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Revista RecreArte 12 + 1 > II - Creatividad en Educación: Innovación Radical

David de Prado Díez 2012

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MOTRICIDADE HUMANA

A PRÁXIS DO POSSÍVEL

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© Copyrigth by Editora Universidade Federal de Sergipe Cidade

Universitária “Prof. José Aloísio de Campos”

Av. Mal. Cândido Rondon, s/nº - cep: 490.100-000

São Cristóvão/SE

Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido por qualquer

meio sem autorização escrita da Editora

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA

BIBLIOTECA DO CAMPUS DE SÃO CRISTÓVÃO DA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

M919mMotricidade humana : a práxis do possível / Fábio Zoboli,

Sidirley de Jesus Barreto (orgs.). – São Cristóvão :

Editora UFS, 2011.

236 p..

ISBN: 978.85.7822.172-0

1. Capacidade motora. 2. Educação física. 3. Motricidade

humana. I. Zoboli, Fábio. II. Barreto, Sidirley de Jesus

CDU 796:159.943

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MOTRICIDADE HUMANA

A PRÁXIS DO POSSÍVEL

Fabio Zoboli (org.)

Sidirley de Jesus Barreto (org.)

Eugenia Trigo

Harvey Montoya

João Batista Tojal

Katia Brandão Cavalcanti

Renato Izidoro da Silva

Ricardo Melani

Wagner Wey Moreira

ARACAJU/ 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

REITOR Prof. Dr. Josué Modesto dos Passos Subrinho

VICE-REITOR Prof. Dr. Ângelo Roberto Antoniolli

COORDENADOR DO CONSELHO EDITORIALProf. Luiz Augusto Carvalho Sobral

CONSELHO EDITORIAL DA EDITORA DA UFSAntônio Ponciano Bezerra

Péricles Morais de Andrade JúniorMário Everaldo de SouzaRicardo Queiroz GurgelRosemeri Melo e Souza

Terezinha Alves de Oliva

CESAD/UFSGiselda Santos Barros

Coordenadora Gráfica

Andreia M. do Valle Verona Fontes

Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica

Sandra Pinto Freire

Capa

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPECoordenador do Programa Editorial

Luiz Augusto Carvalho Sobral

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PREFÁCIO ............................................................................................ 7João Batista Freire

APRESENTAÇÃO ............................................................................. 11Manuel Sérgio

INTRODUÇÃO - MOTRICIDADE HUMANA: A PRÁXIS DO POSSÍVEL ................................................................ 17Fábio Zoboli - Sidirley de Jesus Barreto

A MOTRICIDADE HUMANA NO BRASIL:PERSPECTIVAS FUTURAS .......................................................... 21João Batista Tojal

MUNDO, CORPO E FRAGMENTAÇÃO.................................... 45Ricardo Melani

O CORPO COMO BASE DA ÉTICA NA MOTRICIDADE HUMANA: DIÁLOGOS COM MANUEL SÉRGIO, NIETZSCHE E MERLEAU-PONTY ........................................... 67Fabio Zoboli - Renato Izidoro da Silva

CORPOREIDADE, MOTRICIDADE E COMPLEXIDADE: CONVERGÊNCIAS POSSÍVEIS ..................................................... 95Wagner Wey Moreira

SUMÁRIO

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FUNDAMENTOS ANTROPOLÓGICOS, FILOSÓFICOS E PSICOLÓGICOS DA MOTRICIDADE HUMANA ............ 117Sidirley de Jesus Barreto

TEORIAS DE LA MOTRICIDAD HUMANA Y UN DIALOGO DE VIDA....................................................................... 149Eugenia Trigo - Harvey Montoya

LUDOMOTRICIDADE E LUDOPOIESE: PARA FAZER DO ESPORTE UMA OBRA DE ARTE DA VIDA ..... 211Katia Brandão Cavalcanti

SOBRE OS AUTORES .................................................................... 231

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Parece-me, Manuel Sérgio foi quem promoveu esta reunião li-terária. Dizendo de um outro jeito, a fogueira que nos aquece neste encontro é a da Motricidade Humana, razão, já, da existência de tanta novidade de uns tempos para cá. Uma reunião de cientistas, ou de poe-tas, que, neste caso, parecem não se excluir.

Nos poetas, esses pesquisadores de almas, mesmo quando se tor-nam filósofos ou cientistas, transparece no que falam ou escrevem, a poesia, pois que as outras coisas eles se tornam, mas poetas nascem, e garimpam a beleza, que a Kátia Brandão, por exemplo, descobre no esporte.

Chegamos ao belo fazendo bem, não no sentido moral, mas no de bem fazer; se não o faço, não chego à arte. Não há incompatibilidade entre jogar bem e jogar bonito; os técnicos e comentaristas do esporte a encontram onde nunca poderia existir. Técnica e beleza dão-se as mãos, uma conduz à outra. A técnica é a ação de tirar, de alguma coisa (gestos esportivos, por exemplo), tudo que não deve ficar, até só restar a arte; tal como o escultor que tira da madeira tudo que oculta a beleza; quando não há mais madeira para tirar, ela se revela.

PREFÁCIO

João Batista Freire

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MOTRICIDADE HUMANA

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Tenho por mim, ao ler os textos que compõem este livro, que seus autores perseguem, cada qual ao seu modo, a beleza. Beleza que se ofe-rece como um outro caminho neste mundo que uma tecnologia vesga encaminhou para a feiúra, desaguando aqui e ali na injustiça, na fome, no aquecimento global e na ganância, para ficar apenas em alguns de seus subprodutos. Elegantes e concisos, os autores deste livro propõem um outro mundo, um mundo melhor, uma revolução na atitude huma-na. Atitude amorosa.

Na área de conhecimento que nos toca, Manuel Sérgio adverte que os povos dão passos na direção contrária; e indica que devemos andar na contramão da frieza, da fealdade. Temos uma dívida com a vida que nos privilegia, ele nos diz, por outras palavras. E devemos ser a favor dela, preservá-la. Resistir às quinquilharias que o mundo atual nos oferece é uma ação que devemos à vida, ameaçada há décadas pelos desmandos de uma tecnocracia irresponsável.

No início dos anos 1980 uma outra Educação Física nasce. Foi quando nasceram os textos que lemos neste livro. A Educação Física velha resiste escudada no nome. Ela sabe que não se muda nomes do dia para a noite. Nela, a razão, imaterial, dirige-se ao corpo, a tudo que é corpo neste mundo, e dele duvida, portanto, pode vasculhá-lo, pode depreciá-lo, maltratá-lo. Educação Física, tal como o nome a define, nunca poderia ser uma ciência do homem, pois que, raramente, há uma ciência humana, dado que o pesquisador não pesquisa o homem, mas o que está fora dele, aquilo que, não sendo ele, é corpo; iludem-se. Veem-se como Descartes nos via. Portanto, essa nova área de conhecimentos que nasce nos anos 1980, e sua conseqüente pedagogia, aqui comenta-das pelos autores deste livro, precisam de novos nomes. Na “A história sem fim”, de Michael Ende, o herói da história, para salvar o mundo de Fantasia, teve que dar um novo nome à Princesa que o governava. Pôde fazê-lo porque acreditou finalmente em Fantasia. Somos por de-mais imaturos e covardes ainda para dar tamanho passo. Será necessário um dia abrir a janela e gritar muito alto, para o mundo todo, um outro nome, que não seja Educação Física.

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Prefácio

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O corpo, tão depreciado por esta ética da modernidade (já lá se vão quinhentos anos), é manifestação de vida; a motricidade é realiza-ção. E a vida só quer viver; quando a impedimos de fazê-lo, dói. Nossa dor é a vida não vivida. Quando plena ela embeleza; quando contida, enfeia. A motricidade, de que tanto nos falam os textos que se seguem, é a realização da obra de arte que todos somos. Quem sabe estou falando de uma ética primordial, algo que esteja antes e além da razão.

A ciência moderna, para dizer o que consegue perceber no mun-do, serve-se das palavras que possui; e dos números. Ainda não alcan-çou a poesia, mais precisa que a linguagem matemática. Só que a poesia não oculta, revela, ao passo que as outras linguagens podem falsificar. Quem sabe o homem de ciência evita revelar-se, escolha a cegueira, re-ceia ainda olhar para si, apavora-se diante da possibilidade de que, entre ele e o mundo não há diferenças; estamos onde qualquer coisa está.

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Apresentar o livro Motricidade Humana – a práxis do possível é, para mim, uma alegria e uma honra: uma alegria porque reencontro pessoas a quem me ligam fortes laços de amizade; e uma honra porque estes meus amigos e eu próprio fazemos da vida um modo de estar político, dado que, para nós, a política é a arte do possível. Como Ce-sare Pavese: “Nada se acrescenta ao que ficou para trás. Recomeçamos sempre”.

Quando comecei a falar de Motricidade Humana (há quase trinta anos!), a minha fala surgia transgressiva, em relação às soluções correntes da Educação Física e do Desporto, guardando eu ciosamen-te a identidade e a independência relativa de uma definição nova: “a Motricidade Humana é a energia para o movimento intencional da transcendência (ou superação)” – a Motricidade Humana, ou seja, o Desporto e o Jogo Desportivo, a Dança, a Ergonomia, a Reabilitação, o Circo, etc. Com impetuosidade e alvoroço, o eurocentrismo rejeitou-me, lançando-me ao rosto as absolutas certezas da tradicional Educação Física e de um Desporto incapaz de assumir uma porfiosa busca do renovo e da edificação do futuro.

APRESENTAÇÃO

Manuel Sérgio

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MOTRICIDADE HUMANA

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As críticas que eu levantava à Educação Física e à preparação física típica da alta competição; o que eu dizia do Desporto, sempre que reflexo do mundo capitalista - criaram à minha volta uma antipatia insopitável e aproveitei um convite do Doutor João Tojal, para me re-fugiar, no Brasil. E, assim, o convívio medular com os meus colegas da Faculdade de Educação Física da Unicamp (como o João Batista Tojal, o João Batista Freire e o Wagner Wey Moreira, que, com o seu muito saber, colaboram neste livro); os homens (e as mulheres) cordiais que encontrei, ao longo e ao largo do nosso querido Brasil, como o Sidir-ley de Jesus Barreto, o Ricardo Melani e a Katia Brandão Cavalcanti que, sabendo que não sabem, manifestam a curiosidade dos sábios; a Eugénia Trigo, o Harvey Montoya e o Francisco Bohórquez que, sob a orientação da generosidade e da erudição da Eugénia, percorrem a América Latina com o pendão da Motricidade Humana; e, por fim, o Fabio Zoboli (a “alma mater” deste livro) e o Renato Izidoro da Silva que, num diálogo comigo, foram mais acolhedores e fraternos do que críticos e questionadores. É evidente que só me posso sentir honrado por usufruir, nesta magnífica obra, de tão ilustre companhia. Digo isto emocionado, porque o coração morre, mas não envelhece.

A Kátia procurou aprofundar o sentido do Esporte Como Obra de Arte da Vida e escreve, sem esquecer o contributo de Coubertin ao tema: “ao associar a força física com a força moral, o ser humano é capaz de transcender os limites da sua corporalidade, por ele mesmo”. E ainda: “Receptivo e generoso como a Terra, o esporte também provê alimentos para o corpo e para o espírito”. A Ciência da Motricidade Humana (CMH) também nos ensina que o sentido da vida é a trans-cendência, mas refere que ninguém se transcende sozinho e, por isso, a minha transcendência pressupõe a transcendência do homem todo e de todos os homens. Nem a Educação Física nem o Desporto fo-ram algum dia mais frontais, em defesa de um Desporto ao serviço da Justiça Social, do que a CMH. Anti-capitalista, anti-eurocêntrica, anti-colonialista e propugnando por um socialismo que não se confun-da com um capitalismo de Estado – foi assim que a CMH nasceu!

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apresentação

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A transcendência, na CMH, não se confunde (nunca se confundiu) com auto-superação individualista e egoista; pelo contrário, põe o que se tem, incluindo as qualidades físicas, ao serviço do que se deve ser.

Na Eugénia Trigo, no Harvey Montoya e no Francisco Bohór-quez saudemos neles os estudiosos que estão a erguer, pacientemente, uma obra, em prol da CMH, onde as gerações futuras encontrarão não só proveitosos ensinamentos, mas opulentos materiais de pesquisa.

O João Tojal é, hoje, um profissional que fundamenta a sua pro-fissão, num saber universitário, num paradigma científico. Não é por acaso que a pesquisa científica, na área do desporto, não tem relevo, na comunidade científica internacional. Por esta razão muito simples: falta-nos um paradigma que nos permita o diálogo, com as outras áreas do conhecimento. O João Tojal sabe o que tem, para saber quem é! Felicitemo-lo, por isso!

O Ricardo Melani é tipicamente um ensaista que usa um méto-do: a indagação filosófica! Para a exposição do seu ideário filosófico, o Ricardo prefere o ensaio que lhe parece (e é) um género mais livre, de maior flexibilidade e amplitude, do que um cerrado sistema, ao jeito de S. Tomás de Aquino, de Hegel ou de Marx. O ensaio constitui-se, em Ricardo Melani, o género por excelência de crítica da razão clássica, do platonismo, do cartesianismo, do positivismo. Daí, a sua adesão, cons-ciente e crítica, à CMH, a qual muito precisa da sua inteligência e da sua liberdade.

O Sidirley de Jesus Barreto é um especialista da psicomotricida-de relacional e que, com alguma originalidade, vê nela um dos sub-sis-temas do sistema Motricidade Humana. A palavra “psicomotricidade” nasce de um equívoco e de alguma ignorância filosófica. Quando, na Europa, alguns professores de Educação Física pretenderam significar que a sua profissão não cuidava só de físicos, mas do psiquismo tam-bém, acrescentaram o prefixo “psico” à palavra motricidade. Desco-nheciam que a motricidade, no entender da fenomenologia, é a “inten-cionalidade operante”, é o ser humano em movimento intencional. Não há necessidade, portanto, de qualquer prefixo, na palavra motricidade,

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MOTRICIDADE HUMANA

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para assinalar que, nela, o corpo e o espírito se encontram integrais e su-perados. Por outro lado, a palavra “movimento”, por si só, também não reflecte a área que estudamos. Já viram o que seria, no desporto, o movi-mento, sem intencionalidade? Ora, o movimento com intencionalidade é a motricidade. O trabalho em que o Sidirley se encontra empenhado pode ser de grande importância à CMH. Em Espanha, Eduardo Jus-to Martínez, no seu livro Desarrollo psicomotor en educación infantil (Universidad de Almeria, 2000, p. 24) define assim Psicomotricidade: “metodologia psicoeducativa integral que se caracteriza por la utilizaci-ón de la actividad corporal, para favorecer el desarrollo armónicode los diferentes aspectos de la personalidad infantil”. Nós, os da Motricidade Humana, substituímos, sem problemas, Psicomotricidade por Motri-cidade Infantil.

O Wagner foi também meu colega, na FEF/UNICAMP. Era então doutorando e tinha como orientador o Doutor Joel Martins, um prestigiado especialista em fenomenologia. Com o Wagner, também pude aprender, em diálogos incessantes e fraternos.

Fabio Zoboli e Renato Izidoro da Silva pretendem dialogar comigo e fazem-no com um conhecimento da minha obra que revela um estudo porfiado e honesto. Por isso, os abraço sobre o coração. É que há quem fale da motricidade humana, em Manuel Sérgio, sem se debruçar sobre a minha modesta obra. Ou até distorcendo o que eu escrevo, para me alvejar, escarlate de ira. Neste caso, há mais inveja do que ética científica.

O meu querido João Batista Freire , o prefaciador deste livro, homem de uma sabedoria como raramente se encontra e que também foi meu colega na UNICAMP, resume, magistralmente, o que venho dizendo, de há quarenta anos a esta parte: “Chegamos ao belo fazendo o bem, não no sentido moral, mas no de bem fazer; se não o faço, não chego à arte”.

Se não laboro em erro grave, foi o Zoboli que decidiu reunir estes textos. Falo por mim: Muito Obrigado! Por isso, peço-lhe licença para repetir o que julgo essencial, na teoria da motricidade humana, que eu, com outros colegas, defendemos:

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apresentação

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– A CMH tenta ser de facto uma ruptura epistemológica

e política, porque ninguém se transcende sozinho, mas

tão-só numa sociedade livre e libertadora. A passagem do

físico ao ser humano em movimento intencional (a motri-

cidade) pressupõe a passagem da sociedade injusta a uma

sociedade em que todos (todos!) os cidadãos são sujeitos e

não objectos e em que à cultura burguesa do ter se ante-

ponha a cultura solidária do ser, expressa na construção de

uma democracia económica, social e cultural e no aprofun-

damento da democracia participativa.

– A CMH quer lutar contra todos os dualismos, sejam eles

de que natureza forem: corpo-alma, homem-mulher, rico-

pobre, senhor-servo, etc., etc.

– A CMH tem os princípios por que se rege o treino des-

portivo actual, como grandes treinadores o atestam (en-

tre os quais os brasileiros e queridos amigos Ana Moser

e João Paulo Medina), mas sem aceitar qualquer tipo de

manipulação dos atletas e de alienação dos espectadores.

De qualquer forma, a CMH já se encontra operacionali-

zada, por especialistas de renome internacional. Leia-se, a

propósito: Luís Lourenço e Fernando Ilharco, Liderança

– as lições de Mourinho, Booknomics, Lisboa, 2007.

– A CMH (o desporto, a dança, a ergonomia e a reabili-

tação) é uma ciência humana e, como tal, não dispensa o

apoio empírico e laboratorial, mas é ao homem todo e a

todos os homens que se refere. É tanto explicação como

compreensão. Não se destina à saúde tão-só, mas também

ao lazer e ao trabalho.

– A Educação Motora, o ramo pedagógico da CMH, exige

que, antes de qualquer aula, o professor faça a si mesmo

a seguinte pergunta: “Qual o tipo de pessoa que eu quero

que nasça da aula que vou leccionar?”. Se a resposta tiver

em conta a cultura do ser, geradora de cidadãos, etica e

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MOTRICIDADE HUMANA

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politicamente responsáveis, a aula transforma-se inevita-

velmente.

– A CMH diz que o desporto tem um método: o hermenêu-

tico, como qualquer outra ciência humana! Na linguagem,

reside a chave da compreensão hermenêutica. A experi-

ência hermenêutica consiste numa fusão linguística entre

intérprete e interpretado.

- A CMH quer reunir, em franco trabalho de in-ter e trans disciplinaridade, especialistas doutras áreas do saber. Nunca escutei a um médico um remoque sequer pelo facto de Luís Pasteur (far-macêutico) e Jacques Monod (biólogo) se en-contrarem entre os nomes maiores da História da Medicina.

- Pela transcendência (ou superação), que integra o núcleo da Motricidade Humana, o ser huma-no toma consciência que não é objecto, mas su-jeito, da sua própria história. Não é reflexo, mas projecto. A CMH ensina que o ser humano é sempre umatarefa por realizar, é a práxis (ou po-ética) do possível.

Peço desculpa de esta apresentação ser tão longa, mas não tive tempo para fazê-la mais breve.

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Os últimos anos do século passado e os primeiros anos deste novo milênio foram permeados por vários questionamentos no contex-to da Educação Física brasileira no que tange as questões de cunho epistemológico. A partir da crise que fez da década de 1980 um marco histórico para a Educação Física no Brasil, muitas propostas teóricas apontavam na direção de uma Educação Física mais preocupada com dimensões sociais e políticas a fim de combater um reducionismo técni-co/biologicista dominante até então.

Dentro desse contexto surge várias correntes teóricas, dentre as quais a teoria da Ciência da Motricidade Humana (CMH) cunhada pelo português Manuel Sérgio que esteve em Campinas, em julho de 1986 para participar das discussões que buscavam uma matriz teórica para a faculdade de Educação Física recentemente criada e que buscava já naquela ocasião anunciar “o novo”, que como bem o sabemos, nunca se instala com facilidade nas instituições.

Posteriormente esteve na UNICAMP como professor visitan-te entre 1987 e 1988, tendo participado ativamente da implantação da Ciência da Motricidade Humana como matriz teórica, depois do apro-

INTRODUÇÃO

MOTRICIDADE HUMANA: A PRÁXIS DO POSSÍVEL

(orgs.)Fábio Zoboli

Sidirley de Jesus Barreto

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MOTRICIDADE HUMANA

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fundamento das discussões com renomados profissionais de Educação Física que lecionavam naquela instituição, dentre os quais destaca-se: João Batista Tojal, João Batista Freire, Ídico Pellegrinotti, Wagner Wey Moreira e Ademir Gebara.

A preocupação da obra de Manuel Sérgio sempre foi fundamen-talmente ampliar os limites e a compreensão da Educação Física para além da prática em si e por consequência, para além dos reducionismos no que tange a visão de ser humano sob a qual a mesma esta pautada. A teoria da Motricidade Humana critica severamente a visão de corpo e de movimento sob as quais a práxis mecanicistas da Educação Física são orientadas.

Os estudos de Manuel Sérgio são caracterizados pela influ-ência da filosofia e das demais ciências humanas. Sérgio parece não compreender o desenvolvimento de uma Educação Física que não fosse fundada em uma matriz filosófica clara. Para ele, mesmo as questões didático/pedagógicas tinham uma denotada raiz filosófica. Na década de 1970, Manuel Sérgio já se preocupava com a busca de uma Matriz Epistemológica para a Educação Física, dando início a uma forte e longínqua relação entre esta e a filosofia. Tal relação foi se acentuando das mais diversas formas, indo desde discussões sobre a necessidade de inclusão de uma disciplina específica de “Filosofia das Atividades Corporais” para o assunto nos cursos de graduação, até a abertura de espaços epistemológicos visando à sistematização da Ciência da Motricidade Humana.

A atenção para as questões Epistemológicas e Ontológicas, para ele estão diretamente ligadas ao seu conceito de Motricidade Humana, que vai muito além da Educação Física, incluindo: a Ergonomia, a Re-abilitação, o Desporto, a Dança e o Circo.

Manuel Sérgio mencionava já na década de 1970, que a Edu-cação Física deveria substituir o conceito anátomo-fisiológico por um conceito bio-psico-socio-filosófico, onde o prazer, o desenvolvimento integral e o aspecto educacional ficassem sempre ressaltados. Para ele, a Ciência da Motricidade Humana aponta para o ser humano na sua glo-

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motricidade humana: a práxis do possível

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balidade, surgindo mulheres e homens novos dispostos a transformar os outros e a nós mesmos.

Diante dos impasses epistemológicos sob os quais Manuel Sérgio observava a Educação Física surge então a necessidade de se pensar a mes-ma a partir de uma dimensão transdisciplinar para então melhor atender as necessidades/problemas de um ser humano/corpo (complexo) que busca na mesma uma ferramenta de emancipação humana. As especificidades e reducionismos sob as quais a Educação Física se pautava eram vistas por Manuel Sérgio como insuficientes – ou no mínimo reducionistas – para se explicar a complexidade de uma práxis que articula problemas de um hu-mano/corpo físico, psicológico, sagrado, cultural, econômico, político. Por isso ele busca pensar a Educação Física a partir de um novo paradigma: o paradigma da Ciência da Motricidade Humana.

Esta obra surge então com o objetivo de reunir vários autores que refletem e discutem algumas questões que circundam a Motricidade Humana, autores que procuram se utilizar dela como ferramenta para pautar práxis mais dignas e menos reducionistas na relação homem/natureza. Este é um livro que abarca dentro de si questões científico/epistemológicas, mas que não foge a arte e a poesia, por considerar estas também inerentes à condição humana.

Para construirmos esta obra contamos com a contribuição de vá-rios autores que durante a sua vida acadêmica – ou em parte dela – vi-veram a Teoria da Motricidade Humana:

A obra de inicio conta com a enorme contribuição de João Batista Tojal que em seu texto versa sobre a Motricidade Humana no contexto da Educação Física brasileira apontando algumas perspectivas futuras. Tojal também traz ao palco a discussão epistemológica sob a qual apre-senta e discute a Educação Física e a Ciência da Motricidade Humana.

Ricardo Melani apresenta com muita propriedade em seu escrito uma critica aos modos de concepção de corpo e de mundo fragmenta-dos. O autor denuncia a racionalidade e a apropriação do corpo pelas ciências para torná-lo um bem de consumo, algo sem vida – objeto. Em contrapartida Ricardo Melani aponta o corpo sensível e a re-signi-

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MOTRICIDADE HUMANA

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ficação do mesmo como unidade a fim de visualizar perspectivas mais dignas para se tratar o ser humano enquanto realidade corpórea.

Fabio Zoboli e Renato Izidoro da Silva discutem a centralidade do corpo para a construção de uma base ética na teoria da Motricida-de Humana. Para argumentar tal centralidade os autores estabelecem um diálogo tensivo entre Nietzsche e Merleau-Ponty para fazer um paralelo de como Manuel Sérgio se apropria da filosofia de ambos para conceber o corpo enquanto dimensão ética na sua teoria.

Wagner Wey Moreira em seu texto concentra-se em discutir o trato do corpo pela Educação Física para depois apresentar os valores que versam esse corpo partir da teoria da Motricidade Humana. O au-tor ainda traz a teoria da Complexidade de Edgar Morin para enfocar o tema da corporeidade.

Sidirley de Jesus Barreto apresenta em seu escrito os fundamen-tos da antropologia, da filosofia e da psicologia que deram as bases para Manuel Sérgio fundar a Ciência da Motricidade Humana. Sidirley ressalta também o modo inter e transdisciplinar com que Manuel Sér-gio construiu sua teoria.

Eugenia Trigo e Harvey Montoya com um texto muito interes-sante e denso – fruto de uma pesquisa que revisou as obras de Manuel Sérgio – apresentam as 14 teorias que fundamentam a Ciência da Mo-tricidade Humana. Com um folego teórico impressionante os autores expõem uma a uma as teorias e ao fim de cada síntese fazem o aporte com a Ciência da Motricidade Humana.

O texto “Ludomotricidade e ludopoiese: para fazer do esporte uma obra de arte da vida” escrito por Katia Brandão Cavalcanti foi escolhido para fechar a obra. Com uma sensibilidade ímpar Katia Bran-dão elenca o poder da vida, a beleza, a justiça, a ousadia, a honra, a ale-gria, a fecundidade, o desenvolvimento, a paz e a verdade interior como luminescências do Esporte.

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É sempre algo sedutor e instigante abordar as diferentes questões e conceituações que envolvem ou decorrem da Motricida-de Humana. A Proposta apresentada originalmente pelo Prof. Dr. Manuel Sérgio em sua tese de defesa de doutoramento ocorrido no então Instituto Superior de Educação Física – ISEF, hoje Facul-dade de Motricidade Humana – FMH da Universidade Técnica de Lisboa – Portugal, representa uma mudança paradigmática a se processar no âmbito de toda uma profissão ainda denominada no Brasil, como Educação Física.

Portanto, ao considerar que a Motricidade Humana representa uma proposta de mudança de paradigma a se processar no âmbito da Educação Física, o passo inicial deve ser esclarecer, definir e justificar porque a Educação Física tem sido considerada no Brasil, uma profis-são inicialmente ligada ao universo da Educação Escolarizada.

Contudo, deve-se procurar explicitar também a razão pela qual nos anos próximos a virada do milênio, logo após a promulgação da Lei Federal nº 9696 de 1º de setembro de 1998, essa área passou a ser con-siderada como uma Profissão de nível Superior regulamentada por Lei,

A MOTRICIDADE HUMANA NO BRASIL:PERSPECTIVAS FUTURAS

João Batista Tojal

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o que possibilita a implementação de uma nova categoria profissional junto ao Mercado de Trabalho já existente na sociedade.

Assim, falar sobre Motricidade Humana no Brasil implica em abordar questões que envolvem desde o entendimento sobre: O que é a Educação Física, sua constituição enquanto conhecimento, área de con-centração, disciplina acadêmica e campo de atuação profissional, para que se consiga justificar o porquê dessa incessante busca pela mudança de paradigma. .

Sem querer historiar a existência da Educação Física no Brasil, o que se pretende neste momento é declarar que devido ao já longo perí-odo de atuação nessa área tem faltado à Educação Física, aquela cienti-ficidade necessária a toda profissão de nível superior, ou seja, falta que seus profissionais consigam se expressar através de termos científicos e técnicos adequados e identificados com os diferentes conhecimentos que nela e através dela se desenvolvem.

Assim, o que se percebe é que essa área vive e mesmo sempre vi-veu do que toma emprestado de outras áreas, como biologia, psicologia, sociologia, pedagogia, deixando de demonstrar qualquer rigor científico que lhe pertença enquanto uma nova área ou campo de conhecimento.

Ainda percebe-se também no mesmo sentido, que a Educação Física, vem servindo-se de diferentes termos para expressar as mesmas questões. Ao aceitar todas as adjetivações que o senso comum lhe im-puta, atendendo e demonstrando interesse em se fazer presente no seio da Sociedade, mesmo quando a denominam como: ginástica, exercícios físicos, atividades físicas, esporte, musculação, jogos, recreação e tantos outros, tem deixado essa área de demonstrar uma identidade própria e única, sem que com isso se consiga identificar quais suas possibilidades, vantagens e significados.

O que fica evidenciado para quem com ela atua, é que a Educa-ção Física continua sem uma teoria específica que a sustente, uma vez que não apresenta e mesmo não consegue justificar qualquer composi-ção de conhecimentos, conteúdos, conceitos e práticas que lhe atribuam singularidade, condição e comportamento observáveis até mesmo junto

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a uma ampla gama de docentes do Ensino Superior dessa área, que advogam ser o Esporte e a Prática Escolarizada a sua parcela principal de conhecimentos.

Como a Educação Física não dispõe de uma comunidade cien-tífica específica e própria que lhe dê objetividade e sustentabilidade, vive ela do proselitismo e da manipulação ideológica de muitos pseudo-profissionais que pela e através da prática da demonstração enquanto modelos perfeitos, normalmente advindos e mesmo decorrentes das modalidades e práticas desportivas que desempenharam enquanto atle-tas, agora como instrutores, acabam subvertendo a opinião pública, contudo, mantendo sempre aquela postura e titulação de “Professor”, visando o resguardo de sua imagem, mas que devido ao baixo nível de configuração do conhecimento específico, acabam por não extrapolar qualquer condição de subjetividade em suas ações.

Alguns autores no mundo pesquisaram a Educação Física e pro-duziram teorias próprias segundo seus estudos, ou seja, segundo Tubi-no (2007, p. 572) na Espanha nos anos 1970, José Maria Cagigal pro-pôs que a teoria que estuda a atividade física sob a forma de Educação Física ou de Esporte, poderia ser chamada de Cineantropologia, sendo que numa cultura física, o Esporte juntamente com a Dança e o Lazer ativo, são as manifestações, sendo a Educação Física o fundamento. Portanto, para Cagigal a Cultura Física compreende o corpo, o movi-mento, a motricidade e o esporte.

Também em Tubino (2007, op. cit) encontra-se a citação sobre o trabalho do Francês Pierre Parlebás, esclarecendo que depois de uma série de estudos apresentou uma proposta que denominou de Teoria Praxeológica, ou seja, a Ciência da Ação Motriz e Praxeologia Motriz. Contrapondo-se à Educação Física que sempre tratou do movimento do humano, Parlebás passou nessa proposta a analisar o “Ser” em movi-mento, ou seja, buscou explicar a sociomotricidade como uma dimensão da conduta humana e as ações motrizes foram esclarecidas através de conceitos psicossociais como a cooperação, a oposição e a interrelação com o meio físico e ainda através da utilização de conceitos socio-cultu-

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rais como a institucionalização, as regras, a organização oficial e a com-petição. Parlebás considera como objeto científico as condutas motrizes dos praticantes.

Contudo, visando ampliar o universo de análises e procedimen-tos adotados para explicitar o que se trata como Educação Física, é apresentado a partir do estudo publicado por Betti in Gonzales e Fens-terseifer (2005, p. 144-150), alguns conceitos e formas como se tem utilizado o termo Educação Física no Brasil. No citado estudo Betti (op. cit) esclarece que para Bracht (1992, p. 15) a Educação Física em sentido restrito, “abrange as atividades pedagógicas, tendo como tema o movimento corporal e que toma lugar na instituição educacional”, já no sentido amplo designaria “todas as manifestações ligadas à ludomo-tricidade humana”.

Ainda Bracht (1992, p. 35) nessa mesma citação feita por Bet-ti (2005) define a Educação Física, como “prática pedagógica que tem tematizado elementos da esfera da cultura corporal/movimento”. A Educação Física seria uma “prática social de intervenção imediata, e não uma pratica social cuja característica primeira seria explicar ou compreender um determinado fenômeno social ou uma determinada parte do real”. Portanto, ao explicar seu entendimento de prática peda-gógica em Educação Física, Bracht (1992) a apresenta como prática de intervenção caracterizada pela intenção pedagógica com que trata um conteúdo “que é configurado/retirado do universo da cultura corporal do movimento”.

Betti (2005, op. cit) declara que não percebe a Educação Física somente como prática pedagógica, definido-a como: “Área de conhe-cimento e intervenção profissional pedagógica, que lida com a cultura corporal de movimento, objetivando a melhoria qualitativa das práticas constitutivas daquela cultura, mediante referenciais científicos, filosófi-cos e estéticos”.

Nesse mesmo artigo, Betti (2005, op cit) cita que Soares (et al, 1992) definem a Educação Física como uma disciplina escolar que tra-ta pedagogicamente do conhecimento de uma área intitulada “Cultu-

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ra Corporal”, configurada como temas ou formas de atividades (jogo, esporte, ginástica, danças, lutas, etc.) que constituem seu conteúdo; o estudo desse conhecimento “visa apreender a expressão corporal como linguagem”.

Conforme se buscou identificar, a Educação Física, vem sofren-do a falta de cientificidade em todas as suas ações, sustentando-se uni-camente na pedagogia, devendo mesmo quando desenvolvida no âmbi-to da Universidade ser revista e melhor identificada com as condições mínimas exigidas para que determinada área do conhecimento, disci-plina acadêmica ou profissão possa ser reconhecida como significativa para a Sociedade.

É necessário que essa área, ainda denominada como Educação Física, hoje vinculada à grande área das Profissões da Saúde, (cfr. Res. CNS 208/97) passe a ser desenvolvida academicamente, enquanto área que descende da investigação e que disponha de vocabulário científico – teórico - tecnológico e técnico, e não tão somente da estruturação de alguma forma da prática repetitiva, mesmo que através dela se consiga obter algum resultado. Assim, considera-se que a Educação Física não tem conseguido demonstrar sua condição sistematizada na busca da re-solução de problemas e na propositura de alternativas fundamentadas nas soluções práticas utilizadas.

A partir desse breve historiar e esclarecimentos sobre a Educação Física, suas características, carências, necessidades e indefinição cientí-fica e acadêmica, é possível se passar agora a esclarecer, definir e justifi-car, o que é, e como se entende a Motricidade Humana. Essa explicação tem por objetivo proporcionar aos interessados nessa temática acompa-nhar o caminhar da Educação Física no que tange as diferentes ações desenvolvidas depois do seu ingresso como Profissão da área da Saú-de, bem como, as diferentes discussões e encaminhamentos ocorridos quando se procurou justificar a sua inserção como conhecimento espe-cífico nas Diretrizes Curriculares Nacionais estabelecidas pelo Conse-lho Nacional de Educação. Destaca-se que essas diretrizes devem ser respeitadas pelas Instituições de Ensino Superior servindo de orien-

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tação ao desenvolvimento da formação de profissionais de Educação Física no Brasil, mesmo respeitando-se a autonomia das universidades.

Para iniciar essa explicação sobre o que é a Motricidade Hu-mana, é inicialmente necessário que se considere, conforme bem o fez Tojal (2004) que a tese sobre a Ciência da Motricidade Humana foi apresentada pela primeira vez em junho de 1986, pelo Filósofo Portu-guês Manuel Sérgio na Universidade Técnica de Lisboa – Portugal. Portanto, pode-se considerar até com certa tranquilidade, que esse é um conhecimento recente e que necessita de tentativas de refutação en-quanto teoria, para que no futuro possa ser considerado como uma nova ciência.

Assim, no intuito de se buscar estabelecer uma melhor explanação sobre a Motricidade Humana, faz-se uso da obra de Manuel Sérgio, quando definiu em sua tese que a Ciência da Motricidade Humana, é a ciência da compreensão e da explicação das condutas motoras e, por-tanto, como todo conhecimento científico, é também teoria. Observan-do com todo cuidado, a construção dessa afirmação feita pelo Filósofo Português, pode-se considerar, assim como já o fizera Tojal (1994, p. 96) em seu estudo quando apresentou o entendimento de que: “Toda conduta motora inaugura um sentido, através do corpo”, concordando, portanto, com Manuel Sérgio, que a Motricidade Humana emerge da corporeidade como sinal de quem está no mundo para alguma coisa, isto é, como sinal de um projeto, e dessa forma o homem é presença no espaço e na história, com o corpo, no corpo, desde o corpo e através do corpo, uma vez que basicamente não existe qualquer diferença entre Motricidade e Corporeidade, tendo em vista que ambas fazem parte da complexidade biológica do humano (TOJAL, 2004, p. 153-154).

A Motricidade Humana, segundo o que advoga Manuel Sérgio (1986), representa a vocação de abertura do homem aos outros e ao mundo, funcionando em certo sentido, como provocação (pro-vocação) que o liberta da solidão, para inseri-lo no plano da convivência. É ela também a verdade da percepção, entendendo esse perceber com o sen-tido de tornar presente qualquer coisa com a ajuda do corpo, conside-

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rando que: “não estou diante do meu corpo, estou no meu corpo, sou o meu corpo” (SÉRGIO, 1986, p. 11). Entendida e considerada dessa forma, a Motricidade Humana supõe o desenvolvimento das estruturas componentes do sistema nervoso central; mantém a regulação, a execu-ção e a integração do comportamento; traduz a apropriação da cultura e da experiência humana, conferindo, como intencionalidade operante, especial relevo ao projeto, ou seja, o ser não só de razão, mas também possuídor de imaginação.

O que se está a afirmar é que a Motricidade Humana, enquanto vocação e provocação, é em certo sentido, tanto o “ser” como o “ter” do desenvolvimento, configurando: o ‘ser’, porque supõe que quem se movimenta intencionalmente procura ser mais, e o ‘ter’, porque signi-fica ter em mim, poder utilizar-me ou servir-me de, sendo assim, está ela, a Motricidade, a garantir o dinamismo revelador e comunicativo da conquista do mais ser, da criação de sentido, uma vez que a ninguém é possível ‘ser’ sem ‘ter’ (TOJAL, 2004, p. 154).

Assim, o Filósofo Português Manuel Sérgio, defende que a Mo-tricidade Humana, a qual considera mesmo enquanto nova Ciência, como a Ciência do movimento intencional da personalização em relação e direção à transcendência, ou seja, o homem movimentando-se com sentido e conteúdo – o conteúdo do desejo e o sentido da transcendên-cia – pois, toda a existência do Ser Humano é uma sucessão de supe-rações, de transcendências, em direção ao mais-ser, à completude, isto é, ao seu absoluto. Por essa razão pode-se concluir que a Motricidade Humana na forma como Manuel Sérgio a considera, possibilita o su-perar e o superar-se.

Em capítulo de seu livro, Tojal (2004, p. 155) ao tratar da pas-sagem da Educação Física para a Motricidade Humana, esclarece que ao desenvolver uma análise epistemológica das atividades com as quais se envolvem os profissionais de Educação Física, é a Motricidade que busca fundamentá-las, bem como ao Desporto e não o contrário, visto que à Educação Física faltam os enunciados básicos que estabeleçam as devidas demarcações, o que tem ocorrido a partir das disciplinas bio-

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médicas ou da pedagogia, que segundo Estrela (1992, p. 11), esta, a Pedagogia, também não possui um autêntico estatuto científico.

Daí, que se entenda que seja a Motricidade Humana, o radical científico onde se fundamenta o desporto, a dança, a ginástica, a ergo-nomia, a reabilitação, o yoga, as lutas, as artes marciais, a capoeira, e outras. Assim, constata-se que na Motricidade Humana, não se nega o físico, mas o que se diz é que, para ela, há também o social, o político e tudo que compõe a Complexidade do Humano, o que significa que se deva sempre levar em consideração as diferentes estruturas envolvidas em cada uma das ações, isto quer dizer: corpo / mente / desejo / nature-za / sociedade em dialética íntima e constante, observada a experiência originária do sujeito através da qual emerge também a história de suas condutas, dado que não há experiência vivida sem a intersubjetividade que a práxis supõe. Portanto, essa práxis, descerra um mundo de possi-bilidades e a Motricidade Humana revela uma criatividade incompará-vel, específica de um ser agente e promotor de cultura.

Manuel Sérgio (1995) declara que o homem é um ser de carên-cias e, como tal, um ser práxico, ser que se faz fazendo, ou seja, só pode viver se atua, e por essa razão visa sempre agir para ser mais, o que representa a sua capacidade e possibilidade de transcendência.

Portanto, a Motricidade Humana representa a intencionalida-de operante do próprio indivíduo na busca de superação de algo que lhe interessa, visando alcançar seu absoluto, que é só seu, para o que necessita de ajuda profissional capacitada, competente, qualificada e habilitada, que o auxilie a identificar as capacidades de que dispõe e as possibilidades e caminhos para a consecução desse seu objetivo.

Procurando operacionalizar todo o conhecimento e propostas emanadas da Motricidade Humana, no Brasil, ao se estabelecerem dis-cussões necessárias e indispensáveis para a construção das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação (Bacharelado) em Educação Física, entendendo “Bacharel” como o profissional es-pecífico de uma área do conhecimento (aquele que recebeu numa aca-demia ou universidade o primeiro grau para chegar ao de doutor) e no

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Brasil, atualmente, apenas o que se diploma numa faculdade – bacharel em Direito, Economia, Filosofia, etc” (MICHAELIS, 2000, p. 281). Nas discussões sobre as Diretrizes Curriculares para a Educação Fí-sica muito se tratou de questões significativas, contudo, a abordagem epistemológica, ficou sempre prejudicada, graças ao determinismo de grupos que gestionavam pela manutenção dos conceitos com os quais já estavam acostumados.

Cabe neste momento, destacar uma análise procedida pelo Filó-sofo Manuel Sérgio, sobre as condições da necessidade de que se vença a resistência, toda vez que se pretenda discutir a problemática que en-volve conhecimentos científicos:

Todo o enunciado científico, toda a articulação interna dos

problemas que constituem uma problemática, não podem ser

postos à margem de um contexto, sendo que o paradigma pa-

rece traduzir-se demasiadamente vinculado ao espírito.

(SÉRGIO, 1988, p. 140 – citado por TOJAL, 1994, p. 93).

Assim, é interessante que se analise o processo de construção das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Física, principal-mente para que se entenda de forma clara e definitiva, quais as condi-ções do conteúdo nelas contido.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96 determina, em seu art. 53 no inciso II, no momento em que dispõe sobre a autonomia universitária, que cabe às Universidades: “fi-xar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes”. É necessário, contudo, que se observe que a Lei 4.024/61 na alínea “c” do parágrafo 2º do Art. 9º, em revisão e nova redação dada pela Lei 9.131/95, definem que cabe a Câmara de Edu-cação Superior do Conselho Nacional de Educação – CES/CNE – “deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da Educação para os cursos de graduação”. Constata-se que as duas leis falam das mesmas diretrizes, com denominações distintas.

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Assim, o Parecer CES/CNE 583/01, apresenta, limpidamente, essa interpretação: “é fundamental não confundir as diretrizes que são orientações mandatórias, mesmo às universidades, (LDB, Art. 53) e complementa: “No exercício de sua autonomia, são asseguradas às uni-versidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições: I, II – fi-xar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes... ”Com parâmetros ou padrões - Standard – curri-culares que são referenciais curriculares detalhados e não obrigatórios” (Guia de aula – Curso sobre as novas regulamentações para a formação de professores da Educação Básica em nível superior – Licenciaturas, desenvolvido pelo Consae – Consultoria de assuntos Educacionais. 2002).

Entendidas, portanto, as Diretrizes Curriculares para os cursos de graduação em qualquer área no Brasil, como orientações básicas para a preparação dos futuros profissionais, apresenta-se o desenvolvimen-to dessa problemática neste texto, uma vez que a Profissão Educação Física – denominação como ainda hoje é reconhecida pela sociedade brasileira – enquadra-se no grupamento daquelas que preparam seus profissionais através do Ensino Superior, sejam eles Bacharel - Profis-sional de Educação Física para atuar no amplo e disponível mercado de trabalho na área das atividades físicas (exercícios físicos), esportivas e de recreeação e Lazer, ou o Licenciado – Profissional para atuar na função de Professor da Educação Básica, Curso de Licenciatura de Graduação Plena, neste caso entendida a preparação do Professor para atuar junto à disciplina Educação Física escolar.

Depois da Lei 9394/96, ocorreram algumas alterações nesse pro-cesso e o CNE, passou a adotar procedimentos e diretrizes diferencia-das para essas duas vertentes profissionais. No que se refere à Licen-ciatura, o Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação, definiu através da Resolução CNE/CP 1, de 30 de setembro de 1999 – DOU de 07/10/99, seção I - p. 50, e ainda em outros dois pareceres CNE/CP 09 e 27/2001, que a preparação de professores para a Educação Básica, deve ser realizada como um processo autônomo, em curso de licen-

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ciatura plena, numa estrutura com identidade própria. O Decreto nº 3.276, de 6 de dezembro de 1999, no parágrafo 4º do Art. 3º, define: “A formação de professores para a atuação em campos específicos do co-nhecimento far-se-á em cursos de licenciatura, podendo os habilitados desenvolverem atuação no ensino da sua especialidade, em qualquer etapa da Educação Básica”.

Portanto, o CNE, definiu as regras para toda e qualquer licencia-tura, ou seja, a preparação do Professor da Educação Básica, em nível superior, deve dar-se através do Curso de Licenciatura, de graduação plena, conforme Resolução CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002, publicada no Diário Oficial da União, de 04 de março de 2002, na seção 1, p. 8. a qual instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para essa formação que deverá segundo a Resolução CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002, publicada na mesma data no DOU, p. 3, ser in-tegralizada em, no mínimo 03 (três) anos letivos e ocorrer através do desenvolvimento de uma carga horária mínima de 2.800 horas – impor-tante destacar que são horas relógio – Parecer CNE/CES 261/2006, e Resolução ME nº 03, de 02 de julho de 2007, publicada no DOU de 03/07/2007 que determina em seu artigo 3º que a carga horária mínima dos cursos superiores é mensurada em horas (60 minutos) de atividades acadêmicas e de trabalho docente efetivo esclarecendo inclusive no artº 4º que as Instituições de Educação Superior devem ajustar e efetivar os projetos pedagógicos de seus cursos aos efeitos do Parecer CNE/CES nº 261/2006 e da resolução ME 3/2007, conjugado com os termos do Parecer CNE/CES nº 08/2007 e Resolução CNE/CES 02/2007, até o encerramento do ciclo avaliativo do SINAES, nos termos da Portaria normativa nº 1/2007.

Ainda nessa Resolução CNE/CES 03/2007, no artº 5º é es-clarecido que o atendimento do disposto nesta resolução referente às normas de hora-aula e às respectivas normas de carga horária mínima (Resolução CNE/CES 02 de 18 de junho de 2007) aplica-se a todas as modalidades de cursos – Bacharelado, Licenciatura, Tecnologia e Sequenciais.

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Visando definir algumas situações esdruxulas existentes no ensino superior, o parágrafo único do artigo 5º da Resolução CNE/CES 03/2007, estabelece que os cursos de graduação, bacharelados, cujas cargas horárias mínimas não estão fixadas no Parecer CNE/CES 08/2007 e na Resolução CNE/CES 02/2007, devem, de mesma forma, atender ao que dispõe o Parecer CNE/CES 261/2006 e esta Resolução (03/2007).

Na área da Educação Física resta, entretanto, que ocorra a defi-nição dos parâmetros legais e orientadores no que tange a carga horá-ria e mínimo de duração dos Cursos de Graduação para a preparação dos Bacharéis de Educação Física, uma vez que no Parecer CNE/CES 08/2007 as referências as cargas horárias mínimas dos cursos de Ciên-cias Biológicas, Educação Física, Farmácia, Fisioterapia e Fonoaudio-logia, foram retiradas a fim de que as mesmas pudessem ser rediscu-tidas, sendo dessa forma, colocadas de fora dos termos da Resoluçã0 CNE/CES 02/2007 que dispõe sobre a carga horária mínima e proce-dimentos relativos à integralização e duração dos cursos de graduação, bacharelado, na modalidade presencial.

Portanto, vem a área de Educação Física passando por diferentes questionamentos e motivando rediscussões em diversas das suas carate-rísticas, ou seja, no que tange ao objeto de estudo, a sua denominação, a divisão da formação do Profissional em Bacharelado (que teimosa-mente o relator do CNE do Processo das Diretrizes Curriculares para a Educação Física que resultou na Resolução CNE/CES 07/2004 fez questão de identificar o bacharelado em Educação Física somente como Graduação, como se a formação em licenciatura não fosse também uma Graduação) e em Licenciatura.

Necessário mencionar que por articulação do Conselho Federal de Educação Física - CONFEF, desde o I Fórum Nacional dos Diri-gentes das Instituições de Ensino Superior - IES de Educação Física, realizado na Cidade de Belo Horizonte em 2000, no qual estiveram presentes dirigentes de 85% das IES de todo o país, toda essa temática vem sendo debatida e organizada, surgindo nos Fóruns Regionais de

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2001, realizados pelas Regionais desse Conselho, propostas que foram endereçadas ao Relator do Parecer CNE/CES 0138/02, que se confi-guraram em contribuições interessantes, e que foram por ele inseridas.

O Parecer CNE/CES 0138/02 foi homologado e publicado no Diário Oficial da União - DOU nº 80 – seção I de 26 de abril de 2002, pág, 34, ficando de se discutir na sequência a Resolução específica, para depois de aprovada ser publicada em seguida. Contudo, essa não foi a realidade dos fatos, uma vez que algumas outras situações ocorreram, como: Dificuldades na decisão do CNE/CES quanto a carga horária e mínimo de duração para os Cursos de Graduação da área da Saúde, área na qual a Educação Física está inserida conforme Resolução do Conselho Nacional de Saúde - CNS nº 218 de 06 de março de 1997; Ação política de ocupante de cargo de confiança de Órgão Público Fe-deral, contrário ao Parecer homologado por razão meramente política, conjunta com gestão de ex-integrantes da Comissão de Especialista da SESu/MEC – COESP/EF, que entendiam que a proposta de Dire-trizes Curriculares para a Educação Física, por eles elaborada e enca-minhada para análise do Relator, não havia sido considerada, e assim procederam visando descaracterizar as recomendações feitas pelo pare-cer CNE/CES 0138/02, construídas por aqueles que detêm realmente a responsabilidade pelo desenvolvimento da preparação profissional, no caso, os dirigentes das IES formadoras.

Neste parecer constava no item 1, oportunidade em que trata do Perfil do formado / egresso / profissional, que:

O Graduado de Educação Física, com formação generalista, hu-

manista, crítica e reflexiva, qualificado para o exercício profissio-

nal com base no rigor científico e intelectual, e pautado no prin-

cípio ético, deverá ser formado para estudar, pesquisar, esclarecer

e intervir profissional e academicamente no contexto específico e

histórico-cultural, a partir de conhecimentos de natureza técnica,

científica e cultural, de modo a atender as diferentes manifestações

e expressões da Atividade Física/ Movimento Humano. (p. 3).

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Complementa esse parecer, ainda no mesmo item a descrição do perfil do profissional, abordando a questão do campo de atuação, de-clarando que:

É pleno nos serviços à sociedade na área da Educação Física,

nas suas diversas formas de manifestações no âmbito da cultu-

ra do movimento humano intencional, através das atividades

físicas, esportivas e similares, sejam elas formais e não formais,

tais como: ginástica, esporte, jogos, danças, lutas, artes mar-

ciais, exercícios físicos, musculação entre tantas outras. (p. 3).

Depois de algumas démarche, de idas e vindas do parecer dentro do CNE, e por ação da Secretaria de Ensino Superior - SESu/MEC, foi criada através da Portaria nº 1958 de 21 de julho de 2003 – publicada no DOU – seção 2, p. 7, do Ministro de Estado da Educação, uma Comis-são de Especialistas em Educação Física, com o objetivo de analisar e pro-por reformulações a respeito das premissas conceituais, do rol prescritivo de competências constantes do parecer CNE/CES nº 0138/2002.

Essa Comissão, composta por dois representantes da área de Educação Física na SESu, por um representante da Comissão de Es-pecialistas em Educação Física do INEP, por um representante do Sistema CONFEF/CREFs e por uma docente universitária indicada, reuniu-se e devido a algumas discordâncias sobre questões conceituais e epistemológicas existentes entre seus membros, os trabalhos tiveram que ser acompanhados por um observador externo, indicado pelo Con-selho dos Dirigentes das Instituições de Ensino Superior em Educação Física no Brasil – CONDIESEF – BR, uma vez que a decisão sobre questões pertinentes à epistemologia e a outras conceituações, estavam sendo propostas por parte de alguns dos membros da Comissão de Es-pecialistas da SESu para serem decididas através de votação sem, con-tudo, que se chegasse a um entendimento correto.

Organizada a primeira parte da proposta de parecer, foi realiza-da, na sede da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, em

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Belo Horizonte, nos dias 10 e 11 de novembro de 2003, uma reunião da Comissão de Especialistas, que por entendimento estabelecido entre seus membros, contou com a participação de dirigentes das IES; Espe-cialistas em diferentes áreas de atuação no campo profissional perten-centes a algumas Universidades e a Presidência do Conselho Regional de Educação Física da 6ª Região -CREF 6, na qual foi organizada e aprovada a proposta final sobre as Diretrizes Curriculares para a prepa-ração de Bacharéis em Educação Física.

Nesta proposta, todos os indicativos de que a Motricidade Hu-mana devesse fazer parte dos conhecimentos necessários ao Profissional de Educação Física, como objeto de estudo da área, conforme constava no Parecer CNE/CES 0138/02, foram retirados, por decisão de parte (no caso por votação) dos participantes que optaram pela adoção do termo Movimento Humano, mas serão todos esses termos relacionados adiante, na forma que estavam listados no parecer.

Assim, quando trata das competências e habilidades específicas, constava no parecer CNE/CES 0138/02, que o Graduado em Educa-ção Física deve:

Ter sólida formação nas áreas de conhecimentos que formam a

identidade do curso, que o capacite para a compreensão, aná-

lise, transmissão e aplicação dos conhecimentos da Atividade

Física / Motricidade Humana / Movimento Humano e o

exercício profissional em Educação Física com competências

decorrentes das relações com a pesquisa e a prática social;

Ter como responsabilidade disseminar e aplicar conhecimen-

tos teóricos e práticos sobre a Motricidade Humana / Ativi-

dade Física / Movimento Humano, devendo analisar esses

significados na relação dinâmica entre o ser humano e o meio

ambiente;

Ser conhecedor das diversas manifestações e expressões da

Atividade Física / Movimento Humano / Motricidade Hu-

mana, presente na sociedade, considerando o contexto histó-

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MOTRICIDADE HUMANA

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rico-cultural, as características regionais e os diferentes inte-

resses e necessidades identificados com o campo de atuação

profissional .....;

Dominar um conjunto de competências de natureza técnico-

instrumental, humana e político-social, nas dimensões que

privilegiam o saber, o saber aprender, o saber pensar, o saber

fazer, o saber conviver e o saber ser, para atuar nos campos

identificados com as diferentes manifestações e expressões da

Atividade Física / Movimento Humano / Motricidade Hu-

mana. (Parecer CNE/CES 0138/02 – p. 5).

Visando encerrar esse relato sobre o histórico das Diretrizes Cur-

riculares Nacionais para a formação de Bacharéis em Educação Física, destaca-se o que pode ser considerado como um engano significativo, pois se procedeu a retirada da possibilidade de desenvolvimento de co-nhecimentos sobre a Motricidade Humana, sem que sequer se tivesse procurado discutir a questão epistemológica que a envolve. Contudo, é interessante que se destaque que foi para os estudos e significação da própria Motricidade humana, benéfica essa retirada, uma vez que a sua manutenção sem que os participantes e toda a categoria profissional de Educação Física conseguisse entender o que é, como se desenvolve e como se poderá operacionalizá-la, principalmente na composição do programa dos Cursos de Graduação em Educação Física, certamente levaria a que fosse também a Motricidade Humana relegada a segundo plano na composição dos Programas e Projetos Pedagógicos dos Cursos de Graduação nessa área, ou seja, abandonada, colocada no ostracismo, assim como já havia ocorrido anteriormente, na própria Educação Fí-sica, em relação ao Bacharelado, modalidade formativa definida e es-tabelecida através da Resolução CFE 03/87, mas que as Instituições Superiores de Ensino que desenvolvem Cursos de Graduação em Edu-cação Física nunca se preocuparam em entendê-la, analisá-la e mesmo operacionalizá-la, centrando suas ações formativas unicamente na Li-cenciatura, formando tão somente o Profissional denominado Professor,

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mas que denominavam de Licenciatura estendida, figura não existente na legislação educacional.

Procurando contribuir para o entendimento de questões epistemoló-gicas, o Conselho Federal de Educação Física - CONFEF fez publicar em 2002, o Documento que trata da Intervenção do Profissional de Educação Física, através do qual procura disseminar junto à categoria profissional de Educação Física brasileira, quais os conceitos com que devam ser utilizados os termos: Atividade Física, Exercício Físico e Desporto / Esporte.

Assim, para melhor entendimento neste texto, apresenta-se a transcrição a seguir do termo que interessa neste trabalho, ou seja, Ati-vidade Física.

Atividade física é todo movimento corporal voluntário hu-

mano, que resulta num gasto energético acima dos níveis de

repouso, caracterizado pela atividade do cotidiano e pelos

exercícios físicos. Trata-se de comportamento inerente ao

ser humano com características biológicas e sócio-culturais.

(CONFEF, 2002, título VI).

Esse documento elaborado pelo CONFEF procurou também definir como deve ser considerada a atividade física no âmbito das in-tervenções do Profissional de Educação Física.

A atividade física compreende a totalidade de movimentos cor-

porais, executados no contexto de diversas práticas: ginásticas,

exercícios físicos, desportos, jogos, lutas, capoeira, artes marciais,

danças, atividades rítmicas, expressivas e acrobáticas, musculação,

lazer, recreação, reabilitação, ergonomia, relaxamento corporal,

ioga, exercícios compensatórios à atividade laboral e do cotidiano

e outras práticas corporais. (CONFEF .2002, título VI).

Portanto, dos conceitos sobre os conhecimentos mencionados no parecer CNE/CES 0138/02 – Atividade Física / Motricidade Huma-

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MOTRICIDADE HUMANA

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na / Movimento Humano – falta agora identificar o que se entende por Movimento Humano, que demonstre a existência de diferenças em relação aos anteriores, ou seja, da Motricidade Humana e da Atividade Física, uma vez que já se definiu, pela análise somente dos dois primei-ros acima apresentados, que não são idênticos ou iguais, e dessa forma não se justifica a utilização de barra ( / ) nas suas citações, sinal orto-gráfico utilizado na escrita para separar as palavras e que significa igual.

Como a escolha do conhecimento a ser utilizado no processo de identificação, justificação, significação e formação na Educação Física brasileira – é preciso que se considere que foi realmente escolhido (pelo voto) e não definido através de qualquer análise epistemológica - recaiu sobre o Movimento Humano, é de suma importância que se busque identificar o conceito que apresenta. Assim, conceitua-se como: “Mo-vimento Humano, uma sequência sistematizada de exercícios físicos, definida a partir de um objetivo, estabelecido de fora para dentro, isto é, independe de intencionalidade operante do próprio indivíduo pratican-te, uma vez que lhe é imposto segundo programação desenvolvida com fins específicos a serem alcançados”.

Percebe-se que com essa conceituação, sua utilização favorece a busca de resultados expressivos, definidos através de tabelas e ranquea-mentos de resultados físicos e ou esportivos, podendo representar uma condição de superação, contudo, não opcional do próprio indivíduo, mas estabelecida através de processos de referenciais sócio-produtivos, muito utilizados em negócios, tornando o indivíduo praticante, apenas o veículo de consecução de resultados que geralmente estão vinculados a outras finalidades, que não o desenvolvimento de cultura, saúde, valo-rização do ser humano e benefícios sócio-biológicos.

Destaca-se que diferentemente do automobilismo, que apesar do extremo profissionalismo e da incessante experimentação de novas tec-nologias, no qual os resultados alcançados vêm sempre em benefício da sociedade, pois interferem no processo de melhoria de condições de resistência mecânica, segurança veicular e refinamento tecnológico dos veículos automotores, no caso aqui referenciado, ou seja, dos esportes

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de alto rendimento, a situação se apresenta de forma invertida, pois to-dos os procedimentos acabam levando a riscos enormes não só para os atletas, mas principalmente para a sociedade, uma vez que os métodos utilizados, a tecnologia desenvolvida, que está mais em materiais e me-dicamentos, acabam proporcionando bons resultados enquanto negócio e não como procedimentos utilizáveis visando a melhoria da qualidade de vida das pessoas.

Em razão dessa condição, é possível que se possa desenvolver o seguinte raciocínio visando à implementação de conhecimentos especí-ficos mais adequados à preparação de profissionais para atuarem com a ainda denominada Educação Física.

Inicialmente a atividade física, como todo movimento corporal voluntário humano que o indivíduo executa acima dos níveis de repou-so, o que lhe permite relacionar-se com seu ambiente de forma natural, servindo-se das suas características biológicas e sócio-culturais, possi-bilitando que vivencie as possibilidades e necessidades do cotidiano, deve ser estudada, contudo, certamente não representando o objeto de estudo específico que deva ser isolado para estudos do Profissional de Educação Física.

Mesmo quando o indivíduo executa algum tipo de atividade físi-ca com certo grau de intencionalidade, como se mover ou andar visando melhor adaptabilidade orgânica funcional, mas que, contudo, para isso não necessita de referenciais mais científicos, sistematização tecnoló-gica ou qualquer outro procedimento instrucional específico, apesar de representar um universo importante e interessante para o estudo e desenvolvimento dos conhecimentos específicos dos profissionais de Educação Física, acaba esse tipo de atividade física não configurando o conhecimento que deva ser isolado como o objeto de estudo único nessa profissão.

Já o Movimento Humano, conforme conceituação descrita aci-ma, pode ser considerado como conhecimento, conteúdo, procedimen-tos técnicos interessantes e importantes de serem desenvolvidos e apli-cados por profissionais altamente preparados e mesmo especializados,

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MOTRICIDADE HUMANA

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principalmente devido aos riscos que oferecem a sociedade, desempe-nhando papel importante enquanto contribuição científica e tecnológica na busca de resultados esportivos e particulares, mesmo que por vezes proporcionem certo nível de comprometimento à integridade física e mental (no caso da alteração do processo de alto estima) dos participan-tes, devendo, devido a essas razões, ser componente indispensável na preparação continuada do profissional de Educação Física, enquanto programas de cursos de especialização em treinamento, rendimento, condicionamento físico e outros de interesse da profissão e dos profis-sionais da área, mas sua utilização acaba deixando uma lacuna impor-tante na formação do Profissional nos Cursos de Graduação..

Para dar continuidade a essa discussão sobre qual o conhecimen-to que deva ser considerado como o objeto de estudo da Educação Fí-sica, sirvo-me de Tojal (1994, op. cit, p. 183).

O homem é um ser complexo e, por isso, a nossa teoria do

conhecimento há de ter em conta a complexidade humana, vi-

sível também na motricidade. Não nos é possível continuar a

sublinhar o físico ou um motor mecanicista, em detrimento da

complexidade que emerge da motricidade humana. Não mais

estudar tão-só o movimento do homem, mas principalmente o

homem, em movimento.

Por essa razão, se considera que a Motricidade Humana é virtu-alidade para ação de um ser que persegue a transcendência – entendida como desejo de ultrapassar, superar ou superar-se, ligada a intenciona-lidade operante do próprio indivíduo como condutor de sua história – como sentido último da vida. Portanto, esse movimento intencional em direção ao mais-ser é visível no desporto, na dança, na ergonomia e na motricidade terapêutica, e todas as demais atividades físicas, privi-legiando os comportamentos motores, significativamente vividos e que fazem parte de sua cultura corporal, servindo sempre como processo de instrução ou educação, permitindo-lhe que construa as estruturas

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e modelos pela sua própria vontade, mesmo que por vezes levados as possíveis generalizações como busca de rendimento exacerbado.

Necessário se faz abordar a questão de que no Brasil hoje, a Pro-fissão de Educação Física se encontra vinculada à área da Saúde, sendo mesmo regulamentada nessa área, o que estabelece que o campo de atu-ação para os profissionais é amplo e delimitado pela sua competência e comprometimento ético, caracterizando-se pela disseminação, ensino e aplicação do conhecimento sobre o homem em movimento intencional voluntário, técnicas e habilidades na busca de viabilizar aos beneficiários o desenvolvimento da consciência corporal, possibilidades e potenciali-dades de movimento, visando à realização de objetivos educacionais, de saúde, de prática desportiva e expressão corporal.

Tojal (1997) já declarava esse entendimento sobre a formação do profissional de Educação Física (Motricidade Humana).

O que entendo é que se deve formar o profissional de mo-

tricidade humana, que além de aspectos gerais da sociedade,

cultura e individualidade humanas, volte a sua preocupação

para o homem, observando suas múltiplas possibilidades de

adaptação a diferentes situações de vivência e convivência, o

que poderá ocorrer por uma das vertentes de habilitação: a

Motricidade Humana, que prepara o profissional para atuar

nos diferentes aspectos do desenvolvimento humano junto à

sociedade, à sua cultura e à natureza que o cerca. (TOJAL,

1997, p. 96).

Devido a essa condição, advoga-se que o Profissional de Educa-ção Física deve ser capaz de identificar que, pela transcendência ou su-peração, o homem torna-se sujeito e não objeto da história e, portanto, as relações a serem resgatadas pelo Profissional devem privilegiar, no biológico, a atenção, a estrutura, o funcionamento e as possibilidades do corpo do indivíduo; no social, a dinâmica da sociedade, a condição de estrutura e herança cultural e o sistema de valorização da sociedade, no

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MOTRICIDADE HUMANA

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sentido da eficácia individual; na natureza, as diferentes possibilidades de criação e adaptação a determinada cultura em relação ao meio e ao clima, enfim, esse profissional deverá conhecer todas as possibilidades de desenvolvimento do homem, suas condições física e emocional, prin-cipalmente diante de condições e situações diferentes e inusitadas.

Portanto, considera-se que todas essas qualidades sendo desen-volvidas como conhecimentos da área de formação do Profissional de Educação Física, permitirão que o mesmo consiga elaborar diagnósti-cos mais seguros, facilitando sua adaptação e adequação com competên-cia junto ao mercado de trabalho, principalmente no campo da saúde, devendo assim, conseguir atender não mais somente a crianças e atletas, mas a toda infinidade de necessidades das pessoas de qualquer idade e condições corporais, visando proporcionar-lhes melhores conhecimen-tos e cultura suficiente para adoção de um estilo de vida ativo.

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MOTRICIDADE HUMANA

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Para o homem, o absoluto é o mundo e o corpo. Mundo, porque dele deriva tudo e sem o qual nada do humano seria o que é. Corpo, porque, antes do conhecimento, está a existência da carne-espírito, do concreto-abstrato. Todas as teorias, todas as fantasias, todas as ações e as intenções, as alegrias e as tristezas, os sucessos e os fracassos, tudo não pode prescindir do mundo e do corpo. Mais precisamente, tudo do humano é possível por causa da existência do mundo e do corpo e deles não se dissocia.

Assim, se tomarmos o significado da filosofia primeira como a busca dos primeiros princípios de todo o ser, o mundo e o corpo são as categorias primeiras da metafísica humana. É neles que se encontra o princípio da existência humana. No entanto, apesar desse fato se evi-denciar como existência, não se confirma como interesse. O homem, preso a planos políticos e econômicos de um sistema social que se sus-tenta pela rapinagem, tem maltratado a Terra como alguém que sem consciência se autopune, punindo a espécie.

Se não há cuidados com a Terra, também não há cuidados com o corpo. Mas o desinteresse com o corpo é mais antigo. Em determinado

MUNDO, CORPO E FRAGMENTAÇÃO

Ricardo Melani

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MOTRICIDADE HUMANA

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momento, passou-se a entender o corpo como algo que representaria o ser humano. O ser, a essência humana, estaria por trás ou acima do cor-po, como mente, como alma, como espírito. O corpo que é passou, para o entendimento, a ser apenas expressão física do que não é. O corpo seria o não-ser que esconde o verdadeiro ser. Como esse acontecimento foi possível? Que operação se efetivou, para que o corpo passasse de protagonista a coadjuvante e deste para carcereiro do verdadeiro ser?

A SEPARAÇÃO DO CONHECIMENTO E A ONTOLOGIZAÇÃO DO SUPRA-SENSÍVEL

Já em Parmênides o divórcio do conhecimento sensível e co-nhecimento inteligível estava presente de maneira incipiente. Para esse eminente pré-socrático, o caminho da verdade só poderia se realizar pelo pensamento. É no pensamento que se pode encontrar o que é das coisas, a essência, o que não muda e pode ser apreendido. Os sentidos aprendem apenas a aparência, o fugaz, o que muda incessantemente, e, por isso, não pode ser afirmado, porque no ato da afirmação já não é; e o que não-é não pode ser conhecido. Antecipando os princípios da con-tradição e da identidade1, Parmênides advogou que os sentidos estão, de alguma maneira, presos às opiniões comumente admitidas sem funda-mento, estabelecidas arbitrariamente, que podem, portanto, parecer de um modo e no instante seguinte podem vir a ser de outro. Tal conheci-mento instável e efêmero é contingente, dependente das circunstâncias. A via da verdade seria o pensamento puro, que se afasta da percepção sensorial e cujo desenvolvimento só está subordinado aos ditames dos argumentos lógicos. A essência do ser só pode ser atingida por essa via, pois só o pensamento pode atingir o imutável, o uno, o indivisível e o pleno do ser.

1 Princípio da identidade: o que é; princípio da contradição: uma coisa não pode ser e não-ser ao mesmo tempo.

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mundo, corpo e fragmentação

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A ideia de que os sentidos têm caráter ilusório já estava con-substanciada em Parmênides. Mas foi em Platão que tal ideia se alçou em sistema. A compreensão de que os sentidos são enganosos ou que apreendem uma realidade fugaz e aparente é um dos alicerces da teoria platônica das ideias.

E com referência à aquisição do conhecimento? O corpo

constitui ou não constitui obstáculo, quando chamado para

participar da pesquisa? O que digo é o seguinte: a vista e o

ouvido asseguram aos homens alguma verdade? Ou será certo

o que os poetas não se cansam de afirmar, que nada vemos

nem ouvimos com exatidão? Ora, se esses dois sentidos cor-

póreos não são nem exatos nem de confiança, que diremos dos

demais, em tudo inferiores aos primeiros? Não pensas desse

modo? (FEDÃO, 65-b)

No diálogo Fedão, pela voz de Sócrates, Platão não só afirma o corpo e os sentidos como enganosos, mas como obstáculos à verdade. Disso se depreende a necessidade, para atingir a verdade, do afastamen-to do corpo.

O pior é que, mal conseguimos alguma trégua e nos dispomos

a refletir sobre determinado ponto, na mesma hora o corpo in-

tervém para perturbar-nos de mil modos, causando tumulto e

inquietude em nossa investigação, até deixar-nos inteiramente in-

capazes de perceber a verdade. Por outro lado, ensina-nos a expe-

riência que, se quisermos alcançar o conhecimento puro da coisa,

teremos de separar-nos do corpo e considerar apenas com a alma

como as coisas são em si mesmas. (IDEM, 66-d, e)

Como se sabe, na Teoria das Ideias de Platão, há duas realidades: a sensível e a inteligível. Na primeira instala-se o movimento, o perecí-vel, o mundano, o impermanente, enfim a multiplicidade. A realidade

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MOTRICIDADE HUMANA

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sensível é composta por duas seções: a das sombras (cópias, imagens, reflexos) e a dos seres vivos e objetos. Assim, o corpo, com sua carne e sangue, com sua materialidade, com sua possibilidade de apreensão sensível de cor, de forma, de peso, permaneceria nesse campo, cujo co-nhecimento se restringiria à aparência, o que pode ser percebido pelos órgãos dos sentidos.

Partindo do pressuposto que da multiplicidade não se pode conse-guir conhecimento verdadeiro, conhecimento da essência, pois a essência deve ser una e fixa, Platão revelou o limite da investigação dos pensadores anteriores a ele, que se restringiam ao estudo da natureza e que a explicavam pela eleição de uma matéria primordial. Ora, segundo Platão, a verdadeira causa da matéria não pode ser explicada pela matéria.

...já cansado de considerar as coisas, houve que era preciso

precatar-me para não acontecer comigo o que se dá com as

pessoas que observam e contemplam o Sol quando há eclipse:

por vezes perdem a vista, se não olham apenas para a imagem

dele na água ou nalgum meio semelhante. Pensei nessa possi-

bilidade e receei ficar com a alma inteiramente cega, se fixasse

os olhos nas coisas e procurasse alcançá-las por meio de um

dos sentidos. Pareceu-me aconselhável acolher-me ao pensa-

mento, para nele contemplar a verdadeira natureza das coisas.

(IDEM, 99e-100a)

Platão dá início ao que o próprio pensador chamou de segunda navegação. Assim como os marinheiros, quando não há vento, têm de navegar utilizando os remos (navegação mais cansativa e exigente); a investigação que busca as causas primeiras, a verdade, tem de abdicar dos ventos das sensações e tomar os remos dos raciocínios e dos postu-lados. É sobre eles, os raciocínios e os postulados, que é fundado o novo método de investigação.

O que verdadeiramente é, o ser, a essência, não pode ser visto pelos olhos do corpo, pois a causa primeira é inteligível e, portanto, não

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pode ser apreendida pelos órgãos dos sentidos. A tentativa de explicar a natureza das coisas materiais pelas coisas mesmas é vã. O inteligível só pode ser investigado pelo inteligível, pelo pensamento. Só os olhos do espírito podem ver os princípios primeiros.

Para Platão, é na realidade inteligível que se encontram as causas primeiras das coisas, as formas. As formas são unas, incorpóreas, plenas e têm uma realidade por si, ou seja, sua existência não depende de outro ser, como é o caso da sombra, da cópia ou do reflexo. Ainda mais: do ponto de vista da existência, a realidade sensível depende da realidade inteligível. A realidade material é composta de coisas que são cópias im-perfeitas dos modelos inteligíveis. É a unidade da forma que possibilita a multiplicidade sensível.

Nessa compreensão, o corpo é um ser imperfeito que depende ontologicamente de um ser fora dele. Ou seja, a existência do corpo-físico é dependente da existência da forma-ideia corpo. Do ponto de vista do conhecimento, como já foi visto, a teoria platônica também não é condescendente com o corpo. Como o que é só pode ser atingido ple-namente no campo do inteligível, a apreensão do que verdadeiramente é não pode ser feita pelo corpo e pelos sentidos, mas por algo que também é inteligível: a alma. A dialética da alma permite que alguns compre-endam a realidade inteligível e conheçam ou relembrem as essências incorpóreas.

Dito de outra maneira, a Teoria das Ideias de Platão não só es-tabeleceu um divórcio entre a realidade visível e a realidade inteligível, mas também instituiu uma hierarquia existencial e outra cognitiva. Do ponto de vista ontológico, o mundo sensível só existe, porque existe o modelo no mundo inteligível. Enquanto o modelo, a forma, existe por si. A forma é uma realidade que não depende de nenhum outro ser. Dessa concepção advém o caráter subalterno de todas as coisas visíveis e, dentre elas, do corpo humano.

Assim, libertar a alma, para que ela possa evoluir em seu conheci-mento, significa deixar de lado as necessidades corporais. É nessa medida que, para Platão, o corpo é uma prisão para alma. As necessidades da carne

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e do sangue, as necessidades instintivas, desviam do caminho que leva ao essencial, que se encontra, como já foi dito, na realidade inteligível.

Nesse entendimento, o conhecimento também é hierarquizado. A alma poderá evoluir do conhecimento mais rudimentar, que é o da suposição, ao essencial, que é o da forma. Evidentemente que para Pla-tão o conhecimento verdadeiro está no último estágio, porque é perma-nente e eterno, enquanto a suposição é contingente, ou seja, pode ser de uma maneira ou pode ser de outra.

Aristóteles, principal discípulo de Platão, contrapôs-se à Teoria das Ideias. Ele acreditava que a duplicação de mundo que foi feita por Platão atrapalhava o conhecimento sobre a natureza e o homem. Para o estagira, as coisas que existem, os seres, podem ser conhecidas de vá-rias maneiras. O conhecimento sensível (a percepção) e o agrupamento desse conhecimento por meio da memória (experiência) são as portas de entrada da evolução cognitiva: o conhecimento científico. O conhe-cimento científico é um conhecimento superior ao da experiência sensí-vel, porque busca as causas da existência das coisas e das relações entre fenômenos presentes na natureza e na sociedade humana. Além disso, ele é universal, tem um caráter de necessidade – é assim e não pode ser diferente, portanto, é eterno – e é demonstrativo. Para Aristóteles, a de-monstrabilidade do conhecimento científico era tão importante que ele criou um instrumento para demonstrar e provar as afirmações da ciên-cia: a lógica. Por meio de argumentos válidos, que obedecem as regras e os princípios da lógica, pode-se explicar ou explicitar o conhecimento das várias ciências, as quais se reportam aos três grandes ramos do co-nhecimento científico instituídos por Aristóteles: teorético, voltado para o conhecimento em si; prático, voltado para a ação e o aprimoramento ético; e produtivo, voltado para a produção de objetos.

Embora Aristóteles ressalte a importância do conhecimento sen-sível, que não seria um conhecimento enganoso, mas apenas limitado; embora ele destaque o processo empírico como caminho válido para o conhecimento e, portanto, valorize os órgãos dos sentidos e a percepção; apesar disso tudo, Aristóteles não se afastou de seu mestre em relação à

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necessidade de se empreender a segunda navegação. Aristóteles, talvez de maneira ainda mais consequente, buscou estabelecer uma metafísi-ca que revelasse o supra-sensível. Tanto é assim, que, ao hierarquizar as ciências, Aristóteles toma como ápice do conhecimento o estudo da filosofia primeira ou teologia, ciência que trataria dos primeiros princí-pios de tudo o que existe. Esses princípios seriam eternos e imutáveis, por isso seu caráter divino. A busca pelos primeiros princípios leva ao primeiro de todos, à doutrina do Motor Imóvel.

No primeiro Aristóteles destaca-se inclusive um componente místico-religioso-escatológico que pode ser exemplificado na relação estabelecida por Aristóteles entre alma e corpo. Só a vida da alma sem o corpo é aquela conforme a sua natureza, conforme a sua finalidade, porque, no mundo do corpo, a alma esqueceria das coisas do além. A vida da alma no corpo é uma espécie de suplício:

E deriva também ser verdade o que se encontra em Aristóte-

les, isto é, que somos sujeitos a um suplício análogo ao daque-

les que em outros tempos, quando caíam nas mãos dos piratas

estruscos, eram mortos com calculada crueldade: os seus cor-

pos ainda vivos eram amarrados a cadáveres, fazendo combi-

nar com a máxima exatidão possível, frente a frente, as várias

partes. Assim as nossas almas estão unidas aos corpos, como os

vivos são amarrados aos mortos2.

Se em Platão a alma é definida como a causa da vida3, que man-tém e movimenta a natureza de todo o corpo4, em Aristóteles, a alma é definida como substância (essência) formal do corpo. No caso do ser humano, a faculdade ou função da alma que o distingue dos outros animais é a racional.

2 Agostinho, Constr. Julian. Pelag, IV, 15, 78. In: Giovanni Reale. História da Filosofi a Antiga. v. 2 São Paulo: Loyola, 1994, p. 330.

3 Crátilo, 399d.4 Idem, 400ª.

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Na Idade Média, a metafísica deixa de ser o estudo de todos os seres, como pretendia Aristóteles, e passa a ser o estudo de um único ser, Deus, e de ideias, noções ou conceitos correlatos. A filo-sofia se interpenetra com a Teologia e tem como um de seus focos centrais de interesse a imortalidade da alma e a relação desta com o corpo.

De um modo geral, nas concepções cristãs, o corpo permanece ou como um entrave de desenvolvimento do homem ou como um sócio menor na composição do ser humano. Muitas vezes, o corpo é entendi-do como espaço de corrupção humana, de cujas vontades se originam os pecados.

CORPO EXTENSO

Descartes, que é um marco da filosofia moderna, tem como pressuposto central de seus estudos o dualismo entre corpo e alma. Ao buscar fundamento para um conhecimento científico seguro, institui a dúvida como método para encontrar a verdade. Nesse caminho, Des-cartes encontra sua primeira certeza no ser pensante; e caracteriza o conhecimento sensível como duvidoso. Temos de duvidar dos sentidos, porque em várias ocasiões eles nos enganam e, portanto, não são a via de um conhecimento seguro. Já o pensar, mesmo que pensemos de ma-neira errada, a cogitação, a ponderação, o raciocínio evidenciam a nossa existência: cogito ergo sun.

Porque, examinando o que somos, nós que pensamos agora

que nada há fora do pensamento que seja verdadeiramente ou

que exista, concebemos, claramente, que, para ser, não temos

necessidade de extensão, de figura, de estar em qualquer lugar,

nem de nenhuma outra coisa que se possa atribuir ao corpo, e

que somos apenas porque pensamos. Por conseguinte, a noção

que temos de alma ou de pensamento precede a que temos de

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corpo, e é mais certa, visto que ainda duvidamos que haja no

mundo algum corpo e sabemos, seguramente, que pensamos5.

Para Descartes, no mundo criado, há dois tipos de substância, cujas naturezas são radicalmente opostas: a substância pensante, ou a mente, e a substância extensa, ou corpo. Cada uma delas tem uma pro-priedade principal. O pensamento constitui a natureza da substância pensante; a extensão constitui a natureza da substância corpórea. Todas as formas de entendimento pertencem à substância pensante, enquanto o corpo, a substância extensa, reduz-se às grandezas de comprimento, de largura e de altura. Disso decorre ser o homem uma coisa pensante:

Sou uma coisa verdadeira e verdadeiramente existente. Mas

que espécie de coisa? Já o disse, uma coisa pensante. E que

mais, além disso? Exercitarei a minha imaginação: não sou

aquele agregado de membros a que se chama corpo humano6.

Se o homem é uma coisa pensante, o que é o corpo humano? Para Descartes, a única ideia clara e distinta que se pode formar dos corpos é que eles são substâncias extensas e isso vale para o cor-po humano. Assim se estabelece um divórcio insuperável entre as duas substâncias do mundo: de um lado, a substância pensante (ou mente); de outro, a substância extensa (ou corpo). Mente e corpo são dissociados em duas realidades diferentes. O antigo problema da relação entre corpo e alma é um problema que assumiu nova perspectiva para o pensamento moderno a partir de Descartes. Esse problema não foi resolvido por Descartes, embora o filósofo tivesse consciência dele e tentasse amenizá-lo.

Para alguns estudiosos, Descartes teria iniciado uma virada na filosofia que colocaria o sujeito no centro do conhecimento, vi-

5 DESCARTES, Princípios da Filosofi a, Guimarães Edidotes, 1989, p. 576 ______. Meditações sobre a Filosofi a Primeira. Coimbra. Livraria Almei-

dina, 1192. p. 123.

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rada esta que seria completada e sistematizada por Kant por meio de sua revolução na teoria do conhecimento. De qualquer maneira, para o propósito deste texto, o importante a destacar é que no dua-lismo cartesiano, o corpo é compreendido como algo que o ser hu-mano não é, porque o ser humano é uma coisa pensante e não uma coisa extensa. Toda a existência humana, bem como a capacidade de conhecer, está no ser sujeito-cognoscente, na possibilidade do homem conhecer pelo pensamento. O corpo enquanto substância física-extensa é algo alheio à nossa essência.

Assim a concepção cartesiana apresenta e acentua duas cisões: a que existe entre conhecimento sensível e conhecimento intelectual; e a entre sujeito e objeto. No caso da primeira, que como foi visto já estava presente nos momentos iniciais do pensamento racional, há uma radicalização. Para Descartes, mesmo o conhecimento sensível, que é realizado pela afetação dos órgãos dos sentidos do corpo, tem sua possibilidade dependente da participação da alma. Até mesmo o engano dos sentidos só pode existir porque a substância extensa é vivificada pela substância pensante. O pensamento é a condição para a representação sensível. É nesse sentido que o corpo é apenas “um agregado de membros”.

No caso da relação entre sujeito e objeto, só há certeza de exis-tência no e do pensamento e, portanto, no e do sujeito. O eu-penso é fundante de todo o conhecimento e sua existência depende dele mesmo. Já a existência do objeto externo ao sujeito é em um primeiro momento duvidosa; ou dito de outra forma, não há certeza de sua realidade exis-tencial. Quando eu sinto, eu o faço porque represento algo na mente, portanto, penso que sinto. Independentemente de meu representar-sen-tir ser ou não correspondente ao objeto externo, ao fazê-lo – ao pensar – tenho certeza da minha existência, pois penso que sinto, logo existo. Mas não há garantia nenhuma da existência ou de um conhecimento seguro do objeto exterior a mim. Não há garantia de um objeto exterior ao pensamento - o que inclui o corpo de quem pensa, que também é um objeto externo ao pensamento.

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O SENSÍVEL SUBORDINADO À RAZÃO

A concepção racionalista de Descartes sofreu oposição no campo da ciência e no da filosofia. Newton, ao desenvolver sua teoria mecâni-ca, estabeleceu ao mesmo tempo um novo modelo de ciência para a Era Moderna. Na ciência newtoniana a observação ocupava um lugar de destaque. A teoria mecânica de Newton se estabeleceu a partir de um conjunto de colaborações de diversos cientistas e filósofos dos séculos XVI e XVII. Entre eles, podem ser destacados Copérnico, Kepler e Galileu. Com a colaboração cumulativa e o sucesso técnico-científico – sucesso tanto das teorias explicativas da natureza, quanto do avanço na invenção de máquinas e instrumentos para as mais diversas necessida-des -, foi se evidenciando uma nova maneira de fazer ciência. Nela con-formava-se como fundamento comum a todas as iniciativas científicas o predomínio da linguagem matemática, da observação e da verificação experimental. Nas palavras de Newton:

Como na matemática, assim também na filosofia natural, a in-

vestigação de coisas difíceis pelo método de análise deve sem-

pre preceder o método de composição. Esta análise consiste

em fazer experimentos e observações, e em traçar conclusões

gerais deles por indução, não se admitindo nenhuma objeção

às conclusões, senão aquelas que são tomadas dos experimen-

tos, ou certas outras verdades (...) Este é o método de análise;

e a síntese consiste em assumir as causas descobertas e estabe-

lecidas como princípios, e por elas explicar os fenômenos que

precedem delas, e provar as explicações7.

Ou seja: 1. A ciência se inicia pela observação; 2. Por meio de raciocínio indutivo, chega-se a leis e teorias gerais (generalização da

7 NEWTON. Óptica. In: Os Pensadores. São Paulo, Nova Cultural, 1996. p. 297-298.

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observação); 3. Em tais leis não se pode induzir nada que não advenha direta ou indiretamente da observação; 4. A partir das leis e teorias as-sim estabelecidas, explicam-se os fenômenos; 5. As experimentações e os argumentos dedutivos podem provar essas explicações.

Essas cinco asserções extraídas do trecho de texto de Newton são uma espécie de sumário do modo novo de fazer ciência, o moder-no, a partir da bem-sucedida teoria mecânica. É evidente que o novo método científico em contraposição ao antigo método axiomático – que partia de princípios não demonstrados e estruturava o conhecimento de maneira dedutiva – tem como fundamento a experiência sensível, a observação que é feita por meio dos órgão dos sentidos. Nesta medida, pode-se entender que há nesse período uma re-significação do conheci-mento sensível e, por consequência, do corpo. Mas tal conclusão seria simplismo.

A teoria newtoniana desvelou o mundo. A partir dela, todas as pessoas com o uso da razão poderiam compreender a natureza, o movi-mento terrestre e o movimento dos astros. No Renascimento o homem e sua capacidade de conhecimento já haviam sido colocados no centro de atenção da filosofia humanista. Com dois séculos de sucesso cientí-fico, a razão foi hipostasiada. O homem acreditou que a razão poderia explicar toda a realidade e que toda realidade deveria submeter-se aos ditames da razão. As outras linguagens explicativas ou ordenadoras da realidade, a linguagem mítica, religiosa, a do senso comum, e mesmo a artística, foram tomadas como falsas ou impróprias para revelar a re-alidade. Mais: o programa iluminista, que tomou corpo no século se-guinte, o Século da Luzes, vinculou o bem-estar da humanidade e a sua felicidade ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia. O progresso científico e tecnológico traria a melhoria das condições de vida, a felici-dade e, ao mesmo tempo, o afastamento da magia e do misticismo.

É dentro dessa lógica do império da razão que se deve compre-ender o empirismo. O empirismo é uma expressão genérica que nomeia as teorias de conhecimento ou as concepções que advogam que todo co-nhecimento advém da experiência sensível. Se fossemos mais precisos,

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deveríamos falar de empirismos, dadas as grandes diferenças entre as teses dos principais empiristas – por exemplo Locke, Hume e Berkeley. De qualquer maneira, o que se pode afirmar com muita reserva é que entre os empiristas há em comum a tentativa de vincular o conheci-mento à experiência sensível e de negar a existência independente de qualquer conhecimento exterior a esta.

Contrariamente aos racionalistas e aos inatistas, Locke advogava que as ideias têm sua origem na experiência. A mente seria uma espécie de tábula rasa na qual seriam impressas as ideias adquiridas por meio das sensações. A sensação externa, das coisas que existem fora de nós, possibilita a sensação interna, ou seja, o reconhecimento de operações internas de nossas mentes.

Tais operações, quando a alma começa a refletir e a conside-

rar, suprem o entendimento com outra série de ideias que não

poderia ser obtida das coisas externas, tais como a percepção,

o pensamento, o duvidar, o crer, o raciocinar, o conhecer, o

querer e todos os diferentes atos de nossas próprias mentes.8

Fica evidente que, embora a sensação externa seja elemento fundante do conhecimento, é por meio da reflexão da mente (sensa-ção interna), por meio da razão – racionalização do percebido - que se pode chegar à compreensão humana da realidade. É nessa medida que Locke contribui de maneira singular para a nova mentalidade que se firma no século XVIII. A porta de entrada do conhecimento científico são os órgãos dos sentidos, o que significa o afastamento das teorias e leis que têm como princípios explicativos elementos sobrenaturais, supra-humanos ou metafísicos no sentido medievo. Por outro lado, essa apreensão sensitiva, para se constituir em ciência, deve passar por trata-mento racional – indutivo e dedutivo. Assim, o corpo é uma espécie de

8 LOCKE. Ensaio acerca do entendimento. In: Pensadores. e ed. São Paulo, Abril, 1978, p. 160.

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instrumento necessário para o desenvolvimento racional. Porém, a ra-zão continua sendo objetivo final de todo o desenvolvimento individual. Assim, a educação corporal ou educação física, que já no nome teste-munha a visão fragmentária de homem9, é uma espécie de pressuposto para a educação do caráter e da mente, que são, para Locke, os objetos primeiros de toda educação.

O ideal de Locke é adquirir progressivamente um domínio

completo do corpo e das paixões até convertê-los em dóceis

instrumentos da razão.10

A visão sobre educação física nos tempos modernos é inaugurada sob a ótica da fragmentação, na qual o corpo é entendido como um ins-trumento a serviço da razão. O corpo é o “vaso de argila” sobre o qual se ergue o homem moral e racional.

O CORPO COMO OBJETO DE CONSUMO

Em certa medida, a história do pensamento ocidental é a histó-ria da visão fragmentária. Na sucinta exposição deste texto, pôs-se em evidência diversas dicotomias que vão conformando a ideia de corpo da Idade Moderna e na Idade Contemporânea. Relembrando: conheci-mento sensível e conhecimento intelectual; essência e aparência; sujeito e objeto; mente e corpo; razão e sensação.

O capitalismo se estabeleceu e se desenvolveu, instituindo a so-ciedade de massa e de consumo sob os auspícios dessa visão e poten-cializou a fragmentação como ninguém poderia imaginar. A compreen-são de que o corpo é um elemento estranho à essência do ser humano

9 Pois se há uma educação físcia é porque se acredita também em uma edu-cação intelectual; ambas no ato de suas designações divorciadas entre si.

10 ABBAGNANO, N.; VISALBERGHI. História de la pedagogia. México: Fondo de Cultura Econômica, 2003, p. 344.

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ajudou a fazê-lo objeto de consumo, talvez a principal mercadoria da sociedade capitalista.

Já na obra O capital, Marx afirmava que, no sistema capitalista, as mercadorias parecem ter vida própria e se relacionar entre si11. Isso aconteceria porque elas encobrem as características sociais do próprio trabalho humano. O raciocínio desenvolvido por Marx é o seguinte:

a) o valor de uma mercadoria é determinado pelo trabalho so-cialmente incorporado nessa mercadoria – o tempo despendi-do em sua produção;

b) é exatamente o tempo despendido na produção das mercado-rias e incorporado em seu valor que possibilita a troca entre elas. Mercadorias diferentes têm em comum o dispêndio de tempo de trabalho;

c) no processo de troca, diferentes trabalhos são igualados de acordo com uma qualidade comum – são trabalho humano;

d) o valor de uma mercadoria não revela o que ela é. Ao contrá-rio, ele encobre o fundamento de sua própria criação social. As mercadorias parecem ter vida própria, independente da ação humana;

e) na forma de mercadorias, os objetos produzidos passam não só a ser alheios aos produtores, como também a determinar as ações desses produtores nas relações do mercado.

O caráter misterioso que o produto do trabalho apresenta ao

assumir a forma de mercadoria donde provém? Dessa própria

forma, claro. A igualdade dos trabalhos humanos fica disfar-

çada sob a forma de igualdade dos produtos do trabalho como

valores; a medida, por meio da duração, do dispêndio da força

humana de trabalho; finalmente, as relações entre produtores,

11 Utilizo neste trecho algumas ideias e argumentos que estão presentes em meu escrito Corpo, objeto de consumo publicado na revista Discorpo 13.

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nas quais se afirma o caráter social de seus trabalhos, assumem

a forma de relação social entre produtos do trabalho. A merca-

doria é misteriosa simplesmente por encobrir as características

materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos do tra-

balho; por ocultar, portanto, a relação social entre os trabalhos

individuais dos produtores e o trabalho total, ao refleti-la como

relação social existente, à margem deles, entre os produtores

do seu próprio trabalho. Através dessa dissimulação, os pro-

dutos do trabalho se tornam mercadorias, coisas sociais, com

propriedades perceptíveis e imperceptíveis aos sentidos.12

Como o ser humano não se reconhece em seu produto, não re-conhece a sua ação, a mercadoria parece ter vida própria. A mercadoria torna-se algo alheio ao homem que a produz. É essa alienação a base do animismo da mercadoria. Para que a mercadoria desempenhe sua magia, o divórcio entre a ação e o produto da ação deve se consumar.

Mas como o corpo, que é algo intrínseco ao ser humano, pode tornar-se uma mercadoria? Como ele pode tornar-se algo alheio? Como ele pode tornar-se um objeto de consumo?

A distinção entre conhecimento sensitivo e pensamento e entre corpo e mente são pressupostos da alienação corporal. Foi essa frag-mentação e a utilização do homem como instrumento no processo de produção capitalista que tornaram o ser humano, e em especial o corpo, uma coisa. A coisificação do corpo se desenvolveu em um processo que negou sua natureza a partir da subordinação ao ordenamento da razão instrumental e pragmática. Com a divisão de trabalho exacerbada, em vez do corpo ser entendido como essência de uma unidade, ele é utiliza-do como um objeto dentro da cadeia de ações voltadas para a produção de mercadoria. Nesse aspecto não é mais o ser humano que utiliza os instrumentos para a fabricação de algo, é o próprio homem o objeto que é utilizado. Um objeto, sim, pois nem mesmo o planejamento, que é

12 MARX, Karl. O capital. Livro primeiro, p. 80-81.

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uma das características centrais do trabalho humano, está presente nos movimentos repetitivos de um trabalhador.

O corpo-objeto-coisa pode participar do mundo objetivo das tro-cas e sua realidade passa a ser determinada pelos interesses do sistema social. A fragmentação permite que o corpo se transforme em objeto de consumo. Mas há um outro aspecto que deve ser destacado para o entendimento de todo esse processo. A mercadoria corpo obedece à lógica do sistema. O corpo é sempre compreendido de acordo com as necessidades de consumo. Não se trata, porém, de um corpo real, mas de modelos aos quais a realidade corporal deve se ajustar. O corpo-ideal estimula o indivíduo ao consumo de bens que prometem aproximá-lo do modelo. Como se trata de algo ideal o corpo real nunca alcançará a forma do corpo-ideal. O fracasso gera angústia. A angústia, por sua vez, realimenta a necessidade de consumo. Trata-se de um círculo que gera necessidades de consumo de toda ordem.

Guiado pelo ideário da razão instrumental, o corpo é esquarteja-

do. Suas partes são cobiçadas como objetos independentes. Bus-

ca-se possuir determinado tipo de traseiro, conquistar um modelo

abdominal, alcançar pernas idealmente roliças ou formas de peitos

impostas pelo imaginário social. A alienação corporal chegou a

tal ponto que o elogio a uma prótese de silicone implantada em

alguma parte do corpo para satisfazer a necessidades estéticas

criadas envaidece o sujeito portador do artifício. É o “eu”, a coisa

pensante que está sendo elogiada, porque dá provas de ser senhor

da natureza corporal a ponto de substituir partes do corpo e “tor-

ná-las melhores”, mais de acordo com os propósitos da sociedade

de consumo. Aparentemente, a natureza se curva ao fascínio das

formas perfeitas da razão instrumental-consumistas. Nesse pro-

grama, não há diferença entre um corpo e um carro. Ambos são

objetos a serem consumidos. Ambos podem estar “turbinados”.

Essa lógica se estende às academias. Em geral, o que se com-

pra em uma academia é a possibilidade de utilização de apare-

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MOTRICIDADE HUMANA

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lhos para se atingir determinados objetivos preestabelecidos a

partir de modelos corporais.13

Essa lógica está presente no mercado de drogas para o emagreci-mento ou para a rápida hipertrofia muscular. Para atingir o corpo-mo-delo, paga-se a agressão e a anti-saúde do corpo. Por isso, as cirurgias de “correção” ou implantação de prótese são cada vez mais corriqueiras. A relação do ser humano com o seu corpo é cada vez mais doentia. O imperativo da coisa pensante determina a instrumentalização da coisa extensa e a comercializa.

Essa lógica também está presente nas competições esportivas de alto rendimento, que se transformaram em espetáculos-mercadorias. Nelas, o corpo é um instrumento a serviço do desempenho esportivo. O desempenho é a régua de toda medida. Os índices se sobrepõem a tudo. Os atletas são submetidos a sobrecargas intensas e repetitivas que com frequência provocam lesões momentâneas e mesmo sequelas para toda a vida. O corpo, entendido como máquina, é degradado. O atleta se submete à tortura corporal em nome da vitória, da marca desportiva ou do sucesso financeiro.

RE-SIGNIFICAÇÃO DO CORPO COMO UNIDADE

A crescente atenção dada ao corpo e as atividades físicas no mun-do contemporâneo não aponta para uma re-significação do corpo. Ao contrário, há um aprofundamento da subjugação do corpo aos princí-pios da razão instrumental. Um novo olhar sobre o corpo implicaria, em primeiro lugar, re-significação da razão técnica; em segundo, recolocar o problema do corpo como uma unidade de múltiplas expressões; e, em terceiro, estabelecer uma nova relação entre corpo e mundo – corpo,

13 Corpo objeto de consumo, Discorpo 13, p. 49.

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sociedade e natureza. Afinal, o homem astuto que domina a natureza externa é o mesmo que tem sua natureza interna dominada. Afinal, o homem que se domina é o mesmo que busca dominar o outro. Um ser assim é um ser entre-intra-domínios.

Em certa medida, pode-se dizer que Manuel Sérgio, desde que elaborou14, e vem re-elaborando, o conceito de motricidade humana, tem apontado o caminho da re-significação do corpo e do movimento humanos. Contra a corrente fragmentária hegemônica, o conceito de motricidade é estabelecido a partir da visão da unicidade e complexi-dade humana.

A unidade, ao nível do ser, não esconde a unidade na comple-

xidade. Não há, na mulher e no homem, uma simples união

alma-corpo – há uma unidade de ser, síntese de uma comple-

xidade inimitável. E é do ser que essa complexidade ressalta. A

morfobiologia do corpo humano existe em ordem ao psiquis-

mo e à espiritualidade do ser humano. A motricidade, por seu

turno, diz-nos que o indivíduo faz-se pessoa, ou seja, ser-para-

os-outros, ser-para-o-transcendente. Só que a motricidade é

o corpo em movimento intencional, visando a superação do

nosso egoísmo, do nosso individualismo.15

Trata-se aqui de evidenciar peculiaridades do ser humano ou, dito de outra forma, distinções em relação a outros animais. A unici-dade humana não se evidencia apenas na fisiologia – na qual o cére-bro é parte do corpo e está indissociavelmente integrado como agente e receptor de informações químicas e neurais – vias de interconexão e inter-influência entre o cérebro e o restante do corpo, seja pelo sistema

14 Refi ro-me â sua luta teóricas de mais de 20 anos a favor de uma ciêcia da motricidade humana.

15 SERGIO Manuel. Alguns olhares sobre o corpo. Lisboa, Instituto Piaget, 2004. p. 26-27.

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MOTRICIDADE HUMANA

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nervoso, seja pela corrente sanguínea, mas, sobretudo na maneira como é constituída.

Essa rede de informações internas espalhada pelo corpo é cons-tituída no processo de humanização de cada indivíduo. O ser humano não nasce pronto, ele tem de se formar como elemento da espécie por meio das relações que trava em sociedade. A humanização é um pro-cesso realizado necessariamente entre pessoas, entre comunicações. Ou seja, a rede interna de informações de um indivíduo é formada a partir da rede externa de informações presente na sociedade. Assim, há uma originalidade na unicidade humana: ela é fruto da indissociabilidade de duas heranças, a biológica e a cultural-social. O homem se conforma na unidade da interação dessas duas heranças.

A motricidade, responsável primeira pela exploração do mundo, é constituinte do processo de humanização; e, ao mesmo tempo, é cons-tituída nesse processo, pois o aprendizado acontece em cada indivíduo na sua relação com um meio social determinado. Nesse fazer-se pessoa, o movimento adquire intenção16 e significado. Pode-se dizer que a ca-racterística central do movimento humano é que ele está sempre car-regado de intenção. Movimento e sentido não podem se dissociar sob pena de se perder o humano da ação motora. É por isso que as explica-ções biomecânicas do movimento humano têm importância relativa. Se essas explicações são tomadas como absolutas, cai-se no simplismo e se perde a peculiaridade humana.

A motricidade humana é um fenômeno complexo, porque não nasce pronta; porque não se restringe à reprodução de instintos; por-que é influenciada pela sociedade e, portanto, depende da contingência social; porque é uma unidade, mas tem múltiplas expressões; e porque é dotada de sentido, que pode ser construído de infinitas maneiras. Por causa de sua complexidade, ela não se deixa apreender pelas leituras dicotômicas.

16 Utilizo o termo “intenção” de maneira vulgar, nesse trecho não procuram estabelecer relação com o conceito de intencionalidade da fenomenologia – algo que Manuel Sérgio faz com propriedade.

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mundo, corpo e fragmentação

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Embora, por contingências histórico-sociais, a maioria das con-cepções ainda reflita reducionismos, o mundo-sociedade e o corpo-mo-vimento continuam sendo a nossa âncora, o nosso chão. O anterior, a base sobre a qual se erguem todas as nossas criações materiais e imate-riais. O pressuposto sem o qual nada faz sentido.

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MOTRICIDADE HUMANA

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O CORPO COMO BASE DA ÉTICA NA MOTRICIDADE HUMANA:

DIÁLOGOS COM MANUEL SÉRGIO, NIETZSCHE E MERLEAU-PONTY

Fabio ZoboliRenato Izidoro da Silva

INTRODUÇÃO À ÉTICA EM MANUEL SÉRGIO

Eu não sigo o vosso caminho, desprezadores do corpo! Vós, para

mim, não sois pontes que se encaminhem para o Super-homem!

Assim falou Zaratustra (NIETZSCHE, 2005, p. 42).

Para desenvolver nosso enunciado, devemos inicialmente consi-derar a ética como um exercício humano de reflexão acerca de todo e qualquer imperativo social moral – tu deves. Ela consiste em ser uma instância absoluta, pois aplicável a qualquer situação humana. Mais profundamente, o exercício ético possibilita ao humano avaliar sua si-tuação, logo, saber dos elementos, que o cercando, o constitui; para assim compreender e medir as possíveis causas e efeitos de suas ações. Como bem lembra Saviani (1980, p. 39), segundo as ideias de Niet-zsche, “[...] a palavra homem significa exatamente aquele que avalia”.

Portanto, para arriscarmos falar da relação entre ética, corpo e motricidade humana de qualquer ponto de vista; é imperativo realizar

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o exercício de situar eticamente a motricidade humana, para então lo-calizarmos os imperativos que vêm constituindo suas estruturas – seus deveres – no sentido da preparação do corpo para efetivação cega das moralidades modernas. Sendo ainda que, neste trabalho, a ética não se limita às funções do espírito intelectual na atividade de abstrações meta-físicas em prol da aplicação de algum sistema ético, o qual não passaria de um conjunto complexo de moralidades abstratas a serem impostas verticalmente do Estado sobre a população.

Se a ética fundamenta a reflexão acerca das ações imperativas, a vemos como um verdadeiro trabalho corporal de reflexão sobre a ação humana, onde o corpo também avalia seus riscos e seus desejos, já que a possibilidade da reflexão é localizada no liame entre realizar ou não algum imperativo moral, permitindo que o sujeito crie novas possibili-dades para além dessa dicotomia. Em outros termos, compreendemos a ética como uma verdadeira Motricidade onde o corpo também deseja em prol da realização do humano, pois se trata de um exercício que impele o corpo a pensar, resistir, medir, sentir e avaliar o preço para si e para o outro, das inúmeras possibilidades de suas ações, no intuito de canalizar sua potência para um fim bom e belo.

A moral perpassa pela doutrinação e condicionamento do físi-co em prol de algum ideal extra-humano que sucumbi qualquer tipo de avaliação das consequências objetivas para si e para o outro, por-que condiciona o corpo a cumprir com o imperativo abstrato custe o que custar, como se o próprio corpo não se importasse em sofrer. Aqui, Educação e Doutrinação Física se confundem, se misturam, se aprisio-nam de tal modo, que um dos maiores esforços da pedagogia moderna é educar sem doutrinar, tarefa até agora impossível. Quem sabe, porque o problema não parece ser apenas linguístico, mas estrutural, já que não existe Educação sem um pouco de Doutrinação e vice-versa. Enquanto que o plano da Motricidade entrega ao sujeito em sua corporeidade a assunção de seu próprio desejo em ritmo de potência, tal como concebe Nietzsche, segundo Manuel Sérgio (2003, p. 118), a ética do super-homem que diz “[...] <<eu quero>> e o querer inabalável é a razão

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da sua moral“. Em oposição à ética judaica, cristã e democrática do ocidente, que enfraquece nossa vontade de potência cuja ética “é a bio-lógica”, portanto corporal e motriz.

Em publicação anterior (SILVA; ZOBOLI, 2007), por exem-plo, analisamos que apesar da concepção da Igreja Católica Medie-val acerca do corpo – da dimensão carnal – ter feito com que os sujeitos sucumbissem à realidade corporal do pecado, bem como exaltassem seu aspecto penitente e pagador como único modo de atingir o plano divino da existência, isto é, levar a alma aos céus; vemos o corpo aparecer como elemento irredutível de ligação e de poder entre o plano terrestre e o plano divino sob o qual o sujeito está quase sufocado. É pelo corpo e através dele que o fiel demonstra e prova sua Fé e a Igreja exerce seu poder, sendo que, a representação do corpo sofrido e penitente eleva a alma a Deus, tal como fez Cristo crucificado. Lembrando que sobre isso, Manuel Sérgio (2003, p. 118) recupera a ideia de Nietzsche que concebe a moral cristã como pro-fundamente contaminada por um desejo de poder.

Não só a moral cristã, mas também toda a filosofia até então co-locava o corpo numa condição inferior e suja. Na obra “A Gaia Ciência” Nietzsche denuncia a filosofia por ter esquecido o corpo ao longo da história:

Com bastante frequência, eu me perguntei se, calculando por

alto, a filosofia até agora não foi em geral somente uma inter-

pretação do corpo e um mal entendido sobre o corpo. Por trás

dos mais altos juízos de valor, pelos quais até agora a história

do pensamento foi guiada, estão escondidos mal-entendidos

sobre a índole corporal, seja de indivíduos, seja de classes ou

de raças inteiras. (NIETZSCHE, 2001, p. 190)

Nietzsche ainda alerta pela boca de Zaratustra: “Por trás de seus pensamentos e sentimentos, meu irmão, há um senhor mais po-deroso, um guia, um desconhecido. Chama-se ‘eu sou’. Habita no seu corpo, é o seu corpo.” (NIETZSCHE, 2005, p. 26)

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Com isso, afirmamos que até mesmo no interior de sistemas filosóficos que tratam o corpo como simples objeto limitador e maléfico do espírito huma-no, a realidade corporal se faz presente de modo central e indispensável, para os ideais que o despreza se afirmarem. No exemplo da Modernidade, o Esta-do também surge como agente moralizante e doutrinador do sujeito através do corpo quando este é tratado no interior de suas instituições – Escolas, Hospitais, Presídios, Hospícios – de modo a ser enquadrado, disciplinado e controlado conforme um sistema filosófico moralizante. Veremos, portanto, que se o sujeito não passa de uma construção abstrata e ideológica segundo interesses que bus-cam sua materialização, “o corpo é o lugar último do exercício e sofrimento do poder” (SILVA; ZOBOLI, 2007).

Recuperamos, então, a crítica que Foucault (1979, p. 5) realiza sobre o grande modelo de análise dos fenômenos sócio-culturais, próprio da moderni-dade parcialmente fundamentada nas relações simbólicas, significantes, signas, semióticas e linguísticas. Pois, no seu ponto de vista, a “[...] historicidade que nos domina e nos determina é belicosa e não linguística”. Portanto, o equivoco dos medievais e dos modernos foi crer que seus símbolos moralizantes eram su-ficientes para dominar o espírito a fim de que este conduzisse o corpo. De modo que, uma matéria sólida e concreta só pode ser dirigida e modelada por outra matéria de poder igual ou superior, mesmo que esta seja em parte uma objeti-vação das possibilidades mentais. Portanto, se a linguística doutrina o espírito, a belicosidade domina o corpo em um corpo-a-corpo entre guerreiros que lutam para sobreviverem na garantia da corporeidade e da motricidade. Segundo Ma-nuel Sérgio (1999, p. 222):

O tom petulante com que se apresenta o Homem, sobrancei-

ro pela Razão à História e à Sociedade, transformou-se em

discurso mais cauteloso, porque o corpo, as grandes condutas

colectivas e o inconsciente freudiano também se entremeiam

nas manifestações da vida espiritual. Por isso, as ciências do

homem não estudam mais o Homem, como o ideal clássico o

observava. Porque o Homem é complexidade, no meu pensar:

em movimento incessante à transcendência.

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Acontece que a moral da Igreja Católica e do Estado Moderno sucumbiu à ética do corpo pela ética do espírito que protege o corpo porque depende dele para continuar vivendo mesmo que na covardia. Neste sentido, o corpo é desumanizado, pois o espírito agencia sua mor-tificação enquanto corporeidade e motricidade, para ser limitado a uma vida estática como que em estado de coma, na condição de simples casa do espírito, em vez de ser um templo fortificado de si mesmo, de suas intencionalidades em nome de sua honra1, em nome de sua ética. As-sim, vemos que a ética em Manuel Sérgio não tem outro fundamento senão o corpo humano, que epistemologicamente tráz à Educação Físi-ca uma orientação paradigmática que a nega segundo a fenomenologia de Merleau-Ponty que só pensa o corpo enquanto corporeidade na po-tência intencional da motricidade. Manuel Sérgio lembra que é “[...] facto indiscutível de o corpo ser a referência permanente, como princí-pio biológico de referência ao Mundo” (apud MAIGRE et al, 1975, p. 6)2. Dessa forma, Merleau-Ponty descentra a figura do herói metafísico enquanto referência necessária de qualquer cultura na constituição ética dos mortais que o veneram, para a figura do Homem, como uma forma

1 Manuel Sérgio (2003, p. 118) ainda destaca que na acepção de Nietzsche “[...] a honra é pagã, romana e aristocrática e a consciência é cristã, burgue-sa e democrática”. Isso quer dizer que no processo de dês-romanização e cristianização do ocidente, o humano troca a honra sustentada pela ética do corpo onde este não tenta se preservar, mas se realizar, pela vida ascética mesmo que submissa e escrava.

2 Neste ponto começa a se evidenciar que a construção da ética em Manuel Sérgio segue a retomada do corpo esquecido pelos medievais e pelos mo-dernos, a partir de suas leituras de Nietzsche (SERGIO, 2003, p. 118) e Merleau-Ponty (IDEM, 1999, p. 124) quando recuperam e constroem uma outra biologia corporal, mais carnal que teórica. Assim, o corpo que Ma-nuel Sérgio apresenta à Educação Física é muito diferente do corpo maqui-nicamente educável e doutrinável da Modernidade. Trata-se de um corpo que intenciona, deseja e sofre as conseqüências – mazelas e alegrias – de suas ações. Portanto, um corpo que avalia seus pesares segundo sua reali-dade de desejo e necessidade. Vemos surgir no horizonte um corpo ético ou uma ética do corpo.

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de tratar os fenômenos humanos no plano das essências que por muito tempo tomaram existência abstrata (apud SERGIO, 1999, p. 124).

Trilhando por essas vias, notamos que se evidencia a construção da ética em Manuel Sérgio como que seguindo a retomada do corpo esquecido pelos medievais e pelos modernos – seguindo o fluxo da cri-se dos paradigmas modernos relacionados às dimensões do humano, basicamente as da mente e as do corpo –; a partir de suas leituras de Nietzsche (SERGIO, 2003, p. 118) e Merleau-Ponty (Idem, 1999, p. 124), quando recuperam e constroem uma outra biologia corporal, mais carnal que teórica. Assim, Manuel Sérgio realiza um trabalho filosófico e epistemológico no contexto atual da Educação Física. O filósofo en-treve diferentemente do corpo maquinicamente educável e doutrinável da Modernidade. Trata-se de um corpo que intenciona, deseja e sofre as consequências – mazelas e alegrias – de suas ações. Portanto, um corpo que avalia seus pesares segundo sua realidade de desejo e necessidade; potência e fragilidade. Vemos surgir no horizonte um corpo ético ou uma ética do corpo. Há, portanto, uma reconstrução fenomenológica da existência humana segundo o plano das essências. Vislumbramos nesta cerzidura que o pensador em questão ressuscita o corpo coisifi-cado desde Platão, colocando-lhe ou devolvendo-lhe sua essência na roupagem existente da motricidade.

A produção filosófica, epistemológica e biológica de um corpo existente na e pela motricidade, feita por Manuel Sérgio (1999, p. 125) a partir da fenomenologia de Merleau-Ponty, pode ser encon-trada em sua afirmação de que entre “[...] a apercepção psicológico-natural e a apercepção fenomenológica, existe uma radical oposição, porque a fenomenologia é uma crítica radical da experiência, é a questão que indaga sobre a essência de experiência (SÉRGIO, 1999, p. 125). ‘[...] é captar de novo a intenção total’” (MERLEAU-PONTY, apud loc. cit.). Quando Merleau-Ponty (1999, p. 17) fala da história, questiona a ideia de Marx de que a mesma não caminha com a cabeça, e que da mesma forma, ela não deve pensar com os pés. “Ou, antes, nós não devemos ocupar-nos nem de sua ‘cabeça’,

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nem de seus ‘pés’, mas de seu corpo”. Por quê? Porque no corpo há mais sentidos do que nossa vã filosofia desconfia.3 Ou como prefere Nietzsche (2005, p. 41): “Há mais razão no teu corpo do que na tua melhor sabedoria”. Algo a ser significado de que a razão corporal abriu espaço para o advento do espírito.

Sendo assim, se deve contar que no corpo há racionalidade – ou lógica – tanto quanto há irracionalidade, ambas em perfeita intera-ção. Como menciona Nietzsche (2005, p. 41), instrumento “[...] do teu corpo é também a tua razão pequena, a que chamas de espírito: um instrumentozinho e um pequeno brinquedo da tua razão grande”. Portanto, enquanto um poço de contradições, de desejos contrários, de dores prazerosas e de alegrias doloridas, no corpo, “[...] as perspecti-vas se confrontam, as percepções se confirmam, um sentido aparece” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 18). Ponto da fenomenologia que conflui com a noção de corpo em Nietzsche (2005, p. 41), que o traz como sendo “[...] uma razão em ponto grande, uma multiplicidade com um só sentido, uma guerra e uma paz, um rebanho e um pastor”.

Não sendo simplesmente um lugar do sentido, mas que dá e sen-te em sua essência os possíveis sentidos das existências. Em suma, nas palavras de Manuel Sérgio (1999, p. 126) sobre as existências na es-sência, quer dizer que “[...] o Mundo está-em-mim, numa relação tão íntima, com a que existe entre todas as partes do meu corpo”. Pensando que o mundo aí em questão diz sobre “[...] toda a realidade humana [ser] um mundo também, às coisas, aos factos, aos acontecimentos, à palavra, ao gesto, ao silêncio ilumina-os um sentido que se torna impor-tante des-velar (sic)” (IBIDEM, p. 124).

3 Neste ponto exato, a problemática freudiana adentra atravessando violenta-mente essa questão, de modo que, a gene do sentido da visão psicanalítica do psiquismo está guardada justamente no fato de que a consciência em sua acepção moderna não é capaz de saber da totalidade da corporeidade e da motricidade. Motivo que faz com que estas se manifestem por meio daquilo que Freud chamou de sintoma cujo sentido é inconsciente.

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Com isso, a partir dos estudos da fenomenologia de Merleau-Ponty, vemos surgir o membro nietzscheano de Manuel Sérgio acerca da ética do sentido, à qual “[...] estamos todos condenados” (MERLE-AU-PONTY, apud SÉRGIO, 1999, p. 125). Por quê? Ora, segundo Ferraz (2007, p. 95) porque o corpo em Merleau-Ponty (1992) é “[...] um agente ativo na produção da experiência. O corpo fenomenal volta-se para os estímulos objetivos e os investe com algum sentido prático, de modo a elaborar uma situação significativa”. Algo que se aproxima da noção de corpo em Nietzsche, que segundo Ramacciotti (2007, p. 85), “[...] abrange as atividades mentais ou psicológicas em todo o or-ganismo”. Viés que permite Nietzsche (2005, p. 41) elaborar em Assim falou Zaratustra, que tudo “[...] é corpo e nada mais; a alma é apenas nome de qualquer coisa do corpo“. Deste modo, o corpo surge como “a grande razão” porque seus desejos não necessitam de justificativas metafísicas para se assumirem. Portanto, o corpo é em Nietzsche o ver-dadeiro super-homem, pois, conforme Manuel Sérgio (2003, p. 118) ele é aquele que diz: “eu quero”, sendo “[...] seu querer inabalável [...] a razão da sua moral”. Mais ainda, “[...] é o sentido do mundo. Desde que o super-homem queira, nasce o sentido” (IBIDEM, p. 120)4.

Manuel Sérgio desperta então para nós, a ética corporal enquan-to motricidade de produção de sentido – criação de mundos e realida-des – que avalia o mundo dado – oferecido – pelo passado, pelo pre-sente e pelo futuro. Caminha para uma extemporaneidade cujo tempo e o espaço é o corpo quem cria, é dele que dependem. Esboçando um pensamento ficcional, isso se mostra se imaginarmos que só podemos

4 Em Motricidade humana: um paradigma emergente, Manuel Sérgio (1995, p. 17) mais sobre o fato de o corpo – enquanto matéria – ser o lugar funda-mental dos demais desdobramentos humanos. Argumenta ele que no pen-samento contemporâneo – Nietzsche, Marx e Freud – “[...] o Homem passa a entender-se já não como um ser-diante-do-Mundo, mas com um ser que é elemento do próprio Mundo. Ao defender-se, como em Marx, por exemplo, a pré-existência da matéria em relação ao Homem e ainda o dogma de que tudo é matéria, incluindo a consciência de que não é outra coisa senão um seu derivado [...]”.

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transformar um dia de segunda-feira em dia de domingo se aplicarmos nossas práticas corporais reservadas culturalmente a este àquele. A bem dizer, alguém pode questionar que uma atitude transformadora de tal natureza carregaria elementos da segunda-feira para o domingo criado, logo que não seria propriamente um domingo. Contudo, perguntamos: qual a diferença? É óbvio que não será um domingo comum, de modo que: todos os domingos são iguais? Fazer de uma segunda-feira um dia de domingo pode simplesmente tomar o caráter de um domingo dife-rente? Ou será uma segunda-feira diferente? Com roupas diferentes? Com movimentos diferentes? Com lugares diferentes?

Não importa! “No super-homem, a vontade de viver equivale à vontade de poder” (SÉRGIO, 2003, p. 120). Mas, como desistimos de sê-lo, quiçá porque a “[...] ética judaica, cristã e democrática promove a ralé e abocanha a vontade de inovar” (IBIDEM, p. 118). Valendo perceber que a categoria tempo e espaço estão atrelados à vontade e à submissão de nossos corpos. Provando que o corpo derradeiro é tam-bém o primitivo lugar da existência. Entretanto, que na Modernidade isso tenha sido levado a sério na existência corporal segundo a ciência ou as ciências, sucumbindo à verdade aquilo que Merleau-Ponty (1999, p. 3) muito bem proclama: “Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada”. Sendo por essa trilha que vemos novamente Manuel Sérgio (2003, p. 124) retornar Nietzsche para também “[...] contrapor ao individualis-mo moderno, decorrente de vários tipos de totalidades, o indivíduo, na forma de uma autêntica mônada, sem classe e sem sistema; ao definir o homem enquanto corporeidade [...]”. Pois, não há, “[...] em Niet-zsche, uma história universal, pois cada Super-homem cria sua própria história” (IBIDEM, p. 120).

Mas, não pensem que isso é fácil. O Zaratustra de Nietzsche (2005, p. 41) diz que por “[...] detrás dos teus pensamentos e senti-mentos, meu irmão, há um senhor mais poderoso, uma guia desconhe-cido. Chama-se ‘eu sou’. Havia no teu corpo; é o teu corpo”. E àqueles

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que pensam o ser humano a buscar sua transcendência, esta é a do pró-prio corpo dado, para um corpo lançado ao devir cuja transformação inerente não é do espírito, mas dele próprio. Trata-se do homem, que ao tentar se transfigurar no super-homem, investe intencionalmente no corpo próprio e em suas representações, para transcender seu presente. Ora, não há outro elemento histórico-sócio-cultural mais emblemático para a união entre corpo e super-homem, do que o atleta. Quiçá, ao lado do penitente, este seja o extremo do saber que diz da transcendência carnal entre a dor e o prazer. Com a diferença de que o atleta não tem um céu abstrato para se espelhar. Seu espelho é ele próprio, o corpo que diz o quanto quer, o quanto necessita, o quanto pode e quais são seus pontos e modos a percorrer. Ou será que o céu abstrato do atleta é o simbolismo histórico do podium e da medalha?

Como bem aponta Manuel Sérgio (apud 1995, p. 23), em Merleau-Ponty, “[...] o herói de hoje não é Lúcifer, nem tão pouco Prometeu, é o Homem”. Isto é, reconhecendo a morte das Mitologias Clássicas e Medievais pelo exercício da racionalidade enquanto juiz de si mesma, como quis Kant, a questão da transcendência se volta como uma tarefa do próprio homem com relação a si mesmo, já que não ha-veria outra consciência a não ser a dele próprio. Seus conhecimentos e saberes não mais se voltariam para o alcance de Deus e da totalidade da physis, e sim para o alcance do próprio homem – de suas potencialida-des – mesmo que imaginado e delirado. Algo que anos corridos após as teses kantianas, desemboca, segundo Manuel Sérgio, nas palavras de Luís Archer: “[...] se o século XX assistiu à espectacular manipulação do átomo, o século XXI viverá a ainda mais espetacular manipulação dos genes de todos os seres vivos e do próprio homem” (ARCHER, apud SÉRGIO, 1999, p. 219). É o homem manipulando o si mesmo a fim de transcendê-lo. E aqui novamente vemos os investimentos do biopoder no contexto esportivo.

Todavia, há uma questão epistêmica a ser colocada. Que é o ho-mem? A resposta para essa pergunta é a possibilidade de realizar o que realmente é desejado: como manipular isso que é o homem? Portanto,

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como acertadamente afirmou Merleau-Ponty (1999), o herói do mo-mento é o Homem, logo, que também se trata de uma abstração daquilo que de fato se quer manipular rumo à transcendência, na medida em que, falar em homem é falar em alguma espécie de deus cuja transcen-dência acerca daquilo que se é não passa de uma construção teórica e religiosa. Obrigando, dessa maneira, a entrada do corpo em cena. Pois, a significação corpo trás uma noção de materialidade maior que a sig-nificação homem. Categoria já bem demarcada epistemologicamente, como bem esclarece Laplantine (1996, p. 54): “Será preciso esperar o século XVIII para que se constitua o projeto de fundar uma ciência do homem, isto é, de um saber não mais exclusivamente especulativo, e sim positivo sobre o homem”. Mas por que somente após o século XVIII? O mesmo autor responde com Foucault:

Antes do final do século XVIII [...] o homem não existia.

[...] É uma criatura muito recente que o demiurgo do sa-

ber fabricou com suas próprias mãos, há menos de duzen-

tos anos (...) Uma coisa em todo caso é certa, o homem não

é o mais antigo problema, nem o mais constante que tenha

sido colocado ao saber humano. O homem é uma invenção

[...] E quão próximo talvez seja o seu fim (FOUCAULT,

apud Ibidem, p. 55).

Com isso, só nos resta localizar novamente o pensamento de Merleau-Ponty citado anteriormente, e dizer que o problema não é o Homem, assim como era Lúcifer e Prometeu. Trata-se da significação Homem enquanto símbolo que remete naturalmente a uma outra coisa: aquilo que se deseja manipular mesmo, rumo à transcendência concre-ta. Que em termos teóricos, o herói, então, a ser abordado pode estar mais proximamente girando às voltas do Super-homem nietzscheano. Ou seja, a significação corpo. De modo que, histórica e epistemologi-camente falando, “[...] da segunda metade do século XX em diante e até os nossos dias, a problemática existencialista e os diversos estrutu-

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ralismos proclama, respectivamente, a morte de Deus (como já fizera Nietzsche) e a morte do homem” (SÉRGIO, 1995, p. 18). Assim, o que temos hoje são as “ciências do homem” (IBIDEM, p. 19). Ou por que não, temos palavras em torno da significação homem.

Mas, o que intriga é a velha pergunta fundamental: o que é isso que desejamos tanto manipular em sua totalidade rumo à transcendên-cia, mas que no máximo conseguimos nomear parcialmente ou equivo-cadamente? Isso quer dizer que o objeto que desejamos manipular nos escapa, e às vezes é esquecido pela distração e fascínio que tomamos sobre nossas próprias significações. O que nos leva a sonhar no plano do símbolo, mas fracassar no plano da transcendência material: o re-sultado final de tudo isso é a morte e o renascimento em outro estado, para o qual a significação química e física também já não mais altera ou transforma a facticidade a partir da qual a fenomenologia diz através de Merleau-Ponty (1999, p. 1) intencionar “[...] compreender o homem e o mundo [...]”, a fim de repor “[...] as essências na existência [...]”.

Então o problema com o qual Manuel Sérgio se depara diz das essências e das existências. E a figura do atleta é o que une ambas na medida em que se trata de uma corporeidade dotada de motricidade que tenta transcender sua presença. A essência é corporeidade e motri-cidade cuja existência é também corporeidade e motricidade que como tais rumam à transcendência devido à facticidade do devir propriamen-te material. A corporeidade e a motricidade atlética enquanto existência significada, que quanto mais nelas são repostas a corporeidade e a mo-tricidade, mais transcendem seus estados presentes que já são passados. Quanto mais um atleta exercita um músculo, mais o devir está presente na matéria, mais a transcendência se faz evidente, porque se desfruta no tempo corrido uma nova posição, um novo lugar diferente do anterior, que rompe com o anterior, pois já não é mais o mesmo. E o músculo atlético está tão ligado a isso, que vemos na significação do fenômeno esportivo, a corporeidade e a motricidade ora experimentar a existência da posição bronze no podium, depois a posição prata, depois a posição ouro, depois a posição nostálgica do músculo atlético aposentado após

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também experimentar nenhum lugar no podium, pois só possui força para um quarto, quinto, sexto... lugar. O que leva a pensar que a cor-poreidade e a motricidade enquanto essência de ser e estar movimento, possuindo vontades de existência – transcendência – que não é a de progresso, mas sim a de ocupar cada momento um lugar diferente no tempo do devir. Vislumbra-se uma ética da corporeidade e da motrici-dade. Da mesma forma que outro lado verifica-se a emergência de uma nova significação no lugar das ciências do homem: a ciência da motrici-dade humana. Pois, o que sabemos de fato sobre aquilo que desejamos manipular rumo à transcendência, é que possui uma presença movente.

O DESPORTO E A MOTRICIDADE EM MANUEL SÉRGIO

O desporto em Manuel Sérgio é um subsistema de um sistema maior chamado Motricidade Humana. A teoria da motricidade huma-na, fundada por este filósofo português apresenta um novo olhar para a Educação Física. Para este autor as expressões Educação Física, prepa-ração física, atividade física, mesmo que aceitas pelos grandes senhores deste paradigma, não passam de reduzidas partes de um todo bem mais complexo que é a motricidade humana.

Este autor compreende o corpo para além do dualismo cartesia-no, ele o apresenta em suas teorias como uma essencialidade complexa, na qual ser humano e movimento se unifica não só em si mesmos, mas nas suas relações enquanto seres no mundo. A partir dessa conceitua-ção, Manuel Sérgio sugere a mudança do termo Educação Física para Ciência da Motricidade Humana. “O nosso objeto teórico, a conduta motora (ou ação), é afinal a motricidade humana. Por outras palavras: é a complexidade humana perseguindo a transcendência e visando o desenvolvimento humano” (SÉRGIO, 2004, p. 36).

Ao precisar o paradigma da Educação Física, Manuel Sérgio conclui que este termo carece de rigor científico por estar ultrapassa-do no que tange aos novos paradigmas propostos pela física moderna,

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além de alegar ser este um termo usado por uma tradição, um capricho corporativista ou uma imposição do poder. Este tema é centralmente debatido em uma de suas mais belas obras: Um corte epistemológico: da educação física à motricidade humana.

Ao apresentar o conceito de ser humano sob o viés do novo para-digma, o da Ciência da Motricidade Humana (CMH), Sérgio (2004, p. 35) menciona:

Em suma, se o ser humano concentra, em si, o corpo, o es-

pírito, o desejo, a natureza, e a sociedade, ele só se torna ver-

dadeiramente humano se é bem mais que a soma das partes,

ou seja, se nele o determinismo se transforma numa gestação

inapagável de desenvolvimento e liberdade. Aliás, a lógica da

motricidade humana é a opção da transcendência, a passagem,

numa ascese da vontade humana do determinismo à liberdade.

E assim a consciência da incompletude não é sinal de deficiên-

cia, mas condição indispensável de desenvolvimento humano.

Compreender o modo com que este intelectual português con-ceitua o ser humano é de fundamental importância para que se possa compreender não somente o termo motricidade humana, mas também sua forma de conceber e apresentar o desporto.

O desporto é uma práxis lúdico-agonística e corporal, institucio-nalizada e com regras e, como tal, transforma-se naturalmente em ato político, pois que são também coletivas ou sociais as suas causas e as suas consequências. Dentro da ontologia do desporto, Manuel Sérgio diz que difícil se torna entender um mundo de seres humanos, constitu-ídos por indivíduos radicalmente isolados. Sem intersubjetividade, sem intercorporeidade, não há desporto. O adversário transforma-se assim, na pessoa que permite a prática desportiva. Sem ele, normalmente a competição não acontece (se bem que se pode competir tão-só consigo mesmo). E sem competição (regulamentada) não há desporto.

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O que é desporto então, segundo Manuel Sérgio? Certamente, um dos aspectos da motricidade humana. Na conduta motora (ação) desportiva, há uma referência constante a valores básicos, que a jus-tificam e fundam. Daí, a dimensão fundamentalmente gnosiológica e axiológica da prática desportiva. Fazer desporto já é em si um compor-tamento ético. Porque o desporto só o é verdadeiramente quando assu-me o ser humano na integralidade das suas funções e potencialidades. O desporto há de ser também invenção de novas existências em novos valores, em nova ciência e nova tecnologia, em nova racionalidade co-municativa.

São nítidas as críticas deste intelectual ante os modos que a Edu-cação Física concebe o ser humano e o desporto, assim como é níti-da sua postura frente ao comprometimento e a responsabilidade que a Educação Física precisa adotar junto à promoção da dignidade huma-na – dignidade esta compreendida a partir da constante (re)construção da complexidade e transcendência humana. Para Manuel Sérgio o ser humano e o desporto transcendem as concepções biologizantes, con-cepções estas por demais impregnadas na Educação Física e na visão de ser humano.

Para Sérgio (2003, p.18-10):

Se o desporto é jogo, é competição, é pedagogia, é enfim mo-

tricidade humana (entendida a motricidade humana como a

energia para o movimento intencional da transcendência ou

da superação), (sic) pode haver nele um desafio à profecia,

um desafio à participação, um desafio ao primado do ser e um

desafio a profundidade de vida, assuma ele as formas que as-

sumir, desde a escola até ao desporto federado e passando pelo

desporto para populações especiais.

O autor enumera no fenômeno desportivo todos estes desafios por acreditar que ele traz em sua essência relações extremamente ínti-mas com a própria condição da existência humana. O desporto é espetá-

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culo, é mito, é movimento, é expressão, enfim, o desporto é isso e muito mais, ele é uma entidade apresentada ao ser humano onde o mesmo pode buscar seu melhor devir, onde ele pode transcender-se.

Estes ideais ficam ainda mais claros quando Manuel Sérgio menciona compreender o progresso desportivo não tendo como base o crescimento do número de praticantes, nem a consecução de espanto-sas aptidões e habilidades físicas, nem o aumento visível do numero de espectadores apaixonados. No seu entender só há progresso desportivo quando a qualidade preside a quantidade, quando o ser se antepõe ao ter. Enfim, “[...] o que vale dizer que o problema crucial em que o desporto se debate não está na opção entre continuar ou impedir o progresso que aí está, mas em orientá-lo noutra direção” SÉRGIO (2003, p. 88). Va-lendo destacar que essa outra direção se opõe ao sonho “pós-natural ou artificial” do cyborg e da inteligência artificial, em relação aos quais os sujeitos humanos propriamente carnais e mortais costumam depositar esperanças da vida eterna e da indestrutibilidade corporal, realizando-se no outro que não é ele próprio – humano –, mas uma criação do sonho de si. Ou seja, mesmo que o cyborg seja a realização material de um sonho de si, os sujeitos humanos permanecem se acreditando esta-rem na miséria do corpo por não poderem experimentar o ser cyborg nem em si e nem por meio de seu semelhante: o que poderia ser uma saída mais consoladora, já que, como argumenta Manuel Sérgio (2003, p. 56): “A humanidade do ser humano pressupõe uma nítida abertura a uma alteridade, quero eu dizer: à transcendência, quase sempre corpo-rizada na pessoa de outro ser humano”.

Epistemologicamente, a motricidade humana orienta o corpo do atleta diferentemente do que faz a educação física com ele. No contexto desta última, impera o positivismo em que o corpo é o objeto/máquina onde se aplicam teorias e ideologias. Ao passo que, a perspectiva que a primeira oferece enquanto um novo paradigma concebe e vive o corpo enquanto sujeito que está no mundo enquanto que o mundo está tam-bém nele em relação de interdependência sob a égide da intencionalida-de que permite a cada um dizer sim, como dizer não aos enquadramen-

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tos teóricos. Manuel Sérgio (2003, p. 51) salienta “[...] a autonomia e nunca a dependência”. Portanto, a transcendência não é buscada em Deus ou no cyborg, “[...] porque é também uma dimensão essencial do ser humano”. Com o acréscimo de que uma “[...] competição desporti-va deve ser entendida como o <<oitavo dia da criação>>, dado que, nela, o praticante é uma tarefa a cumprir – uma tarefa onde a transcen-dência inevitavelmente acontece...” (Ibidem, p. 52). Sobre o exemplo do bailarino, Manuel Sérgio (Ibidem, p. 56) destaca a consideração de José Gil acerca da dança, onde “[...] encontra no corpo [...] ‘uma mul-tiplicidade de corpos virtuais’”. Logo, de transcendências.

Para exemplificarmos o que estamos tentando dizer, retomamos um momento em que Manuel Sérgio comenta a relação dos progra-mas de treinamentos e os chamados gênios do desporto. “A lei do génio relembra-nos que nem tudo é sistema [...]” (SÉRGIO, 2003, p. 58). Para tanto, ele cita futebolistas como “[...] Di Stephano, Pelé, Mara-dona, Cruyjff, Platini [...]”. Nos quais não é possível encontrar a chave dessa classe de atletas “[...] tão-só nas virtualidades do modelo preconi-zado pelo treinador, mas também no facto único e irrepetível que era o gênio de cada um deles” (loc cit.). Em outros termos, a transcendência está presente na medida em que, por exemplo, podemos pensar que Pelé é uma significação transcendental de Edson Arantes do Nascimento, mas que não exprime outra coisa senão a essência na existência deste último que se exprime em Pelé, o Rei do futebol, no gênio de sua mo-tricidade que ecoou para o plano extrajogo. Ou seja, se há uma retórica na motricidade de Pelé, ela não se dirigia apenas aos seus adversários. Pode-se dizer que os espectadores de Pelé driblavam com ele ao tempo que também eram driblados por ele junto aos oponentes.

Mais ainda, para falar de transcendência não podemos limitar Pelé ao seu “gênio da bola”, ponto em que apreendemos uma de suas transfigurações transcendentais que possibilitaram e possibilitam tantas outras em inúmeras direções de significações: atleta do século, embaixa-dor do futebol, o mito do esporte, a lenda viva do futebol, deus do fute-bol, o garoto pobre que virou Rei, etc. Bem como, pôde experimentar ser

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ator de cinema – incluindo um filme pedagógico sobre os fundamentos do futebol – e cantor. Sua figura foi transformada em estátua – Rei Pelé –, instalada na entrada do estádio da Fonte Nova, em Salvador – BA. Foi Ministro dos Esportes do Governo de Fernando Henrique Cardo-so entre os anos de 1995 e 1998. Possui até uma Lei com seu nome: Lei Pelé – Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998. Enfim, o “[...] praticante desportivo não é fundamentalmente fisiologia, mas complexidade que subjectivamente (ou intersubjectivamente) se revela” (SÉRGIO, 2003, p. 58). “Como Rorty nos ensina”, diz Manuel Sérgio (apud, Ibidem, p. 60), “não se pode conhecer o que uma coisa é, (sic) independentemente das relações dessa coisa com outra coisa”. Neste sentido, considera-se:

A extensão do campo desportivo e a heterogeneidade dos

elementos que o compõem fazem parte do tecido social e é

deles que deveremos extrair os conceitos que nos permitam

uma compreensão e explicação da prática desportiva (IDEM,

1999, p. 247).

Nesse sentido, Manuel Sérgio destaca o caráter ideológico do esporte, e a utilização do mesmo enquanto meio de se atingir certos interesses grupais ou individuais. O desporto se torna um mecanismo utilizado por ideologias políticas e econômicas para atingir a população de um modo geral e diversificado. Assim, temas ou propostas como “[...] o desporto-lazer; o desporto-educativo; o desporto para porta-dores de deficiência etc.” (SÉRGIO, 1999, p. 248), se tornam pano de frente de um mesmo sistema de pensamento e de prática que preconiza o espetáculo como fim último em si mesmo que produz o consumo. Ou seja, apesar de alguns dividirem o desporto espetáculo de suas demais formas, todas estas tendem a seguir para serem reconhecidas no mesmo formato do esporte mass media, que é o mesmo da política e da cultura moderna em geral. Nas palavras de Wilson Gomes, (apud Ibidem, p. 251) “a política contemporânea está se tornando cada vez mais teatral e espetacular [...] Porque as democracias dependem cada vez mais do

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mass media”. Fazendo com que o esporte educacional e o esporte para deficientes tenham de envolver alguma história dramática e espetacular que façam os expectadores rirem ou chorarem.

Por esse caminho, a problemática do desporto deixa de ser res-trita a ele, e se torna uma problemática da mediação do desporto. Em outros termos, Manuel Sérgio direciona a discussão fazendo questão sobre os modos de contato e apropriação do fenômeno esportivo. Sen-do que, neste ponto, o mass media surge como elemento determinante até mesmo com respeito à essência do desporto, que é a motricidade. Portanto,

[...] se é verdade que a prática desportiva pode ser um pro-

testo (e antídoto) vivo contra a civilização do homem sentado,

[...] não é menos certo que a instrumentalização informativa

do Desporto faz dele tão-só um espectáculo, onde as pesso-

as mais mediáticas nem sequer são os praticantes [...] (IBI-

DEM, p. 252).

Considerando essencialmente que a questão da mediação em nossa sociedade da informação e da informática, não deve se confundir com o atual espetáculo da tecnologia que o mass media faz uso. Ima-gens via satélite lançadas em direção aos receptores domésticos para serem projetadas em telas de plasma, não é o que torna a relação do espectador com o mass media algo alienante. Na verdade, o elemento mediador em questão é muito antigo, é a palavra ou o que se diz sobre o fenômeno esportivo. Portanto, o esporte que conhecemos é o esporte falado ou escrito pelos chamados grandes meios de comunicação que nos dão impressão de estarmos mesmo participando dos problemas que envolvem a organização esportiva. O que faz os sujeitos substituírem a prática mesma pelo discurso da prática.

Medina (1990) considera que em uma sociedade de classes como a nossa, onde os meios materiais de comunicação estão nas mãos de interesses particulares, porém hegemônicos, “[...] a fala, a lingua-

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gem, apoiadas pelo raciocínio lógico-formal [...] parece mais bloquear do que abrir perspectivas para a compreensão do Universo como um todo” (MEDINA, 1990, p. 63). Dessa forma, o plano da expressão e do ocultamento, bem como a produção de sentido acerca de um fe-nômeno fica por conta das personagens do mass media que falam sem parar em um ritmo frenético e ininterrupto nos ouvidos e nas vistas do espectador que não é ouvido em contrapartida: “[...] as palavras são os signos das ideias do que fala” (FOUCAULT, apud SÉRGIO, 1999, p. 96). Para Manuel Sérgio (Ibidem, p. 256), a “[...] mediação aponta a importância decisiva dos agentes do Desporto na produção, recepção e transmissão de uma consciência crítica, que instrua a opinião pública sobre as contradições ocultas, nos programas de governo [...] e nos discurso dos dirigentes”.

Pensar na transformação desse quadro é na verdade não pensar – no sentido clássico –, para cada um lançar-se diretamente na prática desportiva para que a noção mesma da totalidade seja construída com a vivência motriz – em ato – no corpo a corpo dessa realidade. Nesses termos, a apropriação deixa de ser meramente retórica e discursiva para se tornar algo antropofágico, onde a prática esportiva não se limita à atividade física no campo de jogo. Há que se jogar também os jogos políticos, históricos, culturais e econômicos que se joga atrás das câ-meras de filmagem. Cujos adversários geralmente não vestem calção, chuteiras, joelheiras, caneleiras, raquetes, tacos... Mas, terno e gravata! Não jogam com bola, fitas, traves, redes, quimonos... Mas com canetas, papéis, letras, palavras, frases, dinheiro...

ÉTICA, EDUCAÇÃO FÍSICA E DESPORTO: APONTAMENTOS

Em trabalho anterior, Benghi e Zoboli (2004, p. 61) colocaram em discussão a ética no exercício profissional da educação física. Con-siderando corporeidade e motricidade, ambos apresentam a Educação Física “[...] como uma ciência que cuida da realidade humana e aborda

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[...] questões éticas como a visão de ser humano e como complexidade [...]”. Neste sentido, consideramos hoje a necessidade de realizar uma distinção no texto do mencionado trabalho. Não se está falando aqui da Educação Física, segundo Manuel Sérgio (1999, p. 181), “[...] mo-derna, nascida em finais do século XVIII e princípios do século XIX, [que] traz consigo a concepção de Homem dividido em res cogitans e res extensa [...]”. Modernamente o corpo é concebido e tratado sim-plesmente como objeto de conhecimento da fisiologia e anatomia ao invés de sujeito conhecedor e crítico – questionador por excelência – dessas próprias ciências que falam teoricamente dele sem considerarem seu vínculo motriz com o exercício ético.

Aos modos de Manuel Sérgio e sobre sua influência filosófica, os autores supracitados trazem à consciência uma Educação Física nada inocente ou simplesmente anátomo-fisiológica. Consideram-na como “[...] prática disciplinar e o importante papel que ela assume frente a (sic) formação humana para que [...] o (ser) humano possa mediar as relações com o mundo, com o outro e consigo mesmo [...]” (BEN-GHI; ZOBOLI, 2004, p. 61). Fazendo-nos assim pensar o quanto que a Educação Física em sua acepção moderna mediou nossa relação com nosso próprio corpo – cultural – tanto singular quanto social. Por mais absurdo e espantoso que possa parecer, a Educação Física dos últimos anos educou sim nosso corpo: para conseguirmos permanecer o maior tempo possível, sentados em salas de aula; de fronte à televisão ou à espera de um leito no hospital para ouvir palavras de consolo de algum médico de plantão.

Sem dúvida, por meio dos métodos e princípios da Educação Fí-sica tradicional; fomos educados a temermos e desconhecermos nosso próprio corpo, bem como, a exemplo da Igreja, sermos punidos através do corpo com exercícios físicos de caráter militar: corridas e flexões de braços até exaustão. Ou por outro lado, a penitência corporal médica que se resolve na recomendação do repouso absoluto frente a qualquer aparente distúrbio anátomo-fisiológico. Foi basicamente assim que a disciplina em questão foi motivada pelas instâncias de poder em nossa

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sociedade que visavam a docilidade das vontades corporais e motrizes promovidas por exercícios físicos mascarados pelos chamados “fins em si mesmos”, que escondiam – e escondem – os complexos políticos, econômicos e epistemológicos que aí estão atuando de modo invisível para maior parte dos sujeitos que entregam seus corpos aos chamados discursos competentes.

De maneira mais estrita, não há dúvida que nossa relação objetiva e subjetiva com o fenômeno esportivo fora em grande parte mediada e determinada pela Educação Física moderna, que enquanto mediadora pedagógica atua na base de nossa constituição humana graças à sua presença no contexto escolar. Dessa forma, a Educação Física Escolar fortemente marcada pelos ideais de competitividade, segregação e dis-criminação por meio do critério darwinista da seleção natural – os mais fortes e melhores sobrevivem –, mais a dicotomia cartesiana entre corpo e mente, que escraviza o corpo segundo ideais espirituais e intelectuais; é grande responsável por nossa passiva, limitada e parcial participação habitual no atual contexto sócio-cultural do esporte. Segundo Barros Neto (apud BENGHI; ZOBOLI, 2004, p. 35), isso faz lembrar que “[...] a Educação Física e o esporte no Brasil foram construídos histo-ricamente sob a égide da doutrina liberal [...]”.

Quando Thomas Arnold (1795-1842) seguiu o fluxo da indus-trialização e urbanização da sociedade, adaptando e transformando os medievais jogos populares e burgueses à realidade da escola pública in-glesa, mas principalmente no Colégio Rugby do qual foi diretor, através de novas regras e princípios, criou o esporte moderno fundamentado nas ideias do empirista, político e liberalista inglês, John Locke (1632-1704). Arnold estabeleceu contato com a obra Alguns pensamentos sobre educação, onde Locke afirmava, por causa de seu pensamento empirista, segundo Manuel Sérgio (1995, p. 81), “[...] que a educação corporal deveria ser anterior à educação do espírito”. Propositura que levou Thomas Arnold “[...] a persuadir [seus] alunos dos benefícios incontáveis de uma prática desportiva regular, metódica e por eles or-

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ganizada. O educando ganha assim hábitos de vida saudável e respon-sável” (loc. cit.).

Uma vez na posse das regras dos jogos e dos métodos de trei-

no, os rapazes até se treinam a eles mesmos. Formarão associa-

ções e orientá-las-ão à sua maneira. Tomarão conta das finan-

ças dos clubes e administrá-las-ão, com seriedade. Fundaram

um jornal e serão eles os diretores, os redatores, os administra-

dores (VALSERRA, apud SÉRGIO, 1995, p. 82).

Torna-se inegável que Thomas Arnold reformulou e deu sub-sídios para uma radical mudança de hábito corporal dos jovens e da educação onde estavam inseridos, que até então seguiam os princí-pios da ginástica. É notável, portanto, que o novo hábito corporal nascente não pode ter como marca simplesmente a ausência de apa-relhos, movimentos elaborados e determinados pelos professores, a ausência de ludicidade, a rigidez, o controle, próprios da ginástica que prezava militarmente pela ausência do acaso, do devir, do não planejamento dos movimentos, características essenciais do jogo desportivo, cujas regras são mais flexíveis e mutáveis. O novo há-bito corporal dos estudantes, portanto, estabelecia o vínculo destes com esferas organizacionais da sociedade que anteriormente ficava em poder dos professores, diretores, supervisores etc. Através do desporto moderno, os movimentos corporais são retirados de seu isolamento anátomo-fisiológico e passa a influenciar a realidade po-lítica, econômica e cultural de uma sociedade.

Segundo Valserra (apud loc. cit.), o “[...] mundo do desporto, para Arnold, é um microcosmo, nem mais nem menos do que uma mi-niatura da sociedade”. Porém, hoje, podemos dizer que a tese de Arnold não se sustenta mais, já que o desporto há muito deixou de ser micro-cosmos para se transformar em elemento constituinte política, econômi-ca e culturalmente da sociedade moderna. Mais ainda, Manuel Sérgio (loc. cit.) aponta que dois anos depois “dos primeiros jogos atléticos

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Oxford-Cambridge”, foi criando o “[...] Amateur Athelic Association, que admite tão-só, no seu seio, os endinheirados e os aristocratas, fe-chando ostensivamente as portas aos operários e a pessoas de ‘baixa condição’”. Em 1867 surge também em Londres o primeiro jornal es-portivo publicado na Europa, chamado The Athlete.

Disso tudo, interessa a nós destacar o caráter contraditório ou até mesmo paradoxal por que passou o desporto nas mãos da Educação Física. Se em princípio a prática desportiva que Arnold sugere na época tenta inserir os sujeitos – educandos – na vivência e entendimento da lógica da sociedade moderna, em um segundo momento o desporto é tornado mais um mecanismo da ideologia liberal para manter e criar no-vas demarcações materiais e simbólica das diferenças entre burgueses e proletários. O Amateur Athelic Association não deixa de ser um germe dos grandes clubes esportivos de hoje em dia, cuja ética é a do mascara-mento da realidade política e econômica interna. Prática que acaba por excluir os associados e atletas profissionais de todo processo organiza-cional da realidade esportiva tal como Arnold preconizou como sendo um processo educativo para a atuação dos jovens na sociedade cultural, onde o habitus corporal não era limitado ao alienado ato em si de “jogar bola” destinado a promover uma saúde anátomo-fisiológica vegetativa.

Manuel Sérgio parece se aproximar de alguns caracteres preco-nizados por Arnold, mas sem se fundamentar nas arriscadas armadi-lhas democráticas do liberalismo. Se o desporto é uma manifestação da Motricidade Humana rumando à sua transcendência, a concepção bio-logicista e médica do corpo em ato, torna-o objeto em uma falsa essên-cia, pois desencarnadamente teórica. Nas palavras de Medina (1990, p. 90), seguindo a revolução epistemológica empenhada por Manuel Sérgio, a transcendência deve ser entendida justamente “[...] como a capacidade peculiar da consciência de ir além das relações vegetativas, biológicas e naturais comuns aos demais seres vivos. [...] Neste sentido [devemos esforçar-nos] por interpretar as circunstâncias nas quais os fenômenos da corporeidade se manifestam”. Isto é, a situação em que o corpo se encontra com sua motricidade.

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E qual é a situação do corpo motriz do atleta hodierno? Ora, o mass media enfatiza duas situações apenas: a de treino e a de competi-ção. As complexidades do esporte parecem então se resumirem ao tra-balho do sujeito/atleta enquanto relação de causa e efeito entre treino e resultado na competição. Assim, as problemáticas negativas ou positivas giram em torno de assuntos como tecnologia, métodos, técnicas e táticas de treino enquanto os verdadeiros e diretos influenciadores – variáveis – do rendimento do atleta da competição. Quando muito, o mass media se desloca para abrir algo sobre política e economia no esporte falando apenas da influência destes na parte infraestrutural e tecnológica dos treinamentos. Ou seja, o atleta é colocado como um sujeito impotente que sempre espera dos projetos políticos da macroestrutura – pública e/ou privada – enigmática e esotérica para ele.

Diante disso, Manuel Sérgio (1999, p. 255) pergunta: “Qual é então a tese central a adiantar, na construção de uma teoria crítica do Desporto?” Ele mesmo responde: “o Desporto deve analisar-se como um processo e uma prática sociais e, por isso, o Ter e o Poder nele se inscrevem no discurso e nas atitudes dos agentes desportivos”. Ou seja, isso deve ser sabido! Sem embargo, deve ser sabido também o fato de que “[...] não é fácil uma mentalidade desportiva nova” (Ibidem, p. 262). Dessa maneira, Manuel Sérgio aponta para um realismo sóbrio e inesperado ao mostrar-nos que seu projeto/tese sobre a Motricida-de Humana tem muitos enfrentamentos pela frente. Fazer o desporto transcender de sua posição espetacular e mercadológica para um estado de jogo, humor, festa, cultura, não é fácil. E ele ainda questiona: “[...] não será [isso] difícil em clubes-empresas, com o domínio quase abso-luto das forças do mercado, onde as relações clube-adepto sofrem de hesitações e equívocos, porque o espírito empresarial se sobrepõe à afec-tividade dos sócios e simpatizantes [?]” (Ibidem, p. 261). Ou ainda, “[...] os clubes podem ser simulacros de valores humanizantes se não têm na devida conta a saúde dos atletas, a sua justa [...] remuneração, a sua integração familiar e social” (SÉRGIO, 2003, p. 63).

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MOTRICIDADE HUMANA

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A resposta para essa pergunta pode estar na certeza de que as problemáticas no âmbito do desporto são as problemáticas sociais de uma forma geral. Não se trata de um microcosmo paralelamente produ-zindo uma mimese do macrocosmo social. A democracia ideal (governo do povo) não existe de fato em lugar algum da sociedade moderna. A população de uma maneira geral não governa, pois seus corpos estão excluídos dos espaços de poder. Os recentes anos de democracia bra-sileira mostraram que quem governa é quem está de corpo presente nos lugares de poder. O voto destinado ao corpo do outro enquanto representante de nosso próprio, de modo algum é capaz de assumir a potência da motricidade mesma materializada no corpo. Assim sendo, é possível afirmar com Manuel Sérgio (1995, p. 90) que quem assume “[...] a democratização do desporto, na Europa [assumimos que no Brasil também], é praticamente [o] Estado e que este se mostra mais interessado no apoio à alta competição do que no fomento de qualquer tipo de desporto”. Algumas provas atuais disso foram os esforços polí-ticos, econômicos, temporais e geográficos que o Governo Federal do Brasil empenhou na realização dos XV Jogos Pan-Americanos de 2007 na cidade do Rio de Janeiro entre os dias 13 e 29 de julho5.

Por fim, Manuel Sérgio não demonstra desejar resolver essas questões de uma vez por todas, pois expõe a sabedoria acerca do risco que se corre ao desejar resolver tudo de uma vez por todas: a inclina-ção à arbitrariedade e ao fascismo. Para tanto, a Ciência da Motrici-dade Humana não é uma tese que garante soluções, mas sabiamente se trata de um exercício ético por meio do qual o humano pode avaliar a situação atual de sua corporeidade e motricidade, que é de crise. A pergunta que nos assalta é: qual é o sentido da crise? Ou ainda: quais as possibilidades que podem advir da crise? Para nosso filósofo da Motri-cidade Humana, o que existe é um “[...] tetragrama: ordem-desordem-interações-organização” (SÉRGIO, 2003, p. 48). Lembrando Edgar

5 Não iremos aprofundar as implicações políticas e econômicas desse even-to. Mas cabe alertar que a escrita deste texto foi realizada no período dos XV Jogos Pan-americanos 2007.

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o corpo base de ética na motricidade humana

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Morin: “Este tetragrama não dá a chave do universo. Permite apenas compreender como funciona. Revela-nos a complexidade. [...] É [...] dialogar com o mistério do mundo” (MORIN, apud loc. cit.). Ora, e o humano dialoga, por excelência, por meio de sua motricidade, ou seja, “[...] o corpo em acto, [...] espaço de signos e de onde emergem a carne, o sangue, o desejo, o prazer, a paixão, a rebeldia, emoções e sentimentos do mais variado tipo. E tudo isso visando a transcendência [...]” (Ibidem, p. 49). Transcendência no corpo e pelo corpo.

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MOTRICIDADE HUMANA

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CORPOREIDADE, MOTRICIDADE E COMPLEXIDADE:

CONVERGÊNCIAS POSSÍVEIS

Wagner Wey Moreira

INTRODUÇÃO

Analisar o fenômeno corporeidade é adentrar aos símbolos e signos que estão tatuados no corpo ao longo do tempo. O ser humano, por produ-zir cultura e história, ao mesmo tempo em que é modificado por essa cultura e essa história que produz, recebe marcas que estão presentes em seu modo de ser e de se relacionar com os outros e com o mundo.

Neste texto reflexivo, o que pretendo é enfocar a abordagem da corporeidade, associando-a às produções epistemológicas em Motricidade e em Complexidade, procurando identificar pontos de convergência entre as interpretações desses conceitos. Claro está que a minha história irá me re-meter tendencialmente a uma análise contextualizada em meu mundo vida, que é o da área tradicionalmente denominada Educação Física.

Estruturalmente, o texto apresenta três grandes unidades: a primeira realiza um diagnóstico de como tem sido o trato do corpo na área da saúde, mais demoradamente na Educação Física; a segunda re-mete a análise para um prognóstico de como deverá ser o conhecimento de corpo nos valores da proposta da Motricidade Humana; finalmente

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MOTRICIDADE HUMANA

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na terceira apresento alguns pontos considerados fundamentais para o enfoque do conhecimento sobre o fenômeno corporeidade, buscando aqui a presença da Teoria da Complexidade de Edgar Morin.

CORPO – (Pré)CONCEITO DA CORPOREIDADE

A Área da Saúde, uma área de conhecimento que estudou e ainda estuda o corpo humano em seus mais variados aspectos no sen-tido da compreensão do movimento e da vida, tal qual outras área de conhecimento acadêmico, sempre realizou sua tarefa sob o enfoque do paradigma cartesiano newtoniano, o que resultou em uma produção de pesquisas privilegiando a concepção de corpo máquina, de corpo útil, cuja exploração era justificada em nome da exacerbação da lógica for-mal. Os questionamentos e as descrições mencionados a seguir dão o contexto desse conhecimento e foram retirados de minha vivência como pesquisador desse fenômeno.

Assim, no dia-a-dia do desenvolvimento dessa área, quais fo-ram e ainda são os valores que estão presentes no trato com o corpo? Como os profissionais da área realizaram e ainda realizam suas inves-tigações para a produção do conhecimento sobre o corpo? Ter clareza sobre esses valores é o primeiro e decisivo passo na direção das possibi-lidades de modificação.

É importante salientar que minha reflexão não procura negar o conhecimento até aqui produzido pelas áreas ou sub áreas, em ciência, que tratam do corpo; apenas estou alertando que esta forma, ou estes valores, já não são mais suficientes para o conhecimento do fenômeno corporeidade.

Corpo Objeto Manipulável

Ao logo do tempo, conhecer o corpo significava invadi-lo em sua intimidade e, nessa invasão, manipulá-lo de todas as formas. Interes-

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corporeidade, motricidade e complexidade

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sante notar que isto ainda está presente na forma de conhecer corpo, hoje em dia, nos cursos de graduação das áreas que se dedicam a co-nhecer corpos.

Muitos acadêmicos, ao serem levados a conhecer a estrutura do corpo humano, aprendem a identificar, por exemplo, os nomes dos os-sos, dos músculos, bem como o funcionamento do conjunto estrutu-ral do corpo. Este conhecimento é importante para a Educação Física, para a Medicina, para a Fisioterapia, dentre outras, principalmente se considerarmos que o trabalho dessas áreas se dará no trato com esse corpo. No entanto, algumas contradições persistem, contradições essas que devem chamar a atenção dos professores desses setores: Como co-nhecer bem o homem que se movimenta, manipulando peças, que são partes desse homem, mortas, sem vida, nas bancadas dos laboratórios? Se essas áreas devem estudar o movimento do homem, porque é esse movimento que garante a vida, vida essa entendida como a sua própria, a dos outros que estão em seu entorno e a do ambiente de forma equili-brada, que conhecimento é esse que é estudado em corpos fracionados, mortos, sem vida?

Para que minha posição fique clara, não deixo de reconhecer a importância desse estudo para a apropriação do conhecimento sobre o corpo. A pergunta que faço é apenas a seguinte: isto é suficiente?

Há uma fala já consagrada em ciência, advinda dos moldes da ciência natural aplicada ao ser humano, que afirma: “os filósofos são bons para colocar problemas e os cientistas são chamados para resolver esses problemas”. Se isto é verdadeiro, mesmo discordando do contex-to, digo que estamos colocando problemas, como cientistas da reflexão, para que, como cientistas, resolvamos os mesmos.

Interessante ler em um romance de Cury(2006) a história de um aluno que acabara de adentrar ao Curso de Medicina e em sua primeira aula de Anatomia tem, junto com seus colegas, onze cadáveres para dissecar. Qual o espanto do professor dessa disciplina ao ser indagado pelo aluno sobre qual seria o nome de seu cadáver. Recebe de imediato uma repreensão, com a informação de que cadáver não tem identidade.

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MOTRICIDADE HUMANA

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A partir daí transcorre a trama do romance. Assim, meu questionamen-to é: pode um ser humano não ter identidade? A identidade não é algo inerente ao ser?

Le Breton (2003) afirma que o momento inaugural da ruptura con-creta do homem com seu corpo nos foi legado pelos primeiros anatomistas, que rasgaram os limites da pele para levar a dissecção a seu termo no des-mantelamento do sujeito. Mais precisamente em suas palavras:

Isolado do homem, o corpo humano torna-se objeto de uma

curiosidade que mais nada desarma. Desde Vesálio, a representa-

ção médica do corpo não é mais solidária de uma visão simultânea

do homem.(...) Os anatomistas antes de Descartes e da filosofia

mecanicista fundam um dualismo que é central na modernidade

e não apenas na medicina, aquele que distingue, por um lado, o

homem, por outro, seu corpo. (LE BRETON, 2003, p. 18)

Corpo Objeto Mecânico

Tratar o corpo como um objeto mecânico não é novidade. Afinal, já há séculos, Descartes assemelhava corpo a um relógio, ou seja, o pa-drão estava dado. Cuidar de um corpo humano como se cuida de um relógio, provavelmente, nos levará a tentar ter as mesmas atitudes em relação aos dois: se uma parte ficar danificada, substitui-se essa parte; se a aparência não estiver boa, vamos polir para deixar “novo em folha”.

O mais impressionante é que essa forma está consagrada em nos-so dia-a-dia no trato com o corpo. Exemplos numerosos podem ser mencionados: estamos com dor de cabeça, na mesma hora tomamos um comprimido para aliviar a dor, que voltará ainda muitas vezes e tomaremos ainda muitos comprimidos, não nos preocupando em ir ver o motivo da dor de cabeça; estamos com uma “gordurinha” localizada a mais, vamos malhar o corpo para ser sarado ou vamos a uma lipoas-piração maneira.

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corporeidade, motricidade e complexidade

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Como se pode observar, se no relógio de Descartes bastava tro-car a peça defeituosa, fosse ela a corda, a mola mestra ou outra, que o problema estaria resolvido, no nosso relógio-corpo, hoje, basta também fazer isto que o problema estará solucionado. Aliás, o relógio de Des-cartes já não mais existe, pois hoje basta trocar as baterias que tudo fun-ciona. Já o corpo, ainda o tratamos como o relógio de cordas.

Apropriando-me mais uma vez de Le Breton (2003), vejo sua denúncia de uma inversão problemática: não é a máquina que está su-bordinada ao corpo e sim este àquela.

Não se compara a máquina ao corpo, compara-se o corpo à má-

quina. O mecanicismo dá paradoxalmente ao corpo seus duvi-

dosos títulos de nobreza, sinal incontestável da proveniência dos

valores para a modernidade. Se não é subordinado ou acoplado

à máquina, o corpo nada é. A admiração dos biólogos ou dos

cirurgiões, diante do corpo humano, cujos arcanos eles tentam

penetrar, ou a mais cândida do profano, pode ser traduzida pela

mesma exclamação: “Que máquina maravilhosa”. A esse respei-

to, são inúmeros os títulos de obras ou de artigos que recorrem à

metáfora mecanicista. (LE BRETON, 2003, p. 19)

Nesta concepção de objeto mecânico, o sensível e o inteligível muitas vezes ficam subordinados ao tratamento superficial do polir, do deixar belo, do deixar sarado. É o corpo máquina maravilhosa presente.

Corpo Objeto de Rendimento

A estrutura social e o modo de vida vigentes hoje levam-me a ter, no rendimento, um dos valores mais importantes. É sabido que a pessoa “vale quanto rende”, sendo que render significa produzir mais, fazer mais, ganhar mais, todos componentes que levam a um lucro maior. Quando penso isto na relação do trato com o corpo, não fujo à regra. Na atividade física, na prática esportiva, vale mais quem ultrapassa os limi-

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tes impostos, quem busca os recordes, quem executa a tarefa com mais vigor e rapidez, enfim, quem rende acima do limite dos demais. Isto até não seria tão problemático se junto a isto não desenvolvêssemos a ideia: quem pode praticar esportes é aquele que sabe bem, aquele que vence sempre, aquele que estabelece o padrão máximo de rendimento, aquele que tem um “corpo perfeito”, mesmo que para isto haja a necessidade de exaurir suas forças ou até mesmo de utilizar drogas.

Formar e formatar esses corpos esplêndidos exigiram da forma-ção profissional da área da Educação Física, por exemplo, um padrão de “corpo perfeito”, eliminando da prática de atividade física e da prá-tica esportiva o “corpo possível”. Este, de preferência, porque era im-perfeito em seu rendimento, deveria ficar fora das aulas de Educação Física na escola para não atrapalhar o desenvolvimento dos conteúdos.

Resultado: a Educação Física trabalha, historicamente, com o conceito de exclusão em suas aulas, conceito este também vivenciado por outras disciplinas curriculares no interior da escola. E, um corpo para ser adestrado no rendimento, necessita receber ordens tipo: correr 10 voltas ao redor da quadra, chutar 50 vezes na direção do gol, arre-messar 100 vezes da linha de três metros.... Se isto funciona para os objetivos da profissionalização de um atleta, não é o modelo mais ade-quado para o desenvolvimento do repertório motor de crianças na es-cola, especialmente para aquela maioria que, certamente, não será atleta profissional. A prática esportiva, que sempre envolverá rendimento, deve ser um direito dos corpos participantes dessa prática, fato esse que envolve um re-direcionamento do valor rendimento.

Ainda convém lembrar que esta exclusão histórica, no que diz respeito à prática de atividade física ou à prática esportiva, alarga sua abrangência para além dos muros escolares, pois participam dela cor-pos idosos, corpos diabéticos, o corpo mulher no esporte durante muito tempo na história, só para mencionar alguns exemplos.

Claro está que há hoje movimentos que denunciam essa situação e indicam para modificações substanciais nesses procedimentos. Por exemplo, no final do século passado, houve um encontro de profissio-

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nais da Educação Física e do Desporto, em Berlim, ocasião em que se apontou a tendência do trabalho de inclusão dos corpos nas atividades esportivas e de ginásticas.

Corpo Objeto Burro – Corpo Alienado

A história das áreas que trabalham com o corpo mostra um pri-vilegiar no fazer em detrimento de um conhecer, de um saber por que, para que. Quando me habituo a cumprir ordens sem questioná-las ou sem entendê-las, estou perfeito para a incorporação dos “corpos dó-ceis”, nas palavras de Foucault (1987).

Por essa razão vejo que a Educação Física, tradicionalmente, es-teve atrelada aos movimentos educativos defendidos por governos tota-litários, das mais variadas concepções ideológicas. No Brasil, o exemplo clássico foi o aparecimento da obrigatoriedade da Disciplina Educação Física nos currículos de graduação em todas as formações profissionais, coincidentemente no ano de 1968, auge do período ditatorial do Golpe de 64, substituindo a obrigatoriedade da Disciplina Filosofia.

Esse objeto burro, de não saber o por que fazer, e esse mes-mo objeto alienado, a serviço da dominação, controlado no tempo e no espaço, propicia a docilidade corporal, deixando o corpo submisso às ordens impostas. Neste sentido, a Educação Física escolar foi muito eficiente ao longo de sua história, desde a época em que proliferaram os movimentos ginásticos em substituição aos movimentos rocambolescos circenses, sinônimo de ousadia e de difícil controle (SOARES, 1998).

Na Fisioterapia vemos, em muitas situações, o paciente ser orientado em quantas devem ser as repetições para aquele grupo muscular sem a con-textualização daquele ser corpo presente na seção de tratamento.

Na Medicina é comum o paciente entrar em um consultório, relatar rapidamente seus sintomas e ser medicado a partir disso, evi-denciando um tratamento apenas da relação causa e efeito. Parte-se do pressuposto que o paciente é desinformado e não apto a ter o conheci-mento de seus problemas.

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Corpo burro, alienado, presente ao longo do tempo, de forma hegemônica, na ação das aulas da Educação Física Escolar, nas Clínicas de Fisioterapia e nos Consultórios Médicos. Na formação universitária o preconceito é ainda maior, pois alunos dos cursos de Educação Físi-ca, na visão de seus colegas de outras áreas de graduação, vêm para a universidade para aprender a jogar bola, para divertir-se ou ainda para adestrar-se como árbitros de esportes institucionalizados. Importante salientar que este preconceito não se restringe à graduação. Em certa oportunidade, ao defender a implantação de cursos de pós graduação em Educação Física, perante o órgão máximo decisório em uma impor-tante universidade estadual paulista, fui questionado por um doutor da área de saúde que me perguntou: A Educação Física necessita de pós graduação para quê? A este pós graduando será oferecido um apito de ouro?. Lembro-me que respondi afirmativamente ao questionamento, desde que a mesma universidade oferecesse, ao demais pós graduandos algo semelhante, por exemplo: ao médico cirurgião, um bisturi de ouro, e assim por diante...

Corpo Objeto Especializado

Interessante observar que nos sites de áreas de conhecimento que trabalham com o corpo humano, muitas vezes não encontro referência quando a palavra chave para a busca é CORPO. É possível, nesses lo-cais, encontrar milhares de trabalhos científicos com as palavras-chaves fígado, estômago, olho... e tantas outras, mas não encontro trabalhos sobre CORPO HUMANO.

Isto me remete a Capra(1993), em seu Ponto de Mutação, mostran-do que nossa formação profissional privilegia o conhecimento das partes, na crença de que dominado o conhecimento da soma dessas partes teremos o desvelar do todo. Há especialistas para tudo sobre o corpo, mas o que mais me incomoda é que esses especialistas desconhecem o ser humano que está a sua frente. Formamos profissionais médicos, enfermeiros, fisioterapeutas

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e outros, em nossos bancos acadêmicos, que se especializam em doenças, em patologias, em desequilíbrios, mas não damos a esses universitários a possibilidade de conhecer o humano no homem.

Na Educação Física o fato se repete. Passamos o tempo todo en-sinando a dar saque, a dar manchete, a dar toque, a realizar infiltrações ou a identificar as jogadas e suas possíveis coberturas. Mas e o conheci-mento do homem/mulher atleta? Quem se preocupa com o ser humano que joga e procura, no ato de jogar, sua transcendência, sua superação? Quem se preocupa em, a partir do ato de jogar, entender os movimentos aí contidos? Será que a soma do adestramento dos movimentos possibi-lita o amplo conhecimento do ato de jogar? Estas e outras indagações é que devem levantar dúvidas nos profissionais da área, se é que entendo formação profissional como um processo e um projeto de vir a ser.

CORPOREIDADE: O HUMANO NO HOMEM Tecidas as críticas a respeito do conceito de corpo presente he-

gemonicamente em nossa sociedade ocidental e de como este é tratado pelas mais variadas áreas da formação profissional em saúde e educação, é necessário um passo à frente, no sentido de perspectivar novas propos-tas para o vir a ser.

Como foi possível identificar, grande parte do problema da atual Área da Saúde pode ser encontrada nos modelos ou nos referenciais te-óricos assumidos para a formação e para a prática do profissional dessa área. Claro está que isto não ocorre apenas nesta área, pois o paradigma revelado anteriormente permeia toda a educação e é hegemônico no conceito de ciência.

Aqui já se tem um primeiro ponto básico: não será possível ope-racionalizar mudanças estruturadas em leituras ultrapassadas da reali-dade. Perspectivar o futuro exige mudança de enfoque. Novas teorias, no campo da educação e da ciência, deverão servir de suporte para as mudanças.

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Teorias como a da Complexidade, a da Visão Sistêmica, a da Auto Poiésis, dentre outras, deverão ser estudadas para o desenvolvimento do conceito de ciência na área de Educação Física, da Medicina, da Fisio-terapia e nas demais áreas da saúde, condição necessária para ultrapassar a dicotomia histórica revelada por Morin (1999) quando afirmava que as ciências humanas não têm consciência dos caracteres físicos e biológicos dos fenômenos humanos e, por sua vez, as ciências naturais não têm consciência da sua inscrição na cultura, numa sociedade, numa história. Em resumo, as ciências não têm consciência do seu papel na sociedade, bem como dos princípios ocultos que comandam suas elucidações.

A palavra consciência, na interpretação dada por Morin (1999), contém dois sentidos: o primeiro é relacionado com moral, pois há que se ter um controle ético e político da atividade científica; o segundo é relacionado com a constatação de ser o cientista um intelectual, portan-to, portador de uma aptidão auto-reflexiva, que exige que ele se pense e pense em sua aventura científica, através da reflexão filosófica.

Mas, vou às modificações perspectivadas.

Corpo Sujeito Existencial

A Teoria da Motricidade Humana, por exemplo, advoga o es-tudo do ser humano que se movimenta intencionalmente na direção de sua auto superação. No caso de minha história, esse objeto de estudo deveria ser analisado em situações do conhecimento histórico da área, como em situações de jogos, de práticas esportivas, de atividades ginás-ticas, de práticas de danças e de lutas, da busca de saúde, da conquista da qualidade de vida, do trato consciente do corpo existencial, conheci-mentos esses concernentes a uma cultura corporal.

Entender a complexidade desta ação de movimentar-se é reconhecer o movimento como indispensável para o hominal se tornar humano, pois, enquanto tal, é carente dos outros e do mundo, bem como é um ser práxico, que comete ações todos os dias enquanto produz cultura e é modificado por sua cultura e enquanto produz história e é modificado por sua história.

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Isto leva à necessidade de centrar o estudo em um corpo sujeito, existencial, indivisível, que se movimenta para garantir a vida, entendi-da esta tanto no sentido individual quanto coletivo. É entender que esta área de conhecimento científico, mesmo tendo todas as características de inter e até de transdisciplinaridade, exige sua identificação discipli-nar, sem a qual as duas anteriores são impensáveis do ponto de vista de coerência epistêmica.

Esse corpo sujeito é ator e autor de sua história e cultura. É um sujeito relacional, daí a necessidade da consciência de si, dos outros e das coisas ou do mundo.

Corpo que se Auto Supera

O ser humano tende, enquanto vivo, à auto-superação e/ou à transcendência. Até o momento em que deixo de lutar pela vida, sem-pre quero ser mais, sejam quais forem os valores com que podemos adjetivar esse mais.

A área da Motricidade Humana deve detalhar seu olhar em ob-servar este ser mais nas diversas aplicações do conhecimento humano, nas situações já mencionadas anteriormente. Por exemplo, será função da área o estudo do que significam e quais os princípios éticos desejáveis para um atleta alcançar o seu mais, seja na beleza plástica da performan-ce, seja no milésimo de segundo superado, seja na habilidade eficiente. Da mesma forma, será função da área estudar, como outro exemplo, o querer ser mais de todos os que se dedicam às práticas esportivas ou às mais diversas manifestações de atividades físicas, superando seus pró-prios limites, competindo consigo mesmo. Como também será função dos pesquisadores da área o estudo para relacionar esse ato de superação no contexto onde ele se insere.

O estudo assim realizado, entre outras vantagens, permite a vi-vência da competição em seu sentido de motivação, de prazer, de lu-dicidade, não sendo o ato competitivo necessariamente antagônico à cooperação, à participação.

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MOTRICIDADE HUMANA

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Corpo Unitário e Gregário

O corpo do ser humano que deve ser foco de análise da Mo-tricidade Humana é aquele em que o sensível, o inteligível e o motor fundem-se na corporeidade. E a corporeidade é vivenciada das mais variadas formas no mundo predominantemente cosmopolita de hoje. O problema é que, em muitos locais e situações, às vezes, privilegia-se o inteligível em detrimento do sensível e do motor; privilegia-se o motor em detrimento do sensível e do inteligível; privilegia-se o sensível em detrimento dos outros dois.

Viver é conviver e na convivência não me relaciono apenas com a mesma faixa etária ou com os mesmos grupos sociais. Meu dia-a-dia é permeado de relações múltiplas, em gênero, em grupos de interes-ses, em localizações geográficas de moradia, de deslocamentos para o trabalho... Assim, a área da Motricidade Humana, em sua formação profissional, deve propiciar uma aprendizagem que leve em considera-ção esta diversidade. Se, anos atrás, os conteúdos de meu conhecimento específico poderiam ser dados tendo como critério balizador a faixa etá-ria, hoje isto não é suficiente.

O encontro de Berlim, em 1999, já anteriormente mencionado, mostrou que a atual Educação Física, mesmo tendo seu ponto principal na atividade pedagógica na escola, hoje caminha velozmente para tam-bém atuar junto a profissionais de saúde, no sentido da orientação da atividade física para manutenção de saúde. Outro ponto perspectivado neste encontro foi o da Educação Física hoje trabalhar com grupos de interesses, como cardiopatas, obesos, terceira idade, gestantes, e ainda com as mais variadas atividades físicas em academias, condomínios, ca-racterizando a necessidade de se saber orientar grupos compostos pelas mais variadas faixas etárias.

E o ponto mais importante analisado em Berlim, foi o de que, pela primeira vez, a área deverá exercitar em sua ação educativa o con-ceito de inclusão, não mais trabalhando apenas com os corpos de maior habilidade e coordenação.

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corporeidade, motricidade e complexidade

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Estes pontos todos exigirão, na formação profissional, mudan-ças significativas de enfoque e de valores.

Corpo que Busca Qualidade de Vida

O termo qualidade de vida está, hoje, muito presente na pro-dução científica, com pesquisas em todas as áreas de conhecimento, parecendo ser uma nova panacéia para os males da humanidade. No entanto, muitos equívocos têm sido cometidos, como por exemplo, as-sociar qualidade de vida simplesmente com longevidade, acreditando que um ser humano que vive mais, necessariamente é portador de uma qualidade de vida melhor.

Buscar uma vida com qualidade, através da área da Motricidade Humana, requer de todos nós, profissionais dessa área, atitudes no sen-tido de mudança de valores, no sentido de olharmos para o fenômeno corpo com uma mudança radical de nossas percepções. A relação corpo e qualidade de vida deve considerar teorias recentes, como, por exem-plo, as defendidas por Humberto Maturana, Francisco Varela, Ilya Pri-gogine, dentre outros, além dos já referidos neste texto.

A Motricidade Humana, no que diz respeito a uma vida cor-pórea de qualidade, deve minimizar o pensamento Auto-Afirmativo, hegemônico na academia hoje, que valoriza o racional, o sentido da análise, a visão reducionista e o sentido linear, dando prioridade ao pen-samento Integrativo, no sentido de cultivar o senso intuitivo, o poder de síntese, as ações não lineares e a visão sistêmica (CAPRA, 1999). Desta forma, os valores de expansão, competição, quantidade e dominação, tão presentes no aprisionamento do corpo do ser humano hoje, seriam substituídos por valores de conservação, cooperação, qualidade e parce-ria, valores esses escassos nas ações humanas na sociedade atual.

Uma vida corpórea com qualidade desenvolve uma condição de co-responsabilidade nas decisões sobre assuntos que afetam a vida no planeta, bem como de convivência na relação com outros seres huma-nos, superando preconceitos de todos os tipos.

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MOTRICIDADE HUMANA

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Existencializar o corpo numa vida com qualidade é ousar propor projetos pedagógicos para a sociedade pós-industrial, onde, segundo De Masi (2000), terei que lutar também para uma outra mudança de valores, quando deixarei de me preocupar demasiadamente com o como produzir riquezas, o que aconteceu nos últimos duzentos anos da his-tória da humanidade, e passarei a projetar um modo novo de como distribuir essa riqueza produzida, substituindo a competitividade e a exclusão pela solidariedade e hospitalidade. Esses são os valores ade-quados para uma vivência corpórea qualitativa.

CORPOREIDADE E COMPLEXIDADE

A busca da saúde, com a participação de profissionais dessa área como os da Educação Física, Medicina, Fisioterapia e outros, para efe-tivar o prognóstico anunciado no item anterior, deve produzir e traba-lhar o conhecimento da área em novos pressupostos. Para tanto, convém salientar algumas preocupações apontadas por Morin (2001), quando se refere aos conhecimentos necessários para uma educação do futuro.

Diz este autor que um conhecimento necessário é aquele que comporta o risco do erro e da ilusão. Quando direciono o ato de conhe-cer para o corpo, isto também pode acontecer pois:

O conhecimento não é um espelho das coisas ou do mundo

externo. Todas as percepções são, ao mesmo tempo,

traduções e reconstruções cerebrais com base em estímulos

ou sinais captados e codificados pelos sentidos. Daí,

resultam, sabemos bem, os inúmeros erros de percepção

que nos vêm de nosso sentido mais confiável, o da visão. O

conhecimento, sob forma de palavra, de ideia, de teoria, é o

fruto de uma tradução/reconstrução por meio da linguagem

e do pensamento e, por conseguinte, está sujeito ao erro.

(MORIN, 2001, p. 20)

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corporeidade, motricidade e complexidade

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Digo que este erro pode ocorrer quando falo do conhecimento sobre o fenômeno corporeidade, porque o desenvolvimento da inteli-gência, no mundo humano, é inseparável do mundo da afetividade, da curiosidade, da paixão. Assim, por exemplo, posso tanto asfixiar como fortalecer o conhecimento pela afetividade.

Quando o conhecimento, no mundo dos sistemas das ideias, se-jam elas teorias, doutrinas ou ideologias, passa a ser protegido de novas formas de conhecer que lhe são antagônicas, tenho, concretamente, pos-sibilidades de equívocos.

O conhecimento sobre corpo tem sofrido, ao longo do tempo, de um grave problema: o da racionalização, pois, as doutrinas sobre o fenômeno corpo têm obedecido ao modelo mecanicista e determinista. Transformou-se aquela que deveria ser a melhor proteção contra o erro ou a ilusão, a racionalidade, em racionalização, pois, enquanto aquela é aberta e dialoga com o real, esta é fechada e ignora os seres, a subjetivi-dade, a afetividade. (MORIN, 2001)

O conhecimento a ser trabalhado na formação dos profissionais da área da saúde deve ser pertinente e deve atender aos seguintes prin-cípios: o contexto; o global; o multidimensional e o complexo.

O conhecimento sobre o corpo, advindo das informações ou de dados isolados, é insuficiente. Para ter sentido, a palavra necessita do texto, que é o próprio contexto, e o texto necessita do contexto no qual se enuncia. (MORIN, 2001, p. 36)

Mais uma vez lembro que é interessante notar que o fenômeno cor-po, olhado pela área da saúde, é quase sempre parcial, fragmentado, des-contextualizado. Exemplo claro dessa comprovação pode ser constatado ao se procurar a palavra chave corpo em artigos nos sites da medicina. Dificil-mente encontro trabalhos aí relacionados. Entretanto, se as palavras chaves forem fígado, olho, pulmão..., teremos milhares de referências. O mesmo ocorre com a Educação Física e a Fisioterapia, onde tenho exercícios para a panturrilha, para bíceps, tríceps... e até para certos locais específicos de acúmulo de gordurinhas indesejáveis. Como se vê, provavelmente “contex-tualizamos” órgãos, funções, mas não o ser humano vivente.

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MOTRICIDADE HUMANA

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Já o global, para Morin (2001), é mais que o contexto. O global explicita as relações entre o todo e as partes. Uma sociedade, por exem-plo, é mais que um contexto; é o todo organizador de que fazemos parte.

Nos seres vivos, em especial no humano, afirma Morin (2001, p. 37):

existe a presença do todo no interior das partes: cada célula

contém a totalidade do patrimônio genético de um organismo

policelular; a sociedade, como um todo, está presente em cada

indivíduo, na sua linguagem, em seu saber, em suas obrigações

e em suas normas.

Já a multidimensionalidade é característica das unidades com-plexas. O ser humano é, ao mesmo tempo, biológico, psíquico, afetivo, racional e social. Assim, um conhecimento sobre o fenômeno corporei-dade deve reconhecer esse caráter multidimensional e nele inserir todos os aspectos constitutivos do humano.

Por último, na visão do mesmo autor, o conhecimento necessário ao humano deve enfrentar a complexidade. Em outras palavras, o co-nhecimento sobre o fenômeno corporeidade deve ser tecido junto, para o desenvolvimento de uma inteligência geral, favorecendo a aptidão da mente em formular e resolver problemas essenciais.

No caso da formação profissional na área da saúde, em Educação Física, Medicina e Fisioterapia, apenas para mencionar esses três, no trato com a corporeidade, foco de preocupação neste texto, há que se superar os sistemas que provocam a disjunção entre as humanidades e as ciências, da mesma forma que levam à separação das ciências em disciplinas hiperespecializadas, fechadas em si mesmas, como razões últimas do conhecimento científico.

O fenômeno corporeidade não pode se dar a conhecer pela hiperespecialização. A área da saúde, através da episteme da Motri-cidade Humana, deverá colaborar para a análise e o entendimento da corporeidade no contexto da condição humana. O estudo desse

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corporeidade, motricidade e complexidade

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ser humano que se movimenta intencionalmente na direção de sua auto superação, advogado pela Motricidade Humana, deve estar atrelado ao entendimento da complexidade humana, ou, nas pala-vras de Morin (2001, p. 55-61)

Todo desenvolvimento verdadeiramente humano significa o

desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das

participações comunitárias e do sentimento de pertencer à es-

pécie humana.

A educação deveria mostrar e ilustrar o destino multifacetado

do humano: o destino da espécie humana, o destino individu-

al, o destino social, o destino histórico, todos entrelaçados e

inseparáveis. Assim, uma das vocações essenciais da educação

do futuro será o exame e o estudo da complexidade humana.

Apenas para “brincar” mais um pouco com o termo corporeida-de, permito-me reproduzir aqui um texto redigido quando desafiado fui a definir corporeidade para alunos de um programa de mestrado em Educação Física. Redigi o seguinte texto para discussão:

CORPOREIDADE É!!!

Hoje, fomos instados academicamente a falar sobre corporei-dade. Vejam a contradição intrínseca a este fato: falar e pensar sobre corporeidade e não ser corporeidade. Se nos fosse pedido para sermos corporeidade, quase bastaria estar aqui na relação com vocês, neste tem-po cronológico e neste espaço geográfico. Mas, é evidente que o tempo cronológico apenas não expõe a corporeidade, pois ela também é kairós, ou seja, tempo existencializado na cultura e na história.

Ao expressar o pensamento sobre o tema, poderia simplesmente dizer o que está grafado no título deste texto: Corporeidade é! Isto bas-

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MOTRICIDADE HUMANA

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ta...., mas, tenho a certeza que receberia muitas críticas acadêmicas por pensamento tão sintético. Assim, dispus-me a realizar, em alguns mo-mentos neste escrito, uma variação sobre um texto já produzido (onde utilizei o poema Instantes de Borges ou outro), tal qual um intérprete de jazz: apresentar variações sobre um mesmo tema, esperando que isto seja feito com qualidade e atinja a sensibilidade dos leitores/ouvintes.

Corporeidade é voltar a viver novamente a vida, na perspectiva de um ser unitário e não dual, num mundo de valores existenciais e não apenas racionais, ou quando muito, simbólicos.

Corporeidade é voltar os sentidos para sentir a vida em: olhar o belo e respeitar o não tão belo; cheirar o odor agradável e batalhar para não haver podridão; escutar palavras de incentivo, carinho, de odes ao encontro, e ao mesmo tempo buscar silenciar, ou pelo me-nos não gritar, nos momentos de exacerbação da racionalidade e do confronto; tocar tudo com o cuidado e a maneira de como gostaria de ser tocado; saborear temperos bem preparados, discernindo seus componentes sem a preocupação de isolá-los, remetendo essa ex-periência a outros no sentido de tornar a vida mais saborosa e daí transformar sabor em saber.

Corporeidade é buscar transcendência, em todas as formas e pos-sibilidades, quer individualmente, quer coletivamente. Ser mais é sem-pre viver a corporeidade, é sempre ir ao encontro do outro, do mundo e de si mesmo.

Corporeidade é existencialidade na busca de compromissos com a cidadania, com a liberdade de pensar e agir, consciente dos limites desse pensar e desse agir.

Corporeidade é, novamente variando sobre o poema menciona-do: andar mais descalço para o retorno ao respeito à natureza; nadar mais rios, procurando batalhar por águas límpidas e cristalinas; apreciar mais entardeceres, onde o horizonte não seja um buraco de ozônio ou esteja camuflado por nuvens de poluição; viajar mais leve, sem levar, sempre, um guarda chuva, uma bolsa de água quente, uma galocha e um pára-quedas; viver o dia-a-dia com menos medos imaginários.

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corporeidade, motricidade e complexidade

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Corporeidade é incorporar signos, símbolos, prazeres, necessida-des, através de atos ousados ou através de recuos necessários sem achar que um nega o outro. É cativar e ser cativado por outros, pelas coisas, pelo mundo, numa relação dialógica.

Corporeidade é tema de discussões científicas, realizadas com radicalidade, com rigor e de forma contextualizada, mas sem separar o corpo em partes para depois juntá-las; sem manipular pessoas para de-pois desculpar; sem criar prosélitos para depois deixá-los a ver navios; sem transformar teorias em dogmas, pois, enquanto aquelas são abertas e passíveis de reformulações, estes são sinônimos de regras imutáveis a serem seguidas, justificando tudo, às vezes até a ausência da corporei-dade.

Corporeidade é sinal de presentidade no mundo. É o sopro que virou verbo e encarnou-se. É a presença concreta da vida, fazendo his-tória e cultura e ao mesmo tempo sendo modificada por essa história e por essa cultura.

Corporeidade sou eu. Corporeidade é você. Corporeidade so-mos nós, seres humanos carentes, por isso mesmo dotados de mo-vimento para a superação de nossas carências. Corporeidade somos nós na íntima relação com o mundo, pois um sem o outro são in-concebíveis.

Para os que estão pensando que corporeidade é Bom-Bril, ou seja, tem 1001 utilidades, lamento dizer que estão errados, pois cor-poreidade não é algo que me aproprio com um fim utilitário. Quando penso na ideia de apropriação, já destinei o corpo a uma posição de submissão ao espírito ou à mente. Aí, já diziam pensadores como Marx e Nietzsche: a soma das partes não dá o todo.

Corporeidade não é tema que vai salvar o mundo. No entanto, corporeidade é existencialidade viva, e a vida preserva e se nutre da relação com o meio ambiente.

Corporeidade é o ser vivente exercitando sua motricidade. Cor-poreidade não é um conceito, é um estilo de vida na busca da superação.

Enfim, CORPOREIDADE É !!! (MOREIRA, 2003, p. 79)

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MOTRICIDADE HUMANA

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os desafios que temos pela frente, por um lado são ameaçadores, em virtude de não possuirmos referências claras e já trilhadas do como realizar essa mudança paradigmática. Por outro lado, são encantadores, considerando os argumentos apresentados e o fato de nos movimentar-mos na busca de nossas incertezas, condição essa primordial e dinâmica para a produção de novos conhecimentos.

Formação profissional nas áreas que trabalham com o corpo hu-mano, em especial a Educação Física, na busca do estudo e do entendi-mento do fenômeno corporeidade, requer esforços de superação, requer uma produção teórica e uma ação prática que estejam estruturadas na perspectiva da complexidade, onde a essencialidade do ser humano se humanize em sua existencialidade.

Ou ainda, como já escrevi certa vez (MOREIRA, 2001), se o ho-mem, quando nasce, pode ser considerado um ser biológico por excelência, em sua existencialidade, ao humanizar-se, realiza movimentos no sentido de se superar e de caminhar em direção a si mesmo, em direção ao outro e em direção ao mundo, passando de um estado inicial determinista de instintos, reflexos, funções orgânicas para uma intencionalidade guiada por racionali-dade, inteligência, criatividade, sensibilidade e afetividade.

Essa sua facticidade, essa sua existencialidade, onde homem e humano podem ser compreendidos pelos movimentos, pela expres-são, pela comunicação, é que denominamos o conhecimento identi-ficador das áreas que exercitam sua profissão junto ao corpo huma-no, incluindo aí a Educação Física, nas epistemes da Motricidade e da Complexidade.

A nós, profissionais dessas áreas, a missão desta tarefa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPRA, F. O. ponto de mutação, São Paulo: Cultrix, 1993.

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corporeidade, motricidade e complexidade

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______. A teia da vida, São Paulo: Cultrix, 1999.

CURY, A. O futuro da humanidade: a saga da Marco Polo, São Paulo: Sextante, 2006.

DE MASI, D. O ócio criativo, Rio de Janeiro: Sextante, 2000.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir, Petrópolis: Vozes, 1987.

LE BRETON, D. Adeus ao corpo, Campinas: Papirus, 2003.

MOREIRA, W. W. Qualidade de vida: como enfrentar esse desafio, in: Moreira, Wagner W. (Org) – Qualidade de vida: complexidade e educação, Campinas: Papirus, 2001.

______. Croniquetas: um retrato 3x4, Piracicaba: Unimep, 2003.

MORIN, E. Ciência com consciência, Rio de Janeiro, 1999.

______. Os sete saberes necessários à educação do futuro, São Paulo: Cortez, Brasília: Unesco, 2001.

SOARES, C. L. Imagens da educação no corpo: estudo a partir da gi-nástica francesa no século XIX, Campinas: Autores Associados, 1998.

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FUNDAMENTOS ANTROPOLÓGICOS, FILOSÓFICOS E PSICOLÓGICOS

DA MOTRICIDADE HUMANA

Sidirley de Jesus Barreto

BASES ANTROPOLÓGICAS DA MOTRICIDADE HUMANA

A Nova Antropologia deixou de lado o aspecto meramente et-nológico e está se debruçando sobre o “homem que está aí no mundo”. A Motricidade Humana, na busca de um estatuto epistêmico que lhe possibilite ser reconhecida como uma Ciência do Homem, não poderia deixar de buscar subsídios na Antropologia, principalmente nesta Nova Antropologia que se nos apresenta neste início do século XXI.

A Antropologia é tão vital para o estatuto epistêmico de uma Ciência do Movimento Humano (CMH) que a ainda pequena comu-nidade científica que busca legitimá-la, denomina-a cinantropologia. É Sérgio (1986, p. 27), quem comenta:

Do ponto de vista epistemológico sou em crer que o Desporto

integra uma nova ciência do homem (a que eu costumo cha-

mar cinantropologia, ou ciência da motricidade humana), ao

lado do treino, da dança, ginástica, circo e até da motricidade

inerente ao trabalho.

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MOTRICIDADE HUMANA

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Por isso insistimos juntamente com este filósofo lusitano na ne-cessidade de se buscar na Filosofia e na Antropologia os subsídios ne-cessários para se compreender o movimento para além das visões anatô-micas, fisiológicas e competitivistas.

Manuel Sérgio, filósofo de boa cepa, defendeu uma tese doutoral bri-lhante em 1986 na Universidade Técnica de Lisboa, submetendo-a a Acade-mia sob o título de “Em busca de uma Epistemologia da Motricidade Huma-na”. Sua tese doutoral está hoje na terceira edição, pela editora compendium sob o título, para uma epistemologia da Motricidade Humana.

Medina (1988, p.10), fazendo a apresentação do livro Educação Física ou Ciência da Motricidade Humana de Manuel Sérgio, comen-ta que o autor empenha-se em demonstrar aos profissionais da educação física a imperiosidade de se estabelecer uma nova teoria, um novo corpo de conhecimentos, que dê embasamento a CMH, da qual a Educação Motora, e não mais a Educação Física, seria um dos seus componentes.

Ainda segundo Medina (1988, p. 10), na apresentação do livro supracitado, não se trata de propor simplesmente mudanças de nomes, como alguns mais desavisados e desinformados podem pensar:

Trata-se, de fato, de uma mudança paradigmática, ou seja, a

educação física não pode continuar a reboque de um emara-

nhado de ciências (Anatomia, Fisiologia, Psicologia e Socio-

logia...) e depois se perder numa práxis biologizante, psicolo-

gizante, paramédica ou militar; ela, como Ciência autônoma,

tem plenas condições de cunhar seu próprio método e seu pró-

prio objeto: a motricidade humana.

Ora, para que isso aconteça, há de se ter como objeto de estudo, o Homem e o movimento nas suas mais diversas manifestações e, por isso, a Antropologia deve fornecer subsídios importantes para a descen-tração da educação física de seu aspecto biologizante e pedagogicista atual, visando à aquisição de uma visão de Homem e de Movimento e de Relacionamento mais abrangente, mais holística.

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fundamentos antropológicos, filosóficos e psicológicos

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Há de buscar na Antropologia os subsídios necessários para a sedimentação de uma CMH ou, para se compreender o movimento para além das visões anatômicas, fisiológicas e competitivistas, como se procura fazer neste trabalho.

Na menção de Merleau-Ponty, apud Sérgio (1989, p. 25):

O organismo não pode pensar-se à imagem e semelhança das

estruturas físicas, como uma unidade de correlação, mas que

a sua especificidade era ser uma unidade de significado, que

o mesmo é dizer que a relação entre as percepções e os movi-

mentos do organismo não é de natureza física, mas, uma coor-

denação de funções significativas.

Eis, portanto, a grande contribuição da fenomenologia: defender que a motricidade só é possível de ser apreendida globalmente, a partir da intencionalidade e da intersubjetividade, que nos distingue dos ou-tros animais ditos irracionais.

Como é possível perceber, não é fácil definir o Homem, muito menos o movimento. Morin, apud Sérgio (1987, p. 29), comenta que, “podemos descobrir no homem três grandes regiões: o físico, o biológi-co e o antropológico”.

O ser humano é, pois indivisível, um espírito manifestado em

carne, irradiando-se nela: em um corpo, em um tempo, em um

lugar, em uma história.

A contribuição antropológica à organização de um estatuto epis-têmico que dê cientificidade à motricidade humana vai ficando cada vez mais clara para o autor e para a, ainda, pequena comunidade científica internacional, que se debruça sobre o assunto.

Na menção de Costa (1989, p. 24), no início do século XIV, Jonh Dun Scotus colocou em dúvida na Inglaterra o princípio então domi-nante do “Omne Quod Movetur Ab Alla Movetur”, tudo o que se

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MOTRICIDADE HUMANA

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move é movido por outra coisa. Para este filósofo medieval a causalida-de não explicava todos os fenômenos humanos.

Mais uma vez deixa-se claro a importância da Antropologia neste processo de mudança paradigmática e na busca de uma abordagem epis-têmica que facilite a compreensão do movimento humano como algo além das abordagens bioquímicas, anatômicas, fisiológicas e desportivas.

Costa (1989, p. 72), no que tange a uma busca dos aspectos qua-litativos e holísticos contribui comentando que:

Posições extremas à parte, e configurado como central, o pro-

blema da epistemologia nas ciências sociais, métodos de in-

vestigação qualitativa e de construção holística da realidade

têm sido reabilitados, destacando-se a fenomenologia e a her-

menêutica, que valorizam mais compreensão do que explica-

ção. Assim tem ocorrido na Antropologia, Sociologia, Ciência

Política, Economia e, especialmente, na Psicanálise, em que a

exaltação da ciência contrasta mais nitidamente com as defici-

ências de métodos e de episteme. Outros métodos qualitativos

de diferenciados propósitos, complementações e limitações

– tais como etnografia, taxionomia, historiografia, estudo de

caso, tipo ideal, dialética, pesquisa participante, etc. – têm sido

valorizados recentemente pelo espaço aberto por abordagens

fenomenológicas e hermenêuticas.

Pode-se dizer, com Costa (1987, p. 74), que

o problema da superação paradigmática e metodológica está

devidamente encaminhado no contexto epistemológico, mas

não no sentido operativo, ou seja, no nível da realização de

pesquisas, principalmente as referidas ao âmbito social.

O corte epistemológico se faz presente e necessário, há de su-perar-se a visão aristotélica-cartesiana e lançar-se para além, para uma

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fundamentos antropológicos, filosóficos e psicológicos

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visão holística do paradigma emergente, usando uma linguagem Khu-niana: Meu corpo é meu primeiro próximo, o meio de aproximação do próximo, o intermediário nato, para a compreensão da alteridade do outro.

Já Cagigal (1979, p. 14), nos mostrou que:

La cultura indudablemente es unitária, es decir, se cultiva no

se cultiva el ser humano. Este es uno, la acción cultural que

sobre él se ejerce es, en alguna maneira, una e indivisible, cual-

quiera que se a el aspecto personal que se mejore.

Como é possível perceber com Cagigal, o corte faz-se necessá-rio e assim como a contribuição da Antropologia Cultural (e não só!). Jewett apud Cagigal (1979, p. 60), no capítulo “Bases Antropofilosó-ficas Para Una Educación Física” procura demonstrar os fatores que interferem na visão antropológica do movimento humano, que podem ser assim designados:

I – EL HOMBRE DUEÑO DE SI MISMO: el hombre

si mueve para satisfacer su potencial humano en desarrollo.

A) Eficiencia Fisiológica: el hombre si mueve para mejorar y

mantener sus capacidades funcionales:

B) Equilibrio Psíquico: el hombre si mueve para conseguir

una integración personal.

II – EL HOMBRE EN EL ESPACIO: el hombre se mue-

ve para adaptar-se y controlar el ambiente físico que le rodea.

A) Orientación Espacial: el hombre se mueve en relación

consigo mismo, en las tres dimensiones del espacio:

a.1 – Conciencia _ El hombre se mueve para clarificar su

concepción acerca de su propio cuerpo y posiciones del es-

pacio.

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MOTRICIDADE HUMANA

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a.2 – Situación _ El hombre se mueve de muy diversas for-

mas para desplazar-se o proyectarse.

a.3 – Manejo de Objetos: el hombre se mueve para dar im-

pulso y absorber la fuerza de objetos:

a.3.1 – Manejo de peso _ El hombre se mueve para suportar,

resistir o transportar masas.

a.3.2 – Proyección de objetos _ El hombre se mueve para

propulsar y dirigir una gran variedad de objetos.

a.3.3 – Recepción de objetos _ El hombre se mueve para

interceptar una variedad de objetos, reduciendo o atenuado

su inercia.

III – EL HOMBRE EN EL MUNDO SOCIAL: el hom-

bre se mueve para relacionar-se con los demás:

A) Comunicación: el hombre se mueve para compartir ideas

y sentimientos con los demás;

B) Expresión: el hombre se mueve para conducir sus ideas

y sentimientos;

C) Clarificación: el hombre se mueve para facilitar el signifi-

cado de otras formas de comunicación;

D) Simulación: el hombre se mueve para crear imágenes o

situaciones supuestas;

E) Interacción grupal: el hombre se mueve para funcionar en

armonía con os demás;

F) Trabajo en equipo: el hombre se mueve para cooperar en

la consecución de metas comunes;

G) Competición: el hombre se mueve para conseguir metas

individuales o grupa-les;

H) Liderato: el hombre se mueve para influir o motivar a

los miembros del grupo para consecución de metas comunes;

I) Implicación cultural: el hombre se mueve para tomar parte

de actividades de tipo motor que constituem una parte impor-

tante de su sociedad;

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fundamentos antropológicos, filosóficos e psicológicos

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J) Participación: el hombre se mueve para desarrollar su ca-

pacidad de tomar parte en las actividades motoras de su so-

ciedad;

L) Apreciación del movimiento: el hombre se mueve para

llegar a tener conocimiento y apreciación de los deportes y las

formas expresivas del movimiento;

M) Comprensión cultural: el hombre se mueve para com-

prender, respetar y fortalecer su herencia cultural.

A Antropologia Cristã também pode e deve dar sua contribuição e, já se vislumbra nela o Corte, em Mounier (1971, p. 28), quando afirma que:

O homem cristão, supremamente independente e desapega-

do, pela Transcendência de seu princípio de vida, é o homem

mais apegado, o mais encarnado no mundo, pelas condições

de acesso à vida espiritual. Ele não está situado, mas toda His-

tória,– e tudo isso é seu corpo, querido tal e tal, em ligação com

uma missão singular, por uma intenção particular de Deus.

Ele não está aí situado como prisioneiro na prisão, assim como

o imaginam todos os pessimistas da carne, desde Platão até

esse jansenismo difuso que o tempo não chegou ainda a elimi-

nar da sensibilidade cristã.

Pode-se divisar aí, já o Corte que antecipava o que ocorre hoje na Antropologia Cristã, através de movimentos como “Os atletas de Cristo” ou “Renovação Carismática”. São Francisco tratava o corpo de “meu irmão corpo” e São Paulo o chamava de “Templo do Espírito Santo”.

O ser humano é, pois indivisível, um espírito manifestado em carne, irradiando-se nela: em um corpo, em um tempo, em um lugar, em uma história. Mounier procurou, portanto, aproveitar do materia-

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MOTRICIDADE HUMANA

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lismo e do socialismo o que achava necessário para a estruturação de uma Nova Antropologia Cristã, numa grande síntese, numa grande dialética.

Na menção de Mounier (1971, p. 29), meu corpo é meu primei-ro próximo, o instrumento de aproximação de todo próximo, o interme-diário nato. Se aceitarmos juntos esta vocação, ele escapará como tudo o que a vida pessoal em Deus transfigura, à maldição do egocentrismo que corrompe toda carne e todo espírito.

Percebe-se que Mounier buscava novos caminhos, divisava o Corte, preocupava-se com a Motricidade Humana, tentava dar-lhe um caráter epistêmico e dialético. Por isso, cita-se uma vez mais Mounier (1971, p. 32), quando menciona que:

O homem é ser-no-mundo. Sua condição não pode ser capta-

da sem ser captada imediatamente como condição encarnada e

inserida. Assim como não existe e não vive independentemente

dos outros, a pessoa não vive e não existe independentemente

da natureza. Igualmente ela deve realizar-se tanto pelo corpo-

a-corpo, como pela vida interior. Não existe um só gesto es-

piritual que não se apoie em um movimento e não se exprima

por um movimento. Não existe criação que não seja produção.

Portanto, não existe para o homem, vida da alma separada da

vida do corpo, reforma moral sem remanejamento técnico e,

ao mesmo tempo, não existe crise, revolução espiritual sem re-

volução material. O grande mérito do marxismo é ter posto

em evidência esta solidariedade e tê-la analisado na realidade

moderna.

Ainda na Antropologia Cristã, não se pode deixar de registrar a importância do Padre Pierre Teilhard de Chardin para o assunto que se está a abordar neste escrito. Homem culto, de uma sensibilidade ex-tremamente aguçada, De Chardin buscou constantemente uma grande síntese, uma dialética dinâmica que fizesse o necessário corte na an-

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fundamentos antropológicos, filosóficos e psicológicos

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tropologia cristã existente e, fosse o arcabouço, o sustentáculo de uma Nova Antropologia Cristã.

Depois de debruçar-se sobre a Teologia, a Filosofia, a Biologia, a Paleontologia e as Ciências Humanas, De Chardin realizou o que po-demos chamar de obra-síntese, ao escrever o sensacional livro “O Fenô-meno Humano”. Vamos nos debruçar um pouco sobre a escritura desse fértil e vigoroso pensador para continuar nossa linha de raciocínio.

Conforme De Chardin (1986, p. 25), nem é necessário ver: “Por que procurar ver? E por que volver mais especialmente nosso olhar para o objeto humano?” pergunta este pensador cristão. Esta mesma per-gunta fazem aqueles que se debruçam sobre as questões da motricidade, como bem o fez Merleau-Ponty (1971).

De Chardin (1986, p. 25), continua sua reflexão (crítica) citando que:

Poder-se-ia dizer que toda a Vida consiste nisso – se não fi-

nalmente, ao menos essencialmente. Ser mais é unir-se cada

vez mais: tais serão o resumo e a própria conclusão desta obra.

Mas, como teremos oportunidade de constatar, a unidade só

aumenta sustentada por um crescimento de consciência, isto é,

de visão. Eis por que, indubitavelmente, a história do mundo

vivo se resume na elaboração de olhos cada vez mais perfeitos

no seio de um Cosmo, onde é possível discernir cada vez mais.

A perfeição de um animal, a supremacia do ser pensante, não

se medem pela penetração e pelo poder sintético de seu olhar?

Procurar ver mais e melhor não é portanto uma fantasia, uma

curiosidade, um luxo. Ver ou perecer. Eis a situação imposta

pelo misterioso dom da existência a tudo quanto é elemento do

Universo. E eis, por conseguinte, num grau superior, a con-

dição humana.

Como é possível perceber, De Chardin preconiza uma nova an-tropologia cristã ancorada no homem, no engajamento, no sensível, no

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MOTRICIDADE HUMANA

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corpóreo. Neste sentido, seus escritos possuem toda uma riqueza de dados que contribuem para a organização de uma episteme que legitime a Motricidade Humana como Ciência do Homem, como área autôno-ma do conhecimento (possuindo, portanto, seus métodos próprios, um corpo teórico autônomo, uma comunidade científica que a legitima, um espaço institucional favorável ao seu desenvolvimento e uma linguagem apropriada), como requer a epistemologia moderna. O homem não é estático; o mundo não é estático, as relações sociais não são estáticas e, por isso, o homem deve ser entendido como uma tríade formada pela Antropogênese, pela Biogênese e Cosmogênese.

Para De Chardin (1986, p. 32):

Antropogênese é o processo de geração ou formação do ho-

mem, ou seja, aparecimento e desenvolvimento do grupo

humano por ultrapassagem de um limiar específico (o “peso

da reflexão”), que corresponde simultaneamente a um estado

superior de ordenação ou arranjo cósmico (continuidade) e a

uma mudança de natureza (descontinuidade) no curso da Bio-

gênese (geração da vida).

Essa gênese da Humanidade no seio da vida deveria ser objeto de uma ciência sintética sobre a formação e, acima de tudo, sobre o porvir do Homem, podendo recorrer à colaboração de outras ciências, como a física, a biologia, a antropologia, as ciências morais, etc. Essa “Nova Antropologia” como “Ciência do desenvolvimento humano” é um dos temas centrais da obra de De Chardin.

Por Cosmogênese entende De Chardin (1986, p. 32):

O processo de geração ou formação do Cosmo, ou seja, o pró-

prio Universo evolutivo, apreendido como um processo ani-

mado por um movimento que se vai orientando e convergindo

à medida que avança (Biogênese, Antropogênese, Psicogênese

ou Noogênese).

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fundamentos antropológicos, filosóficos e psicológicos

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É essa a concepção que De Chardin fazia do Universo. Concep-ção esta que se opunha de maneira radical à Antropologia Cristã até então estabelecida (estática), demarcando claramente uma visão dinâ-mica, dialética e um verdadeiro corte epistemológico. Lançava assim, De Chardin, o seu método fenomenológico-científico, que serviu de base para a sua Hiperfísica.

Percebe-se pelo exposto até o presente momento, que a Antropo-logia Cristã, que De Chardin preconiza, é algo aberto ao novo, delimita o Corte, mostra-se holística, combate o paradigma aristotélico-carte-siano. Esta nova antropologia foi, na época, o que costumo chamar de Transvanguarda e, em certas medidas, ainda é.

Retoma-se aqui, o pensamento de Sérgio (1991, p. 13), quando comenta que:

Fundamentar filosoficamente não é tanto perguntar pelo que

o Homem é. Ora, só especulando se sabe o que o Homem é,

pois que se trata de uma sabedoria que se alcança muito para

além do fenômeno, do episódico, do imediato. Viver humana-

mente equivale à atualização das potencialidades do ser. Tudo

muda, exceto a verdade que explica a mudança. Ora é a ver-

dade que explica a mudança, o que a Filosofia, numa operosi-

dade incansável, procura. Tudo me foi dado, mas nada me foi

dado feito. Vejo-me assim, coagido a fazer o que está por fazer.

Morin chama sua antropologia de Antropológica; José Maria Ca-gical chama a sua de Antropofilosofia; De Chardin, de Fenomenologia-científica e; Sérgio denomina a sua de Cinantropologia (nome que na reali-dade pega de empréstimo a Cagigal). Em todos estes autores encontramos subsídios para uma melhor compreensão do Homem e do Movimento. São antropologias que dialeticamente se fundem numa Nova Antropologia que visa resgatar o humano do Homem e do movimento.

É, ainda, Sérgio (1991, p. 13), quem ressalta numa visão dinâ-mica e dialética que:

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MOTRICIDADE HUMANA

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A pedra, o vegetal ou os animais são seres pré-fixados e acaba-

dos, de uma vez por todas. O Homem, ao invés, faz-se a cada

momento. A minha vida, com rugas de desânimo ou o rosto de

alegria, de temperamento austero ou ufano – é o que eu faço e

a circunstância me permite.

Pode-se perceber pela citação acima, que, a circunstancialidade e a universidade mutuamente se implicam e mutuamente se explicam, pois que, a circunstância é a via de acesso ao universal. O que a ainda pequena comunidade científica internacional que luta pela instituciona-lização da Cineantropologia como Ciência do Homem procura esclare-cer é justamente a necessidade desta ciência nas circunstâncias atuais e universais: vazio existencial, robotização do homem através do esporte, o desabrochar de seitas que apelam para rituais corpóreos (catárticos ou não), aumento das horas de tempo livre, o desabrochar de terapias alternativas e corporais, a invasão, no Ocidente, de técnicas corporais orientais, o redimensionamento dos currículos universitários dando um espaço para determinadas disciplinas ditas alternativas (ainda que de maneira tímida e em pouquíssimas universidades do mundo), etc.

O homem não é estático; o mundo não é estático, as relações sociais não são estáticas e, por isso, o homem deve ser entendido como uma tríade formada pela Antropogênese, pela Biogênese e Cosmogênese.

Tudo isso leva a crer que estamos diante de uma crise; que es-tamos diante de um período de transição do paradigma aristotélico-cartesiano para o paradigma emergente ou holístico.

O papel da Nova Antropologia fica bem claro e abre o leque de suas possibilidades pelo que ficou assinalado até o presente momen-to. Esta Nova Antropologia pode pedir de empréstimo os estudos da Semiótica e da Semiologia, pois segundo Greimas, apud Aucouturier, Empinet e Dalrault (1986, p. 98):

De um modo geral, a semiótica pode ser definida como um

projeto científico (e não como uma ciência acabada ou em

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fundamentos antropológicos, filosóficos e psicológicos

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via de sê-lo) que visa à descrição, à análise dos sistemas de

significação, quaisquer que seja, isto é, mais precisamente,

qualquer que seja a “linguagem” de manifestação: a língua

constitui, sem sombra de dúvida, um notável sistema de

significação (de “status” privilegiado), mas que não deve

de nenhuma forma eclipar outros sistemas tão numerosos,

que constituem o mundo humano, como, essencialmente, o

da significação. Pode-se evocar, aqui, em primeiro lugar, a

gestabilidade, mas também os sistemas plásticos (grafismo,

pintura, fotografia, etc.), a música, a arquitetura, sem es-

quecer os sistemas mistos (ou multimeios) como, por exem-

plo, o teatro, o cinema, etc.

Ao que tudo indica, a semiótica pode dar uma contribuição in-delével a esta Nova Antropologia e a organização de um estatuto epis-têmico ao estudo da Motricidade Humana. Mas é preciso refletir com Aucouturier, Empinet e Dalrault (1986, p. 98), que:

É importante assinalar, de imediato, que a semiótica se distin-

gue claramente (após um período onde os dois termos podiam

parecer semanticamente próximos) da semiologia, que se inte-

ressa estritamente pelos sistemas de comunicação, constituídos

por processos onde um emissor transmite intencionalmente

uma mensagem a um receptor.

A semiologia, portanto, está mais ligada aos códigos que servem para comunicação como, por exemplo, os sinais marítimos ou de trân-sito. Ao se analisar semioticamente um discurso pode-se levar em conta dois fatores principais:

1) O discurso construído a partir de um roteiro (como no cine-ma ou no teatro), que possui uma intencionalidade pré-deter-minada;

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MOTRICIDADE HUMANA

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2) Ou, o discurso gestual de natureza multissemiótica de uma terapia corporal, por exemplo, que possui uma intencionali-dade que poderíamos chamar de circunstancial.

Freire (1991, p. 145), em tese doutoral procurou analisar de ma-neira semiótica, filmando os movimentos de crianças deixadas livres para experimentarem os mais diversos movimentos no futebol e, chegou à seguinte conclusão:

O corpo é a casa que habitamos. O corpo é nossa morada.

O corpo é a casa, como qualquer outra, com janelas, portas,

jardins, paredes, construídas por muitas mãos, também as

nossas. Só há uma diferença: os habitantes que a construíram

ou a compraram nunca são vistos dentro dela. São habitantes

que se confundem com ela. Por mais que digam “meu corpo”,

“minhas mãos”, “meu coração”, o eu do meu é sempre invisí-

vel. Na casa que é o corpo também existem espaços: entre as

paredes, entre os objetos, no interior de cada estrutura que faz

a casa. Também nesses espaços flutuam os medos, as ideias, as

árvores, a raiva, as crenças e as fantasias.

Como procura demostrar a psicanálise, fantasmas são produções imaginárias. No imaginário humano, signos e símbolos se fazem pre-sentes. Se há compreensão, se há introjeção de uma forma no imaginá-rio humano, podemos falar em símbolo, em caso contrário, fala-se em signo ou sinal. O símbolo possui sempre algo de afetivo que o envolve e o “armazena” no inconsciente coletivo de humanidade, como ensinou Jung, ou no inconsciente individual, como ensinou Freud.

Não esgotamos o assunto. Seria muita pretensão empreender tal empreitada, principalmente para um neófito no assunto. Por outro lado, espera-se ter, ao menos, demonstrado superficialmente a importância de se resgatar a importância de uma Nova Antropologia que sirva de base para a nascitura CMH ou Cinantropologia.

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fundamentos antropológicos, filosóficos e psicológicos

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Sabe-se que toda mudança ou esforço de mudança gera crise e que a mudança pode ser positiva ou negativa, mas espera-se que, com este simples artigo estejamos ajudando na compreensão da Motricidade Humana, como uma Ciência do Homem, como uma Nova Antropo-logia.

Sabe-se também que a crise já se instalou e que a mudança ocor-re aos poucos. A compreensão das mudanças, atualmente, situa-se em outras esferas, mas não deixa de ser menos complexa do que no passado e para isto, recorre-se a Santin (1987, p. 69):

A nossa época, marcada profundamente por interesses econô-

micos, políticos e ideológicos, não aceita com facilidade que se

alterem as regras do jogo. Como nós somos dominados pelos

privilégios sociais, pelas ambições políticas e pelos interesses

econômicos, quando algumas vezes se levantam propondo

mudanças, queremos de imediato saber como ficarão nossos

privilégios, nossas ambições e nossos interesses. Ninguém

quer sair perdendo. A mudança é sempre suspeita. Mais peri-

gosa. Especialmente se não ficarem claras as situações novas.

Tem-se sentido isso de perto, nesta caminhada diuturna e tortuo-sa pelas trilhas nascitura da Cinantropologia.

FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS

De acordo com Santin (1987, p. 7), “o homem realiza-se como unidade de ser corpóreo movido pela intencionalidade, constrói-se ao expressar-se na história e na linguagem e se expressa no trabalho e na inter-subjetividade”.

O autor acima citado postula a necessidade de uma reflexão filo-sófica de questionamentos sobre a presença e o lugar do corpo na escola, na sociedade, na cultura e na política.

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MOTRICIDADE HUMANA

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No momento em que se questiona as taras do ter e do poder (SÉRGIO, 2000 e 2004), a omnienciência da ciência e seu paradigma cartesiano, há de se questionar também, o lugar do corpo no aprender e no reabilitar, afinal como ressalta Feitosa, (1993) o movimento é uma ferramenta poderosa e normalmente constitui uma experiência muito emotiva. Assim, é muito improvável que as experiências físicas tenham um efeito neutro sobre a mente e o psiquismo.

A Motricidade Humana enquanto ciência encruzilhada, ou seja, uma ciência onde se cruzam inúmeras áreas do conhecimento (Neu-rologia, Psicanálise, Educação Física, Pedagogia, Semiótica, etc.) não pode se esquivar deste questionamento.

No Brasil, a Psicomotricidade sempre foi vista como uma área alienada e servindo aos interesses da classe dominante, mas a partir das contribuições indeléveis de Vigotsky, Luria, Leontiev (Rússia), Parle-bás (França), Vitor da Fonseca, Nelson Mendes e Manuel Sérgio (Por-tugal) e Solange Thiers (Brasil), buscou-se uma matriz epistemológica e sociomotriz que lhe desse a condição de caminhar em direção a se tornar uma Ciência (a CMH), comprometida também com os exilados da infância, da juventude e da terceira idade.

A Psicomotricidade Relacional aparece então com Bernard Au-couturier e André Lapierre, em 1971, buscando respaldar sua prática nos mais diversos campos de aplicação: berçário, escola maternal, ensi-no fundamental, treinamento de docentes, etc.

Com aplicabilidade teórica comprovada na prática, buscou-se aos poucos, o engajamento sócio-político em prol dos exilados de todas as espécies. Principalmente nos países do 3o mundo, os líderes da Psicomotricidade Relacional estão preocupados com a formação de educadores comprometidos com a cooperação, com a ludicidade, com a motricidade, com a aprendizagem formal, com a aprendizagem de “savoi-faire” (saber fazer) indispensáveis ao desempenho social e com a efetividade.

Esta tentativa já havia sido feita, inicialmente pelo famoso psi-comotricista francês Jean Le Boulch (Médico, Professor de Educação

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fundamentos antropológicos, filosóficos e psicológicos

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Física e Psicólogo), em seu famoso método “Psicocinética”, porém, apesar de desenvolvermos cortes epistemológicos em outros métodos, possuímos como eixo principal, a proposta de Lapierre e Aucouturier, pois entendemos que a Psicomotricidade Relacional é basicamente a realidade humana, pois o homem é corporeidade e como tal, é movi-mento, é gesto, é expressividade, é presença.

Procurarmos sedimentar os fundamentos filosóficos a partir das seguintes correntes: fenomenologia, existencialismo, dialética e epis-temologia, reconhecemos a imensa dificuldade que teremos em tentar fazer uma síntese entre estas correntes, mas não pretendemos nos furtar ao prazer que será se enveredar por estes estreitos e tortuosos caminhos.

FUNDAMENTOS FENOMENOLÓGICOS

Merleau-Ponty (1971) descreve a presença do homem como corporeidade, portanto, como fenômeno material-corporal, afinal, “a corporeidade implica expressividade, palavra e linguagem”. A CMH, em particular, o nosso trabalho, vai buscar na fenomenologia e, em par-ticular, em Merleau-Ponty, apoio filosófico que sustenta a prática coti-diana, pois esta corrente filosófica procura levar o homem a se penetrar em atitude de análise reflexiva ou, como quer o filósofo português Ma-nuel Sérgio, em atitude de reflexão-reflexivante.

A psicomotricidade relacional encontra o seu fundamento bási-co no humano, ou seja, num aspecto antropológico que não é dado a priori, mas que “está-aí-no-mundo” através do relacionamento, mas a CMH se lança para além, buscando ademais a transcendência. Afinal, é no homem, e através do relacionamento humano, que a motricidade encontra a sua razão de ser, no sentido de levar-nos a transcender e transcendermo-nos através da corporeidade.

O pensar, o agir, o se relacionar e os gestos, são atitudes huma-nas e não apenas parte integrante do homem a ser utilizada na situação A ou B, de acordo com a bagagem instintiva.

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MOTRICIDADE HUMANA

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O envolvimento humano é sempre um envolvimento total, mes-mo que muita coisa se passe em nível inconsciente. Cada um de nós, enquanto um ser fenomênico possui gestos originais, próprios, pessoais. Cada um de nós possui seu próprio timbre de voz, seu sotaque, seu modo de falar, andar e se relacionar. O normal, portanto, é que o gesto do nosso braço fosse, também, o gesto do nosso espírito e não o gesto preconizado pela ginástica aeróbica, pela calistenia, ou seja, um gesto padronizado, estereotipado, apriorístico.

Buscamos, na fenomenologia, uma descrição que mostre “a coi-sa” do fenômeno. a fenomenologia deu-nos condições de ver aquilo que se manifesta em si mesmo, evitando com isso, pré-conceitos que po-deriam tirar a pureza de observação feita aqui e agora, de uma dada situação educativa ou reeducativa.

EXISTENCIALISMO

O existencialismo é uma corrente filosófica que surgiu de ma-neira forte nos anos 50, em virtude da existência humana ter se tornado escorregadia com a bomba atômica e a possibilidade de todo o mundo sucumbir a partir de um simples apertar de botões. Enterrando nos escombros de um mundo em ruínas, o homem do pós-guerra passa a questionar a sua própria existência, sua maneira de viver, de perceber a sua própria angústia e sua própria sobrevivência. O homem existencia-lista é o homem angustiado já previsto por Kiergaard e Nietzche, entre outros.

Entre os mais destacados existencialistas citamos: Jean Paul Sar-tre, Emmanuel Mounier, Gabriel Marcel, Albert Camus, Simone de Beavoir e Jean Hyppolite, porém, vale destacar aqui, que existem várias correntes existencialistas, mas basicamente podemos destacar um exis-tencialismo cristão e um existencialismo ateu, portanto, o existencialis-mo, a nosso ver, não existe como uma escola filosófica bem definida e estruturada.

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fundamentos antropológicos, filosóficos e psicológicos

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Portanto, preferimos falar em abordagem existencialista, o exis-tencialismo é, pois, uma abordagem que busca refletir um homem an-gustiado e atormentado pelas inúmeras contradições de um mundo em crise.

Buscaremos no existencialismo um apoio filosófico para defender a importância da motricidade humana na formação dos educadores e reeducadores do vale do Itajaí, por perceber que há uma angústia muito grande no âmago das pessoas que as leva, inclusive, a cometerem suicí-dio, principalmente nos municípios de Blumenau, Gaspar e Pomerode, entendemos que, esta angústia pode ter como causa a ser atacada pela CMH: a falta de autoconhecimento, uma vivência relacional de baixa intensidade, uma instrução escolar repressora e a falta de uma educação lúdica libertadora.

Tomamos como referencial básico o filósofo Jean Paul Sartre, por serem os seus escritos de fácil acesso e por ter tido Merleau-Ponty (1971) como companheiro e contemporâneo. Entendemos, que a abor-dagem existencialista pode ser caracterizada, aqui, da seguinte forma:

• O coração possui razões que a própria razão desconhece;• O homem é um constante vir-a-ser, e um constante de-vir;• Com o advento da tecnologia, o homem se torna cada vez

mais frágil;• O homem está só na sua busca por mais ser, na busca de res-

postas para o mistério da existência humana;• A morte ainda angústia o homem;• A realidade pode alienar o homem, levando-o ao isolamento,

à angústia existencial.

Entendemos ainda que a grande contribuição de Sartre foi mos-trar que o homem está condenado a ser livre, a se autoconstituir a partir da angústia cotidiana e encarnada num corpo desejante e subjetivo. O homem é, portanto, uma concretude-subjetiva que faz a si mesmo a partir dos questionamentos advindos da crise existencial.

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MOTRICIDADE HUMANA

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Dialética

Buscamos apoio na dialética enquanto corrente do pensamento filosófico que busca compreender as relações existentes entre o homem e o meio, o homem e os méis de produção, o homem e o trabalho, o homem e a cultura, o homem e a história e, o homem e a política, de ma-neira dialética. Entendemos, com Sartre (1984, p. 25), que, “o conhe-cimento se desenvolve dialeticamente como saber de alguma coisa que é dialética, e ele se desenvolve dialeticamente em sua realidade mesma enquanto é condicionado pela história em sua realidade”.

Procuramos respaldo na dialética marxista para procurar evitar cair numa visão alienada que evite denunciar, abordar e compreender as relações sociais historicamente contextualizadas, como fez até aqui a Psicomotricidade. Portanto, procuramos observar a Psicomotricidade Relacional enquanto processo dialético a ser utilizado neste momento próprio, histórico que vive o Vale Europeu. Entendendo aqui, a neces-sidade de se observar o sentido dialético da história e do conhecimento, que, em geral, possui um condicionamento dialético e histórico. Enten-demos, portanto, ser necessário à formação dos educadores e reeduca-dores, motricidade humana na região do vale do Europeu, por questões históricas, concretas.

Na menção de Sartre (1984, p. 27):

A dialética como ser e como método comporta, a partir da

ideia de totalidade, uma inteligibilidade profunda e mesmo

uma translucidez: o indivíduo como totalização psicossomá-

tica, é totalizado pelo conjunto da totalização histórica e “pre-

cisamente por isso” há uma apropriação constante do saber

pelo ser.

Sartre nos mostra na citação acima que o Homem é uma totali-dade que atua na sua relação dialética com o mundo, através da corpo-reidade.

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fundamentos antropológicos, filosóficos e psicológicos

137

Procuramos no nosso trabalho não perder de vista o sentido da totalidade já abordado anteriormente por Hegel e por Marx em pers-pectivas diferentes é claro, mas procuramos ampliá-lo com as noções de corporeidade do período marxista de Sartre.

Para melhor compreensão dos leitores citamos mais uma vez Sar-tre (1984, p. 27), quando comenta que:

O ser não é absorvido na ideia que dele fazemos, ele existe

materialmente, e por outro lado, existe um saber que ao

mesmo tempo é saber do ser e que ele está no interior do

ser, mas o pensamento faz parte do ser. Assim, a apropria-

ção dialética do pensamento pelo ser, se desenvolve segun-

do as leis da realidade. Como vedes, para Marx como para

Hegel, se bem que tenha colocado a dialética sobre seus

fundamentos, é a própria ideia de uma totalidade do fato

humano que torna inteligível cada momento dialético de

seu desenvolvimento.

O pensamento e a expressividade do ser surge então, a partir de um processo de síntese que leva em consideração o real, a intui-ção, a representação e a cultura. A intuição vem do concreto, das relações concretas dos homens. Entendemos aqui que a unidade do saber deve ser buscada justamente numa relação dialética entre a fe-nomenologia, o existencialismo e a epistemologia. Alguns dialéticos contemporâneos entendem que a unidade do saber deve se expressar no monismo do ser,pois, segundo Garaudy apud Sartre (1984, p. 44):

O modelo da inteligibilidade é, pois, o homem que o faz: a

ideia do todo precede cada parte, o fim dá um sentido aos

meios. O futuro como projeto comanda o presente e o passa-

do. A categoria fundamental da dialética é a totalidade. Todas

as outras não têm sentido senão interior desta.

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MOTRICIDADE HUMANA

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Garaudy apud Sartre (1984, p. 44) afirma ainda que: “é pois inteligível aquilo que tem a estrutura de uma ação. A “praxis” individu-al é a experiência original da dialética”. Entendemos com Vigier apud Sartre (1984, p. 63), que:

O materialismo histórico não adquire seu valor senão no

quadro mais geral da dialética da natureza. Isso não significa

absolutamente que não consideremos o materialismo históri-

co como algo que tem uma especificidade e uma autonomia

próprias. Claro que existe uma. Para nós, a análise feita por

Marx é a análise científica aplicada aos processos históricos. O

modelo que ele dá não está fechado em nenhum momento do

tempo, nem mesmo em seu desenvolvimento.

Entendemos com Vigier, que a própria atividade do homem pode e deve modificar as predições de modelos marxistas de maneira qualita-tiva, pois compreendemos que o marxismo caiu num dogmatismo con-trário ao pensamento do próprio Marx, ou seja, tornou-se anti-dialética.

Para nós o materialismo dialético é uma necessidade histórica e cien-tífica, pois já havia uma dialética da natureza antes de Marx e dos marxistas. Talvez, Darwin seja o exemplo mais clássico de uma dialética da natureza mas, para contextualizar, citamos como exemplo, o “nosso” Fritz Müller, chamado pelo próprio Darwin como “o príncipe da observação”. Lógico que, Heráclito com o seu “vir-a-ser”, não deve ser esquecido quando se aborda a necessidade de se observar uma dialética da natureza.

Não desejamos nos prender a uma dialética marxista, mas, procu-ramos utilizar uma dialética que abarque o sentido mesmo de totalidade e movimento, onde o marxismo se encontra integral, porém superado.

Epistemologia

Por epistemologia, entendemos o estudo crítico de uma constru-ção científica visando às estruturas centrais de uma determinada área do

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fundamentos antropológicos, filosóficos e psicológicos

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saber, trata, portanto, a epistemologia dos fundamentos e da natureza do conhecimento científico.

Percebemos ser necessário ao nosso trabalho, a noção de corte epistemológico, no sentido dado por Escobar (1975, p. 11):

o corte epistemológico indica apenas que a prática teórica de

uma ciência se distingue da prática teórica ideológica de sua

pré-história, na forma de uma descontinuidade produzida –

descontinuidade histórica, conforme explicita Bachelard.

Percebemos ainda com o Prof. Dr. Manuel Sérgio, que a Educa-

ção Física é a pré-ciência da CMH ou Cineantropologia (CAGIGAL apud SÉRGIO, 1989). Mas, destacamos que a Psicomotricidade e em particular a Psicomotricidade Relacional, na nossa opinião, é uma das possíveis áreas de pesquisa da ciência supra citada.

A epistemologia é de fundamental importância para a CMH, na medida em que a questão do conhecimento é específica de um discurso específico de uma especificidade e dos efeitos de conhecimento desta especificidade. Desde já, deixamos claro que pretendemos demarcar o lugar da psicomotricidade relacional, ou seja, o lugar do discurso e da prática de uma área específica do saber de uma ciência (CMH) que se constitui a partir do corte epistemológico efetuado pelo Prof. Dr. Manuel Sérgio numa área que se notabiliza mais por um discurso ideo-lógico do que por sua prática científica e seus saberes específicos, nesse caso, a educação física.

A CMH se nos apresenta como uma necessidade da epistemo-logia hodierna, sendo a psicomotricidade relacional, na nossa humilde opinião, uma necessidade hodierna na formação dos educadores do Vale Europeu, pelo que já foi exposto anteriormente.

A psicomotricidade relacional, ultrapassando o caráter mecani-cista e agonista da educação física, e da psicomotricidade clássica, mas não possuindo, ainda, uma episteme que a ampare, necessitava do dis-curso de outras ciências (antropologia, psicanálise, semiótica, etc.) para

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MOTRICIDADE HUMANA

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“se mostrar”. Nesse sentido, entendemos a necessidade de se ultrapas-sar a visão reducionista da educação física e o discurso (e a prática) psi-copedagogicista da psicomotricidade, para que se chegue a um discurso e a uma prática que se mostre e se diga por própria, ou seja, com uma matriz epistemológica.

Entendemos com Manuel Sérgio, que há de se buscar uma epis-temologia para a motricidade humana, para que as práticas corporais possam ganhar discursos próprios setorizados a partir de uma totalida-de reclamada pela episteme hodierna.

Na menção de Escobar (1975, p. 23),

se o primeiro momento das ciências se caracteriza por um tra-

balho teórico-conceitual destinado a subverter o discurso pré-

ideológico-natural-dado, o segundo momento já é, e costuma

ser qualificado (em Bachelard), de conceitual-experimental.

Procurar-se-á no futuro, passar do trabalho teórico-conceitual para o trabalho conceitual-experimental, mas sem os fundamentos filo-sóficos (e em particular sem a epistemologia), o nosso trabalho já estaria fadado ao fracasso antes mesmo de ser colocado em prática, pois , como ressalta Escobar (1975, p. 53):

A ciência reproduz o seu objeto de conhecimento – o seu dis-

curso teórico – onde ela prova sua coerência e produz os seus

“fenômenos”, isto é, assegura o movimento de uma estrutura

própria a partir do corte epistemológico, desde onde a ciência

“parece suspensa”, em sua produtividade mesma, na medida

então que ela situa para si um corpo de experimentação, e que

se faz, teoricamente, neste teórico ativo.

Há de se fazer, então uma diferenciação entre experimentação e experiência, já que a primeira se situa na teoria como outra forma de conceito. Neste sentido destaca Escobar (1975, p. 53), que:

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fundamentos antropológicos, filosóficos e psicológicos

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O fato experimental não é o fato, mas o artefato produzido, a

teoria mesma, e Balibar diz que “o fato científico ou experi-

mental não pré-existe” à Ciência, já que é a medida material da

prova – isto é, “a dialética da ciência é, de ponta a ponta, um

processo de produção de conhecimento.

Busca-se, portanto, na epistemologia um instrumental técnico não

tecnicista, não experimentalista, que dê condições de demarcar o lugar da experimentação na teoria, distinguindo assim, sua abordagem das técnicas de outras teorias. Portanto, a simples acumulação de fatos pela observação e pela experiência não pode constituir de per si, uma ciência.

Para a constituição de uma ciência, há de se buscar uma teo-ria e o seu primado, ou seja, uma epistemologia própria que lhe dê condições de dizer-se por si própria e este é, ao nosso ver, a grande contribuição de Manuel Sérgio, que segundo alguns da ainda pe-quena comunidade científica internacional é uma verdadeira revolu-ção científica (Portugal, Espanha, Brasil, Angola, Colômbia, Chile, Uruguay e Moçambique).

Depois destas breves considerações filosóficas, vamos entrar na descrição e análise das teses de Manuel Sérgio que deu origem à CMH e à FMH (Faculdade de Motricidade Humana) da UTL (Universi-dade Técnica de Lisboa).

BASES PSICOLÓGICAS DA MOTRICIDADE HUMANA

Tendo trabalhado, entre 1981 a 1983, com doentes e deficientes mentais foi possível verificar de perto a questão da interdependência mente/corpo, esta unidade indissolúvel, esta dialética ainda dualizada em uma sociedade esquizofrênica, fragmentada e framentadora. Desde então, direta ou indiretamente, esta questão ficou, pois passamos a atuar na Psicomotricidade, nos seus três aspectos: educativo, reeducativo e terapêutico.

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MOTRICIDADE HUMANA

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Encontra-se em inúmeros autores a mesma preocupação e, ten-ta-se, neste trabalho, sedimentar as bases psicológicas da Motricidade Humana, entendida, aqui, como Ciência do Comportamento Motor ou das Condutas Motoras.

Popper e Eccles (1991, p. 13) alertam que “é extremamente di-fícil o problema do relacionamento entre nossas mentes, especialmente, de um lado, o vínculo entre as estruturas e os processos cerebrais e, de outro, as relações entre estes processos e os acontecimentos que se sucedem”.

De acordo com os conhecimentos atuais, o hemisfério esquerdo do cérebro comanda o lado direito do corpo por possuir em sua estrutu-ra áreas lingüísticas, sendo, portanto, responsável pelo raciocínio lógico, pelo cálculo, etc. Já o hemisfério direito, ao que tudo indica comanda o lado esquerdo do corpo e possui em sua estrutura, áreas responsáveis pela criatividade, pela afetividade e pela simbolização.

Ligando os dois hemisférios, está o corpo caloso, que se constitui na menção de Popper e Eccles (1991, p. 383), em “um conjunto imen-so de fibras nervosas, com cerca de 200 milhões, ligando praticamente todas as partes de um hemisfério com as áreas que estão, como numa imagem de espelho, no outro hemisfério”.

Para que haja, portanto, uma unidade chamada Autoconsciência ou a Intencionalidade, há de haver uma boa comunicação inter-hemis-férica, pois o tráfego de impulsos no corpo humano é imenso e tumul-tuado. Qualquer desajuste inter ou intra-hemisférico, pode atrapalhar este tráfego e causar sérios danos no que tange à memória, à consciência e à Intencionalidade. No que tange ao aspecto motor, podemos dizer que o cerebelo é o maestro que rege a orquestra com extrema eficiência, controlando os movimentos e o equilíbrio.

O cerebelo atua nos movimentos já em curso, (re) modulando-os ou, na programação prévia (preparação) dos movimentos. O mais interessante é que o cerebelo atua como se fosse uma espécie de sistema de circuito aberto. O cerebelo é afetado pelo álcool e, por isso, pedimos ao bêbado que faça um quatro com as pernas, pois o equilíbrio depende

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fundamentos antropológicos, filosóficos e psicológicos

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do cerebelo e se este estiver afetado pelo álcool,não poderá coordenar o jogo dos músculos agonistas e antagonistas, gerando o desequilíbrio e a descoordenação.

Percebe-se pelo acima exposto que, o problema da integração mente/corpo e da consciência, possui um fundo orgânico, mas não ter-mina aí, e lança-se para além, em direção a outras esferas da psique humana e é isso que procura-se demonstrar nesta obra de caráter in-trodutório.

Conforme Campos (1988, p. 11):

Os níveis de estruturação do humano, o problema da neuro-

se, como distorção perceptiva, decorrente da não-vivência do

presente através dos filtros de a priori e metas, possibilitaram

configurar, globalizar a essência da angústia, da culpa, da dis-

ponibilidade; permitiu visualizar que a miséria do humano é

esperar, é ter metas, é desejar aquilo que lhe falta, é querer

suprir o seu vazio através de realizações; mostrou como o amor

enquanto busca dilacera e esvazia o humano, transformando-o

em uma peça das engrenagens sistêmicas que o sustentam, que

o ajustam (família, trabalho, relacionamentos, sociedade, etc.).

Percebemos, pela citação acima que, a compreensão do homem no seu aspecto psíquico, só é possível numa visão global unitária. Na menção de Campos (1988, p. 15), “esta visão global e unitária ultrapas-sa os seus constituintes fundamentais – o gestaltismo, a fenomenologia, o materialismo dialético – à medida que os sincroniza em suas unidades mediadoras totalizantes”.

O homem é, portanto, irredutível a uma só visão estreita; antes disso, para conhecê-lo, há necessidade de uma cosmovisão ampla e dialética. O homem está no mundo e, de acordo com Campos (1988, p. 32):

Estar-no-mundo implica em se autodeterminar nesta conti-

nuidade relacional, enquanto síntese, às teses do estar-aqui,

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MOTRICIDADE HUMANA

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espaço, contexto, situação vivencial e às antíteses do outro,

como metas, perspectivas e significado de conduta. Este mo-

vimento sintético (de síntese) só é atingido quando somos nós

próprios, enquanto núcleo sintonizador de divergências e con-

vergências, quer dizer, como sincronização de antagonismos

ou continuidade dos processos por nós vivenciados. E, estar-

no-mundo sem isto perceber, implica divisão, fragmentação,

alienação, omissão.

Concordamos com Campos em gênero, número e grau. Acredi-ta-se que, Campos dá um bom respaldo no que tange às bases psicoló-gicas da Motricidade Humana.

Nesta linha de raciocínio reflete-se com Head apud Schilder (1981, p. 17), quando comenta que:

Mesmo quando a imagem visual se encontra preservada e

a sensibilidade postural prejudicada, se a localização tátil

for mantida, o indivíduo indicará os locais onde foi tocado,

apesar de, nos casos em que o braço foi colocado em outra

posição, referir-se ao lugar da posição anterior e não aos

braços, pois não chegou a tomar conhecimento do movi-

mento do membro.

Assim, Head encara a impressão proveniente da postura como sendo a base do modelo “postural” do corpo. Ora! Este modelo postural do corpo não é só um modelo biológico, mas é, sobretudo, um modelo psicológico do corpo. Schilder dá uma abordagem psicanalítica ao modelo postural de Head. Schilder estudou profundamente o dito membro fantasma em pessoas que se submeteram a uma amputação nos braços, pernas, seio ou pê-nis e percebeu que, as imagens visuais referidas ao fantasma, quase sempre continuaram presente.

Schilder (1981, p. 59), percebeu ainda, que:

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fundamentos antropológicos, filosóficos e psicológicos

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No início, o fantasma toma a forma de extremidade perdida,

mas, no decorrer dos anos, começa a mudar de forma e algu-

mas partes desaparecem. Quando há um fantasma do braço, a

mão se aproxima do cotovelo ou, em casos extremos, pode ficar

no lugar da amputação. A mão também pode se tornar menor

e igual a uma mão de criança. Fenômenos similares ocorrem

com a perna. A posição do fantasma, muitas vezes, é rígida

e, segundo Katz e Riese, muitas vezes, é a posição em que o

paciente perdeu o membro. É como se o fantasma estivesse

tentando preservar o último momento em que o membro ainda

estava presente.

Como é possível perceber, a questão da motricidade está intima-mente ligada com a subjetividade do sujeito, portanto, está intimamente ligada às questões psicológicas profundas. Schilder (1981, p. 59) dá mais informações sobre a fenomenologia e a psicologia de motricidade quando afirma categoricamente que:

O fantasma segue suas próprias leis. Quando o braço se movi-

menta em direção a um objetivo rígido, o fantasma penetra nes-

te objeto. Pode até atravessar o próprio corpo do paciente, como

observei em um de meus casos. Em outro, o paciente sentia, a

princípio, os dedos e o calcanhar da perna-fantasma. Mais tarde,

o calcanhar desapareceu. Podemos estar certos de que, em todos

estes processos de formação ou desaparecimento de partes, ou de

mudanças a posição da mão e dos pés para os tocos, estamos tra-

tando de processos centrais. Estes tatos podem levar a um insight

melhor da estrutura do modelo postural do corpo.

Schilder foi um pesquisador sério e com uma formação biológica (era médico) e psicanalítico (foi discípulo de Freud), que pode ser de-finido como sólida. Ainda hoje, ele é um pesquisador respeitado e que serve de base para todos que desejam navegar pelas águas tortuosas das

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MOTRICIDADE HUMANA

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bases psicológicas da motricidade humana. Por isto, não é possível dei-xar de citar, novamente, este grande pesquisador, quando comenta que:

Desde que o fantasma da mão e do pé persista por mui-

to tempo e apresente uma resistência maior, as represen-

tações psicológicas destas partes devem ser diferentes das

representações psicológicas de outras partes do corpo. A

mão oferece mais sensações do que qualquer outra parte do

corpo, mas seria melhor dizer que, ela é a parte do braço

que tem a relação mais estreita com o mundo externo, que

mantém relações variadas com os objetos (SCHILDER,

1981, p. 59).

Alguns pesquisadores como Schilder, Mayer-Gross e Zador, afirmam que, também pode haver fantasma sem perda do membro. É muito fácil provocar, em sujeitos normais, imagens mais ou menos níti-das de suas próprias extremidades.

Um membro imaginado pode ser maior ou menor que o real. A psique possui, portanto, uma relação estreita e profunda com a motrici-dade, relação esta que só agora começa a ser melhor explicada pela ciên-cia. Os padrões pré-determinados da imagem do corpo não são dados somente por sensações periféricas e viscerais (biológicas), mas também é, sobretudo, por impressões psíquicas.

Conforme Schilder (1981, p. 61-62), “o padrão da imagem cor-poral consiste em processos que constroem e criam com a ajuda de sen-sações e da percepção, mas os processos emocionais são a força e a fonte destes processos construtivos, e os dirigem”.

O ser está acostumado a ter um corpo completo. O fantasma de uma pessoa amputada é, portanto, a reativação de um padrão perceptivo, dado pelas forças emocionais. Entende-se a grande va-riedade de fantasmas quando se considera as reações emocionais dos indivíduos em relação ao próprio corpo. O quadro final de um fan-tasma depende, grandemente, de fatores emocionais e da situação

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fundamentos antropológicos, filosóficos e psicológicos

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da vida, já que como menciona Schilder (1981), provavelmente, a maneira como o esquema do corpo é construído e aparece no fantas-ma, tem uma significância geral. É um modelo de como está a vida psíquica em geral. Alguma coisa está acontecendo na periferia do corpo. Mas, somente a interação entre a periferia e o centro, cria a aparência final. Esta interação se baseia na multiplicação lúdica das experiências psíquicas.

Percebe-se que a influência emocional alterará o valor relativo e a clareza das diferentes partes da imagem corporal, de acordo com ten-dências psíquicas e lidibinais. Estas alterações podem se dar na superfí-cie do corpo, mas, também, pode ocorrer nas partes internas (distúrbios psicossomáticos).

As doenças orgânicas provocam sensações anormais, mudando imediatamente a imagem do corpo, do ponto de vista da figuração e do conteúdo lidibinal. Estas sensações se tornam imediatamente parte da atitude e da transposição, das condensações e simbolizações neuróticas, afinal “um câncer em evolução pode não alterar imediatamente o mode-lo postural, mas pode provocar cansaço, fraqueza e falta de apetite, que definitivamente estão ligados à imagem corporal (SCHILDER, 1981, p. 158)”.

Percebe-se que há uma inter-relação estreita entre a psique e a corporeidade, provando que, existe, portanto, uma base psicológica da motricidade humana a ser incorporada com urgência no conteúdo pro-gramático dos cursos de Educação Física, Medicina, Fisioterapia, Pe-dagogia, Psicologia e áreas afins.

Não se esgotamos este assunto; não tínhamos tal pretensão, mas cremos que, conseguimos esclarecer a necessidade de um estudo mais aprofundado sobre ele, tão fascinante e, cada vez mais atual. De acor-do com esta perspectiva, defendemos uma abordagem transdisciplinar para a melhor compreensão e explicação das condutas motoras.

De acordo com Domingues et al (2001), a transdisciplinaridade caracteriza-se por ser uma abordagem que conduz a quebra das barrei-ras disciplinares, a custa de suas aproximações.

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MOTRICIDADE HUMANA

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TEORIAS DE LA MOTRICIDAD HUMANA Y UN DIALOGO DE VIDA

Eugenia Trigo1 Harvey Montoya

INTRODUCCIÓN

El presente trabajo es el resultado de dos procesos. Uno de ellos relacionado con el año sabático de uno de los autores en España y las cartas virtuales intercambiadas durante ese tiempo con la otra autora. El segundo proceso es derivado de la necesidad sentida en el seno del equipo de investigación “seminario permanente de motricidad humana-unicauca”, del que ambos formamos parte, relacionada con comprender y aplicar las teorías que fundamentan la ciencia de la motricidad huma-na (CMH). Un trabajo que sustenta el proyecto de investigación sobre el desarrollo curricular de la CMH de cara a la implementación de un pregrado en la Universidad del Cauca.

Pasamos, a explicar estos dos procesos, para después exponer cómo resultó este texto.

1 Agradecemos la colaboración del compañero y amigo Francisco Bohór-quez, por su esfuerzo lector y las sugerencias que nos hizo de cara a la mejora del texto.

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MOTRICIDADE HUMANA

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a) Intercambio virtual de cartas.

Harvey es colombiano, profesor en la Universidad del Cauca y estuvo de año sabático en España durante el año 2005. Eugenia es española y vive actualmente en Colombia desarrollando el proyecto de motricidad humana desde la Universidad del Cauca. Durante ese año se comprometieron a mantener un contacto virtual más o menos perma-nente, con una triple intención. Por un lado que Harvey no se quedara aislado de los aconteceres universitarios y de su país; en segundo lugar, que Eugenia, como española, le colaborara en la adaptación e intercam-bio cultural en el otro lado del planeta y; tercero, que el intercambio de mensajes sirviera para conocerse más y comenzar un proceso de cons-trucción de conocimiento en conjunto.

Cuando Harvey regresó de su año sabático, teníamos acumu-ladas más de 300 páginas. ¿Qué hacer con todo ello?, ¿serviría para alguna cosa más que para nuestra comunicación?

b) Síntesis de las teorías que fundamentan la CMH.

Estando desarrollando el proyecto curricular de la CMH, en el seno de la universidad, llegamos en el proceso a las teorías que funda-mentan esta ciencia. ¿Cuáles son?, ¿qué aspectos de cada una de ellas le aporta a la motricidad humana?, ¿qué autores han escrito al respecto?, ¿cómo podemos tener todos una síntesis que nos aclare en dónde esta-mos? A partir de esas preguntas, Eugenia se comprometió con el grupo a elaborar un cuadro síntesis. Para ello se recurrió a los autores de las teorías, extrayendo las ideas claves de cada una. Posteriormente se apeló a los textos de Manuel Sergio, en primer lugar, como autor proponente de la CMH y otros autores de la Red Internacional de Investigadores de Motricidad Humana (RIIMH) para fundamentar y relacionar cada teoría con la CMH. Con la síntesis escrita, se le envió a Manuel Sergio para que hiciera las correcciones y sugerencias pertinentes. Él nos dio el aval y amplió algunos datos que introdujimos en el resumen.

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teorias de la motricidad humana y un dialogo de vida

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Desde que Harvey regresó a Colombia, nos preguntamos qué íbamos a hacer con toda la correspondencia acumulada, a sabiendas que allí estaba parte de nuestras vidas y también elementos relacionados con la motricidad humana. ¿Cómo darle sentido investigativo a algo perso-nal?, ¿será que era pertinente a la comunidad científica?, ¿cómo hacerlo?

En el transcurso del semestre, se fue trabajando poco a poco esta correspondencia para depurarla con la intención de dejar un único tex-to. Hasta aquí no sabíamos qué uso le íbamos a dar. El “corte” intensivo se produjo un día durante un paseo ecológico. Acabábamos de escribir la síntesis de las teorías y al mismo tiempo, el compañero de la Red Siderley de Jesús nos pidió un texto para un libro que él estaba organi-zando en Brasil y además nos lo solicitaba en un tiempo de dos meses. Ahí estaba la “disculpa” para emprender la nueva tarea.

c) Sistematización de la correspondencia

La sistematización de las 300 páginas se llevó a cabo de la si-guiente manera:

• Ordenamiento cronológico por meses• Organizar la coherencia de los mensajes recibidos y enviados• Subrayar las frases más significativas en relación a las teorías

de la CMH• Organización de las frases por teorías• Subrayar las palabras-clave y colocar un concepto• Redactar cada teoría vivencial en un texto con sentido

d) Construcción del texto

Para dar más claridad, decidimos escribir este texto tal cómo fue producido. Es decir, exponer las teorías una a una y en cada una la síntesis, los aportes a la CMH y la vivencia compartida. Es un inicio al desafío de hacer vida la teoría y de la teoría vida, o sea, hacer PRAXIS. Un aporte a la ciencia que Manuel Sergio propuso y que la Red de

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MOTRICIDADE HUMANA

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investigadores estamos desarrollando, implementando y construyendo curricularmente en nuestras universidades.

TEORÍAS QUE FUNDAMENTAN LA CIENCIA DE LA MOTRICIDAD HUMANA

Revisando los textos de Manuel Sergio y los aportes de la RIIMH a través de las diferentes publicaciones (ver revista consentido nº 7: www.consentido.unicauca.edu.co), hemos encontrado las siguientes catorce teo-rías que son el fundamento de la Ciencia de la Motricidad Humana:

1. Paradigma de la complejidad (Morín, Varela, Maturana)

2. Teoría crítica de la sociedad, Ciencia política y revolucionaria (T. Kuhn, K. Popper, Feyerabeud, Habermas) (Adorno, Habermas, Benjamín, Marcuse, Horkheimer)

3. La teoría del caos (Bohm y Peat, Prigogine)

4. La Educación como práctica de libertad y autonomía (P. Freire)

5. La inteligencia creadora (Marina, Marín, Maslow, Rogers)

6. La teoría del fluir y el ludismo humano (Cikszentmihalyi)

7. La teoría de la acción (Blondel, Gabler, Nischt)

8. La teoría de la comunicación (Watzlawick , escuela de Palo Alto)

9. La teoría ecológica del desarrollo humano (escuela de Kansas, Bronfenbrenner)

10. Sujeto epistémico (Zemelman)

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teorias de la motricidad humana y un dialogo de vida

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11. Teoría de las organizaciones (Flischman, Aldana, Kastika)

12. Neurofenomenología (Varela, Husserl, Merleau-Ponty)

13. Psiconeuroinmunología (Csikszentmihalyi, 1998; Vicens, 1995; Weinstein, 2003)

14. Inmanencia-Trascendencia Exponemos a continuación las síntesis de cada una de estas teo-

rías.

PARADIGMA DE LA COMPLEJIDAD (Morín, Varela, Maturana)

Síntesis de la teoría: (MORÍN, 1998) en el texto “a sociedade em busca de valores” nos explica esta teoría-paradigma con la siguientes palabras. El pensamiento complejo tiene antecedentes en la historia de la filosofía occidental y oriental. En la época contemporánea este pensamien-to se elabora en los intersticios entre las disciplinas, a partir de pensado-res matemáticos (Wiener, von Neumann, von Forester), termodinámicos (Prigogine), biofísicos (Atlan), filósofos (Castoriadis). Las dos revoluciones científicas del siglo no pueden sino estimularlo. La primera revolución in-trodujo la incertidumbre con la termodinámica, la física cuántica y la cos-mofísica, y provocó las reflexiones epistemológicas de Popper, Kuhn, Hol-ton, Lakatos, Feyerabend, que demostraron que la ciencia no era la certeza sino la hipótesis, que una teoría probada no lo era definitivamente y seguía siendo “refutable”, qué había de lo no-científico (postulados, paradigmas, themata) al interior de la propia cientificidad.

La segunda revolución científica, más reciente, todavía incon-clusa, es la revolución sistémica que introduce la organización en las ciencias de la tierra y la ciencia ecológica; esa revolución se prolongará sin duda como revolución de la auto-eco-organización en biología y en sociología.

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El pensamiento complejo es entonces esencialmente el pensa-miento que trata con la incertidumbre y que es capaz de concebir la organización. Es el pensamiento apto para unir, contextualizar, globa-lizar, pero al mismo tiempo para reconocer lo singular, lo individual, lo concreto. El pensamiento complejo no se reduce ni a la ciencia ni a la filosofía, pero permite su comunicación porque funciona como vehículo entre la una y la otra.

El modo complejo de pensar no tiene solamente su utilidad en los problemas organizacionales, políticos, sociales. El pensamiento que afronta la incertidumbre puede aclarar las estrategias en nuestro mundo incierto. El pensamiento que une puede iluminar una ética de la relación o de la solidaridad. El pensamiento de la complejidad tiene igualmente sus pro-longaciones existenciales cuando postula la comprensión entre humanos. Esta teoría paradigmática, la concretan Morin e Le Moigne, (2000) en los siete principios de la complejidad: sistémico u organizacional, hologramá-tico, movimiento circular retroactivo, movimiento circular recursivo, auto-eco-organización (autonomía-dependencia), dialógico y, el principio de la reintroducción del sujeto en todo conocimiento.

Aportes de la teoría a la CMH: La CMH, como resisten-cia a los métodos consagrados, a las formas establecidas y rutinarias, a una competición que el economicismo promueve, se encuentra próxima de los conceptos de complejidad y diferencia y asume una inequívoca ruptura con la modernidad, con su dualismo, logocentrismo, eurocen-trismo, antropocentrismo, patriarcalismo. Todos los “ismos” modernos llevaron, demasiadas veces, a la violencia y la guerra. De aquí nació una ciencia concebida como teoría para el dominio de la razón sobre el mun-do material, limitado a la extensión y movimiento, naturaleza pasiva, la disposición del ser humano y que acentuó la ruptura entre la naturaleza y la cultura, entre el cuerpo y el espíritu, entre lo natural y lo artificial, entre el observador y lo observado, entre lo subjetivo y lo objetivo, entre el deporte y la vida política. La CMH es un problema epistemológi-co porque a través de una inequívoca mudanza de paradigma, crea un

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discurso nuevo; es un problema ontológico, pues concede prioridad a la persona en el acto de la trascendencia y no al físico o al cuerpo-objeto; y es un problema político porque, en esta ciencia, se tiene en cuenta la incorporación del poder, como algo determinante en la constitución de prácticas estructuralmente situadas (Sergio, 2006). El paradigma de la complejidad plantea desafíos para la praxis profesional en contextos atravesados por la crisis, lo que implica, al mismo tiempo, nuevas ne-cesidades de formación para las comunidades, que como la colombiana es pluriétnica, multicultural, multilingua, con cosmovisiones diversas, con distintas expresiones de violencia, tensiones políticas y económicas, riquezas ecológicas amenazadas, y confusión de valores (eminentemen-te compleja).

Vivencia: Complejidad, complicado, sencillez, simplicidad. ¿Cómo se relacionan estas cuatro palabras?, ¿será que lo complejo es complicado?, ¿será que lo sencillo es simple?, ¿es lo complejo sencillo o simple? Veamos si somos capaces de salir de este entuerto.

Pensamos que la complejidad está en la sencillez, que no es otra cosa que tacto, para llegar a las personas, buscando su sensibilidad, sus sentimientos, sus formas de ser, de actuar, de decir. Así, se gene-ran nuevos proyectos de manera crítica, constructiva, en comunidad intercambiando y creando conocimiento colaborativamente. Para ello es necesario superar con creatividad la formación racionalista de cara a afrontar las incertidumbres y problemas cotidianos de una manera dife-rente. Atreverse a unir pensar y sentir, sujeto y objeto, cuerpo y cerebro, razón y emoción en un holograma caleidoscópico en que cada parte es el todo y el todo es cada parte. Quizá escalando en nuevas vías, podamos continuar el camino de la humanidad. Mas ¿cómo romper las estructu-ras lineales que han llevado a unos a la opulencia y facilidad para hacer las cosas y a otros a la escasez y limitación? Aprender a dar y recibir, será, pensamos, uno de los aspectos que nos ayudarán como especie a sobrevivir en el mundo de individualidades, solitarios y competición que entre todos hemos construido.

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Recuperar el sentido de aventura, la confianza en nosotros mismos y en el otro, será otro de esos aspectos a tener en cuenta en el incierto futuro que tenemos por delante. No tener miedo ante la adversidad y las experien-cias duras que la vida nos presenta, porque de ellas saldremos fortalecidos y con más energía para afrontar nuevos problemas que serán, así mismo, nuevas posibilidades de vida. Eh ahí la complejidad humana.

Avanzar y retroceder para continuar avanzando con otros y en otros espacios, es uno de los requisitos del presente siglo; es la retro-progresión de que nos habla (PÁNIKER, 2001). Dejar entrar al “úl-timo” en llegar a nuestras organizaciones de vida, será una apuesta por romper la linealidad en pro de las construcciones colaborativas en red. Aprender a “estar” de viaje de una forma continua, asumiendo las di-ficultades, compaginando lo que se es como sujeto, con lo que somos como cultura y con lo que nos gustaría que todos fuéramos. El juego entre adaptación, tradición e innovación.

Aprender a combinar nuestros diversos roles (personales, fami-liares, relacionales, profesionales), estableciendo prioridades y tomando decisiones es parte de esa complejidad en la que estamos inmersos y de la que ya no podemos librarnos. Es aprender a vivir en el enredo sin sentir que se está enredado; es hacer de la complejidad una forma de vida simple. Mezclar el trabajo con los afectos y dejarse acompañar en los momentos de dificultad; no querer resolver todo por uno mismo, darse la oportunidad de vivir en el diálogo de las diferencias y los con-trastes. Una vida en que las preguntas van unidas a las caricias, a los abrazos, a los besos, a las miradas confidentes y nunca a la inquisición, al juzgar, a la intromisión y el control. En unas ocasiones será adecuado preguntar, en otras mejor dejarse llevar por las propias intuiciones y no darle muchas vueltas a las cosas… no hacer una tormenta en un vaso de agua.

A veces, toca dar la vuelta en el camino porque nos hemos dado cuenta que nos hemos equivocado. Y no nos debe dar pena, ni angustia. Es como cuando subes a la montaña, a veces, te pierdes y tienes que ir atrás para re-encontrar la senda y otras, te toca regresar porque la mon-

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taña ese día te dijo “no, hoy no quiero que subas”. Pero ¿cómo vivirlo en este tiempo del recién estrenado milenio? El problema es que hemos pa-sado de un mundo lineal, en dónde todo estaba prescrito y dicho-hecho por otros, a un mundo en que hay que hacerlo todo y eso da miedo.

Se han acabado las verdades cuando pensábamos que ya tenía-mos el mundo en nuestras manos. Cuando creímos que habíamos llega-do a una evolución impresionante, y que estábamos en la cresta de la ola, nos hemos percibido que hemos dejado atrás muchas cosas por resolver. Tenemos que hacernos nuevas preguntas que nos ayuden a encontrar otras sendas menos transitadas.

TEORÍA CRÍTICA DE LA SOCIEDAD, CIENCIA POLÍTICA Y REVOLUCIONARIA (T. Kuhn, K. Popper, Feyerabeud, Habermas, Adorno, Habermas, Benjamín, Marcuse, Horkheimer)

Síntesis de la teoría: Habermas en filosofía crítica, acentúa la idea de emancipación, pero acrecentando el imperativo de su concreci-ón política. El “futuro del pensamiento filosófico es cuestión de prácti-ca política” (HABERMAS, 1974). En el campo científico, la filosofía ejerce una función crítica. Como crítica, la filosofía deshace la ilusión positiva “de una ciencia neutra, asegurando la conexión entre el saber teórico y los intereses del mundo de la vida” (PINTO, 1992).

Habermas considera la idea de una organización cibernética-mente auto-organizada de la sociedad como la expresión acabada del pensar tecnocrático. En ella, el Hombre no sólo aparece como el homo faber que se objetiva a sí mismo en sus realizaciones y productos, sino también como el homo fabricatus totalmente integrado en una adminis-tración racional y técnica, que le da el carácter soturno y árido del robot.

Aportes de la teoría a la CMH: La CMH, como ciencia del hombre, surge el ser humano como ser, consciencia y valor. No hay

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aquí ningún asomo de positivismo, de creación de fronteras artificiales, pues la especificidad histórico-cultural y política de la CMH es de re-beldía contra lo que es aceptado por la tradición acrítica, por la rutina y por su colonización de la realidad, a través de desenvolvimiento a la moda occidental. La ciencia excluye, tanto al maximalismo de los mi-litantes fervorosos de una causa, como el inmovilismo de los prácticos. La CMH recusa el positivismo y el cientismo, puesto que hay fenó-menos que escapan a los medios de investigación de las ciencias. Una lágrima, por ejemplo, no es sólo agua y cloruro sódico. Y la miseria que invade el mundo no se resume a un fenómeno típico de la economía, porque implica también la dimensión ético-política. Los cursos de Mo-tricidad Humana han de acentuar que el saber no es un conjunto de conocimientos puramente intelectuales, ni simplemente físicos, pues la cultura es la alianza del saber y la vida (SERGIO, 2006).

Vivencia: Manuel Sergio dice que la motricidad humana es política. Creemos que es una de las herramientas que necesitamos para poder lograr lo que se pretende (un mundo humanizado, ecológico para nosotros y nuestros descendientes, donde haya espacio para todos los seres que lo habitamos.). La mano del tirano, del rico, del que ostenta el poder no va a ceder fácilmente, no va a entregar lo que tanto le ha costa-do y ha mancillado. El temor a perder, a pagar las consecuencias de sus actos lo hace feroz. Pero es desde el espacio académico donde se debe batallar; la investigación es la base, el sustento y el soporte que permita cambiar por y para la humanidad y no al amaño de los burócratas de turno que imponen sus deseos de acuerdo a sus intereses.

Esto implica compromisos asumidos desde una posición crítico-creativa con el propósito de construir sociedad, que propenda por un bien común, aumentando la confianza, tratando de entender, comprender y empaparnos de las necesidades ciudadanas para que desde la profesión y la convivencia, se tome consciencia de lo más pertinente para la comuni-dad en general. Es una participación democrática evitando la imposición característica del político en el cual predominan los intereses particulares.

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Combatir el clientelismo político y el asistencialismo, haciéndonos ciuda-danos responsables del pasado, presente y futuro, construyendo proyectos revolucionarios, innovando en las diversas áreas de cara a transformar los espacios de poder en espacios participativos y de convivencia.

Nos hemos dado cuenta que en la “bella Europa”, en lo que con-cierne a lo económico-político obstruye el intercambio, la convivencia, el diálogo académico y cultural de los emigrantes. Es un nuevo colo-nialismo que está impidiendo la real globalización y mundialización. ¿Será que la “aldea global” ha dejado de ser tal, para convertirse en una “materia global”? Ahora viajan libremente las mercancías, los produc-tos son los reyes y las personas sus vasallos. ¿Hasta cuándo? Se habla de globalización y se crean alianzas entre países de acuerdo a intereses exclusivamente economicistas.

De esto hablamos en la motricidad, como ciencia ética-política, es nuestro compromiso con la historia, con las personas que están tratando de comprenderse, comprender y abrirse nuevos caminos. Compromiso con lo que hacemos, con nuestros proyectos, con las personas que nos encontramos. Si no hay compromiso, ¿qué se puede hacer?, ¿hacia dón-de se puede caminar?, ¿quiénes son y quiénes están?

En España, en estos momentos, hay una apertura de inmigrantes para su explotación, generando una competencia inhumana entre loca-les y “extraños” y entre los propios emigrantes que se disputan un tra-bajo. Esto crea una ética del salvajismo en que se pierde la tranquilidad del vivir, se imponen las mafias y todo tipo de violencia social. España se ha olvidado que fue un país de emigración durante el franquismo hacia América y que ella acogió fraternalmente a miles de ciudadanos españoles que llegaban a sus costas buscando sobrevivir. ¿Cuál será la evolución de nuestros países latinos?, ¿hacia dónde se orienta Colombia? Confiamos en que por aquí no se cometan los mismos errores, ¿nuestros políticos tendrán la suficiente visión?

El poder es la autoridad del que no tiene la razón y razón es el co-nocimiento que se emplea para tener poder, es acallar la verdad a través de la violencia, es atacar la democracia, característica propia de nuestros

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políticos. No permitir que esto suceda es parte del proyecto motricidad humana. La sencillez reduce la diferencia entre “lo que tengo” y “lo que me falta” demostrando a nuestros políticos que la lógica de la verdadera economía es ganar, ahorrar, invertir y compartir los sacrificios así como la prosperidad, de manera que pueda haber una mejor calidad de vida para todas las personas, independientemente de donde hayan nacido.

TEORÍA DEL CAOS (Bohm y Peat, Prigogine)

Síntesis de la teoría: Hemos aislado procesos determinis-tas, pero es difícil, dado el nú¬mero de especies vivas (superior a un millón), creer que la evolución biológica -por no hablar de la evolución cul¬tural- estuviera programada desde los primeros segundos de exis-tencia del universo. Por consiguiente, el problema estriba en apreciar la im¬portancia que atribuimos a cada una de estas categorías. Y es aquí donde interviene la modificación del punto de vista: para la física clá-sica, los sistemas reversibles y deterministas constituían el modelo con-ceptual por excelencia. Hallamos aquí el punto de partida histórico de la ciencia-occidental, cuyos primeros trabajos estuvieron fundamentalmente dedicados al estudio del movimiento y en particular de los movimientos planetarios. El triunfo de la concepción newtoniana orientó durante varios siglos la evolución de la visión científica: lo casual y lo irreversible se admi-tían sólo como casos excepcionales, casi a modo de artefactos introducidos por el hombre en una naturaleza simple, reversible y determinista.

Actualmente ha cambiado la situación, y sobre todo des¬pués de producirse tres correcciones de gran repercu¬sión: a) Las par-tículas elementales han resultado ser casi todas inestables y distan mucho de constituir el soporte permanente de las apariencias cam-biantes, como auguraban las doctrinas atomistas. b) La cosmología contemporánea nos sitúa frente a una historia del universo, y un subsiguiente despliegue de estructuras, cada vez más complejas. c) Finalmente, los fenómenos macroscópicos tradicionales, y en parti-cular los que se estudian en química, biología e hidrodinámica, han

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cambiado de imagen. Por todas partes descubrimos lo casual y lo irreversible (PRIGOGINE, 1983).

Aportes de la teoría a la CMH: La motricidad humana (la energía para el movimiento intencional de la trascendencia, o de la superación) que se corporaliza en acciones, es inseparable de la cons-ciencia y del deber ser. Sin el deseo, visible en el cuerpo en acto, de superación de lo que se es y de lo que se tiene, no hay sujeto. El ser hu-mano, en cuánto ser sin acto, es una alienación. La motricidad humana en cuanto ciencia actual y por tanto abierta, autopoiética, autorreferente, en proceso continuo de organización, producción y reproducción, es un grito hacia la comunicación social. La motricidad humana hace el trán-sito de lo físico al cuerpo en acto (o acción), dando relevo al texto que la motricidad produce y superando la dicotomía entre la comprensión y la explicación. Ese momento del texto acentúa que no es pensando que somos, sino es siendo que pensamos y que la motricidad proviene de es-tructuras disipativas o estructuras dinámicas, que nos llevan a un nuevo orden, el cual se caracteriza por un nivel superior de organización y de aspiraciones. La aventura de la vida resulta de una tendencia general de la materia en organizarse en sistemas cada vez más heterogéneos; y se orienta de la unidad a la diversidad, naciendo un orden nuevo y más complejo, a partir del desorden (SERGIO, 2005).

Vivencia: La vida es un caos. A medida que vivimos más nos damos cuenta de ello. Cuando creemos que tenemos todo controlado, organizado, programado; “algo” se mueve y nos desestabilizamos, disi-pamos, desorientamos. ¿Qué hacer entonces?, ¿cómo ser capaz de vivir en esa intranquilidad emocional? Vivir en la polaridad es algo que los orientales tienen en su cosmovisión, ¿cómo aprenderlo en occidente?

Navegar en aguas turbulentas, saber superar los remolinos y co-ger las crestas de las olas para que su energía nos traslade a un puerto seguro que nos permitan un descanso regenerativo de superación. Es el efecto de la super-compensación de la “ley del entrenamiento deportivo”

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aplicado a la vida. Un vida que es aventura y riesgo, inestabilidad, emoción, mensajes de dobles lenguajes, choques culturales en que debes estar alerta para el proceso de continuo aprendizaje que rompe cada estabilidad que se logra. Es saber vivir en tranquilidad con la cabeza un tanto enredada. Unas veces hablando y otras callando, riendo y llorando, cantando y durmiendo, soñando y sobreviviendo, utilizando las crestas de las olas. Aprender a que-darnos en el aire…, en la incertidumbre por un tiempo y no sentir miedo a la altura, a la caída que nos lleve a puerto seguro.

El caos es vivir en la incerteza, la duda, la pregunta, estar feliz, dormir en sitios no programados, en la ambigüedad de la noche, en lugares desconocidos, el camino recorrido, el lugar conocido interiori-zado, el mundo no existe, se hace, se construye, se superan las historias vividas y los recuerdos sufridos que nos atrapan o nos llevan a otros avatares de la vida.

En últimas, vivir la vida como caos es entender las crisis como posibilidades de nuevos rumbos y de una manera muy diferente a lo que se programó o pensó. Siempre la incertidumbre y la aventura ter-minan por ser nuestras aliadas. En fin…

LA EDUCACIÓN COMO PRÁCTICA DE LIBERTAD Y AUTONOMÍA (Paulo Freire)

Síntesis de la teoría: La raíz más profunda de la politicidad de la educación está en la propia educabilidad del ser humano, que se funde en su naturaleza inacabada y de la cual se volvió consciente. (Freire, 1996) expone, de una manera clara y concisa, cuáles son los elementos básicos a tener en cuenta en la enseñanza:

No hay docencia sin discencia. Enseñar exige rigurosidad metódica, investigación, respeto a los saberes de los educandos, criticidad, estética y ética, la corporeificación de las palabras por el ejemplo, riesgo, aceptación de lo nuevo y rechazo a cualquier forma de discriminación, reflexión crítica sobre la práctica, el reconocimiento y la asunción de la identidad cultural.

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Enseñar no es transferir conocimiento. Enseñar exige consciencia de lo inacabado, el reconocimiento de ser condicionado, respeto a la autonomía del ser del educando, buen sentido, humildad, tolerancia y lucha en defensa de los derechos de los educadores, aprehensión de la realidad, alegría y es-peranza, la convicción de que el cambio es posible, curiosidad,

Enseñar es una especificidad humana. Enseñar exige seguridad, competencia profesional y generosidad, compromiso, comprender que la educación es una forma de intervención en el mundo, libertad y autoridad, toma consciente de decisiones, saber escuchar, reconocer que la educación es ideológica, disponibilidad para el diálogo, querer bien a los educandos.

Aportes de la teoría a la CMH: La apuesta desde CMH es hacia una educación amplia, crítica y propositiva. Amplia, porque trasciende las fronteras de la escuela y lo escolar, y se inserta en todos los espacios sociales en dónde el ser humano se constituye como sí mismo en relación a los otros y al medio (comunidad educativa).

Crítica porque se trata que las personas no se cierren sobre sí mis-mos y su realidad local, sino que vean la implicación de su entorno en la aldea global del siglo XXI y cómo las propuestas globales inciden en su entorno. Y Propositiva, porque queremos aprender a valorar lo que somos como sujetos epistémicos y vaya emergiendo, desde el interior de las comunidades, propuestas innovadoras que nos hagan re-surgir a todos, de nuestro histórico oscurantismo. Es una apuesta por la Pe-dagogía de la Esperanza y Pedagogía de la Autonomía, como bien nos enseñó Paulo Freire. Es un envite a la educación revolucionaria de los pobres de la tierra, para que algún día dejemos de ser esos “pobres” y nos convirtamos en los ricos propositivos del planeta (Red Internacio-nal de Investigadores en Motricidad Humana)

Vivencia: Educación, libertad, autonomía, transformación, de-pendencia, independencia, aprendizaje, colaboración, compartir, adap-tación cultural, relaciones de género ¿qué relación existe entre estos tér-minos?

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Cuando tenemos la oportunidad de mudar de país, de vivir con otros en contextos diversos, es quizá cuando nos percatamos de otras maneras de educarnos, de aprender, de construir mundo. Mientras es-tamos al interior de nuestra cultura, mirándonos entre nosotros mismos, la realidad nos parece única y traslúcida. Sólo al enfrentarnos con otras formas de vida, otras miradas, otros diálogos y comportamientos nos damos cuenta que existen muchas otras maneras de aprender, ser y vivir. Eso hemos descubierto en ese trasiego transcultural. Ahí aparecen otras dificultades, porque “luchamos” entre lo que somos, lo que son los otros y lo que nos gustaría que todos fuéramos. Eh ahí, los sinsabores y pro-blemas de adaptación y una de las funciones de la educación.

Enseñar y aprender a resolver los asuntos personales en el desar-rollo de procesos de autonomía y al mismo tiempo aprender a colaborar y cuidar (se). Es una construcción de años, de tiempo, de darse al otro, a los otros, de compartir alegrías y tristezas y “estar” en la sinceridad. La sinceridad que confronta pero no hiere. Eso es para nosotros la vida y lo más importante. Si no cuidamos de las personas, ¿para qué estamos en el mundo? Debemos primero saber ser independientes, solventarse, sobrevivir y no ser una carga para la humanidad y la familia; desde este punto de partida, superando estos procesos, mirar como brindar ayuda, apoyo a los demás, como brindar libertad si se está preso, como brindar comida si se tiene hambre, como brindar alegría si está triste.

Aprender también a asumir compromisos, primero con uno mis-mo, la familia, con la vida y luego con las personas que merecen ser tratadas éticamente, si queremos ser tratados de igual manera. Apren-der a compartir (dar y recibir) sabiendo, al mismo tiempo, con quien se comparte. Somos enseñantes y aprendices simultáneamente, porque al enseñar estamos aprendiendo con el otro. Debemos atrevernos, en-tonces, a ser en el otro, a compartir procesos de enseñanza-aprendizaje como las dos caras de la misma moneda. Sólo la perseverancia hará que logremos lo que la ignorancia no nos permite hacer con prontitud.

Otro asunto que nos parece de vital importancia en el mundo de hoy y que la educación no debe descuidar son las relaciones de género.

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En el cambio paradigmático que ha sucedido en las sociedades occiden-tales y que se ha globalizado desde mediados del sigo XX, el hombre se sintió-se siente absorbido por la mujer en tareas que antes eran sólo de él. Además la mujer, con esa capacidad de adaptación que tiene, y esa multifuncionalidad que su ser le permite, empieza a “ocupar” todos los lugares (que antes eran exclusivos) del hombre. El hombre se siente “fuera” de lugar, de sus tradicionales lugares de vida. Ya no tiene “sus” espacios solo para él, ahora tiene que compartirlos con “esas alguien” que desconoce. La mujer comienza un “control” sobre el hombre, más ingenuo, más lineal, más simple.

El hombre exige (necesita) que se le mime y al mismo tiempo se le deje libre; que se le cuide, pero cuando él busque el cuidado; se le dé sexo, en el momento que él lo necesite; exige que no se dé lata; que las mujeres estén dispuestas y disponibles, pero no exigir nada. No compromisos. Los hombres son generalmente muy independientes. La mujer exige (necesita) compañía, atención, tiempo compartido, afecti-vidad, diálogo, sexo, brazos en dónde cobijarse. Pero al mismo tiempo autonomía, no obligaciones, ni imposiciones, pero sí compromisos. Las mujeres en la historia aparecen como las “sufridas” de la película.

Ya no estamos en las sociedades agrícolas-cazadoras, ¿pero lo he-mos comprendido?, ¿hemos estudiado a fondo lo que ello ha significado en nuestra construcción humana de hombres y mujeres? En esta disquisición, ¿existe una posibilidad de encuentro?, ¿será que tanta diferencia-necesidad y tanta exigencia nos ha separado del todo?, ¿será este el futuro que hemos construido? Cremos que la sociedad está construyendo un mundo de soli-tarios, por no sacrificarnos, no comprometernos, por no perder para ganar y buscar en el otro o en la otra un complemento que le lleve a tener una estabilidad sentimental, construir una relación compartida, sacrificada de unas cosas y ganada en otras, de tener un alguien en un futuro, para cuando lleguen los momentos felices o infelices, pero estar con alguien que realmen-te viva y comparta un proyecto para toda una vida.

La educación primero debería estudiar al SER HUMANO y su HISTORIA, lo cual significa entrar más a fondo en TODA LA HIS-

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TORIA DE LA HUMANIDAD y no solamente en la que nos han con-tado y que ha parcializado el conocimiento en el mundo, haciendo a unos listos y a otros tontos, a unos ricos y a otros pobres. Eso significa la palabra “educación”, es ayudar al sujeto a transformar (se) en la interrelación con el mundo. Si somos seres únicos que construimos nuestra historia en relación con los otros y el entorno, la vida es ese “movimiento” centrípeto y centrífu-go de diálogos. Pero es desde el sujeto que se hace vida, y es el sujeto el que se educa. Nadie educa a nadie, ya nos decía Freire, sino que nos educamos mutuamente en el diálogo. La función del educador, es “orientar” el proce-so de búsqueda, no en dar las respuestas, las recetas.

Es impulsar la búsqueda, motivar las inquietudes y curiosidades de cada persona y apoyarla y acompañarla para que explore sus potencialida-des, muchas veces escondidas o enterradas. Superar las dificultades, que todos tenemos, en pro de salir de nuestras cavernas de historias invalidan-tes, colocándonos en el mundo como seres capaces, válidos y ricos. Esa es una de nuestras inquietudes y que proviene, al mismo tiempo, de nuestras historias de vida. Todos somos inteligentes y tenemos formas diferentes de manifestar esa inteligencia. Asumir que el proceso de educarse no es fácil y que implica una gran dosis de perseverancia. Pero al mismo tiempo es la posibilidad de desenvolver la imaginación, los sueños, los pensamientos, las preocupaciones, las preguntas, las dudas.

Y todo ello es un proceso de ejercer la libertad, es decir de no tener limites y si se encuentran, compartirlos. En definitiva es conti-nuar por los rumbos de la vida, explorando, sintiendo, pensando, du-dando, preguntando, organizando, construyendo… VIVIENDO… APRENDIENDO.

LA INTELIGENCIA CREADORA (Marina, Marín, Mas-low, Rogers, Guilford, de la Torre, de Prado)

Síntesis de la teoría: Considerar las viejas cuestiones desde un nuevo ángulo exige una imaginación creativa y señala un avance real

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en la ciencia (Einstein e Infeld). La creatividad es una innovación valio-sa. Todo aquello que sea diferente, algo antes no existente y que aporta aspectos interesantes superadores de lo anterior, resuelve problemas, cumple aspiraciones y necesidades, lo designamos como valor cualquie-ra que sea el campo, por modesto, cotidiano o insignificante que parez-ca (MARÍN, 1991, p. 96-99). Toda solución de problemas constituye un proceso creativo. Cualquier situación de estímulo que encuentra el organismo sin estar preparado para una inmediata reacción adecuada representa un problema, cuya solución conlleva una cierta novedad, por mínima que sea (GUILFORD, 1967; citado en LANDAU, 1987, p. 74). Saturnino de la Torre define la creatividad como tener ideas y comunicarlas.

La actividad creativa es intrínsecamente humana, posee un ca-rácter transformador y es comunicativa por naturaleza.

Aportes de la teoría a la CMH: La motricidad constituye a) una energía (que es estatuto ontológico, vocación y producción de apertura a la trascendencia); b) un proceso adaptativo a un medio am-biente variable, con predisposición a la interiorización, a la práctica dialogal y a la cultura que se produce en la integración paulatina de patrones de comportamiento y nuevos cuadros teóricos, necesarios a la creación, indispensable para su sobrevivencia y desenvolvimiento; un proceso creativo de un ser en que las praxias lúdicas, agonísticas, sim-bólicas y productivas traducen la voluntad y las condiciones del Hom-bre de realizarse como sujeto, es decir, como autor responsable de sus actos; designan, además, la capacidad (y el derecho) de construir una situación personal de madurez y de sueño, que vuelva posible una exis-tencia libre y libertadora y que adquiera la expresión de lo inédito y de lo absoluto (SERGIO, 1996).

Vivencia: El primer aspecto de la creatividad es auto-descu-brirnos, mirarnos en todas nuestras dimensiones, hacernos un mapa de nuestro ser humano, ver nuestras debilidades y nuestras fortalezas, para

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darnos cuenta que éstas últimas son muchas más que las anteriores. Es necesario apostarle a todo, arriesgarse a ganar o a perder, no quedarse a medias, no importar si toca regresar para re-comenzar de nuevo (que nunca es el mismo lugar).

La experiencia con diversas situaciones grupales nos enseña a dejarnos fluir con las personas y hablarles con sinceridad de nues-tras propias preguntas, dudas, preocupaciones, sueños, y esto les hace sentirse más comprendidos en sus propias dudas. Es el desar-rollo compartido de la imaginación creadora. Y de esta manera nos vamos descubriendo como seres creadores, hasta sorprendernos de las cosas que en estas ocasiones nos percibimos haciendo, diciendo, proponiendo. No sabemos de dónde salen, porque hasta el mismo momento no las habíamos pensado, escrito, hablado, dialogado. Aparecen ahí, justo en el momento que son precisas, con las perso-nas que de una u otra manera, las están esperando. Nos sorprende-mos a nosotros mismos hasta hacernos reír: ¿de dónde sacaste esto? Es como si alguien hablara dentro de nosotros y solo fuéramos su transmisor. La frase de Mozart “algo en mí crea” se hace cada día más presente en situaciones nuevas. Vemos, escuchamos y enseguida se nos presenta el mapa de la situación y las nuevas ideas comienzan a surgir. Palabras nunca dichas, asociaciones nunca imaginadas, ¡eh ahí el ser creador y gran desconocido!

Contribuir a que el mundo salga adelante, ¿cómo? creando, produciendo intelectualmente, buscando posibilidades de un mun-do mejor, caminar por nuevos lugares, construir nuevo conocimien-to y vivir alegre. ¿De qué tenemos que tener miedo?, ¿de ser como somos?, ¿qué nos descubran?, ¿y que nos importa ya a una determi-nada edad? La madurez debe servir para alguna cosa diferente a los resquemores de los más jóvenes. Superar estos miedos e incapacida-des para poder construir en la diferencia, creyendo en la diferencia y primero en nosotros mismos. Formarse en creatividad es atreverse a ser uno mismo en su unicidad e irrepetibilidad y atreverse a ser un “jugador” de la vida, a provocar con humor para romper esquemas

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de actuación “normativa”. Aprender con los otros a descubrir esa capacidad y saber como aprovecharla.

Uno de los mayores placeres es encontrarse con personas en pro-ceso de cambio, en proceso de querer indagarse, conocerse y conocer más allá del lugar en dónde se está. Esas personas nos atrapan, nos en-cantan, encandilan y animan al compartir, porque con ellas aprendemos, nos construimos sujeto, hombre, mujer. Son las personas que se dan a sí mismos la posibilidad de ser más.

¿Riesgos a asumirse como seres creadores y únicos? Sí, hay mu-cha incomprensión o falta de entendimiento de esta capacidad. Pero hay que tener paciencia, armarse de valor y utilizar todos los medios a nuestro alcance (creatividad) para que poco a poco las personas vayan entendiendo y luego proyectarlo por el mundo. Muchas veces nos sen-timos fuera de todo lugar, porque hacemos, pensamos, sentimos cosas que para algunos son obvias y para muchos es todo un descubrimiento. Eso implica una capacidad de adaptación a contextos y situaciones de vida diversa. Te aventuras a viajes, que no son sólo paseantes, sino de una apertura al conocimiento en toda su extensión… Son momentos de creación, de compartir, de vida diversa, de dormir en diferentes camas en horarios sin hora.

Hay muchas maneras de comprometernos en lo que ha-cemos, una de ellas es crear en cada una. Son las aportaciones innovadoras. No importa qué las motive, pueden ser unas pala-bras, las vivencias, otros textos, no importa, el caso es que nos introduzcamos en la vida y creamos desde ahí. Es un VAMOS, una construcción, no está hecho, hay que hacerlo con el otro, con los otros. Y tiene dos condiciones básicas de partida: el cariño y la sinceridad. El auto-cariño por uno mismo y el cariño por el otro y la sinceridad con uno mismo y con el otro. Sin ello, no vale la pena intentar nada.

En la creatividad solamente podemos apoyar a las personas que quieren seguir viviendo intensamente y aprendiendo de sí mismas. Es una mutua estimulación a la creación.

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TEORÍA DEL FLUIR Y EL LUDISMO HUMANO (Ci-kszentmihalyi)

Síntesis de la teoría: El flujo es aquel estado en el cual las perso-nas se hallan tan involucradas en la actividad que nada más parece im-portarles… El flujo ayuda a integrar la personalidad porque en este es-tado de profunda concentración la consciencia está extraordinariamente bien ordenada. Los pensamientos, las intenciones, los sentimientos y todos los sentidos se enfocan hacia la misma meta; la experiencia está en armonía. (CSIKSZENTMIHALYI, 1996, p. 136-154) realizó un estudio para identificar la actitud de flujo que fue llevado a cabo de la siguiente manera: se analizan personas que han creado algún bien cul-tural, que aún viven y son mayores; análisis de entrevistas, grabadas y transcriptas.

La investigación permitió identificar las personas que “fluyen” en las siguientes características:

* hacen lo que hacen porque les parece divertido;* no es lo que hacen sino cómo lo hacenEstas personas viven:• hay metas claras en cada paso del camino• hay una respuesta inmediata a las propias acciones• existe equilibrio entre dificultades y destrezas• actividad y conciencia están mezcladas• las distracciones quedan excluidas de la conciencia• no hay miedo al fracaso• la autoconciencia desaparece• el sentido del tiempo queda distorsionado• la actividad se convierte en autotélica.

El fluir y la evolución de la conciencia: es más difícil aprender a disfrutar haciendo cosas que fueron descubiertas recientemente en nuestra evolución (manipular sistemas simbólicos), que en las cosas más fáciles, programadas por los genes (sexo, violencia, cazar...)

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El concepto de “fluir” se relaciona con el de “lúdico” que dice así: Lúdico/a o lúdrico/a. Lúdico del latín ludus, ludere; adjetivo “per-teneciente o relativo al juego”. Lúdrico, del latín ludicrus adjetivo de lúdico. Juego del latín iocus; “acción y efecto de jugar”. Jugar del latín iocari “hacer algo con alegría y con el sólo fin de entretenerse o divertir-se”. Entiendo lo lúdico como “capacidad humana de gozar la vida en el aquí y el ahora de una manera autónoma y constructiva para la persona” (TRIGO y COLABORADORES, 1999).

Aportes de la teoría a la CMH: La investigación “mo-tricidad, creatividad y formación de colaboradores” (KON-TRASTE; TRIGO, 2001) ha puesto de manifiesto que en los procesos de creati-vidad lúdica se aprende a entender la vida más allá de lo utilitario. El recuperar el sentido del juego por el juego.

“Si vas a ver solamente el sentido utilitario de la vida harías po-quísimas cosas. Solamente serías un animal trabajador. Disfrutar y estar contenta para llegar a ser un buen profesional Es el goce de vivir, el sentido lúdico de la vida y de las cosas, ¿por qué no lo vas a disfrutar? ¿Por qué vas a tener una cuestión así seria, como si tuvieras que estar pa-gando por todo, justificando todo, ¡no vaya a ser que sea feliz!” (Laura)

“La delicia del no pensar” (Cristina).“Creo que la gente adulta no se divierte, difícilmente. Se divier-

ten delante de aquel modelo establecido, haciendo siempre lo mismo. Diversión como consumo, seguir las normas para divertirme. Tienen mucha vergüenza de lo que los otros piensan, de salirse de los patrones convencionales. Es más fácil ser todos iguales que ser todos diferentes; es más fácil seguir las normas y las reglas. Nuestros procesos de socia-lización y comunicación se centran en patrones. Es más fácil controlar a las personas. Si la gente, las organizaciones, la escuela por procesos de juego libre sucedería un caos, un caos positivo. Para unas personas sería una vía, pero para otras podría ser muy fuerte y por ello mismo se inhibirían. ¿Quién es capaz de jugar, de percibir, de buscar caminos completamente diferentes? (Helena).

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Vivencia: Cuando estamos bien, fluimos; cuando fluimos nos sentimos lúdicos; es el placer. El goce de la vida independientemente de la actividad en sí que estemos realizando. En ocasiones sentimos cómo si todo estuviera discurriendo calmamente. Una sensación de paz y aventura nos embarga de manera que sentimos que nada malo puede sucedernos. Es la alegría de vivir.

Este disfrute se pierde o interrumpe cuando la monotonía se asienta en nosotros, cuando la pesadez del “todo sigue igual” nos im-pide reírnos con los otros. Perdemos el sentido del humor, nuestra cor-poreidad se oscurece, la mirada se hace gris y la energía se reduce a la mínima expresión. Esos cambios de actividades deberían ser todos los días, no permitir la rutina, eso nos enlentece, nos vuelve monótonos, adormecidos y no vemos los errores y horizontes que se nos presentan, desperdiciándolos.

Experimentando diversas situaciones, nos dejamos fluir en la sinceridad, manan las preguntas divergentes, las dudas y preocupacio-nes se hacen menos insidiosas y los sueños marcan el horizonte. Nos impulsa a caminar por nuevos lugares, construir nuevo conocimiento y vivir alegre. Con ganas de ser oídos, de aportarle a la humanidad y nos maravillamos de donde salen las ideas. Creamos, interpretamos, trasformamos alegremente, contentos de lo que estamos sintiendo. El tiempo se detiene, sentimos la adrenalina pasar por las entrañas, viene la aventura, lo incierto, lo por resolver, algo se nos ocurre, sabemos que de alguna manera saldremos.

¡Qué rico!, esa sí es la aventura, no saber qué va a suceder en el minuto siguiente, en la hora siguiente, en el día siguiente, en la semana siguiente, en el mes siguiente… así vivimos, y por ello hay muchos que no nos lo aguantan, porque les rompemos todos los esquemas. En la relación con los otros, sucede lo mismo. Unas veces nos entendemos y las cosas fluyen, otras metemos la pata y la comunicación se rompe, otras preguntamos y nos colocamos… es así como se conoce a alguien, no hay malas interpretaciones, se goza la relación. De otra manera, todo

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se vuelve rutina, obligación, desinterés y en últimas aburrimiento y ade-más ¿para qué sirve?

La vida lúdica nos ubica en otro contexto, no hay un “tener que”, no hay metas a las que llegar, sólo hay camino, trochas, posibilidades que se abren ante nosotros y por las cuales transcurrimos en la calma de la dicha. En ese estado emocional nos permitimos también el “no hacer nada”, simplemente SOMOS. Nos convertimos en poetas de la vida, nos atrevemos a mirarnos, amarnos, gustarnos, acariciarnos, abra-zarnos para así poder compartir esas miradas, caricias, abrazos, paseos, desnudeces.

Sencillez y desnudez. Un proceso de cambio a través de los años; contado y sentido desde los sentidos, cuando oyes la música con significa-do, cuando escuchas la queja, otros saberes; cuando miras la naturaleza, los colores, los animales; te gusta hablar para contar lo que sabes, compartir momentos y sitios, viajar y conocer nuevos lugares, compartir conocimien-to, lugares sentimentales, dar todo de uno, entregarse desprevenidamente a los demás brindando colaboración, dispuestos a escuchar, a sacar el má-ximo provecho de una relación construyendo amistad, fortaleciendo lazos, abriendo caminos, senderos de paz, amor, compañerismo, comprometién-donos en la construcción de un mundo mejor.

La desnudez es más natural, más sensual, más amable, menos en-gañosa. Es encantador que los otros aprendan a sentirse libres y en la piel desnuda podamos conversar, sentir, acariciar, tocar, que las personas sean capaces, algún día, de ser naturales en las relaciones y se separen las de “amistad” de las de “amor-pareja”. En ambas, se da la desnudez, pero hay una gran diferencia en el tipo de acercamiento que se produce. Es sentirse entre amigos y dejarse ser. Descubrir la mayor libertad de las personas en el dejarse ser, en mirar de frente, en besar a la luz del día, en no esconder lo que se siente y piensa. Les gusta pero les impacta.

Cuando no fluimos con la vida, todo nos parece enredado y pu-nitivo. La desnudez es motivo de chanza, en vez de disfrute y la malicia se asienta en nuestra corporeidad. Expresiones como “una mujer en pelota, se mira, se observa con morbo, el compañero… es utópico,

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en nuestro sentir, acariciar, tocar (¿pregunto? cuando uno toca al otro porque lo toca y si lo toca donde lo toca, una teta? las nalgas?, el culo?, la kuka? o que le toca y por qué?) a otros lo veo imposible y menos aún desnudos, ya vería a la gente tocándose e invitándose a ir a la cama a escondidas de los demás” rompen la magia de la vida bella.

Creemos que se debe hablar de un proyecto de vida en evolución en cambio constante, inacabado. Estamos de acuerdo en que si la vida es cambio, no podemos decir nunca que YA HEMOS LLEGADO, porque iría en contra de la propia vida. Nunca llegamos, porque no hay meta, no hay que llegar a ningún lugar, hay que VIVIR y eso es PROCESO. De esta manera, el día que nos llegue la jubilación, será un cambio más en el sentido positivo de más y mejor tiempo, disfrutando lo que queda de vida y seguir haciéndolo bien.

TEORÍA DE LA ACCIÓN (Blondel, Gabler, Nischt)

Síntesis de la teoría: Nos apoyamos en Blondel (el filó-sofo de la acción) (FERRATER MORA, 1958). La acción como algo que comprende y abar¬ca el pensamiento sin anularlo; la filo-sofía de la acción es, así, simultáneamente, una “crítica de la vida” y una ciencia de la práctica”. Según Blondel, la palabra ‘acción’, sin ex¬cluir la idea de una inmediata y per¬fecta realidad, implica la distinción de tres fases y de tres significaciones discernibles, separa-bles o no: 1. La acción indica primitiva¬mente el ímpetu iniciador en lo que tiene de vivo y de fecundo, de pro¬ductivo y de finalista a la vez; 2. la acción puede designar (allí - dónde una operación dis-cursiva y compleja se hace indispensable para que se realice) la serie continua y progresiva de los medios empleados: proceso ne¬cesario para la ejecución del designio inicial que debe recorrer el intervalo que separa el proyecto del efecto; 3. la acción puede significar, final-mente, el resultado obtenido, la obra conseguida, la ter¬minación realizada. Puede entonces considerarse este resultado menos co¬mo

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un objeto bruto que como una especie de creación viviente donde la eficacia y la finalidad han conseguido unirse valorando todas las potencias mediadoras que han servido para esa maravillosa innova-ción, evocada por esa pequeña palabra llena de misteriosas riquezas: obrar (L´Action, 1936, I, 40/1).

Aportes de la teoría a la CMH: Desde la motricidad hu-mana entendemos la acción como comportamiento en cuando portador de significación, de intencionalidad, de consciencia clara y expresa y en dónde hay vida, vivencia y convivencia. La acción se realiza a través de una concreta dialéctica entre lo interpersonal y lo intrapersonal y manifiesta un dinamismo integrador y totalizante. La acción es conoci-miento, es lenguaje, es estrategia hacia la trascendencia (Sergio, 1999).

La acción es la complejidad entre: sensación, pensamiento, inten-ción, emoción, consciencia y energía (Red Internacional de Investiga-dores en Motricidad Humana, 2006).

Vivencia: Sencillez, deseo, belleza y acción, ¿por qué?La sencillez combina la dulzura y la sabiduría. Es claridad en la

mente e intelecto. Los que muestran la sencillez están libres de pensa-mientos extenuantes, complicados y extraños. El intelecto es agudo y despierto. La sencillez invoca al instinto, la intuición y el discernimiento para crear pensamientos con esencia y sentimientos de empatía. En la sencillez hay altruismo, el que personifica esa virtud ha renunciado a la posesividad y está libre de los deseos materiales que distraen el intelec-to haciéndolo divagar hacia territorios inútiles. Sencillez es ser el niño inocente y el maestro sabio. Nos enseña a vivir con sencillez y a pensar de forma elevada. Las personas que viven con sencillez, generalmente disfrutan de una relación cercana con la naturaleza. Cuando se observa la ética de la sencillez, casi no hay desperdicio, todos los recursos se va-loran: el tiempo, los pensamientos, las ideas, el conocimiento, el dinero y las materias primas. De la sencillez surge la generosidad. La acción es la combinación entre eficacia y finalidad.

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Descubrir nuestra sensibilidad. Digerir cada momento, abarca el pensamiento sin anularlo y permite entenderlo de manera sencilla, dul-ce y sabia. Pero encontrar la sencillez implica aprender a unir diferentes elementos: la emocionalidad, la pregunta y la piel. Todo ello mezclado va haciendo mella y abriendo la sensibilidad escondida. Se descubre el “mal” interior en la emocionalidad muchas veces constreñida, en la sen-sibilidad callada, en nuestro ser mujer / ser hombre no manifiesto. Es la complejidad del ser en la interacción entre sensación, emoción para con la intención hacernos conscientes y convertir en energía, la energía que nos permite VIVIR. Es sentir el “cuerpo” en todas sus dimensiones, es estar alerta, en proceso de aprendizaje continuo.

Una caricia y una pregunta sin que ofenda, se trasforma en un deber de satisfacer una inquietud de la mejor manera posible. Preguntas que construyen, que forman, que permiten compartir, disfrutarlas, es aprender en medio de la alegría, la dicha, la ternura y, por qué no, hasta la felicidad. Comportamiento intencional donde hay vivencia y convi-vencia, en un diálogo tierno, placentero que lleva a una praxis.

El deseo significa satisfacción interna, se tiene todo, es gratifican-te. Esto se refleja en el rostro – libre de perturbaciones, debilidades e ira – y en la conducta, con una elegancia y una majestuosidad extraor-dinarias, pero a la vez ingenua.

En cuanto a la belleza, es la acción que no se vislumbra en lo cotidiano, en lo externo, en lo superfluo, es apreciar las pequeñas cosas de la vida, el ser sensible a todo lo que hay a tu alrededor, es ver de manera diferente, descubrir lo que los otros no ven, es sentir en la piel, por la piel, lo que los otros viven, sienten, se duelen, gozan, disfrutan, es saber interpretar los valores, la dignidad, los aportes de cada uno con sus propias limitaciones, es ver el ser humano desde todas sus aristas e integrarlo, hacerlo sentir bien. La acción es la mirada de darle belleza a lo cotidiano.

La sencillez, el deseo, la belleza es la acción viva, fecunda, tier-na, amorosa, que nace del ser, en la sensación, la emoción, en el lenguaje e intercambio entre proyecto y afecto.

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TEORÍA DE LA COMUNICACIÓN (Watzlawick , escuela de Palo Alto)

Síntesis de la teoría: La palabra comunicar surge del latín “comunicare” que significa “poner en común, estar en relación” y has-ta el siglo XVI la palabra “comunicación” y “comunión” estuvieron muy relacionadas. Ya que las dos palabras provienen de la misma raíz “común”, que surge del latín “communis” (siglo XIII) de donde la co-municación tiene que ver con el intento de establecer una “comunidad” con alguien, compartir una idea, un sentimiento, una actitud. Con el tiempo la palabra “comunicar” empieza a significar también “transmi-tir” además del sentido de “dar parte (repartir)” una noticia.

Más adelante, la idea de “transmitir” se va haciendo más impor-tante que la idea de “reparto”. La palabra “comunicación” comienza a ser sinónimo de “transmisión” (la palabra “comunicado” aparece en el siglo XV) y el desarrollo de las teorías cibernéticas refuerzan esta confusión.

La comunicación es diálogo, reparto e interacción, comunión y conflicto desde el momento en que “comunicar” es “intercambiar”. Con lo cual al comunicarnos debemos asumir el riesgo de tener que cambiar. Cambiar de opinión, de punto de vista (Kastika, 1996).

Aportes de la teoría a la CMH: Desde el punto de vista esencialmente humano es imposible no comunicar. Aunque queramos, no podemos evitar la comunicación, no podemos “no comunicar, comunicar-nos”. Dos personas calladas en una habitación, se están comunicando. Es así como al recibir un mensaje también emitimos otro. En el mismo código o en un código diferente, ya que, por ejemplo, un insulto (mensaje verbal) lo podemos responder con otro insulto, un gesto (mensaje gestual) o igno-rándolo (mensaje postural); pero la respuesta siempre existe.

Los seres humanos como seres corpóreos nos comunicamos en la integración de nuestros siete cuerpos (Bohórquez & Trigo, 2006), a través de los siete lenguajes (oral, escrito, plástico, gestual, musical, oní-

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rico, silencio). El trabajo desde la motricidad es explorar estos lenguajes para descubrirnos con el otro y juntos participar en la construcción de mundos posibles, en dónde la sensibilidad es el factor primero con la cual tomamos consciencia de quiénes somos y cómo re-creamos el mun-do de la vida.

Vivencia: Somos seres en la comunicación. Queramos o no es-tamos en comunicación. La comunicación es proceso de vida y no hay forma de no comunicar. Si esto es así ¿por qué las guerras?, ¿por qué los humanos no hemos aprendido en toda la historia a vivir y convi-vir en paz?, ¿qué aspectos de la comunicación nos impide precisamente comunicarnos? ¿Será que desconocemos los diferentes lenguajes de la comunicación?

Comunicar es comprender, ¿estamos dispuestos a comprender al otro en su esencia humana, su esencia de hombre, su esencia de mujer?, ¿se pueden transferir los lenguajes?, ¿podemos decir en palabras (orales o escritas) los mensajes interiorizados que sentimos?, ¿sabemos conver-sar en la diferencia? Los Colombianos somos más abiertos y asequibles a abrir nuestras puertas familiares a otras personas, sucede todo lo con-trario en España, si vas por la calle la gente trata de no rozarte y hacen espavientos si llega a suceder eso. La gente llega a su casa y se encierra, no les gusta el ruido, la comunicación con el vecino, se encierran en sí mismos, les gusta la soledad, el silencio.

Contrario a lo anterior, cuando se comparte con generosidad, con un espíritu altruista lo que se tiene, se está en condiciones de satisfacer la necesidad de la aventura, del gusto por lo desconocido, dejando un lugar tranquilo con hermosos atardeceres y se sale con el otro en pos de descubrir nuevos horizontes (es la descarga de la adrenalina que corre por tus venas sedientas de ella), para luego volver a aquel lugar amado y querido con el gusto del disfrute y la vivencia de haber conocido nuevos rumbos que te permiten valorar lo que tienes a tu alrededor, es la comu-nicación del uno con el otro y con el cosmos.

Aprender a comunicarnos es la base para el desarrollo de proyec-tos en común en el seno de las distintas comunidades de vida. El silen-

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cio y la tranquilidad, en ocasiones, es una fachada, no quiere decir que las aguas cuando están mansas no corren fuertes por debajo. Entablar la cultura del dar y recibir para asumir que cuando nos enfrentan es una manera de hacernos re-pensar a cada momento. Hacer de las pro-puestas algo no impuesto, intransigente, algo dialogado con cariño, con aceptación, que si la gente no quiere, se mantenga la amistad, la relaci-ón. A veces somos la piedra en el zapato, la persona que no es deseada, el obstáculo; las cosas se pueden lograr con un ambiente tierno, agrada-ble, de manera que todos nos sintamos acogidos, animados y con ganas de echar para adelante, sintiendo el gozo y la alegría de vivir y de estar donde se está, contentos de las decisiones tomadas, a pesar de estar en la divergencia.

Percibir las necesidades internas de los otros sin precisar de la manifestación verbal, es una característica a desarrollar desde la motricidad humana, pero también el conscienciarnos de que debe-mos pedir ayuda y no solamente esperar a que nos la brinden. En la comunicación, cada cultura tiene sus códigos que pueden llegar a significar confusiones cuando se desconocen. Los dobles lenguajes, las dobles vidas, que nadie admite pero que todos conocen. Es des-cubrir y admitir las fortalezas y debilidades de cada uno y buscar espacios de complicidad individualizados. Se amplía así el concepto de familia, más allá de las relaciones de sangre para abrirse a una familia de afectos. Y en esa familia ampliada aprender a compartir, compartir ¿qué? Lo más difícil y lo más escaso en el mundo global de hoy: tiempo. Y después en ese tiempo, dejarse ser y dejar ser al otro, a los otros, para juntos construir alguna cosa.

Atrevernos a ser los elegidos en algún proyecto, porque ello es también una posibilidad de aprendizaje, de compartir otras cul-turas, otros lenguajes, otras comidas, otros ritmos, otras maneras de ser., buscando los puntos en común, comentando y respetando las diferencias.

Superar el concepto de “no incomodar” a priori, porque no sa-bemos qué significa ello en cada contexto, cada persona, cada grupo,

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cada familia, cada país. Y cuando se produzca alguna incomprensión, escuchar a las partes y no sacar conclusiones apresuradas. Eso no se-ría justo, seguramente, para alguna de las personas implicadas. Tener cuidado con nuestra percepción de “perturbar la armonía” o de “inco-modar con nuestra presencia” porque podemos equivocarnos. Aclarar las cosas, cuando sea necesario, para poder seguir, porque si no queda la duda, la espina que molesta, estorba y es mejor sacarla.

Utilizar los distintos lenguajes de la comodidad de cada uno. Al-gunas personas prefieren entablar relaciones en el lenguaje escrito por-que les permite decir las cosas con calma, tener tiempo para pensar. Sin embargo otras piensan que si necesitamos de tiempo para reflexionar, para buscar las palabras adecuadas, se estaría perdiendo la naturalidad del ser. Es verdad que a veces necesitamos madurar una idea y esperar el momento adecuado para exponerla o compartirla, pero de eso a tener que estar siempre controlando lo que decimos o vamos a decir, ¿no es demasiado trabajo? Ese comunicar en doble vía, sea oral o escrito es lo que nos une y supera a la vez.

Afrontar las cosas, dificulta a veces, no por temor o mejor si por temor, de herir de contradecir, de complicar las cosas, de que haya pro-blemas. El europeo dice las cosas de frente y de una sola, los colombia-nos somos más diplomáticos y parece ser que eso nos perjudica, porque se dilatan las cosas, se evaden los problemas. En la comunicación pre-sencial es más difícil que haya una malinterpretación, porque estamos allí, para mirarnos y deshacer, en el acto, la posible mal-interpretación. Se puede “jugar” a preguntar sin el temor a herir. Preguntar para saber de uno mismo y del otro, para hacer que el otro descubra cosas de sí mismo. No se pregunta para increpar, para incomodar, para justiciar, se pregunta para compartir. Es mucho más fácil en la cercanía, porque es en la presencia que se “mira”, se “abraza”, se “acaricia”, se “ríe” y en ese diálogo compartido se percibe si la pregunta está cayendo bien o mal, se está entendiendo o no.

Muchas veces, cuando nos permitimos la escucha, nos damos cuenta que caemos en procesos no-comunicativos porque no hemos entendido que

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hablamos de lo mismo con palabras diferentes. Las palabras son armas que atacan o escudos que protegen y alaban. El lenguaje expresa, nos proyecta-mos a los otros y recibimos de los otros, nos acerca y aleja, nos hace infelices o felices, es el medio de unir a los seres humanos.

TEORÍA ECOLÓGICA DEL DESARROLLO HUMA-NO (escuela de Kansas, Bronfenbrenner)

Síntesis de la teoría: El término “ecología” se compone de dos palabras griegas. Cada una de ellas representa una entrada a los misterios que residen en la base misma de la vida humana. Su etimolo-gía desvía la atención de la ciencia y la centra en la emoción y el misterio, en la religión y el corazón.

“Eco” es la forma abreviada de la palabra griega “oikos”, que significa “hogar”, ya sea el humano o el de los dioses, un templo e in-cluso la casa astrológica de un planeta. Oikos es una palabra sagrada que abarca diversas áreas de la vida e incluye nuestra búsqueda emo-cional de un hogar, la construcción y cuidado de las iglesias y templos, así como la búsqueda astrológica de la conjunción más conveniente de tiempo y lugar.

La experiencia del sentimiento de hogar. La necesidad de hogar que muestra nuestra alma no sólo tiene que ver con el refugio y la casa, sino con formas más sutiles, como el sentimiento de vivir en el lugar correcto, de estar entre gente que nos resulta familiar, de realizar el trabajo apropiado, de sentirse protegido y animado por el mundo na-tural, y de pertenecer a un nación y a una comunidad mundial. Todo esto reclama nuestra atención y compromiso, pero también constituye un regalo para el corazón y contribuye al encantamiento de la existencia cotidiana... hablar de ecología representa hablar de “misterio del hogar” ... El planeta entero es nuestro hogar.

La forma de alcanzar una vida ecológica es tratar las casas, las comunidades y la naturaleza como si fueran hogares. Es la intimidad

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de cada relación lo que procura el bienestar del otro; en el fondo, la ecología es una actitud erótica de aproximación, relación y cuidados (MOORE, 1999).

Aportes de la teoría a la CMH: Desde la motricidad, de-finimos el desarrollo humano como Proceso continuo e imprevisible de construcción del ser humano, como especie y como individuo, que ocurre en la dialéctica entre naturaleza y cultura, refiriéndose a la totali-dad compleja que se expresa como motricidad, afectividad y cognición, implicando, como constituyente, la praxis orientada por valores como la búsqueda de condiciones de existencia material y espiritual dignas para todos los seres humanos, la ampliación de la libertad de pensamiento, sentimiento y expresión crítico-creativa, la promoción de la solidariedad y del respeto a la alteridad (KOLYNIAK, 2005).

La motricidad nos permite integrarnos en la relación yo-otro-cosmos. Trasciende la visión dual occidental antropocéntrica, para ubi-carnos en la búsqueda de la armonía con nuestros diversos sistemas, cuerpos, notas o identidades (BOHÓRQUEZ; Trigo, 2006; TRIGO, 2002) el cuerpo-otro-otros, el cuerpo-mundo y el cuerpo-Gaia. Esta interrelación es la necesidad sentida de salud integral que la vida recla-ma.

Vivencia: Conocer y descubrir nuestra casa (Colombia), nues-tro hogar, nuestra morada para poder amarla. No se puede querer lo que se desconoce. Caminar por nuevos lugares ayuda a construir nuevo conocimiento y vivir alegre. Colombia tiene muchos hermosos lugares que vamos descubriendo y que esperamos continuar conociendo… los buenos sabores de la tierra: guayabas, aguacates, papayas, granadillas, arepas… Hemos centrado la mirada en lo externo, lo superfluo, lo me-dible, lo técnico y hemos descuidado lo humano, lo ecológico, la TIER-RA, la PACHA MAMA, nuestra verdadera madre.

¿Por qué dejamos agredir y destruir nuestros entornos? ¡Qué di-ferente es también la forma de vivir el tiempo en cada hemisferio! la

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cultura consiste en el hecho de inventarse la vida cada día. La necesidad apremiante es compartir y calentar la naturaleza con caricias y pintar los sueños. ¿Tan difícil es desplazarse un poco más? Europa tiene sus limitaciones, sus problemas, pero también una cultura antigua que está inscrita en sus piedras milenarias, en sus ciudades de faroles, en sus cafés. No se puede regresar sin aventurarse un poco más.

En los paseos ecológicos se ven cosas muy bonitas, hermosas, lugares espectaculares, miles de posibilidades de conocer otros sitios. A veces nos sentimos detenidos por un presupuesto, una realidad, pero eso no nos debe amilanar, sino buscar estrategias, organizar prioridades para no perdernos la oportunidad de saber-sentir cuál es el planeta que nos acoge. Aprovechar diversos tiempos para recorrer, sin horarios, sin calendarios, yendo, viniendo, conociendo, encontrando, gozando los colores de un atardecer.

De un mundo viejo para un mundo nuevo:

SOLO ESCRIBO LO QUE FLUYE,¿SERÁ QUE ENCAJA O SERÁ QUE SOBRA?ES LA VIDA LA QUE DEFINE Y UBICA LO QUE SE HACEPERO BIEN O MAL SE COBRAY NO SE PUEDE ACEPTAR LO QUE DESTRUYEVEN MUJER, HAZ TU OBRA

NO DEBES TENER AFÁNCAMINA, RECORRE, BUSCA Y SABRÁSQUE MUCHOS LUCHARÁNPOR CONSTRUIR TUS OBRAS

SIENTES UN NO SÉ CÓMO,BUSCAS UN NO SÉ CUÁNDO,PERO SIEMPRE EXPECTANTE,VAS INDAGANDO.

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SERÁ TU CUERPO, SERÁ TU MENTE,SON LOS DOS UNIDOS POR UN GLORIOSO MANTO,EN UN PAIS LLENO DE GENTE,QUE ESPERA DE TANTO EN TANTO,A VER QUIEN VIENE A GLORIFICARLO.NO CORRAS, NO TENGAS PRISAQUIENES QUIEREN APRENDERNECESITAN UNA NODRIZAPOR ESO ES TU DEBERHACERLO DESPACIO, RALENTIZA.

LA GLORIA TE ESPERALA TRISTEZA TE HUYE,RALENTIZA, ACELERA,PERO SIEMPRE CONSTRUYE.

Colombia tiene que aprender a mirarse a sí misma, para después dejar que la miren. Tiene que aprender a aprender de sí misma para poder enseñar al mundo cuál es el camino a la nueva humanidad; un ca-mino en curvas, con subidas, bajadas y algún que otro llano, que ha de ser caminado, paseado, nadado, danzado, cantado, dibujado, musicado, acariciado, besado en la calma y la fuerza de su rei-ki.

La bio-diversidad y la diversidad cultural nos embarga. A veces nos resulta complicado tanta diferencia y buscamos la tranquilidad de lo conocido. Día “diferente” dentro de la conocida igualdad de otros días de estas características. “Siento falta de días así y siento falta de días de abrazos. ¿Cómo compaginarlos? De momento parece que sigue siendo o lo uno o lo otro” (Eugenia). Placer de los distintos sabores, del soni-do de un “salud” acristalado, la cultura del vino. Nos reímos mucho y brillan los ojos. Se descubren otros amigos, otros tonos de una misma lengua, otras ciudades que bailan “mapuche”, otras formas de hacer mundo… y gusta, se abren puertas nunca antes soñadas. Sentirse entre amigos y dejarse ser, es una manera de hacer ecología y cultura.

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Promover el liderazgo y fuerza de convocatoria para conscienciar a colombianos, latinos y extranjeros de la posibilidad de futuro para to-dos los pueblos de la tierra que perdieron la calma, la paz, la confianza en sí mismos. Como hacerlo, es el desafío. Creemos que a través de una pedagogía del encuentro, la comunicación, el silencio y la esperanza. Hacer descubrir nuestro Colombia, lleno de riquezas y pobrezas, de gente esperanzada en un mundo mejor, pero que no tiene la cosmovi-sión de saber en donde está, ¿qué hacer? La solución la tenemos a la mano pero no se palpa, no se siente. Está al lado, pero no se ve; por el contrario molesta y estorba. Se necesita un ser orientador que indique, que canalice e induzca poco a poco el camino para esa liberación. Pero no puede ser de la noche a la mañana, es un proceso de cambio que algunos y algunas estamos llamados a emprender, a luchar para sacar nuestro país adelante.

SUJETO EPISTÉMICO (Zemelman)

Síntesis de la teoría: Lo que está en crisis no son únicamente las instituciones, sino también la manera como pensamos el mundo y la propia crisis. Como no sabemos aún lo que vendrá, asistimos con perplejidad a un mundo que aún no es, pero que tampoco es … Enten-demos por pensamiento, a un pensamiento que se entiende como una postura, como una actitud que cada persona es capaz de construirse a sí misma frente a las circunstancias que quiere conocer… formularse la pregunta ¿cómo me puedo colocar yo frente a aquello que quiero cono-cer? … a esto le llamaría una forma epistémica de resolver el problema.

Pensamiento epistémico = pensamiento que no tiene contenido … lo que nos permite que el pensamiento se pueda colocar ante las circunstancias. El pensamiento epistémico es preteórico, funciona sin un corpus teórico y, por lo mismo, sin conceptos con contenidos defini-dos, con funciones claras de carácter gnoseológico o cognitivo significa construir una relación de conocimiento. El pensar epistémico consiste

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en el uso de instrumentos conceptuales que no tienen un contenido pre-ciso, sino que son herramientas que permiten reconocer diversidades posibles con contenido.

Construir conocimiento de aquello que no se conoce, no de aquello que se conoce … se traduce en la capacidad de plantearse pro-blemas: inercias mentales, capacidad para plantearse problemas, exi-gencia de no confundir problema con objeto (ZEMELMAN, 2004; p. 9-25).

Aportes de la teoría a la CMH: En todo el proceso de de-senvolvimiento humano, sobrenada la motricidad. Porque el Hombre es un ser carente y consciente de esa carencia, no sólo la insatisfacción en él resuena tensa e intensa, en lo más hondo de sí mismo, como la motricidad es anterior a la idea de carencia y, a veces, independiente de ella. El Hombre se mueve para superar y superarse. La consciencia de esa carencia empuja al Hombre a un fieri continuo, a un incesante hacer y hacerse. Y, si el sentido de la existencia se revela en la realización de existencia, es la motricidad la que revela, la que desvela las grandes líneas de nuestras decisiones y posicio-nes. Proceso adaptativo, evolutivo, activo, como proceso humano, la motri-cidad es la forma de la creatividad, es el devenir-percepción de un proyec-to, es un proceso originariamente subjetivo. La motricidad de un sujeto se resuelve en un proyecto, esto es, se mueve desde la consciencia de un ser carente hasta la función estructural y estructurante de quien sorprende el pormenor en la estructura, la estructura en el pormenor y el Presente donde mana, incontenido y perenne, el Futuro. Y porque es proyecto, el Hombre prueba que no es sólo razón, sino también imaginación, inconsciencia y pre-consciencia, todo reunido en un yo singular y unificante (SERGIO, 1994).

La motricidad humana significa un nuevo paradigma del saber y del ser: porque todos los paradigmas clásicos, simplificadores y frag-mentadotes, deberán transformarse en complejos y dialogantes; porque sólo se es, verdaderamente, en el movimiento intencional de la trascen-dencia, es decir, en la motricidad de nuevos posibles (SERGIO, 2005).

Vivencia: ¿Qué es construirse como sujetos epistémicos?, ¿cómo es este proceso?, sujeto y cultura ¿encuentro o desencuentro?,

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¿cómo ubicarse como sujeto en un mundo globalizado?, ¿será que en este tercer milenio se puede elegir?, y para elegir ¿hay que probar todas las ofertas que el mundo nos ofrece?

Descubrirnos como sujetos únicos, participativos con la historia no es fácil, pero quizá el único camino que nos queda para poder seguir siendo. Descubrirnos con el otro, aprender a ser cautos, a perder y ga-nar y cuando se pierde volver a arrancar, unas veces rápido y otras lento en función de circunstancias y etapas de vida. Saber estar tranquilo aún cuando se tengan cosas pendientes, porque la excesiva preocupación, tensiona, desvela, impide el sueño calmante y reparador.

Reconocer nuestras diversas capacidades y escuchar al que nos puede colaborar en el conocimiento “ahí estás, tu capacidad de síntesis, tu lógica racional de ver las cosas, tu percepción ampliada que eres ca-paz de colocar en oraciones sensibles, ¿te ves? ¿cómo ayudarte a verte?, ¿me ayudas tú a que yo te ayude a verte? ¡que bueno fuera, lograr tener esa capacidad o si se tiene poder descubrirla y saber como aprovechar-la!”. No sentirse en menos porque todos tenemos siempre la posibilidad de ser más y mejor, “el que quiere puede” es una frase bien significativa aplicada a nuestras vidas. Dejarse acompañar y atreverse a introducirse en caminos no explorados, no tener miedo de abrir trocha porque como sujetos siempre podemos ser los primeros en llegar a …

Debemos asumir las dificultades como posibilidades y como una manera de fortalecernos para no amilanarnos, no acobardarnos. Con disciplina, dedicación y esfuerzo se va saliendo poco a poco. En ocasio-nes no sabemos cómo conseguimos atravesar barreras, límites, críticas, golpes, pero si lo contamos es porque de una u otra manera hemos sali-do a la luz. Mas ese esfuerzo en construirnos seres históricos no es aisla-do, ni al margen de sonrisas, abrazos y besos; es más son esos elementos los que nos dan el impulso para encontrar y continuar nuestro camino a pesar de la “falla básica” (BERMAN, 1992) no resuelta, necesitada y deseada. No quedarnos constreñidos por un “trabajo”, por la depen-dencia o esclavitud a una institución, resolver ser capaz de seleccionar y elegir y proponer proyectos allí en dónde son posibles.

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Si nos quedarnos prendidos de “dolores históricos” sólo nos lleva a repetir los mismos dolores. Hemos de atrevernos a “romper” los círculos de sufrimiento al igual que los círculos de seguridad, si queremos ser sujetos erguidos en la historia. Aprender a superar y a no transferir a las nuevas situaciones y contextos, las viejas y ya pasadas. Querer y asumir ser líderes, líderes de nosotros mismos y arriesgarse a vivir plenamente, a apasionarnos desenfrenada y locamente, echarle sal a la vida, endulzar las emociones, ir detrás de un sueño, atender un consejo. Dejar las culpas y las caretas que no conducen a lado ninguno. Asumir los compromisos adquiridos, no dejar a nuestra espalda mal ambiente, dejar puertas abiertas. Comprender que todo en la vida es posible aprenderlo en el camino, se aprende a investigar, investigando; a amar, amando; a caminar, caminando. Apoderarnos de la idea que nunca llegamos al final de la ruta y admitir y reconocer el error, primero el nuestro y luego el de los otros.

VOY A SEGUIR CREYENDO…….VOY A SEGUIR CREYENDO, AÚN CUANDO LA GENTE PIERDA LA ESPERANZA.VOY A SEGUIR DANDO AMOR, AUNQUE OTROS SIEM-BREN ODIO.VOY A SEGUIR CONSTRUYENDO, AÚN CUANDO OTROS DESTRUYAN.VOY A SEGUIR HABLANDO DE PAZ, AÚN EN MEDIO DE UNA GUERRA.VOY A SEGUIR ILUMINANDO, AÚN EN MEDIO DE LA OSCURIDAD.Y SEGUIRÉ SEMBRANDO, AUNQUE OTROS PISEN LA COSECHA.Y SEGUIRÉ GRITANDO, AÚN CUANDO OTROS CALLEN.Y DIBUJARÉ SONRISAS, EN ROSTROS CON LÁGRI-MAS.Y TRANSMITIRÉ ALIVIO, CUANDO VEA DOLOR.

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Y REGALARÉ MOTIVOS DE ALEGRÍA DONDE SÓLO HAYA TRISTEZAS.INVITARÉ A CAMINAR AL QUE DECIDIÓ QUEDARSE.Y LEVANTARÉ LOS BRAZOS A LOS QUE SE HAN RENDIDO.PORQUE EN MEDIO DE LA DESOLACIÓN, SIEMPRE HABRÁ UN NIÑO QUE NOSMIRARÁ ESPERANZADO, ESPERANDO ALGO DE NOSOTROS.Y AÚN EN MEDIO DE UNA TORMENTA, POR ALGÚN LADO SALDRÁ EL SOL; YEN MEDIO DEL SEDIENTO, CRECERÁ UNA PLANTA.SIEMPRE HABRÁ UN PÁJARO QUE NOS CANTE, UN NIÑO QUE NOS SONRÍAY MARIPOSAS QUE NOS BRINDAN SU BELLEZA.PERO SI ALGÚN DÍA VES QUE YA NO SIGO, NO SONRÍO O CALLO, ACÉRCATE Y DAME UN BESO, UN ABRAZO O REGÁLAME UNA SONRISA; CON ESO SERÁ SUFICIENTE.SEGURAMENTE, ME HABRÁ PASADO QUE LA VIDA ME ABOFETEÓ Y ME SORPRENDIÓ POR UN SEGUNDO.

Nuestra apuesta: dudar, equivocarse, hacer, construir, seguir, an-dar por el camino de la vida que como una aventura no se sabe lo que hay a la vuelta de la esquina pero ese es el placer, disfrutar de lugares jamás soñados o la satisfacción de problemas afrontados y solucionados o por qué no también la derrota, la pérdida, pero ambas llegan a lo lar-go de la vida y lo mejor es buscarla, vivirla y no esperarla. Es superar nuestras propias crisis y aceptar un mundo diferente.

TEORÍA DE LAS ORGANIZACIONES (Capra, Flischman, Aldana, Kastika)

Síntesis de la teoría: (CAPRA, 2002) postula que, si queremos mantener la vida en el futuro, los principios en los que se basan nuestras instituciones sociales deben ser compatibles con la organización que la

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naturaleza ha desarrollado para sostener “la trama de la vida”. Para ex-tender la comprensión de la naturaleza de la vida a la dimensión social humana, tendremos que manejar el pensamiento conceptual, los valo-res, el significado y el propósito, fenómenos que pertenecen al ámbito de la consciencia y la cultura humanas, todo esto llevado a la práctica, sería la gestión, en dónde cada sujeto se auto-reconozca como un ser creador, autónomo e identificado con su proyecto de vida, comunitario, regional, nacional y/o internacional.

El IMD - International Management Development Institu-te, quizá el mejor centro de formación y desarrollo de líderes, realizó una amplia investigación sobre lo que denominó “Las necesidades de la educación gerencial para el año 2000”, en la que concluyen que las necesidades formativas de líderes deberán centrarse en las cualidades siguientes: visión; habilidades interpersonales y de negociación; flexi-bilidad; capacidad de convivir con la incertidumbre; sensibilidad in-terna y externa; motivación para el aprendizaje permanente; relevante experiencia internacional e intercultural; vivencia en el área de recursos humanos.

1. De la administración en equilibrio estable, a la gestión del caos. 2. Del liderazgo centrado en el jefe, al liderazgo de equipo y de empresa. El líder debe tener una gran sensibilidad para captar, acoger y canalizar la gama completa y muchas veces sutil de la “bio-diversidad” del sistema-organización y de su entorno. 3. De la or-ganización reactiva, a la organización innovadora. Existe un miedo ancestral a romper esquemas que nos han dado éxito en el pasado; a variar el rumbo cuando es necesario, a dejar atrás de manera ra-dical y definitiva de paradigmas que en las actuales condiciones del mundo no solamente no son adecuadas, sino que pueden llevarnos al fracaso y a la destrucción de nuestras organizaciones, de nuestro futuro y el de todas las personas que dependen de nuestra organiza-ción acabando con las fuentes de trabajo y desarrollo que de ella se derivan. 4. De la cultura de la queja, a la cultura del cambio (AL-DANA, 1997, p. 26-33)

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Aportes de la teoría a la CMH: Desde la motricidad, nos apoyamos en estas palabras de (FREIRE, 1997, p. 22-23):

El animal se adapta a su “soporte”, mientras que el ser huma-no, integrándose en su contexto, para intervenir en él, lo transforma en mundo ... el “soporte” se hace mundo, y la vida, existencia a medida que crece la solidaridad entre la mente y las manos; en proporción a como el cuerpo humano se hace cuerpo consciente, captador, capaz de aprender, transformador del mundo y no espacio vacío a ser llenado por los contenidos.

Para el ser que simplemente está en el soporte, sus actividades en él son un simple “moverse” en el mundo; contexto histórico social, cultural; los seres humanos “interactúan” más de lo que “se mueven”. Reflexionar, evaluar, programar, investigar, transformar son especifici-dades de los seres humanos en el mundo y con el mundo.

No soy un ser en el “soporte” sino un ser en el mundo, con el mundo y con los otros; un ser que hace cosas, sabe e ignora, habla, teme y se aventura, sueña y ama, se indigna y se encanta. Un ser que rehúsa aceptar la condición de mero objeto; que no baja la cabeza ante el in-discutible poder acumulado por la tecnología porque, reconociéndola como producción humana, no acepta que ella en sí misma sea mala.

Personas que lideran organizaciones y con quiénes hemos desar-rollado diversas actividades, seminarios, talleres nos comentan (TRI-GO, 2006):

Mi cuerpo piensa, mis manos piensan, mis pies reflexionan, mi cuer-po siente, mi piel siente y piensa al mismo tiempo, mi cuerpo se revela y a veces me cuesta mucho llevarlo, pero hasta esos malestares me pueden servir como materia prima para crear. A través de los sentidos conozco el mundo y me doy a conocer, me proporcionan una vivencia que nutre mi historia personal. Nuestro potencial de ingenio nos puede sorprender cuan-do lo explotamos en un ambiente propicio (Popayán, Colombia).

Yo sentí que la falta de seguridad en nosotros mismos, es la que propicia la inseguridad en el funcionamiento de la organización (Torres Vedras, Portugal)

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El respeto dentro de ti te ayuda a la integración, al autoconoci-miento, consciencia, conocimiento de los demás, quita barreras (Cuen-ca, España)

Vivencia: Liderazgo, gestión, talento humano, gestión del tiempo, prioridades y urgencias, compromisos y responsabilidades en las distintas organizaciones de vida en las que nos movemos. ¿Cómo combinar todo eso de una manera autónoma y colaborativa al mismo tiempo?, ¿cómo no perderse entre tantas tareas que como humanos he-mos de resolver en cada etapa de vida?, ¿de qué manera vivimos en plenitud sin dejarnos atrapar por el funcionalismo institucional de las urgencias?, ¿cómo nosotros vivimos este asunto? La Universidad como organización, ¿qué nos ofrece y qué nos impide?

Aprender a sentir nuestro tiempo y a gestionarlo, identificando prioridades y no dejarnos atrapar por las tareas urgentes del día a día. La sobrecarga laboral en la que nos introducen y nos dejamos embaucar en aras a querer “cumplir” conlleva muy malas consecuencias. Hemos de cuidarnos para poder cuidar también de los nuestros y nuestras co-munidades organizacionales. Es importante mantener la convivencia en el día a día, con el trajín de tareas, en los ritmos diferentes de cada uno, buscando tiempos para todo aquello que está en nuestro proyecto de vida. Proteger a nuestro departamento, nuestra universidad, mante-niendo la diversidad en la unión alrededor de proyectos que nos con-voquen. El “divide y vencerás” tan en boga en el mundo institucional y empresarial del capitalismo es malo, muy malo, porque eso impide cre-cer, caminar en los horizontes y sentirnos gratificados con los resultados que entre todos obtenemos.

Aumentar el grado de confianza entre unos y otros, tratando que cada uno dé lo mejor de sí mismo, sin competencias, individualismos, es la apuesta de las nuevas organizaciones. Tratar de entender y compren-der las diferencias para aprovechar la energía de cada persona en sus fortalezas y no centrar la atención en las debilidades que como humanos cada uno de nosotros poseemos. Hacer de las relaciones un punto ful-

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cral en toda organización, nos parece que es el elemento primero a tener en cuenta en la gestión. Dejar la verticalidad de las relaciones por la ho-rizontalidad y democracia de nuestro quehacer cotidiano, afrontándolo con compromiso y pertenencia.

Desarrollar la sensibilidad, la sapiencia en el liderazgo para per-cibir al otro, dedicar tiempo a las personas en su integridad y no sola-mente como meros números-productores, para de esta manera hacer ver las posibles inconsistencias, incoherencias en que se puede estar in-curriendo, no siempre de manera consciente.

En la organización universitaria, los líderes deberán ser capaces de mantener la investigación propia, la producción de conocimiento, al tiempo que motiva a sus colegas a ser docentes-investigadores de alta calidad, promover la creación de equipos de investigación para romper las culturas solipsistas que todavía se ven en estos espacios. Esto debe ser uno de los propósitos básicos de una universidad que quiera presen-tarse ante el mundo con su “diferencia cualitativa”. Cada grupo, depar-tamento, comunidad deberá hacerse esta pregunta ¿qué queremos que sea nuestra institución?, ¿cuál es nuestro sello de identidad? Sólo así, tendremos organizaciones universitarias diferenciadas en dónde cada ciudadano encontrará un abanico de posibilidades para atender a sus búsquedas y necesidades.

Gestionar tiempos para pensar, tiempos en dónde las personas puedan decantar sus experiencias, compartir vivencias con otros dife-rentes. La importancia de los años sabáticos, en dónde no solamente es un descanso de la rutina cotidiana, sino la posibilidad de emprender nuevos rumbos, aspecto éste prioritario de una organización universi-taria. Implementar seminarios de capacitación organizacional, en que se trabajen los puntos señalados, nos parece un elemento fundamental para tomar consciencia de cuán perdidos estamos en nuestras maneras de gestionarnos como humanos y desde ahí diseñar estrategias de cam-bio que permitan construir proyectos de futuro.

Al mismo tiempo, se ha de trabajar en el seno de todas las comu-nidades en la consciencia participativa, de manera que vayamos rom-

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piendo las tradiciones de líderes-poder-egoico hacia líderes comunita-rios colaborativos, gestionadores de proyectos de riqueza integral de nuestros pueblos.

NEUROFENOMENOLOGÍA (Varela, Husserl, Merleau-Ponty)

Síntesis de la teoría: Constituye un enfoque del estudio de la cons-ciencia que combina el examen disciplinado de la experiencia consciente con el análisis de los correspondientes patrones y procesos neurales. La acción puede ser perceptualmente guiada en un mundo dependiente del que percibe.

Esta preocupación fundamental de la posición enactiva se opo-ne al planteamiento de que la percepción es fundamental¬mente un registro de información ambiental existente para re¬construir fidedig-namente un aspecto del mundo físico. La realidad no es algo dado: es dependiente del que percibe, no por¬que éste “construye” el mundo en forma antojadiza, sino porque lo que cuenta como mundo relevante es inseparable de la estructura del que percibe.

La percepción no está simplemente alojada en, y constreñida por el mundo circundante, sino que contribuye a la enacción de este mundo circundante. Como señala Merleau-Ponty, el organismo se inicia en el ambiente y, a la vez, es moldeado por él, reconociendo claramente que el organismo y el ambiente están estrechamente unidos en una especifi-cación y selección recíprocas.

No podemos tener nada que se asemeje a una mente o a una capacidad mental sin que esté totalmente encarnada o inscrita corpo-ralmente, envuelta en el mundo. Surge como una evidencia inmediata, inextricablemente ligada a un cuerpo que es activo, que se mueve y que interactúa con el mundo.

Un punto importante es que la neurofenomenología nos ha internado por los caminos de la renovación filosófica y metodoló-gica. Si pretendemos que esta línea de investigación proporcione

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una respuesta para lo que de otra manera sería una brecha explica-tiva insalvable entre la mente cognitiva y la mente fenomenológica, no podemos ignorar la base constitutiva de la reciprocidad mutua que hace que lo mental y lo experiencial, lo corporal y lo neural, se man¬tengan unidos. Por lo tanto, es evidente que es sólo a partir de esta base renovada que la neurofenomenología puede llegar a ser algo más que una repetición del pasado, bajo la forma de búsquedas de correspondencia que atraviesan la línea “de misterio”(VARELA, 2000, p. 228-240).

Aportes de la teoría a la CMH: Si cada ciencia del hom-bre trae consigo, como un deseo por concretizar, una cierta imagen del Hombre, como ciencia, partiendo de lo estrictamente corpóreo, pero ampliado a la investigación y a la percepción, entendida ésta como consciencia de una articulación cuerpo-mundo, pone el acento en el Hombre como proyecto. La motricidad supone el desenvolvimiento de las estructuras componentes del Sistema Nervioso Central; mantiene la regulación, la ejecución y la integración del comportamiento; traduce la apropiación de la cultura y de la experiencia humana como intenciona-lidad operante, y confiere especial relevo al proyecto, a la voluntad de creación, o mejor: de ruptura y trascendencia, que anima a la persona consciente y libre (SERGIO, 1994).

Si de lo que se trata es de recuperar y validar la experiencia sen-sible, una segunda posibilidad de comprensión del mundo de la vida de la que habla la fenomenología, es el énfasis que se hace en recuperar la corporeidad, esto es, evidenciar que somos cuerpo, que el cógito está encarnado en un cuerpo viviente: nuestro cuerpo es expresión, y en ese movimiento expresivo estamos volcados al mundo; a través de la expre-sión corporal (kinesis, relaciones espaciales, tiempo, habla, integridad de los sentidos…) reconocemos nuestro mundo, nos reconocemos a nosotros mismos y a la vez nos damos a conocer a los Otros yo-cuerpo con los que nos relacionamos intersubjetivamente, quienes conforman también nuestro mundo.

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El rescate que la fenomenología propone de la corporeidad nos está mostrando un cuerpo en su totalidad, no escindido, sino un soma que está reconociéndose en la medida que a través de su experiencia integral se va relacionando con el mundo. No es mi razón la que defi-ne mi ser, quién soy; desde mi nacimiento he aprehendido hábitos que me han permitido de una forma inconsciente relacionar mis órganos en una unidad que se vuelca creativamente al mundo que me rodea, para descubrirlo y conocerlo. Junto con esto se evidencia la importancia de la experiencia que va permitiendo ese descubrimiento de sí mismo, así como del mundo, y con ello la percepción, la relación de los sentidos para poder decir: yo muevo, yo siento, yo deseo (PARADA, 2006).

Vivencia: ¿Somos sujetos u objetos?, ¿somos materia o una di-versidad de notas (cuerpos) que nos identifican como humanos?, ¿qué somos? y más aún, ¿qué queremos ser?, ¿qué quiero devenir siendo? Eso es nuestro proceso humano. Si fuéramos objetos y materia, no podría-mos soñar, imaginar, sentir, proyectar. Son esas las características que nos diferencian de otros seres vivos animales.

Ese proceso se da en la interrelación yo-otro-mundo, de manera que nos quedamos afectados por los sucederes. Nos duele que las perso-nas se laceren, se lastimen, se infravaloren y otros los apuñalen y no les dejen crecer. De la misma manera sentir el frío (climático y relacional) en todo nuestro cuerpo, por dentro y por fuera, no nos deja ni tristes, ni alegres, nos pone alerta. Nos ayuda a desarrollar la mente encarnada para avanzar en el camino de la vida y no volver a repetir errores que nos harían retroceder.

También nuestro diario vivir nos hace tomar consciencia del tiempo. Nos damos cuenta que el tiempo es una percepción, no hay tiempo fijo, hay percepción. Unas veces “corre” (cuando estamos a gus-to) y otras se detiene (cuando hay problemas), solamente depende de cómo estemos viviendo la cotidianeidad. “Esto lo descubrí una noche de intenso frío y aventura ufffff, que rico me he sentido!!!!, no sé si pasé peligro o no, pero es muy buena la sensación, el tiempo se hace eterno,

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sentir los pasos que se te acercan poco a poco, saber que te buscan, ver el chorro de luz, ver sus siluetas, están a tu lado, hablan, buscan y no me ven, es muy vacano, me sentía muy superior a ellos y me acor-daba en mi oficina, suplicándole al tiempo que se detuviera y el muy berraco, antes al contrario, más corría….ahora le suplico que corra y siempre, llevando la contraria, se ha detenido. Pienso una cosa y otra, no me acuerdo cuales fueron mis pensamientos, no tristes, no alegres, simplemente pienso, es tercera vez que pienso en el tiempo, creo que le voy a escribir, sería muy bueno. Todo eso pasa por mi mente práctica para tomar decisiones rápidas en momentos críticos y de soluciones de ya para ya“ (Harvey). Ese es el cerebro del hombre… trabaja en línea para dar una solución práctica… y ese es el tiempo, no es una medida, es una percepción, una situación, una vivencia, así nos lo enseñó poste-riormente Einstein, con la teoría de la relatividad… ahora se siente en la propia piel, bueno es un aprendizaje.

Una experiencia límite lo hace ser más consciente de tu ser feno-menológico. “Aquella noche mis pies centraron mi atención, me duelen, las rodillas también, increíble mi cobija (un plástico para basura), siento que me protege, no estoy muy cómodo, estoy sentado, recostado en mi mochila, froto mis rodillas, mis manos, siento algo de calor en ellas, la temperatura debe estar muy baja (unos grados bajo cero), ¿a qué ho-ras amanecerá? Le hago una atención especial a mis pies, en estos mo-mentos los estoy valorando, pasaron una muy mala noche, los caliento, les pongo mi chaqueta, los pongo al sol y dejo que estén agradables” (HARVEY).

En una situación contraria, en un paseo colombiano Eugenia es-cribía esta “oda a los pies”:

PIES CAMINANTES, PIES PENSANTESPIES PASEANTES Y DANZANTES.PIES AVENTUREROS, PIES SENSIBLES,PIES VIAJEROS Y CALIENTES.PIES VIVIENTES, PIES REFLEJOS,

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PIES ATREVIDOS Y AMOROSOS.PIES INCITANTES, PIES EXPLICANTES,MIS PIES, TUS PIES, NUESTROS PIES.MIS PIES ME ACERCAN AL OTRO,TUS PIES TE ACERCAN A MÍ,CUANDO NUESTROS PIESSE MIRAN Y ACERCAN, UN NOSOTROS COMIENZA A CRECER.SERÁN MIS PIES Y NUESTROS PIES,LOS QUE AL HORIZONTE LLEVARÁN,UN PIE DETRÁS DEL OTROPARA UN MUNDO EN ACCIÓN NOS TRASLADARÁN.

El desarrollo de la percepción nos permite mirar “adentro” de una persona, mirar su “esencia” más allá de su apariencia, de su piel. Entonces no necesitamos preguntar, hablar, justificar, racionalizar si es bueno o malo. Esto ayuda en las relaciones humanas, porque se pro-duce una empatía en dónde nada cotidiano importa, porque es secun-dario. En ese momento, se produce un cambio en la relación. Ya no es lo que se aparenta ser ya es alguien especial con un tesoro escondido y ese tesoro es el que descubrimos, el que nos atrae. Es el momento de poner en relación nuestros sueños con esas realidades encontradas. Es la vivencia intersubjetiva en que me descubro, descubriendo al otro. Todos buscamos un “alguien especial” que nos de la mano, nos ponga el brazo y apoye nuestras decisiones, sea nuestro cómplice, nos riamos de nuestras picardías, nos abrace en nuestras tristezas, se regocije de nuestras alegrías, nos de el alimento cuando lo necesitemos, nos lleve donde el médico cuando enfermamos, sepa que estamos bien o mal con una mirada, es un todo en nuestro complemento humano, en lo físico, en lo espiritual, en nuestro yo sinfónico. Es mirar al otro desde mi pro-pia percepción, experiencia y verlo de arriba abajo, de lado y de frente, de atrás, de adentro hacia fuera, desnudarlo internamente, descubrirlo y brindarle una amistad para la vida. Pero…

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es mejor no cansarse, buscando,es mejor no cansarse, sufriendo, es mejor no cansarse, esperando unos brazos,es mejor no cansarse, esperando un compañero

En últimas, es la empatía de los estados de ánimo para acom-pañarnos en un proyecto de vida.

PSICONEUROINMUNOLOGÍA (Csikszentmihalyi, 1998; Vicens, 1995; Weinstein, 2003)

Síntesis de la teoría: A pesar del desprecio de la ciencia mo-derna hacia las emociones como factores causales de la enfermedad, se les ha prestado una mayor atención en las dos últimas décadas, debido a la labor de la psicología humanista, la antipsiquiatría, la epidemiolo-gía, la homeopatía y las corrientes favorables a la medicina suave, que han contribuido a la superación no sólo del binomio cuerpo-mente sino también a la consideración del entorno social o del ambiente urbano.

La mente humana se expresa tanto en el individuo como en la cultura, pero es importante saber que de una forma u otra “crea” un mundo interior que se refleja en la llamada realidad objetiva o mundo exterior. Y ambos mundos existen y se reflejan porque la mente no se limita al ser humano sino que es una propiedad esencial de la vida y una propiedad de los sistemas naturales. en este sentido se puede hablar de un ente que abarca la naturaleza entera en el sentido de una ecología planetaria que integra y organiza constantemente, frente a la entropía de la materia, todos los componentes químicos y orgánicos del planeta (VICENS, 1995, p. 96, 147)

Maslow denominó “experiencias cumbre” a la intensa sensación de estar vivos, que implica no sólo al cuerpo sino también a la mente. Los budistas designan esta percepción mental exacerbada con el térmi-no “iluminación” y subrayan que está profundamente enraizada en el cuerpo (CAPRA, 2002).

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La interrelación entre emociones, mente, sistema nervioso y sis-tema inmunológico es hoy una realidad investigada. Las Emociones positivas: calma, optimismo, confianza, alegría, bondad, amor, produ-cen un estado similar al estado DUDHADNARMA. Las emociones perturbadoras tienden a enfermarnos y los estados mentales saludables (calma, optimismo, confianza, alegría, bondad amorosa) tienden a es-timular la salud. El impacto de esos estados sobre el sistema inmuno-lógico es medido por el aumento o disminución del número de células inmunológicas o de su eficacia. La mayoría de las muertes entre los rabiosos ocurren antes de los 50 años: parece que las personas que sien-ten rabia mueren jóvenes Investigadores de Harvard Medical School descubrieron que la emoción más común en las dos horas que preceden a un ataque cardiaco es la rabia. Las personas que cometen crímenes violentos tienden a tener niveles de testosterona más elevados que los habituales. La tristeza, la depresión demostró interferir más en la re-cuperación de una enfermedad grave. La ansiedad o stress afecta al sistema inmunológico. A mayor control y dominio sobre las decisiones, menor índice de mortalidad (MOURA, 1995).

Aportes de la teoría a la CMH: Cuando realizamos acciones dialó-gicas desde la motricidad lúdico-creativa se integran los distintos cuerpos, identidades o notas que nos constituyen como humanos y las personas en-tran en un estado emocional de emociones positivas. Este trabajo práxico es una manera de colaborar en la salud integral de las personas como se manifiesta en las siguientes expresiones (TRIGO, 2006):

Nos ayuda a una mayor sensibilidad, mayores sensaciones a nivel corporal y conectar con la alegría. Porque pensamos que es muy importante el tomar consciencia de todos nosotros, de lo que es nuestro cuerpo y de lo que estamos haciendo con él en este momento (grupo Cuenca).

No diferenciar el trabajo del placer… la utopía, el sueño forma parte de la realidad (grupo Jundaí).

El jugar por jugar debe darse y la creatividad debe darse en una libertad. Aclaramos los conceptos que son rutinariamente utilizados y los vivenciamos. Jugamos con estos conceptos en la socialización. Tra-

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bajamos el marco lúdico como instrumento de desarrollo de actividades. Vimos la importancia de las ideas utópicas como guía. La importancia de procurar nuestro bienestar para transmitirlo. Aprender a vivir la vida plenamente gozando hasta el esfuerzo y mantener constantemente nuestra mirada poética (grupo Valparaíso).

Vivencia: El estrés. Esa enfermedad del mundo actual que nos lleva a otras enfermedades. Estrés laboral, familiar, emocional que mina nuestra energía y nuestro sistema inmune. El estrés de las grandes ciu-dades, de la vida urbana que se caracteriza: por las carreras, el tiempo que no alcanza, las deudas, la relación tensa, la sobrecarga laboral, no haber tiempo para las relaciones humanas, para verse como persona, para tener un sentido de paz, aspecto éste que no se debe dejar perder con nuestros compañeros en la Universidad.

No dejarnos minar, ni afectar por una “simple” evaluación negativa, son pequeñas cosas en la inmensidad de la vida. Ser capaz de mirar más allá del momento porque bien sabemos que lo que nos parece una inmensidad, pasado cierto tiempo se ve como una pequeñez y luego hasta nos reímos de ello, … dejar de lastimarnos, de sentirnos pequeños, devaluados y esti-marnos. Auto-provocarnos estados mentales positivos que nos hagan vivir alegres. Pensar en positivo y darnos la oportunidad de tomar los problemas como posibilidades de aprendizaje y retos a superar y no como obstáculos insalvables y restrictivos de nuestro ser en el mundo. Con la adversidad nada se puede, viene, se recibe, se baña en ella y… viene el sufrimiento, se ven derrumbarse las ilusiones, pero hay que seguir adelante impulsándonos con los pies y las manos de nuestros compañeros de viaje.

Valorar el camino realizado a pesar de las dificultades y falta de comprensión y ayuda. Muchas veces no sabemos cómo conseguimos atravesar barreras, límites, críticas, golpes y nos preguntamos si las experiencias son transferibles o al menos educables. Ello nos permite desarrollar la intuición, ese séptimo sentido tan necesario como perse-guido para vivir la cotidianeidad y librarnos de encuentros no deseables que terminen enfermándonos por falta de cuidado.

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No echarse encima cargas sin necesidad, no sobrecargarnos laboralmente, como si ello fuera lo único y más importante en el proyecto de vida. Trabajar placenteramente, sin separar el esfuerzo del gozo es quizá una de las sabidurías ancestrales y no siempre aprendidas por cada uno de nosotros. Encontrar el placer en cada una de las cosas que hacemos y comenzar a suprimir aquellas ac-tividades, espacios, relaciones que nos constriñen y no nos permi-ten respirar. Caminar en pro de acumular energía autoestimulando nuestras endorfinas, escucharnos más para saber qué nos hace bien y qué nos perjudica, así nos auto-inmunizamos.

Permitirnos ser sensibles, sin dejar de ser fuertes. Vivir en la polari-dad debilidad-sensibilidad-fortaleza-fuerza para encontrar nuestra tranqui-lidad armónica que nos permita dormir los sueños regenadores y reparado-res de la dinámica celular. No querer “aprovechar” el tiempo, sino vivir el tiempo, es también otra de los aprendizajes a adquirir si queremos vivir en la calidad que como humanos del tercer milenio nos merecemos. Permitir-nos vivenciar situaciones no-lógicas, no-racionales, así como atrevernos a no comprenderlo todo, tenemos limitaciones. Admitir que hay preguntas incomprensibles para nuestra racionalidad. Admitir estar cansados para no caer en crisis existenciales profundas. Detenerse a tiempo, no esperar a que el organismo nos obligue a detenernos.

Aprender a no preguntar, no increpar, no criticar, simplemente que-dar en el abrazo acogedor y hacer sentir que por fin el cansancio se evapora, que la búsqueda se acaba, que el descanso llega. Hacerse presente con el otro, en vez de continuar en vidas solitarias a las que nos ha llevado una sed de independencia, de libertad, de no rendir cuentas, ni marcar tarjetas.

Promover la resiliencia, o capacidad de resistir las inclemencias, sin que ello suponga estrés, sino esfuerzos placenteros en nuestra rela-ción con el mundo de las diferentes realidades. Desarrollar un estado de bienestar que de por sí es transmisible personal y culturalmente. Eh ahí otro de los desafíos, nos hacemos más sensibles, disfrutamos más, tenemos mejor y más calidad de vida. ¡Qué mayor medicamento neu-roinmunológico para el estrés de hoy y de mañana!

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INMANENCIA-TRASCENDENCIA

Síntesis de la teoría: Es imprescindible la búsqueda constan-te hacia un ascenso a niveles de consciencia superior y así poder trascen-der el ego. A través del esfuerzo de la consciencia para ampliarse y de la aspiración real de llegar a una realización. Todo ello implica transfor-maciones permanentes. La verdadera transformación vivida con liber-tad trae a la existencia del ser alegría y paz de espíritu.

Se reconoce como realmente “sagrado”, al estado en que la esen-cia de la vida aflora con cierta libertad; los rituales artificiales se vuelven superfluos y a veces obstáculo cuando se ha despertado a la búsqueda de la esencia. Existen “revelaciones” a través de las cuales el ser interior va aflorando y por medio de la “meditación” se da un estado íntimo que permite contactarse con el nivel del “alma” (TRIGUEIRINHO, 1999). Este estado no puede ser provocado por medios externos, surge espontáneamente cuando la personalidad no está limitada al fluir de la energía interna, pudiendo permear a una más amplia comprensión de la verdad, permitiendo al yo consciente compartir la esencia de la vida interior.

El Dalai Lama considera que “es extremadamente importante intentar presentar principios morales desprovistos de elementos reli-giosos. Hoy solamente una o dos personas entre cinco son creyentes religiosos… algunas veces es más fácil abordar a los no-creyentes…es mejor que la religión se vuelva un asunto particular como el color de la ropa que viste la persona” (GOLEMAN, 1997)

Aportes de la teoría a la CMH: La palabra Trascendencia es fundamental en la CMH. Al moverse intencionalmente, para ser más y mejor, el ser humano se considera, en todas las circunstancias, una ta-rea por cumplir, pero rompiendo con todo el racionalismo e individualismo europeo y norte-americano, puesto que ninguna realización histórica pue-de ser considerada como fin último y mi trascendencia tiene que significar una vida en comunidad. La motricidad humana, al darnos la trascendencia

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como el sentido de la vida, hace de cada ser humano un sujeto y no un ob-jeto de la Historia. Es de destacar también que la trascendencia de la cual habla la motricidad humana, es libre del dualismo platónico de la tierra de los hombres y del cielo de las ideas. La motricidad humana no asume las categorías de una escatología fija, no dice adónde se va a llegar, pero sí que el mañana puede ser diferente (MANUEL SERGIO, 2006)

Vivencia: Trascender es caminar rumbo a un horizonte de ilusiones, proyectos, sueños, deseos, utopías, superando los incon-venientes, adversidades, problemas de la realidad cotidiana de cara a una construcción de otros mundos posibles. Es proyectarse desde el aquí y el ahora (inmanencia) de la historia propia al mundo y al universo y de éste de nuevo al sí mismo. Es una trocha de interro-gantes no resueltos que nos llevan de esta vida a otras vidas, en un proceso en continuo cambio. Como ya nos decía Heráclito “vivir de muerte, morir de vida”.

Trascendemos, creando, produciendo intelectualmente, buscan-do posibilidades de un mundo mejor. Esa es una de las labores que estamos emprendiendo desde la motricidad humana. Contribuir con el otro, los otros a descubrirnos en toda nuestra inmensidad como se-res humanos capaces, creadores, soñadores, para que de esa manera construyamos futuro y cumplamos nuestra función de humanos sobre el planeta. Es un trabajo para toda una vida, que dejará huellas imbor-rables de historia, es la historia de la humanidad que poco a poco se ex-tenderá a otros lugares, países y el mundo. Pasarán varias generaciones pero el proceso se dará; es el punto de partida, es la semilla sembrada y abonada con aquellas “cosas” que nos trasmitimos a través de la red, es el abono que hará germinar esa planta, esas plantas, ese sembrado. Alimento, que aquel que lo consuma se volverá adicto de propender por un mundo en paz, con amor, de ternura e igualdad de condiciones para los unos y los otros, donde cada vez será menos las injusticias, vejacio-nes, dolores, reinará poco a poco la confraternidad. Esa es la verdadera transformación, asumirla libremente y espontáneamente.

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Se debe hablar de un proyecto de vida en evolución en cambio constante, inacabado. Si la vida es cambio, no podemos decir nunca que YA HEMOS LLEGADO, porque iría en contra de la propia vida. Nunca llegamos, no hay meta, no hay que llegar a ningún lugar, hay que VIVIR y eso es PROCESO. Dicen que “eso” es la esencia de la vida. Es la búsqueda de la felicidad la que nos mantie-ne vivos. Los pensadores y estudiosos de este asunto (Alvira, 1999; Csikszentmihalyi, 1997; Holden, 1998; Lowen, 1994; Moore, 1999; Muñoz Redón, 1999, 2000; Ramoneda, 2001; Rojas Mar-cos, 2000; Verdú, 1999; Zugasti, 1994), comentan que la felicidad como tal no existe, pero que quizá la felicidad consiste precisamente en la BÚSQUEDA DE LA FELICIDAD. Mientras estamos en esa búsqueda estamos vivos y ese es el propio riesgo del vivir. Su-pone también aprovechar las oportunidades en toda su dimensión, no desperdiciar los encuentros que nos permitan avanzar. Quizá no sepamos por cual camino, si por la derecha o por la izquierda, pero avanzamos por los rumbos de la vida; no hay norte-sur, este-oeste, sólo hay caminos y todos nos llevan a nuevas vivencias, que nos hacen más trascendentes. De esta manera, explorando, sintiendo, pensando, dudando, preguntando, organizando… simplemente VI-VIMOS. Los que nos hemos “educado” en el trabajo y el esfuerzo, pensamos que todo tiene que ser conseguido con esfuerzo y trabajo y no nos damos cuenta que a veces las cosas simplemente nos llegan como resultado de ese esfuerzo y trabajo realizado a lo largo de la vida.

Ser creadores de nuestra propia historia, aprendiendo con los de-más, no somos autosuficientes, no tenemos el conocimiento encarnado de todo lo que sucede, adelantos científicos, tecnología etc., son dos aspectos interrelacionados; aprendemos con los demás, pero al mismo tiempo somos únicos, irrepetibles y construimos nuestra propia historia en ese interactuar. Esa es la dimensión humana, eso es SER HUMA-NO: “el futuro es una construcción humana” se dice…SÍNTESIS DE LA EXPERIENCIA

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La experiencia mutua aprendida en estos meses de comunicación virtual-presencial, la podemos explicar así:

MARIPOSAS DE HERMOSOS COLORES,ROJAS, AMARILLAS, TORNASOLES Y MILES MÁS…VUELAN Y SE POSAN SOBRE NUESTROS CUERPOS,QUE MARAVILLADOS SE DELEITAN DE PLACER.

PUREZA EXQUISITA, FRAGILIDAD PODEROSA,TU VIDA EXIGUA ES TODA ENSEÑANZA,SÓLO VIVES UNA HORAS Y HACESDE LA NATURALEZA COSA HERMOSA.

CIELO, TIERRA, FUEGO, MAR…TODO EN UNA ECOLOGÍA DEL COSMOS,COMO LAS MARIPOSAS, NOS HACE TRASCENDER,DISFRUTA, GOZA, VIVE HASTA DESAPARECER.

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LUDOMOTRICIDADE E LUDOPOIESE: PARA FAZER DO ESPORTE UMA

OBRA DE ARTE DA VIDA

Katia Brandão Cavalcanti

Aprendemos com Gandhi uma bela lição: “A arte da vida con-siste em fazer da vida uma obra de arte”. Se somos capazes de fazer da nossa Vida uma Obra de Arte, também somos capazes de viver o Esporte Como Obra de Arte. No entanto, precisamos indagar sobre o significado ontológico de uma concepção estética do esporte que o eleva à condição de uma Obra de Arte da Vida e o que fazer para concretizar uma educação que reconheça o Esporte Como Obra de Arte da Vida. Nesse quadro epistemológico, de colorido radiante, dois fenômenos subjacentes ao esporte imprimem suas cores como fundos de tela para dar mais beleza ao esporte. Ludomotricidade e Ludopoiese são parcei-ras na construção do verdadeiro espírito esportivo que é, sobretudo, um espírito lúdico. A ludomotricidade representa a energia ontológica que impulsiona o Ser para a experiencialidade do lúdico, do fluxo, da alegria de viver. A ludopoiese constitui o processo de autocriação dessa energia lúdica capaz de renovar-se por si mesma com a força do sentimento mais profundo do Ser, o amor.

Fazer do Esporte Uma Obra de Arte da Vida é um grande desafio humano. Ao conceber os Jogos Olímpicos da Modernidade,

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Pierre de Coubertin sonhou o sonho dos poetas: um mundo de paz, de beleza, de alegria, de felicidade! O ideal olímpico que ele defen-dia se sustentava em dois grandes pilares: a ética e a estética1. A busca da performance física deveria estar necessariamente associada a uma ética da gentileza e uma estética da beleza. Que o ideal olím-pico tem um forte componente estético parece não haver dúvidas entre os estudiosos do Movimento Olímpico Moderno. Entretanto, tradicionalmente, o ideal estético de Coubertin foi deslocado para as Competições Artísticas dos Jogos Olímpicos que ocorreram durante o período de 1912 a 1954. E mais recentemente, o ideal estético tem sido evidenciado como um componente cultural externo, cenário fantástico que complementa o espetáculo olímpico. Esta lacuna foi estudada por Brown (1996)2, tomando os vinte primeiros anos do Movimento Olímpico – 1894 a 1914, apresentando reflexões provo-cativas sobre a temática da estética nos Jogos Olímpicos Modernos que muito podem contribuir para redimensionar as vivências espor-tivas do ponto de vista educacional, particularmente na escola.

Foi durante a realização dos V Jogos Olímpicos, em 1912, na Suécia, que ocorreram as primeiras Competições Artísticas dos Jogos Olímpicos Modernos que incluíram cinco categorias: arquitetura, lite-ratura, música, pintura e escultura. Coubertin estava tão entusiasmado por ter conseguido concretizar a sua concepção olímpica que unia a arte ao esporte, que ele próprio se inscreveu como participante na categoria literatura usando um pseudônimo para não ser reconhecido. A sua Ode dedicada ao esporte ganhou o prêmio de literatura olímpica, tornando-se eterna para aqueles que amam verdadeiramente o esporte.3

1 Coubertin reconheceu que John Ruskin foi uma importante infl uência na

sua inspiração estética (BROWN, 1996). Duas obras de Ruskin sobre o

valor da arte foram utilizadas para as nossas refl exões: On art and life e A

economia política da arte.2 BROWN, Douglas A. Pierre de Coubertin’s Olympic Exploration of Mo-

dernism, 1894-1914; aesthetics, ideology and the spectacle, 1996.3 COUBERTIN, Pierre. The olympic idea: discourses and essays, 1966.

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As Competições Artísticas dos Jogos Olímpicos Modernos foram realizadas até o ano de 1954, em Atenas, quando foram subs-tituídas por um Programa Cultural que se desenvolve paralelamente às competições olímpicas. As relações entre o esporte e a arte deve-riam ocupar um espaço cada vez maior entre as configurações de pesquisas dos centros de estudos que se dedicam à investigação do esporte como fenômeno humano e social, no entanto, hoje isto ainda não acontece.4

Dez anos depois de conseguir incluir a arte, as competições artísticas nos Jogos Olímpicos Modernos, Pierre de Coubertin pu-blicou, em 1922, a primeira obra sobre Pedagogia Esportiva.5 A obra está estruturada em três partes: a primeira é dedicada a uma abordagem histórica; a segunda trata das técnicas; e a terceira fo-caliza a ação moral e social, concluindo a sua obra com o tema das relações entre arte e esporte.6 Isto mostra o quanto a ética e a esté-tica presentes na vida esportiva preocupava Coubertin e o sentido educativo que ele dava à questão.

A realidade vivida por pessoas de todas as idades que praticam es-porte na contemporaneidade não tem privilegiado a beleza da arte na expe-riencialidade esportiva. No entanto, os desejos, os sonhos, as fantasias cada vez mais se apresentam nas arquibancadas dos estádios e nas competições de rua por anônimos que fazem a festa, buscando, intencionalmente ou não, serem recompensados com a instantaneidade da fama.

Pretendemos com esta reflexão filosófica apresentar as nove virtudes do esporte poeticamente declamadas por Pierre de Coubertin, associando metaforicamente cada uma delas com um hexagrama do I Ching, visando estabelecer pontes entre o Ocidente e Oriente para evidenciar a universa-lidade da ludomotricidade como um fenômeno humano, pleno de energia luminescente. A ludomotricidade nas vivências esportivas abre espaço para o fluir da ludopoiese, para o fluir do Ser Luminescente. Um novo Espírito

4 BROWN, Douglas. op. cit.5 NAUL, Roland, 1994.6 COUBERTIN, Pierre. Pédagogie esportive, 1972.

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Esportivo precisa ser formado, e a educação tem um papel fundamental nessa construção do Esporte como uma Obra de Arte da Vida. Neste de-lineamento epistemológico, impõe-se uma compreensão do fenômeno da ludomotricidade como força geradora da alegria de viver e do seu processo de renovação permanente, a ludopoiese.

Para efeito da nossa análise filosófica, configuramos as nove vir-tudes do esporte numa estrutura de galáxia, tendo no núcleo central o Poder da Vida Luminescente do Esporte, sua vinculação cósmica de elevação do sentimento de humanidade. Tal poder luminescente do es-porte depende da natureza da força ludomotriz que impulsiona o Ser para viver a vida como uma obra de arte. Em torno do núcleo central da galáxia, giram oito corpos radiantes: Beleza; Justiça; Ousadia; Honra; Alegria; Fecundidade; Progresso e Paz.7

O Poder da Vida Luminescente do Esporte

Hexagrama 1 – CH’IENO Criativo

Para o centro da nossa Galáxia do Esporte Como Obra de Arte da Vida, colocamos como estrela o Poder da Vida Luminescente do Es-porte. A poética de Coubertin atribuiu grande luminosidade ao esporte. Expressões como “prazer dos Deuses”; “essência da vida”; “mensa-geiro radioso”; “clarão de aurora”; “raios de luz”, indicam a estreita relação entre o divino e o humano que se entrecruzam na vivência do

7 Na Ode ao Esporte, Pierre de Coubertin poetiza nove virtudes do esporte

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Esporte como Obra de Arte, tornando-se capaz de irradiar o pulsar da vida através de um autêntico Espírito Esportivo Luminescente.

Trazemos o hexagrama 1 do I Ching,8 O Criativo, para repre-sentar o Poder da Vida na metáfora do Esporte como Obra de Arte da Vida. Este hexagrama é constituído por dois trigramas, O Criativo, simbolizando o céu. Todas suas seis linhas são contínuas, Yang, repre-sentando uma energia luminosa, forte, espiritual e ativa. Sua força é o movimento e o tempo está na base desse movimento. Há uma atividade criativa e poderosa do cosmos que se alia à ação criativa dos seres mais evoluídos e mais espiritualizados da terra como uma nuvem de estre-las que irradiam todo o esplendor de amor e beleza que o Espetáculo Olímpico é capaz de realizar.

O Poder da Vida Luminescente de uma obra de arte é o poder de gerar mais vida, mais beleza, mais luminosidade! Este é também o poder do esporte. É um poder de criação de mais vida, é o poder de um Espírito Esportivo Luminescente. Fazer do Esporte Uma Obra de Arte da Vida é fazer brilhar a amorosidade do fair play, é fazer brilhar a beleza do Ser Luminescente que existe no interior de cada atleta que busca a autotrans-cendência esportiva, que busca os louros da vitória nos campos esportivos.

A Beleza Luminescente do Esporte

Hexagrama 22 – PIGraciosidade (Beleza)

8 Utilizamos duas referências básicas sobre o I Ching de autoria de Richard Wilhelm.

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A Beleza Luminescente como um dos corpos radiantes da Galá-xia do Esporte Como Obra de Arte da Vida, gira em torno da estrela O Poder da Vida Luminescente, juntamente com mais outros sete corpos que irradiam luminosidade a longas distâncias. Para Pierre de Couber-tin, a virtude da Beleza Luminescente do Esporte estava para além do corpo. Como “arquiteto do corpo”, o esporte poderia torná-lo sublime ou degradante. Mas como a beleza pressupõe equilíbrio e proporção, o esporte concebido como obra de arte é harmonia, ritmando movimen-tos, tornando a força graciosa e dando poder ao corpo para que este possa revelar a mais profunda essência da vida.

A verdadeira Beleza Luminescente do Esporte envolve o Ser na harmonia do sublime. Trazemos o hexagrama 22 do I Ching, Gracio-sidade, Beleza, para a nossa reflexão filosófica e poética sobre o Es-porte Como Obra de Arte da Vida. Este hexagrama, constituído pelo trigrama fogo abaixo e pelo trigrama montanha acima, simboliza o fogo que irrompe das profundezas da Terra e cujas chamas ascendem ilumi-nando e embelezando a montanha. A beleza da forma é necessária em todo tipo de relação entre os seres para que a vida se realize de modo harmonioso e não desordenado ou caótico.

Na composição do trigrama fogo, a linha fraca está no centro, movimentando-se suavemente entre duas linhas fortes para embe-lezar a sua essência que significa força. Na vida humana, essa luz interior suave do coração manifesta-se através da solidez dos nossos corpos e ações, expressando emoções e sentimentos que harmoni-zam e embelezam o espaço-tempo de nossa existência no mundo e com o mundo.

A Beleza Luminescente do Esporte Como Obra de Arte da Vida é transcendente, está além do corpo, está nas profundezas do Espírito Esportivo que irradia alegria em todas as direções. A Be-leza Luminescente do Esporte é a Beleza do Ser Luminescente que pode ser revelada sublime em várias situações que a vida do esporte, essencialmente lúdica, o desafia para mostrar a profundidade das raízes desse encantamento. A Beleza como uma virtude do esporte

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vive no coração do Ser Luminescente, amorosamente de prontidão, para se revelar ao mundo com todo o seu esplendor contagiante, quando as emoções da vida esportiva tomam o seu corpo e libertam a sua alma com poesia.

A Justiça Luminescente do Esporte

Hexagrama 2 – K’UNO Receptivo

A Justiça Luminescente como um dos corpos radiantes que par-ticipam da Galáxia do Esporte Como Obra de Arte da Vida, foi cantada na Ode de Coubertin como “a equidade perfeita”. Ao associar a força física com a força moral, o ser humano é capaz de transcender os limites da sua corporalidade por ele mesmo.

Para representar a Justiça Luminescente na obra de arte do es-porte, trazemos o hexagrama 2, O Receptivo, que simboliza a Terra. Constituído por seis linhas abertas, sua estrutura revela uma simetria perfeita. A abertura vertical no centro significa a amabilidade da Terra para com os seres do Universo. É a sua demonstração de acolhimento para todos que significa devoção ao sublime, devoção à vida. A sim-bologia da Terra está relacionada à espacialidade e à generosidade em prover o alimento para o corpo e para o espírito.

A Justiça que brilha na obra de arte do esporte vive nos campos esportivos iluminados pela luz do dia e pelos refletores da noite. Como a Terra, a espacialidade desses campos de jogo quer celebrar a vida, alegremente vivida. Os Monumentos Esportivos, gigantescas obras de arte arquitetônicas, poderiam concretizar o sonho dos poetas ao exi-

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birem para o mundo as verdadeiras obras de arte da vida. Poetizar a performance humana significaria fazer emergir toda a beleza da alegria de viver que habita às profundezas da intencionalidade dos Seres Lu-minescentes que vivenciam as conquistas ontológicas como autotrans-cendência.

Receptivo e generoso como a Terra, o esporte também provê ali-mentos para o corpo e para o espírito. Emoções para o corpo, sentimen-tos para o espírito. A Justiça Luminescente do Esporte está em poder celebrar a diferença! Todos os Seres Luminescentes convidados a par-ticipar de uma Festa Olímpica já são vitoriosos porque celebram a sua própria transcendência. A beleza luminescente da Justiça que se realiza como esporte é poder ser ela mesma uma Celebração da Autotranscen-dência na grande obra de arte que é a Vida!

A Ousadia Luminescente do Esporte

Hexagrama 51 – CHÊNO Incitar (Comoção, Trovão)

A Ousadia Luminescente participa da Galáxia do Esporte Como Obra de Arte da Vida irradiando uma poderosa energia de determina-ção para a realização de feitos humanos inimagináveis! Para Coubertin, todo o sentido do esforço no esporte se resume a uma palavra: “ousar”. A força e agilidade deveriam se unir com o propósito da ousadia, que por sua vez deveria convidar a prudência e a reflexividade para defini-rem as estratégias de inventividade.

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Para representar a Ousadia Luminescente na obra de arte do esporte, trazemos o hexagrama 51 do I Ching, que significa O Inci-tar – Comoção, Trovão. A imagem de um trovão seguido de outro, desencadeando um trovejar contínuo é ameaçador. Nesta simbologia, o trovão irrompe da terra causando com o seu impacto temor e tremor. No entanto, o Ser Luminescente que, das profundezas de sua alma, já compreendeu o significado de temor e tremor, sente-se livre de qual-quer medo provocado por condições ambientais.

A Ousadia Luminescente que o Esporte irradia é a expressão hu-mana de determinação diante dos enfrentamentos que a espacialidade e a temporalidade das vivências esportivas exigem da nossa autotrans-cendência. É preciso ousadia para que possamos nos reconhecer como Seres Luminescentes, geradores de luz, que ilumina não só a própria caminhada rumo ao podium ontológico, mas também compartilha in-tencionalmente ou não, com a sua irradiação luminosa, da caminhada do outro que também busca a sua performance ontológica.

A ousadia de se afirmar como um Ser Luminescente num contex-to imagético real, em que o eclodir dos trovões de forma contínua atinge grandes distâncias, é representado pelas mídias instantâneas, provocan-do intenso medo. Somente um espírito autoconfiante e entusiasmado com a construção de sua Obra de Arte Ontológica, poderá seguir sua caminhada sem se abalar interiormente com os acidentes de percursos, próprios do esporte, porque já compreendeu as conexões cósmicas do seu existir, implicadas na simbologia grega dos Deuses do Olimpo.

A imagem do temor e tremor trazida pelo hexagrama do Incitar refere-se à necessidade de se lidar com a perplexidade e com os possíveis insucessos. Para enfrentar tais situações de risco, é preciso saber usar a força e a agilidade para tomar decisões de impacto que repercutem num fazer e refazer constante do próprio projeto de vida. A beleza do espe-táculo da Ousadia Luminescente que o mundo aplaudiu recentemente, foi a vitória do nosso maratonista olímpico que perdeu o podium da materialidade dos homens, mas ganhou a medalha da invencibilidade dos Deuses do Olimpo na própria Grécia.

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A Honra Luminescente do Esporte

Hexagrama 10 – LUA Conduta (Trilhar)

A Honra Luminescente participa da Galáxia do Esporte Como Obra de Arte da Vida irradiando a beleza da lealdade. Para Pierre de Cou-bertin, os títulos esportivos conquistados só deveriam ter real valor se os meios utilizados para alcançar a vitória assegurassem a lealdade absoluta e a perfeita gratuidade. A representação hexagramática do I Ching escolhida para simbolizar a Honra Luminescente é a Conduta – Trilhar. O hexagra-ma 10 é constituído pela alegria abaixo e pelo criativo acima, cujo significa-do indica o modo ético de se conduzir em sociedade. O movimento dos dois trigramas é ascendente, havendo um permanente diálogo entre a alegria e o criativo, embora seja a alegria que impulsiona o criativo para ir mais além, para transcender os limites da corporalidade do Ser Luminescente diante dos desafios que a vida apresenta.

O Esporte Como Obra de Arte da Vida é um grande espetáculo humano que irradia o brilho da plenitude da lealdade. A Honra Lumi-nescente impulsionada pela alegria de viver, verticaliza cada vez mais a criação esportiva para que a performance do Ser Luminescente possa ser apreciada tanto na dimensão corporal como na dimensão espiritual. O verdadeiro espírito esportivo é luminescente, é capaz de sensibilizar infinitos corações a grandes distâncias, permanecendo vivo na memória do tempo ao atravessar décadas, séculos e milênios.

O maior espetáculo esportivo da Terra, os Jogos Olímpicos da contemporaneidade, ao se transformarem numa Obra de Arte da Vida,

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estariam se elevando à altura dos sonhos dos poetas para concretizarem a grande conexão planetária, simbolizada pela Chama Olímpica, pelo Fogo da Solidariedade, do Amor à Vida.

A Alegria Luminescente do Esporte

Hexagrama 58 – TUI

Alegria (Lago)

A Alegria Luminescente é um dos corpos radiantes que consti-tuem a Galáxia do Esporte Como Obra de Arte da Vida. Ao afirmar que o “esporte é alegria”, Coubertin poetizava o brilho nos olhos e o pulsar do sangue daqueles que amam o esporte e vibram com o esporte. A Alegria que irradia da harmonia entre pensamentos e sentimentos no fluir das vivências esportivas faz o Ser Luminescente alcançar a pleni-tude da alegria de viver ou suportar com serenidade a dor, o sofrimento de uma vida que ainda não encontrou o verdadeiro sentido da transcen-dência ontológica.

O hexagrama do I Ching escolhido para representar a Alegria Luminescente é a Alegria – Lago. Constituído pela duplicidade do tri-grama alegria, simboliza dois lagos que se sobrepõem um ao outro. A energia que circula nesta formação hexagramática é a espontaneidade que sorri para celebrar a vida. Essa leveza e jovialidade não se origi-nam na maleabilidade das duas linhas Yin que se apresentam na última posição de cada trigrama, mas se configuram pelo fato de haver duas linhas fortes no interior de cada trigrama que se expressam através da suavidade e da cordialidade.

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A Alegria Luminescente presente na obra de arte do esporte é uma emoção, é um sentimento que brota do cultivo da harmonia interior diante dos desafios que a vida esportiva apresenta, capaz de envolver a própria fonte com ternura, irradiando intensa beleza à sua volta. Tui é o lago que se alegra e refresca todos os seres. Tui é também a boca que comunica os sentimentos de alegria do Universo. Trazemos a metáfora do lago como a boca do Universo para reconhecermos a grandiosidade do Espetáculo Olímpico e a sua função social na irradiação de um Espí-rito Esportivo Luminescente que quer se expandir em todas as direções.

Sendo a alegria um estado de ânimo contagiante, promove a rea-lização e o êxito. No entanto, devemos considerar como referência feno-menológica primordial, a serenidade própria da imagética do lago para que este estado de vibração prazerosa vivido com o esporte não se dege-nere em euforia sem sentido. A verdade e a força devem ser cultivadas nas profundezas do coração para que a suavidade possa desabrochar alegremente na vida esportiva vivida pelo Ser Luminescente. Assim, o poder da Alegria Luminescente é poder fazer vibrar o nosso mais puro sentimento de amor à vida para irradiar para o mundo um novo espírito esportivo pleno de harmonia e luminosidade.

A Fecundidade Luminescente do Esporte

Hexagrama 55 FÊNG

Abundância (Plenitude)

A Fecundidade Luminescente que participa da Galáxia do Esporte Como Obra de Arte da Vida cumpre o seu papel de irradiar a beleza do au-

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todesenvolvimento do corpo e do espírito. Para Pierre de Coubertin, através do esporte poderia se alcançar o aperfeiçoamento da humanidade. O hexa-grama do I Ching escolhido para representar a Fecundidade Luminescente do Esporte foi a Abundância – Plenitude, constituído pela chama abaixo, simbolizando a luminosidade e pelo trovão acima, simbolizando o movi-mento. Assim, luz interior e movimento exterior geram grandeza e abun-dância que se manifestam em época de intenso desenvolvimento cultural.

A simbologia do aderir interior e do incitar exterior representa a Chama Olímpica, o sentimento olímpico do Ser Luminescente que irrom-pe em movimentos irradiantes para o mundo interior fazendo vibrar e ex-pandir o espírito esportivo como sementes luminosas de uma verdadeira Ética Esportiva Luminescente com grande poder de fecundação. Para que as sementes do nosso espírito esportivo possam germinar, abrindo-se em árvores frondosas capazes de oferecer à humanidade os mais belos frutos esportivos, a Terra precisa ser bem cuidada para que uma nova cultura do Esporte Como Obra de Arte da Vida possa de fato prosperar.

Os grandes eventos esportivos mundiais cumprem um importan-te papel no desenvolvimento da cultura esportiva em escala planetária. No entanto, o sentido ontológico luminescente que vive no interior de cada coração e vibra com as vitórias das performances do corpo, quer se exteriorizar como um espírito esportivo radiante da alegria de viver a autotranscendência como Ser Luminescente, para compartilhar sua energia luminosa com o mundo.

O Progresso Luminescente do Esporte

Hexagrama 53 – CHIENDesenvolvimento (Progresso Gradual)

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O Progresso Luminescente que integra a Galáxia do Esporte Como Obra de Arte da Vida refere-se ao modo lento e gradual do de-senvolvimento das performances humanas no esporte. Para Pierre de Coubertin, o envolvimento com o esporte exigia aperfeiçoamento do corpo e da alma. O hexagrama do I Ching escolhido para representar o Progresso Luminescente foi o Desenvolvimento – Progresso Gradual, constituído pela quietude, montanha abaixo e suavidade, vento, madei-ra acima, simbolizando uma árvore que se desenvolve lentamente na montanha, mantendo-se firmemente enraizada. Esta imagem segue a ideia de um desenvolvimento que avança gradualmente, passo a pas-so, indicando tranqüilidade interior como proteção para evitar atitudes precipitadas, tendo o poder penetrante da suavidade para possibilitar o desenvolvimento e o progresso.

O Progresso Luminescente que se evidencia no Esporte Como Obra de Arte da Vida refere-se à necessidade de executar continua-mente pequenas mudanças na estrutura do Ser Luminescente tanto na dimensão corporal como na dimensão moral para poder alcançar as me-lhores marcas não só nos campos esportivos, mas sobretudo nos campos da vida, para fazer brilhar cada vez mais o verdadeiro espírito esportivo da alegria de viver a autotranscendência. Esse progresso gradual repre-senta a sutileza de detalhes que fazem a diferença numa obra de arte.

Para se alcançar metas esportivas significativas, é fundamental saber fluir com os resultados que vão sendo alcançados ao longo da con-cretização das estratégias intermediárias. A precipitação não contribui para resultados humanescentes duradouros, assim, a tranqüilidade inte-rior deve manifestar-se exteriormente com suavidade capaz de adaptar-se a diferentes situações desafiantes da vida esportiva, ao mesmo tempo que sabe ser firme, ser penetrante.

O Progresso Luminescente no esporte, como uma árvore que cresce sobre a montanha, pode ser vista de longe, e o seu desenvol-vimento encanta a paisagem do local. Não podendo crescer como as plantas do pântano, o seu desenvolvimento é gradual. Assim, para que o esporte possa se tornar verdadeiramente uma Obra de Arte da Vida, o

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Ser Luminescente dedicado às vivências esportivas precisa cultivar um espírito esportivo capaz de irradiar a luminosidade da alegria em todas as direções.

A Paz Luminescente do Esporte

Hexagrama 11 – T’AI

Paz

A Paz Luminescente que compõe a estrutura da Galáxia do Es-porte Como Obra de Arte da Vida refere-se à irradiação do poder de harmonização corpo e alma entre os seres luminescentes, entre toda a diversidade cultural existente no planeta. Pierre de Coubertin acredita-va que o esporte era capaz de criar relações mais felizes entre os povos a partir da cultura da força, da agilidade, do equilíbrio do corpo e da alma. Assim, a multiculturalidade das formas de se vivenciar os diferen-tes processos de busca da autotranscendência humana, poderia fazer os jovens de todo o mundo aprender a respeitar mais a si próprios e àque-les com quem compartilham os mesmos sonhos da ascensão olímpica.

Para representar a Paz Luminescente, trazemos o hexagrama 11 – T’AI, Paz, constituído pelo trigrama céu abaixo e o trigrama terra acima que significa harmonia, encontro entre o céu e a terra. Os mo-vimentos do criativo, céu abaixo, tendem a subir e os movimentos do receptivo, terra, acima, tendem a descer. Assim, existe a possibilidade concreta do encontro, quando a natureza de cada trigrama evolui, fa-zendo expandir sua verdadeira força luminescente interior que conver-gem para uma harmonia irradiante.

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A beleza da Paz Luminescente no Esporte Como Obra de Arte da Vida é simbolizada pela horizontalidade do encontro entre o céu e a terra, cuja harmonia faz todos os seres florescerem e prosperarem. Os princípios do criativo e do receptivo unidos permitem que os seres luminescentes sintam-se no céu com os pés na terra e sejam capazes de irradiar toda a paz interior, toda harmonia interior, para uma paz maior, para uma harmonia maior.

Nessa paz, nessa harmonia, a vida pulsa nos campos esportivos, cuja horizontalidade ética do encontro faz bater mais forte os corações que sonham com a fraternidade universal.

A luminosidade da paz, da harmonia universal tão sonhada por aqueles que acreditam numa Poética da Vida tem a sua utopia renovada sempre que um grande encontro esportivo celebra de mãos dadas a vi-tória de sermos Seres Luminescentes, capazes de irradiar com a nossa Alegria de Viver o sonho da fraternidade universal.

O Espírito Esportivo Luminescente

Hexagrama 61 – FUVerdade Interior

O Espírito Esportivo Luminescente na obra de arte do esporte representa a essência da vida que é cultivada nas profundezas da alma de cada Ser Luminescente e que se expressa através das vivências es-portivas irradiando a luminosidade da alegria de viver. O hexagrama 61, Verdade Interior foi escolhido para simbolizar o Espírito Esportivo Luminescente que se mostra em toda sua plenitude de beleza na obra de arte do esporte.

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A representação hexagramática da Verdade Interior é constituída pelo trigrama Alegria, Lago, abaixo e pelo trigrama Suavidade, Vento, acima. Este hexagrama sugere a imagem do vento que sopra sobre o lago, produzindo movimentos na superfície da água. Assim, o invisível manifesta-se em efeitos visíveis. Constituído por dois trigramas que se sobrepõem de modo inverso, este hexagrama deixa um espaço no centro formado por duas linhas suaves que se abrem à Verdade do Ser Lumi-nescente. Esta configuração indica a movimentação de um coração livre de preconceitos, verdadeiramente puro em sua intencionalidade mais profunda. Ambos os trigramas possuem uma linha forte, luminosa, no meio, indicando a força da Verdade Interior. Seus atributos são a alegria para reconhecer os propósitos existenciais mais elevados e a suavidade para aceitar as fragilidades humanas.

Nessa configuração dançante entre a suavidade e a alegria, o Es-pírito Esportivo Luminescente movimenta-se como ondas de energia luminosa que se propagam embelezando com vibrações de entusias-mo a atmosfera dos campos esportivos. Assim, o Espírito Esportivo Luminescente que se manifesta nos encontros esportivos é a expressão de uma fonte invisível que é o coração. Nele, o sentimento esportivo é cultivado, regado e adubado com as emoções da alegria de Viver.

O Espírito Esportivo Luminescente é também o Espírito Olím-pico Apolíneo. No centro da Galáxia do Esporte Como Obra de Arte da Vida está o Poder da Vida Luminescente do Esporte, fonte geradora do Espírito Esportivo Luminescente. Procurando qualificar o verda-deiro Espírito Olímpico como pleno de luminosidade, escolhemos um adjetivo relacionado a um dos Deuses do Olimpo, por este representar a luz, a beleza, a arte, a sabedoria, a jovialidade. Apolo, o Deus do Sol, o Deus da Luz é um deus complexo, ainda mal compreendido. Como o esporte contemporâneo, os valores exaltados dessa divindade ainda estão relacionados com a sua aparência, com seu corpo, reduzindo a sua imagem à figura de um homem “jovem, sábio e belo” que se con-trapõe à alegria e ao entusiasmo da vida. Entretanto, a essência divina de Apolo refere-se à suprema espiritualização. Assim, um verdadeiro

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espírito esportivo para se tornar luminescente deveria expressar o mais profundo sentimento cósmico religioso, cuja intencionalidade é a busca da re-ligação com todos os seres do Universo, ou seja, a busca da fra-ternidade universal como uma Celebração da Vida que se revela como uma Obra de Arte Maior.

Ao reconhecermos que o brilho do Esporte Como Obra de Arte da Vida está intimamente relacionado à intensidade da luminosidade do espírito esportivo, da sua ludomotricidade intrinsecamente radiante, cabe à educação fazer a sua parte em favor da construção dessa Obra de Arte Aberta que tem repercussão planetária.

Para a Galáxia do Esporte Como Obra de Arte da Vida inten-sificar a sua luminosidade e poder despertar com a sua beleza cósmica emoções e sentimentos luminescentes nos corações que pulsam o desejo da Alegria de Viver, a ludopoiese precisa corporescer permanentemente na experiencialidade humana. Assim, a tarefa estética da educação es-portiva deveria ser: Fazer dos Esportes o Esporte - Fazer do Esporte Uma Obra de Arte da Vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CHEVALIER, J; GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos. Trad. Vera da Costa e Silva et al. 18 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

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ludomotricidade e ludopoeise

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NAUL, R. Historical perspectives of sport pedagogy. Sport Science Review, 1994, 3(1), p. 11-17.

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SCHILLER, F. A educação estética do homem, numa série de cartas. 3. ed. Trad.: Roberto Schwartz, Márcio Suzuki. São Paulo: Iluminuras, 1995.

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SOBRE OS AUTORES

Eugenia Trigo (Uxía): Doutora em Filosofía e Ciências da Educa-ção e Doutora em Educação Física. Diretora do Instituto Internacional do Saber. Catedrática de Educação Secundária. Foi professora da Uni-versidad de A Coruña (INEF) durante seis anos onde com outras pes-soas criaram o grupo de pesquisa Kon-traste. Professora durante dois anos no Instituto Superior Universitário da Maia (Portugal). Profes-sora durante cinco anos na Universidad del Cauca-Colombia onde criou o grupo de pesquisan Kon-moción sobre “criatividade e motricidade”. Sócia fundadora da Associação Espanhola de Motricidade Humana (SEMH) e da Associação Colombiana de Motricidade Humana (SCMH). Profes-sora convidada em diversas universidades europeias e latino americanas. Tem ministrado numerosos cursos e conferências sobre os temas ludico, criatividade, motricidade, interdisciplinariedade, formação de professores, investigação colaborativa, ciência e investigação encarnada. Tem publicado una dezena de livros sobre estes mesmos temas.

Fabio Zoboli: Professor do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Sergipe – UFS. Pesquisador do grupo do “Centro de Memória da Educação Física, Esporte e Lazer da UFS/Sergipe – CEMEFEL”. Doutor em Educação pela Universidade Fe-deral da Bahia – UFBA. Mestre em Educação pela Fundação Uni-versidade Regional de Blumenau/SC – FURB. Especialista em Psi-copedagogia pela Universidade do Grande Rio – UNIGRANRIO. Graduado em Educação Física pela FURB. Autor dos Livros: “Edu-cação Física e promoção humana” e “Ética e educação: historicidade, práxis e processos formativos”.

Harvey Montoya: Obteve sua Licenciatura em Educação Física na Universidade de Antioquia – Medellín. Professor por seis anos na mes-ma Universidade e como preparador físico da equipe profissional de

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MOTRICIDADE HUMANA

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futebol ATLÉTICO NACIONAL. Durante outros 6 anos morou no Sul do Pais em Ciudad Blanca, Popayá. Aqui foi chefe de Controle Es-portivo em Coldeportes - Cauca. Mais tarde, passa a Universidad del Cauca, na qual é professor titular e chefe de Departamento. Tem duas Especializações: uma em Cultura Física e a outra em Lazer Ecológico Social. É Magister em Gerontologia Social Aplicada numa Universi-dade de Barcelona na Espanha e Magister em Fisiologia do Esporte na Universidad del Valle, em Cali, Colômbia. Sócio fundador da Asocia-ção Colombiana de Motricidade Humana (SCMH). Co-pesquisador do projeto nacional “el imaginario del adolescente con respecto a la clase de educación física”. Publicações relacionadas com as temáticas de ima-ginários, Educação Física, motricidade humana. Director do projeto de pesquisa “Colombia re-creativa a través de sus espacios más signi-ficativos ecológicos; un proyecto de riqueza ecológica para Colombia y para el mundo”.

João Batista Tojal: Doutor em Motricidade Humana – Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa /Por-tugal. Mestre em Filosofia da Educação – Faculdade de Educação da UNIMEP. Professor Titular da Faculdade de Educação Física da Unicamp – Aposentado. Criador e ex-Diretor da Faculdade de Edu-cação Física da Unicamp – FEF/UNICAMP. Criador e Primeiro Presidente da Sociedade Internacional de Motricidade Humana. Vi-ce-Presidente do Conselho Federal de Educação Física. Presidente da Comissão de Ética do Conselho Federal de Educação Física. Autor de várias obras dentre as quais destacamos: “Currículo de Graduação em Educação Física – A busca de um modelo”, “Motricidade Humana – O paradigma emergente”, “Ética Profissional na Educação Física”, “Da Educação Física a Motricidade Humana – A Preparação Profis-sional”, “Ética e Bioética na Preparação e Intervenção do Profissional de Educação Física”, “Epistemologia da Educação Física” e Bulletin FIEP Special – volume 79, nº. 1 – ano 2009-2010 – sobre Motricidade Humana.

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sobre os autores

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Katia Brandão Cavalcanti: Possui Graduação em Educação Física, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1974); Especialização em Lazer e Recreação, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Gran-de do Sul (1976); Mestrado em Educação Física, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1982); Doutorado em Filosofia, pela Uni-versidade Gama Filho (1984); Pós-Doutorado em Epistemologia da Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa (1994). Concebeu e estruturou a Base de Pesquisa Corporeidade e Educação (BACOR/UFRN) em 1995, sendo coordenadora do referido grupo de pesquisa até 2002. Atualmente é professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN, na Linha de Pesquisa Corporei-dade e Educação. Desenvolve ações de consultoria em Lazer, Turismo e Hospitalidade. Atua na área de Educação com ênfase nas seguintes temáticas: Pedagogia Vivencial, Humanescência, Corporeidade, Lazer, Educação Ambiental, e Ludopoiese.

Renato Izidoro da Silva: Professor do Curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Federal do Amazonas – UFAM – Parintins-AM. Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Licenciado em Educação Física pela Universidade Estadual de Londrina – UEL.

Ricardo Melani: Graduação em Filosofia, Jornalismo e Educação Física. Mestre em Filosofia. Editor das revistas PUCVIVA, CUL-TURA CRÍTICA e KULTUR. Co-autor dos livros “Motricidade: um novo olhar sobre o movimento humano” (2006) e “Os sentidos dos esportes: por uma educação esportiva que promova o humano” (2009), publicados pelo Centro de Artes e Educação Física da PUC-SP, vin-culado à Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de Educação Básica do Ministério da Educação.

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MOTRICIDADE HUMANA

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Sidirley de Jesus Barreto: Mestre em Educação: Ensino Superior (1997) e Mestre em Educação (2009) ambos pela Fundação Univer-sidade Regional de Blumenau (FURB). Graduado em Educação Fí-sica pela Universidade da Força Aérea do Rio de Janeiro. Professor do Departamento de Educação Física e Desportos da FURB desde 1993. Delegado Adjunto da Federação Internacional de Educação Física em Santa Catarina. Ex-Secretário Municipal de Esporte e Lazer de Cabo Frio/RJ (1989-1992). Membro pesquisador do Laboratório de Ergo-nomia e Cineantropometria. Ex-líder e membro do Grupo Interdis-ciplinar de Pesquisa em Saúde (GIPS/FURB/CNPQ), idealizador e primeiro Tutor da Residência em Educação Física (FURB/SEMUS/Min. Saúde), . Autor dos livros: “Psicomotricidade: educação e ree-ducação - 2. edição revista e ampliada (2000)”, “Gerontomotricidade: condicionamento físico, consciência corporal e lazer na longevidade (1a reimpressão, 2007)“ e “Contato: sentir os sentidos e a alma (2004)”, “ O Lugar do Corpo na Universidade”, possui capítulos em outros livros e artigos publicados no Brasil, Espanha, Itália, Colômbia e Argentina .

Wagner Wey Moreira: Possui graduação em Educação Física pela Universidade Metodista de Piracicaba (1973), graduação em Pedago-gia Habilitação em Administração e Orientação Educacional pela Fa-culdade de Educação Osório Campos-RJ (1978), graduação em Peda-gogia, Habilitação em Supervisão Escolar pela Faculdade de Educação Dom Bosco (1983), mestrado em Educação (Filosofia) pela Universi-dade Metodista de Piracicaba (1985), doutorado em Educação (Psico-logia Educacional) pela Universidade Estadual de Campinas (1990) e Livre Docência pela Universidade Estadual de Campinas (1993). Foi um dos criadores da Faculdade de Educação Física da Univer-sidade Estadual de Campinas - UNICAMP, exercendo aí as funções de Coordenador de Graduação e Diretor Adjunto, bem como profes-sor dos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado dessa Faculdade. Foi professor Titular III da Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP ministrando aulas na graduação e no mestrado em Edu-

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sobre os autores

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cação Física. É professor avaliador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP/MEC. Publicou mais de uma dezena de livros, alguns já com elevado número de edições. Tem experiência na área de Educação Física e Desporto, atuando principalmente nos seguintes temas: corporeidade, desporto, educação física escolar, for-mação profissional e pedagogia do movimento. Como base epistemo-lógica, desenvolve trabalhos associando Educação Física e Desporto com a fenomenologia (em especial Merleau-Ponty) e com as teorias da complexidade (Morin) e visão sistêmica (Capra). E líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Corporeidade e Pedagogia do Movimento - NUCORPO/CNPq. Atualmente é professor do Curso de Educa-ção Física da Universidade Federal do Triangulo Mineiro - UFTM, Bolsista Produtividade do CNPq e professor convidado do Programa de Pós Graduação (Mestrado e Doutorado) em Educação da Univer-sidade Federal de Pará - UFPA. Atualmente é Coordenador do Pro-grama de Mestrado em Educação Física da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).

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