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...Das PROFESSORaS e professoresde GUARULHOS

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Ao olhar para o passado e ouvir homens e mulheres que atua-ram como professores de Guarulhos, a autora oferece à popu-lação um importante registro histórico das memórias da educa-ção de nossa cidade.

Seus relatos destacam, com primazia, a história de muitos mi-grantes e imigrantes do início do séc XX, que vindos de diversas regiões do país e da Europa, doaram seu tempo, dedicação e mão de obra com vistas ao desenvolvimento deste município.

O segundo volume do Livro Transversais Versões demonstra pela voz desses respeitáveis protagonistas a sua importância nas diversas conquistas educacionais do nosso tempo, haja vis-ta a sua dinamicidade e influência na formação das pessoas.

Em educação nada é definitivo ou está cristalizado. E esta obra vem ilustrar isso de forma muito clara, a partir das experiências aqui relatadas e retratadas que mostram a evolução da cidade, seus bairros impactados pela ação docente destes memorialis-tas, no convívio direto com seus alunos.

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Se tem alguém que se dedica diariamente para a construção de um mundo melhor é o professor. Precisamos lembrar sempre disso. Os direitos de hoje são resultado de um trabalho desen-volvido durante décadas pelos brasileiros que têm acumulado um histórico de muitas lutas pela democracia.

E termos em nossas mãos as memórias desses homens e mu-lheres é uma forma de resgatar lições preciosas baseadas na dedicação, gentileza, humanidade e crença na possibilidade da transformação do mundo por meio da escola e da educação.

Gostaria de agradecer à autora, às professoras e professores que, a partir de seus depoimentos tão sinceros, permitiram esse belíssimo e comovente registro. Saibam que gestos como esses também contribuem para melhorar a qualidade social da educação em nossa cidade.

Profª. Neide Marcondes Garcia Secretária de Educação

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Em primeiro lugar ao professor Moacir de Souza. Secretário Municipal de Educação até 30/04/16. Recebi dele acompanhamento e apoio sem os quais estas memórias não se concretizariam. Em seguida à professora Neide Marcondes. Atual Secretária Municipal de Educação. Na pessoa da secretária agradeço igualmente a funcionárias e funcionários da Secretaria.

Agradecimentos às funcionárias e funcionários da Coordenadoria de Assuntos Aeroportuários por me acolherem e sempre se solidarizarem comigo.

Agradecimentos especiais às professoras e professores que aqui narram suas memórias:

Antônio Nabais Moreno

Fuad Maluli (in memoriam cuja esposa Efímia Kloss Maluli nos intermediou)

João Roberto

Agradecimentos

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Linda Maluli

Maria Sylvia Barbosa Silingardi

Newton Raymundo Pontes Gestal

Sílvio Ribeiro

Suely Macca

Vani Lucas de Oliveira Marques

Zilma Heringer

Agradecimentos aos familiares dos mesmos e às funcionárias

do CPP (Centro do Professorado Paulista): Marinalva e Roseli.

Agradecimentos à amiga e professora Izabel Gonçalves Arpa

Gimeno pela cuidadosa revisão dos textos.

Rosa Chimoni

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INDICE´

Sobre a autora ........................................................................

Prefácio ...................................................................................

Professor Maluli ....................................................................

Professora Maria Sylvia Barbosa Silingardi .........................

Professor Antônio Nabais Moreno .....................................

Professora Suely Macca ........................................................

Professora Vani Lucas de Oliveira Marques .........................

Professor Silvio Ribeiro ........................................................

Professora Linda Maluli .......................................................

Professor João Roberto .........................................................

Professora Zilma Heringer ..................................................

Professor Newton Raimundo Lacerda Pontes Gestal .......

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Rosa Chimoni nasceu no interior de São Paulo. Ibirá. Alta ara-raquarense. Veio para Guarulhos nos finais da década de 60 do século passado. Aqui tem atuado como educadora e escritora. São de sua autoria:

Yasmin, São Paulo, Ed. Olho D’Água, 1997.

Guarulhos: Cidadania de Contrastes, Blumenau, Ed. Hemisfério Sul, 1998.

Yasmin Outra Vez..., Blumenau, Ed. Nova Letra, 2012.

Transversais/Versões, 1º, Guarulhos, Secretaria Municipal de Educação, 2013.

Foto

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Mas o começo histórico é baixo. Não no sentido de modesto ou discreto, como o passo da pomba, mas de derrisório, irônico, adequado

para desfazer quaisquer enfatuações: “Buscava-se despertar o senti-mento de soberania do homem mostrando seu nascimento divino; isto se tornou atualmente um caminho proibido, porque em seu lugar está

o macaco”. O homem começou pela careta do que ele iria se tornar; até mesmo Zaratustra terá o seu macaco, que saltará por trás dele e

arrancará o pano de sua vestimenta. (Michel Foucault, Nietzsche, a Genealogia, a História)

O professor era gordo, grande e silencioso, de ombros contraídos. Em vez de nó na garganta, tinha ombros contraídos.

Usava paletó curto demais, óculos sem aro, com um fio de ouro encimando o nariz grosso e romano.

(Clarice Lispector, Os desastres de Sofia)

PREFACIO´

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Diferente do que normalmente se pensam histórias de professo-ras e professores não são gloriosas nem honoríficas. Como nada pode ser no desenrolar da vida, dos séculos e do mundo. Razão pela qual colocamos Michel Foucault em Nietzsche, a Genealo-gia, a História na abertura desse prefácio. A vida acontece aos pedaços e aos poucos. Um dia corrige o outro ou desanda o ou-tro. Ali no cotidiano realizamos nossos pequenos atos. Peque-nas coisas. Como seres imperfeitos que somos. Não há nenhum fato explosivo nem milagre repentino. Tudo acontece devagar. Como exceções nos surpreendem fatos inesperados. Lidamos com eles para o bem e para o mal. Vivemos. Cumprimos nossos deveres. Suportamos injustiças. Muitas vezes nós mesmos so-mos agentes de injustiças. Talvez sem o perceber.

Professoras e professores que aqui apresentam seus relatos como grupo representativo dos que têm atuado em Guarulhos não são diferentes. A maioria veio de diversos lugares do Esta-do de São Paulo, do país e da Europa para doarem trabalho e dele retirarem sustento neste município no século XX. Memó-rias se compõem de fatos corriqueiros que se dão correntemen-te e relatando seu cotidiano simples estes personagens colabo-ram para um retrato da educação no município ou em qualquer lugar do país que pode ser retocado. Nada é definitivo. Uma narração puxa outra. Ao ouvi-los e no diálogo fui testemunha privilegiada.

Primordialmente devo falar de Fuad Maluli. Um dos primeiros que convidei em outubro de 2013 e com quem não cheguei a falar. O convite foi por intermédio de sua esposa Efímia Kloss

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Maluli que logo me transmitiu resposta positiva. Após viagem à Europa nos encontraríamos. Lá ele adoeceu e assim que re-tornou em novembro veio a falecer. Alguma coisa nos deixou como sinais de sua passagem por aqui. Um professor circuns-pecto e calado. Sempre orgulhoso e paradoxalmente de cabeça baixa.

Os seguintes os coloco na ordem em que chegaram a Guarulhos e pelo tempo que têm vivido aqui. Maria Sylvia Barbosa Silin-gardi obviamente é a primeira por ser guarulhense. Nasceu na Rua Dom Pedro II. Principal rua de comércio. Na época de seu nascimento era residencial e local de brincadeira das crianças. Foi diretora do Capistrano de Abreu e do Homero Rubens de Sá.

Antônio Nabais Moreno veio de Portugal. Província da Beira Alta na aldeia de Santo Estêvão. Distrito da Guarda e Concelho de Sa-bugal. Foi antes para o interior de São Paulo. Passou pelo Bairro de Pinheiros na capital e depois veio para Guarulhos. Conta-nos a respeito das chácaras de flores e verduras no bairro do Macedo dos anos 50. Atingiu o topo da carreira do magistério no Estado de São Paulo como delegado de ensino. O que corresponde à di-rigente das diretorias de ensino nos dias de hoje.

Suely Macca quase nasceu aqui. Oriunda de Gurupá distrito de Promissão. Estado de São Paulo. Veio com poucos meses direto morar na Rua Dom Pedro II onde seu pai Mário Ramos Macca farmacêutico reconhecido atuou muitos anos. Ali era a farmácia mais antiga da cidade antes pertencente a Floriano Parreira.

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Vani Lucas de Oliveira Marques nasceu em Guará. Estado de São Paulo. Depois de residir em muitas cidades do interior de São Paulo e também do Rio de Janeiro quando o pai foi convi-dado para ajudar a construir a Via Dutra veio para Ermelino Matarazzo. De lá para Guarulhos foi um pulo em 1944. Morava em casa encostada ao Grupo Escolar Capistrano de Abreu. Es-cola onde terminou o primário em 1945.

Sílvio Ribeiro veio de perto. Nasceu no Cambuci. Bairro de São Paulo. Chegou a Guarulhos em 1947 pelo trem da Cantareira e desceu em Gopoúva em pleno temporal e muito barro. Mais tarde em 2006 como historiador conta a história do trem que marcou sua infância e adolescência.

Linda Maluli nasceu em Tupã e iniciou o primário em Flóri-da Paulista. Cidades do interior de São Paulo. Em 1950 chegou com a família em Guarulhos no bairro de Gopoúva onde o pai teve comércio. Ele teve relevância como imigrante libanês natu-ralizado brasileiro e recebeu o nome de Manoel.

João Roberto também veio de perto. Do Belém. Bairro de São Paulo. Aos 26 anos na década de 50 chegou a Guarulhos para lecionar Português e depois Latim no Ginásio Estadual de Gua-rulhos que funcionava à noite no Grupo Escolar Capistrano de Abreu. Daqui não mais saiu e acompanhou em 1961 para o prédio recém-construído a mudança do ginásio que já havia recebido o nome definitivo: Conselheiro Crispiniano. Um guarulhense que fora Presidente da Província de São Paulo à época da Guerra do Paraguai. Depois de receber os nomes

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pomposos pelos quais todas as instituições estaduais passaram hoje o antigo ginásio se chama simplesmente EE Con-selheiro Crispiniano.

Zilma Heringer nasceu em Minas. Alto Jequitibá. Zona da mata mineira próximo a Serra do Caparaó onde seu avô paterno de origem suíça - alemã foi desbravador. Ela chegou a Guarulhos em 1966 sob orientação do primo Mílton Cardoso. Professor pioneiro nas introduções de ginásios estaduais na cidade.

Newton Raymundo Lacerda Pontes Gestal veio do que se cha-ma sertão de Rio Preto. Oeste Paulista. De lá fez sua viagem de retorno para Jaboticabal. Mesorregião de Ribeirão Preto. Ori-gem de sua família. Na década de 70 já estava em Guarulhos residindo nos Pimentas onde acompanhou e protagonizou o surgimento da EE Antônio Viana de Souza.

São estes os personagens do Transversais/Versões 2.

Rosa Chimoni

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Só o presente existe no tempo e reúne, absorve o passado e o futuro, mas só o passado e o futuro insistem no tempo e dividem ao infinito cada presente. Não três dimensões sucessivas, mas duas

leituras simultâneas do tempo.

Gilles Deleuze, Lógica do Sentido

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Professor

Fuad Maluli

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Nenhum melhor indicaaquela ausência sôfrega

que a imagem de uma facareduzida à sua boca,

João Cabral de Melo Neto

Uma vida toda dedicada à educação. Primordialmente no município de Guarulhos como todos os que se apresentam aqui. Ele. Todavia. Antes de partir ao saber que estava convidado para estas memórias rascunhou um relatório enxugando sua vida e a reduziu simplesmente à carreira no magistério. Um homem que tirou o sustento e o de sua família quase que exclusivamente do salário de professor. E depois da advocacia.

Nasci em 23 de março de 1934. De pai libanês naturalizado brasileiro. Manoel Maluli. E de mãe libanesa. Hannia Scaf Maluli. Fui professor normalista formado na Escola Normal Livre Paulistana em 1955. Posteriormente me formei em Pedagogia e em Letras: Línguas e Literaturas Portuguesa e Francesa. Sou bacharel em Direito.

Inicio minha carreira como professor eventual no Grupo Escolar de Gopoúva hoje EE José Scaramelli entre 52 e 55. Possibilidade tolerada ao aluno na época.

Fui substituto efetivo no Grupo Escolar do Cabuçu em 1956. Regi classe de emergência entre fevereiro de 57 e agosto de 59 no Grupo Escolar Francisca Batista Trindade no Macedo. Atual EE Francisca Batista Trindade.

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Ingressei como professor efetivo no Magistério Público do Estado de São Paulo na Escola Isolada Masculina do Bairro de São João do Pau D’Alho. Pertencente à Inspetoria Escolar de Tupi Paulista. Delegacia de Ensino de Adamantina. Permaneci de agosto de 59 a abril de 60. Me removi para o Grupo Escolar Caetano Mieli em Cangaíba. São Paulo. Capital. Lá fiquei até abril de 61.

Em 61 retornei a Guarulhos para o Grupo Escolar Rotary. Substituí diretores de escola por ocasião de férias ou licenças dos mesmos.

Acumulei cargo de professor primário com professor secundário no Colégio Estadual da Tranquilidade hoje EE Fábio Fanucchi e no 3º Ginásio Estadual de Guarulhos em Gopoúva por vários anos. Este mais tarde foi a extinta EE Annita Saraceni. Dava aulas de Português e de admissão ao ginásio.

Entre 69 e 72 fui convidado para dirigir o Ginásio Estadual do Jardim Santa Bárbara. Hoje estabelecido no Macedo divisa com Bom Clima. EE Antônio de Ré.

Em 73 me removi como professor de 1ª à 4ª série para a EEPSG Homero Rubens de Sá onde foi possível no mesmo estabelecimento assumir também aulas como Professor III. Hoje PEBII.

Em 84 ingressei por concurso público de provas e títulos como diretor de escola e fui para EE Prof. Geraldo Domingos Cortez em Itaquera onde estive por um ano. Me removi para a EE João

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Crispiniano Soares em 86 e para a EE Frederico de Barros Brotero em 1989. Pouco fiquei nas escolas. Substituí supervisores tanto na 1ª quanto na 2ª Delegacia de Ensino de Guarulhos. Hoje Diretorias de Ensino Sul e Norte respectivamente.

Em fevereiro de 90 ingressei como supervisor de ensino efetivo na DE de Itaquaquecetuba e logo me removi para a 2ª DE de Guarulhos. Me aposentei em 23 de abril de 1993. Um ano antes tinha ingressado como professor de Português na Prefeitura de São Paulo em 17 de janeiro de 1992. Juntando tempos de serviço anteriores não utilizados no Estado me aposentei em 6 de dezembro de 2001.

Dos colegas que tive a honra de conhecer e trabalhar direta e indiretamente, professores, auxiliares, serventes, cozinheiras, diretores de escola, delegados de ensino, diretores regionais com quem aprendi muito na área administrativa, legal, pedagógica e de relacionamento humano em todos esses anos sinto saudades. Muitos já se foram. Outros estão aposentados. Antônio Esperancini. João Batista Lunardi. João Luiz de Godoy Moreira. Celso Piva. Dona Diva. Iraci Morceli. Auro Alexandre. Néfi Tales. Márcia Maria Vita. Antônio Nabais Moreno. Albino do Nascimento. Maria de Lourdes Zanardi. Maria Sylvia Barbosa Silingardi. Misayo Sato. Professor Varley. Neusa Celeste. Alfredo Arrepia. Neide Fernandes. Romeu Ribeiro de Oliveira. Professora Nehy da Silva Martini. Professora Marlene Correa. Maria Elizabet Chaib. Jorge Sagae. Olga Pravtchenco. Milton Cardoso. Amilton Filardi. Hélio Cassiano. Dorival Germano. Valderez e Hiron. E tantos outros que aprendi a admirar e respeitar.

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Cabe ao professor Fuad as palavras ditas por Carlos Drummond de Andrade este orgulho, esta cabeça baixa. Aquele homem grandalhão que escondia sua estatura curvando costas e ombros. Abaixava a cabeça sobre papéis e leis que estudava cotidianamente... Em meio a móveis antigos e surrados na antiga 2ª DE de Guarulhos situada no topo central da Avenida Tiradentes.

Guarulhos, 03 outubro de 2013.

Passavas os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas. E me encantei...

Manoel de Barros

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Professora

Maria SylviaBarbosa

Silingardi

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Registro com prazer os momentos de minha vida neste espaço que me foi oferecido. Embarco em uma viagem no tempo. Relembro alegrias e tristezas. Espero que me perdoem os lapsos. Tenho 83 anos e sou guarulhense. Nasci em 16 de maio de 1931 em casa pelas mãos cuidadosas de uma parteira. Minha família morava em um sobrado na Rua Dom Pedro II nº 37 que existe até hoje sob outra numeração e foi construído por meu avô materno Claudino de Almeida Barbosa que já havia falecido. Ainda morava conosco avó Benedita Almeida Barbosa. Meus avós eram primos. Foram proprietários da Fazenda Bananal e da Fazenda Tapera Grande.

Fui batizada e registrada com o nome de Maria Sylvia Barbosa Silingardi. Meu pai Sylvio Silingardi nascido em Mogi Mirim no dia 18/11/1909 era enérgico, trabalhador e de bom coração. Minha mãe Idalina Barbosa Silingardi conhecida como Bom-tempo devido ao seu temperamento alegre e positivo nasceu também em Guarulhos no dia 22/04/1909.

São meus tios maternos: Juvenal Ramos Barbosa casado com Assunta Rinaldi Barbosa. Abílio Ramos Barbosa casado com Anita Rinaldi Barbosa. Mário Ramos Barbosa casado com Amélia Trama Barbosa. Júlio Ramos Barbosa casado com Corina Zerbine Barbosa.

São meus tios paternos: Leopoldo Silingardi casado com Rosa (Nenê). Itálico Silingardi casado com Dezeada. Orestes Silingardi casado com Iracema. Romeu Silingardi casado com Maria. Omeleto Silingardi casado com Vicentina. Deolinda Silingardi casada com Hugo. Julieta Silingardi casada com José.

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Tenho só uma irmã. Maria Sydelma Barbosa Silingardi que com o casamento passou a se chamar Maria Sydelma Barbosa Silingardi Dip. Ela também nasceu em Guarulhos no mesmo sobrado da Dom Pedro em 7 de outubro de 1937. Perdi assim meu feliz reinado de filha única e foi com prazer. Me chamaram para conhecer minha irmãzinha. Corri e peguei meu travesseirinho. Queria oferecer para minha irmã. Ao chegar à porta do quarto fiquei estática. Vi um bebê de muito cabelo bem preto. A parteira delicadamente a colocou em meu colo. Inesquecível! Era como se fosse um coelhinho ou um gatinho... Até hoje nos damos muito bem.

Meu avô Claudino construiu o sobrado situado na principal rua de Guarulhos com duas finalidades. A parte de cima para moradia da família e a parte debaixo para fins comerciais. Esta parte debaixo era um salão enorme fechado com portas de madeira. Havia mais dois portões de ferro da garagem e outro para acesso à parte de cima através de uma escada que ficava na lateral completamente independente do salão. Era de um lance só. Terminava num quadrado coberto e numa porta para se adentrar à casa. Não era uma escada qualquer. Era uma linda escada! Ali tinha o jasmim branco de cabo que subia exuberante até o quadrado e descia se entrelaçando na grade de proteção até o início. Quando floria ficava um verde salpicado pelas pequeninas flores brancas. Exalava um perfume inebriante. Virava então uma escada perfumada pela natureza de Deus.

A porta se abria para uma saleta onde ficava o piano de minha mãe, um sofá, duas poltronas e uma mesinha. Eu gostava de ouvir mamãe e vovó Dindinha tocarem piano. À direita uma

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porta se abria para uma sala bem grande com porta-balcão de vista para a Dom Pedro. Dali assistíamos aos desfiles carnavalescos, escolares, procissões e aos rapazes que passavam a cavalo. Do outro lado à esquerda havia uma abertura em arco que dava para um corredor. À direita do corredor uma porta bem grande que nos conduzia ao sótão. Depósito de utensílios e coisas antigas. Lugar proibido para as meninas que éramos eu e minha irmã entrarem sozinhas. Contudo lá brincávamos muito às escondidas.

À esquerda do corredor ficavam os quartos. O primeiro era o de meus pais. O segundo era ocupado por minha avó, por mim e minha irmã. O terceiro era da empregada e lá havia uma grande bacia onde todos tomavam banho. Para as necessidades fisiológicas havia no quintal a fossa que era um buraco fundo rodeado de assoalho de madeira e coberto por uma casinha. Em emergências noturnas e em enfermidades utilizávamos urinóis popularmente chamados de pinicos. Ficavam embaixo das camas.

No final do corredor estava a sala de jantar. Uma grande sala onde eram servidas nossas refeições. Em seguida ficava a cozinha que tinha um armário colossal em que eram guardadas louças, panelas, copos etc. Era também guarda-comida. Nela também tinha um fogão de lenha aceso o dia todo. Uma barrica usada como reservatório de água que era abastecida por um antigo escravo de meu avô chamado Nhô Kim. Achava curioso ter sido ele um escravo e conversávamos muito. Morava na zona rural e me contava muitas histórias. Falava de meu avô Claudino como homem bom e trabalhador. Kim benzia os animais doentes. Curava bicheira. Tinha força na mão para tirar bernes.

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Em um canto da cozinha tinha um suporte com pequena bacia. De um lado uma toalha de mão e de outro uma concha para se pegar água da barrica. Embaixo a saboneteira com sabonete. Ali lavávamos as mãos. Finalmente a dispensa onde se guardavam infinitas coisas. Inclusive as mais gostosas. Bolachinhas, biscoitos, bolos etc. Tudo feito em casa.

Da cozinha saía uma escada grande que dava para o quintal. No meio da escada se encontrava uma porta baixa por onde se chegava ao salão. No quintal se deparava com a casinha das necessidades fisiológicas e o poço com carretilha guardando da casinha a correta distância para não contaminar a água. Lá existia um jardim de flores variadas e espalhadas em canteiros arrematados com tijolos partidos. Tinha um pomar de muitas árvores frutíferas. A minha preferida era a mexeriqueira em que eu conseguia subir e me esconder depois de certas diabruras... Uma vez já arrumada para sair com vestido de veludo bordô ou verde escuro fui chupar mexerica no pé. Respingou caldo no vestido e levei uma penca de frutas para minha mãe. Ela ao ver os respingos atirou as mexericas longe e em minha direção! Tive que me trocar.

Em seguida estava a horta em que eu e Pedrinho meu primo fizemos um canteiro de salsa e cebolinha. Gostei de ver que elas crescem depressa. Fiquei horas por perto observando. Queria ver mesmo como se desenvolviam. Mamãe me chamou rindo. Elas crescem à noite como nós. Me garantiu. Fui alvo de muitas gozações e me decepcionei.

Para o carro de papai entrar e ser guardado na garagem um portão fechava o quintal que se estendia até a Rua da Biquinha

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onde tinha uma chácara com a biquinha. Lá se compravam verduras. A crença era que ao se beber daquela água nunca se sairia de Guarulhos. Acho que bebi muito e nunca saí da minha cidade natal. Hoje ali estão as Ruas São Vicente de Paula e Miguel Romano.

Na parte térrea era o salão comprido com frente para a Dom Pedro. No fundo ele se elevava e formava um palco. Foi neste local antes de eu nascer que tio Juvenal trouxe a grande novidade para Guarulhos: o cinema. Como o filme era mudo ele teve a ideia de colocar som. No palco estava a tela. Atrás dela ficavam minha mãe, meu tio Mário e meu primo Sylvio. Faziam sons que hoje correspondem à sonoplastia. Todos os barulhos possíveis. Quando chovia e ventava amassavam papéis. Utilizavam apito para o assobio do vento. Trovões eram batidas de panelas. Simulavam trombadas. No tropel de cavalos batiam os pés no chão e arrastavam cadeiras. De tudo faziam e se divertiam. Em cenas amorosas colocavam numa caixinha de som música romântica. Guardavam ali um arsenal de panelas, frigideiras e utensílios dos quais pudessem tirar barulhos.

O sucesso foi tão grande que o local ficou pequeno. Meu avô acabou construindo do outro lado da rua um prédio maior. Surgiu o Cine República nos anos 40 que foi alugado para o senhor Antônio Pratici já em época de cinema falado. Por um bom tempo nós da família não pagávamos entrada. Ficou sendo um ponto de encontro de namorados e das famílias que costumavam se sentar nos mesmos lugares. Nos intervalos comentavam o filme. Chupavam balas. Comiam docinhos e bolachas.

No lugar do antigo cinema meu pai abriu uma fábrica de camisas de meia. Não deu muito certo e foi fechada. Como ele

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havia estudado no Liceu de Artes e Ofícios e na cidade tinha muitas olarias ao encerrar a fábrica de camisas montou uma oficina de marcenaria e serralheria. Por bom tempo prosperou. Eu era menina e me lembro bem da serralheria. Meu pai era muito habilidoso e sinto que meu filho dentista puxou para ele que fazia entre outros serviços formas de madeira para tijolos. No fundo era feito um entalhe com logotipo para cada olaria. Me lembro com saudades de dois empregados: Henrique e Julinho. Eles trabalharam durante vários anos com papai. Tudo o que eu pedia eles faziam. E me confeccionaram um brinquedo chamado perna-de-pau. Consistia em pregar em cada lateral de dois cabos de vassoura na mesma altura duas latas de massa de tomate vazias. Tinham que ficar bem firmes para sustentar o peso do corpo da gente. Os pés eram colocados um em cada latinha para se equilibrar. Depois era só sair andando. Muito perigoso. Levei alguns tombos. Contudo eu achava que valia a pena.

Depois de alguns anos por motivo de saúde meu pai vendeu a oficina para o antigo empregado Henrique. Ele mudou o endereço dela. Novamente o salão ficou vazio. Ali foi montada uma loja de peças para automóveis e vieram trabalhar com papai meus primos Wlademir e Pedro. Amigos de infância e folguedos.

Em alguns domingos íamos pescar no rio Tietê. Íamos papai, eu, tio Mário, Wlademir e Pedro. Meu pai inventou uma máquina de pegar moscas que depois serviam de iscas para pescar lambaris existentes em abundância no Tietê. Voltávamos com as fieiras cheias deles.

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Meu pai teve também um ringue de patinação que ficava na mesma Dom Pedro. Um pouco mais à frente num terreno do lado direito antes da igreja de NS da Conceição. Era um tablado de madeira bem grande. A gente era criança e achava enorme. O pessoal alugava patins e entrava no ringue. Eu adorava patinar. Levei muitos tombos. Vivia de joelhos ralados.

A Dom Pedro era rua de terra onde passavam as boiadas. Em dias de chuva fazíamos barreiras para formar laguinhos e jogávamos barquinhos de papel. Às vezes soltávamos os barquinhos na correnteza e eles iam embora... Nossa! Parece que foi ontem! Era ainda nosso espaço de folguedos. Lá jogávamos barra-ball barra bola que depois ficou se chamando popularmente queimada. Pulávamos corda. Sal pimenta fogo foguinho! Que sufoco! Pular cada vez mais rápido! Luísa louca aparecia por lá e segurava a corda e batia. Nunca queria largar! Tudo no meio da rua.

Na calçada com carvão trazido por meu primo Pedro Santoni que fazia todas as minhas vontades desenhávamos amarelinha. Ele também trazia cascas de bananas que amassadas viravam a malha. O desenho da amarelinha consistia em um meio círculo que era céu e depois vários quadrados intercalados que eram casas. Primeiro se jogava a malha no céu e íamos buscar pulando pelas casas e voltávamos da mesma maneira. Ganhava quem não pisasse nas riscas e não caísse.

Jogávamos também pedrinhas na calçada. Depois substituímos pedrinhas que machucavam as mãos por saquinhos. Os primeiros foram feitos por uma prima de minha mãe. Antonieta. Ela depois nos ensinou a fazer. Enchíamos os saquinhos com areia.

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Aos domingos a Rua Dom Pedro se transformava. As brincadeiras se transformavam em passeatas – footing – sob olhares atentos de mamães e titias sentadas em cadeiras à beira da calçada em frente às portas das casas.

As mocinhas andavam em grupinhos e de braços dados. Os mocinhos também em grupinhos sem darem os braços em sentido contrário. Este sentido contrário era para poder tirar linha – flertar – dar uma piscadinha e uma risadinha. O moço que gostasse de uma garota tirava linha. Ou seja dava uma olhada longa. Se ela correspondesse parava. Eles ficavam conversando e poderia sair namoro. Até casamento. Essas passeatas muito se expandiram quando a Base Aérea se instalou em Cumbica no ano de 1955.

Na Praça Teresa Cristina em frente à igreja hoje catedral de NS da Conceição aconteciam quermesses várias vezes ao ano. Tinha barracas de alimentos, de folguedos e de prendas para leilão. Meu pai era o leiloeiro que atiçava as rivalidades. Quem dá mais para o Reis não levar!? E agora como impedir de Caetano levar? Vamos! Gente! As torcidas acirravam. As crianças gostavam das barracas do coelhinho, dos peixinhos, das argolas, da roleta etc. Contudo as atenções se voltavam quando o leiloeiro gritava: Dou-lhe uma, dou-lhe duas e dou-lhe três! Aplaudíamos entusiasmados o arrematador da prenda que podia ser um frango assado, uma galinha viva, um leitãozinho ou uma leitoa assada.

A coletoria estadual também ficava na Dom Pedro. O prédio de propriedade de meu avô cuja herdeira era minha avó que recebia aluguel ficava vizinho ao sobrado. O coletor era meu tio Juvenal e tinha como uma de suas atribuições pagar o

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salário das professoras e professores. O interessante é que por segurança o cofre de recursos ficava na sala de minha casa. No dia dos pagamentos meu tio ia retirar o dinheiro. Eu corria para levar um café. Ele devolvia a xícara vazia com uma moedinha grande embaixo. Era uma alegria! Logo ia comprar na padaria e confeitaria do senhor Thomaz doces ou balas. Ou então ia na venda do Delezino que ficava na esquina onde hoje é o Shopping Poli comprar bolachas de nome Mentira.

Um dos passeios que mais me marcaram era na Fazenda do Bananal. Hoje conhecida como Fazenda da Candinha. Era do tio de minha mãe: Olegário. Na entrada havia um oratório enorme. Um altar propriamente dito com vários santos e fechado com porta de duas folhas. O passeio mais gostoso era de cavalos e charretes...

À noitinha a família se reunia em volta de uma mesa iluminada por velas e lamparinas. Enquanto jantávamos a conversa ia longe. Contavam histórias de fantasmas e lendas como a do saci-pererê, bruxas e lobisomem. E principalmente das almas penadas dos escravos que ali moraram. A senzala ficava mais ou menos embaixo dessa sala. Eu ficava morrendo de medo e queria saber mais.

Minha escolha para o magistério foi por acaso. Cursava o 2º ano do propedêutico no Ateneu Rui Barbosa na Penha em 1944. Ainda não existia o ginásio. Em novembro já estava com as notas fechadas e minha mãe ofereceu um almoço para tia Corina. A cunhada que morava em São Paulo era irmã do dr. Euryclides de Jesus Zerbini. O pioneiro em transplante de

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coração na América Latina. Conversa vai e conversa vem a tia me perguntou porque estava fazendo curso comercial. Respondi que iria ser secretária bilíngue em alguma empresa. Para minha surpresa meu pai disse com firmeza: Jamais minha filha irá trabalhar de secretária! Ficamos perplexos! Perguntei chorando: Por que estou estudando? Tia Corina procurou acalmar os ânimos e me disse com carinho: Por que você não estuda para ser professora como eu? É uma carreira maravilhosa. Você terá contatos com crianças. Meu pai arrematou: Isso mesmo! Quero que você tenha contato com crianças e não com empresários! Tomei firmemente a decisão: Serei professora!

Desisti do curso. Já estava praticamente no 3º ano. Me matriculei no mesmo Ateneu desta vez no ginásio. Não pude fazer transferência. Prestei exame de admissão e entrei na 1ª série ginasial. Desta decisão nunca me arrependi. Terminei o ginásio com muito sacrifício em 1948. A ponte que ligava Guarulhos à Penha ameaçava cair. O trânsito de ônibus ficou suspenso. Ele deixava os passageiros às margens do Tietê. Atravessávamos a ponte a pé e do outro lado outro ônibus nos esperava. Na volta o mesmo procedimento em sentido contrário. Em dias de chuva era bem mais complicado.

Fiz o pré-normal na Escola Normal Santa Inês em São Paulo. Colégio das Irmãs Salesianas. Íamos de trem cuja caldeira soltava fagulhas. Não contente fiz prova de seleção para o Instituto de Educação Caetano de Campos na Praça da República e lá terminei o normal em 1951. Amizade das colegas persiste até hoje. Temos o costume de nos encontrar uma vez por ano em São Paulo.

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De posse do diploma devidamente registrado dei o primeiro passo para ser realmente professora. Me inscrevi como substituta interina no Grupo Escolar Capistrano de Abreu. Só lecionava quando o professor ou professora efetiva faltava. Tinha remuneração pelo dia trabalhado. Quando não tinha substituição só marcava ponto.

Por fim iniciei substituições em escolas isoladas. A primeira foi na 2ª Escola Mista do Cabuçu. Tinha um ônibus cujos horários coincidiam com os da escola. Era bem velho e com um buraco no meio do corredor de onde subia uma poeira terrível. Estrada de terra. Nem todas as janelas funcionavam. Tínhamos que usar uma capa sobre o vestido e um lenço na cabeça.

O prédio era pequeno. Duas salas de aula. Um banheiro masculino e outro feminino. Eu dava aula numa sala e a outra era da professora efetiva chamada Nagibe. Ficamos amigas. Ganhávamos dos alunos muitas flores, verduras, frutas e principalmente chuchu. A região tinha muitas chácaras. Uma vez ganhei tantos e tantos copos-de-leite que fiquei intrigada. Perguntei ao aluno o porquê e ele ingenuamente respondeu: Meu pai ia jogar fora. Estas pintas pretas miúdas são bostas de moscas. Ninguém compra. Sorri e agradeci. São estas coisas pequeninas que fazem uma professora feliz. Precisei de ajuda para levar os buquês de copos-de-leite para casa.

Dei aulas na 3ª Escola Mista Margarida Fernandes que ficava entre o Picanço, Vila Galvão e Vila Rosália. Lá hoje é o Lar da Irmã Celeste. Depois assumi a 1ª Escola Mista do Taboão que deu origem a que é hoje EE Plínio Paulo Braga. Uma senhora

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que morava em frente era responsável por ela. Na hora do recreio nos oferecia café fresquinho com bolachas. Enfrentei o mesmo problema de ônibus. Em dias de chuva não subia nem descia o morro. Íamos a pé.

Em 04 de fevereiro de 1957 me casei no civil com Antônio José de Carvalho Quartim e em 05 de fevereiro me casei no religioso na Igreja NS da Conceição. Hoje nossa catedral. Passei a me chamar Maria Sylvia Barbosa Silngardi Quartim. Houve recepção em minha casa. Tive dois filhos: Martiniano de Carvalho Quartim e Cassiano de Carvalho Quartim.

Por acúmulo de pontos ingressei como professora no Magistério Público do Estado de São Paulo. Assim me afastei do Grupo Escolar Capistrano de Abreu onde eram vinculadas as escolas isoladas em que tinha lecionado. Em 14 de julho de 1957 saiu minha nomeação em Diário Oficial para exercer o cargo efetivo de Professor Primário QE – PP – II Padrão 1. Fui para Escola Mista da Fazenda Fortaleza de 1º estágio na cidade de Piquerobi. Próxima à barranca do Rio Paraná e depois de Presidente Prudente onde ficava a Delegacia de Ensino. Ao me despedir do delegado da 1ª DE da capital este me avisou: Você vai para uma zona de calor terrível. Leve roupas leves. Cuidado com convites para festas e bailes. Não aceite! Me desejou boa sorte. Fiquei com a pulga atrás da orelha...

Comentei com minha mãe que me disse: Eu vou com você! Como era otimista acrescentou: Vai dar tudo certo! Vamos fazer as malas. Agora você é uma professora efetiva! Viajamos de trem noturno em cabine dupla por mais ou menos de 12 a 13 horas. Ele chacoalhava tanto que não dava para dormir! Na

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pequena Piquerobi nos hospedamos em um hotel não muito confortável. Dificuldades daquelas décadas.

Fomos ao grupo escolar e me apresentei ao diretor. Ele explicou que a condução até a escola era um caminhão de toras que nos levaria até próximo à fazenda. Depois o resto do percurso alguns quilômetros seria a pé. Pernoitamos no hotel e no dia seguinte fomos tomar o caminhão.

Surpresa! O caminhão era enorme e já estava com as toras amarradas. Só tinha meia cabine para o motorista e o ajudante. Não existia grade. A viagem seria em cima das toras. E mamãe! Como fazer? Chegaram mais duas professoras que também iam para suas escolas. Passados os minutos de desânimo me apresentei ao motorista. Ele olhou atentamente para minha mãe e disse: Está bem! Ela vai comigo na cabine! Com muito sacrifício eu e minhas colegas subimos em cima das toras. Quando o caminhão saiu foi um horror! Um medo profundo. Não tinha onde segurar! Não sei como conseguimos chegar ao nosso destino entre tantos sacolejos!

A minha escola era a última. Por gentileza o caminhoneiro saiu de sua rota e nos deixou na casa do administrador da fazenda que nos alojou. A casa era de madeira. Fomos bem recebidas pela dona da casa que se chamava Maria. No quarto para nós destinado tinha duas camas e uma cômoda. O banheiro para variar assim como no hotel era um buraco lá fora. Para se tomar banho existia um quartinho com uma lata grande de água pendurada no teto e uma cordinha lateral. Tinha que se puxar a cordinha com muito cuidado para não descer água de uma vez.

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Não tinha luz elétrica. Era luz de velas. Ao dormir ouvimos um barulho. Mamãe acendeu a lanterna que havíamos trazido. Aí vimos. Baratas voadoras e nas junções das tábuas elas estavam estacionadas uma atrás da outra até o teto. Dormimos com o rosto coberto.

No outro dia fui à escola com os filhos do administrador que eram meus alunos. De carteiras duplas e na mesma sala 1ª, 2ª e 3ª séries como nas escolas isoladas de Guarulhos. Quando retornei as baratas estavam mortas. Foram queimadas com água quente pelos donos da casa. Sossego. Passei tempos agradáveis. A fazenda era de mamonas e tinha um pequeno canavial. Todos os dias tomava um copo de garapa. Tive oportunidade de tomar leite fresquinho tirado da vaca na hora. Rememorei minha infância. O carinho das crianças muito me ajudaram. Mamãe e dona Maria costuravam várias peças com uma máquina de costura tocada a manivela. O tempo voava.

Depois de alguns meses fui comissionada junto à 1ª Delegacia de Ensino da Capital que ficava na Praça da Sé. São Paulo. Em 1958 vim removida para o Grupo Escolar da Ponte Grande em Guarulhos. Contudo continuei à disposição da 1ª DE.

Em primeiro de janeiro de 1959 reassumi o exercício no grupo escolar acima referido e fiquei de 17/03 até 31/12/1959 à disposição do Instituto de Educação Padre José de Anchieta que hoje é EE Padre José de Anchieta para cursar o Aperfeiçoamento. Antigo curso para professores normalistas e como professora efetiva pude usufruir de afastamento por lei que não existe mais. Ao retornar conheci professor João Luiz de Godoy Moreira que se tornou meu amigo para sempre. Nas festas escolares éramos

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responsáveis pelo coquetel. Até acertar o ponto ficávamos experimentando. Resultado: quando o ponto ficava certo já estávamos bem alegres! Muita alegria.

Já nos anos 70 voltei ao Grupo Escolar Capistrano de Abreu por remoção e me tornei diretora substituta. Ele já se chamava EEPG Capistrano de Abreu. Tantas mudanças! Hoje ele se chama EE Capistrano de Abreu. Tive como assistente minha querida amiga Maria Amélia. Tivemos que trabalhar de doze a treze horas por dia. No prédio funcionavam duas escolas distintas. O Capistrano que funcionava de manhã e à tarde com um diretor. O ginásio estadual à noite que tinha como diretora professora Dione que saíra de licença. O ginásio e o grupo escolar foram englobados. EEPG Capistrano de Abreu. De acordo com a Lei 5692/71. Assumi a direção e precisei arrumar toda a papelada que estava confusa e complicada. Resolvi problemas com professores, funcionários, alunos e APM. Deu muito trabalho. Eu precisava fazer a união de todos!

Em 1980 por concurso público de provas e títulos me tornei diretora de escola efetiva e escolhi a EEPG Ary Jorge Zeitune no Bonsucesso. Hoje EE Ary Jorge Zeitune. O prédio nem estava terminado. Não havia luz elétrica e nem calçadas em torno. O pátio era de terra batida. Em dias de chuva era lama para todos os lados. Não tinha serventes nem auxiliares para secretaria. Convoquei os pais para uma reunião. Me apresentei e coloquei a situação da escola. Solicitei ajuda. Fizemos um mutirão. Havia o grupo da limpeza e uma pessoa que me ajudava na secretaria. Esta se responsabilizava pela escola em minha ausência quando eu ia à DE ou à Prefeitura reivindicar serventes. Deu certo.

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Depois de algum tempo chegou a luz elétrica e a servente. Numa reunião agradeci aos pais pelo auxílio e apoio.

Ali vivi dois assaltos com muita violência. Além de roubarem comida e utensílios da cozinha invadiram a secretaria e jogaram papéis e documentos pelo chão. Nas salas de aula defecaram nas carteiras e quebraram vidros. Nas duas vezes fiz BO e relato por escrito ao delegado de ensino solicitando ajuda e reposição de material.

Foi um ano bastante atribulado. No ano seguinte me removi para a EEPSG Homero Rubens de Sá hoje EE Homero Rubens da Sá na Vila Galvão. A escola mais moderna de Guarulhos. Tinha laboratórios e os dois níveis: primeiro e segundo graus. Uma escola completa e com uma famosa banda. Banda Marcial Homero Rubens de Sá comandada pelo maestro Gabriel Ferreira dos Santos que conquistou muitos troféus expostos em uma sala. Nos vários armários se guardavam os uniformes. Chegaram a gravar um LP. Meus assistentes eram professora Hissayo e professor Joaquim.

Contudo enfrentei muitas dificuldades a começar pela disciplina dos alunos de 3ºs anos do segundo grau. Eles fugiam pulando os muros e não respeitavam serventes nem inspetores de alunos. Jogavam carteiras do primeiro andar para baixo. Tinha portas queimadas e fiquei sabendo que os alunos punham fogo e soltavam bombas de festa junina. Investigando descobri que havia um líder.

Mandei chamar o líder em minha sala. Expliquei dos perigos físicos que corriam ao pular o muro que era bem alto. Conversamos muito. Por fim lhe disse que quando não quisesse

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assistir aula era só me procurar que eu o dispensava. Ele sorriu cinicamente e se retirou. No dia seguinte me procurou e queria ir embora. Calmamente me levantei e o conduzi até o portão. Antes de ele sair lhe disse: Pense bem. Você está perdendo uma oportunidade de aprender para seu futuro trabalho! Ele se foi.

No dia seguinte o aluno me procurou. Não tinha aquele olhar cínico. E me falou: Pensei em tudo o que a senhora me disse. Não vou fugir mais. Realmente nem ele nem os amigos pularam mais o muro. A quebra exagerada de carteiras foi diminuindo até chegar ao normal. Aleluia! Graças a Deus! Consegui que o líder dos alunos se tornasse meu amigo!

Participamos com muitas outras escolas na TV Cultura do programa É proibido colar comandado pelo ator Antônio Fagundes e sua esposa na época. Clarisse Abujamra. Conseguimos pegar o primeiro lugar. Tínhamos atletismos masculino e feminino cujos professores responsáveis eram Altevir e Rose respectivamente. Tivemos igualmente muitas vitórias. Professora Rose se esmerava na parte de ginástica rítmica. Fizemos apresentações em várias cidades. Uma em Brasília a convite do Presidente da República. General João Batista Figueiredo.

Anos mais tarde e eu não era mais diretora do Homero me encontrei por coincidência com professora Rose e seus alunos no aeroporto de Moscou. Foram fazer uma demonstração com muito sucesso na longínqua capital da Rússia. Viajamos de volta no mesmo avião. Muita alegria e conversas mil!

Fazíamos todo ano quermesses organizadas pela APM (associação de pais e mestres). Duravam dois dias e rendiam

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muito. O dinheiro era usado para melhoria da escola e também empregamos na compra de uniformes novos para a banda. Deixei no Homero muitos amigos e trago deliciosas lembranças.

Finalmente vim removida para o meu querido e velho Capistrano de Abreu e após trinta e dois anos de trabalho me aposentei no início dos anos 90 com muito orgulho de uma carreira de sacrifícios e realizações. Não só alfabetizei crianças o que foi muito gratificante como transmiti aos professores conhecimentos de teorias e metodologias pedagógicas.

Tive grata surpresa quando me trouxeram a revista RG de dezembro de 2012 comemorativa ao aniversário de Guarulhos em que constava uma reportagem a respeito de professores e fui lembrada por um aluno. Nelson Luiz Jucio. Advogado. Me homenageou com palavras carinhosas e se lembrou dos tempos em que fui sua professora.

Cabe neste epílogo o sonho que vivi na década de 60 do século passado: criação de uma escola particular. Parque Escola São Judas Tadeu. Parque por ser um espaço para crianças. São Judas Tadeu – nome sério e circunspecto – pela nossa fé no santo. Escolhemos para ela uma nova perspectiva pedagógica através do método Montessori-Lubienska. É um método construtivista em que as crianças aprendem trabalhando e não recebem instruções diretas. Têm liberdade para se movimentarem na sala e se exercitam com materiais próprios para construção do conhecimento. Numa abordagem globalizante para o desenvolvimento de suas capacidades afetivas, cognitivas, motoras e de relações sociais. Para tanto fizemos estágio no conceituado Colégio Nossa Senhora de Sion em Santana. Capital.

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A escola foi instalada na Rua João Gonçalves. Nº 501. Centro de Guarulhos. Publicação em D.O. de 28 de janeiro de 1964. Na inauguração compareceram professor Joaquim Garcia Salvador: presidente da Agremiação Guarulhense dos Professores Primários. Professor Ronaldo Saraceni: chefe do Serviço de Educação da Prefeitura de Guarulhos. Milton Mesquita: presidente da Câmara Municipal. Heitor Maurício de Oliveira: vereador. Odilon Mamede: chefe do Posto de Saúde local. Assunta Barbosa: presidente da FAC – Fraternal Auxílio Cristão. Recebemos bênçãos de padre Matheus Elias e discurso emocionado de irmã Mariana Sion: diretora dos cursos primário e normal do Colégio Sion. Ao final oferecemos um coquetel.

Como diretora fui auxiliada pelas professoras Diva Celeste de Faria e Souza, Elita de Jesus Rocha, Lygia Paschoa e Antonieta Aparecida Silingardi. A última especializada em canto e música infantil. Nosso sonho durou praticamente 10 anos. Por falta de recursos financeiros a escola fechou suas portas. Tenho saudades e me sinto gratificada ao recordar. Fui aprendiz de meus alunos. Aprendi amor, compreensão e respeito. E este é um momento de despedida... Agradeço aos que estiveram comigo nos anos de magistério e os que continuam comigo até agora.

Guarulhos, 03 de março de 2014.

“Ainda que eu falasse a línguados homens

que eu falasse a língua dos anjos

sem amor eu nada seria...

Paulo, Coríntios, 13/ Legião Urbana, Monte Castelo

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Professor

AntônioNabais Moreno

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Nasci num domingo no dia 14 de agosto de 1929 em Portugal. País às margens do Oceano Atlântico e que se limita a oeste com a Espanha. Sua extensão territorial é equivalente ao Estado de São Paulo. Possui hoje o regime parlamentarista e pertence à comunidade europeia. Sua moeda que era o escudo passou a ser o euro.

Como Portugal é dividido em províncias nasci na Província da Beira Alta na aldeia de Santo Estêvão. Distrito da Guarda e Concelho de Sabugal. A Guarda é a capital da província.

Minha mãe Maria da Purificação Mateus também nasceu em Santo Estêvão. Assim como meu pai José Nabais Moreno. Filho de Antônio Nabais Moreno de quem herdei o nome e de Delfina Moreno. Tive 5 irmãos: José Martins da Cunha (do primeiro ca-samento de minha mãe), Joaquim Nabais Moreno, Delfina Ma-teus Moreno, Manoel Mateus Moreno e o caçula, Mário Nabais Moreno. Este último nasceu em Quintana na Alta Paulista.

Nos meados de 1937 deixamos Santo Estêvão e a bordo do na-vio Kerguelen de origem francesa partimos de Lisboa. O navio fez uma parada em Marrocos e depois de muitos dias em alto mar desembarcamos no Rio de Janeiro. Embora encontrásse-mos um povo bem hospitaleiro parecia que estávamos em ou-tro mundo. Falávamos a mesma língua mas tínhamos hábitos e costumes diferentes.

Aconselhados por algumas pessoas seguimos viagem no trem da Central do Brasil até São Paulo. Nosso dinheiro já havia aca-bado e ficamos na Imigração no Largo da Concórdia que nos encaminhou também de trem para Pompeia. Cidade do inte-rior do Estado. Dormimos a primeira noite numa casa em cons-trução metade ainda descoberta. No dia seguinte fomos para

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Quintana trabalhar no cultivo de café na Fazenda Santa Amélia e posteriormente na Fazenda São Miguel.

Como o clima no interior era muito quente os médicos do Hos-pital das Clínicas onde minha mãe fizera tratamento nos acon-selharam a mudarmos para a capital onde o clima era mais ameno. Os amigos portugueses da Faculdade de Medicina con-seguiram emprego para meu pai no término da construção do Hospital das Clínicas. Alugamos uma casinha na Rua Capote Valente no Alto de Pinheiros e nos mudamos.

Agora éramos seis irmãos e meu pai sozinho para nos susten-tar. Uma experiência nova. Logo minha mãe nos matriculou no grupo escolar e começamos a estudar. Eu já tinha onze anos de idade.

Terminada a construção do Hospital das Clínicas meu pai ar-rumou serviço no mercado de Pinheiros e nos mudamos para a Rua Padre Carvalho. Atrás da Igreja de Nossa Senhora do Mon-te Serrat. Até 1939 a Avenida Rebouças era de terra. Nessa época começava a ser asfaltada. O leito carroçável já estava pratica-mente pronto e ainda interditado.

Certo dia meu pai leu em um anúncio de jornal que precisavam de um caseiro para formar uma pequena chácara e plantar al-gumas verduras no bairro das Sete Pontes onde hoje é o Cecap. Próximo ao Rio Baquirivu. Assim mudamos para Guarulhos.

A estrada que servia o bairro era a Estrada de Nazaré. Hoje Avenida Monteiro Lobato. A Estrada de Nazaré começava na Rua Dom Pedro II no centro de Guarulhos. Passava pelos bair-ros do Macedo e de São Roque. Ao chegar depois de onde está a Base Aérea de Cumbica se bifurcava. Na bifurcação havia uma

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grande paineira que separava as duas estradas. Uma estrada se-guia para Nazaré e a outra para o bairro de Bonsucesso. Lá em Bonsucesso no primeiro domingo do mês de agosto já era rea-lizada a Festa da Carpição que trazia romeiros dos municípios vizinhos. A pessoa que cuidava dessa estrada era o sr. Carmelo. Ele tinha um caminhãozinho 1928, um carrinho de mão e as ferramentas necessárias para o trabalho.

O Bairro das Sete Pontes tinha esse nome porque ali havia um banhado com muitos aguapés e a água corria para o Rio Tietê formando vários riachos. Os tropeiros que vinham da região de Nazaré e municípios vizinhos faziam pequenas pontes para poderem passar com sua tropa ou com algum caminhãozinho carregado de carvão. Hoje após a drenagem da área e enxuga-mento do rio por causa da derrubada da mata nas nascentes só temos o leito do Rio Baquirivu. Parece um esgoto que deságua no Tietê.

Logo que saíamos de casa em direção ao centro de Guarulhos encontrávamos uma capelinha. A de São Roque que ficava num lugar mais alto do lado direito da estrada. Essa capela deu ori-gem ao Bairro de São Roque.

Com a venda da propriedade onde morávamos e desentendi-mentos com o antigo proprietário meu pai resolveu alugar por conta própria uma chacrinha na Rua Claudino Barbosa. Bairro do Macedo. Mudamos para lá. Ao lado havia uma chacareira dona Carolina que bondosamente orientou meu pai como plan-tar, colher e vender. E mais chegou a emprestar dinheiro para que ele iniciasse a plantação.

A Rua Claudino Barbosa endereço atual da Secretaria Muni-

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cipal de Educação era de terra assim como todas as ruas de Guarulhos. Logo no início dela estava a chácara de flores do sr. Manoel Reis. Certo dia para nossa surpresa a então Light nos trouxe energia elétrica e iluminação com postes de madeira. Compramos um rádio que tinha uma caixa e tocava músicas. Era lindo e estávamos por volta de 1943.

A chácara dava certo. A situação econômica da família melhora-va. Minha mãe foi até a Escola Mista Rural do Bairro do Macedo e matriculou todos os filhos. Fui um aluno de por volta dos treze anos a cursar primeiro e segundo anos primários. A professora era Nadir Caçapava de Oliveira. Filha do então interventor José Maurício de Oliveira. Ainda me lembro do nome de alguns co-legas: Tinóca, João Nacare, Diamantina irmã do Tinóca, Heitor Damiane, Oswaldo, Angelina Derici, Laís filha da professora e meus irmãos: Joaquim e Delfina. Há muitos outros dos quais não me lembro. Devido a minha idade a professora sempre me procurava para resolver os problemas que surgiam. Carteiras quebradas, transporte de material escolar, tomar conta da clas-se quando ela se ausentava por alguns minutos etc.

Era tempo da 2ª Guerra Mundial. Numa campanha de arreca-dação de pedaços de borracha que estava em falta fui o que mais arrecadou. Ganhei o prêmio oferecido pela prefeitura. Re-cebi das mãos do interventor José Maurício de Oliveira um livro da biografia do presidente Getúlio Vargas.

Terminado o 2º ano primário minha mãe fez nossa matrícula no Grupo Escolar de Guarulhos. Atual EE Capistrano de Abreu na Praça Getúlio Vargas. Fui fazer o 3º e o 4º anos junto com os filhos da dona Carolina e os do sr. Manoel Reis. Do Cocaia

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vinham outros colegas: José Teodoro, Manoel Mourão, Cecília, Olinda etc. Do Bairro dos Morros vinham: João de Morais, Es-têvão de Morais, Durvalino etc. Do Taboão: Akira Kida, Mamor Sugo, Fábio Miranda etc. De Gopoúva: Kalil Zarzur e muitos outros. Vila Augusta: Perela, Pedro Martelo etc. Da Vila Rio de Janeiro: Sebastião Pannocchia. Havia colegas de outros lugares cujos nomes não me recordo. Eram de minha classe: Vlademir Barbosa, Silvestre Calmon o Nenê, Luiz Faccini Filho o Zico, Katabe, Abraão, Jacira e outros.

Em frente ao grupo escolar onde hoje é uma drogaria tinha um terreno vazio. Antes da aula ou nos intervalos jogávamos uma partida de futebol com as calças arregaçadas e descalços. Certo dia meu irmão Joaquim esqueceu os sapatos num monte de sa-patos dos outros. No dia seguinte seus sapatos ainda estavam lá. Coisa que hoje não acontece!

Quando íamos para a escola passávamos pelo Alto dos Camar-gos atual Vila São Jorge e atravessávamos o Rio dos Cubas. Hoje canalizado e sobre ele se estende a Avenida Paulo Faccini. Subíamos em seguida ao lado de uma pedreira. Percorríamos a Rua São Paulo atual Luís Faccini e ao lado da Chácara Branca-leoni entrávamos na Rua Oswaldo Cruz. Ali estava o único ce-mitério de Guarulhos existente até hoje. O São João Batista. Em seguida passávamos pelo campo do Paulista hoje Praça Getúlio Vargas e finalmente chegávamos ao grupo escolar.

Não havia condução e os alunos vinham a pé de todos os bair-ros mesmo dos mais distantes. Não existia violência nem dro-gas. Me lembro das queridas professoras. Nadir na escolinha do Macedo. Era viúva e mais tarde se casou com o Sr. Rinaldo Poli

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passando a se chamar Nadir de Oliveira Poli. No 3º ano Francis-ca de Assis Ferreira Novak que sofreu de tuberculose galopante e na metade do ano foi se tratar em Campos do Jordão. Não voltou. Como homenagem seu nome foi dado à escola do Jar-dim Santa Bárbara. Hoje EE Francisca de Assis Ferreira Novac. Dona Chiquinha como era chamada deixou dois filhos: Cláudio e Aroldo Novak. No 4º ano minha professora foi Brasília Casta-nho de Oliveira também nome de escola no Jardim Santa Mena. Também se destaca Benedita Angélica que não se casou e era presidente da Congregação das Filhas de Maria na Igreja NS da Conceição.

Professor Euvaldo de Oliveira Mello era nosso diretor. Mais tar-de foi diretor do Departamento Estadual de Educação na Rua Antonio de Godoy. Algum tempo depois assumiu o cargo de Secretário de Educação do Estado de São Paulo no Largo do Arouche.

Os negócios da família foram de muito êxito. Na safra de 1947 meus pais compraram um furgão chevrolet ano 1938 que por ser verde tinha no para-choque dianteiro a inscrição Periquito da madrugada. Neste mesmo ano compramos no Bairro das Taipas atual Vila Fátima uma área de 50 000 metros quadrados. Era de mata natural e ficava à beira da Estrada do Taboão. Nos fundos se divisava com uma pedreira e com a fazenda Cocaia.

Meus pais mandaram desmatar para construir casas ao lado de onde hoje está a igreja católica da Vila Fátima dez anos depois de chegarmos ao Brasil. Na chácara que ali formamos planta-mos camélias, roseiras, iúcas, crínios e palmas.

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A presença da igreja pleiteada por minha mãe foi a origem do nome do bairro depois de ter sido encontrada uma imagem de Nossa Senhora de Fátima esculpida em pedra que ficou aban-donada na pilastra do portão de uma propriedade de portu-gueses que tinham se mudado. No início uma pequena igreja. Depois uma maior em dois mil e quinhentos metros doados de nossa chácara. Minha mãe comprava o material. À noite pedrei-ros e serventes trabalhavam na construção. Ao redor da igreja cresceu o bairro de Vila Fátima. Minha mãe ajudava o povo com alimentos e medicamentos. Chegou no tempo da gripe asiática a aplicar injeções nos doentes em suas casas. Era muito querida e chamada de dona Maria Portuguesa.

Algum tempo depois a Empresa de Ônibus Guarulhos que antes tinha dois ônibus que faziam a linha Guarulhos - Penha comprou mais alguns. Colocou uma linha que com o mesmo carro fazia duas viagens até Cumbica e a terceira viagem até o Bairro do Taboão. Naquela estrada de terra me lembro muito bem passavam motorista e cobrador conversando. Os passagei-ros eram poucos.

O Grupo Escolar de Guarulhos passou a se chamar Grupo Es-colar Capistrano de Abreu. Em seu período noturno começou a funcionar o Ginásio Estadual de Guarulhos. Não lembro a data. Creio que foi por volta de 1948. Ele teve início com a vinda de alunos de escolas da capital e do interior. Era o único da cidade e foi uma vitória dos políticos da época. O primeiro diretor era substituto. Professor Carlos Alvarenga. Pouco tempo depois as-sumiu como titular o professor Homero Rubens de Sá. Vieram para lecionar professores catedráticos aprovados em concursos rigorosíssimos. Naquela época aprendíamos também Latim e Francês. Professor Euvaldo de Oliveira Mello abriu um curso

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particular de admissão ao ginásio em que fui aluno e consegui com louvor ser aprovado. Fui da segunda turma de formandos.

Ainda me lembro de alguns colegas de famílias tradicionais de Guarulhos. Eis alguns deles: Marina Barbosa, Olenca Forghieri, Selma Colalilo, Valdira Nagem, Milica, Isaíra Testai, Therezinha e Constância Gabriel, Arcênia, Aurora, Lourdes Pestoratto, Dio-neia Giacomini, Jahira Martins, Madalena Pannocchia, Merce-des, José Gomes Jardim, Celso Batista Rego, Gino Montagnani, Antonio Tarocco, Keinoski, René Caran. A nossa formatura foi em 1954 no Cine República e nosso paraninfo foi o saudoso dr. Adolfo de Vasconcelos Noronha que tinha sido nosso professor e presidente da Câmara de Vereadores de Guarulhos.

Como eu tinha idade não compatível com a série que acabara de concluir e já estava noivo fui fazer o curso normal no Colégio Estadual e Escola Normal Nossa Senhora da Penha. No primei-ro ano o professor de Sociologia reprovou os alunos e algumas alunas. Protestamos junto à Secretaria da Educação do Estado e como não obtivemos êxito fizemos matrícula no Colégio e Esco-la Normal Vera Cruz. Era particular e ficava no Brás.

Em 1955 me casei e passei a morar com minha esposa na casa de meus pais. Arrumei serviço no Frigorífico Mercantoni. Era um matadouro que abatia em média mil suínos por vez. Traba-lhei no escritório. O horário era muito apertado para estudar e trabalhar. Dr. Roberto era fiscal federal. Dr. André Paperini era médico clínico geral e veterinário. Eles me ensinaram a exami-nar animais abatidos para encontrar doenças como: tuberculo-se, quisto hidático, cisticercose, peste suína e outras. Fui traba-lhar com eles. O abate acontecia nas terças, sextas e domingos.

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A inspeção era feita por duas pessoas com revezamento. Traba-lhando na inspeção veterinária sobrava tempo para eu estudar. Agradeço muito aos doutores Roberto e Paperini e ao dono do frigorífico: Wilson Talarico. Eles além de serem amigos foram o que chamamos de pais no trabalho.

À noite lecionava junto ao quadro voluntário para adultos e com isso contava pontos para o ingresso como professor efe-tivo do Estado. A iluminação era de lampião a querosene ou a gás nas salas cedidas no Jardim Santa Bárbara. Alfabetizávamos alunos com até 60 anos de idade. Construíram uma escola na Vila Flórida onde já havia luz elétrica e para lá transferimos o curso de educação de adultos.

Quando terminei o curso normal já com o diploma de professor primário fiz minha inscrição no concurso de ingresso ao Magis-tério Público do Estado de São Paulo. Havia solicitado minha naturalização para obter a cidadania brasileira. Fiquei aguar-dando a publicação no Diário Oficial da União.

Aprovado no concurso de ingresso por pontos fui chamado para escolher cadeira. A comissão de concurso de ingresso fica-va instalada no Grupo Escolar São Paulo na Rua da Consolação. Quase sem opção escolhi a classe masculina do Grupo Escolar Rural da Vila Paula em Presidente Bernardes. Não podia tomar posse do cargo. Ainda não era naturalizado brasileiro. Solicitei reconsideração do despacho. Logo foi publicada a naturaliza-ção e no dia 16 de fevereiro de 1961 assumi cadeira como pro-fessor efetivo na citada escola.

Em 1956 um ano após meu casamento no mesmo mês havia nascido minha filha Marinilda. Na época de meu ingresso ela

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tinha apenas quatro anos e meio de idade. No final de 1960 nos preparamos para nova etapa que se iniciaria no ano seguinte. Viajamos de trem pela Estrada de Ferro Sorocabana. Chegamos à Vila Paula no entardecer e soubemos que a casa dos professo-res que ficava no pátio da escola estava ocupada por um casal que havia se casado naqueles dias. Colocamos o nosso colchão no chão da sala da diretoria que não funcionava mais. Acen-demos um lampião a querosene que permaneceu aceso a noite inteira. Saíam aranhas de trás dos mapas e baratas por todos os lados. Não conseguimos dormir. Quando o casal se mudou para Presidente Bernardes tomamos posse da casa.

Era casa de madeira assentada sobre palanques grossos de pe-roba. Área de 4 por 4 metros dividida em 4 cômodos. Por baixo ficava um porão aberto dos lados e na frente uma escada. Tinha 2 quartos. Uma sala na frente e cozinha nos fundos. Estava tudo bem limpo. No quintal um poço com vinte metros de profundi-dade de sarilho, corda e balde. Em um tambor que comporta-va duzentos litros era armazenada a água tirada do poço. Mais aos fundos do quintal existia uma pequenina casa de um por um metro construída sobre um poço com assoalho de madeira furado no centro. Era o vaso sanitário. Para tomarmos banho fui até a cidade e comprei um Tiradentes. Balde com um chu-veirinho por baixo e uma pequena manivela para abrir e fechar a água. Na alça se amarrava uma corda que passava por uma carretilha no telhado e tinha uma argola que regulava a altura do balde através de ganchos na parede. Por causa da corda re-cebia o nome de Tiradentes. O fogão era de lenha. Os alunos se encarregavam de trazer lenha e tirar água do poço.

Chegaram para trabalhar na escola mais duas colegas professo-ras: Cláudia e Maria Piai. Em 16 de fevereiro de 1961 voltaram

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os alunos e começou a minha vida no magistério. Os alunos eram: Valdo filho do Cláudio que andava cerca de três quilôme-tros para chegar à escola, Coquinho e Evoninha filhos de dona Marizete e do Durval, Maria filha da dona Lia, Neusa filha de dona Izabel e do Timóteo, Helena filha do José de Almeida, Pe-dro Graciano e outros. Fiquei com as 3ª e 4ª séries. Cláudia com a 2ª série. Maria Piai com a 1ª série. Elas lecionavam de manhã e eu do meio dia às 4 da tarde.

Como me dedicava muito logo vi progresso da classe. Alguns se destacaram na aprendizagem como a Neusa Timóteo e o Valdo.

Convivemos com várias famílias. Famílias baianas como os Ti-móteo: José, Boaventura, Leonel, Tião, Porfírio, Regina; José de Almeida, dona Izabel, dona Maninha, dona Maria do Dionísio. Famílias sergipanas: Normando e Lia, Gonzaga e mais algu-mas. Mais a família mineira de José Graciano.

Antes de eu viajar de férias escolares no meio do ano precisei me inscrever no concurso de remoção na Delegacia de Ensino de Santo Anastácio. Tomei o trem em Presidente Bernardes rumo a Santo Anastácio. No trem viajava o professor Euvaldo. Aquele que havia sido diretor do grupo escolar e meu professor de admissão ao ginásio em Guarulhos. Ele logo me reconheceu e perguntou: O que você está fazendo aqui? Expliquei que esta-va lecionando em Presidente Bernardes a trinta quilômetros da cidade e que isso aconteceu por força do meu ingresso no Ma-gistério Público Estadual. Ficou admirado e perguntou quando eu ia voltar para Guarulhos. Disse que voltaria no dia seguin-te no trem da manhã. A família dele era de Santo Anastácio. Combinamos e voltamos juntos com passe do governo. Senti a

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presença de Deus. Conversamos muito e ele me disse que era diretor do Departamento de Educação do Estado de São Paulo e que eu não voltaria para Vila Paula. Antes de acabarem as férias que eu fosse ao departamento e ele me entregaria uma carta di-rigida ao delegado de ensino de Santo Anastácio. Eu trabalharia na Delegacia de Ensino.

Ao término das férias Nilda, Marinilda e eu retornamos para Presidente Bernardes. No trem Nilda me pediu que eu não en-tregasse a carta. Ela não queria deixar Vila Paula. Gostava das muitas amizades. Tinha uma linda horta e muitas galinhas. Senti vontade de rir mas entendi o que me pedia. Continuamos na Vila Paula.

Chegou o final do ano e o dia de voltarmos para Guarulhos. Eu tinha sido removido para o Grupo Escolar Pleigrave do Amaral em Ana Dias próximo de Peruíbe. Litoral paulista. Recebi um telefonema do professor Euvaldo de Oliveira Melo perguntan-do como foi a remoção. Quando lhe disse que não havia conse-guido Guarulhos ele se espantou. Fui designado para fazer par-te da Comissão do Concurso de Ingresso ao Magistério Público Primário do Estado de São Paulo.

Quando já estava trabalhando na comissão professor Euvaldo me chamou em seu gabinete e disse: Qual é a escola que você quer em Guarulhos? Respondi que gostaria de lecionar no Gru-po Escolar da Vila Flórida próximo de minha casa. Imediata-mente ligou para o Secretário de Educação Sólon Borges dos Reis. Em seguida me informou: Veja a publicação amanhã. No dia seguinte saiu escrito no DO: Por ter sido publicado por engano, onde se lê Grupo Escolar Pleigrave do Amaral, em Ana Dias, leia-se

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Grupo Escolar da Vila Flórida, em Guarulhos. Assim me removi para Guarulhos mas continuei na comissão de concurso de in-gresso.

No final do ano a comissão se destituiu e o professor Euvaldo passou a ser o Secretário da Educação do Estado de São Paulo em substituição ao professor Sólon Borges dos Reis que saíra em campanha para deputado. Professor Euvaldo me chamou no gabinete e perguntou: Quem é a diretora do Grupo Esco-lar da Vila Flórida e onde mora? É a professora Eunice e mora em São Paulo. Respondi. Será que ela não quer se comissionar numa escola perto de casa? Ele retorquiu. Vim para o Grupo Escolar da Vila Flórida como diretor substituto.

No ano de 1961 eu estava lecionando em Vila Paula. Em 1962 es-tava trabalhando na comissão de concurso de ingresso em São Paulo. Em 1963 assumi a direção do Grupo Escolar da Vila Fló-rida em Guarulhos. Foi um espanto geral. Neste grupo escolar nem pude lecionar por ser estrangeiro e dois anos depois voltei como diretor. Professores e funcionários logo passaram a me estimar. Os pais dos alunos que eram amigos e moradores do meu bairro ficaram muito felizes.

Certo dia eu estava no salão de barbeiro que era de proprie-dade do meu sogro Hogentir de Almeida Cardoso na esqui-na da Rua João Gonçalves com a Rua Dr. Diogo de Farias me encontrei com Geraldinho. Geraldo Evangelista de Souza que me disse: Professor. O senhor precisa ser candidato a vereador pelo nosso partido MTR. Movimento Trabalhista Renovador. O ano era de 1963. Respondi que não era minha intenção mas ele tanto insistiu que acabei aceitando. Eu não sabia onde ficava a

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Câmara Municipal nem o que fazia um vereador. Dias depois entreguei minha documentação para o Geraldinho e comecei fazer no meu bairro a campanha do jeito que eu entendia jun-to aos amigos. Éramos vinte e dois candidatos no partido e eu fui o segundo mais votado. O nosso partido só elegeu dois. Me tornei vereador em 1964 e com isso precisei me afastar do cargo público efetivo e de diretor substituto. Só foi possível lecionar Artes Industriais no Colégio Estadual do Jardim Tranquilidade à noite. Lá lecionei vários anos.

Como vereador ajudei os moradores do nosso bairro e de ou-tros bairros. Lembro que na Vila das Palmeiras me disseram que as crianças iam estudar no Grupo Escolar da Estação hoje EE Paulo Nogueira. Era um longo trajeto que contornava o cór-rego que ali passa. Fui à Secretaria de Obras da Prefeitura e con-segui que fizessem uma pequena ponte de madeira protegida dos lados. Encurtou o trajeto das crianças. Fiquei querido no bairro. Para a Vila Flórida consegui uma feira livre a que hoje está no Monte Carmelo. Homenageei várias famílias denomi-nando ruas e logradouros públicos com os nomes de parentes falecidos: Avenida Wilson Talarico, Rua José Gomes Otero, Rua Maria de Fátima Kida, Rua José Gomes Jardim e várias outras. A Avenida Octávio Braga de Mesquita que antes era Rua Santa Isabel passou a ter esse nome em homenagem ao Octávio. Pes-soa que passava de charrete todos os dias por essa antiga rua de terra a caminho de seu sítio onde hoje é o Jardim Santa Emília. Ia pela manhã cuidar da criação de porcos e só voltava à noite.

Criamos em 1965 a Agremiação Guarulhense de Professores: eu e meus colegas João Luiz de Godoy Moreira, Celso Piva, Ro-meu Ribeiro e outros com a finalidade de no dia do professor os homenagear. Tanto aqueles que se destacavam com trabalhos

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importantes como aqueles que já não se encontravam entre nós. No 15 de outubro mandávamos celebrar missa festiva. Íamos em comitiva ao cemitério visitar e rezar nos túmulos dos pro-fessores já falecidos. Na Câmara Municipal em sessão solene entregávamos o título de Cidadão Guarulhense ao professor do ano. À noite fazíamos o Baile do Professor. Fui presidente e se-cretário da agremiação. No dia do professor em 1968 levei para almoçar no Laboratório Pfizer aproximadamente quinhentos professores.

Entrei na Câmara com projeto de desapropriação e doação de área para a construção do centro do professorado em Guaru-lhos por volta de 68 e 69. Vi meu projeto aprovado e hoje o CPP – Centro do Professorado Paulista – é realidade.

Durante meu primeiro mandato de vereador que foi de 1964 a 1968 fui eleito pelos colegas Presidente do Legislativo de Gua-rulhos. Feita a campanha para o segundo mandato fui eleito o terceiro vereador mais votado sem gastos. Somente com a ajuda não financeira de meus amigos que trabalharam na campanha. O voto ainda era depositado na urna. Na escola do Jardim Santa Bárbara havia seções eleitorais. Se numa urna havia quinhentos votos quatrocentos e cinquenta eram meus. No Grupo Escolar Paulo Nogueira quando entrei para votar os mesários me disse-ram: Professor. O povo vem para votar e diz vim aqui votar no professor Moreno! Entregamos o livro de presença para assina-rem e eles escrevem ali mesmo o seu nome!

No decorrer do segundo mandato fui procurado pelo vice-pre-feito Alfredo Nader que me propôs ser candidato a vice no pró-ximo pleito na chapa em que ele seria o prefeito. Algo me dizia

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que não deveria aceitar. Propus falar com o De Carlos morador da Ponte Grande que se enfeitava de vice de outro candidato. Alfredo insistiu: Com você ganho a eleição com Ponte Grande ou sem Ponte Grande! Contra a vontade dele liguei para o De Carlos e disse que ele era o nosso candidato à vice. O Alfredo não gostou mas garanti que lutaria com ele e que ganharíamos a eleição. Ele me prometeu a Secretaria de Educação. Ganhamos contra o candidato do ex-prefeito Waldomiro Pompêo que ha-via feito uma administração muito boa mas não soube escolher o sucessor: Moriô Sakamoto. Homem honesto. Contudo não era orador de palanque.

O prefeito Alfredo Nader cumpriu com o que havia prometido e em 1970 assumi a Educação que não era uma secretaria mas uma divisão. Divisão de Educação, Esporte e Cultura. Meu Ga-binete ficava na Rua João Gonçalves no prédio onde funciona-va e funciona a Biblioteca Municipal Monteiro Lobato. Passei a cuidar da educação, do esporte e da cultura do município. Nessa época atendíamos as escolas estaduais com a merenda escolar, remoção de carteiras, manutenção dos prédios e outros serviços. Nossa ligação com o Estado era feita através da De-legacia de Ensino sediada na Praça da Sé cujo delegado era o professor Joaquim Moreira Bernardes. A todo instante eu re-cebia diretores de escolas que vinham pedir ajuda em alguma necessidade. Sempre tomávamos um cafezinho.

Era também função da educação no município ceder áreas e terre-nos para construção das escolas estaduais. Erigíamos também os prédios quando existia urgência. Adotamos as construções pré-fa-bricadas e assim terminamos a escola da Vila Progresso que hoje re-cebe o nome de EE Frederico de Barros Brotero. Colocamos em fun-cionamento a atual EE Brasília Castanho de Oliveira e muitas outras.

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Instalamos o MOBRAL e também um Centro de Treinamento de Mão de Obra na bifurcação da Avenida Guarulhos com a Rua Antônio Iervolino que funciona até hoje e forma profissio-nal para a prefeitura. É ligado à Secretaria do Trabalho. Cria-mos algumas escolas de educação infantil sob a jurisdição do município. Delas não me lembro do nome nem da localização.

Quanto ao esporte ampliamos e reformamos o único estádio da época: o Fioravante Iervolino. Ali promovemos alguns campeo-natos e até hoje é constantemente cedido às escolas estaduais.

Na cultura implementamos apresentações teatrais e apresenta-ções da Orquestra Sinfônica do Município cujo maestro era o sr. Nazari Campos. A pedido do maestro fizemos algumas refor-mas na orquestra e corrigimos distorções salariais.

A nossa divisão era muito dinâmica e eu tinha auxiliares compe-tentes. Hélio Verde era auxiliar direto. Cássio Adonis de Santis Siqueira cuidava das gravações e do som. Valdemar cuidava da merenda escolar. Arnaldo Celeste se responsabilizava por cons-truções, reformas e pintura de prédios. Quando lhe solicitava alguma coisa logo ouvia: Deixa pra mim professor! Em seguida a obra tinha andamento. Na chefia do planejamento estava o Roberto Moreno que tinha o mesmo sobrenome e nenhum pa-rentesco comigo. Quando prestou concurso na prefeitura foi o primeiro colocado. Logo recebi vários telefonemas que diziam: Parabéns professor pelo filho! Foi muito engraçado...

Certo dia ao chegar no trabalho pela manhã recebi o aviso de que o prefeito estava à minha espera. Arrumei a pasta e subi. A prefeitura ficava na Praça Getúlio Vargas onde já foi o prédio da Câmara Municipal e hoje é uma escola profissionalizante do

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Fundo Social. Deparei com todos os secretários cabisbaixos e perguntei o que estava acontecendo. Responderam: Estamos todos demitidos! Mais tarde o prefeito me explicou que está-vamos num governo federal de linha dura e que estava sendo pressionado. Fui o único que não foi afastado. Continuamos. O prefeito sempre dizendo que ia renunciar. Sempre argumentá-vamos que tivemos muito trabalho nas eleições e não quería-mos que renunciasse.

O prefeito foi levado a depor no CGI Comissão Geral de Investi-gação do Comando Geral da Aeronáutica que ficava na capital. Vários funcionários da prefeitura também foram chamados. A cidade ficou em clima tenso. Até que encostaram um ônibus ofi-cial na Câmara Municipal e levaram os vereadores para o mes-mo destino.

No domingo depois do almoço também chegou minha vez. Uma viatura estacionou em minha casa. Nela estavam o vice-prefeito Oswaldo de Carlos e o dr Laerte. Fomos para o mesmo CGI e ficamos sentados em uma salinha num banco de madeira até a hora do jantar. Passou um oficial e disse: Vamos jantar? No refeitório parecia uma festa. Estava lá a nata de Guarulhos: funcionários da prefeitura e vereadores. Podíamos conversar sobre tudo menos de política. Em cada mesa havia um oficial. Depois de um delicioso jantar com cafezinho voltamos para o banco. Demorou muito e fomos chamados um a um. Quando me chamaram já era quase meia noite. Depois de interrogado, elaborado e assinado o depoimento passou um oficial perguntan-do: Fica preso? Responderam: Não. Vai embora! Rapidamente to-mei o elevador e em seguida um táxi. Em pouco tempo estava em minha casa. Fiquei muito preocupado com minha família.

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Na segunda-feira continuei dirigindo a divisão. Dias depois chegou à cidade acompanhado de seguranças dr. Jean Pierre Hermann de Morais Barros. Interventor para a Prefeitura de Guarulhos. Do ga-binete o prefeito eleito saiu por uma porta – foi cassado – e o inter-ventor entrou por outra. Neste ano de 2014 o legislativo municipal devolveu simbolicamente o mandato a Alfredo Nader. Quarenta e quatro anos depois. No inquérito a que respondeu foi absolvido.

Logo o interventor mandou nos chamar para uma reunião. Silên-cio total. Se uma mosca voasse escutaríamos o barulho. Jean Pierre foi logo dizendo que estava tão surpreso quanto nós e que nunca havia pensado em ser prefeito de Guarulhos. Em seguida pediu que voltássemos para nossos postos e continuássemos trabalhan-do. Avisou que os secretários poderiam ser trocados à medida que pedissem. No momento tudo continuaria como estava. Dias depois começaram as substituições. Continuei dirigindo a educação mu-nicipal que funcionava normalmente. Aconteceu no Guarujá um congresso e lá estive com o interventor. Pensei que minha situação fosse tranquila.

Passados alguns dias eis que o interventor me chama e comuni-ca que tinham pedido meu cargo e gostaria que eu continuasse trabalhando com ele. Aceitei assessorar a nova responsável pela educação professora Mitiko que não tinha muita experiência. Ela-boramos um roteiro de visitas às escolas. Começamos pelo Grupo Escolar Capistrano de Abreu onde ela visitou salas e até examinou cadernos de alunos. Precisei orientar a professora de que esta ta-refa era de supervisores estaduais e que ajudávamos as escolas do estado na infraestrutura. Professora Mitiko se preocupava muito com a frequência dos funcionários chegando a dispensar alguns. Isto aconteceu com professores que foram reconduzidos aos car-

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gos na administração seguinte de Waldomiro Pompêo. Este mais uma vez foi eleito prefeito de Guarulhos.

Continuei com o interventor até a chegada de Pompêo. Neste mes-mo pleito fui reeleito vereador e voltei para a Câmara Municipal. Nessa época foi permitido acúmulo de cargo e voltei para a escola da Vila Flórida como diretor substituto.

Em 1979 fui procurado por um funcionário do dr. Paulo Salim Maluf para um jantar. Ele era candidato por eleição indireta a governador do Estado de São Paulo. Eu era delegado do partido ARENA e votava neste tipo de eleição. O deputado estadual Ar-mando Pinheiro do mesmo partido era meu amigo. Chegou o dia da eleição. O candidato da situação era Laudo Natel indicado pelo governo militar e votamos em Paulo Maluf que veio a Guarulhos me agradecer. Tiramos fotos juntos. Após assumir o governo ele me convidou para um almoço no Palácio dos Bandeirantes. Fui acompanhado de Nilda e do deputado Armando Pinheiro.

Como tempos atrás eu tinha feito concurso para diretor de escola e fui aprovado no mês de abril de 1980 assumi novo cargo. Me tornei diretor efetivo na EEPSG Vereador Antonio de Ré hoje EE Vereador Antônio de Ré. Em seguida no mês de junho fui nomea-do pelo governador do estado delegado da 2ª DE de Guarulhos que abrangia as escolas da periferia da cidade e as escolas dos mu-nicípios de Arujá e Santa Isabel. Fui muito feliz nesta função. For-mava com diretores, professores e funcionários uma verdadeira família. Não disputei mais eleições para vereador e ao terminar a administração de Paulo Maluf voltei para o cargo de diretor de escola removido para a EEPG Padre Conrado no Bom Clima. Hoje simplesmente EE Padre Conrado.

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Embora tenha sido bem recebido na nova escola lá fiquei por pouco tempo. Logo fui chamado para substituir supervisor de ensino na 2ª DE. Governos Montoro e Quércia se passaram. Em 91 se iniciou o governo Fleury. Não demorou e a diretora da DRE – 4 – Norte Iraci Morcelli me indicou para delegado de ensino da 1ª DE de Guarulhos que ficava na Rua Capitão Gabriel. Nomeação do governador Fleury. Permaneci na 1ª DE por apenas um ano. Em 1992 pedi aposentadoria e voltei para minha vida familiar. Minha esposa gostou muito e entre outras atividades de lazer sou seu motorista particular.

Hoje feliz observo minha família. Adotamos duas meninas nos anos 60: Francisca e Francinete. Ambas têm trabalhado no ser-viço público estadual e municipal. Em 1975 adotamos Débora. Assim nossa família se constitui de 4 filhas juntamente com Ma-rinilda. Elas já nos deram netos. Somos católicos. Na Vila Fáti-ma onde moramos frequentamos o Santuário de Nossa Senhora de Fátima que ajudamos a fundar. Todos os membros da famí-lia têm função nesta igreja. Beonilda minha esposa é presidente do Apostolado da Oração. Na Tapera Grande onde temos chá-cara cuidamos da comunidade católica de São Benedito. Assim continua nossa vida.

Guarulhos, 27 de janeiro de 2014.

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Professora

Suely Macca

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Prepare seu coraçãoPras coisas que eu vou contar

Eu venho lá do sertãoEu venho lá do sertão

E aqui vou me pronunciar

(Suely/Geraldo Vandré)

Quando recebi o convite para escrever minhas memórias jun-tamente com outros educadores de Guarulhos achei que pouca coisa tinha para contar e pouca importância teriam minhas lem-branças. Contudo ao me recordar do passado percebi que tinha sim muita coisa para escrever e que essas minhas lembranças juntamente com as de meus colegas ajudariam a deixar um le-gado importante para as gerações futuras. Elas terão conheci-mento daqueles que ajudaram a educar as crianças e os jovens do município no século XX. Agradeço aos que idealizaram este projeto de memórias e me deram esta oportunidade.

Quem sou eu? Sou Suely Macca. Professora aposentada no Ma-gistério Público do Estado de São Paulo. Tenho queridas amigas também professoras que comigo cresceram e estudaram. Par-ceiras de horas felizes e horas difíceis. Minhas amigas do peito que são:

Ana Emilia Soave da SilvaDaisy Paula Hermínia de Camargo Aran JallasDoracy Franco MontansHermínia Fornazaro MartinezIzabel Ortega Sanches

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Maria Dirce Poli VeroneziNehy da Silva MartiniRegina FornazaroVera Lucia da Silva Houchaim

Adolescentes

crescemos juntas

estudos bailes festinhas namoros.

Mais adultas

vida nos separou

profissão marido filhos.

Longe e perto do coração

hoje senhoras

corpo e alma se reencontram...

Não há como falar da minha vida sem falar de Guarulhos, de meus pais e de outras famílias que ajudaram esta cidade a cres-cer. De sangue misto de várias origens: italiana, negra e portu-guesa nasci brasileira no dia 30 de abril de 1943 no sertão de São Paulo. Numa casa de taipa lá pros cafundó de Gurupá. Distrito de Promissão.

Pai valente: Mário Ramos Macca de sangue italiano. Mãe cora-josa: Lázara Nogueira Macca com mistura de sangue português e negro. Vieram para esta cidade e criaram seus cinco filhos: Shirley, eu, Mário Luiz, Sidney e Wellington.

Meu pai nasceu em São José do Rio Pardo em 1913 e perdeu a mãe aos 16 anos. Era o mais velho de 6 irmãos. O avô se casou novamente e os filhos não se deram bem com a madrasta. Meu

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pai já morando em Gurupá numa noite levou todos para mora-rem com a tia Thereza em Promissão. Fugiram a pé. Em Promis-são papai foi marceneiro e fazia até caixão de defunto. Era mui-to brincalhão e um dia se deitou em um dos caixões se fazendo de morto. Ao se levantar como morto vivo um morador levou um susto muito grande e saiu correndo. Depois de trabalhar como marceneiro foi aprender o ofício de farmacêutico com o tio marido de tia Thereza chamado por todos de tio Manuel. No meio daquele sertão ele era o farmacêutico e fazia de tudo. Era o médico daquele povo pobre e sem recursos.

Papai foi aprendendo muito sobre remédios e doenças. Foi ai que começou sua carreira na experiência. Na escola da vida. Ele se casou com minha mãe em Gurupá onde minha irmã Shirley e eu nascemos. Depois de juntar um dinheirinho quando eu ti-nha mais ou menos uns 9 meses e minha irmã quase 4 anos ele veio sozinho para São Paulo e depois para Guarulhos no ano de 1943 onde comprou uma parte da sociedade de uma farmácia. Farmácia Guarulhos do senhor Floriano Parreira que ficava na Rua Dom Pedro II esquina com a Rua Felício Marcondes.

Minha mãe veio logo depois comigo no colo e minha irmã pela mão num trem lotado da Noroeste Paulista. Durante a viagem tive uma disenteria muito forte e minha mãe vinha colocando garrafa de água gelada na minha barriga. Já eram mais ou me-nos fins de1943 e começo de 1944. Após algum tempo meu pai fez o curso de Prático em Farmácia e obteve licença definitiva para trabalhar como farmacêutico.

Aqui em Guarulhos nasceram meus três irmãos: Mário Luiz que se formou em Medicina e faleceu em 1987 com 42 anos, Si-dney formada em Biblioteconomia e trabalha nas bibliotecas da

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Prefeitura de Guarulhos. O caçula é Wellington hoje engenheiro aposentado.

A farmácia ficou estabelecida na Dom Pedro de 1944 até 1960 mais ou menos quando se mudou para a rua Felício Marcondes na altura onde é hoje o calçadão. Meus pais eram queridos por todos aqueles que os conheceram. Até hoje lembranças desper-tam saudades. Principalmente de meu pai que sempre foi muito brincalhão. A nossa farmácia era ponto de encontro. Todos os dias após o comércio fechar ela era invadida pelos amigos que colocavam a prosa em dia. Contavam piadas e faziam fofocas etc. Me lembro de alguns: Alvaro Santoni, Primo Poli, Mario D’Elia, Adolfo Noronha. Naquela época eu era criança e não tomava parte de conversa dos adultos. Nem entendia bem o que estava acontecendo e porque riam tanto. Nas noites de sá-bado um grupo de violeiros liderados por Álvaro Mesquita fa-zia serenatas nas janelas. Essa era Guarulhos dos anos 50 onde todos eram amigos e se socorriam quando precisassem.

Fui feliz correndo pelas ruas de terra. Brincando nas enxurra-das barrentas. Subindo pelos muros de taipa e barro tão antigos quanto à fundação da cidade. Me lembro que estes muros pos-suíam quase um metro de espessura. Morava na casa acoplada à farmácia onde meu pai atendia a população. No fundo do quin-tal havia um laboratório de desodorante chamado SUDOLIX. Era um líquido vermelho perfumado. Este laboratório pertencia ao sr. Floriano Parreira ex-dono da farmácia e que também era farmacêutico. Não sei dizer se ele inventara este produto. Foi meu primeiro contato com desodorante. Aliás nem sabia para que servia.

Neste laboratório trabalhavam várias jovens da família Parente

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do jornalista Miguel Parente que fundou o primeiro jornal de Guarulhos. Elas me carregavam pra cima e pra baixo e me faziam todos os mimos possíveis. Daí talvez o motivo de eu ter sido uma criança bem chorona. O laboratório passou a funcionar logo de-pois num barracão onde hoje é o Hospital Carlos Chagas.

Fui crescendo e tomando conhecimento destas pessoas ao meu redor de quem tenho lembranças e saudades. Tudo passa pela minha cabeça como se fosse um filme e se transforma em uma saudade que chega a doer.

Detestava estudar. Só queria brincar. Porém meus pais nos fa-ziam crer que só estudando venceríamos e seríamos respeita-dos. Assim acabei indo à escola sem maiores problemas. Co-mecei aos 6 anos de idade no ano de 1949 no Grupo Escolar Capistrano de Abreu que até hoje funciona na Praça Getúlio Vargas. Frequentei o antigo jardim da infância. Minha primeira professora se chamava Dulce.

Adorava carnaval e ia às matinês do Clube Recreativo que na época era na mesma Rua Dom Pedro onde eu morava esquina com a Rua 15 de Novembro. Hoje em seu lugar tem um belo prédio da loja Ponto Frio. Me lembro dos cordões carnavales-cos que saíam pela rua e das pessoas fantasiadas. Confetes e serpentinas. Sem bagunça ou maldade. Minha adolescência se deu nos anos dourados: 50 e 60. Os melhores vividos por mim.

Entrei no ginásio no ano de 1954 quando ainda tinha que se fazer um curso preparatório e exame de admissão. Quando se conseguia entrar era difícil sair. Estudávamos muito. Nas salas de aula tínhamos nossos grupos ou turminhas. Fazia parte da minha turma: eu, Izabel Ortega, Daisy Camargo, Maria Dirce

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Poli, Vera Lúcia Fraga, Ana Emilia Soave, Dorinha Franco irmã da Nehy Martini, Regina Fornazaro, Wilma Cavadas, Heitor Mauricio o Heitorzinho, André D’Elia e outros cujos nomes não me lembro. Não éramos uns anjos. Mas sabíamos respeitar os professores. Eu aprontava muito. Vivia na diretoria conversan-do com o diretor. Professor Homero Rubens de Sá.

Certa vez numa aula de Economia Doméstica e eu já estava na 4ª série hoje 8ª quando a professora ditava uma receita de tor-ta. Meia xícara de farinha. Uma xícara de... Um maço de chei-ro verde. No que então perguntei interrompendo o ditado: Ué professora e cheiro tem cor? Foi só risada e daí. Já pra diretoria! Meu destino foi um dia de suspensão. Porém eu juro que a per-gunta não foi gozação! Ela não entendeu.

Certa vez numa prova de Geografia o professor Milton Ziller nos deixou sozinhos. Claro todos os alunos começaram a colar! De repente ele entra na sala e nos pega colando. Foi uma bronca danada mas por incrível que pareça não anulou a prova. Fica-mos todos morrendo de medo porque ele era muito bravo.

Outra vez em uma aula de Matemática mastiguei um pedaço de papel fazendo uma bolinha. Coloquei na ponta de uma régua que acomodei num buraco da carteira em posição de alavanca. E zapt! Lá foi a bolinha em direção à cabeça do professor que escrevia no quadro negro. Quem fez isto? E a régua delatora ba-lançava na minha carteira. Errara a direção. A bolinha era para cair na cabeça de uma amiga. Não deu outra: conversar com o diretor. Também eu achava bom ir para lá. Ele dialogava com a gente. Dava balas e conselhos. Um ótimo diretor! Calmo e sem-pre disposto ao diálogo.

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Tenho saudades dessa época de ginásio. Nas provas mensais ou finais nos reuníamos em casa de alguma colega para estu-darmos. Meu pai nos chamava de a patota. Aos sábados nos reuníamos em minha casa na Dom Pedro e ficávamos na porta da farmácia flertando com os rapazes do Ponto Chique. Uma espécie de bar e lanchonete que pertencia ao senhor Romeu Si-lingardi e ficava na esquina oposta à farmácia.

Íamos também a bailes de formaturas ou outros em São Paulo nos clubes Homs, Aeroporto, Casa de Portugal etc. Também no Clube Recreativo já instalado na Rua Nilo Peçanha onde está até hoje com muitas ampliações. Sempre acompanhadas de um adulto da família. Até que conhecemos dois espanhóis que se tornaram nossos amigos e um deles se casou com uma da nossa turma. Eles nos levavam aos bailes. Assim fomos crescendo en-tre os finais dos anos 50 e durante os anos 60.

Ainda nessa época início dos anos 60 foi inaugurado o Conser-vatório Musical de Guarulhos que ocupou o prédio da antiga prefeitura na esquina da Rua 7 de Setembro com a Felício Mar-condes. A ideia foi do dr. Adolfo Noronha muito amigo de meu pai. O maestro Armando Colacioppo foi organizador e diretor. Lembro que eu ainda morava na Rua Dom Pedro. Cursava o ginásio e estudava piano. Tínhamos em casa um piano Pleyel que no passado pertencera a uma condessa francesa. Dr. Adolfo ia em casa e tocava peças musicais clássicas e músicas de sua autoria. Pareciam temas de filmes como dizia o maestro Cola-cioppo. O mais interessante é que dr. Adolfo nunca tinha estu-dado música. Tocava e compunha de ouvido. Ele teve um filho que estudou música e se destacou tocando piston: Ronaldo cujo nome artístico era Ronaldo Lark. O conservatório foi criado

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mas não tinha instrumentos musicais. Foram buscar meu piano emprestado que lá ficou e passei a estudar no conservatório. Tempos depois o piano foi devolvido.

No exato 1960 começamos a pensar em nossa formatura. For-mamos uma comissão da qual eu fazia parte junto com outros colegas. Tínhamos que ganhar dinheiro para a nossa festa: co-lação, coquetel, baile etc. Fizemos um projeto para conseguir recursos: mensalidades, vender salgados, Livro de Ouro etc. Cada dia alunas traziam um prato de doce ou salgado e vendía-mos na hora do intervalo. Eu levava sempre bolinhos de baca-lhau que acabavam na mesma hora ali mesmo na sala. Hoje não sei mais fazer os tais bolinhos.

Passávamos pelos lojistas e pelos poucos donos de indústrias um Livro de Ouro. Eles assinavam e contribuíam com algum dinheiro. Fazíamos também bailinhos e cobrávamos entrada. Era divertido e rendia. Assim foi. Conseguimos juntar recursos e fizemos uma bela formatura. A colação de grau e o baile fo-ram no Clube Guarulhão. A orquestra que abrilhantou foi a de Sylvio Mazzucca.

Terminamos o ginásio. Hora de escolhermos nossos caminhos. Em Guarulhos ainda não tinha continuidade de ensino. Tive-mos que ir estudar em São Paulo. Minhas amigas optaram pelo curso de professora primária. O antigo normal. Eu escolhi o clássico no Colégio Oswaldo Cruz. Na Rua Santa Isabel perto da Praça da República em São Paulo. Saía de casa de madruga-da e tomava o ônibus até a Praça da Sé. De lá andava até a Rua Santa Isabel. Ufa! Que canseira! Mas quando se é jovem nada cansa.

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No 2º clássico em 1962 passei a estudar no estadual da Penha. Muito puxado e me transferi para o Colégio Estadual Ascendi-no Reis. Mais caminhada. Descia do ônibus na Celso Garcia e subia toda a Rua Tuiuti: dois quilômetros. Se hoje fosse... Nem pensar!

Lá fui muito feliz. Fiz muitos amigos. Alguns até hoje. Tempos tranquilos sem muitas novidades. Sem fatos que me chamem atenção. Continuava com a minha vidinha em Guarulhos junto às antigas amigas: bailes, festinhas, cinemas etc. Já havia muda-do de residência. Passei a morar num sobrado construído por meu pai na Rua Gabriel Machado nº 40 em frente ao Grupo Escolar Capistrano de Abreu. Hoje virou casa comercial. Lá mi-nha turma se encontrava constantemente. Muitos namoros ali começaram. Alguns deram em casamento inclusive o da minha amiga Maria Dirce com Veronezi. Sílvia com Antônio Augusto.

Também tivemos nossas lutas de jovens. Sem destruição e anar-quia ou quebra-quebra. Sem cobrir o rosto lutávamos por coisas justas como no dia em que saímos às ruas para termos o prédio da Biblioteca Monteiro Lobato de volta. Vou contar o que acon-teceu. A biblioteca funcionava numa pequena sala de um pré-dio junto à prefeitura então instalada na Rua 7 de Setembro. Foi construído um prédio atrás do antigo Cemitério São João Batis-ta cuja parte de baixo na Rua João Gonçalves fora desapropria-da onde seria acomodada a biblioteca. Só que quando terminou a construção pasmem: para lá se mudou a prefeitura! Pra quê!

Nossa turma comandada por um amigo convocou os estudan-tes de Guarulhos e também a população da cidade. Fizemos passeata com faixas e exigimos dos responsáveis a mudança da prefeitura que desocupassem o prédio e que ali se instalasse a

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nossa biblioteca! Depois de muita conversa conseguimos! Fize-mos uma festa e chamamos Ruth a filha do escritor Monteiro Lobato para cortar a fita inaugural. Logo após e o ano era 1961 inauguramos também o teatro anexo com a peça: Nó de 4 pernas de Nazareno Tourino em que alguns ensaios eram feitos na mi-nha casa ou em nosso sitio e aproveitávamos para fazermos um churrasquinho.

Nesta época por falta de professores sendo aluna eu já começara a lecionar. Lecionei História no curso de admissão ao ginásio no antigo Colégio Monteiro Lobato. Na verdade nem era isso que queria. Mas para o momento era tudo que eu tinha para ganhar meu dinheirinho. Eu completara pouco mais de dezessete anos e queria ter meu dinheiro sem ter que depender de meus pais.

Terminei o clássico. Era hora de pensar numa profissão. Fui fa-zer o cursinho para a Faculdade de Direito na PUC. Não conse-gui passar. Então prestei vestibular nas Faculdades de Letras de Mogi das Cruzes que estavam sendo inauguradas. No dia em que fui me matricular. Adivinhem que dia era este? 31 de março de 1964. Golpe militar! Só que eu não sabia. Estava na estação esperando o trem para voltar. Ouvi burburinhos. Estação cheia de policiais. O trem que não chegava. Até que conseguimos re-tornar para casa e só no dia seguinte soube o que estava acon-tecendo. Confesso que estava meio alheia e nem sabia direito a gravidade dos fatos.

Naquele primeiro ano frequentei a faculdade em Mogi. No ano seguinte fiz vestibular para o curso de Letras na USP. Nem era bem o que eu queria. Porém parece que meu destino era mesmo ser professora. Eu não fui à procura de aulas. Elas é que vieram até mim. Explico: Meu irmão estudava no Colégio Claretiano

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de Guarulhos. Fui até lá pagar a mensalidade. Cheguei à sala dos professores e conversava com o pessoal quando apareceu o diretor: padre João. Ele me perguntou várias coisas sobre o curso que eu fazia. Respondi que cursava o primeiro ano de Le-tras Anglo-germânicas na USP. Ele me convidou para lecionar Inglês naquela escola. O ano era 1965.

Em 1969 eu continuava no Claretiano. No intervalo entre as aulas na sala dos professores encontro o professor Milton Car-doso conversando com os colegas. Depois de algum papo me perguntou se eu queria dar aulas de Português no 2º Ginásio Estadual de Guarulhos – Vila Augusta onde ele era diretor. Co-mecei minha vida no Magistério Público Estadual.

Foi uma época inesquecível! Uma vez no Colégio Claretiano no meio da aula eis que um aluno vê um rato e grita: Um rato pro-fessora! Dei um pulo e subi em cima da mesa. Gritei por socorro e não desci de lá até que o irmão Sampaio que era inspetor de alunos veio com uma vassoura e espantou o tal rato. Não fiquei sabendo se o rato foi colocado lá ou se realmente apareceu. Nos dias de hoje encontro muitos destes alunos formados advoga-dos, engenheiros, médicos, professores etc.

Na faculdade no primeiro ano consegui passar somente em uma matéria. Depois fui dependurando as matérias o quanto podia. Precisava dar aulas. Na época Letras da USP ficava na Rua Maria Antônia no bairro da Consolação em frente às Facul-dades Mackenzie. Estávamos na ditadura. Os militares quase sempre cercavam a rua e quem mais sofria com isso era o curso de Sociologia e Política que também funcionava ali. Lá havia professores como Fernando Henrique, dona Ruth, Florestan Fernandes etc. No meu curso lecionavam Antônio Soares Amo-ra, Antônio Cândido, Sérgio Buarque de Holanda. Eles eram

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vigiados. Muitas vezes sumiam alunos e desapareciam profes-sores. Depois ficávamos sabendo que tinham fugido ou sido exilados.

Naquele prédio da Rua Maria Antônia vivemos momentos his-tóricos. José Dirceu, Luís Travassos e outros lideres estudantis iam até lá discursar a respeito de mudanças utópicas para o país e pregar que a ditadura militar viesse abaixo. Sempre saíamos correndo dessas reuniões que se davam no porão. A polícia es-tava chegando. Até que um dia encontrei um reboliço só por lá. Alunos do Mackenzie e da USP se atracaram. A polícia no meio. Um horror! Um quebra-quebra danado! Os alunos dessas esco-las não podiam se encontrar. Era uma rivalidade tamanha que um não passava na calçada do outro. O Mackenzie defendia a ditadura e a USP pregava contra. Resultado: nosso prédio ficou em pedaços sem possibilidade de se ter aulas naquele espaço. Na verdade diziam que a briga não havia sido entre os dois lados. Uma desculpa inventada para disfarçar a batida policial. Nem sei bem o que aconteceu. Fiquei tão apavorada que fugi dali. Isto aconteceu em 1968. Ano em que houve grandes pas-seatas de estudantes na Avenida São João e adjacências... E o congresso da UNE em Ibiúna com muitas prisões.

Ficamos sem aulas até novembro quando nos transferiram para a Cidade Universitária no prédio de Historia e Geografia onde não fomos bem recebidos. No ano seguinte o nosso curso de Letras passou a ter aulas em uns barracões feitos às pressas pro-visoriamente que duraram até depois de eu me formar em 1970. Ali me formei em Língua e Literaturas Brasileira e Portuguesa e Língua e Literatura Inglesas.

Aconteceram outros momentos históricos ainda na Rua Maria

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Antônia. Íamos até um barzinho bem próximo ouvir o filho do professor Sergio Buarque tocar e cantar. Sabem que era? Chico Buarque de Holanda. Quanta gente boa! O Teatro Record onde aconteciam os festivais também ficava perto na Rua da Conso-lação. Deixávamos de assistir às aulas e íamos ao Teatro Record ser plateia dos festivais da música popular brasileira. Fui pelo menos a três apresentações em 1967 quando a música Ponteio foi vencedora. Autoria de Edu Lobo e Capinam. Vi a consagra-da melhor intérprete Elis Regina apresentar O Cantador. E o destemperamento de Sérgio Ricardo ao atirar no público o vio-lão partido em dois pedaços.

Minha vida profissional concomitante continuava. Lecionava nas duas escolas: do estado Vila Augusta e particular Colégio Claretiano. Mais tarde lecionei em duas ou três escolas juntas. Na época o professor que não era concursado dava aulas onde sobravam. Era uma peregrinação durante todo o dia.

Em final de 1969 deixei as escolas e fui estudar Inglês nos Es-tados Unidos. Fiquei lá durante 3 meses. Quando voltei as au-las estavam à minha espera. Não tinha professores suficientes para as escolas públicas. Em 1972 já formada deixei de lecionar novamente. Fui morar e estudar na Itália junto com mais duas amigas: Maria de Lourdes Cotrim e Izabel Cunha que tinham se formado em Direito na Faculdade do Largo de São Francisco.

Chegamos a Roma num frio de matar. Tive vontade de voltar na mesma hora! As amigas me seguraram. Depois gostei muito: Roma cidade maravilhosa! Comecei meus estudos na Universi-dade de Roma: Filologia Romana. Só que na verdade só assisti a uma aula porque minhas amigas foram fazer um curso de es-pecialização em criminalística e eu me sentia sozinha. Passei a

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assistir às aulas com elas e me apaixonei pela matéria. Não saí mais de lá.

Ficamos um ano na Itália. Arrumamos amigos com os quais até hoje nos comunicamos. Um grupo deles veio para o Brasil co-mandado pelo professor Santoro hoje falecido que era titular na Universidade de Catania na Sicília. Durante os meses de férias fui para Londres e fiz um curso de Inglês. Depois voltei para o Brasil. Não quis mais voltar para a Europa. Continuei dando minhas aulas aqui. Hoje me arrependo de não ter dado conti-nuidade aos estudos. A distância da família e dos amigos dói muito e não aguentei.

Chegando ao Brasil fui direto fazer minha matrícula na Fa-culdade de Direito de Guarulhos. Terminei o curso. Advoguei como estagiária por algum tempo e depois optei pelo magisté-rio mesmo. Me casei e não dava para fazer as duas coisas juntas. Precisava ganhar dinheiro e a advocacia como estagiária não me pagava nada. Continuei minha peregrinação pelas escolas. Vinha da EE Rita Júlia de Oliveira da Vila Matilde no meio da manhã para a EE Francisco Antunes no Parque Cecap. Consegui dar aulas numa escola só um ano antes de meu ingresso. Foi na EE Francisca Ferreira Novak situada no Jardim Santa Bárbara.

Em 1980 prestei concurso e ingressei na EE Vereador Antonio de Ré em que fiquei até a aposentadoria no ano de 1997. Após trinta e sete anos dedicados ao magistério andando de escola em escola. Tive alunos e colegas que muitas alegrias me deram.

Confesso que era um pouco rígida com as notas bimestrais. O que me levou muitas vezes à Delegacia de Ensino por repro-var algum aluno que não sabia escrever. Como lecionava Por-tuguês: língua e literatura eu exigia que o aluno pelo menos

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escrevesse bem. Isto nem sempre acontecia. O aluno vinha sem saber coordenar ideias ou mesmo escrever corretamente. Não era possível aprovar um aluno semianalfabeto. Só que as mães nem queriam saber disso. Corriam para a DE e reclamavam que eu tinha sido injusta. Como sempre guardava as provas e atas de reuniões bimestrais demonstrava que estas mães nem às reuniões compareciam.

Não me arrependo de ter sido exigente. Já encontrei vários alu-nos que vieram me agradecer por terem passado num concurso ou numa entrevista de emprego principalmente pelo desenvol-vimento de uma boa redação.

Hoje está tudo diferente. Minha vida é tranquila mas vejo fatos desagradáveis acontecendo. Fico muito triste. Violência nas es-colas. Professores tratados como inimigos. Agredidos física e moralmente. Fiquei sabendo até de assassinatos de educadores em pleno exercício da profissão!

Guarulhos, 22 de março de 2014.

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Professora

Vani Lucasde Oliveira

Marques

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Nasci em Guará. Às 7 horas da manhã do dia 02 de janeiro de 1934. Sou a primeira filha do jovem casal de primos Cândida e Jacinto. Ela com 20 anos e ele com 25 anos. Eles ao longo da vida tiveram oito filhos em dois momentos diferentes. No primeiro momento nasceram quatro. E no segundo momento mais quatro.

Ainda de colo me mudei com minha família para Ituverava. Cidade vizinha. Esta é uma região que fica no nordeste do Estado de São Paulo pertencente à mesorregião de Ribeirão Preto. Minas está logo ali e dele nos separa o Rio Grande. Lembranças fortes que tenho é da Mogiana. Estrada de Ferro Mogiana. Os apitos dos trens e a Maria Fumaça tocada a lenha.

Residi em Ituverava até os 5 anos. Ali fiz o jardim da infância correspondente ao que é hoje ensino infantil no Hotel Signorini. Era particular. Morávamos na rua principal e de comércio que dava na estação. Tínhamos uma sorveteria. Nesta cidade minha mãe teve mais 3 filhos: duas meninas e um menino. Os do primeiro momento: eu já nascida, José, Maria Augusta e Vanderli. E entre a capital e Guarulhos nasceram mais quatro da segunda fase: Jurandir falecido aos 15 dias, Carlos, Marco Antônio falecido aos 13 anos e Francisco César.

Meus pais como já parentes eram da mesma região conhecida também como da Linha Mogiana. Ele nasceu em Sete Lagoas fazenda do vovô Chico Elói que ficava entre Igarapava e Ituverava. E ela advinda da fazenda Córrego Fundo perto de Guará do vovô Zé Cândido. Cidades de referência: Franca, Guará, Igarapava, Ituverava etc.

Até 1940 meus pais ficaram no comércio com a elegante sorveteria em Ituverava. Minha mãe conhecida como dona Cândida era

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total gestora. Cozinhava, fazia sorvete, doces e salgados. E criava os filhos. Meu pai jovem e bonitão Sr. Jacinto era figura masculina primordial e como bom interiorano costumava jogar cartas no clube.

A árvore genealógica é um verdadeiro triângulo amoroso com características bem definidas. Lado materno: Cândida cujos pais José Cândido e Maria Hipólita ambos em segunda união trouxeram filhos da primeira. Ele com os Lucas. Ela com 7 filhos: os Marques. Analiso a herança: traços de temperamento. Personalidade severa e determinada por este lado.

Quanto ao lado paterno: vovô Francisco Elói de Oliveira e vovó Maria Joana de Jesus que era linda mulher e submissa correspondia ao lado afetivo e pouco empenhado. Materialmente não foram vencedores. Para ser exata nenhum dos lados saiu vencedor. Digo da parte financeira.

O lado pitoresco dessa família vai acontecer comigo. Minha avó materna que teve dois casamentos no segundo teve minha mãe. Trouxe do primeiro Etelvino Antonio Marques. Pai de Wilson Marques com quem me casei. Foi um reforço do lado parental de minha mãe. De meu matrimônio nasceram três filhos: Ana Maria, Wilson e Francisco César. Vivemos felizes por trinta e três anos quando em 1992 fiquei viúva. Grande perda! Tenho 6 netos: Gabriel, Rapha, Carol, Camila, Clarice e Anita. Aqui não cabe a fábula da coruja. São lindos mesmo. Encantos de minha vida.

Como memórias é um vai e vem. Voltemos à infância. Fiz jardim da infância no Hotel Signorini em Ituverava que ficava na mesma calçada da sorveteria de minha família. Tive como

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professora dona Yolanda com quem encontrei anos mais tarde. Não foi bem com a professora mas com sua família. Estive com o filho e os netos dela quando fui diretora da EE Prof. Frederico de Barros Brotero. Moravam aqui na Vila Progresso. Recordações! E recordações dos meus pais e da sorveteria. Gostava de ver os carrinhos de sorvete que vendiam picolés nas ruas. A sala reservada de mesas e cadeiras com capas brancas onde pessoas bebiam e tomavam deliciosos sorvetes feitos por minha mãe.

Jamais esquecerei do Hotel Signorini e do jardim da infância. Cadeirinha de palha e um pavão que circulava pelo jardim. Minha lancheira de lata de bolacha com uma alça.

Em 1940 mudamos pela segunda vez e para mais longe. Araçatuba. Não frequentei escola. Meus pais repetiram a experiência comercial. Compraram a Pensão Santa Efigênia. Um pequeno hotel. Depois compraram uma padaria grande. A maestrina Cândida minha mãe no comando dos empregados. Duas coisas me marcaram nessa época: a carroça fechada de alumínio de papai tocada por cavalos e o carro preto dele modelo 1939. De carroça pelos paralelepípedos eu ia com meu pai entregar leite e pão para clientes especiais. Eu de pijama segurava as rédeas dos cavalos. Papai descia e gritava: Padeiro! Colocava leite engarrafado e pão no lugar determinado. Eram manhãs frias e sinto este tempo tão próximo nas manhãs geladas de Guarulhos!

Em 1941 fomos para Bálsamo. Próximo a Mirassol. Lá voltei para escola. Fiz o curso preparatório e o primeiro semestre do 1º ano primário. O restante cursei em Ituverava para onde retornei aos cuidados de minha avó materna. Eu e ela caminhávamos longamente até chegarmos ao grupo escolar em que com uma

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moeda se comprava um delicioso puxa-puxa na porta. Fiquei até o final do ano letivo e já lia bem. Contudo não saí do 1º ano.

Com pouca experiência profissional meu pai e um cunhado iniciaram aprendizado em terraplenagem. Nesse período aprendi que o mundo não era só minha família... Foi alugada uma enorme casa à beira da estrada onde papai trabalhava. Conheci o que era cisterna e dela tirava água. Descobri que havia outros lugares na face da terra e ouvia falar em guerra. Para colaborar com a receita e diminuir o aluguel se sublocou um quarto grande de nossa casa para um casal de alemães. Nunca me esqueço deles: a linguagem engraçada e a montagem do guarda-roupa como barracas de campismo com ferro e lonas. O homem também trabalhava na firma de terraplenagem.

Terraplenagem foi trabalho passageiro. A família voltou às origens. Meu pai se tornou administrador de uma fazenda. Novamente não fui à escola. Quem se tornou meu professor foi papai que me ensinou as quatro operações e a escrever com caneta tinteiro à luz de lamparina. Mamãe na lida total. Além das guloseimas fazia queijo, requeijão e manteiga. Tive meu primeiro contato com a zona rural: lavouras e animais.

Em 1942 fomos para Barretos onde meu pai para nosso sustento se tornou guarda-noturno com farda e cassetete. Eu tinha um misto de medo e pena. Voltei para escola pública e terminei o 1º ano. Lia bem e escrevia. Vivenciei a troca da moeda de mil-réis para cruzeiros. Lidei pela primeira vez com a perda de alguém querido. Perdi meu avô. Pai de mamãe. É marcante para uma criança de 8 anos.

Entre final de 42 e início de 43 saímos do Estado de São Paulo e residimos em Volta Redonda. Estado do Rio de Janeiro. Fomos a convite de tio Ernesto que era gerente de uma grande empresa de terraplenagem que urbanizava a cidade e construía a Companhia

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Siderúrgica Nacional. A maior da América Latina. Volta Redonda ficava às margens do canteiro de obras. Nesta época moramos vizinhos de tia Dita. Irmã de mamãe. Ela tinha dois filhos e muito conforto. Ganhei dela uma boneca usada e vibrei quando minha mãe a mandou para conserto. Conheci também o egoísmo, o orgulho e a inveja. Uma aprendizagem desse lado difícil da vida.

Para ampliar o leque de minha escolaridade tão irregular fui estudar numa escola estadual novíssima. Ali descobri aos 9 anos minha vocação para professora. Lá havia aulas de Ciências, Geografia etc. em dinâmica de grupo. As carteiras se dispunham em círculo. Mais tarde entendi que era o advento da Escola Nova no Brasil. Fiz a primeira comunhão numa capela simplesinha que ficava em um morro e foi para mim muito especial. Desde o meu batismo eu era interessada na religião católica. Por falta de mais pano meu vestido ficou longuete e meu sapato foi tênis que na época não tinha esta conotação de moda atual.

Houve outra intervenção profissional na vida de minha família. Meu pai veio para São Paulo a convite de um amigo para trabalhar na abertura da Rodovia Presidente Dutra. Mudamos para o bairro de Ermelino Matarazzo. Estudei em São Miguel Paulista e me iniciei aos 9 anos nos transportes coletivos. Tomava trem da CPTM e concluí o 2º ano primário. Foi nesta época que batizei no leito de morte o bebê Jurandir que minha mãe perdeu aos quinze dias de vida. Cumpri os preceitos de minha religiosidade católica.

Chegamos a Guarulhos em 1944. A cidade era pequena e o país estava em plena 2ª Grande Guerra. Sofremos racionamento de alimentos tais como: açúcar, carne, farinha de trigo etc. Eu com 10 anos fui estudar no Grupo Escolar Capistrano de Abreu

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onde recebi o diploma em 1945. A querida professora Ivete Poli sempre esteve presente em minha vida. Meu paradigma. No final ela estava grávida de sua filha Maria Dirce. Cheguei a almoçar em sua casa. Misto de constrangimento e orgulho. Anos mais tarde fui professora de Maria Dirce no ginásio.

Neste mesmo ano de 45 com o término da 2ª Guerra Mundial houve uma festa escolar com distribuição gratuita de coca-cola. Um caminhão enorme de coca-cola. Abriam garrafinhas e tomávamos. Tomávamos aquela bebida quente. Foi o advento do refrigerante em minha vida. Tempos do pós-guerra!

Eu já começava a sonhar com o futuro. Expectativa e empenho de mamãe. Aos 11 anos já apreciava a estrutura escolar: diretoria, corpo docente, recreio, festas do calendário, as serviçais, a merenda ou sopa. Tínhamos até dentista que tratava os dentes com motor a pedal. Num piano no saguão ensaiávamos o canto orfeônico. Músicas da época: Deus Salve a América, Na Serra da Mantiqueira, modinhas de festa junina etc. Este modelo plasmou minha vocação e o sonho de minha mãe. Serei professora. Foi o que disse a mim mesma.

Nesta época morávamos encostado ao Capistrano na Rua Ga-briel Machado. O poço da casa era contaminado e recebíamos água da escola através de uma mangueira pelo muro às escon-didas. Gentileza das serventes. O fogão era abastecido a carvão.

Em 1946 frequentei o curso de admissão ao ginásio que era regulamentado na época. Prestei provas no Colégio Padre Anchieta que ficava no Brás. O segundo melhor de São Paulo que o primeiro era o Caetano de Campos. Eu vislumbrava o curso normal já bastante famoso. Contudo não fui classificada. A demanda era muito grande e as vagas poucas. Depois para

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frequentar teria que tomar ônibus até a Penha e de lá ir de bonde. Já era a Empresa de Ônibus Guarulhos de Fioravante Iervolino que mais tarde foi comprada por Paschoal Thomeu. Ônibus amarelos redondos com o motor comprido na frente. Parecia jardineira.

Na igreja matriz de Guarulhos de Nossa Senhora da Conceição eu frequentava a Cruzada Eucarística. Congregação de meninas e meninos. Fui a primeira presidente e me envaidecia do uniforme: todo branco e fita amarela. Na cabeça uma boina branca. Não tendo por aqui ensino público ou gratuito a nível secundário as irmãs de São Vicente de Paula do Lar Santo Antônio que hoje é o Virgo Potens me ofereceram uma bolsa para estudar em colégio interno por 4 anos. Fui para o Colégio Imaculada Conceição em Jacarezinho. Estado do Paraná. Tive uma vivência diferente e proveitosa.

Em Jacarezinho convivia com as filhas de fazendeiros e era bolsista. As próprias freiras faziam a diferença. Eu queria estudar piano rememorando aquele que vira na entrada principal do Capistrano. Seria uma professora completa. Tocaria piano e cantaria com meus alunos. A freira preceptora de minha turma disse: Não! Você vai aprender datilografia! Hoje reflito: destino de menina pobre. Aprendi datilografia e me aprofundei nos estudos das outras matérias. Aproveitei o que pude.

Aos 16 anos voltei para Guarulhos. Residi na Rua Gabriel Machado nº 20. Estávamos de mudança novamente devido à proposta de trabalho para meu pai. Fomos para Taquaritinga. Cursei no Colégio Estadual 9 de Julho em 51 e 52 o pré-normal e o 1º ano. Meus irmãos menores cursavam o ginásio. De novo minha família nômade se mudou e retornou para Barretos onde em 53

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terminei o normal. Em seguida minha família retornou a Guarulhos. Quantas voltas! Fomos morar na casa 08 da Vila Almeida. Uma travessa sem saída da Rua Nilo Peçanha. Praticamente no centro de Guarulhos. Ali residimos por dezoito anos.

Aos 20 anos iniciei minha carreira de professora em dupla jornada: de manhã no Colégio Virgo Potens e à tarde substituta no Grupo Escolar Capistrano de Abreu. Aprendi a ensinar. Prestei vestibular na PUC em 55 para Pedagogia e ganhei uma bolsa de estudos da Prefeitura de São Paulo porque minha redação foi considerada a melhor. Cursei o 1º ano e em seguida me transferi para USP. Cursei o 2º ano na Rua Maria Antônia. No ano seguinte o curso foi para a Cidade Universitária e pela distância desisti. Tive que alçar voo em apoio à minha família.

Aos 46 anos papai teve AVC e mamãe já havia tido os dois últimos meninos: Marco Antônio falecido aos 13 anos e Francisco César. Era o ano de 1956. Ele ficou de cama e sendo cuidado por 4 anos. Senhor Mário Macca farmacêutico reconhecido na cidade e pai de Suely Macca ia em casa todos os dias acompanhar seu estado de saúde. Por fim aos 50 anos em 1960 meu pai faleceu.

A vida da família foi prioridade. Aos 22 anos acumulei aulas de manhã, à tarde e à noite conforme tinha autorização como universitária. Lecionei no antigo Conselheiro que funcionava no Capistrano de Abreu: Matemática, História, Economia Doméstica, Trabalhos Manuais etc. De Trabalhos Manuais para alunas obtive registro no MEC assim como Aurora Cardoso e Milton Cardoso para alunos. Já no prédio atual do Conselheiro por atribuição de aulas lecionei no curso normal ou formação para o magistério. Principalmente no 4º ano com aprofundamento na

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pré-escola. Na mesma especialidade trabalhei no Colégio Nove de Julho onde fui coordenadora e docente. Lecionava Didática e Metodologia. Concluí o curso de Pedagogia nas Faculdades Farias Brito hoje Universidade Guarulhos. UnG. Aproveitei os créditos advindos da PUC e da USP. Na UnG trabalhei nos cursos de 1100 horas. Complementação Pedagógica: Metodologia.

De 56 a 67 trabalhei na Rede Municipal de Ensino de São Paulo nos bairros de Vila Ré, Vila Leopoldina e na Lapa. Os prédios eram galpões de madeira. De 65 a 66 lecionei em classe especial no Grupo Escolar – Ginásio Estadual Dr. Edmundo Carvalho Lopes. Conhecido como Escola Experimental da Lapa. Era classe de deficientes mentais segundo a terminologia da época. A diretora era Therezinha Fram. Neste local foram dados os primeiros passos na junção do grupo escolar com o ginásio que na 5692/71 viraria o primeiro grau. Aprendi com coordenadores de grupos a moderna linguagem do planejamento. O que eram objetivos, conteúdos, programas, avaliações etc. Aprendi na prática. Reuniões aos sábados. Esta equipe quase toda passou a fazer parte da estrutura pedagógica da CENP. Saí enriquecida.

Em 1967 me tornei efetiva no Magistério Público Estadual. Ingressei como professora primária no ensino especial no Grupo Escolar do Jaguaré. Tinha frequentado o curso de Especialização em Saúde Escolar para Crianças Especiais em 1965 na 1ª DE da Capital na Praça da Sé. Como se observa tal como minha família também fui nômade nesta minha profissão. Me deslocando pelos bairros da capital até retornar para Guarulhos. Em 1969 me transferi para o Grupo Escolar Maria Leoni. Hoje EE Maria Leoni no Paraventi. Já com dois filhos em 1970 me removi para o Grupo Escolar da Vila São Jorge. Hoje EE Alice Chouery. Lá permaneci até 1976.

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Acumulei cargo no ensino privado e público novamente de 70 a 77 como docente nos Colégios Claretiano e Nove de Julho. Como professora primária efetiva e com aulas atribuídas na EEPSG Conselheiro Crispiniano hoje EE Conselheiro Crispiniano fiquei comissionada na DRE – 4 – Norte até 1983. Neste meio tempo em 1978 depois de aprovada em concurso para diretor de escola escolhi uma escola estadual em Poá. A seguir me removi para a EEPSG Frederico de Barros Brotero. Hoje simplesmente EE Frederico de Barros Brotero que fica na Vila Progresso. Continuei comissionada na DRE – 4 – Norte como assistente técnica de pré-escola e depois como assistente técnica de planejamento. Orientada pela CENP e pela COGSP realizei cursos, palestras e atividades pedagógicas para supervisores, diretores e professores dos 8 municípios ligados à nossa divisão regional: Arujá, Caieiras, Cajamar, Francisco Morato, Franco da Rocha, Guarulhos, Mairiporã e Santa Isabel. Tive como companheiros os diretores regionais: Neide Aragão e João Luiz Godoy Moreira.

A DRE – 4 – Norte sediada em Guarulhos ocupou três endereços diferentes na cidade. Foi instalada em 1976 na Rua Padre Celestino onde hoje é o SENAC. Depois se mudou para Rua 7 de Setembro em um prédio onde foram ocupados 6 andares e um salão para o DRHU. Departamento de recursos humanos. Posteriormente seu endereço foi para Avenida Tiradentes nº 2 521 em frente à Paróquia NS Aparecida do Cocaia. Em 1995 no governo Mário Covas foi extinta. Hoje funciona no prédio o Conservatório Musical ligado à Secretaria de Cultura do município.

A equipe técnica tinha dois núcleos: administrativo e pedagógico. No administrativo estava centrada toda legislação administrativa e jurídica acompanhada de assessoria jurídica.

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A equipe técnica-pedagógica era responsável pelo direcionamento pedagógico da rede pública estadual. Fiz parte dela com muito orgulho. Primeiro na pré-escola e posteriormente no planejamento. De 78 a 83 me realizei ao trabalhar diretamente com professoras e professores. As orientações vinham diretamente da CENP. Me via enriquecida e capacitada a multiplicar.

Em 1983 assumi a escola em que era diretora na Vila Progresso. Uma escola enorme e recebemos três classes de ensino especial. DM: deficientes mentais. DV: deficientes visuais. DA: deficientes auditivos. As necessidades especiais eram atendidas por professores com formação específica. Este ensino frutificou e multiplicou o número de classes para atendimento tão dignificante no centro da cidade de fácil acesso para todos os bairros. Ao terminar minha gestão deixei mais de dez classes instaladas. Em 1986 me aposentei no ensino público.

Durante minha atuação como professora de Prática de Ensino, Metodologia e Didática sempre enfatizei a pré-escola. Me dediquei a esta faixa etária com paixão. Movida por esta paixão que acompanhada de minha filha Ana Maria montei o Centro Educacional Arca de Noé. Esta aventura durou dez anos: de 1989 a 2000. Me senti coroada no verdadeiro nascedouro da educação e da instrução. Primeiros passos de socialização da criança. Nestes dez anos consegui extravasar criatividade, conhecimento e pesquisa. Período mais feliz de minha carreira. O aluno no centro do aprendizado num diálogo com a cultura cujo mediador é o professor.

Na sacolinha cinza da escola ficava todo material de consumo: tesoura, lápis de todas as cores etc. Na mochila o aluno trazia escova de dente, pasta, sabonete, papel higiênico, copo de

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plástico, uma toalha de mão e um uniforme reserva. As crianças ainda de fraldas traziam fralda e lencinhos úmidos.

Depois acabou. Minha filha foi se dedicar à carreira de advogada e eu me recolhi.

Guarulhos, 07 de abril de 2014.

O céu onde habita Deus-Pai é infinitamente distante e extremamente próximo. É distante o suficiente para não superproteger os seres

humanos e próximo o bastante para que seja ouvido o clamor de cada um deles mesmo que esse clamor seja inaudível mesmo que seja uma lágrima sutil que vai dos becos de uma emoção ou de um sussurro de

dor que emana das áreas mais altas do intelecto.

(Augusto Cury)

Não há tempo consumido

nem tempo a economizar.

O tempo é todo vestido

de amor e tempo de amar.

(Carlos Drummond de Andrade)

Salve Guarulhos quatrocentão

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Professor

Silvio Ribeiro

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Sempre viva, bela e crescente

Que mostras ao mundo progresso e pujança,

Dando guarida e tranquilidade ao vivente...

(Sílvio Ribeiro)

É com muito carinho que recebo e aceito o convite para participar desse trabalho de recordações como professor guarulhense. Principalmente por se tratar de um apanhado e de resgate de momentos históricos do nosso município.

Sou paulistano nascido no antigo bairro do Cambuci em 09 de junho de 1940 e contava apenas 7 anos de idade quando vim residir praticamente como pioneiro no bairro de Gopoúva. Um dos poucos bairros existentes no município de Guarulhos. Eu e minha família em linhas gerais fomos os moradores de nú-mero quatro do então recente loteamento do Jardim Gopoúva que durante muitos anos seguidos fora conhecido como Vila Pascoal. Ali começou verdadeiramente minha história de vida.

Cheguei através do trem da Cantareira ramal de Guarulhos em meados de 1947 debaixo de chuva no meio do barro. Desem-barquei na estação de Gopoúva localizada no centro da atual Praça Antônio Nader cruzada pela linha férrea que deu origem ao anel viário.

Meus pais Antônia Silveira Ribeiro e Jaime Ribeiro se destaca-ram no desenvolvimento deste trecho da cidade. Ele era militar da Força Pública e foi capitão do Corpo de Bombeiros. Ela era do lar e desenvolveu habilidades como parteira. Durante uns quarenta anos ajudou aproximadamente mil parturientes a dar

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à luz nos mais diversos bairros. Em particular de Gopoúva até Ponte Grande. Adquiriu muitos afilhados e faleceu no ano pas-sado aos noventa e cinco anos. Para os mais pobres em casa ela preparava sopa para a mãe e confeccionava fraldas e cueiros para os bebês. Eu como seu filho me encarregava de entregar nas casas necessitadas. Ela conseguia sacos alvejados, retalhos de tecidos, cobertores etc. no comércio da Rua Dom Pedro II principalmente nas Casas Pernambucanas cujo gerente se tor-nou seu amigo.

Quanto à participação política meu pai e minha mãe foram os maiores cabos eleitorais dos candidatos do bairro que com-preendia o eixo Gopoúva/Tranquilidade. Alfredo Nader foi escolhido pela minha família para se candidatar a vereador pelo seu preparo: contador formado. A primeira faixa que era de pano foi confeccionada por mim. Fiz letra por letra através de gabarito de chapa e pintei. O candidato obteve quatrocentos votos e foi o mais votado do município. Era aproximadamente o ano de 1962.

Minha mãe liderava as mulheres. Pertencia à Liga Feminina de Gopoúva cuja existência não está documentada e nunca se re-gulamentou. Esta liga era muito temida pelos dirigentes muni-cipais. As mulheres em torno de aproximadamente umas quin-ze entravam e saíam da prefeitura ou da câmara municipal a qualquer hora de repente.

Vila Galvão um bairro simples era praticamente isolado do cen-tro de Guarulhos. A única ligação existente era através do trem. Não existia o prolongamento da Avenida Emilio Ribas que na época se chamava Estrada do Sanatório e apenas chegava até

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as proximidades do Sanatório Padre Bento. Hoje simplesmen-te Hospital Padre Bento. Avenida Timóteo Penteado também não existia. Era um simples caminho por entre as matas que co-briam grande parte da Vila Galvão, Torres Tibagy e Gopoúva. As mulheres sob liderança de minha mãe invadiram o gabinete do prefeito Fioravante Iervolino e exigiram a ampliação da Es-trada do Sanatório até Vila Galvão. No dia seguinte o tratorista da prefeitura bateu em minha casa e queria saber onde deveria tratorar. Minha mãe não teve dúvidas! Subiu no banco ao seu lado e orientou a primeira passada de trator até a Vila Galvão. Depois também ela conseguiu uma jardineira que percorria este trajeto até o centro de Guarulhos.

Tempos difíceis. Na cidade tudo era deficiente e precário: traba-lho, educação, saúde etc. O pouco comércio existente era condi-cionado ao centro: Rua Dom Pedro II. Indústrias não existiam a contento. A saúde nem se fala. Restrita apenas à antiga Santa Casa de Misericórdia e no máximo a meia dúzia de médicos que atendiam como podiam a toda a população. Escolas completa-mente escassas.

Os bairros de Gopoúva, Tranquilidade, Jardim Vila Galvão, Torres Tibagy e Vila Augusta contavam apenas com o Grupo Escolar de Gopoúva que se localizava na Alameda Tutoia numa antiga casa que nos tempos da 2.ª Grande Guerra fora encam-pada pelo governo federal. Ali ficava um clube da comunidade alemã. Foi nesta escola que tive o privilégio em 1953 de concluir o 4.º ano primário. Em 1955 o grupo escolar foi transferido para o Jardim Tranquilidade na Rua Cabo Antonio Pereira da Silva com o nome de João Álvares de Siqueira Bueno.

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Guarulhos em 1955 dispunha do ginásio estadual instalado no mesmo prédio do Grupo Escolar Capistrano de Abreu além da escolarização das quatro séries do primário. Quem necessitasse prosseguir os estudos tinha que se socorrer na capital. Não con-távamos com quaisquer tipos de cursos considerados de nível médio: científico, clássico, normal e técnicos. Cursos superiores inimagináveis.

Em decorrência da insuficiência de vagas e já tendo concluído o grupo escolar fui estudar na capital. Após ter passado em con-corrido vestibular ingressei na Escola Técnica Industrial Getú-lio Vargas situada na Rua Piratininga bairro do Brás. Em 1960 concluí o curso após cinco anos de estudos com uma retenção no primeiro ano e alcancei o diploma de artífice em Artes Gráfi-cas que correspondia ao curso ginasial.

Nestes tempos de minha adolescência grande satisfação era passear pela Praça Getúlio Vargas a primeira ampla e completa de Guarulhos. Inaugurada em 1954 nos altos da cidade em ter-reno do antigo Paulista FC que fora desapropriado através de um decreto municipal. Medida que desagradou muito o clube e seus aficionados contudo necessária. A cidade não parava de crescer e estava carente de logradouros públicos para acomo-dar e dar um pouco de lazer aos moradores. O que chamava a atenção era a bela fonte luminosa com seu múltiplo chafariz ornado por luzes multicolores que davam brilho em quase toda sua extensão. Por lá andávamos nós jovens e muitos casais de namorados. Época em que Guarulhos dispunha apenas da Rua Dom Pedro II para todos os eventos: comércio, passeios, carna-vais etc. Aos sábados e domingos ali se dava o footing. A praça

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foi mais uma opção.

Aos sábados à tarde íamos dançar no salão do Clube Recreativo que ficava na esquina da Rua Luís Gama com a Dom Pedro II. Moças e rapazes se divertiam ao som de vitrolas que rodavam discos bolachões. Dançavam ritmos da época: bolero, calipso, foxtrote, sambinha teleco-teco e outras delícias até que o dia es-curecesse. Sempre num clima de total respeito. As mais respei-tadas eram as moças normalmente de famílias tradicionais. A administração do clube ficava na atual Praça Conselheiro Cris-piniano no casarão da família D’Andrea mais tarde demolido. Finalmente o clube se instalou em sede própria na Rua Nilo Peçanha onde até hoje se encontra.

Havia outra diversão para os adolescentes. Pesca no Rio dos Cubas cuja largura alcançava mais de três metros. Atualmente ele está totalmente recoberto pela Avenida Paulo Faccini e os baixos do Bosque Maia. Lá pelos idos de 58, 59, 60 se pescavam lambaris, caras e outros peixes menores de água doce. Nos po-ções formados em seu percurso e o mais importante sob forma de uma concha na junção das mãos que tornavam suas águas limpas e cristalinas se nadava tranquilamente Não existia ainda a Avenida Tiradentes. O rio era artéria única que conduzia ao local hoje conhecido como Bairro do Cocaia e para ser trans-posto tinha uma pequena e rudimentar ponte de madeira. Em outras proximidades a população improvisava pinguelas.

Outro local também muito frequentado era o querido Tietê com sua fartura de peixe e água límpida que se podia beber. Nadar e passear de barco completavam a diversão.

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O Córrego dos Cavalos formava um lago na atual confluência da Rua Nilo Peçanha com a Avenida Tiradentes cuja largura corresponde à largura da avenida e sua extensão ia até onde se encontra o Clube YMCA – ACM. Uma bela paisagem se avista-va da estreita ponte de madeira que permitia passar uma carro-ça comum. No centro do lago existia uma ilha ligada à margem direita por uma outra pontezinha onde moradores e proprietá-rios de família tradicional guarulhense faziam piqueniques aos fins de semana. Ali nas águas límpidas viviam muitos peixes e a pesca era proibida pelos donos. Mesmo assim espertalhões pescavam à noite. Do outro lado da ponte o Córrego dos Cava-los seguia lentamente conduzindo as águas do lago como um vertedouro.

Por tradição de família seguindo o exemplo do meu pai após ter passado por vários dias de difíceis exames ingressei na an-tiga Força Pública do Estado de São Paulo atual Polícia Militar. Galguei na corporação todos os postos da hierarquia. Concluí em 1988 meu tempo de serviços prestados ao Estado e me en-contrava ocupando o posto de Major PM. Me aposentei.

No ano de 1963 me casei com Dirce Pompeu Ribeiro na igreja matriz atual catedral de Guarulhos. Tivemos dois filhos: Silvio Eduardo Ribeiro e Wagner Aparecido Ribeiro que nos deram os netos: Vanessa Pamio Ribeiro, Pamela Pamio Ribeiro e Henri-que Pena Ribeiro.

Em 1974 concluí o ensino médio no Liceu de Artes e Ofícios. Em seguida ingressei na Faculdade de Direito de Guarulhos – FIG. Atual Centro Metropolitano Universitário em que me formei no ano de 1978.

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Minha ligação com o processo educacional como professor ocorreu no inicio dos anos 80 quando fui convidado a lecionar contratado como ACT – admitido em caráter temporário – na EE José Scaramelli em Gopoúva. Permaneci por quatro anos se-guidos no período da tarde dando aulas de Geografia e Histó-ria. Paralelamente a partir de 1984 passei a completar no perío-do noturno minha grade de aulas na EE Maria Leoni. Lecionava História da Educação, Psicologia da Educação e Sociologia da Educação no Magistério. Já havia concluído Pedagogia nas Fa-culdades de Filosofia, Ciências e Letras – FIG de Guarulhos. Re-cebi licenciaturas em administração escolar e magistério. Antes de lecionar no Maria Leoni tive uma passagem de 6 meses pela EE Waldomiro Pompêo.

Em 1986 após ter sido aprovado por uma banca examinadora composta da coordenadora e três professores assumi aulas no CEFAM – Centro de Formação e Aperfeiçoamento do Magis-tério – nas mesmas disciplinas lecionadas no Maria Leoni. Lá permaneci até 1991 quando parei de atuar na educação escolar a despeito de sentir grande satisfação em estar com alunos e os auxiliar em busca de melhores condições de vida.

No meu tempo o CEFAM era considerado o melhor formador de professores primários de Guarulhos pelos estágios cuidado-samente supervisionados. Principalmente na permanência dos alunos em tempo integral e nas múltiplas atividades escolares que lhes eram atribuídas.

Tive a satisfação de no decorrer do ano transformar todos meus alunos do magistério em cantantes de coral através de um mé-todo simples por mim criado que dispensa conhecimentos an-

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tecipados de música ou mesmo de uso de quaisquer instrumen-tos musicais. Apenas com a voz de cada aluno e sempre nos minutos finais de encerramento das aulas. Classificava as vozes em 1, 2, 3 e 4. Voz 1: grave. Voz 2: média. Voz 3: aguda. Voz 4: mais aguda soprano e muito rara. Colocava as letras na lousa e contava até três. Cada um cantava com a voz que tinha músicas populares e folclóricas: Peixe Vivo, cantigas de roda etc. Nosso coral cantava em reuniões de professores e em outros eventos da antiga 1ª Delegacia de Ensino. Era uma forma de compen-sar a falta de música na grade curricular o que seria de grande serventia aos futuros professores e professoras em sala de aula.

Também tive a oportunidade de lecionar em escolas particula-res como o Colégio Progresso em sua unidade da Vila Galvão. Por ser técnico em mecânica após ter passado por uma banca examinadora no Departamento Estadual de Ensino Industrial fui professor fundador da Escola Diâmetro de Desenho Mecâ-nico que ocupava sob forma de locação salas do Colégio Kenne-dy. Permaneci lá como professor até 1973.

Ainda em 1989 concluí na Universidade de Franca na época União das Faculdades Francanas o curso de Estudos Sociais e pós-graduação em Geografia. Fiz também outros cursos de pós-graduação e especializações. Em 2008 me especializei em docência do ensino superior na Universidade Castelo Branco do Rio de Janeiro em convênio com o Exército Brasileiro. O que me concede o direito de lecionar em qualquer faculdade ou uni-versidade brasileira.

Em verdade após ter concluído o ensino médio nunca mais parei de estudar. Frequentei boa quantidade de cursos práticos e técni-cos sendo o mais recente uma especialização em Psicopedagogia.

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Como professor de História aproveito a oportunidade para fa-lar um pouco da Estrada de Ferro Cantareira cujo principal ra-mal era o de Guarulhos num prolongamento a partir da estação Guapira. Depois atualizada como Jaçanã em São Paulo. De 1915 até inicio dos anos 50 o trem era praticamente utilizado para o transporte de carga. Materiais de construção como tijolos e te-lhas aqui fartamente produzidos eram transportados para as principais construções da capital. Produtos hortifrutigranjeiros que abasteciam diariamente o Mercado Municipal de São Paulo.

Praticamente a partir de 1950 começaram as composições a con-tar com carros de transporte de passageiros. Nos anos 60 os va-gões de carga deixaram de existir e o trem passou a ser só de passageiros até se extinguir em 1965.

Naqueles tempos em que chegamos como se vê o trem era qua-se o único meio de transporte de Guarulhos para a capital a despeito de existir a Estrada da Conceição. Havia também a via fluvial através do Rio Tietê que era totalmente navegável. A Estrada da Conceição atual Avenida Guarulhos conduzia o guarulhense até o centro de São Paulo após transpor a divisa natural que era do Rio Tietê sobre uma enorme ponte de ma-deira. Desta ponte se originou o nome de Ponte Grande. Outro pioneiro bairro de nossa cidade.

Guarulhos era considerada cidade dormitório em decorrência da falta de empregos no comércio e principalmente na indús-tria. Assim nos horários da manhã e à tardezinha no retorno aos lares os trabalhadores lotavam as composições do trem a despeito da pouca população. A lotação amenizava conforme ele parava nos modestos bairros: Vila Galvão, Torres Tibagy, Gopoúva, Vila Augusta. O terminal ficava na atual Praça Pre-

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feito Paschoal Thomeu. Tinha uma parada na Vila Sorocabana – Parada Sorocabanos – para atender os funcionários da estrada de ferro. Posteriormente o trajeto foi esticado até a Base Aérea.

Em finais dos 50 é que Guarulhos passou a contar com indús-trias de grande porte que se instalaram no município amainan-do a alcunha de cidade dormitório. Moradores se fixaram e con-tingentes de trabalhadores oriundos de diversas regiões do país principalmente do nordeste se estabeleceram aqui. Era o adven-to das rodovias Presidente Dutra e Fernão dias. Por questões políticas em que a implantação da indústria automobilística no Brasil sediada em São Paulo fez parte o trem foi abandonado. Por consequência o trem da Cantareira e o ramal Guarulhos também. Durante exatamente cinquenta anos ele trouxe cresci-mento demográfico para o município. Só ficaram os bairros ci-tados que surgiram em sua trajetória. O trem a despeito de sua simplicidade era folclórico. Alegre e amado pelos usuários. Dei-xou muita saudade. Marcou a história guarulhense. Conto por inteiro em meu livro: Destino... Guarulhos – A História do Trem da Cantareira, 2006, Editora Germape.

Atualmente dedico todo meu tempo pesquisando e escreven-do a história de Guarulhos da qual sou um eterno apaixona-do. Publiquei diversos trabalhos os quais trazem saudosas recordações aos amigos leitores. Dentre eles muitos de meus queridos ex-alunos. Outras principais publicações: Guarulhos – “Uma Explosão” – Uma Breve História, 1995, Editora Maitiry; Só Guarulhos – Poesias, 1998, produção própria; Caderno de Crônicas Guarulhenses, 1998 (coleção de crônicas publicadas durante qua-tro anos no Jornal dos Bairros – Jardim Paraventi); Os Defeitos da Mente – Uma Visão Geral dos Comportamentos, 2006, produção

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própria; Fragmentos do Futebol de Guarulhos – Uma História Inesquecível, 2013, Editora Gregory; A Educação no Tempo e no Espaço – Universal e Brasileira, 2014, Editora Gregory.

Quero finalmente ressaltar que minha passagem pelo magisté-rio somente me trouxe prazer. As centenas de alunos com os quais trabalhei durante meu exercício de professor tanto na parte didática como no aconselhamento pessoal com eles não tive quaisquer desentendimentos. Nos dias atuais os considero verdadeiros amigos. Carinho e respeito.

Guarulhos, 28 de agosto de 2014.

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Professora

Linda Maluli

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Saudade, saudade nostálgica...Alegria e satisfação pelo dever cumprido!

(Linda Maluli)

Me chamo Linda Maluli. Sou professora aposentada e ainda divulgo e difundo a importância dos estudos na formação do indivíduo. Nasci em 17 de agosto de 1940 em Tupã. Interior de São Paulo. Sou filha de libaneses imigrantes que chegaram ao Brasil no início do século passado. Meu pai Mansur Maluli nasceu em Kharfuna/Jessim em 1895 e tinha 12 anos quando chegou à Argentina. Lá passou 5 anos trabalhando na lavoura. Em 1912 já estava no Brasil e com ajuda de alguns primos montou uma vendinha em Cedral no Estado de São Paulo e Estrada de Ferro Araraquarense onde residiu por 3 anos.

Em 1920 meu pai se casou. Dessa primeira união nasceram 4 filhos – meus irmãos: Georgina, João, Julieta e Amaly. Ainda nesta primeira metade do século ele se tornou um dos imigrantes pioneiros na cidade de Marília. Foi autodidata. Pagou um tostão para um senhor lhe escrever o alfabeto e assim aprendeu a ler e escrever. Em 1929 se naturalizou brasileiro. Passou a se chamar oficialmente Manoel.

Foi um homem com ativa participação na vida social e política do país como eleitor e cidadão consciente. Comerciante fez parte da Sociedade Sírio-Libanesa da qual foi um dos fundadores. Foi também um dos fundadores da Associação Comercial de Marília. Em 1937 foi nomeado delegado de polícia suplente.

Dezoito anos antes da mudança para Guarulhos em 1932 meu pai já viúvo e com 4 filhos pequenos se casou novamente com minha mãe: Hannia Scaf. Natural também do Líbano de El

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Kefeir/Hasbaia que havia imigrado para o Brasil em 1918. Desta união nascemos: Fuad, Odete e eu. Em 1938 com 6 filhos minha família se mudou para Tupã e eu a caçula nasceria nesta cidade.

Em 1944 já estávamos em Flórida Paulista. Nomeado pelo então governador Adhemar Pereira de Barros meu pai este espírito desbravador em 1948 se tornou juiz de paz. Já em Guarulhos em 1951 foi correspondente como agente do Diário de São Paulo.

Iniciei a escolaridade na cidade de Flórida Paulista. Frequentei os 1º e 2º anos primários na Escola Estadual de Flórida Paulista. No 1° ano fui reprovada pelo então diretor Carlos Sant’Ana de Oliveira. Nesta época a aprovação ou reprovação cabia ao diretor da escola. Ele alegou que eu não estava alfabetizada. Mesmo diante do choro de minha professora Araci que reafirmou a minha mãe na cozinha de casa que eu realmente me alfabetizara. Este diretor posteriormente veio a se casar com minha irmã e madrinha Georgina também professora na mesma escola.

Em 15 de novembro de 1950 nos mudamos para Guarulhos e meu pai se estabeleceu como comerciante em Gopoúva. Morávamos em uma casa de esquina onde ele manteve por algum tempo um armazém à rua Marcondes Machado atualmente Emilio Ribas nº 1216. A firma foi registrada na Junta Comercial de São Paulo.

Gopoúva. Bairro na época ainda precário não tinha asfalto nem água encanada. Já existia a caixa d’água ali na esquina da Emílio Ribas com a Cônego Valadão. Em casa era água de poço puxada por motor que enguiçava ao entrar ar na peça chamada cebola que necessitava ser resfriada com água. Por fim meu pai nos mandava buscar baldes d’água na caixa em frente. O quintal da

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casa era coletivo para sete famílias e tinha três tanques de lavar roupa. Não havia organização para seu uso. Vagava e a gente corria para não perder a oportunidade.

Aos 10 anos de idade fui estudar no Grupo Escolar de Gopoúva que possuía só até o 3º ano. Ao ser promovida para o 4º ano mudei de escola. Fui para o Grupo Escolar Capistrano de Abreu que hoje é a EE Capistrano de Abreu na Praça Getúlio Vargas. Em seguida fiz o curso de admissão ao ginásio com o professor Celso Piva para continuar os estudos. Ao ser aprovada entrei no Ginásio Estadual de Guarulhos que funcionava à noite no mesmo prédio do Capistrano.

Na época só existia este ginásio e não existia diurno. Na volta descíamos correndo a Rua Capitão Gabriel para tomarmos o último ônibus que passava na Rua Dom Pedro II. Como não havia asfalto se chovesse muito o ônibus não subia a ladeira da Emilio Ribas. Então eu e Dacy dormíamos na casa de sua tia Maria que ficava próxima à escola Capistrano de Abreu. Dacy foi minha amiga e colega de classe durante muitos anos.

Ao concluir a 4ª série ginasial que seria hoje a 8ª Guarulhos não tinha escola que me desse continuidade. Fui cursar o normal no Instituto Feminino de Educação Padre Anchieta no Pari em São Paulo. Era um prédio de 3 andares. Em cada andar tinha uma inspetora de alunas. Eram nossas amigas e nos aconselhavam a andar sempre bonitas: cabelos arrumados, roupa passada, unhas pintadas etc. A qualquer hora poderíamos cruzar com o príncipe encantado.

Neste mesmo ano de 1957 comecei a dar aulas no curso de alfabetização de adultos. Fazia parte do quadro voluntário do

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Grupo Escolar de Gopoúva onde já estudara. O prédio hoje reformado pertence à Prefeitura de Guarulhos. A delegacia de ensino que ficava na Praça da Sé fornecia caderno, lápis e borracha aos alunos. Tive que sair de casa em casa para formar uma turma.

A importância dos estudos foi passada por meu pai. Ele dizia que essa seria sua herança aos filhos. Apesar dos sacrifícios não mediu esforços para obtermos um diploma. Isto fez com que 5 de nós nos tornássemos professores. Por este motivo lembro que quando chegava tarde da escola normal nem entrava em casa ele mesmo ficava à minha espera no portão com o material do curso de adultos. Foram 3 anos nesta lida. Minha mãe ia me esperar na saída acompanhada de um cachorrinho de estimação e voltávamos para casa pelas ruas de terra que tinham iluminação elétrica. Na escola também a luz era elétrica. Nesta época aconteceu um fato marcante: um aluno se apaixonou por mim e suas composições eram declarações de amor.

Ainda neste tempo vivemos um incidente que poderia ter sido trágico. Chovia muito e nossa classe era a última do corredor. Os alunos estavam saindo quando o muro inteiro da escola desabou. Quem deu o alarme foi o fiel escudeiro: o cachorrinho de minha mãe. Mediante o aviso saímos com cuidado e ninguém se feriu. Entretanto eu e os alunos tivemos que passar por cima do muro caído.

Me formei professora em 1959. Só participei da colação de grau e do ato ecumênico realizado em São Paulo. O baile foi no salão do Aeroporto de Congonhas e o custo foi muito alto. Fui apenas como uma convidada sem participar da cerimônia dos formandos.

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Em 1966 meus pais retornaram ao Líbano a passeio sem tempo para voltar. Nesta viagem ele não passou bem de saúde e ficou muito assustado a ponto de voltarem ao Brasil após 3 meses. Ainda no Líbano disse a minha mãe: Se eu morrer quero que seja no Brasil! O reconhecimento de meu pai pelo Brasil terra onde nasceram seus filhos me tocou muito! Me senti ainda mais brasileira... Senti o motivo pelo qual era impulsionada a ser professora e me esforçar para o desenvolvimento humano e intelectual dos alunos.

Lecionei em várias escolas antes de me tornar efetiva. Escola Mista do Jardim Santa Bárbara e era professora-aluna em 1956. Escola Mista do Lar Santo Antônio hoje Colégio Virgo Potens em 1961 e no ano seguinte na Escola Mista Santa Catarina até julho.

Na Escola Mista do Lar Santo Antônio foi uma substituição por um ano e sofri minha primeira decepção. Tive que aprovar um aluno já reprovado por imposição da escola, das freiras e da delegacia de ensino.

Em 13 de julho de 1962 ingressei no Magistério Público do Estado de São Paulo por pontos. Principalmente pelos obtidos na alfabetização de adultos. Minha primeira escola nesta fase efetiva foi o Grupo Escolar Plínio Paulo Braga no Taboão que era considerado zona rural. Hoje ali é bairro bastante desenvolvido e populoso. O antigo grupo escolar é a EE Plínio Paulo Braga.

Na época a Avenida Otávio Braga de Mesquita que conduzia ao Taboão não tinha asfalto. Quando chovia descíamos do ônibus e percorríamos a pé a ladeira de 2 km. O ônibus não podia descer... Eu amava a escola e os alunos. Exerci a profissão plenamente.

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Tive um aluno convulsivo e quando começava a crise eu o levava para fora da classe. Ele ficava deitado no chão e eu lhe segurava as pernas com as minhas. Muitas vezes vinha outra professora que segurava seu rosto para que não se machucasse. O restante da classe continuava as lições normalmente. Naquele tempo era assim: respeito.

O computador e a impressora nessa época era o mimeógrafo e não tínhamos na escola. O mimeógrafo era um aparelho pesado e retangular que possuía 2 rolos de feltro e uma almofada que deveria ser embebida no álcool. A matriz era colocada num dos rolos com o texto ou desenho preso ao contrário. No outro rolo o papel sulfite se encaixava. Entre eles se girava a manivela e o texto ou desenho saía impresso do outro lado no sulfite em preto e branco. Na verdade azul ou roxo dependendo do estêncil usado. Era um trabalhão mas era o máximo de tecnologia existente.

Conversei com o diretor professor José Carlos. Pedi para fazermos o dia da pipoca e assim arrecadaríamos dinheiro para comprar um mimeógrafo. Ele achava que não daria certo. O bairro era muito pobre e as crianças não teriam dinheiro. Depois de muita insistência consegui autorização. Divulguei e fiz propaganda. Falava a toda hora do dia da pipoca. Mesmo aquela região sendo muito carente vendemos pipoca o dia inteiro. No final do dia conseguimos a quantia necessária para a compra desejada. O primeiro mimeógrafo do Plínio Paulo Braga.

Cursei Ciências Físicas e Biológicas na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Professor José Augusto Vieira em Machado – Minas Gerais. Uma época de muita labuta. Dava aulas durante

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a semana e no sábado viajava para Minas. Íamos eu, meu irmão Fuad, minha irmã Julieta, minha sobrinha Sandra e outros amigos professores daqui de Guarulhos em uma perua alugada numa viagem de 5 horas. Ao término da última aula voltávamos para Guarulhos no sábado mesmo. Isso se deu de 1972 a 1974.

Em 1969 me removi para o Grupo Escolar Capistrano de Abreu onde eu havia estudado. Continuei meu trabalho. Ensinei e eduquei. Me lembro de um garoto de 3º ano que nenhuma professora o queria como aluno por ser muito levado. A diretora o colocou em minha classe. Fiz dele meu assistente. Lhe dei responsabilidades e muito carinho. Nunca me deu nenhum problema! Anos depois ao encontrar sua mãe esta me disse: Quero te agradecer pelo que fez por meu filho. Ele mudou e se tornou bom filho. Depois bom marido e bom pai.

Em 1971 fui designada para responder pela direção do 3º Ginásio Estadual de Guarulhos que funcionava à noite no mesmo prédio do Grupo Escolar da Vila Flórida. Hoje EE Valdivino de Castro Pereira. Quando aconteceu a união do grupo escolar com o ginásio por força da Lei 5692/71 passou a se chamar EEPG da Vila Flórida. O diretor efetivo do grupo escolar professor Otis Carvalho assumiu a direção e me tornei sua assistente. Após um ano deixei a função. Retornei às aulas de Ciências que ministrava ali mesmo. Ao mesmo tempo continuava como professora efetiva de 1ª à 4ª série durante o dia no Capistrano.

Fui efetiva de 65 a 73 no SESI. Pedi exoneração para cursar Pedagogia na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de São José dos Campos. Foram 4 anos pegando ônibus todos os dias de madrugada depois de ter dado aulas à noite. No primeiro ano pegava ônibus na Dutra. Às 5 da manhã eu saía a pé da

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Rua Guaratinguetá onde morava. Descia passando pela antiga garagem de ônibus e ia até a Dutra sentido Rio de Janeiro. Nos anos seguintes pegava o Pássaro Marrom na Praça Getúlio Vargas. Quando eu me atrasava o motorista dava uma volta na praça e me esperava em frente ao Capistrano de Abreu. Nesta época residíamos na Rua Jorge Street. Quando eu tinha dinheiro descia em Jacareí e comia um pastel. Se não só tomava um café pingado na esquina da Faculdade.

A semana letiva nas escolas estaduais era de 6 dias com aulas regulares aos sábados. Só tínhamos os domingos para nos organizar e descansar. Deixar a casa em ordem. Estudar e preparar aulas para os alunos.

Em 72 ou 73 uma supervisora professora Neide Aragão organizou uma excursão de estudos para Londres. Era curso de comparação dos estudos entre Brasil e Inglaterra. Formamos um grupo de quase duzentos professores para esta viagem.

Já em Londres visitamos várias escolas para ver como era o ensino. Não existiam cursos noturnos somente diurnos. Enfim não se poderia comparar escola do primeiro mundo com a nossa que era defasada Apesar dos professores serem tratados com todo respeito e consideração por alunos e pais. Éramos autoridades dentro e fora da escola. Foi importante ter comparado os dois ensinos. Contudo não pude incluir em meu currículo. Precisava que o certificado fosse traduzido por tradutor juramentado que além de caro era difícil ser encontrado naquela época.

Por volta de 71 ou 72 no remanejamento da rede física escolar fui para a EEPG de Gopoúva. De volta às raízes. Ao mudar de

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prédio para a Avenida Emílio Ribas a escola passou a se chamar EEPG Annita Saraceni. Depois com nova reforma educacional se chamou simplesmente EE Annita Saraceni. Hoje está extinta e em seu prédio funciona a Diretoria de Ensino Estadual Guarulhos Sul. Nesta escola me aposentei em 1987.

Foi nesta época que me casei e tive 3 filhos: Sílvia, Henrique e Cristina que estudaram em Guarulhos. Foram tempos complicados. Não tinha com quem os deixar. Eu levava os filhos para escola comigo mesmo sabendo que não podia. Algumas mães de alunos se dispuseram a cuidar deles durante as aulas.

Fui professora também da Rede Municipal de São Paulo e pedi demissão assim que fui aprovada em concurso de provas e títulos como professora de Ciências Físicas e Biológicas do Estado de São Paulo em 1980.

Foram vinte e sete anos de trabalho com crianças e adolescentes. Uma troca. Eu ensinava e educava. Aprendia a ser alegre, pura e feliz com os alunos. O tempo passou e acredito ter cumprido meu dever e contribuído para a educação dos jovens de Guarulhos.

Sempre comi merenda com meus alunos e adorava. Ensinava seu valor nutritivo. Aproveitava para dar aulas em todas as áreas. Verduras para falar do verde e do meio ambiente. Frutas para falar de geometria e das formas.

No Taboão ensinava a pregar botão. Remendar roupas. Dava aulas de higiene e ensinava a tomar banho. Cheguei a dar aulas de cuidados corporais aos pais também. Explicava que quando uma criança urinava na roupa tinha que tomar banho e se trocar. Não poderia vir à escola urinada. Lá vinha leite da prefeitura para o

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lanche e ninguém servia por não ter vasilhas. Orientei os alunos a trazerem canecas de casa. Assim começou a ser servido leite na hora do recreio. Soluções tão simples que às vezes ninguém pensa. Fácil cruzar os braços e deixar o leite em pó estragar na prateleira.

Na EE Annita Saraceni por vários anos só lecionei para 3ªs séries. Dava ditado e leitura todos os dias. Ensinava as 4 operações com as devidas etapas. Do mais fácil ao mais difícil. A divisão tinha vinte e um passos. Tenho até hoje a tabela deles. Todos aprendiam. Mandava aluno por aluno na lousa. Eles exercitavam até aprender. No item tabuada eu utilizava o processo longo. Neste processo era possível compreender e compreendendo se memorizava com facilidade. Problemas eram um encadeamento das 4 operações para o desenvolvimento do raciocínio lógico. Os textos dos problemas tinham uma intencionalidade de aprimorar escrita e leitura.

Eu dava aulas debaixo das frondosas árvores em dias de calor. Sentávamos em círculo no gramado. Relacionava as áreas de Português, Matemática e Ciências através das plantas e ervas que ali se encontravam. Quantidades. Diversidades. Através das cores entrávamos em artes. Nuances do verde.

Na época tínhamos Educação Física sem especialista e sem exame médico. Íamos para o pátio. Não existia quadra de esportes. Fazíamos joguinhos, lenço-atrás, passa-bastão, pula-corda etc. Brincadeira de roda. Amarelinha. Jogos de saquinho. Folguedos trazidos de nossa infância caseira e da vida interiorana do Estado de São Paulo. Passa passa três vezes a última há de ficar tem mulher e filho pra sustentar... A última criança ficava presa nos braços das outras. Boca de forno tirar um bolo faz tudo o que seu mestre mandar! Sim! Era dada uma tarefa. Vá na classe e pegue uma régua! Quem primeiro trouxesse ganhava.

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Não havia também Educação Artística com especialista. Dávamos aulas de artes. Começava ensinando a remendar roupas e pregar botões. Depois ensinava fazer bijuterias de macarrão que eram pintadas posteriormente com tinta guache ou esmalte. O desenho era a mão livre. Nunca usei mimeógrafo para artes. Ensinava técnicas de pintura: esfumaçado, guache, lápis de cor etc. Ao apontar os lápis com as lascas da madeira os alunos faziam desenhos: flores, barcos, casas, árvores etc. O pozinho das pontas se utilizava para sombreados.

Aulas de Língua Portuguesa: composição. Eu dava um tema e mandava que desenvolvessem. Nunca solicitei o seguinte muito batido: Minhas férias. Ou iniciava uma história e os alunos desenvolviam. Dava muito ditado. Leitura silenciosa e oral. Todos liam. Um pequeno parágrafo para cada um. Era exercício diário assim como as tabuadas.

Não sei se fui professora muito enérgica. Só sei que consegui fazer com que meus alunos escrevessem e lessem corretamente. Fizessem contas e tivessem raciocínio que os instrumentasse para o mundo fora da escola. Dever cumprido! Mesmo aposentada não deixo de influenciar as pessoas amigas e conhecidas a voltarem a estudar. Provavelmente pela seriedade e dedicação com que durante anos trabalhei no ensino. Sempre digo: Se fosse mais nova voltaria a dar aulas ou a estudar mais!

Guarulhos, 18 de julho de 2014

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Professor

João Roberto

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O presente é uma fagulha que salta e logo se apagaao crepitar da fogueira. Só o passado é realidade.

Uma vida sem passado não é vida. É passatempo;O passado só floresce se gerado no amor.

(João Roberto)

Tive os 4 avós oriundos de Vêneto no Nordeste da Itália. Lá os nomes próprios que no resto do país têm sufixo em i terminam em o. Roberto em vez de Roberti. Roberto é sobrenome.

Nasci em 06 de janeiro de 1930 no bairro do Belém em São Paulo. Portanto tenho 84 anos. Ali bem antes de eu nascer era um cemitério de escravos e dos mais pobres. Aterrado o cemitério no local de sua capela foi erguida a igreja de São José do Belém onde fui coroinha. Dos três irmãos: Eduardo, eu e Nair ainda estamos vivos eu e Nair. Meu pai era industrial. Alberto Carlos Roberto. Minha mãe se chamava Antônia Roberto.

O primário cursei no Grupo Escolar Amadeu Amaral. Hoje EE Amadeu Amaral e fica no Largo de São José do Belém. Belenzinho. Dos 12 aos 18 anos estudei no Seminário Menor dos Missionários do Sagrado Coração de Jesus em Pirassununga. Como fui coroinha tive vontade de ser padre. Eu e um primo mais novo. O Henrique que hoje é padre.

Era um seminário de fundação francesa. No século XIX após a Revolução em finais do século XVIII houve na França perseguição aos católicos e padres. A rainha da Holanda Guilhermina convidou-os para se refugiarem em seu território onde receberam como doação um castelo em Tilburg. Lá criaram a Congregação dos Missionários do Sagrado Coração

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de Jesus que veio para o Brasil no século XX. Os missionários andaram pelo nosso interior. Estiveram em Minas e em outras cidades do Estado de São Paulo. Por fim fundaram o seminário em Pirassununga.

Os padres professores que tive eram todos holandeses. Até o professor de Português competentíssimo era holandês. As línguas oficiais dentro do seminário eram português e francês. Não nos ensinaram holandês. Língua dos segredos. Entre si conversavam em holandês para que não entendêssemos. Todavia quem sabia alemão conseguia deslindar o que diziam. Eu era um deles. Saí poliglota e completando 19 anos.

O curso seguia o sistema francês de 6 anos que correspondia aos 2 ciclos: ginásio e colégio na época. Das 7 da manhã às 8 da noite se estudava. Inclusive aos sábados. Aos domingos de manhã: missa. Eu cantava no coral. À tarde era escrever cartas ou fazer leituras obrigatórias.

Neste horário integral tínhamos 5 aulas por dia. Antes de cada aula havia vinte minutos de preparo dos alunos. Íamos para sala. O professor dizia: abram os cadernos. Ele fazia perguntas que respondíamos no caderno. Depois dava as respostas e nós mesmos corrigíamos. Havia honestidade e palavra empenhada. Veja. Jogávamos futebol sem juiz. Cada um ou cada time reconhecia suas faltas. Um padre para ser formado necessitava de treze anos de estudo. Fiquei só 6 e saí. Foi toda a base de minha formação.

O ensino regular no país não reconhecia os 6 anos de seminário como cumprimento dos dois ciclos. Obrigava os jovens a reiniciar do primeiro ano ginasial. Uma situação constrangedora. Rapazes

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feitos como sentar em carteiras pequenas entre meninos? Quando chegou minha vez o seminário foi reconhecido para dois cursos universitários: Filosofia e Letras. Escolhi o segundo.

Entrei na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP cujo primeiro semestre em 49 funcionou, por favor, no 3º andar da Escola Caetano de Campos. Praça da República. Depois fomos para a Rua Maria Antônia. Fui da primeira turma que se formou na Maria Antônia. Havia três cursos: Línguas Clássicas, Línguas Germânicas e Neolatinas. Eu já havia estudado grego e um pouco de alemão no seminário. Inglês não me interessava. Língua que se escreve de um jeito e se pronuncia de outro. Além de na época não ter projeção alguma. A língua de projeção internacional era o francês. Escolhi Neolatinas.

Neolatinas compreendiam: latim, espanhol, francês, italiano e português. Também frequentava o Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro que ficava no mesmo prédio das Emissoras Associadas. Na época na Rua 7 de abril. Já no 1º ano fui convidado pelo professor Ítalo Bonfim Betarello para ser assistente da cadeira de Italiano e aceitei. Meu amigo Pradinho foi para a cadeira de Literatura Portuguesa com o professor Fidelino de Figueiredo.

De manhã eu fazia Faculdade. À tarde ajudava meu pai na fábrica que ficava no Belém. Bairro industrial que na época abrangia Tatuapé, Água Rasa, uma parte da Vila Maria etc. O núcleo se chamava Belenzinho. Primeiro fora fábrica de artefatos de alumínio. Depois fabricamos lampiões a querosene e fornecíamos para o Brasil inteiro. Chegamos a exportar para Angola. Luz elétrica só existia nas cidades em seu miolo mais desenvolvido e o restante se servia de lamparinas e lampiões. Rio de Janeiro era uma delas nos anos 48, 49 e 50. Em seguida

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passamos a fabricar porcas especiais para rebolos e discos de corte. Eram feitos com ferro doce e saíam pela metade do preço. Vendíamos para Norton, Carborundum e Rebolos Brasil. E também exportamos.

À noite eu cantava na rádio Tupi. Uma emissora associada. Como tenor solista do Coral Antártica regido por Georges Henry cujo maior atrativo era William Fourneaut. Gênio da música e humorista: autodidata. Conheci Hebe Camargo que cantava chorinhos e estava em início de carreira.

Logo também me desentendi com Georges Henry e larguei o coral. Recebi um telefonema de dona Berta Maestrina convidando para me apresentar na Tupi. Desta vez canal de televisão. Respondi se era para trabalhar com o francês não iria. Não é. Me respondeu. É opereta. Companhia de Operetas Pedro Celestino. Este possuía voz melodiosa e agradável diferente de seu irmão Vicente Celestino. Me encantei com a melodia de A Viúva Alegre e também com Sonho de Valsa. A primeira dama da companhia era a soprano Tercina Saraceni. Parente de família tradicional de Guarulhos. Uma mulher que se impunha e se fazia respeitar. Conheci também Cléa Simone e Tânia Amaral que foi a primeira miss televisão. Era cantora e bailarina.

Houve o descanso para a companhia e neste intervalo se apresentavam operetas brasileiras. Juriti e Noivo Acanhado Noiva Assanhada. A primeira com texto de Viriato Corrêa e música de Chiquinha Gonzaga. Na segunda contracenei com Lolita Rodrigues. Uma das mais belas mulheres da época de quem fiquei amigo e de seu marido Airton Rodrigues. Me tornei amigo também de Mílton Ribeiro. Protagonista do premiado filme O Cangaceiro. Ao mesmo tempo dava aulas de Português a italianos recém-chegados no Instituto Ítalo-Brasileiro.

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Como o professor Fidelino de Figueiredo voltou para Portugal Pradinho meu amigo perdeu o lugar de assistente e havia se casado. Consegui que ele fosse um outro assistente na cadeira de Italiano junto comigo. Naquela época o assistente ganhava muito bem. Mas Jânio Quadros governador nos atropelou. Baixou um decreto em que a academia poderia ter só uma nomeação de assistente por cadeira. Perdi para Pradinho no item estado civil. Ele era casado. No desempate o casado tem preferência sobre o solteiro. Eu que ao subir os 5 degraus da escada do prédio na Maria Antônia no último antes da entradinha me deparei com professor Sanchez da cadeira de Espanhol que me ofereceu assistência e recusei. Recusei por fidelidade ao Italiano e me dei mal. Foi pena.

Em 1952 me formei e no ano seguinte fiz especialização em Espanhol e Italiano. Tive sorte. Ainda em 53 ganhei uma bolsa de estudos para estudar na Itália através da Fundação Amerigo Rotellini. Morto na 1ª Guerra Mundial cujo pai o homenageou dando seu nome à fundação. Os bolsistas tinham como compromisso visitar seu túmulo no Cemitério de Roma na ocasião de finados. Cheguei em manhã dos primeiros dias de novembro por volta das 9 horas em casa (diga-se de passagem um magnífico castelo) do embaixador da Santa Sé. Tempo escuro e frio. Ele ainda não havia se levantado. Enquanto aguardava fui conhecer a Piazza Del Popolo. Um gari que lá trabalhava falava várias línguas e perguntei por que não arranjava emprego melhor. Ele me respondeu: É o que consegui. Está bom. A crise está alta. Perdemos a guerra. Quase sumimos do mapa. Ah sim era depois da 2ª Guerra Mundial e a Itália fora aliada da Alemanha. Perdeu.

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Assim que o embaixador se levantou fui convidado a tomar café. O tempo continuava chuvoso e frio. Ele me desincumbiu de ir ao cemitério homenagear Amerigo Rotellini. Me deu o pagamento da bolsa e ofereceu seu carro oficial para que eu conhecesse Roma. Fui de motorista de libré e carrão. Identificado com bandeirinhas dos lados. Ao passearmos pela cidade quem olhava para dentro do carro se admirava ao ver um embaixador tão moço. Principalmente as senhoras: Ma Che bello ragazzo!

Depois de conhecer Roma parti para Bologna onde fui estudar. Morei na Via Farini. Nº 13. 5º andar. Praça do Correio. A segunda mais importante da cidade. Me doutorei em Língua e Literatura Italianas sob a supervisão do professor Francesco Flora. Na época figura máxima da crítica literária italiana que dava aulas em Milão e Bologna. Ele vinha 3 dias por semana para Bologna. Eu contudo ia todos os dias para a Faculdade e assistia às aulas que me interessavam. Apreciava as aulas de Glotologia Italiana. Seria a Filologia hoje conhecida como Linguística. Assistia às aulas de alemão que eram dadas em italiano. Aqui no Brasil aula de alemão era falada em alemão. Mais coerente.

Passei a participar do Coral Universitário de Bologna como solista e era o único não italiano. Quando eu cantava Santa Luzia me anunciavam solista brasileiro com sotaque napolitano.

Em Bologna também existia o clube dos artistas ao lado de uma igreja. Eles se reuniam aos domingos e a missa das onze era dos artistas. Eles ficavam na parte da frente do templo voltados para os fiéis. Ao término assinavam o livro de ouro. Assinei também. Me procuraram para assinar novamente. Havia assinado como parte do coral e deveria ter feito como solista. Foi o que fiz.

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Conheci um pianista alemão de muito talento. Helmut. Era especialista em Bach e tocava Chopin como ninguém. Era o segundo melhor da época na Alemanha. Como ele não falava italiano tinha dificuldade para arrumar contratos. Me tornei seu empresário e consegui muitos recitais em várias cidades em que ele brilhou ao piano.

Quando o coral acertou um circuito pela Europa começando pela Alemanha não acompanhei. Tive que voltar para o Brasil. O circuito se iniciou por Kiel e Hamburg. As apresentações nestas cidades foram feitas em minha homenagem. Os amigos me enviaram postais de lá.

Em final de 54 eu já estava de volta ao Brasil e no ano seguinte fui dar aulas em Bauru na Faculdade de Filosofia que era de freiras. Peguei aulas de Francês e Italiano para o 1º ano. No 2º ano a irmã Arminda dava aulas de Italiano e o padre Paulo Evaristo Arns dava aulas de Francês. O futuro Dom Paulo cardeal-arcebispo de São Paulo era padre em Agudos e havia estudado na França. O estudo de Literatura Francesa era direcionado e reduzido a Chateaubriand.

Além das aulas na faculdade que foram consequência fui para Bauru cuidar da filial do Instituto Cultural Ítalo-brasileiro. Lá residia o vice-cônsul italiano Tolentino Miraglia que também era médico local. Revitalizei a sede do instituto. Organizei biblioteca. Preparei uma sala para dar aulas de Italiano. Tive muitos alunos de origem italiana e só um de origem japonesa.

No meio do ano houve a inauguração da Piazza Itália. Praça Itália. Convidado especial foi o ministro sem pasta da Itália. Franco Fontana e família. Tratei a filha do ministro por tu e

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não gostaram. Insinuaram que demonstrei intimidade. Não era isso. É que eu já a conhecia. Discursei pelo representante do patronato italiano de Bauru porque o mesmo não falava bem a língua e não se sentia à vontade. Para representar a escola chamei o aluno japonês Kenki Togashi que falou em italiano quase perfeito. Deixou admirada a esposa do ministro. Todas estas atitudes não agradaram à colônia italiana local. Para completar em um baile de debutantes aceitei ser o par de uma moça japonesa. Assim terminou minha estadia em Bauru.

Voltei para São Paulo. Era 56. Fui para o teatro São Paulo ao encontro da Companhia de Operetas Pedro Celestino. Voltei a cantar. Apresentávamos em Santos e eu voltava à meia-noite para casa todos os dias. Neste mesmo ano senti o desprestígio das operetas e deixei.

Ao final de 56 entrei em Direito na Faculdade do Largo de São Francisco. Fui da turma que se formou em 60. Conheci na Faculdade de Direito Dante Tringali. Ele me perguntou se eu não poderia vir para Guarulhos em sua substituição nas aulas de Português. Ele fora nomeado presidente da banca no concurso de Francês. Aceitei. Seria só por quinze dias e não foi. Depois fui professor de Latim até esta matéria ser extinta. Assim cheguei a esta cidade no Ginásio Estadual de Guarulhos que funcionava no mesmo prédio do Grupo Escolar Capistrano de Abreu.

No primeiro dia de aula quis conhecer os alunos. Solicitei que lessem um trecho de um texto. Somente uma aluna não quis ler. Alegou estar com as pupilas dilatadas após exame de vista. Era Rosinha. Morena clara de cabelos pretos. Comecei a gostar dela. No final da semana fui ao baile dos alunos em clube

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próximo à Igreja do Rosário. Dancei com Rosinha a tarde toda e começamos a namorar.

Em uma noite de namoro vi chegar 6 pessoas com ganchos puxados por cordas e derrubaram os muros do campo do Paulista FC. Ficou aquele terreno baldio. Os tijolos esparramados pelo chão. Por fim construíram o prédio que existe até hoje na Praça Getúlio Vargas. Foi o Paço Municipal que para a época era um luxo. Ali também se centralizaram outros serviços públicos. Guarulhos era cidade pequena. As únicas ruas calçadas eram a Dom Pedro II, a Capitão Gabriel e a João Gonçalves. Só até o Capistrano. O resto era tudo de terra. Inclusive a praça. A única calçada que existia ali era em frente à casa de meu sogro onde fui morar depois de casado.

Entrei certa noite na escola para dar aulas e fui chamado pelo diretor efetivo Homero Rubens de Sá. Ele me mostrou um convite do prefeito para que fôssemos conhecer o novo prédio da prefeitura. O diretor me pediu que o representasse. Era uma visita oficial e Homero ainda me apresentou uma planta de prédio do ginásio estadual que deveria ter sido construído ali onde estava a prefeitura. Por fim escrevi o discurso que o diretor leu antes de sairmos. Acompanhado da professora Raquel e de outro professor de origem japonesa do qual não me lembro o nome fui. Levamos mais ou menos trinta alunos. O prefeito Fioravante Iervolino custou a nos receber. Por fim apareceu com um deputado estadual. Discursei. O deputado não apreciou minhas colocações. Disse que eu dava mau exemplo aos jovens por cobrar o prédio definitivo do ginásio. Iervolino tomou a palavra com aquele vozeirão de italiano imigrante bem sucedido: O professor tem razão. O ginásio precisa de prédio! E

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se iniciaram as gestões para a construção em terreno bem maior onde ele está hoje. Foi lucro. O ano era 58.

Em janeiro de 59 me casei com Rosinha. Minha aluna. Mistura de atração de odalisca com matrona italiana. Filha de Ricieri Montagnani de ascendência Italiana e Catarina Jorge de ascendência libanesa. Da antiga família Jorge cujo patriarca Antônio Jorge é nome de rua que atravessa a Luís Faccini. Sua irmã Vera Lígia foi casada com Vinícius Figueira já falecido. Mãe de Cássio e Marcus Vinícius.

A esquina do Capistrano de Abreu era o miolo da cidade. Ali se concentravam as festas. Cívicas ou não. No 7 de setembro de 59 estávamos todos reunidos em frente à escola. Professores e alunos do ginásio. Esperávamos as autoridades. Duas horas se passaram e elas não vinham. Os professores de comum acordo resolveram. Hasteamos as bandeiras. Cantamos os hinos e iniciamos o desfile.

De repente para nosso espanto surgiram vindos de um lado em nossa frente quatro balizas lindíssimas. Atrás fanfarra e guardas de honra. Fardas e instrumentos novos e afinados. Cornetas soavam e havia contracantos com tubas. Era a Escola de Comércio Águia de Haia. O moral dos nossos alunos baixou. Coletes professor de Educação Física não havia comparecido. Quase ninguém o conhecia. De qualquer forma desfilamos.

No dia seguinte o jornal de Miguel Parente simplesmente enalteceu o desfile da Águia de Haia e criticou o mau jeito do ensino público. A maioria dos professores meus colegas eram de São Paulo. Logo se retiraram. O único conhecido era eu. As críticas sobraram para mim. Fui taxado de rebelde às autoridades.

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Estes acontecimentos geraram rivalidade entre as duas instituições de ensino: a particular e a pública. Quando os alunos do ginásio estadual passavam na calçada da Águia de Haia recebiam estrondosa vaia. E vice-versa na calçada do ginásio estadual.

Em 8 de dezembro do mesmo ano por ocasião das festividades de fundação da cidade resolveram inovar. Desfile à noite à luz de flambeaux, tochas, velas etc. Pela primeira vez foram utilizados carros alegóricos. Um deles tinha na carroceria um triângulo grande ao meio. De cada lado os alunos pintaram o brasão da cidade. Depois vinham os missionários. Em seguida os índios. De uma casa de cachorro do Rachid aumentando as pernas e cobrindo-a de capim colhido no terreno onde hoje é o Conselheiro fizemos a oca. A casa de Rachid ficava onde se ergueu o edifício Rachid. O primeiro da cidade. Quem nos forneceu o carro foi o Assis Almeida. Uma aluna japonesa nos trouxe uma porção de lanternas e fizemos uma vaquinha para comprar velas. Pedimos para que interrompessem as luzes das ruas quando o desfile passasse. Assim foi feito. Beleza das lanternas no escuro!

Em 1960 foi o 4º centenário de Guarulhos. A cidade ainda era cabocla. Tinha o Ginásio Estadual Conselheiro Crispiniano ainda no prédio do Capistrano de Abreu. Tinha escolas particulares. Colégio Águia de Haia que depois se tornou Monteiro Lobato. Liceu Brasil que ficava na Vila Galvão onde hoje é o centro de exposições da prefeitura em frente ao lago. Era propriedade de Homero Rubens de Sá. Posteriormente foi vendido para os fundadores da Faculdade de Direito. Havia também o Colégio Virgo Potens para meninas.

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Houve os preparos para o desfile de 8 de dezembro. Os alunos me procuravam para sugestões e auxílio. As escolas particulares se preparavam. As entidades sócio-esportivas também. Era um segredo. Todos os participantes escondiam suas surpresas. O ponto alto eram os carros alegóricos. Só o ginásio estadual não tinha onde se esconder. Prédio pequeno e terreno irrisório. No centro e aos olhos de todos. Como esconderijo usamos a casa de minha sogra e o pátio do Rachid. O Rachid era a bondade em pessoa. Católico-maronita vivia com seu terço na mão. Fui professor de suas duas filhas. Sálua e Soraya.

Foi formada a comissão de festejos que se prontificou a enviar aos participantes tudo o que necessitassem para o desfile. Desde que apresentada a lista com antecedência. Fizemos a nossa e enviamos. Não recebemos nada. Tivemos que nos virar. Garotas e garotos de doze a dezessete anos construíram doze carros alegóricos.

O desfile de nossos alunos se iniciava quebrando uma tradição. A banda era puxada por um bumbo enorme que fazia aquele som grave e forte! Atrás um prato enorme de bronze e som agudo. Barulhão! Em seguida vinha o resto da banda incrementada por pratos e triângulos fabricados em fábrica de minha família.

A banda chegando à frente do palanque se dividiu em duas partes. O centro ficou livre para os alunos desfilarem. Assim todos os setores tinham a cadência da banda.

Trinta e cinco moças vestidas de Robin Hood chapeuzinho de cores diferentes de acordo com o grupo de letras traziam no braço esquerdo uma letra e juntas formavam o nome da escola. Ginásio Estadual Conselheiro Crispiniano. O Marchetti da Casa

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Teatral de São Paulo que era meu amigo e fornecia roupas para televisão nos forneceu graciosamente todas as vestimentas necessárias.

A homenageada dos estudantes era Clide Pompêo. Filha de Waldomiro Pompêo na época dono de madeireira que forneceu toda a madeira de que necessitamos. Mais tarde ele foi eleito prefeito da cidade. Ela vinha numa charrete emprestada puxada por dois cavalos cujos arreios eram cintos dos rapazes. Os cavalos que não eram apropriados para desfile estranharam o barulho da banda e empacaram. O cocheiro desceu e os puxou. Foi muito aplaudido. Era Joel José Polachine Figueiredo. Futuro vereador por vários mandatos.

A rainha e o príncipe dos estudantes vinham logo atrás em dois caminhões. O trono da rainha ficava dentro de uma coroa vazada. O príncipe vinha sentado na orbe de uma coroa real fechada.

Em seguida a guarda de honra. Fardamento da época do império. Depois os povos que lutaram pela cidade. Em formato de escada seguiam 6 carros. No alto uma espécie de chaminé pintada com monumentos alusivos aos países: Portugal, Espanha, Itália, Japão, países árabes etc. As rodas fizemos de uma tora enviada por Waldomiro Pompêo que cortamos em rodelas. Furamos o centro e revestimos com tiras de pneus. Logo atrás o trenzinho estilizado a Walt Disney. Dois maquinistas. Dois vagões comportando de 4 a 8 pessoas em homenagem à EF Cantareira. Precisávamos de doze rodinhas de ferro e só conseguimos 8.

A seguir se contava a história iniciada pela caravela. Precisamos

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desfilar sem velas. Os mastros eram mais altos que os fios elétricos. Ela comportava de doze a quinze marinheiros. Além de Pedro Álvares Cabral e Pero Vaz de Caminha. Os carros dos heróis da independência não vieram. Frei Caneca e Tiradentes fizeram o percurso a pé.

O último carro a desfilar foi o da independência. Num tablado acima da cabine do caminhão num cavalo de tamanho natural de estrutura de madeira preenchido com massa de papel e acabamento em papel marrom estava Dom Pedro I. Representado por Arthurzinho. José Arthur Maurício de Oliveira. Filho de dr. Heitor Maurício de Oliveira que fora prefeito de Guarulhos. Era vereador reeleito de vários mandatos e depois seria deputado estadual. D. Pedro I foi muito bem arrumado pela família e estava perfeito.

Fechava o desfile a turma dos bate-estacas. Moços trazendo ferramentas para eventuais consertos. Havia apitos espalhados pelo trajeto que de acordo com o toque eles sabiam aonde ir e o que fazer.

Além da comissão se omitir no auxílio aos alunos nos colocou na Monteiro Lobato que era de terra batida. Mais ou menos onde hoje é o Corpo de Bombeiros. Fomos os últimos a desfilar. O percurso todo em subida. Só reta a Dom Pedro II e a Capitão Gabriel após onde hoje é o Santander. Percurso longo sem tração. Por isso juntamos uns carros aos outros. Eles foram puxados por automóveis de meu irmão Eduardo, de Assis Almeida etc. Por sorte um trator não muito grande errando o caminho chegara onde estávamos. Os alunos foram em cima. Foi o que puxou a caravela que pesava mais de quinhentos quilos.

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Alguém perguntou: Quem foi o louco que fez isso? Respondi: Os moços que estão passando. Só dei algumas ideias.

Terminado o desfile os carros foram deixados na rua ao lado da Praça Getúlio Vargas. A turma dos bate-estacas foi em casa entregar o material. Acabaram dormindo ali mesmo no alpendre e na garagem. Fiquei olhando aqueles rostos cansados. Neles estava escrito o lema das duas cidades: São Paulo e Guarulhos respectivamente. Non ducor duco – conduzo não sou conduzido. Vere paulista sanguis meus – meu sangue é em verdade paulista. Bandeirantes altivos eram os vencedores do 4º centenário. Fui descansar também. Dormi aquele resto de tarde e toda a noite. Só acordei na manhã seguinte porque três pessoas me procuraram.

Vieram nos impor para desfilarmos naquele próximo fim de semana em Vila Galvão. Me neguei a participar pessoalmente. Eram homens da comissão festiva do 4º centenário que não nos havia dado nada. Discutiram comigo e me xingaram. Por fim se retiraram. Por azar o aluno Catapreta que me comunicava a devolução do bumbo emprestado ouvira tudo. Contou aos colegas. À noite um desses homens foi ao antigo Conselheiro. Quando falo antigo me refiro ao funcionamento no prédio do Capistrano.

Eu estava em minha casa sossegado assistindo televisão quando chegou professor Homero. Afobado logo disse: Os alunos estão revoltados. Não respeitam ninguém! Murcharam três pneus do carro do visitante. Amassaram. Quebraram vidros. Cortaram o estofado dos bancos!

Fui verificar. O carro já não estava lá. Não havia nenhuma bagunça. Passei pelo bar de seu Manuel que com mais 3

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fregueses se prontificou a testemunhar o que ocorrera. Só 3 pneus murchos e outro carro foi chamado para socorrer. Terminado o socorro foram embora.

No dia seguinte os alunos citados em uma lista foram obrigados a comparecer perante a comissão para responder por atos de vandalismo na câmara que ficava na Rua Dom Pedro. Eu os defendi.

Houve outro dia seguinte em que um abaixo-assinado em repúdio aos atos de vandalismo passou pelas salas de aula. Um funcionário o conduzia e não esteve em minha sala. Eládio um professor meu amigo trouxe para que eu assinasse. O golpe não funcionou porque assinei também.

Na outra noite também fui intimado a comparecer perante a comissão desta vez na Vila Endres. Duvidei pela distância. Mais de 2 km do centro em um bairro praticamente em formação. Fui acusado e me defendi. Dr. Milbas que presidia a sessão me inocentou de todas as acusações. Daí pra frente me deixaram em paz.

Chegamos ao ano de 1961. Entrega da sede do Ginásio Esta-dual Conselheiro Crispiniano. Saímos da Praça Getúlio Vargas e fomos para a Rua Arminda de Lima nº 57. Nós que exigíamos um prédio escolar recebemos um palácio. Um prédio majestoso fruto da inteligência e bom gosto do engenheiro-arquiteto João Batista Vilanova Artigas. Correspondia a todas as necessidades: espaço vital, luminosidade, ventilação, praticidade e beleza. Se-ria o protótipo de futuras instalações de ginásios no Estado de São Paulo. Como não foi só nós temos esta obra de arte. Hoje tombada pelo Patrimônio Histórico do Estado de São Paulo.

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Quando nele entrei minha primeira impressão foi de estar no Palácio Alvorada. Ainda havia a beleza do quadro de Mário Gubber.

Na inauguração só estávamos presentes eu e dona Raquel. Ne-nhum professor mais. Tive oportunidade de conversar e percor-rer o prédio com Artigas. Dentre as coisas ditas ele me garantiu que por lei governamental nenhuma alteração seria permitida em sua estrutura. Enquanto lá estive foi cumprido. Mesmo quando por excesso de alunos se construiu a fazendinha em seu terreno. Uma construção de madeira sem muito conforto que cumpriu seu dever. Por suas carteiras passaram moças e moços que enobreceram e enobrecem nossa cidade. Hoje a fazendinha não mais existe. Deixou saudades.

De repente numa noite. Era a última aula. Os alunos por von-tade própria se reuniram no pátio interno da escola para se despedirem de mim. Estava me aposentando. Já era o início da década de 90. Quando saí o prédio estava às escuras. Olhei pela última vez o lugar onde trabalhei e amei de verdade. A escola que hoje se chama EE Conselheiro Crispiniano. Chorei. Para não chorar outra vez prometi nunca mais colocar lá os pés. Cumpri minha palavra.

Já aposentado fui dar aulas de Cultura Vernácula no curso de Educação Física da FIG. Faculdades Integradas de Guarulhos. Novos tempos. Novos alunos. Novos ideais. Etc. Confesso ter fracassado.

Minha vida transcorreu entre o futebol no Clube dos Bancários e os bailes de carnaval no Recreativo. E também nas danças folclóricas apresentadas em nossa rua. Transcorreu alegremente

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aos sábados quando se reunia em minha casa o que restou do conjunto de serestas de Guarulhos: Cada um faz o que pode. O nome não correspondia à grandeza de seus artistas. Violino do Chaquiba. Violões do Fernandão, de Antoninho de Ré e de João Pretto. Sanfona de Álvaro Mesquita. Bandolim do Paulo Moraes. E meu pobre cavaquinho.

O tempo os levou aos poucos. Primeiro foi a morte de João Pretto. Alma e cantor do conjunto. O grupo se desfez com a morte de Álvaro Mesquita. Último dos seresteiros. Deixei de vez o cavaquinho. Hoje curto minha velhice em companhia de minha esposa e de minhas filhas: Ariane, Christiane, Luciane e Rosiane. Tenho também meu neto Pedrinho de 20 anos. Filho de Luciane e Moacir Bérgamo. Pedrinho é estudante de comunicação e violonista promissor.

Duas coisas me magoaram. Não ser lembrado quando da fundação da Academia Guarulhense de Letras e não ter tido méritos necessários para receber o título honroso de Cidadão Guarulhense.

Embora tardiamente rendo homenagens a professores que comigo trabalharam e marcaram minha vida: Homero Rubens de Sá, Néfi Tales, José Fernando Bacan, João Cavalheiro Salem, Mílton Luís Ziller, Bernardino Aragão e o professor de Química Hideaki. Das mulheres posso citar: Marialva, Raquel e Aurora Mamede.

Depois dos professores os que se ligaram mais estritamente à minha família foram: João França, João Pretto, Darci Pannochia e o maestro Colacioppo. Ainda os ex-alunos: Kanji Fujita, Murichio que foi engenheiro da prefeitura, Renato Del Bel,

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Elinor Requena. Particularmente Elói Alberti que desde o antigo Conselheiro se fez presente em nossas vidas e agora continua mesmo residindo em Taubaté.

Um dia me perguntaram quanto dura a eternidade. Respondi: Nossa eternidade dura até a morte da pessoa que nos conheceu intimamente. Prés ça le silence e l’oubli. Depois disso o silêncio e o esquecimento.

Daí a importância desse trabalho que alonga nossa eternidade ao levar nossas vidas a quem nunca soube quem somos.

Me permite terminar dizendo:

Obrigado por deixar me apresentar nestas memórias. Me renovou a certeza de não ter vivido à toa. Mesmo me crendo um fracasso por mais de oitenta e quatro anos.

Guarulhos, 14 de março de 2014.

Professor João Roberto recebeu o título honorífico de Cidadão Guarulhense da Câmara Municipal de Guarulhos em 19/06/15 por iniciativa do vereador Professor Auriel atual deputado estadual em sessão solene presidida pelo vereador Marcelo Seminaldo.

Rosa Chimoni

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Professora

Zilma Heringer

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Quando vim de Minas truxe ouro em pó.(Xangô da Mangueira)

Sou de Alto Jequitibá. Nome oriundo de um enorme jequitibá que lá existia. A vila pertencia a Manhumirim e teve sua origem na fazenda de meu avô paterno João Carlos Heringer segundo me contavam meus tios maternos e minha mãe. É situada na zona da mata mineira na serra do Caparaó e próximo ao pico da Bandeira. Divisa entre Minas e Espírito Santo. Conheço esta geografia de perto.

Meu avô João Carlos teve vinte e dois filhos. Meu pai era o mais novo. Guilherme Carlos Heringer. Minha mãe Esmeralda Neves Heringer também era a mais nova da família. O pai dela era filho de uma negra alforriada. Mestiça ou não. Isto não me revelaram. O certo é que também tenho uma negra como bisavó.

A família de meu pai era de origem suíça-alemã daquele cantão cuja capital é Berna. Toda a família era de agricultores e foram chamados com outras famílias da mesma região para desenvolverem agricultura no local montanhoso de confluência de Minas, Espírito Santo e Rio. Assim por lá se fixaram. Como responsável por terras devolutas meu avô recebeu o título de Coronel João Carlos Heringer.

Nasci em 26 de julho de 1943. Na cidade ainda uma vila quando eu era menina 10% dos moradores eram católicos e 90% protestantes de maioria presbiteriana. Estudei até o curso de contabilidade no Colégio Presbiteriano de Alto Jequitibá. Hoje EE Reverendo Cícero Siqueira. Nele lecionei Inglês para pagar meus estudos. Havia perdido meu pai aos 6 meses.

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Quem nos trouxe para cá foi meu primo Mílton Cardoso que era vinte anos mais velho que eu e saíra muito jovem de nossa cidade. O pai dele era o primogênito da família de mamãe. Gosto de falar mamãe. É próprio de mineiro. Ele se chamava Luiz Geraldino Cardoso e sua esposa Davina Werner Cardoso. Os Werner eram da mesma origem que os Heringer. Mílton seguia a profissão do pai. Era dentista prático. Sua formação teve início no Colégio Presbiteriano como todos nós. Ele era um menino atirado ou levado segundo mamãe. Montava em cavalo no pelo sem arreios e queria pegar gado no chifre na fazenda de papai que gostava muito dele. Ao sair de casa morou em Belo horizonte e depois em muitas cidades interioranas de Minas e São Paulo. Por fim se fixou em Martinópolis no Estado de São Paulo. E se casou com Aurora. Professora de Trabalhos Manuais para alunas que se efetivou em Guarulhos no Conselheiro Crispiniano em 63. Aqui Mílton se tornou também professor de Trabalhos Manuais para alunos.

Mílton Cardoso foi pioneiro nas expansões dos ginásios estaduais em Guarulhos. Foi o primeiro diretor do 2º Ginásio Estadual – Vila Augusta e do Colégio Estadual da Tranquilidade. Foi um pioneiro em todos os sentidos. Antes fez seu nome como administrador de escolas públicas e depois se graduou para tal.

De nossa família quem primeiro chegou foram meus irmãos: Aylton e Luiz Carlos. Depois viemos eu e mamãe. O ano era de 1966 e entrei na faculdade em Mogi das Cruzes. Fui cursar línguas anglo-saxônicas. Tive como colega Maria Angélica Soave que se divertia comigo. Eu era muito rígida devido à formação presbiteriana.

Este presbiterianismo antigo marca a família de meus pais. Formalidade no trato social até entre seus membros. Minhas tias

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que eram irmãs se visitavam. Nunca passavam da sala de visitas a não ser que fossem convidadas. Vejo tia Florinda em casa de tia Ambrosina ambas sentadas na sala. Então. Ambrosina. Elói foi à Laranja da Terra – antigamente fazenda de meus tios e hoje cidade do Espírito Santo – e se encontrou com sua irmã Aurora. Ela vai bem. Que bom! Respondia Ambrosina. Aceita um café? Uma chicrinha de café servida em bandeja na sala de visitas. Tomado com toda delicadeza segurando a asa da xícara nas pontinhas dos dedos. Após quinze ou vinte minutos a visita se retirava. Dando as mãos se despediam. Nunca pousavam. Nunca se hospedavam na casa umas das outras. Vinham de charrete geralmente e logo voltavam.

Como professora-aluna inicio minha carreira no mesmo ano de 66 no 2º Ginásio Estadual de Guarulhos – Vila Augusta dando aulas de Inglês. Não sabia tomar ônibus. Em minha vila na época de apenas duas ruas tudo se fazia a pé. Íamos a pé às fazendas que chamávamos de roça onde havia festas juninas nos terreiros de café. Eu era um bichinho do mato. Não sabia que precisava levantar o braço para parar o ônibus e subir.

O povo mineiro sai de Minas e nunca sai. Mora no mundo inteiro como se estivesse em Minas. Assim como os ingleses. Somos muito parecidos.

Moramos na Rua Felício Marcondes onde hoje é a Slip ao lado do Santander. Antes ali era uma república de rapazes em que meus irmãos moravam e se desfez. Meu irmão Aylton assumiu a casa e nos trouxe em abril. Eu que chegara um mês antes de mamãe estava morando com a família de Milton Cardoso. Depois compramos a casa onde até hoje resido. Rua Luís Palma. Travessa da Rua Nadir. Vila Conceição. Era um local sem asfalto

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e sem rede de esgoto. Tinha luz. Nossa casa foi praticamente a primeira da rua. Um casal vizinho recém-casado havia sido sorteado no Baú da Felicidade de Sílvio Santos cujo prêmio fora o valor de uma casa. Compraram uma velha aqui do lado que reconstruíram e ampliaram no terreno contíguo. Moram nela até hoje.

No ano de 67 além das aulas de Inglês ministrei Educação Moral e Cívica na 5ª série. Foi só por um ano e para nunca mais. Graças a Deus. Precisei tirar atestado de antecedentes. Milton Cardoso providenciou. Me sentia colaboracionista de algo com que não concordava. Embora não tivesse a mínima ideia do que seria a tão falada Revolução de 64. Na verdade ditadura e regime militar.

Em 69 fui para o Conselheiro dar aulas de Português e me formei professora no final do ano. Trabalhei com Flávia Carone, João Cavalheiro Salém, João Roberto, Néfi Tales, Vanderlei Fossatti, Bernardino etc. Tive o prazer de ter como amiga Célia Franzin que me orientou trabalho com Literatura Brasileira e obtive resultados satisfatórios. Ouvi falar de Maria Nilde Mascellani que escolhera cadeira no curso normal do Conselheiro e se afastara para coordenar os ginásios vocacionais do Estado de São Paulo. Posteriormente teve aposentadoria compulsória pelo AI-5 e foi perseguida, presa e torturada pela ditadura militar. Soube também através de Flávia Carone da invasão do sítio da família pela policia do mesmo regime em que livros importantes da biblioteca do marido Edgard Carone foram queimados. Desconfiava também que nossa escola era muito vigiada pela Base Aérea. Contudo não conseguia enxergar nada de concreto.

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Nos anos seguintes continuei dando aulas de Inglês no Conselheiro e no Vila Augusta até junho de 74 quando fui morar nos Estados Unidos por 6 meses. Retornei em janeiro de 75 e o Vila Augusta se mudou para Vila Endress. Rua Portuguesa. Recebeu o nome de EEPSG Érico Veríssimo. Hoje EE Érico Veríssimo. Lá era diretor efetivo meu grande amigo José Fernando Bacan. Diretor concursado. Professor de Filosofia formado pela USP que fora efetivo no Conselheiro Crispiniano e também lá exercera a função de assistente. Como assistente de diretor fora escolhida a professora Clara Hishi também grande amiga. Pessoas muito diferentes que se completavam e conviviam harmoniosamente. Clara cuidava da burocracia, disciplina e organização. Ele coordenava relações humanas e pedagógicas.

Os alunos do ginásio Vila Augusta foram conosco para lá. Desciam e depois subiam para chegar a Vila Endress. Era um espetáculo vê-los caminhando. Um grupo enorme e colorido. Eu vinha de mais longe e descia do ônibus. O Grupo Escolar João Crispiniano Soares por força da 5692/71 também virou EEPG e teve de 5ª à 8ª séries. Passamos a receber os alunos de Vila Augusta a partir do colegial. O espetáculo era o mesmo. Só que já havia mais urbanização. Eles vinham. Chegavam ao anel viário e desciam. Subiam e desciam as ruas Machado de Assis ou a Italiana para chegarem à Rua Portuguesa. Antes ruas de terra e depois asfaltadas. O diretor sempre os orientava a virem em grupo e voltarem em grupo. Assim era feito. Uns esperavam os outros. Os alunos que residiam no entorno completavam o nosso corpo discente.

O prédio foi inaugurado numa manhã fria. Presentes autoridades das quais não me lembro. Só me lembro de professores, alunos,

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diretor e funcionários. Todos nós ali na Rua Portuguesa em frente ao prédio novo que era funcional e rodeado de árvores. As mais belas que cresceram rapidamente foram os salgueiros-chorões.

Um diretor humano. Tinha algumas dificuldades de relacionamento que não tirava sua humanidade. Conversava com todos. Alunos, pais, funcionários, professores etc. Quantas vezes em aulas vagas dos alunos eu os via em grandes grupos conversando com Bacan na porta da diretoria. Havia risos e gargalhadas. Ele tinha visão da escola como local de ensino sem equívocos. Propiciava trabalho de qualidade na sala de aula e desenvolvimento de projetos educacionais.

O mais interessante projeto que lá usufruí foi o de música diretamente coordenado pelo diretor. Em sua sala ficava a vitrola que era de sua propriedade. Em todas as salas de aula e outros compartimentos da escola tinha caixas que reproduziam o som. Durante a aula era baixinho como fundo musical que acalmava. Quando terminava a aula o som era aumentado. Este era o sinal. Ele de sua sala controlava o volume. Era seu deleite que realizava com imenso prazer. Escolhia as músicas sempre clássicas. A preferida e mais tocada era um dos Concertos de Brandenburgo de Bach. O intervalo também era musical.

No Érico Veríssimo não havia nenhum empreendimento comercial. Não havia cantina. Bacan não gostava e não deixou que este lado mercantil das escolas lá chegasse. Os alunos traziam o próprio lanche de casa. Comiam debaixo das árvores e atrás do prédio. Havia a merenda escolar preparada por merendeiras caprichosas de responsabilidade da prefeitura. Bacan tinha por elas muito carinho. Como tinha carinho pelas

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serventes e por seu Oswaldo que tinham vindo com ele do Vila Augusta. Tal qual dona Ana muito querida.

Como eu dava aulas de Inglês tive alguns entreveros com alunos de ideias de esquerda. Diziam que eu ensinava a língua do imperialismo americano. Um deles se chamava Jabes. Meu crítico até que lhe dei para ler um texto de Bertrand Russel. Escritor nascido no País de Gales. Nobel de Literatura em 1950 por suas ideias humanitárias e luta pela liberdade de pensamento. Foi crítico ferrenho e influente do desenvolvimento de armas nucleares e da Guerra do Vietnã. O aluno se aquietou.

Tive outro entrevero com um aluno que fazia o tiro de guerra e vinha de farda para escola. Teve a petulância de se sentar na primeira carteira e abrir uma revista Capricho. De cabeça baixa lia! Fiquei furiosa e lhe tirei a revista das mãos. Com ela bati de leve em sua cabeça e joguei na mesa! Uma revista que dizem ser de mulher e nem eu leio! Exclamei. Pedi que se retirasse e fui atendida. Ele ao sair no corredor se encontrou com Bacan. O diretor sempre presente. No término da aula fui até a diretoria onde me encontrei com o aluno. O que houve em sua aula? Professora. Me inquiriu o diretor. Ele lia Capricho enquanto eu lia em inglês. Bacan se virou e disse diretamente ao aluno: Depois disso. O que você queria mais? O rapaz sem graça abaixou a cabeça e pediu desculpas. Em seguida se retirou.

Outro projeto fabuloso que envolvia a escola inteira era a Feira de Ciências. Não tenho certeza. Mas foi a primeira escola a realizar isso em Guarulhos. Depois muitas outras também o fizeram e virou moda. Começou no Vila Augusta com o professor de Ciências João Bernardo e teve continuidade com outra professora de Ciências: Sandra Maluli. Era anual e até a

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televisão vinha cobrir. TV Cultura e TV Globinho. Os alunos desde a 1ª série do Ensino Básico até a 3ª do Ensino Médio participavam. Cada grupo desenvolvia seus projetos e expunha em suas fases. Havia um revezamento dos expositores que ficavam de plantão para explicar seus trabalhos aos visitantes. Às vezes era divertido.

Gostávamos de ver os alunos do antigo primário tão pequenos dando explicações. Um com falha de dente na frente demonstrando a função e importância dos dentes. Rimos muito e levamos um pito de Bacan. Nossa! Não deveríamos fazer isso! Era também uma graça ver os pequenos explicarem as fases do broto de feijão. Foi de um aluno nosso a ideia de aparelhinho de tirar veneno de cobra que o Butantã desenvolveu. Era artesanal. Agora devem ter descoberto outras formas. A tecnologia é rápida.

A feira durava de sábado até domingo à tarde. Os preparativos se iniciavam sexta à noite. Ao término a escola tinha que ficar limpa para funcionar na segunda. Todos cooperavam na limpeza. Havia muito envolvimento mesmo. Quando o número de serventes não conseguia cobrir todo o prédio alunos em grupos limpavam sua parte. Conservavam tudo limpo. Ninguém reclamava. Não só nestes casos de feiras mas no cotidiano. Muito bom.

Outra feira anual que tínhamos era a Feira de Artes. A de Ciências era em outubro e a de Artes no início de dezembro. Assim se encerrava o ano letivo. Era professor de Sociologia o jornalista Antônio Martinho Risso e ele me ajudou muito. Tínhamos um aluno paraplégico que pintava e a professora de Educação Artística não queria expor seus quadros. Não

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tive dúvidas. Emprestei cavaletes da UnG e meu irmão Luiz Carlos que lá trabalhava os transportou em seu carro. Risso e eu montamos. Expusemos os quadros. Bacan dizia: A professora vai ficar brava! Mas não interferiu. Ela ficou boquiaberta.

A festa junina era completamente comunitária. Sempre numa sexta-feira ao final de cada período. A do período da tarde acontecia das 16 às 18 horas. Os alunos traziam pratos de guloseimas. Havia uma mãe que mandava um monte de sagu em copos de plástico. Distribuíamos cartões coloridos que valiam para cada doce ou salgado escolhido. Dançavam quadrilha e tocavam violão. O quentão era chá de gengibre com açúcar queimado. Como se vê nada era vendido. Acabada a festa se limpava a escola e todos iam embora.

Ali também se incentivava apresentação de peças teatrais com grupos amadores. Quem ia sempre lá se apresentar eram Sérgio Santiago e Ana Maria Quintal. Eles foram alunos de Bacan no Conselheiro e nunca perderam o vínculo. Me lembro quando trouxeram Valsa nº 6 de Nélson Rodrigues. A biblioteca que era uma sala grande virava teatro. Eles conseguiam colocar as prateleiras de livros atrás. Montavam o palco e enfileiravam as cadeiras retirando as carteiras. Na maioria das vezes se destinava a alunos dos últimos anos do Ensino Médio.

A biblioteca também era bem utilizada em sua função principal que é a leitura. A responsável por ela era a orientadora do Centro Cívico. No Érico Veríssimo ela não tinha encargos de organizar festas cívicas ou outras coisas parecidas enquanto durou o regime militar. A professora fazia campanha para doação de livros e os organizava. Ficava na biblioteca onde atendia os alunos que estivessem em aulas vagas. Orientava leituras e também dava apoio a trabalhos que alunos de outros

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períodos vinham fazer com consultas.

Em aulas vagas os alunos também podiam tocar violão. Não na biblioteca mas na outra parte do terreno da escola que sempre foi grande. Próximo à quadra. Ou então jogavam xadrez no pátio.

Bacan era um diretor que amava a escola. Bacan. Bacana. Como diziam os alunos. Tinha um orquidário do qual cuidava pessoalmente. Nele havia as mais variadas e raras orquídeas roxas que eram seu orgulho. Sempre escolhia uma bem florida que expunha pendurada em vaso no pátio em frente à diretoria. Por ali também havia outros vasos de folhagens no chão. Todos respeitavam as plantas. Principalmente os alunos. A escola era realmente respeitada e cuidada.

Em agosto aconteciam as Olimpíadas Colegiais das quais o Érico Veríssimo participava com brilho. Levado pelos professores de Educação Física. Me lembro muito do professor Natal. O diretor assistia aos jogos. Os professores que quisessem também iam assistir. Alunos também. Uma torcida se formava. O uniforme de ginástica era vinho com camiseta branca. Neste período não se cobrava presença nas aulas. Muitas vezes o nosso time estava ganhando e Bacan chegava todo feliz. O time começava a perder. Mandavam que ele se retirasse. Era pé frio. Ele saía e começávamos a ganhar novamente. Quando voltávamos para a rotina os comentários e alegrias pelas vitórias se estendiam por algum tempo. No início das aulas e no recreio. Éramos muito vitoriosos! Havia também gozações das quais o diretor participava em cima de algumas derrotas. Perna de pau! Engoliu frango! Todas estas falações que ouvimos por aí. Muitas gargalhadas.

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Após dezessete anos em 84 saí do Érico Veríssimo. Me removi para o Brotero. EE Prof. Frederico de Barros Brotero. Lá tive como diretora professora Vani. Desta escola não tenho grandes lembranças. A não ser das amizades que fiz: Fernando, Odila, Pilar, Selma, Sílvia e muitas outras. Sílvia foi minha aluna no Conselheiro e se tornou professora de Matemática. Eu dava trinta aulas por semana no período da manhã. Das 7h10min às 12h45min com um intervalo no meio. Muito prático só trabalhar de manhã. Eram seis aulas por dia.

No Brotero coloquei em prática uma forma de ensinar inglês que aprendi com uma professora de São Paulo. Utilizava cadernos grandes de desenho. Ou melhor de cartografia. Cada aluno tinha o seu. Desenhavam a casa. Nomeavam componentes e família em inglês. O mesmo faziam com a escola. Memorizavam e dialogavam. Um dia a diretora entrou na sala. Queriam saber como se dizia diretor. Informei: Principal. Desenharam e nomearam. Ia muito bem até que os pais reclamaram da falta do livro didático este famigerado. Desanimei e desisti do caderno. Foi pena.

Lá a festa junina coordenada pela professora Ilze de Geografia se dava aos sábados em período integral nos moldes de todas as outras. Era muito bem sucedida.

Em um dia quando fui a um jantar dos professores no Dallas encontrei um aluno que havia terminado o colegial. Eu havia chegado com Odila. Ele ao me ver ficou eufórico. Entusiasmado! Ao apresentar a moça que estava a seu lado me informou que era sua noite de noivado. Fiquei feliz e cumprimentei os dois.

Tive também no Brotero alunas da família Madeu das quais

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nunca me esqueço. As Madeu: Adriana, Andréa, Ana Paula e Alessandra.

Meus alunos são inesquecíveis. Mesmo que não os lembre espontaneamente. Quando os vejo e eles me chamam logo consigo me recordar de algum fato que nos aconteceu. O médico que acompanhou minha mãe até a sua morte com mais de 90 anos foi meu aluno no Conselheiro. Mário César Cassiano. Tenho muita gratidão por ele.

Em todos estes anos trabalhei também no ensino da iniciativa privada. A primeira escola particular em que dei aulas foi o Parque Escola São Judas Tadeu em que fiquei pouco tempo em 67. Lá conheci Antonieta e Sylvia Silingardi. O método utilizado era pioneiro: Montessori.

Ao retornar dos Estados Unidos em 75 fui convidada para substituir um professor que não apareceu no início do semestre nas Faculdades Farias Brito. Hoje Universidade Guarulhos. Acabei ficando dezenove anos e meio. Iniciei como professora de Língua Inglesa e terminei como professora de Literaturas Inglesa e Norte-americana. Introduzi vários autores: Shakespeare, William Blake, John Donne, William Faulkner, Hemingway etc.

Tive alunos brilhantes. Frequentavam o curso de letras em seu início gerentes de banco, oficiais da Base Aérea, secretárias etc. Tinham interesse em aprimorar leitura e escrita em português e aprender uma língua de alcance internacional que era o inglês. Outros vieram em busca de licenciaturas pertinentes ao exercício do magistério.

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Trabalhei por 9 anos em duas vezes nas Faculdades Integradas do centro conhecida como Figuinha. Da primeira vez telefonaram para UnG solicitando um professor de Literatura Inglesa. Fui indicada. Fiquei 3 anos. Da segunda ligaram para minha casa me oferecendo as aulas. Fiquei 6 anos.

Dei aulas no Colégio Claretiano na década de 70 e depois nos finais dos 80. Nesta última vez uma aluna de 6ª série tentou me derrubar nas escadas empurrando um colega atrás de mim. Não caí. Ninguém caiu. Felizmente. Por ironia esta aluna me reencontrou ao cursar o colegial no Brotero. Teve oportunidade de me conhecer em classe pequena. Pôde observar meu relacionamento amigável com todos os alunos. Nossos vínculos afetivos. Ela me pediu desculpas pelo ocorrido anos antes.

Guarulhos, 21 de março de 2014.

Tempo mais perto quanto mais remoto,

o tempo burla as ciências

(Adélia Prado, O tesouro escondido, in Oráculos de maio)

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Professor

Newton Raimundo

Lacerda Pontes Gestal

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Vim do oeste paulista. Minha infância foi em Américo de Campos. Região de São José do Rio Preto próximo a Votuporanga. Ali sempre se chamou sertão de Rio Preto. Meu pai era de Monte Alto. Frederico Pontes Gestal. Minha mãe Dalila Lacerda Ferreira era da vizinha Jaboticabal cujo bisavô João Pinto Ferreira fundou a cidade.

Na década de 20 meu pai estudou farmácia na extinta Escola de Odontologia e Farmácia de Pindamonhangaba. Criada por lei municipal em 1º de outubro de 1913 teve seu reconhecimento suspenso por decreto de 29 de abril de 1929. Ele morava em república como a maioria dos estudantes de outros lugares na cidade de Pinda. Assim ela tem sido chamada em razão do nome comprido. Pras idas e vindas utilizava o trem. Descia em Jaboticabal e tomava a jardineira até Monte Alto. No intervalo entre trem e jardineira acabou conhecendo minha mãe. Após ele participar da Revolução de 32 no Vale do Paraíba lutando na fronteira com o Rio de Janeiro se casaram.

Como se observa minha família é oriunda da mesorregião de Ribeirão Preto de onde partiram muitos desbravadores em direção ao oeste de São Paulo. Meu avô paterno é um deles. Manoel Pontes Gestal. Nos anos 30 ele vendeu as terras que possuía em Monte Alto. Era a crise do cultivo de café na região. Partiu para mais longe e adquiriu outras terras em Américo de Campos. Delas surgiu então o atual município de Pontes Gestal. A vila foi se formando conforme meu avô doava terrenos de seus 5600 alqueires e dava emprego. Recebeu do Exército Brasileiro o título de Coronel Pontes Gestal em razão das terras devolutas que ficaram sob sua guarda encampadas por ele e primos. A família se espalhou por ali. Hoje o coronel meu avô é nome de escola no município. EE Coronel Pontes Gestal.

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Depois de casados seguindo a rota familiar meus pais fixaram residência em Américo de Campos. Lá montaram uma farmácia. Fui o primeiro filho do casal. Não nasci em Américo de Campos. Minha mãe veio para Jaboticabal onde havia mais recursos para me dar à luz. Nasci em casa de meus avós maternos com parteira em 31 de agosto de 1934. Recebi o nome de Newton Raymundo Lacerda Pontes Gestal. Tive um irmão. Fred Martinho Lacerda Pontes Gestal. Ele cumpriu toda a carreira no Magistério Público do Estado de São Paulo. Terminou como dirigente em Diretoria de Ensino de Ribeirão Preto.

Em Américo de Campos meu pai se tornou chefe político. Farmacêutico querido. Ficou conhecido como Fred. Diminutivo de Frederico. Qualquer coisa: Chame o Fred! Ele resolve. Naquela primeira metade do século XX era o médico local. Fazia partos e diagnosticava doenças. Pau pra toda obra. E gostava de se embrenhar no mato para caçar. Ficava caçando no Mato Grosso de três a quatro dias aos finais de semana. Minha mãe ficava firme na farmácia. Era uma empresa quase tocada pela família. As pessoas chegavam e logo perguntavam por dona Lila. Minha mãe. Ela dava um jeito. Os casos graves encaminhava para meu pai. Na sua ausência recorria ao médico dr. Jamil Zeitune que posteriormente havia chegado à cidade. Contudo ele e meu pai muito amigos estavam na maioria das vezes caçando juntos. Então o caso se resolvia entre minha mãe e a enfermeira do ambulatório médico. Graças a Deus sempre deu certo!

Na farmácia havia dois empregados. Eu e meu irmão ajudávamos em algumas horas. Aprendemos a aplicar injeções e a manipular fórmulas desde cedo. Farmácia grande: loja e laboratório. Manipulávamos remédios para amarelão, lombriga,

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impaludismo ou maleita etc. Preparávamos óleo de rícino. Poderoso purgante. Acrescentávamos essências e ervas ao Biotônico Fontoura para aumentar sua eficácia. Era fortificante muito receitado às crianças.

Cursei o primário no Grupo Escolar de Américo de Campos. Para cursar o ginásio fui para Tanabi. Ginásio Municipal Fernando Costa. Criado pela Lei nº75 de 23 de fevereiro de 1948. DO de 24 de fevereiro de 1948. Hoje EE Padre Fidélis. Eu morava em república com meu irmão e outros amigos. No final da 4ª série hoje 8ª comemoramos nossa formatura antes do exame oral de Latim. Tomamos birita, caipirinha e outras. Fui meio zonzo responder as perguntas do professor. Não respondi nada. Precisava de poucos pontos e não deu. Peguei 2ª época. Fui aprovado. Continuei os estudos em Jaboticabal.

Fiz dois meses de curso preparatório para o colegial. O exame era rigoroso. Entrei para o clássico no Colégio Estadual Aurélio Arrobas Martins. Hoje EE Aurélio Arrobas Martins. Cursei um ano e desisti assim como meu inseparável irmão. Seguimos influências várias e fomos cursar o normal. Sempre juntos como os irmãos corsos. Pegamos o caminho mais curto para se ganhar dinheiro. Em 55 nos formamos professores primários.

Em 56 comecei a lecionar em Américo de Campos. Escola municipal. À noite dava aulas para os adultos. Precisava adquirir pontos para me efetivar. Ali fiquei dois anos: 56 e 57. Por pontos ingressei como professor efetivo no Magistério Público do Estado de São Paulo em Santa Fé do Sul. Escola isolada em zona rural. Escola Masculina do Bairro Can-Can. Fui com um colega de escola e futebol Nildes Favo que como jogador se chamava

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Jair. Dormíamos em cômodo ao lado do prédio da escola e tomávamos refeição em casa do fazendeiro. Eles nos levavam a cavalo até a estrada onde se pegava a jardineira em dias de reunião na cidade. Depois nos buscavam da mesma forma. Cada um em seu cavalo. Aos domingos jogávamos futebol com o pessoal da fazenda e participávamos de festas. Festas juninas. De aniversários e casamentos. Era muito respeitado. Me chamavam: Ô professor! Ô professor! Ô professor! Pra lá e pra cá...

Fiquei em Santa Fé por 6 meses. Sempre fui jogador de futebol amador e também profissional desde estudante. Em todos os lugares por onde passei: eu e meu irmão. Tanabi, Jaboticabal e Santa Fé do Sul. Como eu jogava futebol o pessoal de Cardoso arrumou minha transferência para lá. Fui ser diretor de uma escola agrupada que tinha quatro classes em duas salas e em dois períodos: manhã e tarde. Escola Agrupada da Vila Alves. Eu ia à Coletoria Estadual e recebia o dinheiro. Levava numa pasta para pagar os professores. A servente recebia do município.

Em 59 me casei e eu jogava futebol por Cardoso como profissional. Ganhava o aluguel da casa e gratificação. Bicho! Um dinheirinho que vinha em envelope e era entregue no vestiário. Como éramos jovens gastávamos tudo. Tive também uma farmácia montada por meu pai. Cometi o pecado de ser galista: programar briga de galos que na época não era proibida. Lá nasceram meu primeiro e segundo filhos. Newton Roberto e Newton Fernando. Minha esposa mãe deles também era professora. Por último nasceu Luís Ricardo.

Meu pai desgostoso com a política de Américo de Campos

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havia se mudado também para Cardoso. Montou a farmácia e uma filial para mim e um sócio prático em farmácia chamado Anselmo. Ao se consolidar líder da região meu pai retornou para Gestal. Após articulações políticas conseguiu criar o município de Pontes Gestal e como candidato único foi seu primeiro prefeito. Não foi o segundo porque não havia reeleição. Contudo foi eleito outras vezes alternadas. A rodovia estadual que liga Cardoso a Pontes Gestal se chama Rodovia Frederico Pontes Gestal. A escola municipal também leva seu nome.

Fiquei em Cardoso por dez anos. Jogando futebol e dirigindo a escola agrupada. Tocava como sócio a filial de farmácia. Em 69 transferi meu cargo de professor primário para Jaboticabal. Minha esposa me seguiu. Ali comecei a ser professor mesmo. Vi futuro na carreira. Dava aulas em três períodos. De manhã: Grupo Escolar Nossa Senhora da Aparecida onde era efetivo. Hoje escola municipalizada. Como professor-aluno de Geografia e História à tarde lecionava no Ginásio Estadual de Taiuva. Atual EE Coronel Benedito Ortiz. Taiuva é uma pequena cidade próxima a Jaboticabal. À noite voltava para Jaboticabal lecionar Filosofia, Psicologia e Sociologia no Colégio São Luís. Hoje Universidade São Luís. Junto com meus amigos e fundadores do colégio Afonso Carregari Martins e Waldemar Martins Fui vice-presidente da instituição. Aos finais de semana cursava as faculdades.

No Colégio São Luís me formei em Contabilidade logo no começo e depois lá dei aulas de Contabilidade e Geografia. De Simca Chambord eu me deslocava de uma cidade à outra. Com este mesmo carro vinha a Mogi das Cruzes ou a São Carlos aos finais de semana cursar faculdades. Quem me proporcionou a

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compra do Simca foi Afonso Carregari que o pagou à vista ao dono que era de Monte Alto. Depois descontou aos poucos de meu salário no Colégio São Luís. Assim fiquei com dois carros. O outro era um fusquinha com que eu andava dentro da cidade para trabalhar. Fazia dele minha sala. Nele guardava avental, livros, provas a serem corrigidas etc. Olhe a diferença de hoje!

Em 70 me formei nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras de Mogi das Cruzes. De 65 a 75 como fundador do CPP – Centro do Professorado Paulista – em Jaboticabal fui seu presidente. Nos finais de 75 e início de 76 cheguei a Guarulhos. Foi uma permuta com uma professora de Jaboticabal. Um negócio em que ganhei dinheiro. Naquela época era assim. Na Faculdade de Direito de São Carlos me formei em 77.

Tinha o intuito de largar o magistério. Recebi convite para ser assessor parlamentar do deputado federal do antigo MDB da região ribeirão-pretana João Cunha que era meu primo. Minha mãe e tias me dissuadiram. Não deveria largar um cargo efetivo que seria para toda a vida.

Fui para sala de aula na EEPG João Álvares de Siqueira Bueno. Hoje EE João Álvares de Siqueira Bueno. Fiquei por pouco tempo. Professor João Luiz de Godoy Moreira delegado da antiga 2ª DE de Guarulhos me ofereceu a direção das Escolas Agrupadas do Parque das Nações, Jurema e Alvorada que ficavam numa antiga residência adaptada no Parque das Nações. Lá havia duas salas de aula, outra sala que era diretoria e secretaria, um banheiro para meninos, outro para meninas e outro banheiro para nós adultos. A escola funcionava em três períodos. Lá além dos professores trabalhávamos eu, uma servente, uma oficial de escola e a merendeira paga pela prefeitura que era dona

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Corina. Ela fazia a sopa escolar auxiliada por duas pessoas numa cozinha improvisada. Depois que mudamos de lá a casa foi demolida. Hoje no terreno existe outra casa residencial.

Ao ser construído o prédio próprio o nome da escola devido a sua localização virou briga na região incrementada por disputas políticas. Uma hora era EEPG do Parque das Nações. Outra do Parque Jurema. Ou então do Parque Alvorada.

As brigas acabaram ou amainaram em 78 ao falecer o professor de Português Antônio Viana que deu nome à escola. EEPG Antônio Viana de Souza. Hoje EE Antônio Viana de Souza. Ele era nordestino e animador de festas. Adorava festas juninas. Era dia dos professores. Houve reunião e depois um coquetel. Antônio passou mal. Em meu carro o levamos para o Pronto Socorro de Ermelino Matarazzo. Voltei para escola e ele ficou acompanhado de outro professor. Logo me ligaram. Caso grave e não era consequência de bebida. Era infarto. Seria removido pra o Hospital do Servidor. Faleceu a caminho na ambulância. Veio a família: irmão e tio. Foi enterrado no cemitério de Bonsucesso.

Fui morador da região no Jardim Angélica. Aluguei uma casa e me casei pela segunda vez com outra professora. Lá eu não era o professor Newton. Era o diretor. Qualquer coisa: chame o diretor! Participava das três sociedades amigas de bairro: Parque das Nações, Parque Jurema e Parque Alvorada. Faziam questão de minha presença nas reuniões.

Ali todas as ruas eram de terra. Avenida Jurema onde ficava a escola era de terra. O ônibus deixava professoras e professores na Avenida Juscelino Kubitschek que tinha asfalto e eles subiam

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a Avenida Jurema com chuva, guarda-chuva e barro. Tinham que ir para o chuveiro se lavar. Tomar banho mesmo e depois darem aulas. As serventes recolhiam os alunos. Havia muita solidariedade entre pais de alunos, membros da APM que colaboravam muito, funcionários e professores. O presidente da APM – Associação de Pais e Mestres – era Sr. Orlando. Dono de um armazém que nos fornecia gás. Morar perto da escola foi muito importante pelo menos naqueles tempos. Principalmente quando se é o diretor.

Nesta época se iniciou a campanha de luz por iniciativa das sociedades amigas de bairro. Havia luz só na escola. Ruas de terra e escuridão próximas a uma escola impossibilitada de instalar curso noturno. Fui chamado para fazer parte e comandar uma comissão para ir à prefeitura exigir a iluminação nos bairros. O prefeito era Néfi Tales que nos recebeu. Saímos com a promessa de que enviaria uma pessoa encarregada de marcar quais ruas deveriam ser iluminadas primeiramente. Veio um funcionário de jeep com quem percorremos a região. Listamos prioridades e encaminhamos.

Passados alguns dias aconteceu uma surpresa. Houve o início de iluminação do outro lado da Dutra no Bonsucesso onde ficava um motel. Revoltados os moradores foram à escola pedindo minha companhia mais uma vez para irmos à prefeitura reclamar. Fomos. Néfi nos pediu desculpas. Não fora ordem dele começar pelo lado de lá. Foi feita por fim a iluminação correta. Assim instalamos o curso noturno na escola por volta de 1977.

O curso noturno era reivindicação antiga da comunidade. Alguns colegas achavam loucura. Contudo beneficiamos muitos alunos que trabalhavam durante o dia cujos empregos

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geralmente ficavam em São Miguel Paulista. A maioria era arrimo de família.

A escola se tornou uma das maiores da região. Foi construída uma cantina que fornecia lanches e até jantares. Graças ao Sr. Carlos que como dono de depósito de materiais de construção nos forneceu materiais para tal. Depois nos indicou uma senhora com pré-requisitos para dirigir a cantina. O prédio não era murado como hoje e nunca tivemos problemas de segurança. Tínhamos apoio de quem nos cercava. Principalmente de Orlando e Carlos que eram comerciantes. De Zé Maria. De Luiz que era operário. De Osmar Tadeu hoje advogado.

O caso de um senhor nos comoveu. Ele me procurou pedindo uma oportunidade para retornar aos estudos. Queria obter um diploma coisa que não havia conseguido em razão do vício da bebida. Oportunidade se deu. Estava tudo bem. Após alguns meses acabou dando problema na sala de aula e o encaminharam para a diretoria. Falei com ele que permaneceu calado e de cabeça baixa. Por fim lhe dei dois dias para ficar em casa e refletir. Neste ínterim fiz uma reunião com a professora e a assistente. Decidimos devido a suas atitudes e comportamentos anteriores a lhe dar mais uma oportunidade. Assim foi feito. Ele aproveitou e tirou seu diploma. No dia da solenidade nos agradeceu muito. Que felicidade!

Eu e os presidentes das sociedades amigos de bairro nos reunimos para resolvermos o problema de moradores que não possuíam título de eleitor. Como advogado eu conhecia o juiz do Tribunal Regional Eleitoral e fomos até ele que nos recebeu e me pediu duas salas da escola para os funcionários trabalharem

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em dois sábados. Assim foi feito e se marcaram as datas. A equipe compareceu. Lá foram feitas transferências de títulos de todos os lugares do Brasil e quem não os tinha tirou o seu.

Quero registrar que entre tantos alunos e alunas que passaram por nós naquela região foi aluna da professora Neuza Motooka a atual dirigente da Diretoria de Ensino Guarulhos Sul: Maria Aparecida do Nascimento Barretos. Trabalhava conosco sua mãe dona Maria e seu pai José – seu Zé – que se tornaram meus grandes amigos. Moradores antigos do Parque das Nações.

Ainda entre os moradores formamos um time de futebol de veteranos que se tornou o principal do bairro. Aos domingos o campo estava sempre lotado. Aí fiz muito mais amizades...

Fiquei na Escola Antônio Viana até praticamente quando ela ganhou nome definitivo. De lá saí em 16 de abril de 79. Cuidamos muito daquele prédio novo. Eu e as profissionais que me auxiliavam. O piso de ladrilho comum se encerava com cera líquida. Havia plantas em vasos na entrada e no corredor. Ajardinamos o terreno. O Secretário de Educação José Bonifácio Coutinho ali esteve. Lavrou um termo de visita elogiando nosso trabalho. Aqui tem o dedo de professor. Escreveu. Quando chegou a primeira diretora efetiva me retirei. Professor João Luiz me mandou para Escola Agrupada do Tevo – Tevó –. Entre Arujá e Santa Isabel. Pertencente a Santa Isabel.

Contudo logo que saí do Antônio Viana retornei para uma solenidade. Lá estavam a diretora efetiva, a diretora regional – professora Neide Aragão –, o delegado da 2ª DE – professor João Luiz, representantes de autoridades municipais e estaduais. Foi montada a mesa festiva e alguém seria homenageado.

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Começaram os discursos. Próximo na quadra os alunos com o professor de Educação Física aguardavam para demonstração de ginástica que fariam depois. Não paravam de falar, conversar e rir. A diretora regional solicitou que a diretora efetiva da escola fosse lá e acabasse com o barulho. Não adiantou. Professora Neide perdeu a paciência e bradou: Professor Newton assuma o comando! Fiquei atordoado e envergonhado. Fui lá. Conversei com eles e tudo se acalmou.

Fiquei pouco tempo em Santa Isabel no Tevó. Foi uma passagem que muito me agradou. Já conhecia todos os diretores de escola e alguns professores. Fortaleci laços de amizade com os colegas da educação que moravam na cidade. Estava sempre presente em festas programadas. Ia aos bailes dos idosos que ali eram tradicionais. Como não podia deixar de acontecer fizemos vários jogos beneficentes de futebol society de diretores contra professores. Ajudei na criação do CPP em Santa Isabel por ser diretor e conselheiro do CPP central.

Assim que João Luiz assumiu a DRE – 4 – Norte ele me chamou para ser assessor jurídico. Já era o início da década de 80. Ocupei a vaga do professor Alberto Bacan que tinha falecido. Ao aceitar tomei a iniciativa de me mudar para o centro de Guarulhos. Consegui uma casa na Rua Carlos Bresser e instalei residência. Não iria mais embora desta cidade. Minha família acabou aumentando. Tive duas filhas. Simone nasceu em 1981. Geisa nasceu em 1983.

Na DRE acabei conhecendo melhor o professor João Luiz e ele a mim. Ficamos muito amigos e ele consolidou minha permanência aqui. Conheci mais pessoas da vida social e política. Guarulhos

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acabou sendo minha cidade e em 2010 recebi o honroso título de Cidadão Guarulhense pela Câmara Municipal. Assistente jurídico foi meu último cargo no Magistério Público Estadual e nele me aposentei.

Enquanto estive atuando neste último espaço tive alguns trabalhos preocupantes que foram resolvidos. Fizemos a primeira sindicância do Colégio Nove de Julho. A comissão foi por mim presidida. Quem nos recebeu foi o próprio proprietário da escola. José Ribamar Matos da Silva. Deu trabalho examinar toda aquela papelada. Encerramos com um relatório imenso de exigências a serem cumpridas.

Houve uma denúncia a respeito da APM da EE Érico Veríssimo dirigida pelo conhecidíssimo professor José Fernando Bacan. A queixa era de pais de alunos. Fui lá na Vila Endres onde fui muito bem recebido pelo diretor. Este me apresentou documentos. Testemunhos e relatos de membros da APM e funcionários. Foi o trabalho mais curto que realizei. Denúncia improcedente. Na verdade os queixosos queriam que a escola cobrasse tacha de matrícula e tivesse cantina a fim de angariar finanças para APM como as demais escolas estaduais. O que era contrário ao propósito do diretor e da maioria de professores, funcionários, alunos e pais.

De outra vez tive que comparecer à EE Conselheiro Crispiniano. Uma professora deixara um aluno de recuperação e os pais alegaram que não houve a devida recuperação. Foi trabalhoso. O processo havia sido encaminhado até a 1ª DE e em seguida para a DRE – 4 – Norte. Eu estava de férias e a pedido do regional as cancelei. Vim trabalhar. Presidi a sindicância cuja equipe

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era composta por mais dois supervisores. Ouvimos pessoal administrativo, docentes, alunos e pais de alunos em mais ou menos três dias. Elaboramos relatório contendo medidas a serem tomadas pela direção da escola. Deu certo felizmente.

Aconteceu uma revolta no Parque Alvorada na EE Maria Aparecida Rodrigues. Um grupo de pessoas alteradas quebrara portas e jogara fora toda a merenda escolar que estava armazenada. Lá fui eu com o famoso fusquinha da DRE e o fiel motorista meu amigo Zé Carlos. Tive a sorte de logo ser reconhecido pelos moradores. Eu dirigira o Antônio Viana que ficava em bairro ali próximo e tinha saldo de respeito e credibilidade. Gritaram: É o diretor nosso amigo! Ouvi as manifestações antes de adentrar ao recinto escolar. Convidei um grupo representativo para reunião em uma sala. Como não havia clima as aulas foram suspensas naquele dia. Consegui através dessas lideranças acalmar os demais. Resolvemos o problema da merenda que fora o pivô de tudo. Entenderam que não havia nada de suspeito na merenda oferecida pela prefeitura.

O caso mais preocupante resolvido por mim foi o de um colégio particular na cidade de Caieiras cuja DE pertencia à DRE – 4 – Norte. Fui designado pela Secretaria de Educação do Estado juntamente com dois supervisores em publicação no DO para resolver o problema. Tínhamos que avaliar se o colégio poderia continuar funcionando após vários processos inconclusos. Depois de longo trabalho de investigação e exames de papelada cumprimos a triste missão de solicitar seu fechamento. Cuidamos de indicar escolas para transferências de alunos para que não fossem prejudicados. Nosso relatório foi aceito na íntegra pela secretaria.

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Durante uma greve de professores com apoio do CPP, APEOESP, UDEMO e outros mais estacionaram um caminhão em frente à DRE. Convidavam o professor João Luiz a se pronunciar. Este me chamou e pediu que eu fosse ao local. Ao chegar próximo ao caminhão e já ia subir quando ouvi manifestações atacando o prefeito municipal. Chamei as duas colegas representantes de suas entidades e pedi desculpas. Aleguei que nossa luta era contra o governador do Estado. Nosso patrão. Não contra o prefeito. As coisas não poderiam ser misturadas. Não subi no caminhão e comuniquei o fato ao diretor regional.

Através da DRE tive uma vida social na cidade e na educação bastante destacada. Trabalhava em ambiente harmonioso e competente. Na primeira reunião em que representei o diretor regional ouvi elogios à nossa equipe que foram lavrados em ata. Não cito nomes que são muitos para não ser injusto. Tive muitos auxiliares e devo mencionar duas que muito me ajudaram: Neide Marchesini e Marlene Correia. Ainda no SERHU – recursos humanos da DRE – tivemos a direção do supervisor Romeu de muita eficiência. Tivemos algumas divergências nos pontos legais de processos. Acabávamos resolvendo de maneira bastante amigável após calorosas discussões. Dali saíram secretários de escola como Fortunato e Jorge Sagae que aprenderam muito e foram trabalhar no DRHU. Órgão responsável pelo controle de todo o recurso humano da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

Ainda tive a honra de ser convidado para trabalhar na Secretaria da Educação do Estado junto à procuradoria. Como estava me preparando para me aposentar não aceitei. Além de gostar imensamente do ambiente de trabalho aqui em Guarulhos. Agradeci o convite.

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Certo dia eu e professor João Luiz fomos chamados na sede cen-tral do CPP em São Paulo para uma reunião com professor Só-lon Borges dos Reis na época deputado federal e como é sabido foi seu fundador. Já que havíamos sido eleitos anteriormente para o conselho superior dessa entidade ele nos incumbiu de tomarmos o comando em Guarulhos. Fui indicado presidente devido à minha experiência anterior em Jaboticabal e João Luiz foi indicado meu vice. Tivemos sorte. João Luiz sendo muito conhecido na cidade e reconhecido socialmente sabia como nin-guém organizar festas e recepções. Enquanto trabalhávamos na DRE em dias úteis ficava na sede nos representando professora Terezinha Prado dos Santos auxiliada pelos colegas professores de Educação Física Gerson e Edinho. Dois irmãos e o último já falecido.

Antes o CPP de Guarulhos fora dirigido pelo diretor de escola Otis Carvalho seu primeiro dirigente. Auxiliado por Antônio Moreno, Jocelem, Marlene Correia e Neide Marchesini. Eles conseguiram a doação do terreno com o prefeito Pompêo e oficializado pelo prefeito Néfi Tales. Construíram o prédio com duas salas, dois vestiários e uma piscina.

Ao assumirmos em um ano e poucos meses reformamos e ampliamos o prédio. Drenamos a área que era muito úmida. Erguemos um salão social e cantina do lado. Quadra esportiva e campo de futebol social. Cercamos em torno da piscina e construímos mais dois vestiários. Aumentamos o número de sócios. Fizemos parceria com a Prefeitura Municipal na área social e de lazer que trouxe benefícios aos associados e não associados. Principalmente a crianças, idosos e portadores

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As opiniões e depoimentos expressos nesta obra são muito particulares e não refletem necessariamente a opinião da Secretaria Municipal de Educação, sendo de responsabilidade da autora e das professoras e professores.

de necessidades especiais. O CPP hoje é muito conhecido na cidade. É local preferido para festas de aniversários, batizados, casamentos etc.

Depois de aposentado de 2001 a 2010 fui eleito membro do conselho fiscal da Cooperativa de Crédito de Guarulhos – SICOOB/Cantareira – que integra o fundo garantidor do Banco do Brasil. Garantia a cada CPF ou CNPJ de associados empréstimo até R$ 250 000,00 na época. Era presidente Mílton Mesquita. Diretores: Odair Ribeiro e Celso Batista de Rego. Contudo meu lugar preferido é aqui na sede do CPP – Guarulhos. Sempre aqui estarei. Agradeço a oportunidade que me foi dada de registrar passagens de minha vida. Obrigado!

Guarulhos, 10 de março de 2014.

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PrefeitoSebastião Almeida

Vice-PrefeitoCarlos Derman

Secretária Municipal de EducaçãoProf.ª Neide Marcondes Garcia

Secretária Adjunta de EducaçãoProf.ª Zenaide Evangelista Clemente Cobucci

Diretora do Departamento de Ensino Escolar

Sueli Santos da Costa

Diretora do Departamento de Orientações Educacionais e Pedagógicas

Sandra Soria

Diretor do Departamento de Controle da Execução Orçamentária da Educação

Fernando Ferraz

Diretor do Departamento de Alimentação e Suprimentos da EducaçãoReginaldo Andrade Araújo

Diretor do Departamento de Manutenção de Próprios da Educação

Luiz Fernando Sapun

Diretor do Departamento de Planejamento e Informática na Educação

Carlos Eduardo da Silva

Diretora do Departamento de Serviços Gerais da Educação

Margarete Elisabeth Shwafati

DIVISÃO TÉCNICA DE PUBLICAÇÕES EDUCACIONAIS

Gerência: José Augusto Lisboa Criação e Design: Claudia Elaine da Silva;

Eduardo Calabria Martins; Anna Solano Fotografia: Maurício Burim Perejão

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Maio de 2016

Page 188: Das PROFESSORaS e professores de GUARULHOS · De lá para Guarulhos foi um pulo em 1944. Morava em casa encostada ao Grupo Escolar Capistrano de Abreu. Es-cola onde terminou o primário