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II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013
Dar, receber e retribuir: a dádiva do voto e o fortalecimento das
oligarquias locais.
Oliveira. Carina Gomes de.(1); Silva, Leonardo Vieira. (2); Leite, Ozimar Junio Bovió.(3)
1. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais na Universidade Estadual do
Norte Fluminense Darcy Ribeiro.
Email: [email protected]
2. Graduando em Ciências Sociais na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.
Email: [email protected]
3. Graduando em Ciências Sociais na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.
Email: [email protected]
Resumo: O artigo pretende discutir a formação do território e a criação das relações que lhe dão
significado. Deste modo, discutir a relação do voto, enquanto “presente” e sua relação com a política
entre a colônia e sua faze democrática inicial. O trabalho busca compreender as relações entre o
mandonismo oligárquico brasileiro e sua relação com a população do campo a luz do conceito de
dádiva de Marcel Mauss e da contribuição de outros autores da sociologia brasileira.
Palavras chave: Patrimonialismo. Cooptação. Estado. Oligarquia.
II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013
INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca realizar uma discussão sobre como as relações políticas
foram constituídas conjuntamente com o território dentro do espaço e tempo. Para isso
utilizaremos o conceito de patrimonialismo weberiano para explicar as relações entre o
público e o privado, e a concepção de dádiva de Marcel Mauss para explicar como eram as
relações entre os agentes no campo.
Utilizaremos também Maria Sylvia de Carvalho, Fernando Uricocheia, Florestan
Fernandes, Oliveira Vianna, Victor Nunes Leal, Caio Prado Jr. para explicar como ocorreu o
processo de criação e fortalecimento das oligarquias locais e como estas relacionam-se com
a sociedade local. O que se pretende é através da noção de dádiva de Mauss explicar como
as relações locais resultaram cooptação política, fidelização e sua penetração no jogo
político.
WEBER E MAUSS DO PATRIMONIALISMO A DÁDIVA.
Na civilização escandinava e em muitas outras, as trocas e os contratos se fazem sob a forma de presentes, em teoria voluntários, na verdade obrigatoriamente dados e retribuídos.
Marcel Mauss
Em seu texto “ensaio sobre a dádiva” o autor Marcel Mauss procura entender como
ocorre o presente, o que envolve e porque a necessidade de retribuí-lo. Ele busca através
dos fenômenos sociais totais analisar a sociedades ditas primitivas. Entre esses fenômenos
encontram-se as instituições religiosas, políticas e morais – estas permeando a política e a
família ao mesmo tempo, as econômicas e estéticas.
Quando há a negociação de um contrato/troca não só bens materiais e moveis são
trocados, mas as generosidades, ritos, serviços militares entre outros. O acordo é tão
somente um momento, o desenvolver da vida cotidiana onde ele é levado a cabo é o local
de verdadeira ação. Ao principio toda dádiva parece voluntaria, mas não são já que
independente do ator para que possa existir um acordo elas precisam existir; para que
sobreviva é preciso que os valores morais de honra e dever sejam os fiscais garantindo que
cada dádiva recebida seja aceita e retribuída.
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Importante analisarmos que a generosidade é um fator que transcorre em todas as
ações de dádiva, pois ela se mostra como pano de fundo da questão até se concretizar.
Segundo o autor há uma finalidade destas trocas que é “antes de tudo moral, seu objeto é
produzir um sentimento de amizade entre as duas pessoas envolvidas, e, se a operação não
tivesse esse efeito, faltaria tudo...”. “Ninguém é livre para recusar um presente oferecido.
Todos, homens e mulheres, procuram superar-se uns aos outros em generosidade”.
Com isso pode se entender que o dar, o qual é a essência do potlatch. A
obrigatoriedade de receber e não é de menor importância, tendo em vista, que não se é
dado o direito de recursar uma dádiva. Logo, a obrigatoriedade de retribuição é todo o
contexto do potlatch, na medida em que ele não se resume em uma pura destruição; a
obrigação de retribuir dignamente é imperativa.
Os elementos essenciais para que os acordos sejam firmados são a honra, o dever e
o prestigio. A honra, entendida enquanto dignidade e grandeza obrigam a aceitação, ou
seja, pressupõe o reconhecimento de um valor no outro que qualifica o presente. O dever
obriga a retribuição digna do presente, deste modo, tem de ser dado algo no mínimo
equivalente ao que foi recebido implicando na perda do prestigio frente aos seus pares e a
quem concedeu a dádiva em primeiro lugar. Assim, dar, receber e retribuir é uma cadeia que
aglomera ritos, valores morais e regras sociais não escritas, mas que regem a vida cotidiana
e suas relações.
Ao debruçar-se sobre o universo analisado se pode entender, que o principio troca-
dádiva, adquirir um caráter prévio do contrato individual puro, ou seja, antes ainda de estar
baseado no mercado, o qual há uma circulação de dinheiro, à venda propriamente dita.
Dessa forma, se torna possível apreender que o cerne da dádiva, é, ela como elemento
produtor de alianças, que transita em muitas esferas, entre elas estão: patrimônio,
matrimonio, política, religiosa, econômica , jurídicas e diplomáticas.
Em Weber, na sua obra “economia e sociedade” (1994), o autor cria os tipos ideais.
Estes como os conceitos, são unilaterais e construídos para que tenhamos a capacidade de
analisar fragmentos da realidade. Eles constituem-se como pontos exagerados que
possibilitam a estruturação de um pensamento analítico mais homogêneo, pois à realidade
em que vivemos é heterogênea. Esse processo serve como ponto de referência, uma vez
que nenhum sistema é capaz de reproduzir integralmente os modelos obtidos com os tipos
ideais no cotidiano.
Os três tipos ideais de dominação são: racional legal, carismática e tradicional.
Todas as formas são válidas porque possuem legitimidade a partir do reconhecimento de
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seu domínio. A dominação seria uma forma de manifestação concreta do poderio, um
conjunto de relações de poder caracterizadas pela possibilidade de impor ao
comportamento do outro os seus desígnios. Essas relações se baseiam no reconhecimento,
aceitação e submissão à autoridade do outro, que se perde quando o atributo pelo qual o
indivíduo conseguiu o poder também finda. Na realidade não existem tipos puros de
dominação, mas variações e mesclas desses diferentes tipos.
A dominação racional legal no ocidente se fundamenta em regras baseadas na
racionalidade, as leis são projetadas visando um fim. Estas regras são constantemente
julgadas e analisadas estabelecendo a quem se deve obedecer e a proporção em que isso
se realiza, pois, nesse tipo de dominação quem comanda não segue a sua vontade. A
ordem se estabelece em bases impessoais, quem ocupa um alto cargo dentro da hierarquia
obedece, da mesma forma que os outros componentes do grupo, as leis previamente
estabelecidas.
A capacitação é extremamente importante porque torna seus membros aptos a
trabalhar com maior racionalidade, eficácia e objetividade. Nesse sentido, utilizam a
meritocracia para o ingresso e distribuição dos indivíduos no quadro administrativo
separando o corpo administrativo dos meios de administração. O corpo de funcionários é
instrumentalizado pelas leis, baseiam sua conduta em um código comum a todos. O público
não pertence ao individuo pelo fato de trabalhar com ele, mas ao todo onde ele que o coloca
como responsável.
Na dominação tradicional, por sua vez, a legitimidade repousa na crença de um
senhor tradicional, não há membros da comunidade, mas súditos. É um tipo de domínio
irracional, se comparada à dominação legal, que se baseia nas relações pessoais para
escolhas administrativas ignorando a racionalidade e a objetividade. Não há obediência às
leis, mas a figura que a tradição indica a obedecer e reconhecer como autoridade, seja o
senhor ou o chefe de clã. O estatuto que guia este tipo ideal weberiano se baseia na
tradição e/ou no livre arbítrio da figura tradicional no comando. O seu tipo mais puro é a
dominação patriarcal, tem caráter comunitário onde quem ordena é o senhor graças ao
reconhecimento de seus direitos.
Segundo a modalidade o corpo administrativo pode assumir duas formas principais:
1) puramente patriarcal e 2) estamental. Na primeira os servidores são recrutados de acordo
com as vontades do senhor, ou seja, de maneira puramente patrimonial. Sua administração
é totalmente heterônoma e acéfala, não existe direito próprio por parte do administrador
sobre o cargo nem tampouco uma seleção profissional nem honra estamental (WEBER,
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1994). Assim, podemos ver que o corpo depende integralmente do senhor sem possuir
qualquer garantia contra o seu poder. O patrimonialismo é o ambiente propício para o
favoritismo e a instabilidade da relação pessoal, pois o funcionário ocupa o cargo de acordo
com o grau de confiança.
Na forma estamental os servidores não são dependentes pessoalmente do senhor,
eles são pessoas independentes que são investidas em seus cargos. Aqui os cargos
possuem direito próprio do cargo que não se pode extinguir, mesmo que minimamente a
administração e autocéfala e autônoma exercendo-se por conta própria não do senhor.
Nesse modelo os servos possuem certa proeminência que independe do senhor. Um dos
modelos de dominação tradicional estamental tratados por Weber é o feudalismo. Nele as
relações nascidas são contratuais e horizontais tornando a sociedade mais forte que o
Estado.
Por último, a dominação carismática. Esse tipo de dominação refere-se à devoção
afetiva a uma característica excepcional. É revolucionaria porque rompe com a continuidade
e a tradição dos outros tipos de dominação. O carisma é uma grande força revolucionaria
porque rompe com os laços tradicionais e racionais, base dos outros dois tipos de
dominação mencionados. Entretanto, não tem estabilidade para que possa ter um sentido
de continuidade, dura enquanto a característica sobrenatural se manifesta. Não há como
eleger segundo méritos ou regras tradicionais um sucessor, pois o carisma precisa ser
despertado ou provado, mas jamais poderá ser aprendido ou passado.
A CONSTRUÇÃO DO TERRITÓRIO.
Historicamente, as classes dominantes e as instituições políticas brasileiras têm uma textura e uma qualidade tão singulares quanto à sociedade a que pertenceram. Esta sociedade ajudou a moldar sua identidade e essência e, ao faze-lo, deixou sua impressão no comportamento, organização e cultura típicos delas.
Fernando Uricocheia
O Brasil configurou-se como o território que conhecemos hoje por uma serie de
fatores econômicos externos que guiaram todo o processo de exploração marítima
portuguesa no séc. XV. Contudo, o projeto português para o Brasil num primeiro momento
não foi pensado em longo prazo, mas um entreposto comercial de caráter extrativista, nos
moldes daqueles que possuía na costa africana, na esperança de que aqui se encontrasse
metais preciosos. Portugal, como o resto da Europa, era guiado pela lógica econômica que
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vigorou durante a “Era dos Descobrimentos”, esta como um capitulo da história do comércio
europeu.
Todo o tempo o novo território foi pensado sob uma perspectiva econômica e não
social. Esse caráter da colonização se altera com a descoberta de ouro e diamante em
1690, a partir de então se passa a pensar a nova colônia sobre um ponto de vista
socioeconômico que buscava garantir o território e suas riquezas, além da expansão de
suas fronteiras.
Esse processo criou um padrão diferente do que foi empregado pelas outras
potências européias nos outros territórios americanos. O processo de prebendalização da
administração auxiliado pelo padrão de povoamento levou a Coroa, após duas décadas de
administração direta fracassada a distribuir entre particulares seus novos territórios.
Obrigando aos donatários a assumir pessoalmente o controle e cuidado das “novas terras”
aliviando o príncipe de despesas econômicas da administração ultramarina.
Assim, esse modelo seguiu sem grandes alterações acompanhando as fontes de
riqueza. Novas capitanias foram criadas, a sede mudou-se para o Rio de Janeiro (1763)
acompanhando o novo ritmo da mineração que provocou a migração para o centro. No nível
local o grande latifúndio foi o agente que estereotipou e revigorou o caráter patrimonialista,
impedindo que os parcos esforços organizadores da coroa penetrassem seu dia-a-dia. A
fazenda e o engenho representavam as células básicas que caracterizaram a realidade
brasileira da colônia ao império. (URICOCHEIA, 1978)
O engenho era mais característico do período colonial, localizava-se próximo a vias
de transporte das cidades. Ele mantinha uma articulação direta com o circuito comercial de
maneira constante e uniforme por sua estrutura extensiva e escravocrata, além de produzir
para o mercado. A fazenda localizava-se no interior sobre um modelo auto-suficiente,
produzia para se manter e algum excedente para o mercado local. Esses dois
estabelecimentos englobam, assim, os caracteres que sustentavam as estruturas sociais
desses períodos.
O senhor de terras também ocupava o cargo de comandante militar local, além da
posição de chefe político. Acumulando essas duas funções distante do Estado ele criava
suas próprias leis e as executando como juiz, júri e advogado. Tal quadro era provocado
pelo caráter privatista das relações que configuraram a construção espacial local e pela
descontinuidade dos quadros de funcionários, o território como um todo era vasto e
descontínuo impossibilitando a cobertura e o contato entre os postos centrais burocráticos e
os núcleos locais.
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A base que constitui a vida em âmbito local é composta pela rede de relações
pessoais entre os homens livres e com o senhor de terras. Existe uma relação em
“comunidade”, mas não significa associativismo e sim uma complementaridade que busca
garantir condições mínimas de existência e que, ao mesmo tempo, aumenta também as
áreas de conflito. As condições de vida simples e a falta de elasticidade referente às
ocupações limita as condições de existência desses moradores.
Em sua relação com o fazendeiro vigora um contratualismo mínimo de caráter verbal
que garante apenas as condições básicas de existência e se baseiam nas supostas honra e
virtude do senhor. Essa crença nos valores do outro é construída a partir de relações
pessoais verticais entre o fazendeiro e o homem livre que sustentam esse contrato.
Qualquer coisa que excede o padrão de subsistência é conseguida a partir de uma relação
mais pessoal e de favoritismo com o senhor. Como os homens livres não possuíam terras, a
busca de seu próprio espaço se dava por meio dessa aproximação com o fazendeiro, a
disputa em si não ocorria pelo território, mas pelas atenções do dono do território.
Como podemos observar, a influência pessoal do senhor serve para criar uma rede
de dependência e favores a seu redor, garantindo obediência enquanto, com retribuições
mínimas, prende uma gama infinita de submissos ao seu redor. Assim, o compadrio assume
forma estratégica superando o divino e fortalecendo os laços criados com o fazendeiro no
campo e transportados para a cidade. Esse comportamento nos mostra que as delimitações
entre as classes são frouxas e fluídas, pois o compadrio estabelece que o próximo exiba as
mesmas características humanas que o senhor, alterando a configuração social para uma
estrutura de iguais não tão iguais onde se estabelece a dominação do “semelhante”.
Dessa forma, o fazendeiro expande sua dominação também para o âmbito do
Estado, instaurando outra rede de cooptação e favores baseada nas relações pessoais com
os afilhados para a execução e apoio enquanto busca aproximação - via casamento ou
favores - com outros senhores de “prestígio” e “bom nome”. Isso nos mostra o que seria
uma significativa variável da semente do patrimonialismo estatal no Brasil e porque mesmo
com a introdução dos valores capitalistas ainda se manteve forte a concepção personalista
das relações comerciais características do período mercantil no país. Isso resultou em uma
alteração das relações entre as partes, agora o membro mais fraco não busca mais
proteção pura e simples, mas apoio econômico e retribui com lealdade política no campo e
apoio na cidade.
As relações envoltas na rede de “apoio” do fazendeiro baseiam-se na fidelidade e
gratidão do homem livre, construídas a partir do reconhecimento de concessão do benefício
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e da necessidade, imperativa, de retribuição. É esse reconhecimento que o senhor de terras
usa como fio de controle daqueles a ele submissos, tal qual um ventríloquo com sua
marionete. Essa faceta é importante por aglutinar duas características opostas: de um lado à
noção de aparente de igualdade e, do outro, a certeza inata da diferença entre os homens.
Igualdade porque reconhece o outro como pessoa, bem como o direito á propriedade
privada, não obstante a estrutura fundiária concentradora; e é a diferença hierárquica que
institui uma temporalidade prolongada nessas relações. O fazendeiro cuida, protege,
encaminha e apadrinha então o homem livre retribui com sua lealdade incondicional e
atemporal, como não está no mesmo patamar do senhor para retribuir materialmente o faz
seja com seus olhos e braços dentro da fazenda, como no principio, seja com seu voto.
O Estado central confiou aos membros da camada dominante agrária a
administração espacial e o controle militar. Deu aos fazendeiros o poder social da terra, a
partir de seu reconhecimento pessoal, atestando na prática o seu domínio. Mesmo com uma
orientação técnica e alguns esforços burocráticos no âmbito jurídico e fiscal estes ainda
eram insuficientes para administrar o território. Deixando assim, o controle militar, jurídico e
fiscal, submetido ao fazendeiro. Isso transformou o Brasil em um grande empreendimento
privatista e patrimonialista onde mesmo o avanço burocrático do governo não eliminou o
caráter patrimonial de suas estruturas.
Desse modo, a configuração brasileira impediu que se produzisse uma ética social
burguesa racional clássica entre as classes dominantes agrárias. Não nos constituímos
como uma sociedade de mercado desenvolvida para poder romper com as relações
personalistas que delineavam os acordos econômicos. Os interesses econômicos realmente
romperam com parte desses laços, entretanto, isso não ocorreu como evolução racional,
mas como avanço do patrimonialismo. Esse é absolutamente flexível, acompanhou a
evolução do mercado agregando e cedendo, minimamente, para continuar a existir e
dominar. Ele buscou contornos e novas formas que pudessem ajustar a sua estrutura sem
perder a essência.
O Estado deixou a classe dominante senhorial comandar os processos de
estruturação brasileira, permitindo e compactuando para a instauração de uma forma
diferente, moldada segundo seus interesses. Destarte, criaram impasses estruturais e
funcionais para que a “revolução burguesa” (FERNANDES, 1974) fosse feita, pois ela
significaria, se realizada nos moldes europeus, o rompimento com as relações tradicionais e
pessoais e a introdução de uma lógica de mercado. No entanto, quando perceberam a
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impossibilidade de continuar com as estruturas atuais, a própria classe agrária realizou a
revolução buscando comandar mais uma vez o processo de construção nacional.
PRESENTES, HONRA E RETRIBUIÇÃO.
Em seu livro “Instituições Políticas Brasileiras” Oliveira Vianna realiza uma discussão
sobre a formação política do nosso país das leis as instituições, como aponta o titulo. No ele
aborda a diferença entre o direito vivo e o morto, onde o primeiro corresponde às regras não
escritas, mas seguidas no dia a dia, e o segundo como as regras formais, que são letra
morta por não conseguirem acessar a realidade. Não há como transformas as estruturas
políticas sem transformar as sociais para seja possível operacionalizá-las.
Uma primeira critica o autor aponta a sobrevalorização da política e dos políticos, o
que distorce tanto os seus significados como funções. Isso ocorre em função da forma em
que encaramos a vida política, ela entende-se mais com extensão da vida privada que como
serviço público, seu verdadeiro significado-função. De forma mais clara critica a divisão a
partir do presidente entre amigos do governo e os inimigos, numa mostra clara de
privatização e personalização do ambiente público.
Aponta para o sufrágio universal como uma das técnicas democráticas mais seguras
e eficientes, desde que seja manejada por cidadãos capazes. Nesse ponto reside sua
principal critica ao falar da prodigalidade com que aqui é usado, como não temos o seu uso
em nossa índole sociopolítica caímos reféns das oligarquias broncas que o cooptam dentro
do sistema privatista político que nos governa. Além disso, não possuímos nenhum tipo de
mecanismo que capacite o cidadão a usar e compreender o que é o voto, ele é um
analfabeto político mais do que formal.
É sobre essa dominação oligárquica, que trata Leal, ao discutir a questão do
coronelismo e do voto. O autor identifica o coronelismo como uma forma peculiar de
manifestação do poder privado em âmbito local através de uma troca com o poder publico,
sobrevivendo assim em um regime de base representativa, democrática. Esse poder é
fortalecido pelo publico com a implantação do regime representativo, ponto comum entre os
dois autores que ressaltam a incapacidade de uma representação verdadeira quando a
relação de dependência para o senhor local supera o processo político.
As relações dentro do local compõe o direito vivo, pois mesmo sem estar de acordo
com a Constituição são essa leis não escritas que governam o desenvolver diário. Assim, o
processo de federalização e a implantação do sufrágio universal contribuíram de forma
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pungente para o fortalecimento das oligarquias – coronéis – locais. A federalização aliada a
incapacidade do Estado de penetrar nesse contexto gerou uma forma particular de relação
entre privado e público onde o voto era retribuição pelos favores (honras) concedidos pelo
coronel.
Era dever retribuir o apadrinhamento e proteção, como não era possível fazê-lo de
forma material e o senhor pedia tão somente o voto, que não possuía qualquer significado,
criou-se um mecanismo de cooptação que transformou as fazendas em currais eleitorais e a
população e massa de manobra.
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Em toda a nossa trajetória histórica não houve uma construção de uma consciência
cívica. Como aponta Oliveira Viana somos antes analfabetos políticos, não passamos pelas
disputas e conflitos que nos permitisse a capacidade de lutar pela extinção do sistema
patrimonialista, nossas mudanças sempre foram de cima para baixo deixando à maior parte
da população a deriva frente aos processos que lhe envolviam e afetavam, mas dos quais
não tinham consciência.
Quando entendemos as benesses cedidas pelo coronel como dádivas, percebemos
que estava implícita a retribuição. O patrimonialismo que estruturava a sociedade e
personalismo das relações permitia a manipulação da honra por parte da elite agrária;
existia a violência dentro das relações, mas era preciso mais do que esses laços para
manter o domínio sobre a população.
O reconhecimento do poder do coronel, e a submissão a este, implicava também na
pressuposição da sua honra e prestigio e do privilegio que envolvia receber seus favores.
Assim, os laços morais do personalismo patrimonial eram a mais poderosa arma de
manipulação da população do campo, a violência gerava o respeito à obrigação moral a
submissão e a retribuição gerando um ciclo perverso de dar, receber e retribuir que ao
fortalecer os laços sociais pervertia as estruturas democráticas e perpetuava a cooptação.
O homem cordial de Sergio Buarque de Holanda é o nosso melhor exemplo de como
para além da violência, a cordialidade tinha um papel significativo ao tornar a relação
familiar e próxima, funcionando como o melhor mecanismo para subjugar e manter o outro.
Com nova roupagem o respeito encontra seu contraponto na familiaridade que retira o medo
e agressão e substitui por amizade e apreço, assim cada dádiva precisa ser retribuída pela
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honra e amizade e na mesma medida, como as relações eram dispares e não havia como
retribuir de maneira imediata o favor vira uma divida de honra para toda a vida.
O mandonismo local, a figura do coronel, o voto de cabresto são a personificação da
abstenção do Estado durante um longo período e de sua incapacidade, ou interesse, de
bani-los quando se fez presente. O Estado patrimonialista surgiu, devido à forma como
fomos colonizados, como uma extensão do privado, como um mecanismo que economizaria
dores de cabeças ao rei e gastos aos cofres reais, mas do qual nem a coroa, o império, a
república, a ditadura ou a nossa infante democracia conseguiu se livrar. A nossa
consciência política ainda é ingênua e guiada por interesses alheios, o voto ainda continua a
ser moeda de troca no local, com novos matizes e favores, mais ainda com a conotação de
retribuição pela dádiva (emprego, escola, etc..) e da fidelidade a quem a concede.
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1 Livro: http://www2.senado.gov.br/bdsf/items-by-author?author=Viana%2C+Oliveira