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1585 DAS CAUSAS QUE LEVARAM À FUNDAMENTAÇÃO DO ESTADO CIVIL EM THOMAS HOBBES Natália Milan Prof. Marcos Antônio Lopes (Orientador) RESUMO Este artigo explora o estado de natureza hobbesiano, embasado em uma das paixões que, segundo Hobbes, inclinam os homens a buscarem a paz: o medo. A partir da análise do contexto em que Hobbes viveu, em meio à guerra civil de 1642, é possível inferir que tal paixão é a chave para a compreensão da teoria acerca da formação do Estado representativo. Qual a razão para que os indivíduos abandonem o estado de natureza, pactuem entre si e firmem o estado civil? O cenário político em que a reflexão de Hobbes inseriu-se as disputas entre rei e parlamento, que culminaram na guerra civil inglesa foi determinante para a fundamentação das críticas às demais formas de governo. Hobbes refere-se à democracia, por exemplo, como uma forma de governo „instável‟, devido à possibilidade de haver divergências entre os interesses particulares e os interesses públicos dos membros da assembléia. Caso a assembléia encontre-se dividida, o resultado será a guerra civil e, portanto, o retorno ao Estado de Natureza. Portanto, a análise do contexto histórico, a influência da guerra civil e o constante temor devido ao Estado de Natureza são fundamentais para a compreensão das razões que levaram Hobbes a defender o Estado Civil. Palavras-chave: Thomas Hobbes; Estado Civil; Estado de Natureza

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1585

DAS CAUSAS QUE LEVARAM À FUNDAMENTAÇÃO DO ESTADO CIVIL EM THOMAS HOBBES

Natália Milan

Prof. Marcos Antônio Lopes (Orientador)

RESUMO

Este artigo explora o estado de natureza hobbesiano, embasado em uma das paixões que, segundo Hobbes, inclinam os homens a buscarem a paz:

o medo. A partir da análise do contexto em que Hobbes viveu, em meio à guerra civil de 1642, é possível inferir que tal paixão é a chave para a

compreensão da teoria acerca da formação do Estado representativo. Qual a razão para que os indivíduos abandonem o estado de natureza, pactuem

entre si e firmem o estado civil? O cenário político em que a reflexão de Hobbes inseriu-se – as disputas entre rei e parlamento, que culminaram

na guerra civil inglesa – foi determinante para a fundamentação das críticas às demais formas de governo. Hobbes refere-se à democracia, por

exemplo, como uma forma de governo „instável‟, devido à possibilidade de

haver divergências entre os interesses particulares e os interesses públicos dos membros da assembléia. Caso a assembléia encontre-se

dividida, o resultado será a guerra civil e, portanto, o retorno ao Estado de Natureza. Portanto, a análise do contexto histórico, a influência da guerra

civil e o constante temor devido ao Estado de Natureza são fundamentais para a compreensão das razões que levaram Hobbes a defender o Estado

Civil.

Palavras-chave: Thomas Hobbes; Estado Civil; Estado de Natureza

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Thomas Hobbes nasceu na aldeia de Westport, próximo a

Malmesbury, Inglaterra, em 1588. Nesse mesmo ano, a Inglaterra

encontrava-se sob ameaça da Espanha, comandada pelo rei ultra católico

Felipe II. Segundo o próprio filósofo inglês, sua mãe pariu gêmeos: ele e o

medo.

Por que os indivíduos deixam o estado da natureza e dão vida ao estado civil com suas

vontades concordes? A razão apresentada por Hobbes, como se sabe, é que sendo o estado

de natureza uma situação de guerra de todos contra todos, nele ninguém tem garantia da

própria vida: para salvar a vida, os indivíduos julgam necessário assim submeter-se a um

poder comum suficiente para impedir o emprego da força particular (BOBBIO, 1985,

p. 101).

Desde então, nota-se a influência do medo na vida e,

conseqüentemente, na reflexão de Hobbes acerca da constituição do

Estado Civil e de suas características. De família pobre, aos sete anos,

Hobbes recebeu a tutela de Robert Latimer, mentor em cultura clássica,

que lhe proporcionou conhecimentos em língua grega e latina. Pode-se

dizer que esta formação inicial tenha contribuído, posteriormente, para a

proximidade de Hobbes com os clássicos. Em 1603, Hobbes ingressou no

Magdalen Hall, Oxford. Seu currículo escolar – não muito brilhante, diga-

se de passagem – foi marcado pela Escolástica, Retórica e estudos de

Lógica, Física, Astronomia e Geografia.

Em 1608, após concluir o bacharelado, Hobbes foi indicado para

preceptor do filho de Willian Cavendish, primeiro Conde de Devonshire. A

permanência de Hobbes na casa dos Devonshire foi de fundamental

importância para o seu desenvolvimento intelectual. Apesar da

instabilidade financeira dos Cavendish, este emprego permitiu-lhe poupar-

se da humilhante pobreza em que geralmente viviam os preceptores do

século XVII.

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Em 1629, Hobbes publicou seu primeiro trabalho: a tradução da

Guerra do Peloponeso, de Tucídides, que, embora de caráter literário, já

apresentava antecipações do Leviatã, sua principal obra, publicada em

Londres, 1651.

Entre os anos de 1621 e 1626, Hobbes foi secretário de Francis

Bacon (1561-1626), período em que as questões filosóficas de Hobbes

começaram a se solidificar. Contudo, Hobbes não se ateve ao empirismo

baconiano. Em 1629, durante uma viagem pela Europa, em Genebra,

Suíça, teve a oportunidade de ler os Elementos da Geometria, de Euclides

(século III a.C), obra fundamental para o pensamento racionalista da

época. Entre 1632 e 1637, em nova viagem, Hobbes esteve em Paris e

entrou em contato com o padre Mersenne, correspondente e amigo de

René Descartes (1596-1650), com quem Hobbes logo entrou em

discussão. Igualmente importante para Hobbes foi seu encontro com

Galileu Galilei (1564-1642), na Itália.

Todavia, os novos contatos intelectuais não fizeram com que

Hobbes desviasse sua atenção da situação em que se encontrava a

Inglaterra. Seu interesse pelos problemas sociais era bastante profundo.

Em 1640, de volta à Inglaterra, Hobbes apresentou-se e manteve-se

como defensor do rei, Carlos I (1600-1649), então ameaçado por uma

revolução liberal. Compôs, em apoio ao soberano, seu primeiro tratado,

Elementos da Lei Natural e Política, destinado a fundamentar uma ciência

da política e da justiça. O tratado circulou em cópias manuscritas até

finalmente ser publicado na forma de dois tratados distintos: Natureza

Humana e Do Corpo Político.

Devido ao fortalecimento do parlamento, foi obrigado a refugiar-

se em Paris. Em 1642, ainda em defesa do soberano, publicou Do

Cidadão. Em 1652, Hobbes retornou definitivamente à Inglaterra já

dominada por Olliver Cromwell (1599-1658), o Lord Protector que

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comandara a revolução liberal de 1642, garantindo, assim, o sentido

econômico-burguês da mesma. Em 1654, Hobbes publicou Do Corpo e,

em 1654, Do Homem.

Em 1660, ocorreu a Restauração dos Stuart, marcando a

reconciliação de Hobbes com o rei (e antigo pupilo) Carlos II. Hobbes

retomou o estudo dos clássicos, fazendo traduções de fragmentos da

Ilíada e da Odisséia. Após uma velhice tranqüila, Hobbes faleceu em

Hardwick, em 1679, dez anos antes do triunfo das idéias liberais das quais

havia sido ferrenho adversário.

Além do Estado, Hobbes também escreveu sobre temas como a

razão. Segundo o filósofo, somente a razão é capaz de restaurar o que foi

destruído pela paixão e pela ignorância – neste caso, Hobbes refere-se à

constante luta em que os homens vivem no estado de natureza, pois onde

há igualdade de forças é por meio da luta que se resolvem os conflitos.

Todavia, dessa luta não há vencedores, e o mundo estará inevitavelmente

mergulhado numa guerra civil que condena os homens à morte. Portanto,

somente o Estado é capaz de impor leis e fazer com que os homens

cumpram-nas a fim de assegurarem o bem mais precioso: sua própria

vida. Ademais, Hobbes não julga que o Estado é apenas uma forma de

reprimir as paixões egoístas dos homens e sua inevitável imoralidade: o

Estado é também a condição sem a qual não seria possível aos homens

estabelecerem entre si relações racionais.

A idéia de Hobbes é que a razão se constituiu

no momento em que os homens inventaram a linguagem, impondo nomes aos conteúdos de

sua imaginação, para melhor lembrá-los. Antes da invenção dos nomes, todo o

conhecimento humano se reduzia ao que Hobbes denomina prudência ou o cálculo

mental – um tipo de conhecimento que os

homens partilham com os animais e que se reduz basicamente à expectativa de que um

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evento de produza a partir da relação que ele mostrou ter na experiência passada com

outros eventos. (...) Oferecer a razão de um evento equivale para Hobbes, como de um

modo geral para os racionalistas do século XVII, a fornecer a sua gênese – o que

passamos a poder fazer no momento em que, tendo instituída a linguagem, deixamos de

calcular com imagens para calcular com

nomes, quando definimos um termo e retiramos dessa definição as conseqüências

que estão embutidas nela (LIMONGI, 2002, p. 17).

De acordo com o espírito do racionalismo do seu tempo, Hobbes

concebeu a filosofia como um sistema onde, partindo-se de princípios

fundamentais, é possível decorrer deles as demais noções que irão edificar

o conhecimento. Estas noções referem-se às concepções de corpo e de

movimento. A partir delas, Hobbes fundamentou a teoria da natureza

humana: uma teoria da percepção; uma teoria das paixões e, finalmente,

uma teoria dos costumes. Através da análise da natureza humana,

Hobbes embasou sua teoria política e compôs o plano completo de sua

filosofia: Corpus, Homo, Civis, publicado em 1637.

Quando Hobbes argumenta ser a razão parte da natureza

humana, ele refere-se à capacidade que os homens possuem de conhecer

não só as causas, mas também os fins. Ou seja, seguir regras que lhes

indiquem os meios mais adequados para atingirem determinados fins. A

filosofia seria, portanto, um conhecimento adquirido através de um

raciocínio correto dos efeitos que provocaram as causas anteriormente

concebidas e, inversamente, das causas possíveis conforme os efeitos

conhecidos.

Finalmente, Hobbes aliou todos os seus estudos matemáticos e

reflexões acerca da razão e paixão à fundamentação de sua sabedoria

política acerca do Estado Civil e do poder soberano. Para Hobbes, o poder

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soberano é absoluto. Se não fosse soberano, não seria absoluto. Acima do

soberano não haveria qualquer outro indivíduo. Então, o soberano não

possui limites e pode agir de acordo com seus interesses? Não. No que

concerne às leis naturais e divinas, Hobbes não nega sua existência, mas

argumenta que não se tratam de leis como as positivas, pois não são

aplicadas com a força de poder comum. Por isso, não são obrigatórias

externamente, mas internamente, ou seja, no nível da consciência de

cada indivíduo. Isso quer dizer que o vínculo que os súditos possuem com

as leis positivas não é da mesma natureza daquela que o soberano

mantém com as leis naturais. Ou seja, se os súditos infringirem as leis

positivas, estarão sujeitos ao julgamento do poder soberano.

Entretanto, o soberano está acima das leis positivas, pois ele

representa o próprio Estado, ou seja, o responsável pela elaboração das

mesmas. Portanto, não pode submeter-se a algo que ele mesmo elaborou.

Então, as únicas leis que concernem ao soberano são as naturais. Porém,

se ele não as observar, ninguém poderá puni-lo – pelo menos neste

mundo. Enquanto que aos súditos as leis positivas devem ser obedecidas

absolutamente, as leis naturais são para o soberano apenas regras de

prudência, que lhe sugerem determinadas condutas.

Quanto à esfera pública e privada, Hobbes nega que haja

distinção entre as mesmas. Uma vez instituído o Estado, os direitos

privados – que, em Hobbes, correspondem ao estado de natureza – se

dissolvem completamente na esfera pública, isto é, nas relações de

domínio entre os súditos e o soberano. Com efeito, a razão que inclina os

homens a deixarem o estado de natureza e ingressarem na esfera pública

do Estado é: o primeiro não é limitado por leis impostas por um poder

comum e se resolve num constante conflito permanente (a máxima

“guerra de todos contra todos”).

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De acordo com Hobbes, a propriedade só existe mediante tutela

estatal. No estado de natureza, os indivíduos possuem direitos iguais

sobre todas as coisas, o que quer dizer que não possuem direito a nada,

já que se todos possuem direito a tudo, o mesmo objeto pode pertencer

ao mesmo tempo a vários homens. Somente o Estado pode garantir, com

sua força, superior a todas as forças conjuntas dos súditos, a propriedade

individual.

Devido ao caráter absoluto do Estado, Hobbes rejeita que haja

distinção entre formas boas e más de governo. Mas então, como é

possível distinguir o soberano que respeita as leis daquele que não as

respeita? Tem sentido falar em abuso de poder onde o poder é ilimitado?

Hobbes acredita que não há nenhum critério objetivo para se distinguir o

bom do mau tirano, pois os julgamentos de valor – isto é, a base das

quais dizemos que algo é bom ou ruim – são subjetivos, dependem da

„opinião‟ de cada um. O que parece bom para uns pode ser mau para

outros. Ou seja, não há critérios racionais para tal distinção, pois os

julgamentos derivam das paixões, não da razão.

A análise do contexto histórico na Inglaterra do século XVII

permite compreender as razões que levaram Hobbes a fundamentar sua

teoria do Estado Civil. A reflexão hobbesiana nasce das disputas entre rei

e parlamento na Inglaterra, que culminaram na guerra civil, isto é, na

dissolução do Estado. Hobbes considera responsáveis pela dissolução

aqueles que sustentaram a divisão do poder soberano entre o monarca e

o corpo legislativo, ou seja, o parlamento.

Na Revolução Inglesa, os problemas econômicos e políticos

acrescentavam-se aos religiosos. Com o aumento da importância da

agricultura, os burgueses passaram a investir na compra e exploração das

terras. Os nobres empobrecidos pela concorrência com a burguesia e

ameaçados pela inflação agarravam-se às rendas do Estado. Ao pretender

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aumentar os impostos pagos pela burguesia para manter os gastos com a

nobreza, o rei Carlos I entrou em choque com o Parlamento (na verdade,

com a Câmara dos Comuns, representantes da burguesia, já que os

Lordes eram favoráveis ao rei). Além disso, rei e burgueses enfrentaram-

se também por questões religiosas. O puritanismo possuía inúmeros

adeptos, pois pregava o trabalho e a poupança, favoráveis ao

fortalecimento do capitalismo.

O rei, para quem o controle sobre a Igreja era um instrumento

indispensável do poder, protegia a Igreja Anglicana e perseguia os que

divergiam da religião.

A luta agravou-se em 1628, quando o Parlamento impôs a Carlos

I a Petição dos Direitos, pelo qual questões relativas a impostos, prisões e

convocações do exército não poderiam ser executadas sem autorização

parlamentar. Carlos I aceitou tal imposição, porém não a cumpriu.

Quando a reunião parlamentar do ano seguinte condenou sua política

religiosa e o aumento dos impostos, o rei dissolveu o Parlamento e

governou sem ele por onze anos. Em 1640, foi reunido um novo

Parlamento. Em 1641, a eclosão de um movimento separatista na Irlanda

forçou a organização do exército, cujo comando foi negado ao rei. Tornou-

se, então, obrigatória a reunião do Parlamento pelo menos a cada três

anos, e o rei perdeu o direito de dissolvê-lo. Ainda em 1641, o Parlamento

dividiu-se entre alguns líderes radicais (que queriam desapropriar as

terras dos senhores eclesiásticos) e a aristocracia unida aos burgueses

capitalistas conservadores (que se sentiram ameaçados pelo movimento

popular e voltaram-se para o rei, símbolo de segurança e ordem. Carlos I

tentou recuperar seu poder, indo contra medidas parlamentares. Em

1642, eclodiu a Guerra Civil.

O comando do exército parlamentar foi dado a Cromwell. O

exército tornou-se uma força política poderosa e apoiou a Câmara dos

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Comuns. A Guerra Civil culminou com a decapitação do rei Carlos I e a

implantação da República (Commonwealth), em 1649.

Outra discussão pertinente acerca da teoria hobbesiana refere-se

à crítica ao governo misto.

(...) o rei cujo poder é limitado não é superior àquele ou àqueles que têm o direito de limitá-

lo. E aquele que não é superior não é supremo, isto é, não é soberano. Portanto, a

soberania ficou sempre naquela assembléia que tem o direito de limitá-lo, e em

conseqüência o governo não é uma monarquia, mas democracia ou aristocracia.

Conforme acontecia antigamente em Esparta, onde os reis tinham o privilégio de comandar

seus exércitos, mas a soberania residia nos éforos. (HOBBES, 1999, p. 158).

A crítica hobbesiana acerca do governo misto (considerado

„instável‟) implica outro problema: trata-se da confusão entre a teoria do

governo misto e a teoria da separação dos poderes. De acordo com a

passagem acima, a crítica ao governo misto também consiste em uma

crítica à separação dos poderes. Mas seriam ambos a mesma coisa? Antes

de discutir o assunto, convém citar mais uma passagem.

Acontece por vezes também no governo

meramente civil há mais do que uma alma, como quando o poder de arrecadar impostos

(que é a faculdade nutritiva) depende de uma assembléia geral, o poder de conduzir e

comandar (que é a faculdade motora) depende

de um só homem, e o poder de fazer leis (que é a faculdade racional) depende do consenso

acidental não apenas daqueles dois, mas também de um terceiro. Isto causa perigos no

Estado, umas vezes por causa de consenso para boas leis, mas muitas vezes por falta

daquele alimento que é necessário para a vida e para o movimento. Pois, muito embora

alguns percebam que tal governo não é

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governo, mas divisão do Estado em três facções, e o chamem monarquia mista,

contudo a verdade é que não é um Estado independente, mas três facções

independentes, não uma pessoa representativa, mas três. No reino de Deus

pode haver três pessoas independentes sem quebra da unidade no Deus que reina, mas

quando são os homens que reinam e estão

sujeitos à diversidade de opiniões isso não pode acontecer. Portanto, se o rei representa

a pessoa do povo e a assembléia geral também representa a pessoa do povo, e outra

assembléia representa a pessoa de uma parte do povo, não há apenas uma pessoa, nem um

soberano, mas três pessoas e três soberanos. Não sei a que doença do corpo natural do

homem posso comparar exatamente esta irregularidade do Estado. Mas uma vez vi um

homem que tinha outro homem ligado a um de seus lados, com cabeça, braço, tronco e

estômago próprios: se tivesse outro homem do outro lado, a comparação podia então ser

exata (HOBBES, 1999, p. 248).

De acordo com a passagem acima, podemos concluir que o

governo misto representa para Hobbes algo monstruoso. Contudo, a

verdadeira crítica de Hobbes dirige-se à separação das funções principais

do Estado e à sua atribuição a órgãos distintos. A idéia do governo misto

não surgiu para dividir o poder único do Estado, mas sim em tentar

compor numa unidade as diversas camadas que constituem a sociedade.

Admitindo-se que as funções do Estado sejam três – a legislativa, a executiva e a judiciária –

a identificação da prática da divisão de

poderes com a realidade do sistema político “misto” só pode ser feita se a cada função

corresponder uma das três partes da sociedade (reis, nobres, povo); isto é: se for

possível conceber um Estado em que ao rei caiba a função executiva, ao senado a

judiciária, ao povo a legislativa. Ora, esta é uma idéia que os primeiros teóricos do

governo misto não tinham jamais sustentado.

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Na verdade, o perfeito governo misto é o oposto: nele a mesma função – a função

principal, que é a legislativa – é exercida em conjunto pelas três partes que o compõem; ou

seja, para pensar nos termos da constituição considerada por Hobbes, pelo rei juntamente

com os Lords e os Commomns‟ (BOBBIO, 1985, p. 104).

A dissolução do Estado, segundo Hobbes, equivale retornar ao

estado de natureza e viver constantemente ameaçado pela desconfiança e

direito de agir por antecipação, caso os homens sintam-se ameaçados.

Quanto às causas atribuídas à desintegração do Estado e a crítica ao

governo misto, como o da Inglaterra em questão, Hobbes pauta-se na

instabilidade provocada pela possível divergência entre os interesses dos

membros que compõem o Estado. As repercussões da guerra civil e os

problemas sociais sempre despertaram seu temor e interesse.

O Estado se constitui como um poder soberano, acima do qual

não há nenhum outro e ao qual os demais poderes (eclesiástico,

econômico) se subordinam. Quanto a isso, Hobbes foi imensamente

criticado pela Igreja. A aversão ao estado de natureza, o medo da morte e

as incertezas provocadas pela divisão dos poderes, fundamentam a defesa

do Estado monárquico, de cunho absoluto e indivisível.

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