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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Kelly Fernanda de Oliveira Ambrósio Kellner DANO MORAL PELO NÃO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE CURITIBA 2012

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Kelly Fernanda de Oliveira Ambrósio Kellner

DANO MORAL PELO NÃO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE

CURITIBA

2012

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I

DANO MORAL PELO NÃO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE

CURITIBA

2012

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II

Kelly Fernanda de Oliveira Ambrósio Kellner

DANO MORAL PELO NÃO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE

Trabalho de conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite.

CURITIBA

2012

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III

TERMO DE APROVAÇÃO

Kelly Fernanda de Oliveira Ambrósio Kellner

DANO MORAL PELO NÃO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel em Direito na Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, __ de_________ de 2012.

________________________________ Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Pesquisa

Banca Examinadora:

__________________________________ Orientador: Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite

Membro da Banca:___________________________________

Membro da Banca:___________________________________

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IV

DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho à minha Mãe,

Maria Selma, pela formação da pessoa

que sou e por me ensinar não haver

recompensa maior que os estudos.

Ao meu irmão Alisson Renê, pelo

companheirismo e paciência.

Em especial ao meu querido Pablo, que,

antes de ser meu esposo, soube ser meu

amigo.

A Deus, por guiar meu caminho na fé, não

deixando espaço às dúvidas e às

lamentações.

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V

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, o Professor Eduardo

de Oliveira Leite pelo apoio neste estudo,

pois repartiu comigo o seu conhecimento,

tranformando a idéia em realização.

Também agradeço a todos os demais

Professores desta Instituição, sem eles

não seria possível trilhar a longa

caminhada.

Por fim, a minha gratidão a todos os

amigos que fiz nesta jornada, que direta

ou indiretamente colaboraram para que

eu chegasse até aqui.

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VI

"E há certas dores que só a nossa própria

dor, se for aprofundada,

paradoxalmente chega a amenizar."

Clarice Lispector

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VII

RESUMO

As mudanças vividas pelo Direito de Família, deram origem ao abandono afetivo, em especial nas relações entre pais e filhos. É certo que não se pode obrigar ninguém a dar afeto, mas quando o titular deste direito (o filho) sofre às consequências desse abandono afetivo, temos que este indíviduo poderá socorrer-se no Judicário para ver amenizada a sua dor. Aqui, não estamos falando apenas da assistência material, qual por consequência já é o fruto do reconhecimento da paternidade, mas do amparo afetivo, moral e psíquico que implicam na formação da personalidade humana. O presente trabalho busca assim, realizar o estudo do dano moral, devido ao não reconhecimento espontâneo da paternidade ou em acontecendo este reconhecimento biológico, negar dolosa e conscientemente a afetividade ao filho. Estudar em que momento é constatado o Dano Moral, buscando às suas implicações na formação moral e psíquica do indivíduo, por conta da omissão paterna e de que maneira os Tribunais vem enfrentando o problema, a par da Responsabilidade Civil figurada pelo dano no direito subjetivo do filho. Neste sentido, demonstrando como o Judiciário vem se posicionando acerca do quantum indenizatório, por ocasião do reconhecimento do dano moral em razão do abandono afetivo.

Palavras-chave: abandono afetivo; dano moral; indenização; responsabilidade civil.

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VIII

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1

1. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NAS RELAÇÕES FAMILIARES ............... 1

1.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ..................................... 3

1.2 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE FILIAÇÃO ................................................... 4

1.3 O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR ................................................. 4

1.4 O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO FILHO ......................................... 5

2. A FIGURA DOS PAIS NO DESENVOLVIMENTO DOS FILHOS ........................... 6

2.1 A NECESSIDADE DO EXERCÍCIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL ........ 7

2.2 A RESPONSABILIDADE AFETIVA ENTRE PAIS E FILHOS.............................. 8

2.3 A AFETIVIDADE ALÉM DA OBRIGAÇÃO LEGAL DE CARÁTER MATERIAL ... 9

3. A RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA ................................ 10

3.1 O NEXO CAUSAL, NA VIOLAÇÃO DA NORMA E O DANO MORAL ............... 12

3.2 PRESSUPOSTOS DA OBRIGAÇÃO DE REPARAR, FRENTE AO DANO

MORAL .................................................................................................................. 13

3.3 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL APLICADOS À RELAÇÃO

PATERNO-FILIAL .................................................................................................. 14

3.4 A RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO .......................... 15

4. O REPÚDIO PATERNO QUANTO AO RECONHECIMENTO DO FILHO............ 16

4.1 A RECUSA DO PAI FACE AO RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DA

PATERNIDADE...................................................................................................... 17

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IX

4.2 CONSEQUÊNCIAS DA AUSÊNCIA PATERNA NA ESTRUTURA PSÍQUICA

DO INDIVÍDUO ...................................................................................................... 18

4.3 A QUESTÃO DA AFETIVIDADE ....................................................................... 19

5. OS FUNDAMENTOS DA REPARABILIDADE DO DANO MORAL NAS

RELAÇÕES FAMILIARES........................................................................................ 20

5.1 O PRINCÍPIO DA REPARABILIDADE DO DANO MORAL .............................. 21

5.2 O DANO MORAL DERIVADO DO ABANDONO DA FILIAÇÃO ........................ 22

5.3 O PREÇO DO ABANDONO SÓCIO-AFETIVO ................................................. 23

5.4 A INDENIZAÇÃO, COMO CARÁTER COMPENSATÓRIO, PUNITIVO E

EXEMPLAR PARA A SOCIEDADE ........................................................................ 25

6. ENFRENTAMENTO PELOS TRIBUNAIS ............................................................ 26

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 31

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 34

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1

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem a finalidade de realizar o estudo do dano moral, devido ao

não reconhecimento espontâneo da paternidade ou em acontecendo este

reconhecimento biológico, negar a assistência material e afetiva ao filho.

Impõe-se a interrogativa de saber se o repúdio paterno ao reconhecimento do

filho acarreta o dano moral, uma vez que ataca o direito à identidade pessoal do

indivíduo, provocado pela ausência do patronímico paterno qual está intimamente

ligado a dignidade e a reputação social da criança. É possível afirmar, que tal atitude

lesiona o direito subjetivo do filho, bem como poderá criar carências afetivas e

traumas psicológicos que tendem a se agravar ao longo da existência do indivíduo.

Transitar pela vida com a sua identidade civil incompleta causa em qualquer pessoa,

danos a sua formação moral e psíquica, visto que incide sobre a sua honra o que lhe

faz credor de uma indenização (a título de dano moral) que não tem o intuito de

apagar o sofrimento, mas de alguma maneira “compensar” o prejuízo da privação e

da atitude reticente com relação ao reconhecimento da paternidade. Ainda, o que de

fato carece o indivíduo (filho), não é mensurável através do dinheiro, mas esta é a

única maneira conhecida de recompensar.

Por este viés, focalizamos o presente estudo desta Monografia Acadêmica,

que dentre outras coisas, mostrará que não só os pais são os componentes

essenciais da Família, mas, igualmente responsáveis pelos destinos do grupo

familiar.

1. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NAS RELAÇÕES FAMILIARES

Os princípios que norteiam o Direito de Família, encontram-se no Capítulo VII

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da Constituição Federal, especialmente nos artigos 226 a 230, sem prejuízo dos

demais aplicáveis que estão dispersos em outros pontos da Constituição. Cabe

ressaltar, que o avanço constitucional promovido pela Constituição de 1988, revogou

leis e aperfeiçoou dispositivos do Código Civil de 1916, transformando o direito de

família e a elaboração do Código Civil de 2002. Buscando apoio na doutrina,

colocamos a visão de Carlos Alberto Bittar:

São as seguintes regras fundamentais introduzidas pelo texto constitucional: a) a conceituação de família como base da sociedade e sob proteção do Estado (art. 226, caput); b) a instituição da família pelo casamento (§ 1º); c) a igualdade de direitos entre homem e mulher na sociedade conjugal (§ 5º); d) a dissolubilidade do vínculo matrimonial pelo divórcio (§ 6º); e) a paridade entre os filhos, havidos ou não no casamento, ou por adoção (art. 227, § 6º)

1.

Hoje, podemos dizer que as transformações ocorridas no Direito de Família,

forçosamente vieram de uma realidade social muito distinta da que o sistema

normativo protegia. Essas tranformações exigiram uma adaptação legislativa, como

por exemplo, no reconhecimento da filiação dos filhos havidos fora da constância do

casamento, que na vigência do antigo Código eram tidos como ilegítimos, conforme

assevera os estudos de Fabíola Santos Albuquerque:

O Código Civil de 2002 também observou alguns princípios, como a igualdade dos filhos e a dignidade da pessoa humana, permitindo uma interpretação mais aberta, e novas maneiras de enfrentar questões não positivadas na codificação

2.

Especificamente no âmbito das relações familiares, destacam-se os princípios

constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade de filiação, da

1 BITTAR, Carlos Alberto. O direito civil na Constituição de 1988. p. 59-60.

2 ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. Os princípios constitucionais e sua aplicação nas relações

jurídicas de família. In: ALBUQUERQUE, Fabíola Santos; JUNIOR, Marcos Ehrhardt; OLIVEIRA, Catarina Almeida de (Coord.). Famílias no direito contemporâneo: estudos em homenagem a Paulo Luiz Netto Lobo. p. 29

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solidariedade familiar e do melhor interesse do filho, quais adiante serão

demonstrados.

1.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Segundo Maria Berenice Dias, é na família que o princípio da dignidade da

pessoa humana encontra “(...) solo apropriado para florescer”, uma vez que:

a família tem proteção constitucional independentemente de sua origem, independente de qual seja o tipo de filiação. O objetivo desta nova família é, precipuamente, preservar e desenvolver as qualidades mais relevantes entre os familiares: “o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum (...)”, acarretando, desta forma, “(...) o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe, com base em ideais pluralistas, solidaristas”

3.

A dignidade da pessoa humana é acolhida na Constituição Federal como uma

das garantias fundamentais, razão que reforça ainda mais a condição humana, seja

ela no âmbito social ou familiar. Esse processo de interpretação legal, advindo da

Constituição Federal, está a dizer que o homem tem que ser respeitado tal qual pelo

que ele é, uma pessoa, por isso, não poderá ser privado dos meios necessários que

promovam à sua sobrevivência física, moral, econômica etc. Além disso, a

consagração desse princípio, fez com que o Estado passasse a ser responsável por

todos os atos que atentem contra a dignidade humana, independente de quem os

tenha praticado.

No que tange às relações familiares, especificamente temos o artigo 226, § 7º

que prevê a incidência do referido princípio, ao definir que:

§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

3 DIAS. Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias – Princípios do Direito de Família. p.61-63.

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4

Deste modo, significa dizer que o Princípio da Dignidade Humana, implica em

proteger o ser humano, bem como às famílias de um modo geral, independente da

sua origem ou filiação.

1.2 O PRINCÍPIO DA IGUALDADE DE FILIAÇÃO

Este princípio afasta a discriminação que antes existia, permitindo aos filhos

o tratamento isonômico independente da forma como foi constituída a família, se

havidos dentro ou fora do matrimônio, se adotados, se espúrios etc. Na Constituição

Federal, o princípio está inserido no artigo 227, § 6º, como adiante se vê:

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Os autores, Fábio Vieira e Bruno Pandori, também compartilham desse

entendimento ao escrever que, “a igualdade entre os filhos é absoluta, não se

admitindo quaisquer distinções; portanto, devem os filhos receber igual tratamento”4.

Portanto, o tratamento isonômico da filiação, afasta a idéia da hierarquização entre

as várias formas de entidades familiares, vez que o texto constitucional não dá

margem para discriminações.

1.3 O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR

Por ser um princípio constitucional, podemos encontrá-lo no artigo 3º, inciso I

qual preza pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária. No Direito de

Família implica no respeito e consideração mútuos entre os seus membros, porque

4 FIGUEIREDO, Fábio Vieira; GIANCOLI, Bruno Pandori. Direito Civil.p. 223.

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demonstra um sentimento recíproco do qual se cria um vínculo com os envolvidos,

saindo da esfera individualista (do amor próprio) para restabeler o afeto na relação

entre pais e filhos. Assim observa, Rolf Madaleno:

A solidariedade é princípio e oxigênio de todas as relações familiares e afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em ambiente recíproco de compreensão e cooperação, ajudando-se mutuamente sempre que se fizer necessário

5.

Neste sentido, podemos dizer que a solidariedade familiar, também está amparada

na solidariedade social, vez que é um dever do Estado promover a família, conforme

se extrai do artigo 226, § 8º da Constituição Federal, que diz:

"O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a

integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações",

esse parágrafo demonstra a solidariedade social na ótica familiar.

1.4 O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO FILHO

O Princípio do melhor interesse do filho, nada mais é que resguardar o bem

estar do menor. Vem inserido na Constituição Federal, no artigo 227, caput, e no

Estatuto da Criança e do Adolescente em seus artigos 4º e 5º. Destaca-se em tal

princípio, que na separação dos pais e na eventual formação de uma nova família,

esta não poderá interferir na relação com seus filhos. Isto implica em dizer que o

interesse do filho é um direito constitucionalmente reconhecido da convivência

familiar, assim entendida nas palavras da autora Fabíola Santos Albuquerque que

diz:

Não cabe existir a figura do ex-pai, de sorte que, mesmo nas situações em que se fazem presentes as chamadas famílias recompostas, ambos

5 MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. p. 68.

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genitores continuarão exercendo os poderes inerentes ao poder familiar, sendo a prioridade atender ao melhor interesse do filho

6.

Independente das circunstâncias que levaram a ruptura da união do casal, o

menor em nada deve ser privado, no que diz respeito ao convívio e ao afeto familiar,

exatamente porque às quizilas dos pais, não devem se sobrepor aos interesses da

criança.

2. A FIGURA DOS PAIS NO DESENVOLVIMENTO DOS FILHOS

Com as mudanças ocorridas no Direito de Família, não se pode mais fazer o

retrato de um pai típico. O pai que educa e que sustenta, não necessariamente pode

ser o pai biológico, à vista de que o filho pode ser advindo de uma adoção ou

fecundação artificial. Mas, é dele que provém o nome e a primeira inscrição de “Lei”

que o indivíduo tem em casa. Ou como salienta a autora Giselda Maria F. Novaes

Hironaka:

A responsabilidade dos pais consiste principalmente em dar oportunidade ao desenvolvimento dos filhos, consiste principalmente em ajudá-los na construção da própria liberdade. Trata-se de uma inversão total, portanto, da idéia antiga e maximamente patriarcal do pátrio poder

7.

Compartilhando do entendimento da autora mencionada, a figura do pai

deixou de ser a de mantenedor e administrador da família, na qual seus membros

deviam lhe total obediência. Mas com o tempo, ou melhor dizendo, com a mudanças

nas instituições familiares, o pai passa a tornar-se o orientador, o companheiro,

alguém que está ligado ao filho, por razões de afeto.

6 ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. Os princípios constitucionais e sua aplicação nas relações

jurídicas de família. In: ALBUQUERQUE, Fabíola Santos; JUNIOR, Marcos Ehrhardt; OLIVEIRA, Catarina Almeida de (Coord.). Famílias no direito contemporâneo: estudos em homenagem a Paulo Luiz Netto Lobo. p. 42. 7 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade civil na relação paterno-filial.

Disponível em: <http://www.ibdfan.org.br>. Acesso em: 17 de Fev. 2012.

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7

Essa afetividade, permite o desenvolvimento sadio do indíviduo, qual

necessita da presença física e do tratamento amoroso por parte dos pais. A privação

do direito de conviver, de amar e de ser amado, dentre outros fatores, gera no filho

consequências danosas, como afirma Maria Berenice Dias:

A falta de convívio dos pais com os filho, em face do rompimento do elo de afetividade, pode gerar severas seqüelas psicológicas e comprometer o desenvolvimento saudável da prole. (...) A omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender ao dever de ter o filho em sua companhia, produz danos emocionais merecedores de reparação. Se lhe faltar essa referência, o filho estará sendo prejudicado, talvez de forma permanente, para o resto de sua vida. Assim, a falta da figura do pai desestrutura os filhos, tira-lhes o rumo da vida e debita-lhes à vontade de assumir um projeto de vida. Tornam-se pessoas inseguras, infelizes

8.

Dessa forma, seguramente podemos dizer que a figura dos pais é

fundamental para o sadio desenvolvimento do indivíduo, vez que a ausência de um

desses entes, em especial a do pai, ocasionam danos de relevância máxima que

devem ser sim, questionados diante do Poder Judiciário.

2.1 A NECESSIDADE DO EXERCÍCIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL

O exercício da paternidade responsável, é um princípio encontrado no artigo

226, § 7º da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar e dos recursos

que o Estado deve propiciar para promover este direito. Observando sob outro

prisma, temos que a paternidade responsável, também se refere aos direitos dos

filhos, ou seja, o dever que os pais têm em favorecer a guarda, a vigilância, o

sustento, o apoio intelectual etc. Esses deveres por sua vez, asseguram a efetivação

dos direitos dos filhos, ora regulados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente

(ECA) Lei 8.069/90, prevendo como crime tipificado no Código Penal, artigos 244 e

246, o abandono material e intelectual do filho menor.

8 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito de famílias. p. 63.

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O advento da Lei nº 8.560 de 29 de Dezembro de 1992 9, enfatiza o princípio

da paternidade responsável, vez que garante maior efetividade ao exercício do

direito da filiação, colocando que o reconhecimento dos filhos é irrevogável, bem

como indicando às formas de reconhecimento.

2.2 A RESPONSABILIDADE AFETIVA ENTRE PAIS E FILHOS

De extrema importância para o desenvolvimento adequado dos filhos, o afeto

é o elo que impulsiona a aproximação, ou melhor dizendo é a própria essência da

família. Dentre os direitos assegurados pela Constituição Federal, temos que a

convivência familiar demonstra a recepção do afeto pela norma, como adiante se vê:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O laço afetivo entre pai e filho que deriva o direito fundamental supra, quando

ofendido, poderá ensejar dano irreparável à inserção social da criança e

consequências danosas enquanto adulto. Essa negligência afetiva, acaba por gerar

a obrigação de indenizar, à vista de que o amor e o afeto no ambiente familiar, são

os fatores mais relevantes na formação do indivíduo.

A paternidade, por este viés só existe quando exercida, sendo um dever e

não apenas um registro, segundo Luiz Edson Fachin, “é a função paterna, para além

9 Regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dá outras

providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8560.htm Acesso em: 19 de Fev. 2012.

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do genitor e do nome, que poderá oferecer, e que dará ao filho, biológico ou não, um

lugar de sujeito”10.

2.3 A AFETIVIDADE ALÉM DA OBRIGAÇÃO LEGAL DE CARÁTER MATERIAL

A visualização primeira que se faz neste ponto, é que se um pai reconhece ou

é compelido a reconhecer o filho judicialmente, estará exercendo, ainda que

forçosamente a sua função paterna e por conseguinte terá cumprido com a sua

responsabilidade familiar. Ainda neste sentido, temos que às obrigações decorrentes

do reconhecimento da paternidade geram deveres que estão muito além do caráter

pecuniário, de acordo com o entendimento de Luis Fernando Cirillo:

“a paternidade prova o surgimento de deveres. Examinando-se o Código Civil vigente à época dos fatos, verifica-se que a lei atribuía aos pais o dever de direção da criação e educação dos filhos, e de tê-los não somente sob a sua guarda, mas também sob sua companhia (art. 384, I e II). Há, portanto, fundamento estritamente normativo para que se conclua que a paternidade não gera apenas deveres de assistência material”

11.

É oportuno dizer que negligenciar o amparo afetivo, por entender que o filho

está seguro economicamente e com isso não lhe assistir moral e afetivamente, faz

deste indivíduo rejeitado, merecedor de uma indenização a título de dano moral.

Assim, por uma questão de Justiça há que se determinar a reparação do dano

psiquíco voluntariamente causado, sem obviamente fazer dessas situações uma

“indústria do dano moral”, posto que, para a responsabilização, se faz necessário a

comprovação do dolo ou da culpa.

10

Fachin, Luiz Edson. A tríplice paternidade dos filhos imaginários. In: ALVIN, Teresa Arruda (Coord.) Repertório de jurisprudência e doutrina sobre Direito de Família: aspectos constitucionais, civis e processuais. Vol. 2. p. 170-185. 11

CIRILLO, Luis Fernando. A prisão civil do depositário judicial. São Paulo: Repertório IOB de Jurisprudência – abril de 2000 – Nº7/2000.

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10

Neste caminhar, acrescento o Projeto de Lei nº 2285/2007 12, proposto pelo

IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), que tramita no Congresso

Federal, objetivando instituir o “Estatuto das Famílias”, bem como tratando da

afetividade como um princípio fundamental, conforme o artigo 5º do mencionado

projeto:

Artigo 5.º: Constituem princípios fundamentais para a interpretação e aplicação deste Estatuto a dignidade da pessoa humana, a solidariedade familiar, a igualdade de gêneros, de filhos e das entidades familiares, a convivência familiar, o melhor interesse da criança e do adolescente e a afetividade.

Portanto, a falta de amor paterno ou materno, conseqüentes do abandono

afetivo, o repúdio quanto à qualidade paterna, podem, ocasionar dano de relevância

máxima, seja na esfera pessoal, material e psicológica, quais deverão ser

questionados diante do Poder Judiciário.

3. A RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA

A responsabilidade civil que transita por todos os ramos do Direito Civil, faz-se

igualmente presente no Direito de Família, à exemplo do artigo 932, I do Código

Civil, a seguir transcrito:

São também responsáveis pela reparação civil:

I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua

companhia;

Este trecho da norma trata da responsabilidade civil por ato de terceiro, em

que o pai é obrigado a ressarcir o dano, independentemente de sua culpa. Este tipo

12

Projetos de Leis e Outras Proposições. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=441478 Acesso em: 19 de Fev. 2012.

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de responsabilidade, em outras áreas do direito permite ao pagador direito de

regresso contra a pessoa por quem se responsabilizou, conforme preconizado no

art. 934 do Código Civil. Entretanto, na esfera familiar o mesmo não acontecerá,

“pois o referido art. 934 impede que seja ajuizada demanda regressiva em face de

descendente incapaz”13. Em outro momento, a responsabilidade civil aparece no

âmbito do Direito de Família quando os filhos buscam no Judiciário, indenizações

por danos causados em razão da conduta imprópria dos pais, a saber: desamparo

afetivo, moral, psíquico, abandono do convívio familiar etc. Portanto, a

responsabilidade civil entre pais e filhos, deriva do descumprimento dos deveres dos

pais. De forma bastante adequada, citamos o entendimento da autora Giselda Maria

Fernandes Novaes Hironaka que diz:

“tem me sensibilizado, nesta vertente da relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade, este viés naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar indenização compensatória em face de danos que pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave”

14.

O dano por sua vez, quando ofende aspectos da personalidade, do direito

subjetivo do indivíduo, possibilita a responsabilização a título de dano moral, e nesse

sentido dependerá de comprovação da culpa do genitor, que precisa ter se ocultado

à convivência com o filho e deliberadamente se negado a participar de sua vida.

Nesta seara, cumpre-nos falar do Dano Moral, que nesse quesito deverá ser

observado o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, pois somente será

13

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, volume III: Responsabilidade Civil. p. 152 14

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Palestra proferida no III Congresso Brasileiro de Direito de Família – Família e Cidadania: o novo Código Civil Brasileiro e a ‘vacatio legis’, promovido pelo IBDFAM e pela OAB/MG, p.2.

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passível de reparação àqueles que efetivamente causarem interferência no

psicológico do indivíduo, meros aborrecimentos e dissabores do dia a dia, não

podem aqui ser considerados como eventos danosos. O Professor Clayton Reis,

expõe esse assunto, dizendo que:

Portanto, os danos extrapatrimoniais decorrem de um prejuízo sofrido pela vítima nos seus valores íntimos e pessoais, que deve ser objeto de uma verba pecuniária fixada pelo juiz, objetivando satisfazer ou compensar os valores imateriais lesionados

15.

Assim, a função primordial da responsabilidade civil, é a de obrigar o

causador do dano a recolocar o prejudicado em seu status quo ante, possibilitando

ao máximo que a vítima retome a situação que tinha antes da lesão, através de

indenização compensatória.

3.1 O NEXO CAUSAL, NA VIOLAÇÃO DA NORMA E O DANO MORAL

Pelo viés da responsabilidade civil (do dever de reparar) e na esfera do dano

e da violação da norma, o que se cobra dos pais é o correto desempenho de suas

funções, para o pleno desenvolvimento da pessoa humana de seus filhos. Posto

que, o direito à identidade pessoal, ao uso do nome, estão diretamente associados à

dignidade do indivíduo, recusando o reconhecimento espontâneo da filiação, pratica

o genitor ato ilícito, vez que afronta direitos subjetivos constitucionalmente

garantidos. O fundamentos jurídicos que suportam esta disposição, estão

expressamente previstos no art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei

8.069 de 1990), ao estabelecer o direito de estado de filiação como caráter

personalíssimo, indisponível e imprescritível, por sua vez, encontrando apoio no art.

227 da Constituição Federal, ao atribuir à família, à sociedade e ao Estado respeito

à dignidade e uma vida sadia na convivência familiar e na sociedade. 15

REIS, Clayton. Avaliação do dano moral. p. 8

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Então, quando o distanciamento entre pais e filhos produz seqüelas de ordem

emocional, ocorre o dano moral passível de reparação. No mesmo sentido, o autor

Carlos Roberto Gonçalves:

“dano moral ou extrapatrimonial corresponde por sua vez, aos casos em que as circunstâncias do ato lesivo afetam a personalidade do indivíduo, sua honra, integridade psíquica, bem-estar íntimo, e virtudes. Atinge o indivíduo como pessoa e não em seu patrimônio”

16.

Portanto, “o nexo causal, revelado na relação entre a violação da norma e o

dano, é assim, pressuposto essencial para a caracterização da responsabilidade

civil, não existindo sem essa relação de causa e efeito, a obrigação de indenizar”17.

3.2 PRESSUPOSTOS DA OBRIGAÇÃO DE REPARAR, FRENTE AO DANO

MORAL

A obrigação de reparar subordina-se a três princípios básicos: erro de

conduta do agente, o dano a um bem jurídico tutelado e o nexo de causalidade entre

ambos. Sem que sejam preenchidos tais requisitos, não se concede o pedido

indenizatório. No mesmo sentido, Inácio de Carvalho Neto:

São pressupostos impositivos da obrigação de reparar: a ação ou omissão do agente; a culpa; o dano; e o nexo de causalidade. Contudo, tais elementos não serão sempre fundamentais, havendo casos em que a culpa poderá ser dispensada, mantendo-se, no entanto, do mesmo modo, a obrigação de reparar o dano. Necessária resta, pois, uma análise individual e pormenorizada de cada um desses requisitos

18.

No campo do dano material, a questão da indenização é facilmente mensurada, vez

que diz respeito ao patrimônio da vítima, qual após receber a quantia

correspondente ao prejuízo, poderá retornar ao seu estado anterior ou adquirir novo

bem. No campo do dano moral, também estamos diante de uma conduta ilícita,

16

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume IV: responsabilidade civil. p. 357. 17

QUEIROGA, Antônio Elias de. Responsabilidade civil e o novo código civil. p. 27. 18

CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade Civil no Direito de Família. p. 52.

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porém, relacionado a personalidade, a honra, a sentimentos afetivos etc, e estes,

não tem valor econômico capaz de ser mensurado por mera avaliação material.

Em sendo assim, o julgador sensível e perspicaz, sopesará às circunstâncias

do caso, em especial o respeito à pessoa do filho, a dor e a repercussão do dano

promovido pelo seu genitor, momento esse, que poderá arbitrar o valor da

indenização devida. Sobre esse respeito, o ensinamento de Sérgio Carvalieri Filho:

Cabe ao juiz, de acordo com o seu prudente arbítrio, atentando para a repercussão do dano e possibilidade econômica do ofensor, estimar uma quantia de reparação pelo dano moral

19.

Diante disso, percebemos a necessidade de avaliação do grau de culpabilidade da

figura paterna, derivada da omissão de afeto. É preciso verificar se a conduta do pai,

realmente justifica a sua condenação a título de danos morais, alegados pelo filho.

3.3 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL APLICADOS À RELAÇÃO

PATERNO-FILIAL

A Responsabilidade Civil, pode surgir de uma ação ou omissão e estes

quesitos somente serão caracterizados como ato ilícito se o agente infringir um

dever legal. Na relação paterno-filial, fundamenta-se no descumprimento dos

deveres típicos da relação familiar, compreendidos desde a convivência física e

afetiva até o amparo material. Portanto, é a ação ou omissão dos pais que dá causa

ao evento danoso, constituindo, pois, pressuposto da responsabilização. Neste

sentido, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:

A ação ou omissão do agente, na relação paterno-filial, deriva do descumprimento dos deveres dos pais em relação aos filhos, aqui

19

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. p. 113-114.

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entendidos em toda sua amplitude legal, e englobando, portanto, o dever de sustento, o dever de guarda e o dever de educação

20.

No caso do abandono afetivo, há, pois, possibilidade de ser gerado um dano

moral, uma vez ofendidos os aspectos da personalidade, da dignidade da pessoa

humana. Nesta esfera, o pagamento a título de indenização que o indivíduo irá

desembolsar, não poderá reparar na totalidade o mau que a ausência do pai lhe

causou, mas amenizará a dor do filho, que dentre outras coisas, terá recursos para

buscar ajudar profissional. Para o pai, servirá como reflexão sobre a sua função

paterna ou como disse o magistrado Mário Romano Maggioni, "fa-lo-á repensar sua

função paterna ou, ao menos, se não quiser assumir o papel de pai que evite ter

filho no futuro" 21.

3.4 A RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO

Embora ocorrendo o reconhecimento da filiação, muitas vezes não podemos

afirmar que ele trará ou criará laços de afeto. O genitor cumprirá (ou não) com a sua

obrigação pecuniária, tendo em mente que isto basta e é o suficiente para o seu

filho. Atitudes como essas, baseadas no descaso consciente, desamparo afetivo,

moral, psíquico, e até mesmo repúdio, etc, contribuem para o que chamamos de

abandono afetivo. Podemos dizer, que a conduta do pai que abandona afetivamente

seu filho é considerada ilícita, vez que afronta direitos protegidos

constitucionalmente, como a convivência familiar, à dignidade, à educação, à saúde

etc.

20

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Pressupostos, elementos e limites do dever de indenizar por abandono afetivo. In.: PEREIRA, Tânia da Silva e PEREIRA Rodrigo da Cunha (Coord.). A ética da convivência familiar: sua efetividade no cotidiano dos tribunais. p. 135. 21

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - Ação Indenizatória nº 141/1030012032-0

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16

Nesse passo, o afeto não é apenas um sentimento, mas também uma ação

com relação aos filhos. O Poder Judiciário, tem se deparado com pedidos de

indenizações não mais com o intuito alimentar, mas cobrando dos pais os deveres

de assistência moral, afetiva e amorosa, que por alguma razão acabaram por ferir a

sua dignidade. A esse respeito, cumpre mencionar a noção de Giselda Maria F.

Novaes Hironaka:

(...) a indenização por abandono afetivo, se bem utilizada, não se transformando em altar de vaidades e vinganças ou na busca de lucro fácil, poderá se converter num instrumento de extrema relevância para a configuração de um Direito de Família mais adequado à contemporaneidade, podendo desempenhar um papel pedagógico no seio das relações familiares

22.

Desse modo, o dano moral, decorrente da ausência de afeto, que até então

estava inserido apenas em outras áreas do Direito, passa a adentrar pouco a pouco

à sistemática do Direito de Família, passando a ser questionada a possibilidade de

responsabilização civil por abandono afetivo.

4. O REPÚDIO PATERNO QUANTO AO RECONHECIMENTO DO FILHO

Significa dizer da atitude do pai que se recusa em reconhecer

espontâneamente uma filiação, seja por saber que ela existe ou daquela que restou

comprovada em juízo. Posto que, dentro do matrimônio, há sempre a presunção de

paternidade, fora dele é indispensável que o ascendente masculino reconheça

pessoalmente sua paternidade, e é neste ponto que nos deparamos com o

abandono paterno. Sem o reconhecimento da paternidade, a criança vai crescendo

e se desenvolvendo de forma incompleta e prejudicial, pois está ausente a figura

22

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos – além da obrigação legal de caráter material. Disponível em: <http://www.ibdfan.org.br>. Acesso em: 22 de Fev. 2012.

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17

paterna bem como todas as demais referências que a família do genitor lhe

proporcionaria. A respeito do tema, expressa Rolf Madaleno:

O direito à identidade pessoal, ao uso do nome, está associado à dignidade e á reputação social do filho não registrado. O pai que recusa o reconhecimento espontâneo do filho, com este ilícito se opõe à felicidade do rebento, atinge e lesiona um direito subjetivo do menor, juridicamente resguardado e que, é violado pela atitude reticente do reconhecimento, impedindo que o descendente conte com seu apelido paterno; desconsiderando a criança no âmbito das suas relações, e assim, criando-lhe inegáveis carências afetivas, traumas e agravos morais que crescem de gravidade, no rastro do próprio desenvolvimento mental, físico e social do filho que padece com antijuricidade do injusto repúdio público que lhe faz o pai ao lhe negar o nome, a sua identidade, o atributo da sua personalidade

23.

Constatamos que tal conduta é altamente reprovável e moralmente danosa,

pois está intimamente associada à reputação e à dignidade do indivíduo. O perfeito

amadurecimento do ser que está em desenvolvimento, dependerá da proximidade

daquelas pessoas que representam uma referência, em especial a do pai, pois é

através dele que o indíviduo constrói a sua identidade.

4.1 A RECUSA DO PAI FACE AO RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DA

PATERNIDADE

A recusa do pai ao reconhecimento voluntário do filho, também está sujeita ao

dano moral, por ser fato considerado ultrajante à pessoa do filho e que causa

indignação a toda a sociedade. O magistrado Antônio Jeová Santos 24 ao discorrer

sobre esta questão no acórdão do Tribunal de San Isidro, datado de 29/03/88

salienta:

23

MADALENO, Rolf. O Dano Moral na Investigação de Paternidade. Disponível em: http://www.rolfmadaleno.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=29&Itemid=39 Acesso em: 22 de Fev. 2012 24 Revista Jurídica Cesumar, v.4, n. 1, 2004, A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL NA AÇÃO

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE, Viviani Giovanete Ramos Ferreira.

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O dano moral, causado pela falta de reconhecimento paterno, constitui um fato notório, já que o filho de mãe solteira acarreta um tom de menospreso social, especialmente marcado quando se forma parte da chamada classe média: porém, mais importante que a dor moral sofrida socialmente, é o saber-se negado por seu pai; o sentimento de inferioridade, de desproteção espiritual e insegurança que há de experimentar quem não pode contar com a figura paterna certa, visível e responsável. Quem nega – maliciosa ou culposamente - o estado de família de sua filha, obrigando-a a iniciar a correspondente ação de reclamação de estado para obter o reconhecimento, deve ser condenado à indenização do dano moral assim ocasionado.

Na maioria dos casos, a recusa ao reconhecimento voluntário, tem por fim

apenas ganhar tempo, ou seja, somente serei “o pai” depois da certeza científica

que implica no DNA, mesmo consciente do nascimento do filho e da sua

paternidade. Aqui, vislumbramos que a reparação a título de dano moral é devida,

justamente porque afronta o direito subjetivo do filho, que em nada é culpado e que

tem o direito de usar o nome do seu pai biológico em complemento à sua

qualificação social e construção da sua identidade pessoal.

4.2 CONSEQUÊNCIAS DA AUSÊNCIA PATERNA NA ESTRUTURA PSÍQUICA DO

INDIVÍDUO

Neste tópico, se faz necessário que o Direito socorra-se de outras ciências,

como por exemplo da Psicologia, para tentar mensurar o grau dessas

consequências. Na Teoria Freudiana, é “a partir da inscrição do significante “nome

do pai” é que opera a função primordial no processo de constituição do sujeito,

modulando as relações do sujeito com o Outro, a sociedade e a cultura” 25.

De outro modo, começamos dizendo que transitar pela vida com a sua

identidade civil incompleta causa em qualquer pessoa um marcante dano psíquico,

25

BARROS, Fernanda Otoni de. Do Direito ao Pai. p. 95

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principalmente quando vem acompanhado de preconceitos ainda vigorantes por ser

filho (a) de mãe solteira, adulterino, bastardo, incestuoso, adotivo, dentre outros.

Este quadro tende a piorar, quando a criança está em idade escolar que sem

maturidade suficiente para compreender a situação, fica exposto ao assédio dos

colegas. Quando não, também enfrenta olhares e comentários piedosos dos adultos,

porque o pai não estava presente em nenhuma das homenagens de classe, nas

reuniões escolares, etc. Nesse contexto, importante ressaltar o entendimento de

Maria Berenice Dias:

[...] A dor psicológica de não ser querido e cuidado por quem se espera tais sentimentos e atitudes, naturalmente, são capazes de desmoronar o ser em formação e a lógica (tão ilógica) que permeia suas indagações mais íntimas. É o querer saber por que "todos" têm pai presente, e somente ele não; é generalizar que seus amigos são amados por seus pais e que estes os têm com as melhores expectativas para o futuro. Mas, que o seu caso é "abandono premeditado", por não ser digno, por exemplo, de ser amado. As consequências são distúrbios de comportamento, com baixa alto-estima, problemas escolares, de relacionamento social e sensação da perda de uma chance, mesmo que ilusória, de ser completo e mais feliz. Isso, não se contando o abandono material e suas carências para a vida do filho, o que geralmente é o que acontece. A lei obriga e responsabiliza os pais no que toca aos cuidados com os filhos. A ausência desses cuidados, o abandono moral, viola a integridade psicofísica dos filhos, bem como o princípio da solidariedade familiar, valores protegidos constitucionalmente

26.

Em verdade, não basta apenas ser o pai biológico, é preciso alcançar a

plenitude do termo, exercendo o amor, o carinho, a guarda, a vigilância etc. Esses

elementos, norteiam o crescimento e o desenvolvimento da criança, fazendo com

que o pai cumpra a mais antiga das obrigações: a de impor limites e dar exemplos.

4.3 A QUESTÃO DA AFETIVIDADE

O afeto é o elo que origina e mantém as famílias, é a razão que acompanha o

completo desenvolvimento dos filhos, uma vez que está relacionado com a auto-

estima, responsabilidade, atenção, carinho, dentre outros. Por este motivo, o afeto

26

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. p. 416

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não pode deixar de ser observado nas lides de Direito de Família, pois quando

negligenciado ensejam prejuízos para o desenvolvimento do indivíduo. Não é

diferente o entendimento de Catarina Almeida de Oliveira, ao dizer que:

O afeto passa a ser visto como aquilo que origina e mantém as famílias, tomando o

lugar anteriormente ocupado pelo casamento. O afeto, que antes era secundário,

passa a ser “o único elo que mantém pessoas unidas nas relações familiares”27.

Ainda que o afeto, não seja um princípio constitucionalmente explícito, é

facilmente presumido, uma vez que é aceito como aquilo que justifica o surgimento e

a manutenção das famílias. Por exemplo, “o reconhecimento da afetividade como

princípio são as decisões favoráveis à adoção de menores por casais homossexuais

(...)” 28.

Portanto, a inserção do afeto nas relações familiares, vem demostrando que

os membros de uma família passam a se unir não apenas em decorrência de um

dever, mas por motivos pessoais de afetividade, da vontade de querer estar juntos.

5. OS FUNDAMENTOS DA REPARABILIDADE DO DANO MORAL NAS

RELAÇÕES FAMILIARES

O Direito de Família não prevê expressamente a reparação de danos morais,

entretanto, todo aquele que se ver prejudicado por outrem, tem direito a ser

indenizado. Utilizando como fundamento na norma, citamos o artigo 5º, incisos V e

X, da Constituição Federal e o contido no artigo 186 do Código Civil.

27

OLIVEIRA, Catarina Almeida de. Refletindo o afeto nas relações de família. Pode o Direito impor amor? In: ALBUQUERQUE, Fabíola Santos; JUNIOR, Marcos Ehrhardt; OLIVEIRA, Catarina Almeida de (Coord.). Famílias no direito contemporâneo: estudos em homenagem a Paulo Luiz Netto Lobo. p. 52. 28

NotÍcias STF. Supremo reconhece união homoafetiva. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931>. Acesso em: 31/03/2012.

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No âmbito do Direito de Família, contribuem para a fundamentação do direito

de reparação, os atos lesivos que afetam o lado íntimo da personalidade, de acordo

com Carlos Roberto Gonçalves:

O dano moral ou extrapatrimonial corresponde por sua vez, aos casos em que as circunstâncias do ato lesivo afetam a personalidade do indivíduo, sua honra, integridade psíquica, bem-estar íntimo, e virtudes. Atinge o

indivíduo como pessoa e não em seu patrimônio 29.

Ou seja, é o sofrimento causado por perda outra que não a pecuniária. O pagamento

de soma pecuniária é determinado, com o propósito de satisfazer e compensar a dor

de alguma maneira, para isso, levando sempre em conta a razoabilidade e a

proporcionalidade, posto que não há fórmulas para mensurar a quantificação do

dano. Continuando na ótica do mesmo autor, que leciona:

Quando da determinação da indenização por dano moral, deverá se observar o princípio da razoabilidade, sendo passíveis de reparação os danos que causarem dor e vexame que interfiram intensamente no psicológico do sujeito, fugindo à normalidade, estando fora de sua órbita os aborrecimentos e irritações do dia a dia, nem intensas, nem duradouras a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo

30.

Sendo assim, a reparabilidade do dano moral, busca compensar

satisfatoriamente o sofrimento causado, sendo o dinheiro a única forma conhecida

de recompensar e de proporcionar que a vítima de alguma forma, minore este

sofrimento.

5.1 O PRINCÍPIO DA REPARABILIDADE DO DANO MORAL

O cerne da reparabilidade do dano moral, repousa no ato ílicito devido a lesão

ao direito de alguém, no estudo em comento, é aquele derivado das relações

familiares. No princípio da reparabilidade do dano moral, implica em aceitar outros

dois princípios que o complementam, a saber: o Princípio da Razoabilidade e o da

29

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume IV: responsabilidade civil. p. 357. 30

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume IV: responsabilidade civil. p. 359.

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22

Proporcionalidade. Sopesados ambos, é que será definido o quantum indenizatório,

conforme estabelecido no artigo 944 do Código Civil “a indenização mede-se pela

extensão do dano”. E quanto a indenização pecuniária, Claudia Maria da Silva cita

que:

a punição pecuniária pelo dano imaterial tem um caráter nitidamente propedêutico e, portanto, não objetiva propriamente satisfazer a vítima da ofensa, mas, sim, castigar o culpado pelo agravo moral e, inclusive, estimular os demais integrantes da comunidade (...) a cumprirem os deveres éticos impostos pelas relações familiares

31.

Será necessário observar em que condições se efetivaram o dano sofrido pela

vítima, para então o Judiciário analisar e por fim fixar a indenização. Esse cuidado

primordial, evitará abuso e má-fé na propositura das ações de responsabilidade civil

por abandono afetivo. Em suma, o dano moral constitui exclusivamente ofensas aos

direitos da personalidade, isto é, à honra, ao ser íntimo de cada um, pois são

inerentes à pessoa e por sua vez incapazes de subsistir sozinhos.

5.2 O DANO MORAL DERIVADO DO ABANDONO DA FILIAÇÃO

As mudanças ocorridas nas relações familiares, favoreceram o abandono

afetivo, porque geraram danos materiais e morais, passíveis de indenização. O dano

material já possui previsões legais e não há dúvida de que seja passível de

reparação. O dano moral por sua vez, pautado na dignidade da pessoa humana,

favorece aos lesados, a busca da reparação dos danos sofridos, pois esses últimos

atinjem os direitos de personalidade da vítima.

O pai que não corresponde com a função que lhe foi imputada, dá margem a

demanda jurídica fundamentada no abandono, seja ele patrimonial ou afetivo, qual

31

SILVA, Cláudia Maria da. Revista. Descumprimento do dever de convivência familiar e indenização por danos morais à personalidade do filho. Revista Brasileira do Direito de Família. v.6. nº 25. p. 122.

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resultará na responsabilização civil à título de dano moral. Conforme já dissertado,

cabe sopesar o quantum indenizatório, para que o dano moral por abandono da

filiação não se tranforme em banalização e enriquecimento sem causa. Neste

sentido, Giselda Maria F. Novaes Hironaka:

O risco do abandono afetivo transformar-se em carro-chefe de uma indústria indenizatória do afeto certamente existe, mas o Poder Judiciário pode evitá-lo, desde que, a cada caso concreto, se fizer a necessária analise ética das circunstancias envolvidas, a fim de verificar-se a efetiva presença de danos causados ao filho pelo abandono afetivo paterno, ou materno Afinal, o perigo de banalizar-se a indenização reside em não se compreender, exatamente, na exposição concreta de cada pretensão, o verdadeiro significado da noção de abandono afetivo, o verdadeiro substrato judicial em questão

32.

O que se busca com a reparação do dano moral é amenizar um mal causado,

proporcionando que o indivíduo volte a ser o que era antes, ou que tenha meios para

procurar a sua felicidade. O caráter punitivo ao causador do dano, terá a finalidade

de inibir situações semelhantes, porém abordaremos desse assunto, em momento

oportuno no decorrer do estudo.

5.3 O PREÇO DO ABANDONO SÓCIO-AFETIVO

Sabemos que o abandono afetivo, é aquele derivado da ausência da

convivência familiar, da falta de afeto, de amor, dentre outros. E o dano decorrente

desse abandono é o que fere os direitos da personalidade do filho, por sua vez,

alterando o bem-estar psíquico e físico deste indivíduo. O pai tem que aproveitar as

situações e se fazer presente, exercer a sua função paterna, não apenas

vinculando-se à ela pelo registro da filiação, qual obriga a letra fria da lei. E no caso

32

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos – além da obrigação legal de caráter material. Disponível em: <http://www.ibdfan.org.br>. Acesso em: 24 de Fev. 2012.

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24

do abandono afetivo, a indenização tem o caráter punitivo, exemplar e moralizador,

afim de desestimular práticas semelhantes.

O Poder Judiciário desde o ano de 2003, foi chamado a examinar a questão

do abandono afetivo na relação paterno-filial, sendo que a ação pioneira transcorreu

na Comarca de Capão da Canoa, tendo a sentença condenado o pai a indenizar a

filha por abandono afetivo, no valor de 200 salários mínimos.

Da sentença extrai-se:

“De se salientar que aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos

filhos (art. 22 da Lei no. 8.069/90). A educação abrange não somente a

escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao

parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar

condições para que a criança se auto-afirme. Desnecessário discorrer acerca da

importância do pai no desenvolvimento da criança. A ausência, o descaso e a

rejeição do pai em relação ao filho recém-nascido ou em desenvolvimento violam a

sua honra e a sua imagem.” (Juiz Mario Romano Maggioni.2ª. Vara. Comarca de

Capão da Canoa. Proc.no. 14/1020012032-0.Data 15.09.2003)33.

Do julgado supra, observamos que o valor da indenização será determinado

pelo juiz que detém o livre arbítrio para estabelecer a quantia. Devendo sempre

observar, para que a decisão não seja demasiadamente exagerado ao réu ou

irrisório para o autor da ação, a razoabilidade e a proporcionalidade.

O Professor Clayton Reis, expressa sua posição ao dizer sobre o dano moral

(extrapatrimonial):

33

CAROSSI, Martins Eliane Goulart. O Valor Jurídico do Afeto na Atual Ordem Civil-Constitucional Brasileira. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=659. Acesso em: 26 de Fev. de 2012.

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25

Todavia, quando se tratar de danos extrapatrimoniais, estaremos diante de um prejuízo insuscetível de reposição, já que o conceito de reparabilidade não se aplica aos bens imateriais. Estes bens são impossíveis de ser avaliados com absoluta precisão, não admitindo, por consequência, uma exta equivalência com a perda sofrida da vítima

34.

Contudo, o Judiciário sempre vai enfrentar dificuldades em determinar um

valor justo que compense o dano sofrido pelo filho, mas nem por isso, os pais

negligentes deverão sair impunes sem nenhuma sanção. Nesse sentido Lizete

Peixoto Xavier Schuh comenta:

O silêncio da lei, por si só, não é motivo bastante para arrefecer a necessidade do ser humano em buscar felicidade. Tímida e, por vezes, preconceituosa, a justiça deve encontrar as possíveis soluções àqueles que batem a sua porta, visto que é da essência humana o permanente conflito na busca da satisfação pessoal. Tal situação exige que a tutela jurisdicional invocada esteja alerta para atender toda espécie de demanda, dando a resposta justa, mesmo àquelas de caráter eminentemente subjetivo, como é o caso das indenizações por abandono afetivo, as quais adentram no campo da responsabilidade civil

35.

Por fim, embora incalculável o valor do sofrimento, refletido na mensuração da dor, a

função da indenização é minimizá-la e atuar com efeito punitivo e pedagógico, para

que condutas do tipo não venham a se repetir.

5.4 A INDENIZAÇÃO, COMO CARÁTER COMPENSATÓRIO, PUNITIVO E

EXEMPLAR PARA A SOCIEDADE

A indenização a título de dano moral, derivado do não reconhecimento da

paternidade e consequente abandono afetivo, não visa reconstruir qualquer

patrimônio, nem tão pouco indenizar tal qual um prejuízo material facilmente aferível.

Antes, anota Cleyton Reis,36 “oferece satisfação à consciência de justiça e à

34

REIS, Clayton. Avaliação do dano moral. p. 7 35

SCHUH, Lizete Peixoto Xavier. Responsabilidade Civil por abandono afetivo: a valoração do elo perdido ou não consentido. Revista Brasileira de Direito de Família, v. 8, n. 35, p. 53-77. 36

REIS, Clayton. Avaliação do dano moral. p. 79

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personalidade do lesado, e a indenização pode desempenhar um papel múltiplo, de

pena, de satisfação e de equivalência”.

A reparação, por sua vez tem caráter tríplice: a compensatória, a punitiva e a

exemplar. A compensatória, terá a função meramente satisfativa, uma forma de

restaurar pecuniariamente o sofrimento que foi derivado de um ato ilícito. O caráter

punitivo, revela-se na concretização do pagamento da indenização pelo pai, pois é

uma sanção que o ensinará a agir com maior cautela. A fixação de uma verba

indenizatória, trás a idéia de penalidade, vez que representa a reprovação da

sociedade pela conduta praticada. Neste sentido, usamos novamente a disposição

do Professor Clayton Reis:

Não é difícil aceitar o sentido socializante da compensação dos danos extrapatrimoniais. Por isso, a reparação dos danos morais cumpre uma relevante função no contexto social. É que a indenização possui um caráter punitivo, ou seja, representa uma resposta adequada à sociedade que reclama a punição do ofensor, em virtude da sua contribuição ao desequilíbrio social

37.

Portanto, de forma positiva analisamos esse tipo de condenação, pois o

legislador tem em mente não apenas o ressarcimento pecuniário da vítima, mas

também a penalização do ofensor. Onde o propósito fundamental, é de desestimular

práticas semelhantes na sociedade, à vista do caráter exemplar, que uma

indenização desta espécie representa.

6. ENFRENTAMENTO PELOS TRIBUNAIS

Por derradeiro neste estudo, será exposta a maneira como a jurisprudência

vem reagindo a todas essas mudanças, e as respostas que o Poder Judiciário tem

apresentado à questão. Comentamos, que a primeira sentença favorável à

37

REIS, Clayton. Avaliação do dano moral. p. 90

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indenização a título de dano moral, ocorreu no ano de 2003 na Comarca de Capão

da Canoa, Rio Grande do Sul, quando o pai fora condenado a pagar 200 salários

mínimos a sua filha.

Felizmente, a sentença favorável do Rio Grande do Sul, não foi única, como

adiante se vê:

EMENTA - INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS - RELAÇÃO PATERNO -FILIAL - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. (...) Desta forma, fixo a indenização por danos morais no valor equivalente a duzentos salários mínimos, ou seja, R$ 44.000,00, devendo ser atualizado monetariamente de acordo com a Tabela da Corregedoria Geral de Justiça e com juros de mora em 1% ao mês, a contar da publicação do presente acórdão. Pelo que, condeno o apelado a pagar ao procurador do apelante, a título de honorários sucumbenciais, o valor relativo a 10% do valor da condenação em danos morais. Com base em tais considerações, DOU PROVIMENTO AO RECURSO, para julgar procedente o pedido inicial, modificando a r. decisão ora objurgada. Custas pelo apelado. (TJMG – 7ª C. Cível – AC – Nº 4085505-54.2000.8.13.0000 – Des.: Rel.: UNIAS SILVA – J. 01.04.2004)

38.

No acórdão acima, observamos que o recurso de apelação do filho foi provido, à

vista de que este fora privado do convívio familiar, bem como do amparo afetivo e

moral. Essas privações por sua vez, acarretaram prejuízos de ordem emocional e

psicológica, razão da condenação do genitor ao pagamento de indenização, a título

de danos morais.

No Rio de Janeiro, a juíza Simone Ramalho Novaes, da 1ª Vara Cível de São

Gonçalo, também condenou o pai a indenizar seu filho por abandono moral . Ele terá

de pagar a soma de R$ 35 mil ao jovem negligenciado. A argumentação desta

sentença, destaca-se no seguinte trecho:

38

Recurso de Apelação Cível nº 2.0000.00.408550-5. Rel. Unias Silva. Julgamento em 01/04/2004, pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Publicação em 29/04/2004.

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Se o pai não tem culpa por não amar o filho, a tem por negligenciá-lo. O pai deve arcar com a responsabilidade de tê-lo abandonado, por não ter cumprido com o seu dever de assistência moral, por não ter convivido com o filho, por não tê-lo educado, enfim, todos esses direitos impostos pela Lei

39.

A juíza concluiu, dizendo que "O réu deixou evidenciado sua total falta de interesse

pela vida do menor. Não existiu até o momento qualquer relacionamento entre pai e

filho". Neste julgado, conseguimos ver com nitidez que a aplicação da indenização a

título de danos morais fora muito bem empregada, nas palavras de conclusão da

juíza, conseguimos perceber que o pai, mesmo consciente da paternidade repudiou-

a, sequer tentando qualquer tipo de aproximação.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, também entende que a indenização é

devida, quando o filho é abandonado pelo pai desde a gestação da sua genitora.

Neste ponto, nos deparamos com aquele pai que tem conhecimento que o filho é

seu e o abandona consciente e dolosamente. O reconhecimento desta filiação,

somente acontecerá após a ação judicial. Abaixo, a ementa do julgamento do

recurso:

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. Autor abandonado pelo pai desde a gravidez da sua genitora e reconhecido como filho somente após propositura de ação judicial. Discriminação em face dos irmãos. Abandono moral e material caracterizados. Abalo psíquico. Indenização devida. Sentença reformada. Recurso provido para este fim. (TJSP – Voto n. 15.857 – 8ª Câmara de Direito Privado – Apelação n. 511.903.4 7 – Relator: Caetano Lagrasta – Comarca: Marília – Data do julgamento: 12 03 2008 – Data de registro: 17 03 2008)

40.

Ainda, o Tribunal do Rio Grande do Sul:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO DANOS MATERIAIS E MORAIS. ABANDONO DO FILHO. FALTA DE AMPARO AFETIVO E

39

JusBrasil notícias. Pai terá que indenizar filho por abandono moral. Disponível em: http://tj-rj.jusbrasil.com.br/noticias/52019/pai-tera-que-indenizar-filho-por-abandono-moral Acesso em: 27 de Fev. de 2012. 40

Recurso de Apelação Cível nº 5119034700. Relator: Des. Caetano Lagastra. Julgamento em 12 03 2008 pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

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MATERIAL POR PARTE DO PAI. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDIMENCIONAMENTO. A responsabilidade civil, no Direito de Família, é subjetiva. O dever de indenizar decorre do agir doloso ou culposo do agente. No caso, restando caracterizada a conduta ilícita do pai em relação ao filho, bem como o nexo causalidade e o dano, cabe indenização por danos materiais e morais. (...). RECURSO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO. APELAÇÃO DO REQUERIDO IMPROVIDO. (Apelação Cível nº 70021427695, 8ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda. Julgado em 29 11 2007)

41.

No julgamento supracitado, o recurso de apelação do requerido (pai) restou

improvido, porque entendeu a oitava câmara que é dever dos pais proporcionar ao

filho um digno desenvolvimento humano, tendo em vista que o descaso e a rejeição

violam a sua honra e sua imagem, caracterizando o dano moral. Neste caso, o

genitor foi condenado a pagar indenização, não somente pelo abandono da filiação,

mas pelos danos materiais e morais experimentados pelo filho.

Em sentido contrário, foi a manifestação do Superior Tribunal de Justiça, vez

que o acórdão foi desprovido, devido a não caracterização de danos morais. Eis o

julgado:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido. (...) Ainda outro questionamento deve ser enfrentado. O pai, após condenado a indenizar o filho por não lhe ter atendido às necessidades de afeto, encontrará ambiente para reconstruir o relacionamento ou, ao contrário, se verá definitivamente afastado daquele pela barreira erguida durante o processo litigioso? Quem sabe admitindo a indenização por abandono moral não estaremos enterrando em definitivo a possibilidade de um pai, seja no presente, seja perto da velhice, buscar o amparo do amor dos filhos (...). (REsp 757.411-MG, da Quarta Turma. STJ. Relator Ministro Fernando Gonçalves. DJ 27 mar. 2006)

42.

No caso em tela, a fundamentação do Ministro Relator Fernando Gonçalves destaca

que a intervenção do Judiciário poderá dificultar a aproximação afetiva do pai junto 41

Apelação Cível nº 70021427695, 8ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda. Julgado em 29/11/2007 42

Documento: 595269 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 27/03/200. Disponível em: <http://www.esmal.tjal.jus.br/arquivosCursos/2010_02_11_15_12_19_8%20STJ%20REsp%20757.411.pdf>. Acesso em: 04 de Março de 2012.

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ao filho no presente ou no futuro. Respeitamos a decisão do Relator, porém dela não

compartilhamos, por entender que não haverá reconstrução de afeto, carinho, amor,

etc porque estes nunca existiram. E se não houve a construção desses sentimentos,

infelizmente resta apenas o desamor, o desprezo e o ódio mútuos. E certamente,

não será o processo judicial quem criará os impecilhos para uma remota

aproximação.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, também deixou de reconhecer a

indenização por abandono afetivo, por entender que a relação paterno filial tem que

ser construída ao longo do tempo, para então podermos falar em indenização por

ato ilícito. Na fundamentação, argumenta o Relator que “(...) Não há lei que obrigue

um pai a amar igualmente todos os seus filhos. A lei não pode (porque não

conseguiria se impor na prática) forçar as pessoas a serem boas!“ 43

Conforme ementa transcrita, constatamos:

EMENTA: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - Almejado ressarcimento pelos sofrimentos experimentados em razão de abandono afetivo - Ausência de ato ilícito - Ninguém é obrigado a amar ninguém - Sentença de improcedência mantida. Recurso desprovido. (TJSP – 6ª C. Cível – AC 0003535-74.2007.8.26.0168 - Des.: Rel.: PERCIVAL NOGUEIRA – J. 17.02.2011).

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem deliberado pela análise do caso

concreto, considerando indenizável o abandono afetivo somente quando o dano é

decorrente da ação ou omissão do genitor, sem que demais circunstâncias tenham

concorrido para o fato. Eis o julgado:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ABANDONO AFETIVO. DANO DECORRENTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS E NÃO DE AÇÃO OU OMISSÃO DELIBERADA DO PAI. Evidenciado que o dano psíquico experimentado pelo filho decorre muito mais das circunstâncias em que foi concebido e posteriormente reconhecido que de

43

TJSP – 6ª C. Cível – AC 0003535-74.2007.8.26.0168 - Des.: Rel.: PERCIVAL NOGUEIRA – J. 17.02.2011.

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eventual ação ou omissão deliberada do pai, não ocorre a obrigação de indenizar por abandono afetivo. A relação paterno filial, do ponto de vista psíquico, não surge de meros documentos e formalidades, mas é construída ao longo do tempo, quando há efetiva boa vontade em se promover a aproximação de pai e filho, despojada de mágoas e centrada exclusivamente no bem estar emocional do envolvidos. O conceito de pai pressupõe um dado socioafetivo constituído na convivência, e não é uma mera decorrência do vínculo genético reconhecido na sentença, que simplesmente atribui a alguém a condição de genitor. APELAÇÃO DESPROVIDA. UNÂNIME. (TJRS – 8ª C. Cível - AC 70040764656 – Des.: Rel.: LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS – J. 07.04.2011)

44.

Por fim, sem o propósito de esgotar o tema, verificamos que a Jurisprudência

tem sido cautelosa com essa espécie de indenização, aplicando-a em casos

excepcionais, objetivando que as delicadas relações familiares não transformem-se

em uma fonte fácil de lucro e patrimonialização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelas mudanças sofridas pelo Direito de Família, em especial com o advento

da Constituição Federal de 1988, notamos um significável avanço no campo das

relações familiares. Avanços esses, que alteraram o perfil conservador e desigual,

constante no Código Civil de 1916. O Direito de Família passa a ser protegido por

princípios constitucionais, a saber: Princípio da dignidade da pessoa humana,

Princípio da igualdade de filiação, Princípio da solidariedade familiar e do melhor

interesse do filho. Tais princípios garantem dentre outras coisas, a proteção humana

no seio da família, independente da sua origem ou filiação; afastam a discriminação

que antes existia, permitindo aos filhos o tratamento isonômico o que favoreceu o

respeito e consideração mútuos entre os seus membros; e o bem estar do menor

reconhecido na convivência familiar, neste caso, vale lembrar que a

44

TJRS – 8ª C. Cível - AC 70040764656 – Des.: Rel.: LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS – Julgamento em 07.04.2011.

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responsabilidade dos pais jamais se exclui e que o interesse da criança deverá ter

prioridade.

Neste contexto de proteção, podemos falar da Responsabilidade Civil no

âmbito das famílias, por sua vez configurado no dano, através do abandono pelo seu

ente paterno. Esta conduta afeta a personalidade humana, a sua integridade

psíquica e enseja no dever de reparar, por ser decorrente de ato ilícito, ou seja, o

não reconhecimento espontâneo da paternidade e a negação da assistência afetiva

e material do filho. Nesse passo, quando configurada a inexistência de afetividade,

apoio moral, convivência e etc na vida desses filhos reconhecidos, estamos diante

da indenização a título de dano moral.

A indenização, que tem por caráter a função compensatória, punitiva e

exemplar, objetiva “compensar” satisfatoriamente o sofrimento causado pela figura

paterna, sendo o valor pecuniário aquele que lhe proporcionará meios para buscar a

felicidade e a sua realização pessoal. Em muitos casos, o desgaste emocional ao

logo do tempo faz com que muitos desses filhos já estejam em tratamento

psicológico e outros, por sua vez, poderão ter recursos para procurar ajuda

profissional. É certo que não há como valorar o amor, mas nem por isso o Judiciário

deve calar-se diante de pais omissos, que insistem em esquecer e não reconhecer

seus filhos, quais, como já vimos, tem o direito a convivência familiar e é claro ao

afeto que é o elo subsistente da família.

Nas jurisprudências colacionadas, tivemos uma pequena noção de como os

Tribunais vem se posicionando quanto às concessões das indenizações, derivadas

do abandono afetivo. É compreensível o receio do Judiciário nessas concessões,

para que não haja a industrialização do dano moral, justamente porque atrás disso

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tudo, poderiam estar escondidos motivos de vingança e enriquecimento. Essa

cautela, favorece àqueles filhos que realmente ressentiram-se da ausência paterna e

sofrem com prejuízos psicológicos daí advindos.

Diante dessa realidade, não apenas em processos de indenização, surge a

necessidade de resgatar o amor, pois a vida emocional dos envolvidos a influenciará

em todos os aspectos da sua existência. O resgatar desse amor, vem na

aproximação sadia, no interesse em conhecer um ao outro. Não podemos deixar

que sentimentos maléficos e vingativos, ceguem o propósito das aproximações entre

pais e filhos, pois em nosso íntimo todos queremos ser aceitos e queridos.

Seguramente haverá um abismo de diferenças entre àqueles que foram bem

amados e os que não tiveram a mesma sorte.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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