cofre em que

guardara seu dinheiro, pois tinha perdido sua chave. O judeu contratou, então,

Severino, que depois de abrir o cofre recebeu a negativa de Isaac em receber o

valor que havia acordado antes, no que o brasileiro bateu a porta do cofre

deixando o comerciante sem ter como abri-lo. O autor do texto finaliza dizendo:

“Quem nos dera, porém, uma meia dúzia de Severino no leme dos negocios

desse Brasil! Negro que não se confunde com branco.”

125

FURTADO, 1972.

Page 110: David Rehem

110

O título do texto acima é Judiaria. A meu ver, representa o discurso anti-semita

do banqueiro judeu contra os povos. Isaac Velhacman, que, pelo sobrenome,

aparenta um trocadilho com Homem Velhaco, representa o judeu que quer tirar

vantagem sobre Severino, o brasileiro que adota a postura necessária a ser

tomada pelos brasileiros, como é orientado que os integralistas o façam.

Mas o terreno mais fértil ocorreu quando do Levante comunista. Entre os

chamados agentes extremistas estavam alguns judeus, o que logo foi noticiado

por O Imparcial de 1.º de dezembro de 1935. Esses judeus estavam ligados a

uma organização chamada BRAZCOR (Socorro Vermelho Judaico),126

considerada e apresentada pelo jornal como “perigoso foco de agentes

extremistas”. Isso serviu como pretensa prova da relação dos comunistas

brasileiros com os “judeus apátridas internacionalistas”, quando na verdade era

o BRAZCOR que fazia parte do PCB e não o contrário.

Como uma organização de unidade nacional a AIB baiana não se limitou em

promover o anti-semitismo nos jornais que deram espaços para que isso

pudesse acontecer. Em O Imparcial isso foi mais latente, já que a linha editorial

do jornal, mesmo antes de estar sob a direção de um integralista, demonstrava

profunda simpatia à AIB. No Diário de Noticias o espaço foi aberto enquanto

seu dono, Altamirando Requião, se manteve simpático ao integralismo, mas

sem mudar as linhas gerais do jornal, já que a AIB baiana fazia oposição a

Juracy Magalhães que, por sua vez, era apoiado por Requião.

Mas o anti-semitismo desses jornais não se limitou, como já foi exposto, à linha

integralista. A xenofobia autonomista parecia se traduzir em certa antipatia aos

judeus, em que pese o apoio que o interventor deu à comunidade judaica

baiana, inclusive doando o terreno onde seria instalado o cemitério dos judeus,

nas Quintas, em 1936.127 Já o anti-semitismo do Diário também estava

126

O BRAZCOR era uma organização ligada ao Partido Comunista do Brasil (PCB). Cf. KUPERMAN, Esther. ASA – Gênese e trajetória da esquerda judaica não sionista carioca. In: Revista Espaço Acadêmico, n. 28, setembro de 2003. Visitado em 25 de junho de 2011: http://www.espacoacademico.com.br/028/28ckuperman.htm; e VVAA. PCB: Oitenta anos de luta. Fundação Dinarco Reis. 2002. 127 LARGMAN, 2002.

Page 111: David Rehem

111

vinculado à relação próxima que o jornal estabeleceu com comerciantes

alemães do estado e da simpatia de seu dono pelo nazismo.128

128 PEIXOTO, 2003.

Page 112: David Rehem

112

CAPÍTULO IV – GUSTAVO BARROSO, INTELECTUAIS INTEGRALISTAS

BAIANOS E A QUESTÃO JUDAICA

“Os intelectuais são um grupo autônomo e independente, ou cada grupo social tem uma [sic] sua própria categoria especializada de intelectuais? O problema é complexo por causa das várias formas que assumiu até agora o processo histórico real de formação das diversas categorias intelectuais.” (GRAMSCI, Cadernos do Cárcere, 2010, p. 15)

A consideração acima inicia o Caderno 12, escrito no ano de 1932, pelo já

citado intelectual, Antônio Gramsci. Intitula-se “Apontamentos e notas

dispersas para um grupo de ensaios sobre a história dos intelectuais”. As

indagações do autor giram em torno de sua preocupação sobre a metodologia

de análise da questão dos intelectuais. Para Gramsci o problema está na

predefinição do papel do intelectual, sem antes se analisar o contexto histórico,

suas relações sociais e o seu lugar de classe. (GRAMSCI, 2010, p. 18)

Na continuação de sua análise sobre a questão dos intelectuais, Gramsci

instiga a reflexão e discussão a partir da afirmação de que “seria possível dizer

que todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens têm na

sociedade a função de intelectuais...” (idem, ibidem), diluindo a separação

entre trabalho manual e intelectual, onde o primeiro procede do segundo, já

que exige algum grau de instrução para ser realizado. Talvez hoje isso nos

pareça óbvio, mas essa discussão é de extrema importância, principalmente

para a época e a conclusão acerca da necessidade do trabalho intelectual para

o trabalho manual coloca a discussão em outro patamar...

O debate agora gira em torno da função social dada aos intelectuais. Todo

homem é um intelectual, porém: “Formam-se assim, historicamente, categorias

especializadas para o exercício da função intelectual; formam-se em conexão

com todos os grupos sociais mais importantes...” Ou seja, há uma definição em

cada tempo e sociedade, de um determinado grupo social que vai cumprir a

função de intelectual. Mas então, qual é essa função?

Page 113: David Rehem

113

Retornemos ao início do texto... Essa função que é histórica e variável de

acordo com cada grupo social e seu respectivo grau de especialização e

aperfeiçoamento de seus conhecimentos, dada pela sua formação na escola,

inicialmente, e posteriormente na prática, no exercício de sua função dentro da

estrutura social, no que Gramsci chama de “mundo da produção”. Mas, essa

função no “mundo da produção” é mediatizada, a grosso modo, pela

superestrutura, que o autor divide em dois grande planos:

a) Sociedade civil (ou os organismos privados de hegemonia, dentre eles os

partidos políticos);

b) Sociedade política ou Estado, “... que correspondem, respectivamente, à função de 'hegemonia' que o grupo dominante exerce em toda sociedade e àquela de 'domínio direto' ou de comando, que se expressa no Estado e no governo 'jurídico'.” (GRAMSCI, 2010, p. 21)

Outra consideração relevante de Gramsci se dá em torno da divisão entre os

intelectuais de tipo rural e urbano. Os segundos são intelectuais que já nascem

no seio da sociedade industrial, já adaptados a ela e por isso mesmo sem

nenhuma iniciativa de inovação. Já os primeiros são em grande parte

“tradicionais”, ligados à massa social do campo e à pequena burguesia das

cidades “... esse tipo de intelectual põe em contato a massa camponesa com a

administração estatal ou local (…) e, por esta mesma função, possui uma

grande função político-social, já que a mediação profissional dificilmente se

separa da mediação política.” (idem, ibidem) Esses intelectuais tradicionais

tanto são disputados pelo grupo hegemônico, quanto tentam se inserir no

mesmo. Possuem uma relação contraditória com o camponês, já que ao

mesmo tempo em que o camponês admira esse intelectual, ele o despreza por

inveja, enquanto os intelectuais urbanos, como técnicos de fábricas, não têm a

necessidade de cumprir um papel político sobre as massas urbanas industriais,

já adaptadas às suas funções e inseridas na sociedade industrial.

Esses intelectuais tradicionais “... sentem com 'espírito de grupo' sua

ininterrupta continuidade histórica e sua 'qualificação'. Eles se põem a si

Page 114: David Rehem

114

mesmos como autônomos e independentes do grupo social dominante.” (idem,

Ibidem, p. 17)

O marxista italiano ainda reflete sobre o papel dos partidos políticos para a

questão dos intelectuais e faz duas distinções sobre esse papel:

1) para alguns grupos sociais, o partido político é nada mais do que o modo próprio de elaborar sua categoria de intelectuais orgânicos, que se formam assim,e não podem deixar de formar-se dadas as características gerais e as condições de formação, de vida e de desenvolvimento do grupo social dado, diretamente no campo político e filosófico, e não no campo da técnica produtiva (…); 2) o partido político, para todos os grupos, é precisamente o mecanismo que realiza a sociedade civil a mesma função desempenhada pelo Estado, de modo mais vasto e mais sintético, na sociedade política, ou seja, proporciona a soldagem entre intelectuais orgânicos de um dado grupo, o dominante, e intelectuais tradicionais; e esta função é desempenhada pelo partido precisamente na dependência de sua função fundamental, que é a de elaborar os próprios componentes, elementos de um grupo social nascido e desenvolvido como “econômico”, até transformá-los em intelectuais políticos qualificados, dirigentes, organizadores de todas as atividades e funções inerentes ao desenvolvimento

orgânico de uma sociedade integral, civil e política. (idem, ibidem, p. 24)

Continuando, Gramsci analisa alguns casos específicos de formação de

intelectuais. Interessa, aqui, o caso da América Central e do Sul, inclusive

porque as impressões de Gramsci se referem ao período destacado nesse

trabalho. Ele aponta para a inexistência de intelectuais de tipo tradicionais e

destaca a formação dessa intelectualidade vinculada à Igreja e ao setor militar.

Aponta, ainda, a relação direta entre esses intelectuais e as elites latifundiárias

dos seus respectivos países. E ainda:

Pode-se dizer que, no geral, existe ainda nessas regiões americanas uma situação de tipo Kulturkampf129 e tipo processo Dreyfus, isto é, uma situação na qual o elemento laico e burguês ainda não alcançou o estágio da subordinação dos interesses e da influência clerical e militarista à política laica do

129 Cultura do conflito, tradução minha. Ver nota posterior à escrita de Gramsci, referente ao termo, na edição aqui utilizada.

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115

Estado moderno. Ocorre assim que, por oposição do jesuitismo, tenham ainda grande influência a Maçonaria e o tipo de organização cultural como a “Igreja positivista”. Os eventos dos últimos tempos (novembro de 1930) – do Kulturkampf de

Calles, no México, às insurreições militar-populares na Argentina, no Brasil, no Peru, no Chile, na Bolívia – demonstram precisamente a exatidão destas observações.

(GRAMSCI, 2010, p. 31)

Essas considerações servem para que se possa pensar que tipo de intelectuais

eram Gustavo Barroso e aqueles outros que pensavam sobre o anti-semitismo,

sobretudo da intelectualidade baiana. É perceptível em suas obras os aspectos

militares e católicos que compõem as suas elaborações sobre o anti-semitismo

no Brasil. Na verdade são reflexões que buscam sempre questionar o modelo

de Estado liberal e o comunismo, elegendo o judeu como seu elaborador, cujo

objetivo é a destruição do mundo cristão. Esses autores escrevem sempre se

preocupando com o lugar que ocupam e se dizendo representantes do povo

brasileiro, em especial dos trabalhadores desse país.

4.1. LITERATURA E PROPAGANDA

Na tradição das organizações revolucionárias marxistas a difusão de sua

política se dá de duas formas: agitação e propaganda. A primeira consiste em

poucas idéias para muitas pessoas, passadas por palavras-de-ordem que

sintetizem suas concepções. A segunda consiste em muitas palavras para

poucas pessoas, no intuito de aprofundar essas idéias junto àqueles

interessados em se aproximar ou entrar na organização. Mas essa não é uma

forma genuinamente marxista e existe antes mesmo da formação dessas

organizações; e mais, não são exclusividade, também, das organizações de

esquerda. A extrema-direita, como os nazistas, fascistas e integralistas,

também se serviu dessa forma de disseminar ideias.130

Para a AIB isso dispunha de um papel importante. Todas as províncias tinham

o Departamento Provincial de Propaganda que se encarregava de difundir a

130 Ver discussão feita por FERREIRA (2006), a partir de Jean-Marie Domenach, em seu trabalho, a partir da p. 43. Ela trata das diferenças entre a propaganda para o leninismo e o hitlerismo. Ainda sobre essa discussão ver CRUZ (2004) sobre a relação entre a propaganda integralista e a alemã, em especial capítulos I e II.

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116

doutrina do Sigma, ou seja, da Ação. Esses Departamentos de Propaganda

usavam jornais, realizavam eventos em cada lugar onde houvesse núcleos da

AIB. Elas estavam subordinadas à SNI. Como visto no capítulo anterior.

(FERREIRA, 2006, p. 46)

Além de promover cursos e imprmir jornais a AIB publicava livros, que se

subordinavam à SNI. Em A Offensiva era indicada uma bibliografia integralista

no intuito de iniciar a formação sobre a doutrina. Os autores mais

recomendados eram Plínio Salgado e Gustavo Barroso.131

As obras integralistas revelavam a grande importância e preocupação sobre o

papel do intelectual dada pela organização. A própria formação da AIB está

vinculada à intelectualidade brasileira.

O lançamento do Manifesto Integralista em outubro de 1932 marcou o surgimento oficial da Ação Integralista Brasileira - AIB liderada por Plínio Salgado. A formação da AIB resultou das reflexões e convergências ideológicas entre intelectuais, reunidos em torno da Sociedade de Estudos Políticos – SEP.

(FERREIRA, 2006, p. 21)

A obra mais elementar do integralismo é iniciada com as seguintes

considerações de Plínio Salgado, na abertura do primeiro capítulo, intitulado

“Destino do Homem e da Sociedade”:

A presente exposição da doutrina integralista eu a faço para as massas populares, procurando ser o mais simples possível, evitando as teminologias difficeis e me desembaraçando, das malhas do eruditismo.

Escrevo para o meu povo numa hora de confusão e de duvidas, tanto nacionaes como universaes, e todo o meu desejo é tornar accessivel aos simples o pensamento que já penetrou dominantemente as classes ilustradas do Paiz.”

(SALGADO, 1933, p. 13. Grifos meus)

131 Na edição de 14 de dezembro de 1935, do referido jornal, no boxe Bibliographia Integralista eram indicados seis livros de Gustavo Barroso e oito de Plínio Salgado. Dentre os livros indicados de Barroso estava, na seção Economia a obra “Brasil: Colônia de Banqueiros”, uma das analisadas neste capítulo.

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117

Pode-se ver a preocupação de Salgado sobre a forma que escreve o

intelectual. E isso, como veremos adiante, não é uma preocupação exclusiva

dele. Se Marilena Chauí afirma que o destinatário da propaganda integralista

eram as classes médias,132 o desejo da AIB em se inserir nas classes

subalternizadas era claro. Essa expectativa se desvela em algumas ações,

como a campanha em prol do desabrigados das enchentes em Salvador em

1935, amplamente noticiado em O Imparcial133 ou a tentativa de valorização

dos trabalhadores brasileiros tanto nas obras integralistas, aqui selecionadas,

como na revista Anauê!, da AIB.

A despeito da discussão sobre intelectuais, não será feita, aqui, nenhuma

exposição mais detida sobre a vida dos autores escolhidos nessa análise.

Sobre Gustavo Barroso existem dois trabalhos que considero importantes:

“Nem Rotschild nem Trotsky. O pensamento Anti-Semita de Gustavo Barroso”

de Marcos Chor Maio e “Integralismo e Anti-Semitismo nos Textos de Gustavo

Barroso na década de 1930” de Roney Cytrynowicz.134 Sobre Brasilino de

Carvalho não encontrei muitas informações acerca da vida do autor, apenas

que o mesmo era Chefe do Departamento Provincial de Imprensa, fundador do

jornal “A Província” em 1934, órgão oficial da AIB - Bahia, e um dos

responsáveis pela compra e reestruturação do jornal “O Imparcial”, em 1935,

junto com Vítor Hugo Aranha, diretor do jornal entre os anos de 1934 a 1937 e

chefe provincial do Departamento de Propaganda no estado.

Portanto me deterei às obras dos mesmos para uma análise destas como

difusoras do anti-semitismo integralista tanto nacionalmente quanto na

província da Bahia.

4.2. GUSTAVO BARROSO, OS BANQUEIROS E OS SÁBIOS DE SIÃO

Gustavo Barroso era um dos principais propagandistas do integralismo. Em

1933, um ano após a fundação da AIB, percorreu o país numa caravana

132 CHAUÍ (1978) apud FERREIRA (2006) 133 Ver O Imparcial, 06 de junho de 1935, também FERREIRA (2006b) 134 MAIO, 1992; e CYTRYNOWICZ, 1991.

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118

integralista noticiada por “O Imparcial” como “O integralismo em marcha!”.135

No primeiro dia da visita à Bahia, em 29 de novembro, Barroso conferenciou

sobre o tema “As utopias do socialismo”, tendo afirmado, segundo resumo do

próprio jornal:

Em 1844, Marx e Engels começaram o seu namôro com o communismo utopico e, em 1847, plagiando Consideránt lançaram ao mundo com repique e foguêtes o tal do communismo scientifico, logo abraçado pelos refractarios, inassimilaveis, fanaticos, despeitados, invejosos e negativistas sob a batuta do judaismo internacional.”

E conclui: “Os povos fortes não têm mêdo desses espantalhos encarnados.

(…) O Integralismo é a grande doutrina dessa synthese espiritual. Os

socialismos são utopias e mumias sociaes”136

Barroso mostra para que veio. Em companhia de outros líderes integralistas,

como noticiado quando da sua chegada no dia 28 de novembro, dentre eles

Miguel Reale, não é relatada nenhuma objeção por parte dos outros líderes

nacionais da AIB quanto às suas considerações de cunho claramente anti-

semita. No dia 1.º de dezembro o jornal apresenta novo resumo da palestra de

Barroso, com o seguinte conteúdo, se referindo ao materialismo da sociedade

contemporânea subserviente ao:

… materialismo semita com o neomessianismo político, o livre arbitrio desassociador, o determinismo historico, o socialismo mascarando o imperialismo, o capital e o trabalho despersonalizados, a uniformidade animal do communismo marxista! (…) O seculo XIX separou, dividiu tudo, phenomenos theorias, homens. O judaismo ao invés do que pensava, preparou os meios de uma synthese que lhe será fatal.(...) A inquietação que profundamente abalou e continua a abalar o mundo foi um phenomeno puramente intellectual com as devidas projecções no campo da política e da economia. A reconstrucção que vae salvar o mundo é tambem um

phenomeno puramente intellectual. (Pela Unidade Nacional! O Imparcial, 1.º de Dezembro de 1933. Grifos meus)

135 O Imparcial, 30 de novembro de 1933. 136 Ibidem

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119

No trecho acima destaco a continuidade da propaganda anti-semita de Barroso

com consentimento dos outros líderes. Ressalto ainda o papel conferido aos

intelectuais por Barroso que continua, na sequência do texto, salientando o

lugar da escola nessa transformação intelectual.

A educação é a própria substancia da vida sobretudo da parte intellectual. Na escola é que se pode modelar a sociedade. A

nação forma-se estractifica-se nos bancos das aulas e mais do que a nação, o próprio espirito de uma época. Neste século, estamos em face duma decomposição mollecular da sociedade. Sente-se na vida das nações aquele “fermento de decomposição” a que Hitler se refere, “ameaça occulta de

afundamento do occidente.” (Idem. Grifo meu)

No dia 02 de dezembro de 1933 o jornal noticia a última conferência da

comitiva integralista em marcha e, mais uma vez, destaca a exposição de

Gustavo Barroso, o que demonstra sua primazia entre os seus. Nessa

derradeira apresentação, Barroso apresenta resultados parciais sobre seus

estudos dos empréstimos brasileiros, intitulado “Brasil, colônia dos Rotschild”.

Esses estudos seriam a base para a composição de “Brasil: Colônia de

Banqueiros”, como afirma o próprio autor na obra, publicada pela primeira vez

em 1934. (BARROSO, 1936, p. 97) O publico alvo dessas conferências? Além

dos militantes da AIB-Bahia, que vierem de diversas cidades da província, na

edição do dia 30 de novembro, que as atividades seriam voltadas para as

“classes produtoras”. Quais seriam essas classes produtoras? Os

comerciantes, que cederam a sede de seu clube137 ou os trabalhadores? Essa

dúvida o jornal não soluciona, mas imagino que sejam os trabalhadores o que

aponta, mais uma vez, para o público o qual a AIB desejava alcançar...

A importância dessas visitas, como disse acima, está no fato de que elas

faziam parte de uma caravana que apresentava e aprofundava a doutrina

integralista nos locais por onde passava. O destaque dado a Barroso indica a

proposta de Salgado de aproximar seus líderes e intelectuais da militância da

organização. Além disso, também demonstra que mesmo antes de publicar

suas obras de “denúncia do judaísmo internacional”, que iniciada exatamente

137 Clube Comercial da Bahia (ACB)

Page 120: David Rehem

120

com Brasil: Colônia de Banqueiros, em 1934, o líder integralista cearense já

difundia seu ideal anti-semita, em atividades regulares da própria organização.

Suponho que tenha ganhado mais relevância essas conferências, proferidas na

Bahia, porque o próprio Barroso as cita em sua obra.138

Gostaria de fazer três considerações a partir do que foi exposto até o momento.

A primeira delas se refere à ênfase que o autor dá à questão da

intelectualidade. Para ele a crise social é intelectual e, portanto, só mudará a

partir de uma revolução intelectual nos moldes integralistas. Somente assim o

povo brasileiro pode despertar contra a ameaça do “judeu internacional”,

destruidor dos valores ocidentais, cristãos. Em “Brasil: Colônia de Banqueiros”

critica os “intelectuais da elite” que, segundo ele, não estão preocupados com o

povo, os quais se associam ao judaísmo internacional nos meios de

comunicação e na política.

A nova nação [o Brasil] deu-se ao nascer, de mãos atadas ao capitalismo sem pátria. Metido o pé nas suas misteriosas engrenagens, o corpo todo do Brasil haveria de, em um século, passar por entre as moendas do engenho de fazer ouro. Elas espremeriam de seu povo suor e sangue. E, depois de assim dessorado, sugado, espoliado, ainda os literatos em busca de êxitos fáceis viriam considerá-lo inerte e preguiçoso, apelidá-lo de Jeca Tatu e fazer, pervertidamente, o Retrato do Brasil. Ao brasileiro roubado e escravizado, brasileiros não se pejaram de caluniar! (BARROSO, 1936, p. 13, grifo do autor)

Uma alusão direta à Monteiro Lobato e Paulo Prado, intelectuais brasileiros de

expressão nacional que escreveram, respectivamente, Urupês, que traz a

imagem do Jeca Tatu, o homem ignorante do interior e símbolo do atraso

brasileiro; e Retrato do Brasil – Ensaio sobre a tristeza brasileira, em que o

autor trata das razões pela qual o povo brasileiro seria atrasado. Esses autores

trazem uma visão pessimista do Brasil.

138 “Os dois capítulos precendentes são simplesmente o desenvolvimento duma conferencia sob o título Brasil – colônia dos Rotschild, que pronunciei de outubro de 1933 a janeiro de 1934, nos seguintes lugares: Sede da Ação Integralista do Rio de Janeiro, Clube Comercial da Baía, Associação Comercial de Maceió, Associação dos Empregados no Comercio de Recife, Teatro José de Alencar de Fortaleza, Palácio Teatro de Belém, Teatro Artur Azevedo de S. Luiz do Maranhão e Associação dos Escolteiros de Natal.” (p. 96 e 97)

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121

Outra consideração a ser feita é sobre o papel da escola na formação desses

intelectuais. Gramsci aponta para isso afirmando: A escola é o instrumento

para elaborar os intelectuais de diversos níveis. (GRAMSCI, 2010, p. 19) O

autor italiano tece essas considerações no cárcere um ano antes de Barroso,

mas serve para ilustrar como a questão da escola é vista pelos intelectuais da

época. Apesar da valoração que ambos dão à escola, eles seguem caminhos

distintos. Enquanto Gramsci faz uma leitura mais complexa, sobre a questão da

funcionalidade da escola no sentido de operacionalização da gestão e

produção na sociedade, Barroso pensa na escola como apenas difusora da

moral cristã ocidental. A revolução intelectual está diretamente ligada a essa

moral, que nortearia à nova sociedade integral.

A última consideração se refere à centralidade imputada por Barroso ao partido

político nessa formação. Essa revolução intelectual se dará a partir da doutrina

integralista, já que é o integralismo a grande síntese do espírito renovador que

destruirá o materialismo judaico-marxista. Retomando Salgado, na obra acima

citada, ele diz o seguinte:

A concepção integralista do mundo, como a própria palavra está indicando, considera o universo, o homem, a sociedade e as nações de um ponto de vista totalitario, isto é, sommando todas as suas expressões, todas as suas tendencias, fundindo o sentido materialista do facto ao sentido interior da idéa,

subordinando ambos ao rhytimo supremo espiritualista e apprehendendo o phenomeno social segundo as leis de seus movimentos. O signal que adoptamos nos uniformes dos “camisas-verdes” e na bandeira do integralismo (sigma), indica em mathematica o symbolo do calculo integral. Quer dizer que a nossa preoccupação é sommar tudo, considerar tudo, nem nos perdendo na esphera exclusiva da metaphysica, nem nos deixando arrastar pela unilateralidade do materialismo. (idem,

p. 23 e 24)

Mas, o somar tudo e todos têm um porém. A espiritualidade defendida pela AIB

é a cristã, aqueles que estavam fora dela estavam fora de sintonia com a

proposta de sociedade integralista, dentre eles os judeus e é isso que está

contido no discurso de Gustavo Barroso.

Page 122: David Rehem

122

A seguir, me deterei a uma análise de duas obras de Gustavo Barroso de

grande importância nas suas elaborações anti-semitas. Ambas têm um caráter

panfletário e são repletas de chamados à juventude, ao operariado e ao povo

brasileiro.

Por ordem cronológica, a primeira delas é a já citada “Brasil: Colônia de

Banqueiros”. O subtítulo explica o conteúdo da obra “História dos empréstimos

de 1824 a 1934”. Nela o autor faz um levantamento dos contratos de

empréstimos realizados pelo Brasil desde sua independência até o período da

publicação. O curioso é que o autor sempre culpa os judeus pelo estado de

dependência financeira do país, nunca analisando as condições em que se

deram esses empréstimos e nem o papel de Portugal, Inglaterra e Estado

Unidos nesses processos, reservando a esses países o papel de vítimas do

plano internacional dos judeus, a partir da relação dos banqueiros judeus.

Mesmo quando não tem certeza sobre a “origem semita” dos banqueiros, como

no caso dos estado-unidenses, o autor insinua sua origem ou relação com o

plano de destruição do mundo cristão, fruto da conspiração internacional

judaica.

As interpretações seguem continuamente a linha de levar o leitor a concluir de

quem é a culpa, o convocado a fazer parte da luta contra os planos dos judeus.

O livro começa com uma citação de Leon Poncins sobre Trotsky e Rotschild,

colocando-os como dois extremos da civilização do século XX e representantes

do “espírito judaico”.

Barroso utiliza-se de metáforas cristãs com conteúdo “nativo”. Em um dos

trechos, diz:

Embora acoimados pelos comunistas de servirem ao capitalismo, os Integralistas são os que até hoje têm tido coragem de pregá-la – para que o colosso acorde, se espreguice, quebre as cadeias e, erguendo o tacape duma verdadeira liberdade, espatife os ídolos e os bezerros de ouro. (BARROSO, 1936, p. 15)

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123

Uma referência clara ao relato bíblico de Jesus no templo e à idolatria dos

judeus aos bezerros de ouro, utilizando-se de alegorias como o tacape do índio

brasileiro.139

Sobre os políticos brasileiros, o autor denuncia sua postura frente aos judeus e

se revolta contra os que, segundo ele, agem contra o povo brasileiro: “Chama-

se isso habilidade. Aperta-se a mão e coroam-se com títulos os homens que

desse modo procedem, enquanto se mete na prisão o desgraçado que furtou

um níquel para matar a fome de seu filho.” (Idem, p. 17)

Nesse trecho Barroso demonstra a “sensibilidade” dos integralistas frente

àquele que rouba para matar a fome de sua família. Dialoga com o sentimento

popular, o que sugere a busca de um diálogo com os setores subalternizados e

com a classe média – como já discutido -, normalmente sensíveis à questões

como falta de acesso à alimentação, moradia e saúde.

Apesar de se opor ao conceito de luta de classes, faz referência a ele,

oportunamente utilizando-se do sentimento popular diante das lutas contra

“estrangeiros” (holandeses ou portugueses):

Os brasileiros humildes, brancos, caboclos, negros e mestiços, unidos como nos gloriosos dias da guerra holandesa, haviam derramado seu sangue no Genipapo, em Itaparica e em Pirajá. Os brasileiros chamarrados de ouro fizeram as combinações diplomáticas, os pactos de famílias e as negociatas de dinheiro. (Idem, p. 33)

A convocação da juventude, do operariado, dos soldados e do povo brasileiro

está em todo o texto. Sempre com o discurso de que a opinião destes é (ou

139 Eis os textos: João 2:13-17: “Aproximara-se então a páscoa dos judeus, e Jesus subiu

para Jerusalém. E ele achou no templo os que vendiam gado, e ovelhas, e pombas, e os corredores de dinheiro nos seus assentos. Assim, depois de fazer um chicote de cordas, expulsou do templo a todos com as ovelhas e o gado, e derramou as moedas do cambistas e derrubou as suas mesas. E ele disse aos que vendiam pombas: ‘Tirai estas coisas daqui! Parai de fazer da casa de meu Pai uma casa de comércio!’ Seus discípulos lembraram-se de que está escrito: ‘O zelo da tua casa me devorará’”; e 2 Reis 17:16: “E continuaram a abandonar todos os mandamentos de Jeová, seu Deus, e passaram a fazer para si estátuas fundidas, dois bezerros, e a fazer um poste sagrado, e começaram a curvar-se diante de todo o exército dos céus e a servir Baal;”. (TRADUÇÃO DO NOVO MUNDO DAS ESCRITURAS SAGRADAS, 1986)

Page 124: David Rehem

124

deveria ser) a de se opor ao judaísmo internacional. E não só nessa obra as

coisas estão colocadas dessa forma.

Na outra obra aqui analisada, “Os protocolos dos Sábios de Sião”, livro de

autoria da polícia secreta do czar russo, a Okhrana, em seu projeto de

incitação aos pogroms, publicado no Brasil em 1936, traduzido por Gustavo

Barroso. Como não podia deixar de ser ele faz o prefácio. Mais uma vez induz

o leitor a chegar às suas conclusões.

No prefácio ele se detém ao Processo de Berna, entre os anos de 1934 e1936,

no qual a justiça suíça considerou a obra como ilegal pelo seu conteúdo

inverídico. Barroso diz reunir provas que comprovam a veracidade da obra e

afirma que a autenticidade só pode ser questionada por judeus ou pessoas de

má-fé. Um argumento de autoridade, uma vez que, de antemão, desautoriza

críticas e mesmo localiza de onde podem “injustamente” vir: de judeus ou de

pessoas de má-fé. (Idem, p. 58)

Em todo o texto o autor busca descredibilizar os envolvidos no processo, sejam

os juízes (que ele diz serem judeus ou social-democratas) ou os advogados,

sendo que o de acusação teria forjado provas e o de defesa seria

incompetente. Além disso, sempre que mostra as provas interpreta à sua

maneira – muito particular - as fontes. Como, por exemplo, no caso em que

analisa a opinião dada pela revista judaica estado-unidense que diz que a

autenticidade ou não dos Protocolos é de menor importância; frente ao caso, o

que teria maior importância seriam suas consequências contra os judeus, ao

que Barroso afirma que essa colocação confirma a autenticidade da obra. Os

próprios judeus estariam assumindo essa autenticidade. (Idem, p. 61 e 62)

No intuito de afirmar suas conclusões e de justificar o seu ódio aos judeus, o

autor diz o seguinte: “E o antijudaísmo abrolhou por toda a parte como uma

reação defensiva natural e necessária.”140

140 Ao contrário do que defendo no primeiro capítulo, Barroso não faz distinção entre anti-

judaísmo (de caráter cultural e religioso) e anti-semitismo (com um recorte racista demarcado).

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125

O papel que essas obras desempenham na propaganda integralista é de

fundamental importância. Em primeiro lugar porque a função de Gustavo

Barroso na formação da AIB era de grande destaque. Ele capitaneava as

caravanas integralistas pelo país e se fazia presente em diversos momentos,

como no Congresso da AIB baiana em 1935. Além disso, suas obras figuravam

entre as de referência na formação intelectual dos militantes integralistas e

nunca é pouco destacar que esta era uma organização com milhares de

membros em todo o país. e, diferente de seus seguidores baianos, o que

Barroso dizia tinha eco em todos esses locais.141

4.3. BRASILINO DE CARVALHO E O ANTI-SEMITISMO DE HITLER

“O debate de uma determinada época, de fato, além de abrir ao pesquisador a possibilidade de conhecer a perspectiva individual de cada autor, deixa entrever a conformação de grupos e o complexo de relações entre os agentes culturais” (OLIVEIRA, p. 25)

Brasilino de Carvalho era chefe do Departamento Provincial de Propaganda da

AIB – Bahia, além disso, junto com Victor Hugo Aranha, outro militante da AIB,

ajudou à reestruturar o jornal O Imparcial, em 1934. Sobre a vida dele não

encontrei muita coisa, apenas referências sobre sua relação com o jornal e um

debate, ocorrido nas páginas de O Imparcial referente a um livro seu, O anti-

semitismo de Hitler.

Deparei-me Brasilino de Carvalho de uma forma diferente a que cheguei a

Gustavo Barroso. Quando se fala de anti-semitismo Barroso é a principal

referência brasileira. Como dito acima, trata-se de um dos principais

intelectuais do integralismo brasileiro e suas obras sempre se encontram entre

as indicadas como referenciais básicos para a formação do militante

integralista.

141 Com isso, estou querendo demonstrar que o anti-semitismo não era uma elaboração de

alguns militantes locais, mas sim da própria AIB.

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126

Carvalho, por sua vez, não aparece entre as indicações de leitura da Secretaria

Nacional de Imprensa. Segui um caminho curioso para conhecer os pontos de

vista desse dirigente da AIB – Bahia. Localizei uma resenha de seu livro

quando pesquisava sobre anti-semitismo no jornal O Imparcial. O livro foi

anunciado, pela primeira vez, em 11 de janeiro de 1935, em um box que

informava seu lançamento. Na seção do jornal Livros Novos do dia 16 de

janeiro de 1935 é apresentado uma obra que se intitula O Anti-Semitismo de

Hitler. A apresentação do livro não é assinada por ninguém, o que me faz crer

que seja escrita pelo corpo editorial do jornal ou por algum leitor da obra, ou

pelo próprio autor, que tinha ligações estreitas com o diretor do jornal, o

também integralista Victor Hugo Aranha.142

Ao ler a apresentação pode-se constatar o seu conteúdo propagandista e

defensor do anti-semitismo. O texto começa assim:

Ha uma bem entendida anciedade [sic] nos circulos culturaes da Bahia, interessados nas questões sociaes que agitam o mundo nessa hora de intranquillidade universal, pelo apparecimento do livro de Brasilino de Carvalho - “O Anti-Semitismo de Hitler” - tão amplamente annunciado. O assumpto é dos mais palpitantes e da maior actualidade. À ascenção de Hitler ao governo da Allemanha, que elle vae reerguendo e recollocando aos olhos do mundo na situação proeminente que attingiu nos ultimos annos que precederam à grande guerra, succedeu-se uma forte reacção nacionalista contra os inimigos do paiz, os que não querendo se conformar com o regimem renovador que empolgava a nação allemã, procuravam por meios revolucionários resistir-lhe. A Allemanha era um formidavel centro de actividades communistas animadas pelos judeus.

Logo de início o texto já justifica a defesa de Carvalho ao nazismo e suas

ações contra os judeus. No decorrer é feita uma apresentação mais detalhada

da obra. O livro é uma resposta a uma outra obra, publicada pela Editora

Civilização Brasileira, e intitulada Por que ser anti-semita – Um inquerito entre

intellectuaes brasileiros. Essa obra reuniu intelectuais brasileiros que

142 Sobre a relação entre Aranha e Carvalho, cf. FERREIRA, p. 41.

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127

expuseram suas opiniões diversas sobre o assunto. O texto do jornal diz o

seguinte sobre a resposta de Carvalho:

Discutindo com segurança, argumentando e documentando suas affirmações feitas em linguagem clara e franca, elle deixa nos que lêem perfeitamente esclarecido o assumpto

convencendo que não foi anti-semitismo que Hitler faz na Allemanha, mas defesa necessaria das novas instituições allemães, do nacionalismo allemão, ameaçados pelo internacionalismo judaico.

Como propaganda, o texto já apresenta a resposta dada pelo autor ao tema e

dá sua interpretação dos fatos ocorridos na Alemanha nazista, além de elogiar

a escrita do autor e defender que suas contra-argumentações se basearam em

documentação, o que já lhe confere adiantadamente, mais respaldo entre os

potenciais leitores. Pensei, então, que aí estava uma resenha em O Imparcial

que apresentava, na Bahia, a defesa do anti-semitismo, mas não era só isso.

Procurei saber quem era o autor e, na dissertação de Laís Ferreira constatei

que, além de integralista, o autor fazia parte do quadro da AIB – Bahia e que o

mesmo era chefe do Departamento Provincial de Propaganda. Brasilino de

Carvalho, então, estava dando sua contribuição enquanto intelectual eleito pelo

integralismo baiano. Há ainda uma rápida referência ao autor numa resenha143

de Ivair Augusto Ribeiro que fala sobre seus estudos acerca do integralismo na

imprensa da cidade paulista de Olímpia. Brasilino de Carvalho aparece como o

articulador do texto Fascismo e communismo, publicado no jornal Cidade de

Olympia de 28 de janeiro de 1934, onde tece, sendo eufemista, elogios a

Mussolini.

Constado quem era o autor, ao menos no que é relevante para o tema desta

dissertação, tentei buscar algo mais sobre ele, sua importância para AIB e não

o encontrei em nenhuma das diversas obras sobre o integralismo ou anti-

semitismo. Parti, então, na busca de sua obra e, posteriormente, para a análise

da mesma. Ao ler o livro, percebi que para fazer uma análise mais qualificada

da obra seria necessário buscar a motivação para a escrita de Carvalho. Lendo

143

RIBEIRO, Ivair Augusto. Sob o signo do fascismo e do anti-semitismo: o integralismo na imprensa de Olímpia / SP (1929-1937)

Page 128: David Rehem

128

Por que ser anti-semita? pude comparar suas argumentações com as dos

autores que o escreveram, in loco. Segue-se, então, essa análise, cujo o

objetivo é tratar, especialmente, das principais polêmicas travadas pelo

integralista baiano com os outros intelectuais.

4.3.1 A BARRA DE FERRO E A BROWNING144

Se tem algo que a resenha diz e condiz com a obra de Brasilino de Carvalho é

a sua linguagem. Os capítulos são curtos e os textos são caracterizados por

uma linguagem irônica e de fácil entendimento. O estilo da argumentação, e a

formatação do texto apontado acima são muito semelhantes à de Plínio

Salgado e Gustavo Barroso que, talvez, se influenciassem mutuamente e

cultivavam uma forma de se comunicar e convencer, tido como referência para

toda militância. Da mesma forma o autor sempre “encaixa” citações de autores

conhecidos como Leon Poncins e Henry Ford, conhecidos anti-semitas.

Curiosamente Carvalho não utiliza nenhuma obra de Barroso, somente Os

protocolos dos Sábios de Sião que não é de autoria do integralista cearense,

mas ainda não havia sido publicado a partir de sua tradução.

O livro é dedicado a Salgado, como toda obra integralista, e à Hitler e Mussolini

que, segundo suas palavras symbolisam a reacção christã contra o

bolchevismo (CARVALHO, 1934). Além disso, curiosamente, dedica ao

chanceler austríaco Dollfuss, morto por nazistas da Áustria, numa tentativa

fracassada de tomada de poder, antes da anexação deste país pela Alemanha,

o que, por certo, demonstra uma preocupação constante dos integralistas em

não serem rotulados de extremistas.145

144 O subtítulo foi pensado a partir do texto de Baptista Pereira que em seu texto para “Por que ser anti-semita?”, intitulado “A América do Sul e o antisemitismo germânico” diz o seguinte: “Leon Trotsky, no 'Manchester Guardian' lembra que quando um homem empunha uma barra de ferro parece mais perigoso do que quando esconde no bolso do paletot uma Browning. O Hitler das denegações é o segundo. A vida dos Judeus continua hoje ameaçada por uma Browning escondida.” (p. 19-20) Browning é um tipo de rifle. Baptista Pereira foi genro de Ruy Barbosa e publicou O Brasil e o anti-semitismo, pela editora Guanabara, em que denunciava as atrocidades de Hitler, na Alemanha nazista, contra os judeus (cf. seção Livros e autores: Problemas sociaes – Historia – Impressões, de Quixadá Felício, em O Imparcial, 10 de fevereiro de 1934. 145 Quando da cassação do PCB e da ANL, após a tentativa de golpe em 1935, a AIB, a partir de Plínio Salgado, lança uma campanha nos jornais na tentativa de que não seja aplicada à

Page 129: David Rehem

129

No prefácio do livro Carvalho já questiona os objetivos da obra com a qual

debate, fazendo a seguinte consideração sobre a nota dos editores do livro que

indica para onde enviar comentários sobre o mesmo:

Porque a nota referida, pedindo referencias e commentarios a uma publicação de natureza dessa, deixa transparecer a certesa dos seus divulgadores acerca da ingenuidade brasileira, facil, por isso mesmo, de ser illudida pelos conceitos emittidos nos escriptos de intellectuaes brasileiros que, julgando com o coração mais que com o cerebro, não relutaram em emprestar o brilho dos seus nomes à fachada de um livro-mau, offerecendo-lhe material para que se levante uma columna apparentemente forte em que se ampare, no Brasil, a mais impatriotica e a mais perigosa de quantas causas más têm afflingido os povos. Causa que é tanto mais perigosa e impatriotica quando se trata de um paiz como o Brasil, onde fóra do ambiente integralista, ninguém comprehende a origem do problema social que ameaça o christianismo.(CARVALHO, 1934, p. II e III. Grifo do autor)

Desde o início o autor desqualifica a opinião dos outros intelectuais que

usariam muito mais o coração do que o cérebro, além de considerar que o

povo brasileiro é ingênuo e por isso mesmo fácil de cair nessas

argumentações. Além disso, demonstra que, assim como Barroso, ele acredita

que a causa dos males brasileiros está nos judeus e que a AIB é o único lugar

onde isso está claro. Não quero, com isso, dizer que a AIB, ao menos

explicitamente, apontava os judeus como a causa dos problemas brasileiros,

mas que essa conclusão não surge do nada e remete, assim como Barroso,

sua luta contra os “judeus internacionais” à organização.146 O trecho também

mostra o caráter de propaganda da obra e seu desejo de convencer os leitores

de sua verdade.

Carvalho se preocupa em “desmistificar” a inocência dos judeus no caso da

Alemanha. Argumenta, como pode ser constatado no texto de O Imparcial, que

organização o rótulo de extremista. Aliás, é uma preocupação que consta na obra de Salgado, já citada neste capítulo, O que é integralismo, onde ele diz: “... o liberalismo entrou a cumprir sua missão dissolvente, abrindo os portos do Brasil ás ideologias extremistas.” (p. 85) 146 Sobre essa questão ver CRUZ (2004)

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130

Hitler na verdade foi “forçado” a castigar os responsáveis pela bolchevização

da Alemanha, ou seja, os judeus. Pobre coitado esse Adolph Hitler, não?

Forçado a castigar os judeus! Essa preocupação se dá porque, segundo o

autor, “No Brasil, accentua-se também a propaganda contra o supposto anti-

semitismo de Hitler.” (CARVALHO, 1934, p. 03. Grifos meu).

Semelhante à Barroso, em outro trecho, Carvalho se coloca como um

intelectual a serviço do povo e que conhece e aceita sua função, como dever,

enquanto os outros seriam membros da elite: 147

Começaram por dizer que, ante a repercussão que vae tendo no Brasil o anti-semitismo de Hitler, lhes occorreu appellar para um grupo de intellectuaes, solicitando-lhes um pouco de luzes para orientação das massas brasileiras, neste momento que consideram crepuscular. E estes, com a “gentilesa e generosidade” que tão bem caracterisam as elites nacionaes – acudiram promptamente ao seu apello. (CARVALHO, 1934, p. 4. Grifo meu).

A preocupação da obra “Por que ser anti-semita?”, apontada no prefácio pelos

seus compiladores, se dá porque estes consideram a discussão como feita de

forma muito superficial do tema nos debates em jornais. É bem verdade que

nem a obra de Carvalho e nem a obra da Civilização Brasileira se aprofundam

no tema, mas podemos encontrar na segunda discussões mais qualificadas

sobre o assunto.

Em linhas gerais, a maior parte dos autores de Por que ser anti-semita?

apelam para a aversão do povo brasileiro a preconceitos de cor ou religião.

Obviamente uma falácia, já que algumas etnias não eram bem vistas dentro do

processo civilizador brasileiro, mas, a partir disso, podemos perceber o que

esses intelectuais pensavam sobre racismo e o seu projeto de Brasil como uma

democracia racial.

As polêmicas de Brasilino de Carvalho com os outros autores variam de caso a

caso. Interessa aqui algumas delas, em detrimento de outras, por considerar de

147 O termo “intelectuais da elite” é utilizado pelos compiladores de “Por que ser anti-semita?”, p. 9

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131

maior relevância, seja devido à importância que Carvalho dá, seja por avaliar

que são os textos melhor construídos. O primeiro deles é o de Evaristo de

Macedo, qualificado pelo autor integralista e “julgador apressado” e afirma que

Macedo não leu de verdade as obras que cita. A adjetivação se dá pelas

conclusões que Macedo chega a partir de ideias de autores clássicos do anti-

semitismo internacional, como Chamberlain, Poncins e Ford. Carvalho não

aprofunda muito sua crítica, mas eis a motivação de sua divergência.

Quando, ha annos, li a obra do teuto Chamberlain que traz por título, na edição franceza, La genèse du XXième siècle148, e

percorri as muitas eruditas páginas inspiradas pela ogerisa germanica contra os Judeus, tive a impressão de que os argumentos ali reunidos (por formas calculadamente tendenciosas), longe de autorisar a thése anti-semítica do autor, serviram para sustentação da thése contraria. (…) O mesmo succedeu commigo, ultimamente, ao perlustrar a obra de Léon Poncins As forças secretas da Revolução – Maçonaria e Judaismo, e a de Henry Ford O Judeu Internacional. Qualquér [sic] dellas a meu vêr, reaffirma, da

maneira mais completa, a existencia de altas faculdades que, concorrendo nos Judeus, contribuiram para lhes assegurar as situações combatidas pelos autores.149

Reproduzi acima a citação ao qual Carvalho se prendeu para concluir o seu

posicionamento sobre o autor, mas sequer é esse o ponto central do texto de

Macedo. O texto é repleto de citações sobre outros estudos sobre os judeus.

Estudos esses que o levaram a concluir que o problema judaico é, de fundo,

econômico, e não moral ou religioso como podemos ver no trecho a seguir.

Estou convicto, no emtanto [sic], de que, alem do preconceito racista, naturalmente robustecido na Allemanha após a sua derrota, está agindo, ali, a mesma concorrência economica

que, outr'ora, era dissimulada pelo fanatismo religioso em Hespanha e em Portugal.150

Das duas, uma. Ou Brasilino de Carvalho, que acusa o seu opositor de não ter

lido as obras que cita, fugiu da argumentação central de Macedo ou fez uma

leitura apressada do texto. Mas cabe aqui uma terceira hipótese. Ele pode ter

148 A gênese do século XX. Tradução minha. 149 O antisemitismo actual, como expressão da angustia economica. p. 21-22. 150 Idem. p. 24

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132

feito uma leitura altamente tendenciosa, a ponto de desvirtuar o objeto e os

objetivos de Evaristo de Macedo. Talvez, esse tipo de ilação não caiba ao

trabalho historiográfico, mas sei que a possibilidade de conjecturar possibilita

entender determinados fatos. São, portanto, conjecturas acerca dessa

polêmica, cujo objetivo é buscar compreender como se constituiu os caminhos

argumentativos daquele intelectual.

Na seqüência, o autor, tratado por Carvalho, é Plínio Barretto. Não repetirei as

impressões tidas acima, já que não é difícil constatar que os camisas-verdes

baiano ou não leu os textos por completo ou tergiversa diante das discussões

centrais de cada autor, numa forma de esvaziar o debate e levar o leitor a

conclusões que ele supõe errôneas sobre a argumentação dos autores. Nesse

sentido, as impressões que se tem ao ler o texto de Carvalho, jogam por terra a

afirmação contida em O Imparcial que diz que este autor documenta as suas

argumentações.

Sobre Barretto, que em seu texto tece algumas considerações sobre as

restrições de trabalhos aos judeus na Alemanha nazista e conclui que isso não

seria “aplaudido” aqui no Brasil, Carvalho deturpa todas as argumentações e se

prende apenas a essa última consideração, dizendo:

“Condemnar a attitude de Hitler, responsabilisando-o pelo crime politico de haver despertado o povo allemão para a realidade de um perigo imminente, achando que o brasileiro nunca seria de igual medida, é declarar-se solidario ao

judaismo, pretendendo representar a aspiração do nosso povo, de cuja totalidade uma grande percentagem, convencida da responsabilidade dos judeus em face da revolução universal, não haverá de concordar com os seus pontos de vista. (CARVALHO, 1934, p. 11. Grifo meu).

Percebe-se que Brasilino de Carvalho considera que o povo brasileiro já está,

então, convencido do “projeto inescrupuloso” dos judeus a nível internacional.

Nesse fragmento ele transforma o seu desejo de ojeriza aos judeus em

convicção dos brasileiros em quase sua totalidade. Trata-se de um recurso

discursivo, uma forma de convencer os seus leitores de que a luta contra os

judeus no Brasil já está dada.

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133

Um parêntese na análise dos textos e do debate. Apesar de Os protocolos dos

sábio de Sião não serem citados pelos autores da coletânea de textos,

Brasilino sempre insere trechos desse livro no debate como documentação que

comprova as más intenções dos “planos dos judeus”.

Um outro artigo importante é o de Maria Lacerda de Moura. Feminista,

anarquista individualista, militante anti-fascista.151 É o texto melhor articulado

da coletânea pela complexidade com que ela trata o assunto, não vitimizando

os judeus, mas trazendo uma análise bastante rica para o assunto. Ela inicia

com contribuições da psicanálise sobre “instintos primitivos” e “ferocidade

ancestral”, argumentando que estas são características de nosso lado animal,

disciplinadas pela nossa vida em sociedade e que são estimuladas em

situações extremas, como as guerras e suas conseqüências: fome e miséria.

Nessas situações:

Aparecem os caudilhos, surgem os charlatães sem escrupulo, de palavra fascinante e atitudes tragi-cômicas, e a mentalidade prehistorica do troglodita, desperto pela virulencia dos condutores de febre alta, volta a endeusar a autoridade do

mais forte e pede o capataz de rebenque em punho.152

Moura continua e argumenta que ao mesmo tempo em que Hitler quis

exterminar os judeus, ele não teve problemas em ser financiado por judeus

ricos, como o barão Schroeder, banqueiro. A autora baseia sua denúncia em

um telegrama com notícias de Berlim.153 Ridiculariza Hitler, dizendo que o

mesmo não conhece nada de antropologia ou etnografia, disciplinas que

afirmam não existir nenhuma raça pura e sim povos. Sobre as raças, lança o

argumento de que só existem raças históricas e sociais e não biológicas.

Na última parte do texto, Moura sistematiza as bases do anti-semitismo

moderno, sendo eles: o nacionalismo; os movimentos libertários e a tomada de

consciência de classe. Para ela o nacionalismo, para evitar essa tomada de

151 Cf.: http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_2349.html e http://www.nodo50.org/insurgentes/textos/mulher/10feminismocaridade.htm 152 “Escuta Israel!...”. p. 39. O título se refere a uma das orações judaicas que se inicia com um trecho da Torá: “Shemá Israel, Adonai Eloheinu, Adonai Echad...” trad. “Ouça Israel, o Senhor é é seu Deus, o Senhor é Único”. Nota minha. 153 Idem, p. 44

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134

consciência e esvaziar os movimentos revolucionários, desvia o foco da

necessidade de superação da sociedade burguesa e joga para um inimigo

imaginário, no caso alemão, o judeu.

Apesar de todas essas argumentações Brasilino de Carvalho resume assim a

contribuição de Maria Lacerda de Moura:

… além de ser expressão feminina da proclamada “gentilesa e generosidade” dos brasileiros, deixou-se influenciar, ainda, pela sensibilidade do seu sexo. Tão prodiga ella foi na exaltação do

martyrio de que são victimas os judeus na Allemanha, que se não deteve nem diante de grosseiros sophismas.

E mais

O que se deu na Allemanha não foi o que affirmou a escriptora internacionalista. Quando Hitler assumiu a chefia do governo, o seu programma de acção já estava traçado: destruir a influencia judaica, para não deixar que a Allemanha fosse destruida pelo judaismo, que a vinha solapando desde os primeiros fragores da guerra de 1914.(CARVALHO, 1934, p. 14 e 15. Grifos meus)

A argumentação de Carvalho mais uma vez é pobre, restringindo-se a tentar

descredibilizar a autora usando, dentre outras coisas, o fato dela ser mulher,

demonstrando qual o papel relegado às mesmas dentro da doutrina

integralista.

Sobre o texto de Antonio Piccarolo Carvalho ele diz:

Da conferencia-depoimento do Snr. Antoniio Piccarolo, a conclusão philosophica se resume no seguinte: sendo esse intellectual um apaixonado defensor do judaismo internacional, e o mais feroz dos anti-fascistas brasileiros, qualquer argumento de que se sirva para a defesa da raça e ataque ao regimen, embora menos racional e mais absurdo, encontra sempre a sua razão de ser no estado de animo do próprio articulista. (Idem, p. 17 e 18).

Piccarolo foi um jornalista italiano que veio para o Brasil em 1904, a convite do

Partido Socialista Italiano, para coordenar um jornal da organização em São

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135

Paulo.154 O texto dele segue uma argumentação semelhante ao de Moura, de

que o anti-semitismo não tem motivações reais na divergência moral ou

religiosa e sim em questões econômicas. A moral que segue tem uma origem

comum, os textos bíblicos, daí não haver uma ligação lógica entre uma

perseguição baseada nessas questões. O autor expõe algumas diferenciações

entre os fascismos alemão e italiano. Como se pode ver, o texto não se resume

apenas a absurdos ou a seu estado de ânimo.

Alguns textos, como o de Menotti del Picchia e Gilberto Amado, não são

discutidos por Carvalho. De fato, eles não trazem nenhuma polêmica maior.

Todos se opõem ao anti-semitismo, mas baseiam suas formulações em

generalidades, como o argumento de que aqui no Brasil não se prolifera o anti-

semitismo porque somos um povo sem preconceitos de raça e nem religião.

Mas tem um, em especial, que não entendi porque ele não toca. Orígenes

Lessa. Seu texto se intitula O Martyrio é a força (p. 97). Digo em especial

porque nesse texto Lessa, remete-se, inclusive, ao argumento que Carvalho

usa para desqualificar a obra, de que os textos são, em muitos casos,

contraditórios em suas conclusões, mas que representam a proposta da

coletânea que é a diversidade na abordagem (em alguns casos um tanto

quanto pobres), argumenta que os judeus estão por trás da construção do anti-

semitismo, ou seja, daria subsídios à ideia de uma trama internacional judaica.

Abaixo um trecho significativo:

É por isso que, longe de ver no actual anti-semitismo uma injusta e anachronica manifestação do velho “vicio alemão”, como chama Ludwig, ao anti-semitismo de sua terra, eu tenho mais a sensação de estar vendo titeres a lançar pedras e chufas, movidos à sombra pela sagacidade de velhos e doutos lideres hebreus.155

De fato, fica a dúvida do por quê Brasilino de Carvalho não analisou esse texto.

Mas posso sugerir que, ao que me parece, tenha sido porque o objetivo era

154 Ver: http://segall.ifch.unicamp.br/site_ael/index.php?option=com_content&view=article&id=101&Itemid=90 155 O Martyrio é a força, p. 99

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136

polemizar com aqueles que tinham uma explicação diferente da sua e do

partido que representava.

Se Lessa não foi considerado por Carvalho, não foi o caso de Jayme Adour da

Câmara, considerado por ele como “o mais sereno e desapaixonado

depoimento”. Isso porque Câmara demonstra claramente seu posicionamento

anti-semita. A ideia central de seu texto é que os judeus são inassimiláveis –

um argumento racialista, diga-se de passagem, conforme já exposto. Para

comprovar sua tese ele cita dois casos. Um de Uriel Costa, português que

tentou adentrar em um gueto judaico. Ele se converteu e após questionar o

isolamento judaico, foi castigado e expulso pelos judeus. O outro caso é do

filosofo Baruch Spinoza, que nascido dentro da religião foi expulso ao

questionar seus dogmas.

A seguir um dos trechos do texto de Câmara: “Ha mil e novecentos anos que

êsses obscurantistas invencíveis não desejam outra coisa: fugir do mundo; e só

o lograram trancando-se em suas comunas em que não é permitida a menor

transigência com a dissolvente “haskala”, fonte de todo envenenamento.” 156

Convenientemente, quando concorda com suas teorias e o seu posicionamento

o autor não é mais guiado pelas emoções.

Outro autor enfocado por Carvalho é José Mendonça. O texto dele relativiza as

perseguições aos judeus. Mendonça acha que são justificáveis quando feita a

judeus subversivos, que queiram desestruturar a política, mas diz que esses

são minoria e defende que os judeus deram grandes nomes para humanidade.

Brasilino de Carvalho discorda da conclusão, apesar de achá-lo coerente em

suas justificativas sobre as perseguições. Sobre esses “grandes nomes”, ele

afirma terem como objetivo a destruição do mundo cristão. (CARVALHO, 1934,

p. 58)

156 O problema judeu. p. 163

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137

O livro de Brasilino de Carvalho finaliza expondo sua tese central. Não há anti-

semitismo, o que há é a luta contra os projetos de dominação mundial pelos

judeus. Para descaracterizar a luta contra o anti-semitismo Carvalho afirma que

a imprensa “judaizada” do mundo inteiro leva à frente esse projeto: “Essa

campanha vae se tornando perigosa porque, para conquistarem os judeus a

solidariedade dos povos christãos, que se deixam facilmente trahir pelo

sentimentalismo religioso, se mascaram de ingênuos e innocentes, afim de que

o seu protesto tenha a desejada efficiencia.”157

A coletânea de textos com a qual Carvalho debate é grande. São 35 artigos,

em 267 páginas. A resposta é dada em pífias 97 páginas. Pífias não tanto pela

extensão, mas pela qualidade que empobrece a resposta de Carvalho. Apesar

disso, a obra teve aparente repercussão entre os integralistas baianos, como

apresentarei a seguir.

4.3.2 DEBATE ENTRE INTEGRALISTAS

Já apresentei o texto que divulga o livro de Brasilino de Carvalho no jornal O

Imparcial, um dos mais importantes periódicos da Bahia na época. Abordarei

agora a repercussão da obra e do texto do jornal.

O primeiro a comenta-la é o também integralista (aliás, todos os comentaristas

da obra são da AIB – Bahia) Adonias Aguiar Filho.158 Aguiar compôs a AIB da

cidade de Ilhéus e, segundo Marcelo Lins, era um dos maiores ativistas da AIB

no sul da província.159 Sobre a obra, Adonias Filho diz o seguinte:

Em conjunto, o livro de Brasilino de Carvalho consegue o seu fim. Desfaz, valendo-se de sua característica jornalística, todos os argumentos, todas as “razões” apresentadas pelos

157 Idem, p. 87 158

Adonias Aguiar Filho, conhecido apenas como Adonias Filho, foi um escritor baiano que retratou em suas obras, principalmente, a realidade da região cacaueira do estado da Bahia que tem como principal cidade Ilhéus. Para saber mais sobre Adonias Filho, sua obra e sua relação com a AIB, conferir: CARDOSO, João Batista. Literatura do Cacau – Ficção, ideologia e realidade em Adonias Filho, Euclides Neto, James Amado e Jorge Amado. Ilhéus: EDITUS, 2006. 159 LINS, Marcelo da Silva. Vermelho da terra do cacau: atividade comunista no sul da Bahia (1935-1936). Dissertação de mestrado. Salvador, UFBA, n/d, p. 147.

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138

intellectuaes brasileiros no “Por que ser anti-semita?”. Desfaz os argumentos e desfaz os autores. Revela ao publico a sobra de talento e a falta de caracter em certos escriptores patricios.160

Mas Adonias Filho não fica só nos elogios. Seu texto é um complemento ao

livro de Carvalho. Nele se prende a dois autores que não obtiveram de

Carvalho uma atenção maior.

O primeiro é Nelson Tabajara, que argumenta que as bases do nazismo é o

fanatismo religioso. Adonias Filho se põe a destruir a argumentação de

Tabajara, dizendo que o nazismo se baseia na ciência (!). Cita como referência

da doutrina de Hitler estudos da época sobre craniologia, que identificavam a

superioridade da raça alemã. Na própria coletânea, se de fato a intenção não

fosse apenas a complementação da propaganda anti-semita de Carvalho,

Adonias Filho encontraria uma argumentação contrária, na contribuição de um

outro autor, Decio Ferraz Alvim, que em seu texto Divagações sobre o anti-

semitismo, cita Lombroso, na sua obra, Delitto Político, 1.ª parte, em que

argumenta que os judeus não são puros semitas e que o judeu é mais ariano,

devido às misturas, que semita.161 Mas por motivos óbvios não é intenção de

Adonias FIlho trazer essa discussão à tona. Pelo contrário, ele opta por travar

seu debate com Tabajara, que centra seu texto em reconstruir a história do

anti-semitismo da Idade Média até os tempos de hoje e afirmar que os judeus

são parte da formação do povo brasileiro.

O outro com o qual Adonias Filho trava um debate é Bezerra de Freitas. Mais

uma vez, ele perde o foco da discussão trazida pelo articulista da coletânea de

textos da Civilização Brasileira. Filho afirma que Freitas opõe a religião à

ciência e relembra as contribuições, mencionadas por Carvalho em seu livro,

que os religiosos, padre Franco e Reverendo Moigno, deram à ciência. O texto

de Carvalho confunde a produção científica desses religiosos com suas opções

de fé. Mas Freitas não opõe uma coisa à outra, argumenta que ambas têm seu

160 Seção Livros novos – À margem d' “Anti-semitismo de Hitler”. O Imparcial, 12 de fevereiro de 1935 161 Divagações sobre o anti-semitismo, p. 147

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lugar e que nem a ciência pode suplantar o conforto espiritual das religiões,

tampouco a religião deve se opor à ciência.162

Ainda em fevereiro, na edição do dia 27 de O Imparcial, aparece um outro

comentário da obra de Carvalho. Desta vez quem escreve é Oldegar Vieira,

responsável pela formação no Departamento Provincial de Juventude.163 O

texto de Vieira é de exaltação à obra de Carvalho. Ele ainda afirma ter lido “Por

que ser anti-semita?” e diz ter pensado em comentá-lo, mas reconhece que a

obra de seu companheiro de agremiação o contemplou em tempo hábil. O texto

é pequeno, mas diz muito. Abaixo um trecho.

“Por que ser anti-semita?” decepciona!

Mas é possível que a mentalidade da nossa gente, deante de

figurões que nella figuram e tão ignorante que é da questão

social e tão romantica, si deixe levar pelo sentimentalismo, pela

incoherencia, pela literatica, pela paixão, pela “gentilesa”, pela

“generosidade” dos nossos intellectuaes tão attenciosos ao

“appelo” dos judeus quanto levianos e absurdos.

Por isso, Brasilino de Carvalho, com o seu livro prestou um

grande serviço tanto aos que sabem, como os que não sabem

“por que ser anti-semita”.164

No dia 07 de março de 1935, eis que surge a opinião de Herbert Parente

Fortes, piauiense, professor da Faculdade de Filosofia e do Ginásio Baiano e

líder integralista, opinando sobre a obra de Brasilino de Carvalho.165 Fortes

inicia elogiando a obra de Carvalho, mas baseia seu texto no argumento de

que generalizações são perigosas e diz não acreditar que os judeus são os

únicos culpados pelas revoluções comunistas ou pelo capitalismo. Argumenta

da seguinte forma:

162 Religião e Sciencia, p. 241 e 242. 163 Sobre Vieira, ver FERREIRA, 2006, p. 86. 164 Seção Livros Novos – O anti-semitismo de Hitler. O Imparcial, 27 de fevereiro de 1935. 165 Sobre Fortes ver FERREIRA, 2006, p. 61.

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140

Com J. Maritain estou certo do perigo do capitalismo judaico a

serviço de seu sionismo messianico. Com isso estou longe de

negar os merecimentos dessa raça immortal de homens

capazes de assimilar o espírito de todas as demais raças sem

assimilar-se a nenhuma delas, entre as quaes muitas há de

uma inexperiencia lastimavel, com(o) a nossa. Por outro lado,

porem, concordo ainda com J. Maritain em acreditar no perigo

maior dos maus christãos. O pior judeu do mundo não seria

capaz de amedrontar uma nação, se não contasse com a

conivencia dos filhos da terra que se lhe offerecem para

vanguarda de seus planos revolucionarios. Grita-se por ahi

contra o grande numero de judeus que dirigem a Russia

sovietica em contradição com os judeus que manejam

omnipotentemente o capitalismo opressor da Inglaterra, da

França, da Norte America. Mas é preciso ser ingenuo para crer

que o judeu faz tudo isso contra a vontade dos filhos dessas

nações. (…) Ao meu ver, a celeuma contra o judeu se funda

em parte em uma velha manobra politica de lançar para o mais

fraco a culpa. Falo, já se vê, do ponto de vista Brasileiro. Não

me acredito uma vitima do judaismo, mas de uma sociedade

em que o judeu occupa uma parte, - a parte financeira

propriamente dita...166

Curiosa essa referência à Maritain. Em 1943 não parecia ser mais essa a

opinião do intelectual francês. No prefácio à obra Racisme-Antisémitisme:

Antichristianisme, ele diz o seguinte sobre a entrega de judeus para os nazistas

na França:

Eu falei sobre o anti-semitismo muitas vezes; eu nunca poderia ter pensado que um dia eu teria que falar sobre o assunto por causa de leis promulgadas para perseguir, feito por um governo de se diz francês. Face a essa vergonha, uma vergonha nova foi recentemente aprovada. Eu falo das terríveis medidas tomadas contra os judeus estrangeiros, não só em áreas ocupadas, mas na chamada zona livre. Vinte mil judeus estrangeiros foram presos pelos alemães na zona ocupada. Na zona não ocupada treze mil foram perseguidos

166 O Anti-Semitismo de Hitler – Um estudo do sociologo Herbert Fortes. O Imparcial, 07 de março de 1935.

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141

pela polícia, para serem entregues, e em seguida deportados, em condições desumanas que vão além da nossa imaginação. Uma enorme onda de indignação mobilizou a consciência cristã na França e o excesso do mal teve pelo menos efeito, que o anti-semitismo, revelado ao povo francês sob sua verdadeira natureza, será no entantao rejeitado por ele como um veneno maldito.167

Na sequência do seu artigo, Fortes irá relativizar a questão do judeu no Brasil,

defendendo que, desde que mantido sob controle das leis, os judeus possam

contribuir para a formação do país. Diz que a obra de Carvalho aponta para

uma especificidade alemã, onde os judeus operavam o jogo de subversões

apontado por ele acima.

Fortes, ao que parece, teve a preocupação veiculada pelos líderes do Sigma

de relativizar a questão da perseguição aos judeus, mas confirma a não

assimilação e seu envolvimento com movimentos subversivos. Parece-me que

a principal preocupação é não fazer uma ligação direta entre o anti-semitismo e

a AIB.

O anti-semitismo da AIB é parte constituinte da formação da organização.

Enquanto temos Gustavo Barroso como seu principal elaborador, a obra de

Brasilino e o debate em torno dela demonstram qual o posicionamento dos

intelectuais baianos da AIB, além da importância desses intelectuais na

formação de uma concepção.

Outro aspecto relevante para se entender concepção e funcionamento na

Bahia é a preocupação em relação à inserção dos integralistas nas classes

167 MARITAIN, p. 13-14, IN: OESTERREICHER (1943) traduzido do alemão. Tradução livre.

Reproduzo, a seguir, o original: J'ai parlé de l'antisémitisme bien des fois; je n'aurais jamais pensé que je devrais le faire un jour en face de lois persécutrices promulguées par un gouvernement qui se dit français. A ces lois honteuses une honte nouvelle a été récemment ahouée, je parle des mesures affreuses prises contre les juifs étrangers non seulement en region occupée mais dans la zone soi-disant libre. Vingt mille juifs étrangers ont été arrêtés par les Allemmands dans la zone occupée. Dans la zone non-occupé treize mille ont été pour-chassés par la police, pour être livrés, ensuite et deportés, dans les conditions d'inhumanité qui dépassent l'imagination. Une immense vague d'indignation a soulevé la concience chrétienne em France, et l'excés du mal a du moins cet affet que l'antisémitisme, révélé au peuple français dans sa vraie nature sera désor mais rejeté par lui comme un poison maudit.

Page 142: David Rehem

142

subalternizadas, o que indica que os mesmos objetivavam disseminar o anti-

semitismo na sociedade baiana. Se não houve manifestações de perseguições

físicas aos judeus, na província da Bahia, havia um projeto de se disseminar o

ódio aos mesmos. Talvez pela irrelevância numérica da comunidade judaica na

Bahia e pela não identificação imediata dos mesmos isso não tenha acontecido

ou esses intelectuais não conseguiram tornar suas opiniões sobre os judeus

hegemônicas entre seus associados e sua área de influência. Talvez...

Page 143: David Rehem

143

CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS

As maiores contribuições do marxismo para a História são, ao meu ver, a

dialética e o desenvolvimento desigual e combinado. A análise da conjuntura

dos anos 1930, feita a partir desses conceitos, permite compreender melhor

como se deram as disputas no campo da economia política. Nesse período

houve um acirramento de ideologias que se apresentavam de forma bastante

enérgicas, rompendo com o “marasmo” do reformismo e com a aliança de

classes entre a burguesia e a social-democracia na Europa, ao mesmo tempo

em que o comunismo e o fascismo se espalhavam pelo mundo. No Brasil a

ascensão de Vargas ao poder prometia ser a ruptura com as velhas

oligarquias, ao menos no discurso. Na prática, Vargas e seus aliados,

conseguiram se equilibrar no fio da navalha, utilizando-se das disputas políticas

entre os “extremismos” e entre seus aliados e adversários como um jogo para

sua manutenção no poder durante toda a década de 1930.

Os herdeiros da Aliança Liberal cumpriram os seus papéis no governo

provisório. Ora a ferro e fogo, ora cedendo às pressões classistas,

manteviveram as insatisfações sócio-políticas dentro de limites que não

conturbassem a ordem do Estado burguês. Administrou crises políticas,

financeiras e sociais e, internacionalmente, se relacionou com liberais e

fascistas, e até mesmo se aliou aos comunistas da URSS, quando lutou lado a

lado com os soviéticos contra os países do Eixo, na Segunda Guerra Mundial.

Esse tempo de crises nacional e internacional permitiu o afloramento de

sentimentos conservadores, como a manutenção da família nesses moldes, a

xenofobia, o racismo. Os jornais se sentiram a vontade para disseminar esses

ideais e abriram suas portas para quem “melhor” os elaborassem. O ódio ao

judeu veio no bojo dessa situação.

O judeu, visto a um só tempo como comunista e capitalista, além de elemento

anti-cristão, serviu como o bode-expiatório de todas as mazelas da

humanidade. O racismo político serviu como pano de fundo para essas

elaborações, além do apelo moral, já que o judeu além de desestabilizador da

Page 144: David Rehem

144

economia e da política, tentava destruir a civilização cristã, segundo tais

ideologias.

A Ação Integralista Brasileira teve um papel fundamental na divulgação dessas

ideias, já que, como organização de tipo fascista, precisava eleger o

“forasteiro”, agitador e desestabilizador de toda essa ordem. Mas nem só de

integralismo viveu o anti-semitismo difundido na Bahia. Como demonstrei,

jornais que não faziam parte da imprensa integralista oficial também serviram

de meio de divulgação desse anti-semitismo.

O intuito do meu projeto de pesquisa era demonstrar a existência de anti-

semitismo na Bahia. Como refleti no início desse trabalho, se não houve uma

perseguição física efetiva contra os judeus no estado, criou-se um clima de

apreensão contra a comunidade judaica, principalmente a partir dos meios de

comunicação, mas não só. É importante lembrar que a AIB conseguiu ter uma

grande influência política no estado, chegando a eleger um prefeito no interior e

um vereador em Salvador e o intuito da organização era por em ação suas

elaborações teóricas.

Além dessas considerações, gostaria de incluir outras questões de relevância

nesse trabalho.

A primeira delas é apontar que preconceitos raciais ainda são uma realidade

não só no Brasil como no mundo. A “eleição” de inimigos, principalmente

quando acontecem crises profundas no âmbito sócio-político-econômico, ainda

segue normas racialistas. Vemos isso em acontecimentos recentes na Europa,

como a morte do brasileiro Jean Charles em Londres, a perseguição a

argelinos na França, os muros da vergonha do século XXI, na fronteira dos

EUA com o México e o que divide e invade a Palestina, construída pelo Estado

de Israel, ou o tratamento dado a bolivianos no Brasil. Os negros ainda ocupam

um lugar de subalternização em nossa sociedade, ocupando cargos de menor

remuneração e ainda tendo uma participação marginal na política. Os judeus

ainda são vistos como algo execrável para uma boa parcela da sociedade,

Page 145: David Rehem

145

como um ser de fora e usurário. Ou seja, a eleição do “outro” ainda faz parte de

nossa realidade.

A produção de uma dissertação que busca as raízes disso serve para que

possamos traçar o processo e identificar essas construções. A chamada

primeira Era Vargas, de 1930 a 1945, foi um período em que as disputas

ideológicas demarcaram bem essas discussões. Ora de forma sutil, como no

caso da diplomacia do governo Vargas, ora de forma mais escancarada, como

nas manifestações ultra-direitistas da Ação Integralista Brasileira. Esse período

faz parte da formação de parcela de uma tradição política que deve ser, no

mínimo, revista.

Uma outra discussão ilustrada por esse trabalho diz respeito ao papel da

imprensa. Ainda é comum ouvir setores da mídia reivindicando essa

independência da informação veiculada. Fala-se de liberdade de expressão

para os grandes conglomerados midiáticos, mas quando essas organizações

são chamadas para responderem pelo que falam logo se levantam para acusar

a existência de censura ou perseguição à imprensa. Enquanto isso, entra

governo e sai governo, as manifestações de cunho social são criminalizadas e

têm sua visibilidade “filtrada” pelos interesses de classe burgueses. Com

sugestivo nome de O Imparcial este jornal serviu como instrumento de

divulgação de idéias autoritárias e carregadas de preconceitos. Além do ataque

aos judeus, a luta por um modelo de sociedade conservadora, onde mulheres,

trabalhadores e negros deveriam aceitar o “seu lugar” de subalternizado. O

Diário de Notícias seguia uma linha muito semelhante e basta olhar para os

principais veículos de imprensa da atualidade para ver um discurso parecido,

de forma mais sutil, velada e mascarada pela tal “democracia”.

Por último, uma reflexão sobre os intelectuais. Disse no início desse trabalho

que as fontes me levaram até essa questão. Mas além das fontes algo me

inquieta há algum tempo. Dois movimentos acontecem de forma preocupante.

O primeiro deles é que a intelectualidade acadêmica se torna cada vez menos

orgânica. O distanciamento entre o que é produzido nas academias e a maior

parte da população faz com que nos afastemos cada vez mais dela e se torna

Page 146: David Rehem

146

em um desafio que todos os intelectuais precisariam tomar para si, já que,

principalmente nas instituições públicas, devemos retorno à sociedade. O

segundo desses movimentos é campanha das grandes mídias e de políticos

conservadores em descredibilizar qualquer tentativa de análise mais profunda

das questões que envolvem a sociedade em seus variados aspectos. A

superficialidade das análises se reflete nas informações, de forma que se

mantenha o povo “pacificado” em torno da naturalização de problemas sociais,

como a violência e a pobreza.

Os intelectuais da AIB tinham uma preocupação constante em quebrar com

esse distanciamento. Talvez isso explique o seu tamanho e a sua inserção

social.

Falando especificamente do que trata essa dissertação, penso que

compreender o anti-semitismo e suas diversas formas de manifestação é um

desafio. A construção desse preconceito tem diversas bases: religiosa,

econômica, política; e compreender essas questões à luz da luta de classe

permite entender como elas têm servido, para as classes dominantes, como

um desvio do foco de qual a verdadeira origem dos problemas sociais. O caso

baiano é um exemplo. A comunidade judaica baiana era pequena, apesar de

sua importância econômica, nos anos 1930. Os grandes comerciantes

estrangeiros do estado eram os alemães. Mas tanto integralistas quanto

autonomistas destilaram seus venenos contra os judeus, algo constatado nas

páginas de seus jornais e de jornais simpáticos a ideais autoritários de

extrema-direita.

Continuar combatento a criação de novos (ou velhos) “espantalhos” para

nossos entraves sociais deve ser o trabalho e objetivo de todo historiador que

compreende a necessidade de se livrar das maquiagens utilizadas para se

explicar os processos de transformação das sociedades a curto, médio e longo

prazo.

Page 147: David Rehem

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