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DadosInternacionaisdeCatalogaçãonaPublicação(CIP)AngélicaIlacquaCRB-8/7057

Keller,TimothyPregação:comunicandoafénaeradoceticismo/TimothyKeller;traduçãodeA.G.Mendes.-

SãoPaulo:VidaNova,2017.288p.

ISBN978-85-275-0775-2(recursoeletrônico)

Títulooriginal:Preaching:communicatingfaithinanageofskepticism

1.Pregação2.Bíblia–Usohomilético3.PalavradeDeus(Teologiacristã)I.TítuloII.Mendes,A.G.

16-1032 CDD251

Índicesparacatálogosistemático:1.Pregação

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©2015,deRedeemerCitytoCityeTimothyKellerTítulodooriginal:Preaching:communicatingfaithinanageofskepticism,ediçãopublicadapelaVIKING,umselodaPenguinRandomHouseLCC(NewYork,NewYork,EUA).

TodososdireitosemlínguaportuguesareservadosporSOCIEDADERELIGIOSAEDIÇÕESVIDANOVARuaAntônioCarlosTacconi,75,SãoPaulo,SP,04810-020vidanova.com.br|[email protected]

1.ªedição:2017

Proibidaareproduçãoporquaisquermeios,salvoemcitaçõesbreves,comindicaçãodafonte.

TodasascitaçõesbíblicassemindicaçãodaversãoforamextraídasdaAlmeidaSéculo21.AscitaçõesbíblicascomindicaçãodaversãoinlocoforamtraduzidasdaNewInternationalVersion(NIV),daKingJamesVersion(KJV)edaNewKingJamesVersion(NKJV).CitaçõesbíblicascomasiglaTAsereferematraduçõesfeitaspeloautorapartirdooriginalgrego/hebraico.

DIREÇÃOEXECUTIVAKennethLeeDavis

GERÊNCIAEDITORIALFabianoSilveiraMedeiros

EDIÇÃODETEXTOFernandoMauroS.Pires

REVISÃODATRADUÇÃOEPREPARAÇÃODETEXTOMarciaB.Medeiros

REVISÃODEPROVASMauroNogueira

GERÊNCIADEPRODUÇÃOSérgioSiqueiraMoura

DIAGRAMAÇÃOBrunoMenezes

CAPASoutoCrescimentodeMarca

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AosmembrosdaigrejaWestHopewellPresbyterianChurch(1975-1984),

quemechamavamde“pregador”numaépocaemqueeuaindatropeçavanesseaprendizado.

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SUMÁRIO

AgradecimentosPrólogo:Oqueéumaboapregação?Introdução:OstrêsníveisdoministériodaPalavra

PRIMEIRAPARTE:SERVINDOÀPALAVRA1.PregandoaPalavra2.Pregandooevangelhosempre3.PregandoCristoemtodaaEscritura

SEGUNDAPARTE:ALCANÇANDOASPESSOAS4.PregandoCristoàcultura5.Apregaçãoeamentemoderna(tardia)6.PregandoCristoaocoração

TERCEIRAPARTE:EMDEMONSTRAÇÃODOESPÍRITOEDEPODER7.ApregaçãoeoEspírito

Apêndice:Redigindoumamensagemexpositiva

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QAGRADECIMENTOS

ueroagradecerprimeiramenteaosmembrosda igrejaWestHopewellPresbyterianChurch,emHopewell,Virgínia,aquemservide1975a1984, no início do meu ministério. Cheguei àquela cidade quando

tinha24anos, recém-saídodoseminário,ondeeureceberaummerecidoCempregação. Na West Hopewell, era esperado que eu fizesse três exposiçõesbíblicassemanais—nodomingopelamanhã,nodomingoànoiteenasquartas-feiras à noite.Além disso, eu pregava, emmédia, duas outrasmensagens pormês emcasamentos e funerais, emclínicas de repouso, emcapelas de escolaslocaiseemretiros.Foiumdesafioetanto.Durantenoveanos,escreviepregueicercade1.500mensagensexpositivas.Estavaentãocom33anos.Nodecorrerdessa programação desafiadora, porém, as pessoas da igreja foram amorosascomigo e me deram apoio, acolhendo, agradecidas, esses meus primeirosesforços. O ministério em igrejas pequenas, em cidades pequenas, tem umacentuadoteorrelacional.Tiveamplaoportunidadedeconversarcomquasetodoomundosobrecomoestavamrecebendomeussermões.Viemqueaspectoseuestava deixando as pessoas confusas, ou deixando de atender às suasnecessidades reais, ou falhando em lidar com suas objeções ou dúvidas. Noescritóriodeaconselhamentopastoral,pudeverondeascoisassobreasquaiseupregava estavam dando fruto, resultando em vidas transformadas, e onde nãoestavam.Essacombinaçãodepráticacomfeedbackeapoioamorosofezdemimumpregadormuitomelhordoqueeujamaispoderiasersetivesseidoparaoutrolugarondenãoexigissemtantodemimenãomeamassemtanto.

Também agradeço tanto aos alunos quanto aos professores do SeminárioWestminster,naFiladélfia,ondedeiaulassobrepregaçãode1984a1989.

Comopregadoratuante,hámuito tempoqueriaescreverumlivrosobreoassunto,maspercebiquenãoseriafácil.Aexemplodemuitosoutrospraticantes,doumuitaatençãoaosdetalhes.GraçasaosesforçosdomeucolegadaRedeemer

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City to City Scott Kauffmann, e do meu editor há tantos anos da PenguinRandomHouseBrianTart, fui capaz de discernir os contornosmais amplos emaisimportantesdasimplicaçõesatuaisdoatodepregar.

Como de costume, quero agradecer às pessoas que me possibilitaramescrever durante várias semanas ao longo do ano em ambientes agradáveis eisolados—LynnLand,MaryCourtneyBrooks, JaniceWorth, JohneCarolynTwiname.Porfim,agradeçoàminhaesposa,Kathy,minhamelhorcríticaemaisardentedefensoratantodomeutrabalhoquantodaminhavidacomopregadordaPalavra.

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PRÓLOGO

OQUEÉUMABOAPREGAÇÃO?

Umadasmulheresquenosouviam,chamadaLídia,vendedoradetecidosdepúrpura,dacidadedeTiatira,eratementeaDeus.OSenhorlheabriuocoraçãoparaacolherascoisasquePaulodizia(At16.14).

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OSEGREDODEUMAPREGAÇÃOEXCELENTENãomuitotempodepoisquecomeceimeuministériodepregação,observeiumaintrigantefaltaderegularidadenareaçãodosmeusouvintes.Àsvezes,oretornovinha sob a forma de agradecimentos no decorrer da semana depois dedeterminado sermão. “Aquele sermãomudouminha vida.” “Parecia que vocêestava falando diretamente comigo. Fiquei pensando: Como ele sabe disso?”“Nuncavoumeesquecer—eracomoseamensagemtivessevindodiretamentedeDeus!”Quando euouvia comentáriosdesse tipo, achavaque tinhapregadoumexcelentesermão—osonhodetodojovemministro.

Não demorou muito para me dar conta de que outros estavam fazendocomentários do tipo “nada demais” sobre a mesma mensagem. Kathy, minhaesposa, muitas vezes dizia: “Foi bom, mas não foi um dos seus melhores”,enquantooutrapessoamediziaemlágrimasnodiaseguintequejamaisseriaamesma depois de ouvir aquele sermão. Como eu deveria interpretar isso?Noinício, comecei a imaginar se a belezado sermãonão estaria napercepçãodoouvinte apenas,mas certamente essa era uma explicação subjetiva demais. EuconfiavanodiscernimentodeKathy,enomeupróprio,dequealgunsdosmeussermõeseramsimplesmentemaisbemelaboradosetransmitidosdoqueoutros.Contudo, alguns dos que eu consideravamedíocresmudavam vidas, enquantooutrosqueeuachavamuitobonspareciamterpoucoimpacto.

Umdia,euestavalendoAtos16,quenarraaplantaçãodaigrejadeFilipospor Paulo. Nessa ocasião, o apóstolo apresentou o evangelho a um grupo demulheres e umadelas,Lídia, começou a crer emCristo porque “oSenhor lheabriuocoraçãoparaacolherascoisasquePaulodizia”(At16.14).Emboratodastivessemouvidoamesmamensagem,sóLídiaparecetersidopermanentementetransformada por ela. Não devemos forçar a interpretação aqui para dar aentender que Deus só opera por uma mensagem no momento em que ela écomunicada e que ele não ajudou Paulo enquanto preparava o sermão comantecedência.Contudo,estavaclaroparamim,combasenotexto,queoimpactodiferenciadodo sermão sobre as pessoas se devia à obra doEspírito deDeus.

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TalvezPaulotivesseLídiaemmenteaomostrarquepregaréoevangelhochegaraté o ouvinte “não somente com palavras, mas também com poder, com oEspíritoSantoecomabsolutaconvicção”(1Ts1.5).

Concluíqueadiferençaentreumsermãoruimeumbomsermãodependeemgrandemedidadopregador—dosseusdonsehabilidadesedapreparaçãodamensagem.Entenderotextobíblico,extrairdeleumesboçoeumtemaclaros,elaborar um argumento convincente, enriquecê-lo com ilustrações tocantes,metáforas e exemplospráticos, analisandode forma incisiva asmotivaçõesdocoração e seus pressupostos culturais e fazendo aplicações específicas à vidareal, todas essas coisas exigem um trabalho demorado. Preparar um sermãocomo esse exige horas de dedicação, e conseguir elaborá-lo e apresentá-lo deformahábilexigeanosdeprática.

Contudo,emboraadiferençaentreummausermãoeumbomsermãosejasobretudo responsabilidadedopregador, adiferença entreumaboapregaçãoeumapregaçãoexcelente depende principalmente da ação doEspírito Santo nocoraçãodoouvintebemcomonodopregador.AmensagememFiliposveiodePaulo,masoefeitodosermãosobreoscoraçõesveiodoEspírito.

Isso significa que Deus pode usar tanto uma mensagem elaborada comindiferençaquanto uma excelente pregação, o que explica a resposta dadaporumvelhoministrocristãoquandolhepediramparafazerumacomparaçãoentredois pregadoresdo século18:DanielRowland eGeorgeWhitefield.Eledissequeosermãodeambossempreeradegrandeimpacto,masqueossermõesdeRowland eram sempremuito bons, o que já não acontecia sempre com os deWhitefield.1Nãoimportandocomoosermãoerapreparado,haviaasensaçãodeque a presença e o poder de Deus sempre acompanhavam a pregação deWhitefield.

Talvezvocêestejaansiosoparaaprender“osegredodapregaçãoexcelente”como um conjunto de instruções que estabelecem uma prática disciplinada.Desse modo, você poderia quase sempre pregar maravilhosamente bem,bastandoparaissoseguiressasorientaçõesaopédaletra.Noentanto,nãoposso

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lhe dar essa fórmula — ninguém pode —, porque esse segredo repousa nasprofundezas dos sábios planos divinos e do poder do Espírito deDeus. Estoufalandodaquiloaquemuitossereferiramcomo“unção”.Discutireiopapeldopregadornessadinâmicanocapítulofinaldeste livro,masnãohámanuaisquegarantam isso. Haverá quem aponte com justiça para a vida de oração doministro,indagando:“Nãoéesseosegredodapregaçãoexcelente?”.Arespostaésimenão.Emboraumavidadeoraçãoprofundaericasejaumrequisitoparaumapregaçãoexcelenteemesmoparaumaboapregação,elanãoéporsisóagarantia de que tal excelência será alcançada. É preciso que façamos toda anossa parte para que a comunicação da verdade de Deus seja boa e entãodeixemosacargodeDeuscomoecomquefrequênciaeleatornaráimpactantepara o ouvinte. “… procuras coisas magníficas para ti mesmo? Não asbusques…”(Jr45.5).

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OPREGADOR“ABSOLUTAMENTEPERFEITO”Essa distinção poderá levá-lo a supor que os comunicadores cristãos nadaprecisam fazer a não ser explicar o texto bíblico e que “cabe a Deus fazer oresto”.Esseéumequívocoeumreducionismoperigosodatarefadapregação.

TeodorodeBezafoiocompanheiromaisjovemesucessordeJoãoCalvino,o fundador do segmento reformado do protestantismo durante aReforma. EmsuabiografiadeCalvino,BezarecordaquaiseramostrêsgrandespregadoresdeGenebra naqueles anos— o próprio Calvino, Guilherme Farel e Pedro Viret.Farel, disseBeza, eraomais inflamado,omais apaixonadoe contundente emseus sermões.Viret era omais eloquente, e o público ouvia atentamente suaspalavras vibrantes e belas.O tempo voava quando ele pregava.Calvino era omais profundo; seus sermões eram recheados com as “perspectivas maisprofundas”. Ele tinha mais substância, Viret mais eloquência e Farel maisveemência.Bezaconcluiuque“umpregadorquefosseumacombinaçãodessestrês homens teria sido absolutamente perfeito”.2 Ele reconhece aqui que seugrande mentor, João Calvino, não era o pregador perfeito. Ele dominava umgrande conteúdo, mas não era tão habilidoso quanto os outros em prender aatençãodopúblico,persuadi-loetocarseucoração.VireteFareltinhammaiorcapacidadedeenvolvimentoecomoçãodopúblico.

Noprimeiromanualdepregaçãocristã,Agostinhoescreveuquefaziapartedosdeveresdospregadoresnãoapenasprobare(instruireprovar),mastambémdelectare(prenderaatençãoeencantar)eflectere(comoveraspessoaselevá-lasàação).3EmboraAgostinhocondenasseasfilosofiaspagãsporsuafalência,eleacreditavaqueospregadorescristãospudessemaprendercomsuasobrassobreretórica. O termo grego para retórica apareceu primeiramente no Górgia,diálogo de Platão, com o significado de “trabalho de persuasão”.4 GeorgeKennedy,especialistanosclássicos,dizque,emcertosentido,aretórica“éumfenômeno de todas as culturas humanas”, porque a maior parte dos atos decomunicação tem como objetivo não apenas transmitir informações, mas

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também influenciar as crenças, as ações ou as emoções dos que as recebem.5

Todo omundo, de certa forma, recorre à retórica em algumgrau,mesmoqueisso signifique alterar o volume, o grau ou o ritmo da ênfase. Todos devemescolher o vocabulário e as metáforas que iluminam e compelem, além deencontrar outras formas, verbais e não verbais, de atrair, manter a atenção eenfatizarcertospontosemdetrimentodeoutros.

JoãoCalvinotambémpensavaassim.Aocomentar1Coríntios1.17,emquePaulo evita usar “sabedoria e eloquência” (NIV), Calvino indaga “se ele querdizer[…]queapregaçãodoevangelhosecorrompecasoamaisínfimapartículade eloquência e retórica seja usada para adorná-la”. “O que Paulo diz aqui,portanto”, responde Calvino, “não deve ser entendido como se as artes[retóricas] devessem ser objeto de desdém, como se não favorecessem apiedade”.6Pauloadvertequenãodevehaverabuso.Aretóricapodesetornarumfimemsimesma,eassimsuasformasinteressanteseagradáveisobscurecemasimplicidadedamensagembíblicacom“umapegotoloporumestiloaltamenteimpactante”.7 Histórias longas, linguagem florida e gestos dramáticos podemcaptaraatençãoenquantoamensagemdefatodotextoéignorada.

Calvinodizaindaquenãodevemosdesprezarnemasexpressõessimplesdaverdade,nemaoratóriahabilidosa,contantoqueestejamaserviçodotexto.“Aeloquêncianãodestoadeformaalgumadasimplicidadedoevangelho,quandonãorecorreaodesdémpara transmiti-lo,quandosesubmeteaele,e tambémoserve,comoacriadaàsuapatroa.”8Apregaçãonãodeveserumaperformancehumana que meramente entretém, tampouco deve ser uma seca recitação deprincípios.Aeloquênciaespiritualdevedecorrerdoamorquasedesesperadodopregadorpelaverdadedoevangelhoepelaspessoasparaquemaaceitaçãodaverdadeéumaquestãodevidaoumorte.

Nofimdascontas,apregaçãotemdoisobjetosbásicosemvista:aPalavraeoouvintehumano.Nãobastaceifaro trigo;eledeveserpreparadodeformaquesejacomestível,casocontrárionãoalimentaránemdaráprazer.Apregaçãosadiabrotadedoisamores—amoràPalavradeDeuseamoràspessoas—,ede

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ambosbrotaodesejodemostraràspessoasagraçagloriosadeDeus.Portanto,emborasomenteDeuspossaabriroscorações,ocomunicadordeveproporcionarbons momentos e matéria para reflexão ao apresentar a verdade de formaprecisa,explicitando-aparaocoraçãoeparaavidadosouvintes.

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PREGANDOCRISTOTalvez não haja passagem mais importante na Bíblia sobre pregação do que1Coríntios1.18—2.5.9

Irmãos,quandofuiatévós,anunciando-vosomistériodeDeus,nãofuicomlinguagempomposanemde sabedoria. Pois resolvi nada saber entre vós, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado. Estiveconvoscoemfraqueza,emtemoreemgrande tremor.Minha linguagemepregaçãonãoconsistiramempalavraspersuasivasdesabedoria,masemdemonstraçãodopoderdoEspírito,paraqueavossafénãoseapoiasseemsabedoriahumana,masnopoderdeDeus(1Co2.1-5).

Paulodiz:“…quandofuiatévós,anunciando-vosomistériodeDeus[…]resolvi nada saber entre vós, a não ser JesusCristo, e este, crucificado” (1Co2.1,2).NaépocaemquePauloescreveuisso,aúnicaEscrituradisponívelparapregação é a que chamamos hoje de Antigo Testamento. Contudo, mesmoquandopregavatomandoporbaseessestextos,Paulo“nadasab[ia]”senãoJesusque não aparecia com esse nome em nenhum daqueles textos. Como isso erapossível?ParaPaulo,todaaEscritura,emúltimaanálise,apontavaparaJesusesuasalvação;todososprofetas,sacerdotesereislançavamluzsobreoProfeta,Sacerdote e Rei por excelência. Apresentar a Bíblia “em sua plenitude” erapregarCristocomotemaesubstânciaprincipaisdamensagemdaBíblia.

A retórica clássica possibilitava ao orador a inventio— a escolha de umtópico e a divisão deste em suas partes constituintes, juntamente comargumentosesmeradoserecursosquedavamsustentaçãoàtesedoorador.ParaPaulo,porém,existeapenasumtópico:Jesus.ParaondequerquenosvoltemosnaBíblia,Jesuséoassuntoprincipal.Atémesmoadivisãodonossotópiconãofica totalmente por nossa conta— cabe-nos expor os tópicos e pontos sobreJesusqueotextobíbliconosdá.Devemos“nosrestringir”aJesus.Noentanto,posso falar com base em quarenta anos de experiência como pregador que ahistóriadesseindivíduoúniconãoprecisajamaissetornarrepetitiva.Elacontémahistóriatodadouniverso,edahumanidadetambém,eéaúnicaresoluçãodatramadavidadecadaumdenós.10

Portanto, não houve texto que Paulo pregasse que não fosse sobre Jesus,

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nãomeramentecomoumexemploaseguir,mascomoumsalvador:“…CristoJesus, o qual […] se tornou para nós sabedoria, justiça, santificação eredenção…”(1Co1.30).

Para Paulo, Cristo é a chave que permite entender cada texto bíblico(primeiro aspecto da boa pregação) e é também a chave que, de formapersuasiva, possibilita a clara exposição da Palavra ao coração e à vida doouvinte (segundo aspecto).Diz ele: “…quando fui até vós, anunciando-vos omistériodeDeus,nãofuicomlinguagempomposanemdesabedoria”(1Co2.1).Àprimeiravista, issoparececontrariarousodequalquer técnicanapregação,masorestantedoNovoTestamento(conformeCalvinoaponta)tornaimpossívelafirmar que Paulo jamais tenha usado de lógica, argumentação, retórica ou deconhecimento quando pregava. No livro de Atos, conforme veremos, Paulohabilmenteusadiferentesargumentosparadiferentespúblicose,em2Coríntios5.11(NVI),eleprocura“persuadir”osouvintes;portanto,nãoépossívelqueelenão tenha estratégia alguma para mudar a mente das pessoas.11 AnthonyThiselton,estudiosodoNovoTestamento,recorreaestudosrecentesdaretóricaclássicaparanosajudaracompreenderoquePauloquerdizerem1Coríntiospor“linguagempomposa”e“de sabedoria”.Pauloestá rejeitandooassédioverbal(queusaaforçadaprópriapersonalidade,asagacidadeouodesdémmordaz),asdeclarações recebidas comaplausos eque encontrameconospreconceitos, noorgulho e nos temores damultidão; está rejeitando históriasmanipuladoras outécnicasquesubjugamopúblicocomespetáculosdedestrezaverbal,sagacidadeouerudição.12

Contra todos esses abusos retóricos, Paulo apresenta a mensagem de“Cristo,eeste,crucificado”(1Co2.2),masvaleapenaatentarparaosignificadodessecontraste.Pauloquer,naverdade,reformularosfundamentosdocoraçãodos ouvintes. Ele quermudar aquilo que elesmais amam, esperam e em quedepositamsuafé.Noentanto,eleinsistequeessamudançanãodeveacontecerpormeioda inventividadehumana,mas somente através da “demonstraçãodopoderdoEspírito”(1Co2.4)—afirmaçãoquepodesertraduzidapor“naprova

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transparenteesclarecidacompoderpeloEspíritoSanto”.13Oqueissosignifica?Thiseltonprosseguenaanálisedotextoediz:“…conformesevêclaramenteem1Coríntios 2.16—3.4, o ‘Espírito’ é definido cristologicamente”. Nessapassagem,Paulo se refere à “discriçãodoEspíritoque apontapara alémde simesmoemdireçãoàobradeDeusemCristo”.14PauloestásecomparandoaoEspíritoSanto,cujaobraconsiste,talcomoumholofote,nãoemapontarparasimesmo,masemnosmostraraglóriaeabelezadeCristo(cf.Jo16.12-15).

Portanto,esseéopoderdopregadorcristão.Éassimquesetransmitenãoapenasumapalestrainformativa,masumsermãoquetransformavidas.Nãosetrata meramente de falar de Cristo, mas de mostrá-lo, de “demonstrar” suagrandeza e revelá-lo comoalguémque é dignode louvor e de adoração.Seofizermos,oEspíritonosajudará,porqueessaésuagrandemissãonomundo.

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PREGANDOAOCORAÇÃOCULTURALNãoesgotamosaricateologiadapregaçãodessapassagem.QuandoPaulofaladapregaçãoque transformavidas,elenãoestá se limitandoaomundo interiordosouvintes.Eleestáobservandotambémaculturaemquevivem.

Vistoque,nasabedoriadeDeus,omundoporsuaprópriasabedorianãooconheceu,foidoagradodeDeussalvarosquecreempormeiodoabsurdodapregação.Pois,enquantoosjudeuspedemsinais,eos gregos buscam sabedoria, nós pregamos Cristo crucificado, que é motivo de escândalo para osjudeuseabsurdoparaosgentios.Masparaosqueforamchamados,tantojudeuscomogregos,CristoépoderdeDeusesabedoriadeDeus(1Co1.21-24).

OteólogoDonCarsonchamaessadescriçãode“idolatriasfundamentaisdoperíodo[dePaulo]”.15Aqui,oapóstoloresumehabilmenteasdiferençasentreasnarrativas culturais gregas e as judaicas. Toda sociedade tem uma visão demundo,“históriadomundo”ou“narrativacultural”quedáformaàsidentidadese aos pressupostos daqueles que vivem nessa sociedade. De modo geral, osgregosvalorizavamafilosofia,asartes,asrealizaçõesintelectuais,aopassoqueos judeus valorizavam o poder e as habilidades práticas em detrimento dopensamentodiscursivo.PaulodesafiaambasasnarrativasculturaiscomacruzdeJesus.Paraosgregos,umasalvaçãoquenãoviesseatravésdeumafilosofiaede umpensamento elevados,mas pormeio de umSalvador crucificado, era oopostodasabedoria—eratolice.Paraosjudeus,umasalvaçãoquenãoviesseatravésdopoder,deumlibertadorquederrubasseosromanos,maspormeiodeum Salvador crucificado, era o oposto da força— era fraqueza. Paulo usa oevangelho para confrontar ambas as culturas com a natureza idólatra de suaslealdadesevalores.

Contudo, depois de desafiar essas duas culturas, ele também discerne econfirma a maior aspiração de cada uma delas. Vocês querem sabedoria, dizPauloaseusouvintesgregos,entãoolhemparaacruz.ElanãopermitiuaDeusquefosseaumsótempojustoe justificadordaquelesquecreem?Essanãoéasabedoriasuprema?Vocêsquerempoder,dizPauloaseusouvintesjudeus,entãoolhemparaacruz.ElanãopermitiuqueDeusderrotassenossosinimigosmais

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poderosos—opecado,aculpaeaprópriamorte—semnosdestruir?Essanãoéaforçasuprema?

Portanto, Paulo explica cada narrativa cultural e, em seguida, confrontacadaumadesuasidolatrias—aarrogânciaintelectualdosgregoseajustiçadasobrasdosjudeus—,mostrando-lhesqueocaminhonoqualelesvêmbuscandoseusmais importantes e característicos bens é pecaminoso e traz consigo suaprópria derrota.No entanto, esse não é ummero exercício intelectual ou umaestratégia retórica inteligente—éumato de amor e de cuidado.Somos seressocioculturais e nossasmotivaçõesmais centrais são profundamentemarcadaspelas comunidades humanas nas quais estamos inseridos. No decurso daexposiçãodotextobíblico,cabeaopregadorcompararecontrastaramensagemda Escritura com as crenças fundamentais da cultura, que são, em geral,invisíveis às pessoas imersas nela; e assim, ele poderá ajudá-las acompreenderem a si mesmas mais plenamente. Se feita corretamente, aexposiçãopodelevaraspessoasadizer:“Ah,éporissoentãoquetendoapensare a sentir dessa forma”. Esse pode ser um dos passos mais libertadores ecatárticosdajornadadefédeumapessoaatéCristo.

Para alcançar as pessoas, os pregadores do evangelho devem desafiar anarrativa da cultura em pontos de confrontação e, por fim, recontar essanarrativa,porassimdizer,revelandocomosuasaspiraçõesmaisprofundaspelobemsópodemserrealizadasemCristo.AssimcomoPaulo,cabe-nosconvidaraspessoaseatraí-laspormeiodasaspiraçõesdesuacultura,chamando-asparaquevenhamaCristo,averdadeirasabedoriaeaverdadeirajustiça,overdadeiropodereaverdadeirabeleza.

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ASTAREFASDAPREGAÇÃOEmqueconsiste,portanto,aboapregação?Vamosjuntartodasessasideiasemumaúnicadescrição.

É “anunciar […]omistério deDeus” (1Co2.1).Épregar biblicamente eestabelecer uma conexão por meio do texto cheio de autoridade. Em outraspalavras, devemospregar aPalavra enãonossaopinião.Quandopregamos asEscrituras, falamos“aspalavrasdeDeus” (1Pe4.11).Éprecisodeixar claroosentido do texto no seu contexto — tanto em seu tempo histórico como noâmbitodetodaaEscritura.ServiràPalavraéfazersuaexposição,istoé,extraira mensagem do texto com fidelidade e discernimento, tendo em vista todo orestantedoensinobíblico,paraquenão“seexpliqueumpontodaEscrituradetalmodoquesejairreconciliávelcomoutro”.16

É também anunciar “tanto [a] judeus como [a] gregos” (1Co 1.24),pregandodeformapersuasiva,envolvendoaculturaetocandooscorações.Issosignifica não apenas informar a mente, mas também capturar o interesse e aimaginação do ouvinte persuadindo-o ao arrependimento e à ação. O bomsermãonãoé comoumporrete comque sebatenavontade, e simcomoumaespada que penetra o coração (At 2.37). Em seu melhor, ele penetra nossosalicerces,analisando-noserevelando-nosanósmesmos(Hb4.12).EledeveseralicerçadonaexposiçãodaBíblia,porqueaspessoasnãocompreendemumtextoatéquevejamcomoele se relaciona à suavida.Ajudar aspessoas a enxergarisso é a tarefa da aplicação, que é algo muito mais complicado do quegeralmente admitimos. Conforme dissemos, pregar ao coração e à culturacaminham juntos, porque as narrativas culturais afetam profundamente osentimentode identidade, a consciência e a compreensãoda realidadede cadapessoa. A interação cultural na pregação jamais deve ter como objetivo ser“relevante”;antes,devetercomopropósitopôranuosfundamentosdavidadoouvinte.

Alec Motyer, pregador expositivo da Bíblia, resume isso afirmando que

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temosduasresponsabilidadesaopregar,enãoapenasuma:“Emprimeirolugarcomaverdade;emsegundolugar,comumgrupoespecíficodepessoas.Dequemaneirapoderãoouvirmelhoraverdade?Queformadevemosdaraelaecomoexpressá-lacompalavras,paraquesejacompreendidapelaaudiênciademaneirapalatável, seja ouvida com grande receptividade e […] evite ofensasdesnecessárias?”.17

Sãoessasasduastarefasdapregação,eháumachaveparaambas—pregarCristo.Essanãoéumatarefadistintaaseracrescentadaàsoutrasduas;antes,éaessência de como cada uma deve ser executada. Lembre-se de que a precisãobíblicaeacristocentricidadesãoamesmacoisaparaPaulo.Nãosepodepregaradequadamente um texto — situando-o em seu lugar correto na Bíblia — amenosquesedemonstredequemaneiraseus temassecumpremnapessoadeCristo.Deigualmodo,nãosepodealcançarereestruturarasafeiçõesdocoraçãoamenosqueseaponte,pormeiodosprincípiosbíblicos,paraabelezadeJesus,mostrando claramente de quemodo a verdade específica do texto em questãopodeserpraticadaunicamentepelafénaobradeCristo.

CertavezKathychamouminhaatençãoparaofatodequeaspartesiniciaisdo meu discurso dariam uma boa aula de escola dominical, contudo, nomomentoemqueeu“chegavaaCristo”,aaulasetransformavaemsermão.Vocêtalvezqueiraqueseusouvintes tomemnotadeboapartedoqueéditoemseusermão,mas,quandochegaaCristo,vocêquerqueelesexperimentemasnotasquevinhamtomandoatéentão.

CharlesSpurgeon,océlebrepregadorbritânicodoséculo19,eraousadoemsua insistência de que todo sermão deveria pôr Cristo em destaque, para quetodos os ouvintes o contemplassem. Ele se queixava de que frequentementeouviasermões“muitoeruditos[…]magníficosesofisticados”;noentanto,tudogirava em torno da verdademoral e da prática ética, bem como em torno deconceitos inspiradores,enãohavia“nenhumapalavra sobreCristo”.Eisoqueeledissesobreessetipodepregação,evocandoaspalavrasdeMariaMadalena:“LevaramemboraomeuSenhorenão seiondeopuseram.Nãoouvinadade

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Cristo!”.18Eleestácerto.AmenosquepreguemosJesus,enãoumconjuntode“moraisdahistória”,princípiosatemporaisoubonsconselhos,aspessoasjamaiscompreenderãoouamarãoaPalavradeDeus,obedecendo-lhedeverdade.OqueSpurgeon pede é mais difícil do que parece e mais raro do que você possaimaginar.

Portanto, há duas coisas que devemos fazer. À medida que pregamos,devemosservireamaraverdadedaPalavradeDeus,etambémservireamaraspessoas diante de nós. Servimos a Palavra ao pregar o texto claramente epregando o evangelho o tempo todo.Alcançamos as pessoas pregando para aculturaeparaocoração.

Emseguida,vemapartequeDeusdevefazer.Ele iluminaaPalavraparanossosouvintespela“demonstraçãodopoderdoEspírito”(1Co2.4).Deacordocom Paulo, podemos pregar com genuíno poder espiritual somente seoferecermos Cristo como uma realidade viva a ser encontrada e acolhida poraquelesqueouvem. Issosignificapregarcomreverênciaeassombrodiantedagrandeza do que temos em Cristo. Significa transmitir uma transparência nãoforçada,dandoprovasdeumcoraçãoqueestásendorecompostoprecisamentepelaverdadequevocêestáapresentando.Éalgoquetrazconsigoumaespéciedeequilíbrioedeautoridade,emvezdeumdesejo insegurodeagradaroude terum bom desempenho. Portanto, seu amor, alegria, paz e sabedoria devem serevidentesquandovocê fala.Vocêdevesersemelhanteaumvidro transparenteatravésdoqualaspessoaspossamverumaalmatransformadapeloevangelho,demaneiratalquequeiramissotambémeassimtenhamigualmenteasensaçãodapresençadeDeus.

Como todas essas coisas acontecem?Quando pregamosCristo. Pregandofielmente o texto e sempre o evangelho, estabelecendo uma conexão com aculturaealcançandoocoração,cooperandocomamissãodoEspíritonomundo—assimpregamosCristoemtodaaEscritura.

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NOTAS1D.M.Lloyd-Jones,Preachingandpreachers,ediçãode40anos(GrandRapids:Zondervan,2011),

p.67-8[ediçãoemportuguês:Pregaçãoepregadores, traduçãodeJoãoBentesMarques,2.ed,3.reimp.(São JosédosCampos:Fiel, 2011)].O testemunhoveiodeDavid JonesdeLlangan (1736-1810).ComotinhaouvidoRowlandeWhitefieldpessoalmentepregarem,pediramquefizesseumacomparaçãoentreosdois.Suarespostafoi:“Comrelação[…]aoatodapregação,notocanteaoenlevoàsalturaseaotransporteda congregação aos céus, detecteimuito pouca diferença entre eles; um era tão bom quanto o outro.Agrandediferençaentreosdois”,prosseguiu,“eraaseguinte:deRowlandpodia-sesempreteracertezadequeseouviriaumbomsermão,masnemsempreomesmoaconteciaemrelaçãoaWhitefield”(p.67-8).

2CitadoemScottManetsch,Calvin’scompanyofpastors(NewYork:OxfordUniversityPress,2013),p.156.

3OmanualestáemAugustine,OnChristiandoctrine, livro IV [edição emportuguês:Agostinho,Adoutrinacristã (SãoPaulo:Paulus,2002),vol.17]eencontra-sena íntegra,comproveitosasanotaçõeseanálise,emPatriciaBizzel;BruceHerzberg,orgs.,Therhetoricaltradition:readingsfromclassicaltimestothepresent(NewYork:St.Martin’sPress,1990),p.386-422.OslivrosIatéIIIapresentam,basicamente,uma“hermenêutica”,comoentenderaBíblia.OlivroIVexplicaentãocomocomunicaroquefoiaprendidonaBíblia.

4George A. Kennedy, Classical rhetoric and its Christian and secular tradition from ancient tomoderntimes,2.ed.(ChapelHill:UniversityofNorthCarolinaPress,1999),p.1.

5Ibidem,p.2.6JohnCalvin,1Corinthians, in:Calvin’sCommentaries, edição eletrônica (Albany:AgesSoftware,

1998).7Ibidem.8Ibidem.9VejaAnthonyC.Thiselton,TheFirstEpistle to theCorinthians:acommentaryon theGreek text,

TheNewInternationalGreekTestamentCommentary (GrandRapids:Eerdmans,2000);RoyE.Ciampa;BrianS.Rosner,TheFirstLetter to theCorinthians, PillarNewTestamentCommentary (GrandRapids:Eerdmans,2010);GordonD.Fee,TheFirstEpistletotheCorinthians,TheNewInternationalCommentaryontheNewTestament(GrandRapids:Eerdmans,1987).Vejatb.D.A.Carson,“Thecrossandpreaching”,in:ThecrossandChristianministry:leadershiplessonsfrom1Corinthians(GrandRapids:Baker,1993),p.11-41.

10“Sim.EmnossomundotambémumEstábulocertavezcontevealgoemseuinteriorqueeramaiordoqueomundo inteiro”.C.S.Lewis,The lastbattle (London:GeoffreyBles, 1956), p.143 [edição emportuguês:Aúltimabatalha(SãoPaulo:MartinsFontes,2003).

11VejaPaulBarnett,TheSecondEpistletotheCorinthians(GrandRapids:Eerdmans,1997),p.277-83.Veja esp. a nota 8 da p. 280. ParaBarnett, a declaração de Paulo de que “procuramos persuadir oshomens”(2Co5.11,NVI)éumadescriçãodoseuministérioevangelístico.

12VejaThiselton,p.216-23.13Ibidem,p.218.14Ibidem,p.222.15Carson,CrossandChristianministry,p.20.16ArtigoXX,“Daautoridadedaigreja”,in:TrintaeNoveArtigosdaReligiãodaIgrejaAnglicana.17AlecMotyer,Preaching?simpleteachingonsimplypreaching(Ross-shire:ChristianFocus,2013),

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p.65.18Charles Spurgeon, “Christ precious to believers” (sermon n. 242,March 13, 1859), in:The New

ParkStreetPulpit,reimpr.(Pasadena:Pilgrim,1975),vol.5,p.140.

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O

INTRODUÇÃO

OSTRÊSNÍVEISDOMINISTÉRIODAPALAVRA

teólogoaustralianoPeterAdamdefendequeaquilo aquechamamosdepregação,odiscursopúblicoformalquedirigimosàigrejareunidano domingo, é apenas uma forma do que a Bíblia descreve como

“ministériodaPalavra”(At6.2,4).1

NodiadePentecostes,PedrocitouaspalavrasdoprofetaJoelquandodisseque Deus derramaria seu Espírito sobre todo o seu povo e, em consequênciadisso, “vossos filhos e as vossas filhas profetizarão” (At 2.17). GerhardFriedrich, no Theological dictionary of the New Testament,2 diz que há pelomenos 33 termos gregos no Novo Testamento normalmente traduzidos por“pregação/pregar” ou “anúncio/anunciar”. Adam observa que esses termosdescrevem atividades que nem sempre poderiam ser caracterizadas comodiscurso público.3 Em Atos 8.4, por exemplo, lemos que todos os cristãos,excetoosapóstolos,foramdeumlugaraoutro“anunciandoapalavra”.Issonãopode querer dizer que todo crente estava se levantando e pregando sermõespublicamente.PriscilaeÁquila,porexemplo,explicaramaPalavradeCristoaApolonacasadeles(At18.26).

Podemos distinguir pelomenos três níveis de “ministério da Palavra” naBíblia. Paulo conclama todos os crentes para que a “palavra de Cristo habitericamenteemvós”eparaque“emtodaasabedoria;ensinaieaconselhaiunsaosoutros” (Cl 3.16). Todo cristão deve ser capaz de ministrar tanto o ensino(didaskalia, a palavra comumenteusadapara instrução)quanto a admoestação(noutheo,umapalavracomumenteusadaparaconselhoveemente,quemudaavida),pormeiodosquaissão transmitidosaoutrososensinamentosdaBíblia.

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Isso deve ser feito com cautela, ainda que de modo informal, em conversasgeralmente individuais. Essa é a forma mais fundamental de ministério daPalavra.Vamoschamá-ladenível1.

Na extremidade mais formal do espectro estão os sermões: a pregaçãopública e a exposição da Bíblia perante um grupo de pessoas reunidas, quechamaremos de nível 3. O livro de Atos nos dá muitos exemplos extraídos,principalmente,doministériodePedroedePaulo, embora inclua tambémumdiscursodeEstevãoque,provavelmente,sintetizaseuensinoinovador.EmAtossão apresentados tantosdessesdiscursospúblicosquepoderíamosquasedizer,do ponto de vista de Lucas (o autor), que o desenvolvimento da igreja cristãprimitivaeodesenvolvimentodesuapregaçãoforamumacoisasó.

Há,entretanto,um“nível2”deministériodaPalavra,quepodesersituadoentre as conversas informais de todo cristão e os sermões formais. Em umapassagemnegligenciada,Pedrodescreveodomespiritualda“fala”:

Serviunsaosoutrosconformeodomquecadaumrecebeu,comobonsadministradoresdamultiformegraçadeDeus.Sealguémfala,falecomoquemcomunicaaspalavrasdeDeus;sealguémserve,sirvasegundoaforçaqueDeusconcede,paraqueemtudoDeussejaglorificadopormeiodeJesusCristo…(1Pe4.10,11).

Quando Pedro fala de dons espirituais, ele usa dois termos muitogenéricos.4Oprimeirodeleséotermopara“falar”:lalein.NorestantedoNovoTestamento, essa palavra denota simplesmente uma conversa cotidiana entrequaisquerpessoas(Mt12.36;Ef4.25;Tg1.19).Elapodesereferirtambémaoministériodapregação,comopodemosconstatarcomJesus(Mt12.46e13.10)ouPaulo(2Co12.19).MasdoquePedroestáfalandonessapassagem?

QuandocomparamosapassagemcomalistadedonsquePauloapresentaem Romanos 12, Efésios 4 e 1Coríntios 12 e 14, observamos que há umacategoriainteiradedonsdeministériodaPalavraqueoperamdemaneirasquevãoalémdapregaçãopúblicaàigrejareunidanodomingo.Elaincluiexortaçãoouaconselhamentopessoal,evangelismoeoensinodeindivíduosedegrupos.OestudiosodaBíbliaPeterDavidsconcluique,quandoPedroescrevea respeito

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do dom espiritual da “fala”, ele “não está se referindo às conversas informaisentrecristãos,tampouco[…]estásereferindoapenasàsaçõesdepastoresoudeoutros oficiais da igreja”, e sim a cristãos com “um desses dons verbais” deaconselhamento, instrução, ensino ou evangelização. Nessa categoria deministério,ocristãonãopregaperse.Elepreparaeapresenta liçõeseestudos;conduzdiscussõesemqueaPalavradeCristoéapresentada.5

EmboraPedronãoestejaapenassedirigindoaquemfalaempúblico,eleadverteàquelesqueapresentamaPalavraaoutros,sejadequal formafor,quelevemasériosuatarefa.Eleacrescentaque,quandooscristãosensinamaBíblia,seudiscursodeveser“como[ode]quemcomunicaaspalavrasdeDeus”(1Pe4.11). Davids observa que essa palavrinha “‘como’ permite um ligeirodistanciamento entre sua fala e as palavras de Deus”. Nenhum cristão devejamais reivindicar que seu ensino seja tratado com amesma autoridade que arevelação bíblica; no entanto, Pedro declara de forma contundente eesclarecedoraqueoscristãosqueestãoapresentandooensinobíbliconãodevemsimplesmenteexpressar suaopiniãopessoal; antes,devemministraraosoutros“as palavras de Deus”. Assim como na pregação pública, os cristãos devemtransmitiraverdadeconformeacompreendemnarevelaçãodasEscrituras.6EseexplicaremosignificadodaBíbliafielmente,aspessoasconseguirãoouvirDeusfalando a elas na exposição feita. Elas ouvirão não apenas uma peça daengenhosidadehumana,porassimdizer,masasprópriaspalavrasdeDeus.Todocristão precisa compreender a mensagem da Bíblia bem o suficiente paraexplicá-laeaplicá-laaoutroscristãoseaseupróximoemsituaçõesinformaisepessoais (nível 1). Contudo, no nível 2, hámuitas outrasmaneiras de pôr emprática o ministério da Palavra que exigem mais preparo e técnicas deapresentação, mas que não consistem na pregação de sermões (nível 3).Atualmente, o nível 2 poderá incluir a escrita, postagens em blogs, aulas epequenos grupos, mentoria, moderação de fóruns de discussões abertas sobrequestõesdeféetc.

Este livro tem como objetivo ser um recurso para todos aqueles que

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comunicamsuafécristãdealgummodo,especialmentenosníveis2e3.

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NÃOHÁSUBSTITUTOPARAAPREGAÇÃOÉperigoso,portanto,incidirnacrençaantibíblicadequeoministériodaPalavraconsistesimplesmentenapregaçãodesermões.ComodizAdam,isso“farácomqueapregaçãotomesobresiumpesoquenãopodecarregar;istoé,opesodefazer tudo o que a Bíblia espera de cada forma de ministério da Palavra”.7Nenhuma igreja deve esperar que toda transformação de vida decorrente daPalavradeDeus(Jo17.17;cf.Cl3.16,17eEf5.18-20)venhaestritamentepormeiodapregação.NãodevoesperarnemmesmoqueosmelhoressermõesqueouçomemoldemàsemelhançadeCristo.Preciso tambémdeoutroscristãosàminhavoltaquesaibam“maneja[r]bemapalavradaverdade”(2Tm2.15)parameencorajar,meinstruiremeaconselhar.Precisotambémdelivrosdeautorescristãoscujoconteúdomeedifique.Tambémnãoécertoesperarqueaquelesqueestão fora da igreja, e que precisam ouvir e compreender o evangelho, sejamalcançados somente através da pregação. Eumesmo cheguei à fé não porqueouvi alguma pregação ou porque alguém disse alguma coisa,mas através doslivrosqueli.(Algumasurpresanisso?)Éprecisocuidadoparanãoimaginarqueo sermãodedomingopossa suportar toda a cargadoministériodaPalavradaigreja.

Contudo, apesar da correta advertência de Adam de que não se deveenfatizardemaisapregaçãonoministériodaigreja,talvezessenãosejaomaiorperigo comque sedefronta a igreja atualmente.Vivemosnumaépoca emquemuitos resistem a qualquer indício de autoridade nos pronunciamentos feitos.Portanto,aalergiadaculturaàverdadeeagrandehabilidadeexigidaresultamemqueaigrejaperdeseuentendimentodanaturezacrucialdapregaçãoparaaministraçãodoevangelho.

EdmundClowney,emseucomentárioa1Pedro4.10,diz:

É verdade que todo cristão devemanejar com reverência a palavra de Deus, buscando a ajuda doEspíritoparatorná-laconhecidaaoutros.Contudo,hátambémaquelescomdonsespeciaisdoEspíritoparaapregação[…]dapalavradeDeus[…]ecujoencargoespecialconsisteemcuidardorebanhodeDeusealimentá-lo([1Pe]5.2).Existeoperigodeque,aoreagiraoclericalismo,aigrejaseesqueçadaimportânciadoministériodapalavradeDeusporaqueleschamadosaserpastoresdorebanhosoboSupremoPastor.8

Clowney nos adverte quanto ao fato de não vermos nenhuma diferença

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qualitativa entre proclamar a Palavra de Deus perante a assembleia reunida eliderarumgrupopequenodeestudobíblico.Adiferençaentreosdoisvaialémdas questões rituais e de logística.Não se trata apenas do número de pessoaspresentes,doespaçoaserpreenchidooudaprojeçãoedoritmodavoz.Quemjápregou em uma igreja sabe que há uma diferença qualitativa também entre osermão e um estudo, oumesmo entre um sermão e uma palestra. Um rápidolevantamento dos discursos dePedro, deEstêvão e dePaulo no livro deAtosmostraopoderextraordináriodapregaçãoquandoafirmada“como[…]palavrasdeDeus”(1Pe4.11)proferidaspormeiodaautoridadeímparqueoEspíritodeDeuspodeproporcionarparaumaassembleiapúblicadeadoração.

EmboranecessitemossempredeumasériedeformasvariadasdeministériodaPalavra,oministériopúblicoespecíficodapregaçãoé insubstituível.Adamconsegueequilibrarbemascoisasquandodizqueoministériodoevangelhodaigrejadeveser“centradonopúlpito,masnãorestritoaele”.9

Portanto,há trêsníveisdeministériodaPalavra; todoselessãocruciaisedãosustentaçãoumaooutro.ApregaçãopúblicadeCristonaassembleiacristã(nível 3) é uma forma especial pela qual Deus fala a seu povo e o edifica,estabelecendo-se assimas formasmais orgânicas doministério daPalavranosníveis1e2.Deigualmodo,acomunicaçãohábilefielnosníveis1e2preparaaspessoasparaseremreceptivasàpregação.Estelivroédirecionadoatodososque têm dificuldade de, em qualquer nível, comunicar às pessoas a verdadebíblicaquetransformaavida,emumaeracadavezmaiscética.Servirátambémcomointroduçãoefundamento,emespecial,paraasatividadesdepregaçãoedeensino.10

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NOTAS1PeterAdam,SpeakingGod’swords:apractical theologyofpreaching (Vancouver:RegentCollege

Publishing,1996),p.59.2Grand Rapids: Eerdmans, 1976 [edição em português: Gerhard Kittel, Gerhard Friedrich, orgs.,

DicionárioteológicodoNovoTestamento(SãoPaulo:CulturaCristã,2013),2vol].3Ibidem,p.75.4Sigo aqui a maior parte dos comentaristas para os quais “falar” e “servir” não são dois dons

espirituais específicos, e sim duas categorias amplas que contêm os dons mais específicos listados emRomanos12e1Coríntios12e14:donsdepalavra(profecia,ensino,exortação,sabedoria,conhecimento)edonsdeação(dar,misericórdia,cura,administração,governo).Veja,p.ex., J.RamseyMichaels,1Peter(Nashville:Word,1988),p.250-1.

5P.H.Davids,TheFirstEpistleofPeter(GrandRapids:Eerdmans,1990),p.161.6Ibidem.7Ibidem,p.598E.P.Clowney,Themessageof1Peter:thewayofthecross(DownersGrove:InterVarsity,1988),p.

184-5.9Ibidem,p.84.10Estaobranãofuncionarácomoum“manualcompletodopregador”.Elaservirádefundamentopara

que se pense na comunicação cristã daBíblia emuma era de ceticismo apresentando as tarefas básicas:pregaraPalavra,pregaroevangelho,pregarparaacultura,pregaraocoração,tudoissopregandoCristo.Neste livro, haverá umpoucomais de espaço dedicado à pregaçãopara a cultura do que a algumas dasoutras tarefas.Não porque isso sejamais importante,mas porque outros livros atuais sobre pregação sedetêmpoucosobreoassunto.Portanto,estevolumeémaisumadiretrizparaapregaçãonaatualidadedoque um guia de como fazê-la. Ele deve ser complementado por outros recursos de preparação parapregadores.MuitosdessesestãosendoelaboradosparausoepreparodospregadoresemCitytoCity.Vejaredeemercitytocity.com.

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PRIMEIRAPARTE

SERVINDOÀPALAVRA

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1

PREGANDOAPALAVRA

Sealguémfala, falecomoquemcomunicaaspalavrasdeDeus…[1Pe4.11].

Aexposiçãodastuaspalavrasconcedeluz…[Sl119.130].

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APALAVRADEDEUSEAHABILIDADEHUMANANoprimeiromanualdepregaçãoprotestante,Theartofprophesying[Aartedeprofetizar] (1592),WilliamPerkinsescreveu:“SomenteaPalavradeDeus,emsua perfeição e coerência interna” deve ser pregada.1 Isso pode parecer umaobviedade para muitos hoje. É claro, dizem, que um pregador ou professorcristão deve comunicar aBíblia.No contexto cultural de Perkins, porém, issonãoeraóbvio.Paramuitospregadoresdeseutempo,“agraça[deDeus]nãoerairresistível.Elatinhadeseramparadapelaeloquência[…]OsfiéisprecisavamdopodermiraculosodapregaçãoparadarsustentaçãoàEscritura”.2

Pregar na Inglaterra daquela época havia se tornado um exercício depirotecnia verbal, acrescido de linguagem ornamentada, com alusões aosclássicos, citações, imagens poéticas e retórica imponente. É claro que ospregadoresaindainiciavamasmensagenscompassagensbíblicas—masmuitopoucotempoeradedicadoàexplicaçãodostextos.ElespareciampensarqueaBíbliaprecisavademuitaajuda.AconfiançabásicanopoderenaautoridadedaEscrituratinhasidoperdida.

William Perkins e seus contemporâneos reagiram contra a “oratóriarefinada”deseutempo.Elesacreditavamqueoobjetivoprimordialdapregaçãohaviaseperdido:deixarqueaBíbliafalasseporsiprópria,demodoquepudessederramarseuprópriopoder.Aparte inicialdobrevevolumedePerkinsdedicaumtemposignificativodemonstrandoqueaBíbliaéasabedoriaperfeita,puraeeternadeDeusequeela tempoderparaconvenceraconsciênciaepenetrarocoração.3PerkinssabiaqueascrençasdocomunicadoremrelaçãoaocaráterdaBíbliatinhamumefeitosubstancialnaformacomoeleefetivamenteamanejava.Seráquenós,comocomunicadoresdaBíblia,sabemosverdadeiramentequeelatraz consigo a autoridade e o poder do próprio Deus? Se sabemos disso, nosfocaremosmais emexpor sua visãodoque emusá-lameramente comoapoioparanossavisão.“ApregaçãodaPalavraéotestemunhodeDeuseaprofissãodo conhecimento de Cristo, não da habilidade humana”, diz Perkins. Eleacrescentarapidamente,porém:“…issonãosignificaqueospúlpitosdevamser

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marcadospelafaltadeconhecimentoedeinstrução[…]Oministropodee,naverdade, deve, em particular, fazer uso livre das artes em geral e da filosofia,bemcomorecorreraumaamplavariedadedeleiturasaoprepararseusermão”.Contudo, essas coisas “não devem ser exibidas como objeto de ostentação”peranteaigreja.4

Perkinsquerdizerqueoobjetivodapregaçãonãoéapresentarosresultadosdesuainvestigaçãoempírica,reflexãofilosóficaoudesuapesquisaacadêmica.Tampoucoconsisteemteruminsightouimbuir-sedealgumencargo—osquaisvocê acredita terem sido postos por Deus em seu coração— e, em seguida,buscar um texto bíblico que lhe dê ocasião de dizer às pessoas o que você jáqueriadizeraelas.OpropósitodosermãoépregaraEscrituracomavisão,asdiretrizeseosensinamentosdelamesma.Nessajornada,conformedizPerkins,podemos e devemos usar todas as “artes” para ajudar nossos ouvintes acompreender o sentido comunicado pelo autor bíblico. Tudo isso é feito emsubserviênciaàprimeiragrandetarefadapregação:pregaraPalavradeDeusedeixarqueosouvintessintamaautoridadequevemdela.

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PREGAÇÃOEXPOSITIVAETÓPICAQualéamelhormaneiradepregar?

HughesOliphantOldescreveuumasériemagistralemsetevolumessobreahistória dapregação.5Old analisa a pregação cristã em todos os séculos e emtodas as ramificações da igreja — ortodoxa oriental, católica, protestantehistórica, protestante evangélica e pentecostal— e, no final da pesquisa, nasigrejas de praticamente todos os continentes. O escopo e a variedade de suapesquisasãodetirarofôlego.Emsuaintroduçãoàsérie,eleoferececincotiposbásicos de sermões que distingue ao longo dos séculos, aos quais chama deexpositivos,evangelísticos,catequéticos,festivoseproféticos.

Eledefineapregaçãoexpositivacomo“explanaçãosistemáticadaEscriturafeita semanalmente […] durante as reuniões regulares da igreja”.6 Os outrosquatro tiposdepregaçãotalvezpareçam,àprimeiravista,muitodiferentesunsdosoutros;contudo,emumaspecto,elessãoomesmotipo.Diferentementedaexposição, essas outras quatro formas de pregação não são necessariamenteorganizadas em torno de uma única passagem da Escritura. Isso porque oprincipalobjetivodecadaumanãoérevelarideiasnoâmbitodeumúnicotextobíblico,esimcomunicarumaideiabíblicaapartirdeváriostextos.Oldchamaessaestratégiamaisampladepregação“temática”ou“tópica”.Osermãotópicopode ter vários propósitos. Pode querer comunicar a verdade aos não crentes(pregação evangelística) ou instruir os crentes em um aspecto específico daconfissão e teologia de sua igreja (pregação catequética). A pregação festivaajudaoouvinteacelebraras festividadesdocalendárioda igreja,comoNatal,Páscoa ou Pentecostes, ao passo que a pregação profética se refere a ummomentohistóricoouculturalespecífico.

Há, portanto, no fim das contas, duas formas básicas de pregação:expositivae tópica.Ao longodosséculos,ambas foramamplamenteusadase,conformeOldmostra,ambasdevemserusadas.NolivrodeAtos,porexemplo,Paulo fez uma exposição bíblica na sinagoga, mas empregou uma oratória

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tópica, emque não usou emmomento algumaEscritura, na praça pública doAreópago.SuastesesforamtodasverdadesextraídasdaBíblia,masométododeapresentação foi mais parecido com a oratória clássica, em que as teses sãoseguidasdeargumentosaseufavor.NojulgamentodePaulo,nãoeraadequadooferecerumacuidadosaexposiçãobíblicaparaumpúblicoquenãoapenasnãocrianaBíblia,mas tambémeraprofundamente ignorantede seuspressupostosmais básicos. As ocasiões evangelísticas são, portanto, situações em queapresentarmensagenscristãsmaistópicaspodeserapropriado.

Háoutrasocasiõesemqueamensagembásicaquevocêquercompartilharébíblica,mas talveznãosejapossíveldizerosuficientedoqueaBíblia temadizersobreoassuntoemquestãocombaseemumapassagemapenas.ImaginequevocêqueiraensinarauniversitáriosoqueaBíbliadizsobreaTrindade—queDeuséumetrês.Nãohápraticamentenenhumtextobíblicoque,sozinho,lhe permitiria expor essa doutrina profundamente bíblica. Em vez disso, vocêterádemencionarecitardiversos textosemapoioaoseuensino.Napregaçãoexpositiva,diferentementedisso,seutrabalhoconsisteemiraondeaqueletextoespecíficoolevar.Ospontosdamensagememergirãoàmedidaqueotextoforexplicado,queseusignificadoforextraído.

Também vale a pena notar que os dois tipos de pregação não sãomutuamenteexcludentes,easformasabsolutamentepurasdeumedeoutrosãoraras.Naverdade, trata-sedecategoriasquesesobrepõemoudedoispolosdeum espectro. Até mesmo a mais cuidadosa exposição versículo por versículogeralmenteserefereaoutraspartesdaBíbliaquetratamdomesmotópico.SeoEspíritoSanto,porexemplo,apareceemseutexto,talvezvocêtenhadeexplicarqueoEspíritoSantoéumapessoadivina talcomooPaieoFilho.OEspíritoSantoéumserpessoal,nãoumacoisa.ÉprovávelqueseutextonãodiganadaobjetivamentesobreapersonalidadedoEspíritoSanto,mas,amenosquevocêofereça uma breve visão geral tópica da doutrina bíblica do Espírito, amensagemdoseutextoserámalcompreendida.Portanto,apregaçãoexpositivaéparcialmente tópica.E, novamente, todo sermão tópico fiel àEscritura terá de

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consistiremvárias“miniexposições”detextosdiversos.Istoé,aspassagensdaEscritura usadas para preencher o tópico devem ser explicadas dentro de seuprópriocontexto.

A pregação expositiva fundamenta a mensagem no texto, de modo quetodos os pontos do sermão sejam extraídos do texto e assim a pregação sedetenhanasprincipais ideiasnele contidas.Ela alinha a interpretaçãodo textocom as verdades doutrinárias do restante daBíblia (mostrando-se sensível emrelaçãoàteologiasistemática).Eelasempresituaapassagemdentrodanarrativabíblica,mostrandodequemodoCristoéocumprimentofinaldotemadotexto(mostrando-sesensívelemrelaçãoàteologiabíblica).

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ARGUMENTOSAFAVORDAPREGAÇÃOEXPOSITIVAFREQUENTEAssim como ao longo da história da igreja ambos os tipos de pregação foramnecessários, assim tambémprofessores e pregadores cristãos de hoje precisamverosdoiscomoformaslegítimasqueelespodemusarhabilmente.Contudo,eudiriaqueapregaçãoexpositivadeveconstituiradietaprincipaldapregaçãoparaa comunidade cristã. Por quê? Penso em pelo menos seis razões para isso,emboramedetenhamaisdemoradamentenaprimeira.

A pregação expositiva é o melhor método para expor e comunicar suaconvicçãodequeaBíbliatodaéverdadeira.Essaabordagemtestificaquevocêcrê que todas as partes da Bíblia são Palavra de Deus, e não apenas temasespecíficos, não apenas aquelas partes que você se sente à vontade emsubscrever. Uma confiança plena e uma boa compreensão da autoridade e dainspiraçãodaBíbliasãoabsolutamentecruciaisparaumministérioduradouroetransformadorpeloensinoepregaçãodaBíblia.SuaconfiançanaEscrituraserácomunicadadamelhorformaaseupúblicoquandoquevocêtiverconsolidado,aolongodotempo,umaabordagemexpositivaconstantequesecaracterizepelapreocupação de extrair o significado de cada texto, de fundamentar suasasserções no texto e de se deslocar através de grandes porções da Bíbliasistematicamente.

Não basta você ter um respeito geral pela Bíblia que talvez tenha sidoherdado de sua criação. Como pregador ou professor, você vai deparar commuitasdificuldadesnaBíblia.Inevitavelmente,osautoresbíblicosdizemcoisasquenãoapenascontradizemoespíritodaépoca,mas tambémasconvicçõeseintuiçõesquevocêmesmonutre.AmenosqueseuentendimentodaBíbliaesuaconfiançaemsua inspiraçãoeautoridadesejamprofundoseabrangentes,vocênão será capaz de realizar o trabalho árduo necessário para compreendê-la eapresentá-ladeformaconvincente.Suafaltadeconvicçãotransparecerátambémemseuensinopúblico,reduzindoseuimpacto.Emvezdeproclamar,advertireconvidar,vocêestarácompartilhando,ponderandoeconjecturando.

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Éclaroqueexiste tambémoperigodequeumpregadordoevangelhodagraçasetorneavassaladoredesnecessariamentedogmáticoempontosnosquaiscrentes fiéis não estão de acordo. Trataremos dessa questão posteriormente.Aqui,porém,queroenfatizaroperigodesecometeroerrooposto.Nãoémaiseficazserdefensivoereticentedoqueserconfrontadoreásperoemdemasia.Oequilíbrio é essencial. Conforme diz TimothyWard: “[Se] o pregador exercepoder exagerado, ele pode ser combatido; se for fraco demais, pode serignorado”.7

UmamaneiradedesenvolverconfiançaadequadanaEscrituraconsisteemveroqueaBíbliadiz sobre simesma.Comececomumestudoeumaanáliseminuciososdosalmo119,eextraiadeletudooquedizarespeitodocaráterdaEscritura,desuaaplicaçãoedeseupapelemnossavida.Emseguida,háváriosvolumeseensaiossobreaautoridadedaEscrituraparavocêlercuidadosamentee conhecer bem, a fimdeque sua comunicaçãoproduza frutos.8É importantesaber,nãoapenasdemodogeral,queaBíblia éverdadeira,mas tambémque,nela,aspalavrasdeDeussãoidênticasàssuasações.Quandoelediz“Hajaluz”(Gn1.3),háluz.QuandoDeusmudaonomedealguém,issoautomaticamenterecriaapessoa(Gn17.5).ABíblianãodizqueDeusfalae,emseguida,age;queele nomeia e depois dá forma, mas, sim, que o falar e o agir de Deus são amesmacoisa.Suapalavraésuaação,seupoderdivino.9

Portanto,comopodemosouviraPalavraativadeDeushojesenãosomosprofetasouapóstolosquenossentamosdefatoaospésdeJesus?AspalavrasdeDeus na boca dos profetas (Jr 1.9,10), quando escritas,ainda são palavras deDeusparanósnomomentoemqueaslemoshoje(Jr36.1-32).Warddizqueéimprescindível que o pregador reconheça isso. “A ação dinâmica contínua deDeuspormeiodoEspírito”está“relacionadanomaisaltograuà linguagemeaos sentidos da Escritura”.10 Em outras palavras, àmedida que desvelamos osignificado da linguagemdaEscritura,Deus se torna poderosamente ativo emnossavida.ABíblianãoémerainformação; tambémnãoéapenasinformaçãototalmente verdadeira. Ela é “viva e eficaz” (Hb 4.12)— é o poderDeus em

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formaverbal—massomentequandocompreendemososignificadodaspalavrascomqueDeusnosnomeia,nosmoldaenosrecria.

Sevocê,comunicadorcristão,conheceessadoutrinadaBíbliaecrênela,elateráumimpactoprofundonasuamaneiradepregar.SevocêacreditaqueoEspíritosópode,dealgummodogeral, tomarpartenapregaçãodaBíbliasobcertascircunstâncias,entãovocêestásuscetívelaminarseupodereautoridadequando, em sua pregação, enfatiza exageradamente suas próprias experiênciasoucolocaaautoridadenatradiçãoenascrençasdesuaigreja,nãonaBíblia.OutalvezvocêuseaBíbliacomoumsábioconjuntoderemédiosvariadosparaosproblemas sociais e pessoais contemporâneos. Se, porém, você acredita que apregaçãodaPalavraéumdosprincipaiscanaisparaaaçãodeDeusnomundo,entãocomgrandecuidadoeconfiançavocêrevelaráosignificadodo texto,naesperançaplenadequeoEspíritodeDeusagiránavidadosouvintes.11

Portanto,oscélebresversículosemqueaPalavradeDeusédescritacomo“fogo[…]ecomomarteloqueesmagaarocha”(Jr23.29)nãosãomeraretórica.Tenho visto centenas de casos específicos em que aBíblia deu provas de umpoderparapenetraraindiferençaeadefesaespiritualdaspessoasdeummodoqueultrapassavaemmuitominhacapacidadedefalarempúblico.Muitasvezestiveatémesmoconversascompessoasenraivecidas,certasdequeumdeseusamigos havia me contado a seu respeito e que eu havia me dirigido a elasespecificamentenosermão.Pudegarantircomtodahonestidadequenãotinhaamínimaideiadeseusproblemas—queeraaBíbliaexercendoseupoderdepôra nu os “segredos do seu coração” (1Co 14.25). Não gosto de ouvintes comraiva,masdevodizerquegostodessetipodeconversa.

Portanto,arazãoprimordialpelaqualdeveríamosrecorrerhabitualmenteàpregação expositiva se deve ao fato de que ela expressa e põe em ação nossacrença na Bíblia toda como Palavra de Deus, viva e eficaz e revestida deautoridade.

As outras razões a favor da pregação expositiva como dieta principal daigreja sãomais práticas, porém nãomenos importantes. Uma delas é que um

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sermão expositivo bem elaborado permite que os ouvintes reconheçam maisfacilmente que a autoridade não está nas opiniões de quem fala ou em seuraciocínio,masemDeus,emsuarevelaçãodadapormeiodoprópriotexto.IssonãoficaclaroemsermõesquetocamdelevenaEscrituraegastammaistempocom histórias, longos argumentos ou reflexões intelectuais. O ouvinte poderáfacilmente escapar da mensagem incômoda pensando: “Bem, essa é suainterpretação”.Umaexposiçãoclaraesólida,porém,seempenhaemmostraroqueapassagemsignificaeatestacommaisrigorqueaquiloqueestásendoditonãoéprodutodavisãodooradoroudeseuspreconceitos,masprovémdotextorevestidodeautoridade.

ApregaçãoexpositivapermitequeDeuspauteaagendadesuacomunidadecristã.Aexposiçãoéumaespéciedeaventuraparaopregador,queselançaemumlivroouemumapassagemcomopropósitodesesubmeteràsuaautoridadeesegui-losparaondequerqueopossamlevar.ÉclaroquecabeavocêescolhersobrequelivrosepassagensdaBíbliapregar,equalquerestudanteexperientedaBíblia saberá basicamente o que há em partes específicas daBíblia. Contudo,pregar de forma expositiva significa que você não poderá predeterminarcompletamenteoqueaspessoasouvirãonodecorrerdassemanasoudosmesesquese seguirão.Àmedidaqueos textos foremabertos,emergirãoperguntaserespostasqueninguémesperava.Temosa tendênciadepensarnaBíblia comoum livro de respostas às nossas perguntas, e ela é isso mesmo. Contudo, serealmentepermitirmosqueotextofale,veremosqueDeusnosmostraráquenãoestamossequerfazendoasperguntascertas.

Ohomemmoderno,porexemplo,talvezseaproximedaBíbliaembuscaderespostasparaaseguintepergunta:“Comoposso trabalharminhaautoestimaemesentirmelhoremrelaçãoamimmesmo?”.Contudo,naspassagensbíblicassobreopecadoeoarrependimento,eledescobriráqueoproblemamaisbásicodoserhumanoéquetemosumavisãomuitoelevadadenósmesmos.Estamoscegosparaasprofundezasdonossoegocentrismoeconfiamosexageradamenteem nós mesmos, certos de que temos a sabedoria para conduzir nossa vida.

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Então,empassagenssobreaadoçãoeajustificação,aprenderemosqueaopedirpara que “nos sintamos melhor em relação nós mesmos” estaremos pedindopoucodemais—muitopoucoemcomparaçãocomoquenossanovaidentidadeem Cristo pode ser. No fim, a revelação cuidadosa da Palavra de Deustransformará de tal maneira nosso pensamento que veremos como erainadequadaalinhadequestionamentocomquecomeçamosaabordaraBíblia.

Outra razão semelhante é que a pregação expositiva permite que o textoestabeleça também a agenda do pregador. Ela ajuda o pregador a resistir àpressão de adaptar demais a mensagem às preferências da cultura. Ela nosremeteaassuntosdosquaispreferiríamosnãotratarequetalveznãotenhamosescolhido,umavezqueasalgumasperspectivasdaBíblia—porexemplo,emassuntos como sexualidade— são extremamente impopulares hoje em dia. ApregaçãoexpositivanosencorajaadeclararavontadedeDeusemtaisassuntosetambémnoscompeleaencontrarformasdeabordaredelidarpublicamentecomquestõesdifíceis.

Dessemodo,aexposiçãopodeevitarquelidemosapenascomnossostemasfavoritos e com as questões quemais nos atraem.Alguém já disse que até osmelhores pregadores têm apenas mais ou menos uma dúzia de sermões quesemprepregamsimplesmenteusandopassagensbíblicascomopontosdepartida.Jáospiorespregadorestêmapenasum,oqualrepetematédeixartodosmalucos.Essa crítica estámais perto da verdade do que nós pregadores gostaríamos deadmitir, mas somente a disciplina da pregação expositiva nos dará aoportunidadedelutarparaescapardessaarmadilha.

UmadietaconstantedesermõesexpositivostambémensinaráseupúblicoaleraBíblia,apensaremumapassagemecompreendê-la.Aexposiçãooajudaráaprestarmaisatençãoaoselementosespecíficosdotextoeaentenderporqueexpressõesdiferentestêmosentidoquelheséatribuídonanarrativabíblica.Seupúblicosetornarámaissábioefaráumaleituramaissensívelemseusprópriosestudos.

Gostaria de apresentar mais uma razão pela qual vale a pena recorrer à

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pregação expositiva e, à luz do que acabamos de observar, talvez possa atéparecercontraintuitiva.Comovimos,apregaçãoexpositivasistemáticaevitaquenosocupemosdenossostemaspreferidosenosconduzaumasériemaisampladepassagenseassuntos.Contudo,elatambémdevenoslevaraveraindamaisclaramenteoprincipaltemadaBíblia.Duasvezesnaminhavidaconverseicomhomens que me disseram ter chegado a uma fé vital em Cristo só depois deterem se tornado pregadores e, de fato, se convertido por meio dos sermõespregadosporelesmesmos.Conheçotambémumministroquechegouaumafévital depois de ouvir as exposições de seu pastor assistente. Como issoaconteceu?

Napregaçãoexpositiva,osentidoédescobertoanalisando-seocontexto,ocontexto, o contexto. Para compreender o sentido de uma frase, temos deindagar:“Dequemaneiraesseversículoseencaixanorestantedapassagem?”.Paracompreenderosentidodapassagem,temosdeperguntar:“Dequemaneiraela se encaixano restantedo livro?”.Para compreender amensagemdo livro,temosdeindagar:“ComoeleseencaixanorestantedaBíblia?”.Seprocedermosdessamaneirasemanaapóssemana,descobriremosqualéa tramaprincipaldaBíblia—oevangelhodeJesus.Comooevangelhoéaresoluçãodetodoenredoe todanarrativa,eocumprimentode todoconceitoe imagemnaBíblia,entãosemanaapóssemanaosouvintes—eopregador—terãoumentendimentocadavez mais claro do caráter da salvação graciosa de Cristo. E, ainda assim,ninguém ficará entediado porque verá o evangelho em toda a sua glóriainfinitamente variada e multidimensional. A pregação expositiva imprimirámelhoressarealidadenaspessoasdoqueasalternativasdisponíveis.

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PERIGOSAEVITARAexposiçãodeveseradietaprincipaldapregaçãoemtodaigreja.Contudo,háperigostambémaorecorrermosaessaabordagem.

Um deles é que alguns entusiastas da pregação expositiva não estãodispostos a levar em conta amobilidade da nossa sociedade.HughesOld nosmostra que a pregação original da igreja nos primeiros cinco séculos usava ométododalectiocontinua—exposiçãoconsecutiva,versículoporversículo,delivros inteiros da Bíblia, levando anos para que a igreja passasse por grandesporçõesdematerialbíblico.Comopassardotempo,onúmerodediassantosefestivossemultiplicaramnocalendáriodaigrejaatéque,naigrejamedieval,ométodo da lectio selecta passou a predominar. Segundo esse método, eramoferecidosàspessoasdevocionaiscurtossobreváriosassuntosemvezdoensinosistemático robusto da Bíblia toda.12 No século 20, pregadores proeminentescomoD.M.Lloyd-Jones,JamesA.BoiceeJohnMacArthursedestacaramemseuministério por gastaremmeses, e até anos, no estudo de livros inteiros daBíblia, semdeixarde tratardenenhumdetalhe. Isso levouaumreavivamentobem-vindodavelhaescoladapregaçãoexpositiva.

Muitos hoje acreditam que essa é a melhor forma, e a mais pura, depregaçãoexpositiva.Contudo,emsuamaioria,aspessoasdosséculospassados,eatémesmodeumperíodomaisrecente,passavamavidainteirapróximasdeondecresceram.Opregadorsabiaquepregariaparaomesmogrupobásicodepessoasduranteanos,compoucasmudançasdemembros.Hojeapopulaçãotemumamobilidademuitomaior,easpessoasquefrequentamasigrejasofazemdeformamuitomais transitória.Nométododa lectiocontinua, é fácil gastar umanooumaisnummesmolivrodaBíblia.Noentanto,seumafamíliaficaremsuaigrejapordoisanos,vocêvaimesmoquererqueelasestudemapenas1Samuel?Ou mesmo somente o Evangelho de João, sem tempo algum para o AntigoTestamento? Um dos pontos fortes da exposição, como vimos, é que eladisponibiliza à igreja uma série completa de ensinamentos e temas bíblicos.

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Contudo,umaabordagemquesigaestritamenteumsólivrodaBíblia,pregando-onasua totalidadecomoscapítulossendoexpostosdeformaconsecutiva,vaiimpedir que a maior parte do seu público seja efetivamente exposta a umavariedademaiordotextobíblico.

Nem mesmo D. M. Lloyd-Jones usou essa estratégia em seus cultosdominicais vespertinos.Opúblicode suas pregações era compostopormuitosnãocristãoseoutraspessoascomquestionamentos,levadosàigrejaporamigoscristãos da cidade toda. Lloyd-Jones fez sua exposição dos livros da Bíbliaduranteanos, ede formadeliberada,nasnoitesde sexta-feiraparaumpúblicocristãoquequeriaumensinomaisabrangenteemaisavançado.

Aquelesquefalamaigrejascompessoasemdiferentesestágiosdeféecomgrau elevado demobilidade fariam bem em seguir o exemplo de evangélicosanglicanos britânicos como John Stott e Dick Lucas. Estes são excelentesmodelos de pregadores que seguem o método expositivo. O esboço de seussermões segue as ideias principais da passagem, e eles ensinam o texto comcuidado,concisãoeclareza.Noentanto,comopastoresdeigrejaslocalizadasemambientes urbanos de grande mobilidade, eles sabiam que muitos de seusouvintes estariam ali durante, no máximo, alguns anos. Sua resposta foimodificar a lectio continua. Em vez de trabalhar com longos livros da Bíbliaintegralmente, elesministravamsériesexpositivasdepassagens sequenciaisdelivrosmaisbrevesdaBíblia,outrabalhavamemlivrosmais longos,semtratarde todos os capítulos, ou então analisavam versículo por versículo de algunscapítulosmaisimportantesdeumlivroespecífico.13

Se formos cobrir todas as partes e gêneros da Bíblia — o AntigoTestamentoeoNovo,aliteraturanarrativaeadidática,osprofetaseospoetas— num espaço de tempo razoável, teremos de percorrer a Bíblia através deminissériesexpositivas.14

Esse não é o único perigo que o comprometimento com a exposiçãooferece. Enquanto amaior parte da pregação tópica enfatizamais os recursosretóricos,comoaimagemeasilustrações,alinguagemeloquenteehabilidosa,

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além de usar a história, os pregadores expositivos investem, com acerto, umaenergiamaiornaexegesedapassagem.Contudo,apregaçãonãoconsisteapenasemexplicarotexto,mastambémemusá-locomoformadedespertarocoração.Vejocomfrequênciaospregadores investindomuito temponaprimeira tarefa,enquanto a segunda fica relegada a uma reflexão escassa e pouco criativa.Naverdade, algumas escolas de pregação expositiva desencorajam ativamente ospregadoresa irmuitoalémdaapresentaçãodosdadosdesuapesquisabíblica.Qualquercoisaqueultrapasseissopassaaserentendidocomoentretenimentoeexibicionismo.Conformevimosnoprólogo,essaatitudedecorre,ironicamente,daleituraimprecisadasadvertênciasdePauloem1Coríntios1e2contraousoda“sabedoriahumana”napregação.Desprezarapersuasão,ailustraçãoeoutrosmodos de tocar o coraçãomina a eficácia da pregação— em primeiro lugar,porqueapregaçãosetornatediosae,emsegundolugar,porquenãofazjustiçaaoseupropósito.

Relacionadoaisso,háoperigodequeapregaçãoexpositivasejadefinidademodorígidodemais.Seusentusiastas(eeusouumdeles!)sãodesejososdepreservar sua qualidade, e por um bom motivo, já que boa parte dela é depéssimo nível. Esse desejo, porém, pode fazer com que alguns definam apregaçãoexpositivadeformaestreitademais.

Alguns dizem que a exposição deve consistir em um comentário deversículoporversículoemqueosermãonãotemesboçoetítulo.Emboratenhasido essa a principal estratégia de pregação nos primeiros séculos, de algunsséculosparacáamaioriadospregadorespassouausaresboçosdesermõesparamaioreficácia.Emcontrapartida,sesomostentadosainsistir(comofazemhojemuitosprofessoresdepregação)queocomentárioversículoporversículoestátotalmenteequivocado,éprecisoquenoslembremosdequetantoJoãoCalvinoquanto João Crisóstomo, dois dos maiores pregadores da história, pregaramdessa maneira. Não devemos tentar definir a pregação expositiva de formarestrita demais em qualquer direção que seja. Alguns pregadores percorrem otextodeformaconsecutiva,cobrindopraticamentetodososversículos,aopasso

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queoutrosrecorremaesboçosqueextraemasideiasprincipaisdapassagemeatratamdeformamaisseletiva.

Tambémécostumeatualmentedefinirosermãoexpositivocomoaqueleemque“opontoprincipaldotextoéopontoprincipaldosermão”.Issopressupõequetodotextobíblicotemapenasumagrandeideiaouumpontoprincipal.15Emseguida, costuma-sedizer,opregadordeveestruturaro esboçoeospontosdosermão em torno do tema principal, passando a outras questões apresentadaspelotexto.Certamente,namaiorpartedoscasos,amensagemserámaisclaraseopregadorfor implacávelempodarasdigressõesdaapresentação,porémessaregracorreoriscodeseraplicadadeformarígidademais.

Em algumas passagens da Bíblia, não é fácil discernir uma ideia centralclara.16Issoocorresobretudonasnarrativas.QualéopontoprincipaldalutadeJacó com o Senhor em Gênesis 32? Por que motivo as genealogias de JesusforamincluídasnocomeçodasuavidaemMateus1?OquepretendeanarrativadohomemmortoquevoltouàvidadepoisqueseucorpoentrouemcontatocomosossosdoprofetaElias,em2Reis13?HátambémoestranhorelatoarespeitodossetefilhosdeCeva(At19.11-20),quenaocasiãotentamexpulsarodemôniodeumhomem“por Jesus aquemPauloprega” (v.13).O resultadoé cômico,porque o demônio responde através do homem a seus pretensos exorcistas:“ConheçoJesus,eseiqueméPaulo;masvós,quemsois?”,antesdesaltarsobreeles e bater em todos os sete.O queLucas estava tentando nos comunicar aoincluir esse episódio em seu livro de Atos? Já ouvi algumas excelentesexposições acerca dessa passagem, todas bem fundamentadas no texto e semnenhumacontradiçãoentresi.Contudo,nãoforamiguais.Épossíveltirarváriasinferênciasválidasdetaisnarrativas,dasquaisopregadorsábiopodeselecionarumaouduasdetalmodoqueseencaixemnascapacidadesenecessidadesdosouvintes.17

A Bíblia é particularmente rica, e é por esse motivo que, quase sempre,quando voltamos a um texto vários anos depois de tê-lo estudado ou de terpregado a seu respeito deparamos com novas ideias e significados que não

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havíamos notado anteriormente. Isso não significa que devemos jogar fora asanotaçõesouagravaçãodosermãoanterior!Onovoestudoetratamentodadoaelecomplementaráe aprofundaráoquehavíamosentendido sobreapassagemantes.A riqueza daEscritura significa que há sempre coisas novas para ver edescobrir.

É por isso que Alan M. Stibbs, em seu clássico esquecido, ExpoundingGod’sWord[ExpondoaPalavradeDeus],defineapregaçãoexpositivacomoaapresentação de ideias (plural) e atémesmo as implicações do texto, o que aConfissão de Fé de Westminster chama de “boa e necessária inferência”.18

Stibbsdizqueapregaçãoexpositivaconsisteem

apegar-se àpassagemescolhida e apresentarexclusivamente o que ela tema dizer ou a sugerir, demodoqueasideiaseosprincípiosenunciadosnodecorrerdosermãovenhamexplicitamenteàtonadedentrodaPalavraescritadeDeus,detalmodoquesejaelaaautoridadeasustentá-las,enãoapenasaopinião[…]doseuexpositorhumano.19

Tendo dito isso, com frequência o autor bíblico tem, de fato, um temaprincipal que fica evidente por meio do estudo criterioso.20 O pregadorexpositivodeveconcentrar-senasideiasprincipaisdotexto,emvezdeseperderemdetalhesedigressõesquenãorepresentemfielmenteoautorbíblico.21

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DEFENDENDOOLEÃOSeria natural a essa altura indagar até que ponto seria eficaz a cuidadosaexposiçãodaBíbliaemumaculturaqueestásetornandocadavezmaisavessaàautoridade, principalmente a autoridade religiosa. Recentemente, faleceu FredCraddock, um grande pregador da Igreja Metodista Unida. Seu livro As onewithout authority [Como se não tivesse autoridade] levou o protestantismotradicionalaelaborarsermõescadavezmaisdistantesdométodoexpositivo.Eleachava que as pessoas não aceitavam a au-toridade da Bíblia tampouco a dopregadorquando lhesdiziamcomoviver.Foientãoqueele insistiuparaqueapregaçãotivesse“históriascomfinalaberto”,quepermitissemaoouvinte“tirarsuasprópriasconclusões”.22

Outra postura radicalmente diferente foi a deCharlesSpurgeon, pregadorbatistadoséculo19,cujaspalavrasaesserespeitosetornaramcélebres:

Parece-mequehouveerasemqueadefesadaBíbliaesuaexposiçãoforamambasobjetoderedobradoesforço,mas,sedehojeemdiantedevotarmostodoonossoempenhoàsuaexposiçãoedisseminação,eladarácontaperfeitamentedesedefenderasimesma.Háumleão,nãoseisevocêovê—vejo-onitidamente diante dosmeus olhos: um grupo de pessoas avança sobre ele para atacá-lo, enquantomuitos denósnos colocamos em suadefesa […]Perdoe-me se façouma sugestãodiscreta.Abra aportaedeixequesaiao leão;elecuidarádesimesmo.Veja, jáseforam!Antesmesmodeusarsuaforça,fugiramosqueoatacavam.AinfidelidadesecombatecomadifusãodaBíblia.ArespostaatodaobjeçãocontraaBíbliaéaBíblia.23

ABíbliaécomoumleão,dizSpurgeon,porissonãodesperdicedemaisseufôlegodescrevendo-a,defendendo-aouexplicandoporquedevemoscrernela.Emvezdisso,Spurgeonconclama-oacolocarsuaenergiaempregá-lademodosimples—expondo,defato,aspessoasaelaemsuaformamaisclaraevívida.AíentãoaautoridadeeopoderextraordináriosdaPalavrasetornarãoevidentesporsimesmos—atémesmonoscenáriosmaisresistentesàautoridade,entreaspessoasmaiscéticas.Seiqueissoéverdade.

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NOTAS1WilliamPerkins,Theartofprophesyingwiththecallingoftheministry(primeiraediçãoeminglês,

1606;reimpr.,Edinburgh:BannerofTruth,1996),p.9.2HughesOliphantOld,TheageofReformation(GrandRapids:Eerdmans,2002),p.359.3Perkins,Artofprophesying,capítulos1e2,p.3-11.4Ibidem.5HughesOliphantOld,Thereadingandpreachingof theScriptures in theworshipof theChristian

church(GrandRapids:Eerdmans,1998-2010),vol.1:Thebiblicalperiod;vol.2:Thepatristicage;vol.3:Themedievalchurch;vol.4:TheageofReformation;vol.5:Moderation,pietism,andawakening;vol.6:Themodernage;vol.7:Ourowntime.

6Old,ReadingandpreachingoftheScriptures,vol.1:Biblicalperiod,p.9.7Timothy Ward,Words of life: Scripture as the living and active Word of God (Downers Grove:

InterVarsity,2009),p.157[ediçãoemportuguês:Teologiadarevelação(SãoPaulo:VidaNova,2017)].8Em relação à doutrina da Escritura, os três livros que considero leitura imprescindível de todo

pregador são: J. I. Packer, “Fundamentalism” and the Word of God (Grand Rapids: Eerdmans, 1958),TimothyWard,Wordsoflife[ediçãoemportuguês:Teologiadarevelação.SãoPaulo:VidaNova,2017)]eKevinDeYoung,TakingGod at hisWord (Wheaton: Crossway, 2014). E os livros a seguir sintetizam eapresentamhabilmenteoconteúdodasquatromelhoresexposiçõeshistóricasdadoutrinadaEscritura:JohnCalvin,Institutesof theChristianreligions, livro1 [ediçãoemportuguês: JoãoCalvino,Ainstituiçãodareligiãocristã,traduçãodeCarlosEduardoOliveira;JoséCarlosEstêvão(SãoPaulo:Ed.Unesp,2008),2vols.];B.B.Warfield,TheinspirationandauthorityoftheBible(Phillipsburg:PresbyterianandReformed,1980)[ediçãoemportuguês:AinspiraçãoeaautoridadedaBíblia,traduçãodeMariaJudithPradoMenga(SãoPaulo:CulturaCristã,2010)];FrancisTurretin,“Secondtopic:‘TheHolyScriptures’”,in:Institutesofelenctic theology, edição de J. T. Dennison, tradução de G. M. Giger (Phillipsburg: Presbyterian andReformed,1992),vol.1;eHermanBavinck,“Revelation”, in:Reformeddogmatics,ediçãodeJohnBolt,tradução de JohnVriend (GrandRapids: BakerAcademic, 2003), vol. 1, parte 4 [edição em português:Dogmática reformada (São Paulo: Cultura Cristã, 20100, 4 vols.)] (Os primeiros dois títulos estãodisponíveis em várias edições.) Além disso, as seguintes obras serão úteis à medida que associam aautoridade da Bíblia diretamente ao método de pregação: Peter Adam, “Three biblical foundations forpreaching”e“Thepreacher’sBible”,in:SpeakingGod’swords:apracticaltheologyofpreaching,parte1,cap. 5, p. 13-56; 87-124; John R. W. Stott, “Theological foundations for preaching”, in: Between twoworlds: the art of preaching in the twentieth century (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), p. 92-134; J. I.Packer,“Whypreach?”,in:HonoringthewrittenWordofGod:collectedshorterwritingsontheauthorityand interpretation of Scripture (Vancouver: Regent College, 2008), p. 247-67. Veja tb. D. A. Carson,“Recent developments in the doctrine of Scripture”, in: Collected writings on Scripture (Wheaton:Crossway, 2010), p. 55-110.Devo acrescentar que ter um bom entendimento da doutrina evangélica daEscrituranãosódáaopregadorconfiançadequeessassãopalavrasdeDeus,mastambémevitaoserrosdecorrentes de uma crença ingênua na divindade daBíblia que exclui o fato de que ela é tambémobrahumana, escrita por seres humanos de verdade em contextos históricos e socioculturais. Packer mostraparticularmente bem a distinção entre doutrina histórica e “ditado divino”, além de outras perspectivassemelhantes.

9A Palavra deDeus é a presença ativa de “Deus” nomundo. TimothyWard,Words of life, p. 25.“QuandoaPalavradeDeusage,issosignificaqueopróprioDeusestáagindo.Portanto(podemosdizer),Deus se investiu de suas palavras ou podemos dizer que Deus de tal maneira se identificou com suaspalavrasqueoque fizeremàspalavrasdeDeus […]o fazemaopróprioDeus […]As ações verbais de

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Deussãoumaespéciedeextensãodelemesmo”.(Ibidem,p.27;ositálicossãodeWard).10Ibidem,p.156.11Ibidem,p.158.12VejaHughesOliphantOld,“TheministryoftheWord”,in:WorshipthatisReformedaccordingto

Scripture(Louisville:JohnKnox,1984),cap.5,p.171-2.13UmaamostradasériedesermõesdeDickLucasdefinsdosanos1980e1990incluionzesemanas

demensagensem1Pedro1e2,cincosemanasemTito3,seissemanasem1João1,setesemanasemLucas12. Entre os temas tratados estão os atributos de Deus, o novo nascimento, generosidade e mordomiafinanceiraeocaráterdaigrejacristã.

14Segueabaixooque fizna igrejaRedeemerPresbyterianChurchao longodosanos.Porumlado,procureigarantirqueacadadozemesesnãonosesquecêssemosdenada:danaturezadeDeus(geralmenteno outono, uma época especialmente apropriada para os textos doAntigoTestamento) à encarnação e àpessoa de Cristo (dezembro), à natureza e realidade do pecado (no inverno cinzento) até a soluçãopropiciadapelamorteepelaobradeCristo(fimdoinverno,iníciodaprimaveracomclímaxnaPáscoa)e,finalmente,opoderdoEspíritoSantoparanosajudaravivercomodevemos(depoisdaPáscoaepeloverãoadentro).Queriatercertezadequecobririaesse“currículoprincipal”docristianismoevangélicotodososanos, tratando de todos os temas principais.Havia inúmeras pessoas que se aproximavam e ficavam aliapenasduranteumoudoisdessesciclosanuaisdepregação.Seapessoafosseficarnaigrejaduranteumano apenas, caso viesse no outono seria exposto ao “enredo” completo da Bíblia— o evangelho. EssapessoaaprenderianooutonoquemDeusé,colocariaaféemCristo,emtese,duranteo invernoedepoisteríamosaprimaveraeoverãoparapregaraessapessoaajudando-aaviveravidacristã.

Demodogeral,fizsériescurtas(dequatroadozesemanas,emboraalgumastenhamseestendidoporumsemestre),geralmentedeumlivrointeirodaBíbliaoudeumapartedele,oudeumautor.Nessetipodeabordagem é importante que as mensagens sejam integralmente expositivas, escavando realmente emprofundidadeotextoeextraindodeleosignificadoatribuídopeloautor,emvezdelidarcomumtextoqueseassemelhevagamentecomalgoque,dequalquermaneira,vocêqueriadizer.Dessemodo,aindaquevocêesteja pregando omesmo “currículo evangélico” básico todos os anos, você o fará com base em textosdiferenteseaprenderácoisasnovasnaBíbliatodososanos.Assim,osmembrosmaisantigosdesuaigreja— que estão ali ano após ano — crescerão. Se você não fizer pregações expositivas, não aprenderáefetivamentecoisasnovasnaBíblia.TivetambémumobjetivogeraldepregaratravésdasváriaspartesdaBíbliaemumperíododedezanos.

Assim,porexemplo,umasérieexpositivadedoisanospoderáapresentaraseguintedisposição:Outono:AtributosdeDeus(todos textosextraídosdosprofetas);CredodosApóstolos(todos textos

extraídosdoEvangelhodeJoão).Dezembro:CânticosdeNatal(cânticosdeLucas:deZacarias,deMariaedosanjos).Inverno:Onovonascimento(textosdePedroePaulosobreregeneraçãoenovonascimento);Porque

Jesusmorreu?(PaixãosegundoMateus26—28).Primavera:Viverumavidadeféemummundopluralista(DanieleEster).Verão:OSenhorora(João17eoPai-Nosso).Outono:NossaslutaseagraçadeDeus(Jacó:Gênesis25-32,48).Inverno:OqueJesusveiofazer?(asdeclaraçõesde“amém”deJesusnosEvangelhos).Primavera:Vidadefé(Abraão:Gênesis12—22).Verão:debatendocomJesus(Marcos11e12).Outono/inverno/primavera: Conhecendo a Deus (Provérbios); Paixão segundo João; Vivendo em

sabedoria(Provérbios).15.Omovimentoda“grandeideia”napregaçãonãoénovo.Emumadasobrassobrepregaçãomais

influentesdoséculo19,Onthepreparationanddeliveryofsermons(1870),JohnA.Broadusdissequetodo

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sermãodeveterumtemabastanteespecífico.“Nãoimportaseosermãotemdoisoudezpontos,eledeveráterumpontoprincipal:sersobrealgo.Essetemadefinido[…]guia[opregador]emsuapreparação.Eleéfundamentalparaaorganizaçãodequemprega.Ajuda-otambémaescolhereorganizaromaterial[…][e]diráaopúblicooqueeleouvirá.”(Onthepreparationanddeliveryofsermons,4.ed.[1870;reimpr.,NewYork:Harper&Row,1979],p.38).OlivrodeRobertDabney,Sacredrhetoricor,acourseoflecturesonpreaching,tambémrecorreàretóricaclássicaquandoinsistequeopregador“deve,emprimeirolugar,terumobjetoprincipaldediscurso,aoqualaderirácomoreferênciasupremaotempotodo”(AnsonRandolph,1870;reimpr.comoR.L.Dabneyonpreaching,Edinburgh:BannerofTruth,1979),p.109.Noiníciodoséculo 20, o destacado pregador John Henry Jowett ratificou esse conceito ainda mais enfaticamente:“Nenhumsermãoestáprontoparaserpregado,tampoucoparaserredigido,atéquepossamosexpressarseutemaemumasentençacurtaesignificativa,claracomoumcristal[…]Nãocreioquenenhumsermãodevaserpregadooumesmoescritoatéqueessafrasetenhaemergido,deformaclaraelúcidacomoumaluanumcéu sem nuvens” (The preacher: his life and work [Philadelphia: Doran, 1912], p. 133). O livro porexcelênciasobrepregaçãodemeadosdoséculo20,Designforpreaching,deH.GradyDavis(Minneapolis:Fortress,1958),postulouum“pensamentocentral”:“Éaquelepensamentoquepegatodososoutroseosfazconvergir para simesmo” (p. 20). Em temposmais recentes, foi Haddon Robinson que fez da “grandeideia” o âmago da pregação expositiva evangélica (Biblical preaching: the development and delivery ofexpositorymessages,2.ed. [GrandRapids,MI:Baker,2001],p.33-50) [ediçãoemportuguês:Pregaçãobíblica: o desenvolvimento e a entrega de sermões expositivos, 2. ed. (São Paulo: Shedd, 2008)]. Oprincípioéque“umaideiacentraleunificadoradeveestarnocentrodosermãoeficaz”(p.35).RobinsoncitaJowetteoutrosparadeixarclarasuatese:“Todosermãodeveterumtema,eessetemadeveserotemadapartedaEscrituraemque sebaseia” (p.34, citandoDonaldG.Miller).Emoutraspalavras,qualquertextodaEscrituratemumtemacentral—eosermãobaseadonessetextodeveteromesmotemacentral.A“grandeideia”dosermãodevesera“grandeideia”dotexto.

16No livroThe big ideia of biblical preaching, Duane Litfin lista uma série de “desafios” a essaperspectivabaseadosemtextosdoNovoTestamento.VejaDuaneLitfin,“NewTestamentchallengestobigideapreaching”,in:KeithWilhite;ScottM.Gibson,org.,Thebigideaofbiblicalpreaching:connectingtheBible to people (Grand Rapids: Baker,1998). Um desses desafios é que a ideia principal de um textodependedoquecremosseraideiaoupropósitoprincipaldolivrotodo.Àsvezes,issoparecemuitoclaro,como,porexemplo,quandoJoãonoscontaqueescreveuparaqueoleitorcreiaemJesuserecebaavidaeterna(Jo20.31).MasqualéamensagemcentraleopropósitodolivrodeAtos?Ou(especificamente)amensagemcentraldecadaumdoscapítulosfinaisdeAtos—todasasaudiênciasejulgamentosdePaulo?Os comentaristas nem sequer estão de acordo se esses capítulos foram escritos para não cristãos pormotivos apologéticos ou para cristãos para encorajá-los a ser fortes na perseguição. As conclusões arespeitodosmotivos específicos eda intençãodo autormuitasvezes sãohesitantes. Isso significaque édifícilsabercomcertezaqualéopontocentral,principalepretendidodeumcapítuloespecífico.

UmsegundodesafioconsistenofatodequepoucoslivrosecapítulosdaBíbliaforamescritosnoestilodaretóricaclássica,comumaproposiçãocentral.Poucaspassagensapresentamdeclaraçõesdetemaouteseclaramentedemarcadas,porissoidentificarqualéotemapodeseralgobastantesubjetivo.LitfincitaolivrodeTiagocomoexemploclássicodisso.Olivrotratadatentação,dalínguaedomundanismo,masotextovaievoltacomfrequênciaaotratardessesassuntos.ComodizLitfin,muitosdenós,quandoescrevemoscartas, não nos preocupamos em organizar tudo o que dizemos em torno de uma ideia central. Nósdivagamos. Por que Tiago não poderia fazer omesmo? E ele faz! E hámuitos outros entre os gênerosbíblicos — poesia, narrativa e documentos legais — igualmente difíceis de resumir em uma únicadeclaraçãocentral,umavezquenãose tratadeformas literáriasquerequeiramesse tratamento.Defato,podeacontecerqueoobjetivogeraldanarrativa,dahistóriaedaparábolaconsistaemtransmitirumsentidomuitorico,quesuperaqualquerumquepossasercondensadoemumaproposiçãosimplesouatémesmonuma sequência delas.Alémdisso, hápor vezes listas de exortações no final das cartas.Quase todas assentençasintroduzemumassuntoprincipaldistinto.(VejaHb13.1-7,porexemplo.)Porfim,hápartesda

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Bíblia, como o livro de Provérbios, em que é notoriamente difícil identificar temas unificadores noscapítuloseemque,comfrequência,cadaversículoproporcionauma“novaegrandeideia”.

O conceito de uma “grande ideia” no texto é, portanto, umpouco artificial. É uma verdade que seaplicamaisparaalgumaspassagensdoqueparaoutras.AriquezadaBíbliacostumadesafiartalredução.Qualquerpregadorque tenhapregadoomesmotextoduasou trêsvezesnodecorrerdealgumasdécadassabe que, quando volta ao texto e o ouve, é praticamente inevitável ver coisas novas e ouvir novasmensagens.Mesmoquandoachamosquediscernimosumtemaouassuntofundamental (e,geralmente,oassuntoprincipaléclaro),porqueessaéaPalavrainspiradadeDeus,atéasafirmaçõesmaistangenciaiseos pressupostos não inteiramente desenvolvidos pelo autor inspirado são ricas fontes de instrução. Nãoapenasospontosprincipaisdoautor,mastambémosdemenosrelevânciadevemsertrabalhados,umavezquetambémprocedemdeDeus.Emsuma,devemosestaratentosaumtipode“legalismoexpositivo”,emquesepartedopressupostodequesópodehaverapenasumsermãoexegeticamenteprecisoeumúnicotemaparaessesermãosejaqualforapassagem.

17Dizerqueostextosbíblicosfalamsobremaisdeumassuntoenemsempretêmumtemacentralnãosignificadizer—eissodeveficarclaro—queeletemváriossignificadosousignificadosindeterminados.Nem eu nem Alan Stibbs estamos propondo a ideia pós-moderna de que texto algum tem um sentidoinerente, que o significado da linguagem é sempre indeterminado. Muitas pessoas influenciadas pelafilosofiacontemporânea,comseuceticismoarespeitodalinguagemhumana,aplicamtaisideiasàBíbliaedefendem a “polissemia”— a coexistência de muitos significados possíveis em qualquer texto, algunscontraditóriosentresi,ficandoacritériodointérpreteexplicitá-lo.Isso,éclaro,implicaquenãosepoderiademodoalgumdizer:“ÉissooqueaBíbliaensina”,poisestaríamostodoslivresparainterpretaranossomodo, com muitas interpretações contradizendo outras, sem termos condições de afirmar qual é averdadeirae,portanto,oqueDeustemadizernaEscritura.Essepontodevistatransformariaapregaçãoemuma narração meramente sugestiva, reflexiva e aberta (o que, em muitos lugares, foi no que ela setransformou).ParaumadefesaconvincentedaclarezadaEscritura,vejadeMarkD.Thompson,AclearandpresentWord:theclarityofScripture(DownersGrove:IVPAcademic,2006),edeBenjaminSargent,Asitiswritten:interpretingtheBiblewithboldness(London:LatimerTrust,2011).AmbososautoresdizemquetodotextodaEscrituratemumsentido—osentidopretendidodoautorbíblico—equeépossíveldiscerni-locomfrequêncianaBíblia,oquenospermitefalaraesserespeitocomconfiança.Apesardessaafirmaçãovibrante e importante,nãodevemoscairnacrençaequivocadadeque todo textobíblicoé sempreclaro,tampoucoqueéfácildiscernirosentidodaBíblia.Tambémnãodevemoscrerquesemprenosaproximamosdeumtextocomclarezacompletaedefinitiva,devidoaoslimitesdanossavisão.Umaapresentaçãoboaesóbria da complexidade da interpretação bíblica ainda é a boa e relativamente antiga história dainterpretaçãobíblicadeMoisesSilva,HasthechurchmisreadtheBible?Thehistoryofinterpretationinthelightofcurrentissues(GrandRapids:Zondervan,1987).Silvamostraacertadamenteque,comointérpretes,jamaisnosaproximamosdotextosemumasériedesuposições“prévias”(inconscientes)queinfluenciamnossainterpretação.Jamaissomostãoobjetivoseneutroscomoachamosquesomos.Portanto,aclarezadaEscriturasignificaquepodemosconfiaremnossapregação,masapecaminosidadedointérpretesignificaque devemos ser humildemente abertos à crítica. Além disso, Silva e outros salientam a tensão entre oprincípioprotestantesegundooqualosentidopretendidopeloautorbíblico(osensusliteralis)éosentidodotextoeaformapelaqualosautoresdoNovoTestamentointerpretamcomfrequênciaasdeclaraçõesdosautoresdoAntigoTestamentoemreferênciaaCristo,quandoosautoresoriginaisnãopareciamestarcientesdesse significado. Essas são boasmaneiras de compreender como fazer justiça tanto ao sensus literalisquantoàinterpretaçãocristocêntricadaBíblia;contudo,nãopodemosnosaprofundarnestepontoaqui,nemmesmonasnotasderodapé!Vejaalistadeleituranasnotasdocapítulo3sobrepregarCristo.

18AWestminster confession of faith [edição em português:A confissão de fé de Westminster (SãoPaulo:CulturaCristã,2001)]diznocapítulo1,parte6: “A totalidadedoconselhodeDeusno tocanteatodasascoisasnecessáriasparasuaglória,paraasalvaçãodohomem,paraaféeparaavida,sejamelasexpressamenteregistradasnaEscritura,sejapormeiodaboaenecessáriainferência,podemserdeduzidas

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daEscritura”.19Alan M. Stibbs, Expounding God’s Word: some principles and methods (Chicago: InterVarsity,

1960),p.17.Ogrifonacitaçãoédoautor.20 Em outra parte, Stibbs aconselha que “se confira […] unidade” ao sermão por meio do

desenvolvimentodaexposiçãodotexto“emrelaçãoaumtemaúnicodominante”(ibidem,p.40).Elenãorecomenda o “comentário discursivo da chamada ‘leitura bíblica’”, que vagueia por diversos tópicos eassuntos.Comisso,Stibbsquerdizerquenãorecomendaocomentárioversículoporversículoeaconselhaque se isole a ideia principal, servindo-lhe de apoio os pontos da mensagem e permitindo seudesenvolvimento.

21PregadorescomoCalvinoeCrisóstomoforammestresemlidarrapidamentecomalgunsdetalhesdotextoquecontribuiamcomricosinsights,semperderalinhaprincipaldepensamento.Nãoraro,hápérolasmuitopreciosas emum textoquenão fazempartedemodoalgumda ideiaprincipal dapassagem.Seusouvintesperderãosevocêdeixardeapontá-las.Porexemplo,veja1Timóteo6.12-16:

Travaobomcombatedafé.Apodera-tedavidaeterna,paraaqualfostechamado,tendojáfeitoboaconfissãodiante demuitas testemunhas.Diante deDeus, quedávida a todas as coisas, e deCristoJesus, que perante Pôncio Pilatos deu o testemunho da boa confissão, eu te exorto: Semmácula eirrepreensível, guarda este mandamento até a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Ela, no tempopróprio,manifestará o bemaventurado e único soberano,Rei dos reis eSenhor dos senhores, o quepossui,elesomente,aimortalidadeehabitaemluzinacessível;aquemnenhumdoshomensviunempodever;aelesejamhonraepodereterno.Amém.O ponto principal dessa passagem é, obviamente, “Trava o bom combate da fé” (v. 12). É a “esse

mandamento”quePaulosereferenoversículo14.Portanto,Timóteonãosóéincumbidodefazê-lo,mastambémécobradosolenementeperanteDeusparaqueofaça.Afimdeexpandirosignificadode“travaobom combate da fé”, o pregador tem de voltar ao restante do livro, uma vez que essa é umaresponsabilidadefinal,umaconclusãoeumresumodoquefoiditoanteriormente.Contudo,observequeháalgunsdizeresnotáveisnessedecursoarespeitodosatributosdivinos.Eledávidaatudo(v.13)ehabitaemluzinacessívelqueninguémpodever(v.16).Seráquenãodeveríamosdizercoisaalgumanosermãosobreessas declarações admiráveis feitas com autoridade divina? É claro que sim. Na verdade, o pregadorhabilidosodevefazerdissopartedarazãopelaqualdevemostravarobomcombate.Afinaldecontas,Paulointroduziu esses atributos divinos para fazer essa exortação a Timóteo. Certamente seria um erro dizerpouco sobre travar o bomcombate da fé e transformar o sermão emuma reflexão sobre os atributos deDeus.Mas também seria umadefinição rígidademais depregação expositiva insistir quenão é possívelampliardemodoalgumessespontossecundários.

22FredCraddock,Asonewithoutauthority (Nashville:Abingdon, 1971); JohnBlake, “Apreaching‘genius’ faces his toughest convert”, CNN.com, December 14, 2011, disponível em:http://edition.cnn.com/2011/11/27/us/craddock-profile/,acessoem:dez.2016.

23“TheBible:speechatannualmeetingoftheBritishandforeignBiblesociety,May5,1875”,in:G.H.Pike,org.,SpeechesbyC.H.Spurgeonathomeandabroad(London:s.n.,1878).Essacitaçãoganhoupopularidade, creio eu, graças à referência feita a ela em D. M. Lloyd-Jones, Authority (Chicago:InterVarsity,1958),p.41:“AautoridadedasEscriturasnãoéumaquestãoaserdefendida,masmuitomaisa ser afirmada.Dirijo essa observação especialmente aos evangélicos conservadores.Lembro-medoquedissecertaveznessesentidoograndeCharlesHaddonSpurgeon:‘Nãohánecessidadededefenderumleãosob ataque. Tudo o que é preciso fazer é abrir a porta e deixar que ele saia’. Temos de nos lembrarfrequentemente que é a pregação e a exposição da Bíblia que realmente consolida sua verdade eautoridade”.SeriaerradointerpretarocontrastequefaçoentreFredCraddockeCharlesSpurgeoncomosepara Craddock a Bíblia não tivesse autoridade alguma ou que não creio que possamos aprender com acontribuição de Craddock, que ele chamou de pregação “indutiva” ou “narrativa”. Estou certo de queCraddock temmuitoanosensinar,ehámuitas formasdepregaçãoexpositivaquesão(comoaponteino

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restantedestecapítulo)excessivamentecognitivas,racionalistas,árduaseautoritárias.

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PREGANDOOEVANGELHOSEMPRE1

Quando um homem é levado a atos de obediência pelo temor da iradivinareveladanaLeienãopelaféemseuamorreveladonoevangelho,quandoeletemeaDeusporcausadeseupoderejustiçaenãoporcausadesuabondade,quandoDeuséparaelemaisumJuizvingadordoqueumAmigoePaicompassivoequandoparaeleDeusseapresentaterrívelemsuamajestadeenãoinfinitoemgraçaemisericórdia,elemostracomisso que está sob o domínio ou, nomínimo, sob a prevalência de umespíritodelegalismo.—JohnColquhoun2

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AMENSAGEMDABÍBLIAParacompreendereexplicarqualquertextodaBíblia,éprecisosituá-loemseucontexto,oquesignificatambéminseri-lonocontextocanônico:amensagemdaBíblia como um todo. Que mensagem é essa? Da perspectiva do AntigoTestamento,éadequea“salvaçãovemdoSENHOR”esomentedoSenhor (Jn2.9,NIV).Somosdemasiadamentecaídosparanossalvaranósmesmos,falhosdemaisparamanternossaaliançacomDeus.Éprecisoquehajaumaintervençãoradical da graça, que só pode provir do próprio Deus. No Novo Testamento,vemoscomoasalvaçãovemdoSenhor.ElavemunicamentepormeiodeJesus.“…Sãoestasaspalavrasquevosfalei,estandoaindaconvosco:Eranecessárioque se cumprisse tudo o que estava escrito sobremim naLei deMoisés, nosProfetasenosSalmos.EntãolhesabriuoentendimentoparacompreenderemasEscrituras…” (Lc 24.44,45). Jesus disse a seus discípulos que, se nãocompreendessem quem ele é e o que veio fazer, não poderiam entender asalvaçãodeDeus,tampoucoaBíblia.3

Mostrar de que maneira um texto se insere na totalidade do contextocanônico, portanto, émostrar de quemaneira ele aponta para Cristo e para asalvaçãodoevangelho,paraagrandeideiadetodaaBíblia.Todavezquevocêexpõe um texto bíblico, sua exposição não estará completa amenos que vocêdemonstredequemaneiraelenosmostraquenãopodemossalvaranósmesmosequesóJesuspodefazê-lo.IssosignificaquetemosdepregarCristoemtodosostextos,oqueequivaledizerquetemosdepregaroevangelhootempotodo,emvezdenoscontentarmoscompregaçõesmoralistasoudecaráterinspiradorgenérico.

ÉmuitomaisdifícildoquesepossaimaginarevitaressascoisasnoensinoenapregaçãodaBíblia.

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OSDOISINIMIGOSDOEVANGELHOUmaformulaçãoclássicadoevangelhoedesuarelaçãocomavidaapresenta-sedaseguinteforma:somossalvosunicamenteporCristo,pelaféexclusivamente,mas não por uma fé que permanece isolada. A verdadeira salvação sempreresultaemboasobraseemumavidatransformada.

Essa formulação do evangelho focaliza o papel de nossas “boas obras”éticas e emnosso carátermoral.Eladeixa claro, emprimeiro lugar, que essascoisasnãodesempenhampapelalgumemnossaaceitaçãoperanteDeus.LemosemRomanos4.5quesomos“ímpio[s]”quandoDeusnos justificaenosaceitapela fé. A base para a aceitação não é nosso comportamento moral nem aqualidadedenossafé.Nenhumadessascoisasélevadaemconta.Deusnãoolhaparaisso.Antes,afénosuneaCristo,demodoquesuajustiçaeoqueelefeznos pertencem legalmente agora. Deus nos vê “em Cristo” (Fp 3.9). Comoconsequência dessa fé salvadora, o Espírito Santo efetua uma transformaçãoconstante no interior do coração, demodo que passamos a querer obedecer aDeusedefatocomeçamosaobedecê-loporgratidãoeamor(Tg2.14-19).

Desde a Reforma protestante, entende-se que há dois erros ou enganosaparentementeopostosemquepodemoscaireassimdeixardecompreenderesseevangelhobíblicoeseupoder.Sãoeleso“legalismo”,aperspectivasegundoaqual podemos pôr Deus na posição de devedor, ao buscarmos alcançar suabênçãocomnossabondade,eo“antinomianismo”,aperspectivasegundoaqualpodemos nos relacionar com Deus sem obedecer a sua Palavra e seusmandamentos.Faltaaessasduaspalavras,derivadasdos termos latinoegregopara“lei”,umaspectocrucialdecomooevangelhofunciona.

O legalismo émuitomais do que a crença consciente de que “posso sersalvopelasminhasboasobras”.Trata-sedeumateiadeatitudesdecoraçãoedecaráter.ÉopensamentodequeoamordeDeuspornósdependedealgumacoisaquepodemosseroufazer.Éaatitudepelaqualofereçocertascoisas—minhabondade ética, minha relativa fuga do pecado deliberado, minha fidelidade àBíbliaeàigreja—quedãorespaldoàobradeCristoecontribuemparaaboa

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vontadedeDeusparacomigo.Umespíritolegalistanoslevaasermosegoístas,severos,extremamentesensíveisàcrítica,profundamenteinsegurosecominvejadosoutrosporquenossa“sensaçãodeidentidadeedevalorpessoalseentrelaçoucomnossodesempenhoecomseureconhecimento,emvezdeestarenraizadoealicerçadoemCristoeemsuagraça[i]merecida”.4

Oantinomianismo tambémémais doque apenas a crença formal deque“nãotenhodeobedeceràleideDeus”.Éopensamentodeque,comoDeusmeamaindependentementedoqueeutenhafeito,elenãoseimportarácomofatodeeuviverumavidaimoralounão.Éaatitudequediz“Deusmeaceitacomosou; ele quer apenas que eu seja eumesmo”.Muitas vezes, esse pensamentopodeservirdeocasiãonegativaparaacrençadequeaúnicamaneiradeserumapessoalivreconsisteemselivrarcompletamentedacrençaemDeus.

ÉnaCartaaosRomanosqueessasduasmentalidadessãoapresentadasdeforma mais destacada. Em Romanos 1.18-32, Paulo mostra que os gentiospagãos,umavezquedesconsideramaleideDeus—e,portanto,sãocontráriosàLei—,perderamtodaequalquerligaçãocomele.Emseguida,emRomanos2.1-3.20, Paulo dá sequência a seu argumento dizendo que os judeuscumpridoresdaLeiequeacreditamnaBíbliatambémestãolongedeDeus.Porquê?PorqueconfiamemsuaobservânciaàLei,enãonagraçadivina,paraserelacionar com Deus e, portanto, são legalistas. Eles buscam “justiça [delespróprios]queprocededa lei”(Fp3.9;cf.3.3-6).Externamentesão justos,masinternamentejustificam-seasimesmose,portanto,nãodependemdeDeusparaa salvação como deveriam. Assim, ambos os tipos de mentalidade rejeitam agraçadeDeuseasalvaçãodediferentesmaneiras,dissoresultandoaavaliaçãocontundentedePaulodeque“Nãohájusto,nemumsequer.[…]nãoháquembusqueaDeus”(Rm3.10,11).

Há grandes diferenças externas entre pessoas não religiosas, que podemdenunciar em alto e bom som as normasmorais tradicionais e subvertê-las, epessoasdemoralacentuada,muitoreligiosas,quecreemnaBíbliaeconfiamemsuaprópriabondadeéticaaosecolocardiantedeDeus.Contudo,Paulodizque

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ambas se comportam como salvadores de si mesmas, mostrando que asdiferençasinternassãopoucas.

OscomunicadoresdaBíbliadevemtersempreemmenteessesdoispontosdevistasobreavidaquandopregameensinam.Textos individuaisgeralmenteapresentam exortações sobre como o crente deve viver que, quando expostasisoladamente do restante da Bíblia, podem servir de respaldo à perspectivalegalista.OutraspassagensdescreverãoaprovisãograciosadeDeusdesalvaçãoeamor incondicional,asquais, isoladamente,podemdara impressãodequeagraçagratuitanãolevaàmudançadevida.EmTheartofprophesying[Aartedeprofetizar], William Perkins diz que “os pregadores precisam compreender averdadeira relação entre lei e evangelho”.5 A lei pode nos mostrar nossanecessidadedoevangelhoe,então,umavezquetenhamosabraçadoasalvaçãode Deus pela fé, a lei se torna o caminho para que conheçamos, sirvamos ecresçamosnasemelhançadaquelequenossalvou.Écrucialemnossapregaçãoque não digamos simplesmente às pessoas todas asmaneiras pelas quais elasdevemsermoraiseboassemrelacionartalexortaçãoaoevangelho.Tampoucodevemosdizer-lhessimplesmente,vezessemconta,queelassomentepodemsesalvar pela graça gratuita sem lhes mostrar de que maneira a salvação mudanossavida.

Perkinsnãoquerdizer com issoquepodemos simplesmenteatribuir cadaumdosversículosdaBíbliaaumaououtracategoria:acategoriadosquenosdizemoquedevemosfazereadosquenosdizemquesomossalvosadespeitodoquetenhamosfeito.Eledáoexemplodedoistextosque,poderíamosdizer,“juntamasduascoisas”:João14.21e14.23.6Noprimeiroversículo,Jesusdizaseusdiscípulos:“Aquelequetemosmeusmandamentoseaelesobedece,esseéoquemeama.EaquelequemeamaseráamadopormeuPai,eeuoamareiememanifestareiaele”.Essestextosdeixamclaroqueoevangelhotransformaaobediência aos mandamentos de Deus de meio legalístico de aquisição dasalvação emuma resposta amorosa à salvação recebida.Aobediência à lei deDeus, que emanadagraçado evangelho, torna-se umamaneira de conhecer e

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amaraquelequenossalvouaumcustoinfinitoparasimesmo,etambémumamaneiradeseassemelharaeleesedeleitarnele.João14,portanto,nãoénemumapassagem simples da “lei” nemumapassagemdo “evangelho emvez dalei”.

DificilmenteumaúnicapassagemmostracomtantaperfeiçãoarelaçãodaleicomoevangelhocomoJoão14.Geralmente,otextosobreoqualpregamossedetémounalei,ounagraçadoevangelho;portanto,devemossempre,semprepôrotextonocontextodaBíbliatoda,asaber,amensagemdoevangelho.

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“GÊMEOSNÃOIDÊNTICOSDOMESMOVENTRE”Umadaschavesparapôrotextonocontextodoevangelhoécompreenderaraizsubjacentetantodamentalidadelegalistaquantodamentalidadeantinomianista.Emrazãodasenormesdiferençasexternasentreelas,somosinclinadosapensarnas duas como coisas opostas. Se o fizermos, tentaremos instintivamente e deformainconscientecurarumacomumadosedaoutra,oquepodeserletal.

O teólogo Sinclair Ferguson analisa o diálogo entre a serpente e osprimeirossereshumanosnorelatodaQuedaemGênesis3.Eleressaltaquenomandamento divino original, “Não comereis do fruto desta árvore”,Deus nãolhes explicou o motivo da proibição. Ele não os proibiu de comer da árvoreporqueissoseriaruimparaelesdeummodoespecífico.SuafaltadeexplicaçãofoiumchamadoàobediênciaemamoreconfiançaemDeusporquemeleeraem si. Portanto, o mandamento não buscava simplesmente a anuênciacomportamental, mas também uma atitude e um relacionamento particularescomDeus.Essarelaçãofoioqueaserpenteatacouimediatamente.

EmGênesis3.1, a serpentedissequeDeusoshaviaproibidodecomerofrutodequalquerárvoredojardim,oquenãoeraverdade.Depois,emGênesis3.5,aserpentedissequeadesobediênciaaDeusseriaumalibertação,masnãofoi.Contudo, a humanidade acreditou na serpente e em seu veneno espiritual.Essa“mentiradaserpente”caloufundodentrodenóscomsuaafirmaçãodequeDeus“erarealmentecastrador,preocupadoconsigomesmoeegoísta”7,edequenãosepoderiaconfiarneleparaquetivessenossosmelhoresinteressesemseucoração. Se lhe obedecêssemos totalmente, insinuou a serpente, seríamosinfelizes.DizFerguson:“Amentira foiumataqueàgenerosidadedeDeuseàsuaintegridade.Nãosepodiaconfiaremseucaráternememsuaspalavras.Esta,naverdade,éamentiranaqualospecadorestêmcridodesdeentão—amentirasegundoaqualnãocreioemDeusporqueeleéumfalsoPaiquenãomeama”.8

Essa mentira “entrou na corrente sanguínea da raça humana” e se tornou acondiçãonaturaldeseucoração,“profundamentearraigadanapsiquehumana”.9

Agora,noíntimodenossaalma,sigamosounãoasleisdeDeus,nãoconfiamos

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naboavontadedeleparaconosco.Combasenesseentendimento,Fergusonfazentãoumadeclaraçãonotável.

Amentira da serpente—segundo aqual nãopodemos confiar nabondadedeDeusouemseucompromissocomnossa felicidade—éa raizúnica tantodolegalismo quanto do antinomianismo. Na verdade, trata-se de “gêmeos nãoidênticosqueemergemdomesmoventre”.10Olegalismoprovémdacrençadeque temosdearrancarabênçãodasmãosrelutanteseresistentesdeDeuscomtodo tipo de observância e de rituais. “A essência do legalismo está enraizada[…] em uma visão distorcida de Deus […] Deus se torna um policialamplificadoquedásualeiporquedesejanosprivardaalegriaedestruí-la.”11Oantinomianismo também enxerga Deus como mesquinho, sem generosidade esevero, um Deus cujos mandamentos não podem ser dispensados em nossobenefício.Emambososcasos,aleideDeusnãoéentendidacomoexpressãodeseu amor gracioso por nós, mas como fardo, uma ferramenta necessária paraaplacar uma divindade que não conhece o amor. Ambas as mentalidadespartilhamdamesmaincompreensãodaalegriaquevemdaobediência,aqualévistacomoalgoquenosfoiimpostoporumDeuscujoamorécondicionalequenãoestádispostoa abençoar.Aúnicadiferençaentreosdois équeo legalistatomaofardosobresidemodoextenuante,enquantooantinomistaorecusaeolançafora.Contudo,ambosveemDeussobamesmaótica.Podemos,portanto,concluirque

olegalismoé,emsuaessência,amanifestaçãodeumadisposiçãorestringidadocoraçãoemrelaçãoaDeusqueovêporumalente[…]queobscurece[…][seu]santoamor.Éumadoençafatal[…]EssamesmavisãodeDeus[…]estánaessênciadoantinomianismo.12

É nesse ponto que a questão afeta sua pregação. Se você acha que olegalismoésimplesmenteumaênfaseexageradana lei,pensaráqueoantídotoconsiste em falarmenos sobreobediência emais sobre aceitação eperdão.Sevocêachaqueoantinomianismoésimplesmenteumaatitudefrouxademaisemrelação àmoralidade e à lei, entãopresumiráqueo remédio consiste em falar

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menosdemisericórdiaedeaceitaçãoemaisdajustiçadeDeusedeseussantosmandamentos. Em suma, você tentará curar um com uma dose do outro. Oresultado será umdesastre, porque ambos têm amesma causa básica.Os doisdecorremda crença de queDeus não nos ama verdadeiramente ou não desejanossaalegria,edanossaincapacidadedeverque“tantoaleiquantooevangelhosão expressões da graça de Deus”.13 Tanto para o legalista quanto para oantinomianista,aobediênciaàleiésimplesmenteumaformadeobterascoisasdeDeus,enãoumaformadeteracessoeassemelhar-seaele,deconhecê-lo,desedeleitarneleedeamá-lopeloqueeleé.

Como não compreende a graça de Deus, o legalismo distorce a leidesviando-a de sua função apropriada de guia de nossa vida, ummeio de nostornarmos quem somos de fato e de agradar a Deus. Em vez disso, ele atransformaemumsistemapenosodesalvaçãopeloqualobrigamosDeusanosabençoar.Aúnicacoisaqueporáfimaolegalismonãoseráapenasoprincípioabstrato de que “somos aceitos e perdoados”, mas um novo entendimento dabondadedeDeusedoaltopreçodeseuamoremJesusCristo.

Como o antinomianismo também não compreende a graça amorosa deDeus, elevêa lei comoobstáculoà liberdadeeaocrescimentopessoal, enãocomomeiomagníficopeloqualDeusnosfazcresceremambasascoisas.Éumerro, portanto, simplesmente bater no antinomianismo com declarações arespeitodajustiçaedasantidadeinflexíveisdeDeus.Nossocoraçãousaráissoapenas para alimentar a mentira da serpente acerca da severidade do caráterdivino. Em vez disso, o amor dispendioso de Deus em Jesus Cristo — quecumpriu a justa lei de Deus em sua vida e morte — deve ser elevado ecompreendido para que possa combater as inverdades tóxicas em nossa alma.Ferguson conclui que tanto o legalismo quanto o antinomianismo exigem,basicamente,omesmotratamento:umanovavisãodabelezadeDeusedesuagraçagloriosa,livreedispendiosa.Tantoolegalismoquantooantinomianismosãocuradosunicamentepeloevangelho.

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O evangelho opera para nos livrar dessa mentira [da serpente], porque ele revela que por trás emanifestonavindadeCristo,eemsuamortepornós,háoamordeumPaiquenosconcedetudooqueele tem:primeiramente, seuFilhoparamorrerpornós,edepoisseuEspíritoparaviveremnós[…]Existeapenasumacuragenuínaparaolegalismo.Éomesmoremédioqueoevangelhoprescreveparaoantinomianismo:entendereprovarauniãocomJesusCristo. IssoconduzaumnovoamoreobediênciaàleideDeus.14

Compreender o parentesco desses “gêmeos” não poderia ter maioresimplicaçõespráticasparaapregação.Sevocêachaqueoverdadeiroproblemadomundo é o legalismo, provavelmente tem um pé no antinomianismo; e sevocê acha que o verdadeiro problema das pessoas é o antinomianismo,provavelmentetemumpénolegalismo.

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DUASRAZÕESPELASQUAISDEVEMOSPREGARCRISTOSEMPREParapregaroevangelhodemodopenetrante,portanto,nãosedevefalarapenasdeumconceitoabstratodeperdãoedeaceitação.Éprecisomostrar Jesusaosouvintesetudooqueeleveiofazerpornós.PregarsempreoevangelhoépregarCristosempre,emtodasaspassagens.

SomentesepregarmossempreCristopoderemosmostrardequemaneiraaBíbliatodafazsentido.

QuandoJesusseencontroucomosdoisdiscípulosnocaminhodeEmaús,ele descobriu que eles estavam desesperados porque seu Messias havia sidocrucificado.Eledisse:“Ótolos,quedemoraisacrernocoraçãoemtudoqueosprofetasdisseram![…]E,começandoporMoisésetodososprofetas,explicou-lhesoqueconstavaaseurespeitoemtodasasEscrituras”(Lc24.25-27).Maistarde,eleapareceuaosapóstoloseaosdemaisdiscípulosnocenáculoeexplicouamesmacoisaaeles, istoé,queeleeraachaveparaquesecompreendessea“Lei de Moisés”, os “Profetas” e os “Salmos” (Lc 24.44). Jesus atribuiu aconfusãodosdiscípulos à sua incapacidadedeverqueoAntigoTestamento étodosobreeleesobresuasalvação.

Os autores apostólicos sobressaem por serem “cristocêntricos” aointerpretaremasEscriturashebraicas.Eles citamcom frequência salmos comopalavrasdeCristo—enãoapenassalmos“messiânicos”ou“régios”,emqueapessoa que fala é claramente uma figura messiânica. Por exemplo, Hebreus10.5,6 cita Salmos 40.6-8 como algo dito por Cristo quando “[entrou] nomundo”.

Tunãoquiseste sacrifícionemoferta; abriste-meosouvidos;nãoexigisteholocaustonemofertadeexpiaçãopelopecado.Entãoeudisse:Aquiestou,norolodolivroestáescritoameurespeito.Gostodefazeratuavontade,ómeuDeus…

Contudo,aoolharmosparaosalmo40,nadadoquevemosindicadeformaalgumaqueapessoaquefalaéJesusoualgumafiguramessiânica.PorqueentãooautordeHebreusconsideraqueessesalmofalasobreJesus?Eleofazporque

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sabe que Jesus disse a seus discípulos em Lucas 24 que toda a Escritura érealmente a seu respeito. A Bíblia é, no fim das contas, uma única e grandehistóriaquechegaaoclímaxemJesusCristo.

Deus criou omundo e nos criou para servi-lo e para desfrutar dele e domundo por ele criado. Contudo, os seres humanos não quiseram servi-lo;pecaram e arruinaram a si mesmos e a criação. Todavia, Deus prometeu nãoabandoná-los(emborativessetodoodireitodefazê-lo),masresgatá-los,apesardaculpaedacondenaçãosobasquaisseachavameapesardoseucoraçãoedoseu caráter inveteradamente corrompidos. Para isso, primeiramente Deusseparouumafamíliadomundoparaqueoconhecesseeoservisse.Então,trouxecrescimento a essa família, tornando-a uma nação; celebrou com ela umrelacionamentodealiançapessoaledefidelidade;deu-lhesualeiparaguiá-lanavida,prometeuabençoá-laseobedecesseaessalei,elhedeuaindaumsistemade ofertas e de sacrifícios para lidar com seus pecados e falhas. Contudo, anaturezahumanaédetalmododesordenadaepecaminosaque,apesardetodososprivilégioseséculosdepaciênciadivina,atémesmoseupovodaaliança—que havia recebido a Lei, as promessas e os sacrifícios — se desviou dele.Parecia não haver esperança para a raça humana.No entanto,Deus se tornoucarneeentrounomundodotempo,doespaçoedahistória.Eleviveuumavidaperfeita,masentãofoiparacruzmorrer.Quandofoiressuscitadodosmortos,foirevelado que ele havia vindo para cumprir a Lei com sua vida perfeita, paraoferecer o sacrifício final, tomando sobre si a maldição que merecíamos eassegurando desse modo as bênçãos prometidas a nós por sua graça gratuita.Agora,osquecreemneleestãounidosaDeusapesardopecado,eissomudaopovodeDeusdeumsimplesestado-naçãoparaumanovacomunhãomultiétnicainternacionaldecrentesdetodasasnaçõeseculturas.Agoraservimosaeleeanossopróximoenquantoaguardamos,emesperança,queJesusretorneerenovetodaacriação,abolindoamorteetodosofrimento.

O que é tudo isso? Uma história, um enredo narrativo unificado cujodesfechoeclímaxsedáemJesus.Osdiscípulosconheciamahistóriadecada

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profeta,cadasacerdote,cadarei,cadalibertadordeGideãoaDavi.ElessabiamdoTemploedossacrifícios.Contudo,aomesmotempoqueconheciamtodasashistóriassecundárias,nãoconseguiam—atéqueJesuslhesmostrasse—verahistóriaacercadoprofeta,dosacerdote,doreiedolibertadorporexcelência,doTemplo e do sacrifício finais. Não conseguiam ver em torno do que girava aBíblia.

Tente ler um capítulo apenas de um romance de Charles Dickens ou deVictorHugosemterlidonadaantesenadadepoisdessecapítulo.Seráquevocêconseguiria entender e apreciar o que leu? Certamente você tomariaconhecimento dos personagens, e é possível que alguma ação narrativarelativamentecompletaouumasubtramaocorressemnapartedolivroquevocêleu.Contudo,muitacoisaficariasemexplicaçãoporquevocênãosaberiaoqueveio antes, e muitas coisas que o autor estava desenvolvendo no capítuloficariaminvisíveissevocênãosoubessedequemaneiraahistóriasedesenrolou.ÉassimqueacontecequandoselêesepregaumtextodaBíbliaenãosemostrade quemodo ele aponta para Cristo. Se você não percebe de quemaneira oscapítulosseencaixamnahistóriatoda,nãoentendeocapítulo.

Portanto,pregarCristosempreéumamaneirademostraràspessoasdequemaneira aBíblia toda faz sentido.Conforme jávimos,porém,opregador temduas responsabilidades.Eleestá compromissadonãoapenascomaverdadedaBíblia,mas também com as necessidades espirituais dos ouvintes. E, de fato,pregarCristo sempre é tambéma únicamaneira de ajudar verdadeiramente aspessoasamudardedentroparafora.

Qualquersermãoquedizaseusouvintessomentecomodevemviver,semcolocar esse padrão no contexto do evangelho, dá a eles a impressão de quepodemsercompletososuficienteparaviverumavidaequilibradaserealmentese esforçarem para isso. Ed Clowney ressalta que, se sempre contamos umahistóriaespecíficadaBíbliasemcolocá-lanahistóriadaBíblia (sobreCristo),na verdade, mudamos seu significado para nós. Ela se transforma numaorientação moralista para que “nos esforcemos mais”, em vez de ser um

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chamadoaviverpelafénaobradeCristo.Há,nofimdascontas,duasmaneirasde leraBíblia:“Ela tratabasicamentedemimoubasicamentedeJesus?”.Emoutras palavras, ela se refere basicamente ao que eu devo fazer ou ao que elefez?

Seemalgumníveleucreioqueatravésdoesforçomoral—vivendoumavidadecastidade,submetendominhavontadeàdele,ajudandoopobre,levandooutrosàfé—podereiassegurarofavordivinoparaminhasoraçõesoualcançarsua bênção, disso segue queminhamotivação para fazer todas essas coisas éumaespéciedemisturade temorcomorgulho.O temoréodesejodeevitarocastigoeobteralgumtipodedefesaouposiçãovantajosaemrelaçãoaDeuseaos outros.O orgulho é a sensação de que, sendo eu tão decente e completo,“não sou como os outros homens” (Lc 18.11), sou melhor do que eles. Emúltimaanálise,todoobemquefaço,façoparamimmesmo.Oserviçoqueprestoa Deus e a meu próximo é uma forma de usar Deus e meu próximo paraconstruirminhaautoimagem,garantirorespeitoeaadmiraçãodeoutroseobteruma situação vantajosa em relação aDeus, demodoque elemedeva algumacoisa. Irônica e tragicamente, toda a minha bondade é para mim mesmo,portantonutroumegocentrismopecaminoso,a idolatriamáxima,precisamenteemmeioaosmeusesforçosparaviverumavidamoraleboa.

Essaformamoralistadeviverécomoestarnapontadeumioiô.Seperceboque estou atingindo meus objetivos e satisfazendo meus padrões, eu metransformo em alguém que se autojustifica, merecedor de privilégios, menospacienteegraciosocomosoutros.Seestiverfalhandodealgummodo,mergulhonaautodepreciação,porqueminhaidentidadebaseia-senaimagemquetenhodemimcomoumapessoamelhordoqueasoutras.Apropósito,aexistênciadesseioiô moralista é transcultural. As pessoas nas culturas tradicionais obtêm suaidentidadeevalorpróprioaoatender,navida,àsexpectativasdeseusfamiliarese ao fazer com que sua família se orgulhe delas. As pessoas nas sociedadesindividualistas do Ocidente obtêm sua identidade e valor próprio através daautoexpressão, da identificação e da realização de seus sonhos e desejos. Por

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mais radicalmentedistintasquepareçamseressasduasmentalidadesculturais,ambassãoestratégiasdesalvaçãopessoal.Oevangelhopõeambasemxeque.

EsevocêestiverpregandootextoemqueJoséresisteàtentaçãodaesposade Potifar, ou aquele em que Josias está lendo perante a nação reunida a Leiesquecida deDeus, ou o texto em queDavi bravamente enfrentaGolias; e aívocêextraialiçãoparaavida—fugirdatentação,amaraEscrituraeconfiaremDeus no perigo —, mas encerra o sermão aí? Nesse caso, você estarásimplesmentereforçandoomodelopessoaldesalvaçãodocoraçãohumano.Seusermão será compreendido como um encorajamento aos ouvintes para queobtenhamabênçãodeDeusatravésdovivercorreto.Setodasasvezesvocênãoassociaro texto,demodoenfáticoeclaro,coma salvaçãoemCristoe senãomostrar como ele nos salvou resistindo à tentação, cumprindo perfeitamente aLei,tomandosobresiosgigantesfinaisdopecadoedamorte—tudopornós,como nosso substituto—, você estará apenas confirmandomoralistas em seumoralismo.

Somentequandoenfatizarmoso evangelho,que somospecadores amadosemCristo—tãoamadosquenãotemosdenosdesesperarquandoerramos,tãopecadores que não temos direito algum de nos sentirmos orgulhosos quandofazemos algo certo —, poderemos ajudar nossos ouvintes a escapar de ummundo moralista espiritualmente bipolar. Indivíduos seculares, mesmo que seinclinemcontrariamenteaomoralismo,precisarãoouvir,pordoismotivos,nossacrítica a ele quando pregarmos. Um deles é que nem sequer considerarãoverdadeiro o cristianismo, a menos que vejam que ele não é idêntico aomoralismo. Em segundo lugar, qualquer um que esteja começando a se sentiratraídoporDeussemoveráautomaticamentenadireçãodeleesperandoterumarelação moralista. George Whitefield, evangelista do século 18, pregou essaadvertênciaemumdeseussermões.Talvezficássemosmaisàvontadecomumlinguajarmenosteológicoearcaico,masnãopodemosdeixardetransmitiresseentendimentobásicodascoisas.

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Quandoumapobrealmadealgummododesperta[…]apobrecriatura,então,tendonascidosobumaaliançadeobras,selançadiretamenteaumaaliançadeobrasnovamente.EassimcomoAdãoeEvaseesconderam entre as árvores do jardim e teceram folhas de figueira para cobrir sua nudez, assimtambémopobrepecador,quandodesperto,selançaemdireçãoàssuasobrigaçõeseproezasparaseesconder de Deus e, com remendos, tecer uma justiça pessoal. Diz ele: “Serei extremamente bomagora—voumereformar—;farei tudooquepuder,ecertamenteJesusCristoterámisericórdiademim”. Contudo […] as obrigações nas quais mais nos distinguimos são como os pecados maisesplêndidos[…]Éprecisoquehajaumaconvicçãoprofundaantesquesejamosarrancadosdanossajustiçapessoal.Éoúltimo ídoloa ser arrancadodocoração […]Vocêpodedizer “Senhor, és justoquandomecondenaspelasobrigaçõesquecumpridamelhormaneirapossível?”[…]Sevocênãoforassimarrancadodoseuego,poderáfalardepazconsigomesmo,masnãohaverápazalguma[…]Vocêprecisalançarmão,pelafé,dajustiçatodo-suficientedeJesusCristo,e,então,terápaz.15

AúnicamaneiradeevitaroqueWhitefieldestádescrevendo—umapessoaque está buscando um relacionamento espiritual com Deus, mas que acabacaindonaarmadilhauniversaldareligiãomoralista—épregarCristoemtodosostextosdaBíblia,pregaroevangelhosempre.

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1.DOISPERIGOSAEVITAR

Pregar um texto, ainda que seja sobre Jesus, sem realmente pregar oevangelho

Se você deparar com um ensaio sobre “pregar Jesus em todas as partes daBíblia”,vocêesperaráqueeleexpliquecomoverCristonoAntigoTestamento.Mas é possível pregar o Novo Testamento — até mesmo passagens dosEvangelhossobreJesus—sempregaroevangelho.

Faz alguns anos, li dois sermões sobre Marcos 5, de dois pregadoresdiferentes,quefalavamdopossessoquehaviasidocuradoporJesus.ÉclaroqueosdoissermõeseramsobreJesus,porqueotextoserefereaumepisódiodavidadele.Oprimeirosermãoerabrilhantesobmuitosaspectos.FalavadeJesuscomoCristo,olibertador.Ohomemtorturadoestánu.Eleestáamarradoacorrentes,isoladodequalquercomunidadehumana,gritandodeagonia.Cristopegaessehomem acorrentado e o liberta. Pega aquele homem isolado e o torna aptonovamenteaoconvíviohumano.Jesuscessaseusgritosdedesesperoeoenchedetranquilidade.Ohomemficasão.Amensagemdosermãoera,basicamente,ade que, quando você se aproxima de Jesus, ele pode entrar em sua vida eendireitá-la,qualquerquesejaseuproblema.Jesuspodecurá-losejaqualforasuaenfermidade.Sevocêtembaixaautoestima,elelhemostraráoquantooama.Setemvícios,eleolibertarádaescravidão.Tudoissoestáabsolutamentecerto(contanto que você não crie falsas expectativas de santificação instantânea efácil).EeujamaisiriaquererpregarsobreessetextosemfalardeCristocomolibertador.

Pouco tempo depois, porém, li o segundo sermão. O pregador, perto dofinal,fazumaperguntaimportante.Antes,elehaviadito:anudez,ascadeias,oisolamento,afúriaeosgritosdessehomemsãoumretratodetodosnós.Somostodospecadores,eaBíbliadizqueestamostodosespiritualmenteescravizadosaopecado,aos ídoloseao“príncipedopoderiodoar” (Ef2.2).Temosde sertransferidos do reino das trevas para o reino da luz. Estamos todos nessasituação. O caso daquele homem é apenas mais pungente e óbvio. Essa é a

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condiçãodeleeanossa:somospecadores.Jesusentãooliberta.Eleentãofazapergunta:“PorqueJesusoperdoaeorestaura?”.

O pregador disse que a razão por que ele podia perdoar a esse homem eperdoar-nos fica clara no fim da vida de Jesus. Ali vemos Jesus desnudado,prisioneiro, isolado e crucificado fora do portão, gritando: “Deus meu, Deusmeu,porquemedesamparaste?”(Mt27.46).Essaéaresposta.Jesusfoicapazdecuraropossesso,emboraestefossepecador,porque,nofinal,trocoudelugarcomele.Jesusénossosubstituto.Elepodiaentrarnavidadessehomemecurá-lo porque morreu em seu lugar e pagou a penalidade devida suportando elemesmotodasaquelascoisas.Elefoidesnudadoparaquepudéssemosnosvestir.Foi lançadoaodesesperoeàagoniamaisprofunda,demodoquepudéssemosconheceroamoreoperdãodeDeuseterpazinterior.

O contraste entre os dois sermões era notável. Ambos eram sobre Jesus,massóumdelesexpunhaoevangelhocomclareza.Oprimeirosermãopoderiadaraimpressãodequeasalvaçãoconsistiaemcurarasferidasequeaformadeobter essa cura consistia simplesmente empedir a Jesus que viesse e suprissenossas necessidades. As questões referentes ao pecado e à graça não foramexplicitadasclaramente.Nãohouvenecessidadedacruz.Oevangelhonãoficoumuito claro.No segundo sermão, sim.Amiséria do endemoninhado foi usadaparadescreverdemodovívidoosofrimentoeaagoniaquerecaíramsobreJesusnacruz.UmensinamentocentraldoevangelhodeMarcoséqueJesusénossosubstituto. Ele deu sua vida como resgate em nosso lugar (Mc 10.45).16 Osermão interpretou aquele episódio específico à luz do grande tema doevangelhonolivrotodo.

Depois disso, não fica difícil fazer a aplicação prática para os ouvintes.Somente o reconhecimento de sua morte sacrificial pode romper o poder dopecadoemnossavida.Éissooquerevelaparanósoerrodosnossosesforçosdesalvaçãopessoal,eéoqueos tornadesnecessários.Quandoparamosde tentarsalvar a nósmesmos, as coisas quenos impulsionamenos escravizam já nãotêmmaisefeito.Satanásperdeseupodersobrenós.

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ÉpossívelpregaroNovoTestamentoenãopregarrealmenteCristoesuaobrasalvífica.AchamosquenossoproblemaconsisteemsabercomotirarJesusdeum salmo emespecial oude 2Reis.Não, o problema émaior doque esse.PregarCristosignificapregaroevangelho.PregaroevangelhosignificapregarCristo,suaobradesalvaçãoesuagraça,epodemossermalsucedidosnissoemqualquerpartedaBíblia.

2.PregarCristosemrealmentepregarotextoHá outro erro que costumamos cometer. É possível “chegar a Cristo” tãorapidamenteaopregarum textoque ficamos insensíveisàsparticularidadesdamensagemdotexto.SaltamosasrealidadeshistóricasechegamosaJesuscomose as Escrituras do Antigo Testamento tivessem pouca importância para seusleitoresoriginais.Fergusondizqueesseerro“poderáresultaremumapregaçãoinsípidaeinsensívelaosricoscontornosdateologiabíblica”.17

Oresultado seráo seguinte: comonãogastamos tempono texto, omodocomo Jesus é descrito parecerá o mesmo toda semana. Ele não seráverdadeiramente a resolução ou o clímax do tema teológico específico e aresposta ao problema prático em questão. Contudo, se mergulharmosprofundamente no contexto histórico original, veremosquehá tantasmaneirasdiferentesdepregarCristoquantohátemasegênerosemensagensnaBíblia.

Hámuitas passagens nos profetas, por exemplo, em queDeus fala sobrecomoenviaráumreiquefarájustiçacompletaeimparcial.EmIsaías11.3,lemosqueesserei“nãojulgarápelaaparência,nemdecidirápeloqueouvirdizer”.Elerepararáoserrosefarájustiçaaooprimidoeaofraco.EmIsaías11.1-16,lemossobreo “renovo” justo (Jr 23.5)que fará tudo isso, e essapessoa costuma seridentificada como o Messias. Os leitores originais de Isaías provavelmentecompreenderam que ele se referia a um futuro rei grandioso. Aqueles quepregamsobreessecapítulo têma tendênciadecomeçar rapidamenteamostrartodas as formas pelas quais as descrições de Isaías 11 se aplicam a Jesus e àsalvação.Contudo,osouvintesoriginaisteriamouvidoprimeiramenteasonoraafirmaçãodaimportânciadajustiçasocial,denãooprimiropobreedeviverde

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formagenerosa.Ao apressar o futuro, ficandopoucono tempodo autor (e deseusouvintes),opregadorpoderáperderboapartedosignificadodapassagem.

Portanto,háumequilíbrioaserpreservado:nãopregarCristosempregarotextoenãopregarotextosempregarCristo.CharlesSpurgeoncontaahistóriadeumministrogalêsqueconversavacomumministromaisjovemarespeitodosermãoqueesteacabaradepregar.

—Foiumsermãomuitopobre—disseeleaojovem.—Porqueosenhorachaisso?Elerespondeu:—Porque—disseoministrogalês—nãohavianadadeCristonele.— Bem— disse o jovem—, Cristo não estava no texto; não devemos

pregarCristootempotodo;devemospregaroqueestánotexto.Aconversaprosseguiu:—Você não sabe, jovem, que em cada cidade, aldeia e pequena vila da

Inglaterra,sejaondefor,háumaestradaquelevaaLondres?—Sim—disseojovem.—Ah!—disseovelhopregador.—Domesmomodo,decada textoda

Escritura,saiumaestradaparaametrópoledaEscritura,queéCristo.Portanto,meu querido irmão, o que lhe cabe dizer ao tratar de um texto é o seguinte:“Qual é a estrada que leva a Cristo?”. E aí pregue seu sermão percorrendo aestradaemdireçãoàgrandemetrópole:Cristo.E—disseele—atéhojenuncaencontrei um texto que não tivesse uma estrada até Cristo e, se algum diaencontrarumaemqueCristonãoestejapresente,fareieumesmoaestrada.Pormaisacidentadaqueelaseja,aindaassimfareicomchegueaomeuMestre,poisum sermão não produzirá bem algum a não ser que haja nele um sabor deCristo.18

Essailustraçãoémuitoútil.Vamostrabalhá-laumpoucomaiseaplicá-laànossapregação:

Saibaqualéopontoprincipaldoautoresedemoreumpouconele.

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Emprimeirolugar(paraampliarnossametáfora),temosdeidentificarondeficaa “rua do comércio” ou a “rua principal” da cidade. Isso significa quedevemos identificar a ideia principal e amensagem do texto para os ouvintesoriginais,os“residentesdacidade”.Algunstextostêmumpontosimples,único,aopassoqueoutrossãoumpoucomaiscomplexos,assimcomoalgumascidadestêm uma rua principal ampla, enquanto outras apresentam algumas poucasartérias principais que se entrelaçam à medida que avançam pela cidade.Conheça-as;percorra-as;nãosaia logodacidade.Mergulheprofundamentenotexto e certifique-se de que compreendeu o significado que o autor quistransmitiraseusouvintes.Dessaformavocêpodecertificar-sedeserfielaoqueDeusestádizendo.Sehouvertempo,dêumaespiadatambémnasruaslaterais.Muitasvezes,hálojasinteressantesali.Contudo,jamaisseafastemuitodaruaprincipal,porquepodenãodartempodevocêvoltaràestradaprincipal.

Emsegundolugar,comoSpurgeonpropõe,háummodopeloqualtodaruaprincipal se conecta a uma estrada que sai da cidade em direção a Londres.Descubra de quemodo a estrada principal se conecta à estrada para Londres.Nem todas as estradas que levam para fora da cidade conduzem realmente aLondres,éclaro.Sevocêpegaraestradaerrada,poderá terdecortarcaminhopelasterrasoupeloscamposdealguématéchegaraLondres.Issodátrabalhoetalvezsejaatéilegal!Damesmamaneira,nãopensequequalquercoisanotextoquelembrevagamenteJesussejaummeiodechegaraele.SeotextodoAntigoTestamento for sobre o Templo, você poderá pregar Cristo como o ÚltimoTemplo(João2).ÉdessamaneiraquearuaprincipaldessetextoseligaaJesus.Contudo, você não pode simplesmente jogar ali qualquer coisa que pensar.TalvezacordaescarlatequeRaabependuroudo ladodeforadesua janela(Jz2.18)olevealembrarosanguedeCristo,masissonãosignificaquesejaissooqueelarepresenta.Partindodopontoprincipaldecadatexto,háalgumcaminhoparapregarCristocomintegridade.Siganadireçãodessaestradaecaminheporelaantesdeconcluirseusermão.

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NOTAS1Estecapítulodeveserlidojuntamentecom“Theessenceofgospelrenewal”e“Theworkofgospel

renewal”,in:TimothyKeller,Centerchurch:doingbalanced,gospel-centeredministryinyourcity(GrandRapids:Zondervan,2012),p.63-84[ediçãoemportuguês:Igrejacentrada:desenvolvendoemsuacidadeumministérioequilibradoecentradonoevangelho(SãoPaulo:VidaNova,2014)].

2JohnColquhoun,Atreatiseonthelawandgospel,ediçãodeD.Kistler(Edinburgh,1859;SoliDeoGloria,1999),p.143-4.

3Obrasimportantessobreessetema:PeterAdam,“Part1:Threebiblicalfoundationsofpreaching”,in:SpeakingGod’sWords:apracticaltheologyofpreaching(Vancouver:RegentCollegePublishing,2004);E.Clowney,Preachingandbiblical theology (Phillipsburg:PresbyterianandReformed,1973);E.Clowney,“PreachingChristfromalltheScripture”,in:S.Logan,org.,Thepreacherandpreaching:revivingtheartinthetwentiethcentury(Phillipsburg:PresbyterianandReformed,1986);GraemeGoldsworthy,PreachingthewholeBibleasChristianScripture (GrandRapids:Eerdmans,2000) [ediçãoemportuguês:Pregandotoda a Bíblia como escritura cristã (São José dosCampos: Fiel, 2013)];DavidMurray, Jesus on everypage: 10 simple ways to seek and find Christ in theOld Testament (Nashville: Thomas Nelson, 2013);SidneyGreidanus,PreachingChristfromtheOldTestament (GrandRapids:Eerdmans,1999)[ediçãoemportuguês:PregandoCristoapartirdoAntigoTestamento(SãoPaulo:CulturaCristã,2006)];GaryMillar;Phil Campbell, “Why preaching the gospel is so hard (especially from the Old Testament)”, in: SavingEutychus: how to preach God’s Word and keep people awake (Sydney: Matthias Media, 2013); BryanChapell,Christ-centered preaching: redeeming the expository sermon (Grand Rapids: Baker Academic,1994)[ediçãoemportuguês:Pregaçãocristocêntrica:restaurandoosermãoexpositivo(SãoPaulo:CulturaCristã,2002)];SinclairFerguson,PreachingChristfromtheOldTestament:developingaChrist-centeredinstinct (London: Proclamation Trust Media, 2000), disponível em:http://www.proctrust.org.uk/proclaimer/author/sinclair-ferguson/;acessoem:dez.2016;e IainM.Duguid,IsJesusintheOldTestament?(Phillipsburg:PresbyterianandReformed,2013).EuproporiaqueinicianteslessemprimeiramenteoartigodeDuguid;Ferguson;ClowneyemThepreacherandpreaching.

4Sinclair Ferguson, The whole Christ: legalism, antinomianism, and gospel assurance (Wheaton:Crossway,2016),p.81domanuscrito.

5WilliamPerkins,Theartofprophesyingwiththecallingoftheministry(primeiraediçãoeminglês,1606;reimpr.,Edinburgh:BannerofTruth,1996),p.54:“Oprincípiobásicodaaplicaçãoconsisteemsaberseapassageméumaafirmaçãodaleioudoevangelho[…]Aleiexpõeadoençadopecado[…]masnãoprovêoremédioparaela.Contudo,oevangelhonãoapenasnosensinaoquesedevefazer;eletambémtemopoderdoEspíritoSantoque lheéacrescentado”.Paraumaperspectiva luterana,vejaC.F.W.Walther,Lawandgospel:howtoreadandapplytheBible(St.Louis:ConcordiaPublishing,2010).

6Ibidem,p.55.7Ferguson,WholeChrist,p.42.8Ibidem,p.47.9Ibidem,p.51-2.10Ibidem,p.52.11Ibidem,p.51.12Ibidem,p.52.13Ibidem,p.55.14Ibidem,p.43e101.

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15George Whitefeld, “The method of grace”, disponível em:www.biblebb.com/files/whitefeld/gw058.htm,acessoem:jan.2017.

16Apalavra-chaveemgregoéanti.Jesusmorreucomoresgateanti(“emvezde”)muitos.17Ferguson,“PreachingChristfromtheOldTestament”.18Ibidem.

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A

3

PREGANDOCRISTOEMTODAAESCRITURA

Quandoergueramosolhos,nãoviramnenhumhomem,excetoJesus[Mt17.8,KJ].

chave para pregar o evangelho sempre é pregar Cristo sempre. E achave para isso consiste em descobrir de que maneira seu textoespecíficoseencaixanocontextocanônicocompletoeparticipacomo

capítulodograndearconarrativodaBíblia,queéa formapelaqualDeusnossalva e renova omundo pela salvação pormeio da livre graça em seu Filho,JesusCristo.

Paranosajudaradiscernir formasdesemprepregarCristo, temosmuitosbons autores e livros.1 Todos eles têm sua própria lista de categorias paradiscernirepregarJesusapartirdostextosbíblicos.2Hátambémmaisdimensõesemaneirasdefazê-lodoquepodemostratarnestecapítulo.3Considerandomaisosaspectospráticosdoqueosteóricos,seguemseismaneirasbásicasdepregarCristoemtodaaEscritura.

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PREGUECRISTOAPARTIRDECADAGÊNEROOUSEÇÃODABÍBLIASe você ler Look to the Rock [Olhe com confiança para a Rocha], de AlecMotyer, ouAn introduction to the Old Testament,4 de Ray Dillard e TremperLongman, ou ainda The unfolding mistery [O mistério que se revela], de EdClowney, você terá uma boa ideia de como cada parte da Bíblia aponta paraCristo de ummodo particular. Ele é a esperança dos patriarcas. É o anjo doSenhor.5Emseguida,vádolivrodeÊxodoatéDeuteronômio.EleéarochadeMoisés.ÉocumpridordaLei—tantodaleicerimonial,porquenostornapurosnele, quanto da lei moral, porque recebe a bênção por meio de sua vidaperfeitamente justa.Ele éoÚltimoTemplo.Váagoraparaahistóriade Israeldepois de Moisés. Ele é o comandante dos exércitos do Senhor (Js 5). É overdadeiroreideIsrael.Naverdade,eleéoverdadeiroIsrael.ElecumpretudooqueIsraeldeveriafazereser.OlheagoraparaosSalmos,oscânticosdeDavi,emque Jesus é o doce cantor de Israel (Hb2.12).Vá então aosprofetas e aliencontraráoReiprometido(Is1—39),oservosofredor(Is40—55)eaquelequecura omundo (Is 56—66). Procure no livro de Provérbios e verá que ele é averdadeirasabedoriadeDeus.Aosqueestãosendosalvos,acruzéasabedoriadeDeus(1Co1.22-25).

CadagêneroepartedoAntigoTestamentoolhaparaCristoenosinformaarespeitodequemeleésobalgumaspectoqueosoutrosnãofazem.RayDillard,porexemplo,umdosautoresdeAnintroductionintheOldTestament,disse-mecertavezqueumadasprincipaisdúvidasconstantementesuscitadaspeloslivroshistóricos,deJuízesa2Crônicas,dizrespeitoànaturezadaaliança.Aaliançaé:“EuvostomareipormeupovoesereivossoDeus…”(Êx6.7).Aquestãoquesecolocaéaseguinte:àluzdofracassoconstantedaspessoasdeseconservaremàalturadaspromessasda aliançapara servir aDeus, a aliança é condicionalouincondicional? Deus diz que será condicional? (“Porque vocês quebraram aaliança,voupodá-los,amaldiçoá-loseabandoná-losparasempre.”).Oudizqueseráincondicional?(“Emboravocêstenhammerejeitado,nuncaosabandonareicompletamente; permanecerei com vocês.”) Qual das duas? Ray disse quequalquer leitor atento do Antigo Testamento descobrirá que, às vezes, Deus

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pareceestardizendoquesetratadeumaaliançacondicional;aopassoqueoutrasvezes ele parece assegurar as pessoas de que se trata de uma aliançaincondicional. Esse mistério é uma das principais tensões que levam à açãodramática.Umavezqueseupovooabandonou,seráqueeleosabandonará?

Parece não haver uma resposta simples que não comprometa algo quesabemosdeDeus.Suasantidadedará lugaraseuamor,de talmaneiraqueelenegligencieopecado?Ouseráseuamorsobrepujadoporsuasantidadeejustiça,detalformaqueomartelodivinoanuncieasentença?Sejacomofor,parecequeelenãoéverdadeiramentetãoamorosooutãosantocomoserevela.Percebeatensãodatramanahistória?

E aí vem Jesus e o ouvimos dizer “Deus meu, Deus meu, por que medesamparaste?” (Mt 27.46); e então percebemos qual é a resposta. A aliançaentreDeuseseupovoécondicionalouincondicional?Simesim.JesusveioecumpriuascondiçõesparaqueDeuspudessenosamarincondicionalmente.

ObservamosumatensãosemelhantenolivrodeIsaías.Aprimeirapartedolivrodescreveafiguradeumreiqueviráeendireitarátodasascoisas.Aúltimaparte,porém,faladeumservoperfeito,santoeaindaassimsofredor,quetomasobre si o pecado do povo. De que maneira essas duas figuras podem ser oMessias?Quando Jesus vem, compreendemos.Todas as pontas aparentementesoltaseasdeclaraçõescontraditóriasdorestantedaBíbliaconvergemparaJesus.

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PREGUECRISTOEMCADATEMADABÍBLIAABíbliaestárepletadetemasquepercorremtodasouquasetodasassuasparteseosseusgêneros.Sevocêencontraralgunsdosseguintestemasqueperpassamtodo o cânon, e que passam também pelo seu texto específico, poderásimplesmente“puxarofio”,olhandoparatrás,afimdeverondeelecomeçou,eparaafrente,demodoaverseucumprimentoemCristoagoraenodiafinal.

Reino. Fomos feitos para obedecer e servir ao nosso verdadeiro Rei. Opecadoérebeliãocontraele,porémRomanos1nosdizquetodosvamosadorareserviraalgumacoisa;portanto,seremosescravizadospelascoisascriadasatéquequebremos seupoder sobre nós.Que rei é poderosoo suficiente para noslibertardocativeiroedaescravidão?SomenteaquelequeéDeusequevoltaráàterra.JesuséoverdadeiroRei,esuamorteeressurreiçãoquebraramopoderdopecadoedamortesobrenós.Portanto,servi-loéperfeitaliberdade.

Aliança. Fomos feitos para nos relacionarmos comDeus. Fomos criadospara relacionamentos de aliança, que são os mais íntimos relacionamentosporquesãoosmaisvinculativos.Fomoscriadosparaser seupovoepara tê-locomo nosso Deus. Se mantivermos a aliança, haverá a bênção do amor, daunidadeedapaz.Sequebrarmosaaliança,haveráamaldiçãodaseparação,dasolidão. Como Deus pode ser santo e ainda permanecer fiel ao seu povo?SomentepormeiodamortedeJesusnacruz—ondetantooamorquantoaleise cumprem, onde o Senhor se tornou o servo perfeito e cumpriu de formaperfeitaeplenaaaliançaemnossofavor.

Lareexílio.Omundofoifeitoparasernossolar,oÉden,lugardeshalomede realização.Masporcausadonossopecadoestamosexilados.Omundoemquevivemosnãonossatisfazmais.Quempodenoslevarparacasa,nosdarpazerealização?SomenteCristo,quefoiexiladopornós,enviadoàterravindodocéu, enviado para fora do portão, abandonado por todos, paramorrer na cruz.Contudo, em consequência de tudo o que fez, omundo se tornará nossa casanovamente,novoscéusenovaterraondehabitaajustiça(Ap21e22).

Presença de Deus e adoração. Como podem os pecadores separados de

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Deussecolocarememsuapresençavivificadoraeexperimentaralegria?Fomosfeitos para ter comunhão com ele, para viver em sua presença; todavia, ele ésanto. Como podem pecadores falhos se aproximarem de Deus? A espadaflamejantequeguardaocaminhoparaapresençadeDeusdesceusobreJesus,eagoraocaminhoestáaberto(Gn3.24;Hb10.19-22).

DescansoeSabbath.Estamosinquietoseexaustosporqueestamosfazendoa “obra sob nossa obra”, a obra estafante de tentar obter uma identidade pormeiodenossodesempenhoenossarealização.MasemJesusdescansamosdessaobra e conhecemos a aceitação incondicional de Deus, porque JesusexperimentouovaziocósmicodoabandonodeDeus.

Justiçaejuízo.Precisamosdejustiçanomundo,masissonoscolocadiantede um problema significativo. Se não há juiz, que esperança haverá para omundo? Contudo, se há um juiz, que esperança há para nós? “SENHOR, seatentaresparaopecado,quemresistirá,Senhor?”(Sl130.3).Contudo,eisaquiamaravilha:JesusCristoéojuizdetodosnaterra,queveiopelaprimeiraveznãocomumaespadaemsuasmãos,mascompregosqueasatravessaram,nãoparatrazerjuízo,masparasuportarojulgamentoemnossolugar.JesusCristoéojuizquefoi julgado,demodoque todosaquelesquecreemnelepodemenfrentarojuízo futuro com confiança.Naquele dia, porque fomos perdoados, ele poderápôrfimatodomalsempôrfimanós.

Justiçaenudez.HouveépocaemquenadatínhamosaesconderdosolhosdeDeus ou de quemquer que fosse.Quandoperdemosnossa justiça original,tivemosdenoscobriredenosesconderdosolhosdosoutros(Gn2.24—3.24).Agora, nossa vergonha e culpa precisam ser cobertas com a graça de Deus.PorqueJesus foipenduradonunacruz,podemosnosvestircomummantodejustiça(Is61.10).

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PREGUECRISTOEMCADAGRANDEPERSONAGEMBÍBLICOTodos os principais personagens e líderes das Escrituras nos apontam paraCristo,olídermáximoquechamaeformaumpovoparaDeus.Todososlíderesungidos da Bíblia — todo profeta, sacerdote, rei e juiz que traz “salvação”,libertação ou redenção de qualquer tipo ou nível— apontam para Cristo, naforçaque têmemesmoemsuas falhas.Atésuas fraquezasmostramqueDeusopera pela graça e usa o que para o mundo é secundário e fraco. Os“marginalizados”sociaisemoraisaquemDeususa—taiscomoRaabe,Rute,TamareBate-Seba(Mt1.1-11),especialmenteosqueseencontramnalinhada“semente”prometida—apontamparaele.Eleéocumprimentodahistóriadosjuízes,osquaismostramqueDeuspodesalvarnãoapenaspormuitos(Otoniel)ouporpoucos(Gideão),mastambémporumsó(Sansão).Jesuséojuizparaoqualapontamtodososjuízes(poiselerealmenteadministraajustiça),oprofetapara o qual apontam todos os profetas (umavez que ele nosmostra de fato averdade), o sacerdote para o qual apontam todos os sacerdotes (porque eleverdadeiramentenoslevaaDeus)eoReidosreis.JoãoCalvinodiz:“Portanto,quandovocêouviroevangelholheapresentandoJesusCristo,emquemtodasaspromessasedonsdeDeusforamrealizados”,lembre-sedisso:

Ele[Cristo]éIsaque,oamadoFilhodoPaiquefoioferecidoemsacrifício;contudo,nãosucumbiuaopoderdamorte.EleéJacó,opastoratento,quetantozelotempelasovelhasqueguarda.EleéJosé,oirmãobondosoecompassivoque,emsuaglória,nãoseenvergonhouemacolherosirmãos,adespeitoda condição humilhante e abjeta em que se encontravam. Ele é o grande sacrificador e bispoMelquisedeque, que ofereceu um sacrifício eterno uma vez por todas. Ele é o soberano legisladorMoisés,queescreveusualeisobreastábuasdonossocoraçãoporseuEspírito.EleéocapitãoeguiafielJosué,quenoslevaàTerraPrometida.EleéovitoriosoenobrereiDavi,quetomapelamãotodopoderrebeldeeosubmeteasi.EleéomagníficoetriunfantereiSalomão,quegovernaseureinocompazeprosperidade.Eleéo forte epoderosoSansão,oqual,por suamorte, subjugou todosos seusinimigos.6

Umlevantamentomaismodernoéoseguinte:

JesuséoverdadeiroesuperiorAdão,quepassounotestenojardimecujaobediêncianoséimputada(1Co15).

JesuséoverdadeiroesuperiorAbel,que,emboratenhasidomortoinocentemente,temosanguequeagoraclamapornossaabsolvição,enãopornossacondenação(Hb12.24).

JesuséoverdadeiroesuperiorAbraão,querespondeuaochamadodeDeusparadeixaroquelheeraconfortávelefamiliarepartirrumoaodesconhecido,“semsaberparaondeia”(Hb11.8),nointuitode

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criarumnovopovoparaDeus.

Jesuséoverdadeiroe superior Isaque,quenãoapenas foioferecidopor seupainomonte,mas foiverdadeiramentesacrificadopornós.DeusdisseaAbraão:“Agoraseiquemeamas,porquepormimnãopoupaste teu filho, teuúnico filho, aquem tuamas” (Gn22.12,TA).AgorapodemosdizeremrelaçãoaDeus:“Agorasabemosquetunosamas,porquenãopoupasteanósteufilho,teuúnicofilho,aquemtuamas”.

JesuséoverdadeiroesuperiorJacó,quelutoucomDeuselevouogolpedajustiçaquemerecíamos,de tal forma que nós, assim como Jacó, recebêssemos apenas os ferimentos da graça para que nosdespertasseedisciplinasse.

JesuséoverdadeiroesuperiorJosé,que,àmãodireitadoRei,perdoaaosqueotraírameovenderameusaseunovopoderparasalvá-los.

JesuséoverdadeiroesuperiorMoisés,queocpupaabrechaentreopovoeoSenhorequemediaumanovaaliança(Hb3).

JesuséaverdadeiraesuperiorarochadeMoisés,aqual,golpeadapelocajadodajustiçadivina,agoranosdááguanodeserto.

Jesus é o verdadeiro e superior Jó— o verdadeiro e inocente sofredor— que intercede por seusamigosinsensatoseossalva(Jó42).

JesuséoverdadeiroesuperiorDavi,cujavitóriasetornaavitória

deseupovo,emboraestejamaistenhaerguidoumapedraparaconquistá-la.

Jesuséaverdadeirae superioraEster,quenãoapenas searriscouaperderumpalácio terreno,masabriumãodopaláciopor excelência, o celestial, e não apenas arriscou a vida,mas entregou-aparasalvarseupovo.

JesuséoverdadeiroesuperiorJonas,quefoilançadonatempestadeparaquepudéssemossersalvosetrazidosabordo.

Vamos pegar um desses exemplos e fazer um exercício: Jesus como o“verdadeiro Jonas”. No final do capítulo 4 do Evangelho de Marcos, Jesusacalma a tempestade e repreende os discípulos: “Ainda não tendes fé?” (Mc4.40).Seria fácilpregaressamensagemnum tom involuntariamentemoralista.BastariatirardalialiçãodequeprecisamosdesenvolveraféeconfiaremDeusquandoascoisasnãoestiverembem.Issoseriasimplesmente,nofimdascontas,umsermãodo tipodidático:comoter féemanter-sefirmenas tempestades.Oevangelhonãoficariamuitoclaro.

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Marcos,porém,nessecapítulo,fazumareleituradoepisódiodeJonas.7Eleusapraticamenteasmesmaspalavrasefrases.TantoJesuscomoJonasestãoemumbarco.Osdoisatravessamumatempestadedescritaemtermossemelhantes.Osdoisbarcosestãocheiosdeoutraspessoasapavoradascomamorte.Ambososgrupos,irados,despertamosprofetasadormecidoseosrepreendem.Asduastempestades são milagrosamente pacificadas, e os que estavam nos barcos sesalvam. As duas histórias concluem com os homens nas embarcações maisaterrorizadosdepoisqueatempestadeépacificadadoqueantes.Cadaaspectoéo mesmo, exceto por uma aparente exceção muito significativa. Jonas ésacrificadonobojodatempestade,lançadonasprofundezas,satisfazendoassimairadeDeus,demodoqueoutrospudessemsersalvosdela—masJesusnãoé.

Masseráqueosrelatossãomesmodiferentesnesseponto?Não,nãosão.Como diz Jesus emMateus 12.41, ele é o último Jonas, que foi lançado nasprofundezasabissais—dajustiçaeterna—pornós.Ébastanteirônicoofatodeque em Marcos 4 os discípulos indagam: “Mestre, não te importas quepereçamos?” (Mc 4.38). Eles creem que Jesus vai ignorá-los na hora de suamaior necessidade.Na verdade, é o contrário.No jardimdoGetsêmani, serãoelesquevão ignorá-lo.Elesoabandonarãodeverdade.Emesmoassimeleosamaatéofim.Entendeu?Jonasfoilançadoparaforadobarcoporcausadeseupecado; Jesus, porém, é lançado na tempestade suprema por causa do nossopecado.Jesuspôdesalvarseusdiscípulosda tempestadeporquefoi lançadonamaiordelas.

Observe:aodeixarmosdemeramenterecorreràexortaçãoaumaconfiançamaior em Deus e nos aprofundarmos no entendimento de como o texto nosremete à obra salvadora de Jesus, não apenas obtemos uma grande visão doevangelho da salvação, mas também, no fim, temos uma motivação maispoderosa para confiar em Deus que transforma nosso coração. Temos agoratambémumaaplicaçãopráticaparaosouvintes,fundamentadanaobrasalvadoradeJesus,enãoemnossosesforços.Seriamaisoumenosaseguinte:Vocêestáatravessando uma espécie de tempestade em sua vida? Você já orou e sentiu

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comoseDeusestivessedormindo?Elenãoestá.Comovocê sabe?Porqueeleenfrentou a pior das tempestades e a suportou por você. Por essa razão vocêpode saber que ele não o abandonará em suas tempestades infinitamentemenores.Porquenãoconfiarnaquelequefezissoporvocê?

SevocênãovêatempestadeemMarcos4apontandoparaaobraconcluídade Jesus Cristo, terminará a mensagem praticamente com uma repreensão:“Tenha fé em meio às suas tempestades! Tenha fé em Jesus! Ele não oabandonará!”.Noentanto,éprecisoquevocêváfundoosuficientenoevangelhoparadespertarnocoraçãoafénaobradeCristo,paramostraràspessoasoqueele fez por nós. Isso instilará de fato a confiança no sermão. Caso contrário,vocêestaráapenasesmurrandoavontadedizendoaela:“Sejafiel”.

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PREGUECRISTOEMCADAGRANDEIMAGEMDABÍBLIAHámuitasimagensou“tipos”queapontamparaCristoequenãosãofigurasoupessoas,masobjetosepadrões impessoais.MuitosdessessímbolosdescrevemvividamenteasalvaçãopelagraçaqueencontrarealizaçãoemCristo.Aserpentedebronzenodesertoeaáguadavidaoriundada rochagolpeadanos indicamCristo,éclaro(umavezqueJoãoePaulonosdizemquesim!).Alémdisso,todoo sistema sacrifical e do templo aponta, na verdade, para ele. Sabemos dissoporque o livro de Hebreus nos diz que é assim. Praticamente tudo o que dizrespeitoaosistemacerimonial—dasleisdepurificaçãoaoaltar,ossacrifícioseopróprio templo—revelamquemeleéeoquefez.Tantoas leisdoSabbathquanto do Jubileu apontam para ele. Ele torna todas elas obsoletas. Jesus é osacrifícioparaoqualapontamtodososdemais(Hb10).Jesuséopãosobreoaltardotemplo(Jo6),oveladordolugarsanto(Jo8)eoprópriotemplo(Jo2),porqueelemediaapresençadeDeusjuntodenós.Jesuscumpretodasasleisdepurificação cerimonial em relação a alimentos e depurificação ritual (At 10 e11).Jesuscumpreacircuncisão.ElarepresentaomodopeloqualelefoicortadodeDeus.Agoraestamospurificadosnele(Cl2.10,11).Jesuséocordeiropascal(1Co5.7).

Muitas outras imagens não podem, de fato, ser chamadas de símbolos,tampouco são elas temas rigorosamente teológicos, mas ideias ou assuntosconcretos que recorrem a Jesus e têm ligações com ele. Observe o seguinteexemplo: trabalho ou labor. No princípio, Deus criou o mundo por meio dotrabalho.VemosemGênesis3queamaldiçãosobreotrabalhootransformanumesforço árduo. Quando Jesus vem, ele diz: “Meu Pai trabalha até agora, e eutrabalhotambém”(cf.Jo5.17).SomossalvospormeiodotrabalhodeJesus,nãopelo nosso. Geralmente, isso não costuma ser classificado como temaintercanônico, como reino, aliança ou exílio. Trata-se apenas de uma imagemrecorrente de labor e trabalho; no entanto, mesmo aí Cristo é o clímax daimagem.Eleéotrabalhadorporexcelência,porassimdizer.

Umoutro exemplo: aÁrvore daVida.ABíblia começa e termina comaÁrvoredaVida—emGênesisenoApocalipse.Noprincípio,nósperdemosaÁrvore da Vida; perdemos o paraíso. No fim, através da obra de Jesus,

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recuperamosaÁrvoredaVida,queagorafiguradeformadestacadanomeiodacidadedeDeus.Portanto,essaárvorerepresentaavidaeternaeavidaplena,emoposiçãoàpropensãoàdegradaçãoeàmortequeoperamemnós.EssaárvoreapareceapenasemoutrolugarnaBíblia:nolivrodeProvérbios.Ali,asabedoriaemsimesmaéaÁrvoredaVida.Ocrescimentoemsabedoriaéentendidocomocrescimento no conhecimento de Deus, no conhecimento de nós mesmos, nocaráter santificadoenas relaçõespiedosas,oquechamaríamosdecrescimentoespiritual ou “fruto” do Espírito. Portanto, Provérbios está dizendo que épossível, numcerto sentido, comerdessa árvore agora emumaexperiênciadecrescimentoespiritual.ONovoTestamentonosmostracomo.OEspíritonosuneaCristo pela fé, e agora a “vida opera dentro de nós”, embora amorte aindaopereemnossoscorpos.Mascomotudoissoépossível?EmGálatas3.13somoslembradosdeque,quandoJesusfoicrucificado,elefoiamaldiçoadoporquefoi“penduradoemummadeiro”.GeorgeHerbertsituaissodeformamuitovívidanopoema“Thesacrifice”[Osacrifício],quandodescreveJesusfalandonacruz.Dizele:“Todosvocêsquepassam,observemevejam;ohomemroubouofruto,agora é precisoque eu subana árvore; uma árvoredevidapara todos, excetoparamim.Houvealgumavezumsofrimentocomoomeu?”.OqueJesusestádizendo?PorqueJesustomouaÁrvoredaMorte,podemosteraÁrvoredaVida.HerbertestádizendodeformaaindamaispungentequeJesustransformouacruzemÁrvoredaVidaparanós,aumcustoinfinitoparasi.

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PREGUECRISTOEMCADAENREDODELIBERTAÇÃODevemosatentaraopadrãodanarrativadevida-através-da-morteoudotriunfo-através-da-fraqueza, que é, com frequência, o modo pelo qual Deus opera nahistória e emnossa vida.Observe, por exemplo, como todos que têmpoder estatusnahistóriadeNaamãnão têmamínima ideiaa respeitodasalvação,aopasso que todos os servos e subalternos demonstram sabedoria. Esse é umpadrãoimportantenaBíblia,umpadrãodoevangelho,umeventoouumenredodagraça.Aopregar,vocêpodepassardoeventodegraçaparaaobradeCristo.Poucosconsideraram,porexemplo,queEsterouRutepudessemserum“tipo”de Cristo. Para redimir as pessoas a quem amavam, elas tiveram de arriscarpossíveisperdasefazermuitascoisasqueespelhamomodopeloqualCristonostrouxe salvação.Outro padrão importante do evento de graça é a “ordem” doÊxodoeaconcessãodalei.Deusnãodáprimeiramentealeiedepoislibertaaspessoas.Eleprimeiramentelibertouopovoedepoislhedeualei.Portanto,nãosomossalvospelalei,massalvosparaalei.Elaéomodopeloqualregulamosnossa relação de amor com Deus, não a maneira pela qual nos tornamosmerecedoresdorelacionamento.Tudoissoapontaparaocaminhosupremo,peloqualnãosomossalvospelalei,maspelaféemCristo.

Outro exemplo: a história de Davi e Golias. Qual é o significado dessanarrativa para nós? Sem referência a Cristo, a história pode ser pregada doseguinte modo: “Quanto maiores eles forem, tanto mais cairão, basta vocêbatalhar com fé no Senhor. Talvez você não seja grande e poderoso em simesmo,mascomDeusaoseuladopoderáderrotargigantes”.

Se eu ler a história deDavi eGolias como algo queme possa servir deexemplo,elaestará,naverdade, falandodemim.Cabeamim invocara féeacoragemparalutarcomosgigantesdaminhavida.Noentanto,sepensoqueaBíbliameremeteaoSenhoreàsuasalvação,eseleiootextodeDavieGoliassobessaótica,muitascoisassaltamàvista.Opontoprincipaldapassagemeraque os israelitas não conseguiam enfrentar os gigantes por si mesmos. Elesprecisavamdeumsubstituto,alguémqueacaboupornãoserumapessoaforte,mas frágil. E Deus usa a fragilidade do libertador como meio que leva àdestruiçãodeGolias.Davi triunfana fraquezae suavitória é imputadaao seu

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povo.Emseutriunfo,elestriunfaram.Como não ver Jesus nessa história? Ele enfrentou os mais colossais

gigantes(opecadoeamorte)e,maisdoqueumriscoàsuavida,issolhecustouaprópriavida.Mas triunfouemsua fraquezaeagora seu triunfoénosso.Suavitória nos é imputada. Somente quando eu vir que Jesus combateu osverdadeirosgigantespormimtereicoragemdecombaterosgigantescomunsdavida (o sofrimento, o desapontamento, o fracasso, a crítica, as dificuldades).Como posso combater o “gigante” do fracasso se eu não tiver profundasegurança de que Deus não me abandonará? Se vejo em Davi apenas umexemploparamim,ahistóriajamaismeajudaráacombaterofracasso/gigante.Contudo, se eu vir Davi como alguém que aponta para Jesus como meusubstituto, cuja vitória é imputada a mim, então posso me colocar diante dofracasso/gigante.EmJesus,jásouamadoeaclamadoporDeus.Nenhumsucessodo mundo se aproxima disso. Não me sinto mais petrificado pelo fracasso,porque triunfoemJesus,nossoverdadeiroDavi.SeeunãocrerprimeiramentenaqueleparaquemDaviaponta,jamaismetornareicomoDavi.

NãosetratasimplesmentedehistóriasdepessoasquenosapontamCristo.OpropósitoredentordeDeusconsisteemredimirumpovoerenovaracriação.Portanto, todososprincipaiseventosnahistóriadaformaçãodopovodeDeustambémnosapontamparaCristo.

Jesus é aquele através de quem todas as pessoas são criadas (Jo 1).Portanto,orelatodacriaçãoapontaparafrente,paraanovacriaçãoemCristo.Jesuséaquelequepassoupelatentaçãoepelaprovaçãonodeserto.Portanto,orelato da Queda aponta para frente, para a provação bem-sucedida e para aobediênciaativadeCristo.AhistóriadoÊxodoapontaparaoverdadeiroêxodoemqueJesusconduziuseupovoatravésdesuamorte(Lc9.31).8Eleoconduziulibertando-o não apenas da escravidão econômica e política, mas também daescravidão do pecado e da morte através de sua morte e ressurreição. AperegrinaçãonodesertoeoexílionaBabilôniaapontamparaadiante,paraJesus,“aquele que não tem lar”, e para a tentação em sua peregrinação no deserto,

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culminando com seu sofrimento como bode expiatório fora dos portões. Elepassoupeloexíliomaiorecumpriuplenamenteajustiçadivina.

Jesusé, literalmente,overdadeiroIsrael,asemente(Gl3.16,17).Eleéoúnicofielàaliança.Éoúnicoremanescente.Elecumpretodasasobrigaçõesdaaliançaeganhaasbênçãosdaaliançaparatodososquecreem.QuandoOseiasfaladoêxododeIsraeldoEgito,elediz:“…doEgitochameiomeufilho”(Os11.1).Oseias chama a todo o Israel de “meu filho”.Mateus, porém, cita esseversículoemreferênciaaJesus(Mt2.15),porqueJesuséoverdadeiroIsrael.

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PREGUECRISTOPELOINSTINTOEmbora devamos utilizar muitas dessas maneiras de pregar Cristo em toda aEscritura, uma fórmula rígida demais (ou um conjunto de fórmulas) torna talestratégia previsível. Com frequência, o caminho do texto para Cristo é maisbem percebido pela intuição, e não pela composição de ummétodo definido.SinclairFergusondiz:

[Talvezamaiorparte]dosmaisdestacadospregadoresdaBíblia(edeCristoemtodaaEscritura)ajampor instinto.Pergunte a eles qual é a sua fórmula e receberá em trocauma expressãodequemnãoentendeuapergunta.Osprincípiosqueelesusamforamdesenvolvidosinconscientemente,atravésdeumacombinaçãodehabilidadenatural,dedomedaexperiênciacomoouvintesepregadores.Algunshomens talvez tenhamdificuldadeemprepararumasériedepalestrassobrecomopregam.Porquê?Porqueoquedesenvolveraméuminstinto;pregarbiblicamentesetornousualínguanatural.Elessãocapazesdeusaragramáticadateologiabíblicasemrefletirsobrequalpartedodiscursoestãousando.9

MeuamigoeprofessordeAntigoTestamentoTremperLongmanmedissecertavezqueleraBíbliaémaisoumenosparecidocomaexperiênciadeassistiraofilmeOsextosentido.Essefilmetemumfinalsurpreendentequeobrigavocêavoltarea interpretarnovamente tudooqueviuantes.Dasegundavezqueovemos,não dá para não pensar no final enquanto assistimos ao começo e aomeiodofilme.Ofinallançaumaluzquenãosepodeignorarsobretudooquesepassouanteriormente.Domesmomodo,apartirdomomentoemquevocêsabede que modo todos os enredos de todas as histórias e todos os pontosculminantesde todosos temasconvergemparaCristo,você simplesmentenãopodedeixardeverquetodotexto,emúltimaanálise,tratadeJesus.

HávezesemquenãoháoutrojeitosenãopensaremCristo,mesmoqueotextoquevocêestejaconsultandonãopareçaserespecificamenteumaprofeciamessiânicaouconterumapersonagem importantequeprefigureCristo,ouumtemaintercanônico,oupartedeumaimagemoumetáforabíblicafundamental.Noentanto,éimpossíveldeixardevê-lo.

EisaquiumapassagemobscuradaBíbliaemquevemosissoacontecer.Nofinal de Juízes, nos capítulos 19 a 21, lemos uma história terrível sobre umisraelita covarde e uma concubina, uma esposa de segunda classe, por assim

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dizer.ElechegaaumacidadeondealgunsmalfeitoresdatribodeBenjamimoameaçam,eentão,parasalvarasimesmo,eleofereceamulheraelesparaquefaçamcomelaoquebementenderem.Elevaidormireanoiteinteiraoshomensaviolameabusamdela.Demanhã,omaridoabreaportadacasaeaencontranasoleira,morta. Ele fica furioso, leva seu corpo para dentro, corta-o em váriospedaçoseenvia-osacadaumadasoutras tribosde Israel, inflamandoassimopovo para que faça guerra contra a tribo de Benjamim devido ao ultrajeperpetrado.Omarido,numaatitudeconveniente,nãocontaaosoutrossobresuacovardia.Aguerracivildaíresultanteésangrentaedevastadora.

Quepassagemterrívelesinistra!ComopregarCristoaqui?Na verdade, há mais de uma maneira de fazê-lo. Situe a passagem no

contextodotemadolivrotodo.QualéotemadolivrodeJuízes?Arespostaaessaperguntaémaisfácildeencontrardoqueemmuitosoutroslivros,umavezqueonarradorconcluio relatodesseevento, ede todoo livrode Juízes, comesta frase: “Naqueles dias não havia rei em Israel; cada um fazia o que lhepareciacerto”(Jz21.25).Adesordemsocialeadegradaçãomoralrevelaramanecessidadedesesperadoradeumbomgoverno.ConformeassinalaamaiorpartedosestudiososdaBíblia,oautordeJuízesfazadefesadogovernodeumreie,juntamente com o livro de Rute, ele aponta para o rei Davi. Contudo,conhecemosahistóriadeIsrael,edahumanidadealémdeDavi,esabemosque,pormaiorquetenhasidoDavi,elenãopodiacuraraspessoasdeseupecadoedesua rebelião. Seria preciso que o Rei supremo mudasse efetivamente oscorações. Portanto, situar esse texto em seu contexto canônico geral —particularmenteotemaintercanônicodoreino—nosrevelaJesus.ÉassimquevocêpregaCristoapartirdeumtextoterrívelcomoesse?Sim,masessanãoéaúnicamaneira.

Comoéquenãovemos,mesmonumlagoescuroassim,oreflexodealgoque vai além dele? Quando vemos um homem que sacrifica suamulher parasalvarsuaprópriapele—ummaridomau—,comohaveremosdenãopensaremumhomem—overdadeiromarido—quesacrificouasimesmoparasalvar

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suaesposa?Jesusentregouasimesmopornós,aigreja,suaesposa(Ef5.22,23).Eis um cônjuge verdadeiro que jamais abusará de nós. Na verdade, ele sesujeitouaoabusoparanostornarperfeitos.10TodososcasamentoshumanosnaBíbliaapontamparaocasamentodeDeuseseupovo,deCristoesuaigreja,eisso significa que todo casamento ruim nos fará pensar no amor conjugal porexcelênciadeJesuseansiarporele.

Veja agora outro exemplo de como pregarCristo com base em um textomesmoquandoestenãoseencaixaemumacategoria tipológica tradicionaldeCristo.Observeasbem-aventuranças(asdeclarações“Bem-aventurados…”)noSermão da Montanha (Mt 5.1-10). A maior parte dos estudiosos afirmacorretamentequeelasnãofazemreferênciaadiferentesgruposdepessoas—ospobresdeespírito,osquepranteam,osmansos,osquetêmfomedejustiça,osmisericordiosos —, mas que elas listam as características de um grupo depessoas — os discípulos de Jesus. Se nos humilharmos em espírito, se nospranteamos por nossos pecados— se formos assim e fizermos tais coisas—,então seremos verdadeiramente seus discípulos. Portanto, se pregamos apenassobre as bem-aventuranças, seria fácil cair em mera exortação moral: “Sejaassim—esforce-seaomáximo—evocêserádiscípulodeJesus”.

Contudo, se você tem o instinto ao qual temos nos referido, você talvezolhe para as bem-aventuranças, para aquelas descrições e recompensas, epercebaqueelastambémfalamdeJesus.Quandopensamosnisso,vemoscomooqueelefeznosdáoquecadabem-aventurançapromete.

Porquevocêeeupodemossertãoricosquantoreis?Porqueelesetornouespiritual e totalmente pobre. Por que você e eu podemos ser consolados?Apenas porque ele sofreu; porque ele chorou inconsolavelmente emorreu nastrevas.Porquevocêeeuherdaremosaterra?Porqueelefoimanso;porqueelefoi como um cordeiro perante seus tosquiadores. Porque ele foi destituído detudo.Chegaram, inclusive, a lançar sortes sobre suas vestes. Por que você eupodemosserplenosesatisfeitos?Porque,nacruz,eledisse:“Estoucomsede”(Jo19.28).Porquevocêeeualcançamosmisericórdia?Porqueelenãoobteve

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misericórdiaalguma:nemdePilatos,nemdamultidão,nemmesmodoseuPai.PorquevocêeeuumdiaveremosaDeus?Porqueeleerapuro.Vocêsabeoquesignificaapalavra“puro”?Significaterinteirezademente,semdivisãoalguma,comumfocoprecisocomoodolaser.Então,porqueumdiaveremosaDeus?PorqueJesusCristoestavadeterminadoairparaJerusalémemorrerpornós(Lc9.51).11VocêeeupodemosveraDeusporque,nacruz,Jesusnãopôdevê-lo.

QuandovocêvêJesusCristosendopobreemespíritoporvocê,issooajudaasetornarpobreemespíritoperanteDeusedizer:“Precisodetuagraça”.E,nomomentoemquevocêaobtémeépreenchidoporela,torna-semisericordioso,pacificador, encontra a Deus em oração e espera um dia pela visão bem-aventurada,paraveraDeuscomoeleé(1Jo3.1-3).Asbem-aventuranças,assimcomoquasetudoomaisnaEscritura,nosapontamparaJesusmuitomaisdoqueimaginamos.

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NOTAS1ParaajudacomformasespecíficasdepregarCristoapartirdediferentespartesdaBíblia,vejaD.A.

Carson;G.K.Beale,CommentaryontheNewTestamentuseoftheOldTestament(GrandRapids:Baker,2007) [edição em português:Comentário sobre o uso do Antigo Testamento no Novo Testamento (SãoPaulo:VidaNova,2014)];LelandRyken,org.,Dictionaryofbiblical imagery (DownersGrove:IVP-US,1998); Tremper Longman; Raymond B. Dillard, An introduction to the Old Testament, 2. ed. (GrandRapids:Zondervan,2006)[ediçãoemportuguês:IntroduçãoaoAntigoTestamento(SãoPaulo:VidaNova,2005]; Edmund P. Clowney, The unfolding mystery: discovering Christ in the Old Testament, 2. ed.(Phillipsburg: Presbyterian and Reformed, 2013); Edmund P. Clowney, How Jesus transforms the TenCommandments (Phillipsburg: Presbyterian and Reformed, 2007); Alec Motyer, Look to the Rock(Nottingham: InterVarsity, 1996); Christopher J. H. Wright,Knowing Jesus through the Old Testament(DownersGrove: InterVarsity, 1995); SimonDeGraaf,Promise and deliverance (GrandRapids: Paideia,1977, 1978, 1979, 1981).Veja tb., especificamente, comentaristas de livros doAntigoTestamento cujostrabalhossedestacampelainterpretaçãocristocêntrica,comoAlecMotyer,IainDuguid,TremperLongmaneRayDillard.Alémdesses,vejaoconjuntocompletodevolumesemD.A.Carson,org.,Newstudiesinbiblical theology (IVP Academic). Veja tb. os muitos volumes de Sidney Greidanus, especialmentePreaching Christ from the Old Testament: a contemporary hermeneutical method (Grand Rapids:Eerdmans, 1999), e, de Graeme Goldsworthy, especialmente Preaching the whole Bible as ChristianScripture:theapplicationofbiblicaltheologytoexpositorypreaching(GrandRapids:Eerdmans,2000).

2Ferguson lista quatro maneiras de pregar Cristo no Antigo Testamento através dos gêneros (lei,profetas,poetas)eestágiosnahistóriadaredenção(Criação,Queda,famíliaabraâmica,IsraelsobMoisés,Israelcomumrei,ministériodeJesus,ministériodosapóstolos):(1)relacionarpromessaecumprimento,(2)relacionartipoeantítipo,(3)relacionaraaliançaeCristo,e(4)relacionaraparticipaçãoprolépticanasalvaçãoesuasubsequenteconcretização.Greidanusfazomesmodeformamaisabrangente.Elelista(1)aformadaprogressãohistórico-redentora,(2)aformadapromessaedarealização,(3)aformadatipologia,(4)aformadaanalogia,(5)aformadostemaslongitudinais,(6)aformadasreferênciasneotestamentáriase(7)aformadecontraste.

ContrariamenteaFergusoneGreidanus,GoldsworthyseconcentraemcomopregarCristodedentrodecadagêneroeestágiodahistóriadaredenção,discutindocomo(1)asnarrativashistóricas,(2)aLei,(3)osprofetas,(4)aliteraturadesabedoria,(5)osSalmose(6)ostextosapocalípticosapontamparaCristo.Emseguida,elemostracomotercertezadequeaobrasalvadoradeCristoéevidenciadaquandoseprega(7)apartirdosEvangelhose(8)deAtosedasCartas.Porfim,Goldsworthydiscorresobreaidentificaçãodo tema intercanônico através dos gêneros e estágios em um capítulo intitulado “PreachingChrist frombiblicaltheology”[PregandoCristoapartirdateologiabíblica].

DavidMurraymisturaogêneroeascategoriasdetemaslongitudinais.ElelistadezmaneirasdepregarCristo:(1)naCriação,(2)naspersonagensdoAntigoTestamento,(3)nasapariçõesdeDeus,(4)naLeienosmandamentosdivinos,(5)nahistóriadeIsrael,(6)nosprofetas,(7)nostipos,(8)nasalianças,(9)nosprovérbios,(10)nospoetasbíblicos.

GaryMillartalvezsejaomaisimaginativo,extraindoascategorias,masaproximando-sedelasdeumamaneiramaispráticadoqueabstrata.EleaconselhaaquenosaproximemosdeJesus(1)acompanhandoumtemaatravésdetodososestágiosatéJesus,(2)saltandoimediatamenteparaocumprimentoemCristo,(3)expondo um problema humano emostrando Jesus como a solução, (4) destacando um atributo divino emostrando Jesus como sua encarnação máxima, (5) concentrando na ação salvadora divina no texto emostrandocomoissochegaàsuaformaporexcelêncianasalvaçãodeCristo,(6)explicandoumacategoriateológicaassociando-aaCristo,(7)apontandoasconsequênciasdopecadoeencontrandoaúnicasoluçãoemCristo, (8)descrevendoumaspectodapiedade edabondadehumanas emostrandoCristo como suaepítome,ou(9)observandoumdesejohumanoeapontandoparaCristocomosuasatisfação.

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AlistadeBryanChapellépráticaeamaissucinta,etodasassuascategoriassãocompletadaspelosoutrosautores.Eledizque,senãohouverumareferênciaclaraaCristoouumtipoclarodeCristonotexto,deve-se buscar então um indicador deCristo que seja (1) preditivo (como na profecia), (2) preparatório(comonaleienomandamento),(3)quedêmargemàreflexão(comonosaspectosprincipaisdasalvação),ou(4)“resultante”,mostrandocomoavidarequeridapelotextosópoderiavirpormeiodaféemCristo.

AlgumasformasdepregarCristoseenquadramemmaisdeumacategoria.Porexemplo,o temado“guerreirodivino”exploradoporTremperLongmanéumaprofecia(Gn3.15),masétambémumatributodeDeus(Êx15)eincluiumasériedepersonagenshumanosquesão“tipos”deCristo(p.ex.,DaviperanteGolias). Portanto, as categorias são artificiais no fim das contas; são apenas meios que nos obrigam aobservaraEscrituracuidadosamente.

3A partir do momento que você decide o que conectar a Cristo — um tema intercanônico, umapersonagemouuma imagem importante,umenredodegraçaetc.—éprecisodeterminar tambémcomoessaconexãoseráintroduzida.Seguem-seváriasmaneirasdefazê-lo.(Algumasdascategoriasmencionadasaseguirsãochamadaspelosautoresde“formasdepregarCristo”,mas,depoisderefletir,acreditoquenãosejamrealmenteparalelasàsoutras,esimmétodosde“comoconectaraCristo”quefuncionamemváriasdascategoriasdo“queconectaraCristo”.)

1. Seguir o plano? Gary Millar acredita que, às vezes, um texto aponta para adiante no tempo,acompanhando um tema bíblico, mas não se refere explicitamente a Cristo. Nesse caso, seria bastanteapropriado“seguiroplanotodo”,reservandoumtempopararastrearasváriasformasqueotemaassumeatravésdosdiferentesestágiosdahistóriadaredenção.Porexemplo,quandoJacóseencontracomDeusemBetel,na“escada[que]chegavaaocéu”(Gn28.12),eleserefereaolugarcomoa“casadeDeus”(v.17)—Beth-el.Fazsentidorastrearahistóriados“santuários”,lugaresdapresençadeDeus,atravésdahistóriadaredenção. Durante a época dos patriarcas, a presença de Deus desceu temporariamente; depois disso,habitouemumtabernáculo,emumtemploe,porfim,nopróprioJesus,eatravésdelenocorpodeCristo.Isso leva um tempo a mais, mas ensina o ouvinte a ver a unidade da Bíblia. “Seguir o plano” comfrequência funciona bem dentro das categorias dos temas, imagens e símbolos intercanônicos, e dosatributosdeDeus.

2.Saltarparaocumprimento?ParaMillar,porém,seJesus formencionadodiretamentepelo texto,nãoseránecessáriorastrearascoisasatravésdeestágios,podendo-se,deformamaisbrusca,“saltarparaocumprimento”.Em2Samuel7,porexemplo,DeusdizaDaviqueelenãolheconstruiráumtemplo,masqueotronodeDaviseráestabelecidoporDeusparasempre.IssonosconvidaaolharparaSalomão,filhodeDavi,queconstróiotemploeestabeleceotronodeDavi,esaltardiretamenteparaJesusCristo,otemploincomparável que estabelece verdadeiramente a linha de Davi para sempre. Não precisamos rastrear ahistóriadarealezaemIsrael.PassagenscomoDaniel7eIsaías53sãosemelhantes,umavezquesereferemclaramenteaumafigura,oupredizemsuaexistência,cujadescriçãoseencaixaapenasemJesus.

Aconclusãoaquesechegaaodistinguirem-seessasduasestratégiaséque,àsvezes,apartede“viraCristo”do sermão tomamais tempoedesenvolvimento e, outrasvezes, o foco emCristopode sermaissúbitoelevarmenostempo.Essaéumaexigênciasubjetiva,masébomentenderquepodehavervariedadeaqui.Comfrequência,“saltarparaocumprimento”funcionabemnoâmbitodascategoriasdasprofecias,promessas, tramas de libertação e teofanias. Amaior parte dessas características não consiste em temaslongitudinaisquereaparecemacadaetapadahistória.

3.Desenvolvera“tensãodanarrativa”?Oâmagodeumahistóriaconstituiatensãodatrama.Surgecertotipodeproblemaquecriasuspenseeinteresseàmedidaqueosouvintesqueremdescobrirseecomoatensãoéresolvida.É“coerentedopontodevistadanarrativa”estabelecerumconflitonaparteinicialdoplanodosermãoe,posteriormente, resolvê-locomCristo. Isso tornaCristo,emcertosentido,oheróidetodosermão.Contudo,essa“tensão”podeserdetiposvariados,dependendodoqueestásendoconectadoaCristo.

•UmatensãoéDeusagindodeformacomplexaeinexplicável,oquesófazsentido,emúltimaanálise,comavindadeJesus.Porexemplo,comoDeuspodeseraumsótemposantoeamoroso—tantojusto

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quantofiel—paraconosco?(AtributosdeDeus.)AspromessasdaaliançadeDeussãocondicionaisouincondicionais?(Temaintercanônico.)Emambososcasos,atensãosópodeserresolvidamedianteCristoeacruz.•Outratensãodizrespeitoaprofecia,promessa,bênçãoouanelohumanoquepareceimpossíveldeserealizar.EmEzequiel34,porexemplo,comoDeuspodevirpessoalmenteparapastorearseupovoeaindaassimmandar“Davi”?ComopodealguémserdescendentedeDavieopróprioDeusaomesmotempo? (Profecia.) Como pode Deus verdadeiramente realizar coisas boas através do mal?(Promessas.) Novamente, apenas a encarnação de Jesus e seu sofrimento injusto podem resolver oproblema.VejaasprofeciasdeIsaíasnoscapítulosde54a56eemoutraspartesemqueeledizqueeunucose estrangeiros serãoadmitidosno templo,napresençadeDeus, e serãopartedo seupovo.Como isso é possível? Somente a obra de Cristo, como exposta no livro de Hebreus, nos permitecompreender o vasto alcance dessa promessa.Todos tememos amorte, e Isaías diz que o “véu” damorteseráretirado(Is25.7).Como?SomentepormeiodamorteedaressurreiçãodeJesusCristoamorteserádestruída.•Umaterceiratensãodecorredaapresentaçãodeumaordemdetirarofôlegooudecarátervirtuoso,emquedestacamosalgumgrandeexemploouordemdecomoviveremostramosaobra interiordocoraçãohumano,queparecetornarissoimpossível.VemosentãocomoafénaobradeJesusmudaocoração e é a únicamaneira de se tornar como o exemplo proposto. (Isso funciona no âmbito dascategoriasdeordemoudeexemplopiedosoedefigurasimportantes.)• Uma quarta tensão vem de umamaldição divina ou consequência do pecado. Muitas passagensdesenvolvem as consequências particularmente destruidoras do pecado. Inúmeros textos mostramcomo o egoísmo leva, com frequência, à destruição de relacionamentos.Como escaparemos? Jesustomajudicialmenteaconsequênciadissosobresi (eleérejeitadopor todososseusamados).MuitostextosmostramcomoésemsentidoavidasemDeus(p.ex.,Eclesiastes:“inutilidade!”(Ec1.2,NIV)).Contudo, Jesus experimenta na cruz o que é estar perdido numa “vida sem Deus”. Ele recebe amaldiçãoquenósmerecemos.•Umaquintatensãopodevirdeumasimplespergunta:Ondeobtemospoderouadquirimosodireitodefazeroudeser isso?Arespostaéqueasmotivaçõesououtrascondiçõesdocoração(temor, ira,orgulho)quenormalmentetornamimpossívelfazeroqueserequersãotransformadaspelafénaobraconcluídadeCristo.AliberdadeeaalegriaquevêmdeumnovorelacionamentocomDeuspelagraçaepelaféremovemdocoraçãoasmotivaçõesquelevamaumpecadoespecífico.OupormeiodaobracompletadeCristotemosodireitoaisso,emboraemnósmesmosnãomereçamos.Não creio, porém, que “tensões” imediatas da trama sejam a única maneira de pregar Cristo. Arealizaçãodosímbolo(n.4),porexemplo,éfrequentementeumasimplesapresentaçãodamaravilhaedabelezadeCristoetemseupróprioapelo.“Facetar”aslinhasgeraisdosermão—nãobaseadasemsoluçãodeproblemas—éoutramaneiradepregaresemoveremdireçãoaoclímaxsemrecorreratensõesda trama.Tomemos,por exemplo,o sermãode JonathanEdwards “Christianhappiness” [Aalegriacristã].Seuesquemageraldiz(nãosuasprópriaspalavras)queocristãodeveserfelizporque(1)ascoisasruinsquetemossetransformarãoemcoisasboas,(2)ascoisasboasquetemosnãopodemsertiradasdenós,e(3)omelhoraindaestáporvir.Issoéomesmoquepegarumaverdadesimpleseexplicá-ladetalmaneiraqueelaaindaremetaaumclímax.Contudo,nãoseemprega“tensão”alguma.4. Uso do Antigo Testamento pelo Novo? Outra forma de pregar Cristo consiste em recorrer ao

proveitoso conselho de Greidanus segundo o qual devemos sempre observar se um texto do AntigoTestamentoestásendocitado,referidoouseháumaalusãoaelenoNovoTestamento.(IssopodefuncionarquervocêestejapregandoumtextodoNovoTestamentoequeiraverificarseopanodefundodoAntigoTestamentolhedáumtemaintercanônico,quervocêestejapregandosobreumtextodoAntigoTestamentoepercebadequemaneiraosautoresdoNovoTestamentoentendemapassagemdoAntigoTestamentoàluzdeCristo.)Emseguida, vocêpoderá seguir o “fio condutor”da ideia atravésdos estágiosdahistóriadaredençãoeverdequemaneiraelaserelacionacomaobrasalvadoradeCristo.Ummanualextremamente

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útilparaissoéaobradeCarsoneBeale,CommentaryontheNewTestamentuseoftheOldTestament.Nãose trata, porém, de uma categoria paralela que identifique tipos oudescubra promessas e cumprimentos.Funciona para todas essas categorias. ONovo Testamento usa oAntigo Testamento pela citação direta,através de uma referência bastante óbvia, ou— ainda que seja algomais especulativo— pormeio dealusões indiretas.Portanto,porexemplo,oscomentaristasacreditamque,quandoJesusdissequeonovonascimentosedáatravés“daáguaedoEspírito”(Jo3.5),eleestavasereferindoàdiscussãodeEzequielsobrearegeneraçãousandoosmesmostermos(Ez36).

4Ediçãoemportuguês:IntroduçãoaoAntigoTestamento(SãoPaulo:VidaNova,2005).5Hápelomenos umadúzia de lugares noAntigoTestamento emque, para levar sua presença para

perto de alguém,Deus envia o “anjo do Senhor”. Há outros anjos, por exemplo, noNovo Testamento:GabrielfazaanunciaçãoaMaria.QuandoGabrieleoutrosanjosfalam,elesdizem:“AssimdizoSenhor”.GabrielfalapeloSenhor.Contudo,quandooanjodoSenhorfala,éoSenhor.Esseéummistérioincrível,porqueoanjodoSenhorpareceserumafiguradiferentedoSenhore,noentanto,é,aomesmotempo,oSenhor.AlecMotyer,emseucomentárioaolivrodeÊxodo,ressaltaque:

OanjoéreveladocomoaacomodaçãomisericordiosadeDeus,pormeiodoqualoSenhorpodeestarpresenteentreumpovopecador,porque se fosse ter comeleempessoa suapresençaoconsumiria.Podemos entender dessa maneira. O anjo não sofre nenhuma redução ou ajuste em sua divindadeplena;contudo,eleéaqueletipodedivindadeatravésdaqualDeus,queésanto,podefazercompanhiaaos pecadores.AlecMotyer,Themessage of Exodus: the days of our pilgrimage (DownersGrove:InterVarsity,2005),p.51.

Deparamos com isso inúmeras vezes noAntigo Testamento: quandoDeus torna sua presençamaispróximaemmisericórdiaebênçãos,nãoparaconsumiredestruir,eleofazpormeiodoanjodoSenhor.Umdosmomentosmaistocantesencontra-senolivrodeGênesis,nahistóriadeAbraão,SaraeAgar.AbraãoeSarasãomaridoemulher,masSaraéestérileestáficandovelha.Elanãocrêmaisquepossaterfilhos,porissoentregasuaescravaegípciaAgar,jovemefértil,aAbraão.Estesedeitacomaescrava,queengravida.Quando,porém,eladáàluz,tudosedesmorona.AgaréfútilearroganteeridicularizaSara:“Vocêéumavelha.Eusoujovem.Soufértil.Tenhoumfilho”.SaraficadetalmaneirafuriosaquevaiatéAbraãoelhediz: “MandeAgar e a criança para o deserto”, o que, naturalmente, significa enviá-los para amorte. EAbraão(emboracontrariadoeaflito)ofaz.

Sãotodosvítimas,mastambémvilões.Nãohámocinhosnessahistória.Agar—fútilearrogante—fazprovocações.Sara—cruel—aexpulsa.Abraãoéumcovarde.Agarvaiparaodesertocomseufilhoeelesficamsemágua.Amãevêseumenino,quehaviasidorejeitadopelopai,agoramorrendodesede.Elaocolocasobasombradeumarbustoeemseguidaseafastaporque,comoelamesmadiz:“Éinsuportávelvermeuprópriofilhomorrer”.OanjodoSenhoraparece.Sevocêlerotexto,veráquequandooanjofalaoSenhorfala;equandooSenhorfalaoanjofala.OanjodoSenhordiz:“…Nãotemas,porqueDeusouviuavozdomeninodesdeolugarondeeleestá.Levanta-te,pegaomeninoetoma-opelamão,porquefareideleumagrandenação”(Gn21.17,18).

Como Deus pode fazer isso? Agar, Sara, Abraão — eles não merecem a bênção de Deus. NãomerecemapresençadeDeus.ComopodeapresençadeDeusentrarnavidadelescombênçãos?Atravésdoanjo. Geralmente, quando chego a esse ponto do sermão, digo: “Ah, o anjo aponta para alguém”. DizMotyer:

HásomenteoutronaBíbliaqueéidênticoaoSenhor,emboradiferentedele;umque,semabandonaraessência plena e as prerrogativas da divindade, ou sem diminuir a santidade divina, é capaz de seadaptaràcompanhiadepecadorese,emboraafirmandoairadeDeus,continuaaseramanifestaçãosupremadesuaimensamisericórdia.OanjodoSenhorsópodeserapreciadoquandoentendidocomoumaapariçãopré-encarnadadeJesusCristo(Motyer,MessageofExodus,p.51).

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AgoravocêsabeporqueDeuspodeseaproximardepecadoresquenãomerecemsuapresença:porqueanosmaistardehouveoutromenino,nascidodeumamulherpobre,queviveuumavidaderejeiçãoe,nofinaldavida, foiabandonadoporseupai.Ele tambémtevesede,clamouaDeus,eDeusnãorespondeu.SabeporqueDeusnãorespondeu?EmboraAgar,AbraãoeSaramereçamserabandonadoseficarsemabênção, JesusCristo, na cruz, padeceu o abandono que era nosso, demodo que pudéssemos alcançar abênçãoqueelemerecia.Elegritou,masninguémlherespondeu,porisso,quandoclamamos,emboranãomereçamosrespostaalguma,somosatendidos.

Jesuséoanjoe,portanto,Deuspodeseaproximar.Deuspodeentraremsuavida,assimcomoentrounavidadeMoisés.Elepodeentrar emsuavida e aquecê-la comseupoder, suabeleza e suaglóriaqueagoramoramdentrodevocê.Agorahásegurança.Porquê?PorqueJesusCristomorreunacruz.

6JohnCalvin [JoãoCalvino],Calvin: commentaries, tradução e organização de JosephHaroutunian(London:S.C.M.,1958),p.68-9.

7Paraevidênciasdessaafirmação,vejaJoelMarcus,Mark1–8:NewTranslationwithIntroductionandComments,AnchorBible(NewYork:Doubleday,2000),v.27,p.332-40.

8Apalavragreganesseversículogeralmentetraduzidapor“partida”éexodus.9SinclairFerguson,PreachingChrist from theOldTestament: developing aChrist-centered instinct

(London:ProclamationTrustMedia,2000),p.4.10Naverdade,ocasamentoéumtemaintercanônico,portantoverCristoemJuízes19—21seajustaà

formacomopodemosleraBíbliacristocentricamente.11Aexpressãogregaliteralé“firmousuaface”(Lc9.51).AVulgataLatinaealgumasoutrasversões

antigasacrescentam“comoumapederneira”paratransmitiraideiadefirmezaeresolução.Amaioriadasversõesmodernastraduzpor“decidiuresolutamente”.

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SEGUNDAPARTE

ALCANÇANDOASPESSOAS

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PREGANDOCRISTOÀCULTURA

Enquantoele falavadessemodo,Festodisseemaltavoz:“Paulo,vocêestá louco.Seuvastoconhecimentooestá levandoà loucura”.Maseledisse: “Não estou louco, excelentíssimo Festo; as palavras que estoudizendosãoverdadeiraseracionais”[At26.24,25,TA].1

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ALOUCURADOCRISTIANISMOTerryEagleton, teórico e crítico da literatura britânica, diz que as “sociedadesnãosetornamsecularesquandoprescindemtotalmentedareligião,esimquandonão são mais particularmente tocadas por ela”.2 Eagleton acredita que associedadesocidentaiscaminhamtodasnessadireçãoemdiferentesvelocidades.Pelasuadefinição,umasociedadeondeaindaexistemateusraivososehostisàreligiãoaindanãoandoumuitopelocaminhodosecuralismo.Vemosatualmenteumaquantidade cadavezmaior de pessoas quenão sãohostis à religião,masindiferentes.O crescimento se dá entre os que costumam se identificar com aopção “n.d.a.” (nenhuma das anteriores)— isto é, indivíduos que talvez nãosejam necessariamente ateus, mas não se sentem parte de uma instituiçãoreligiosa específica ou mesmo de uma tradição. Essas pessoas não veemnecessidadealgumadeinvestigarsoluçõesreligiosaspossíveisparanenhumdeseusproblemas.ElasnãocreemqueaspessoasprecisemdeDeuscomofontedesentido e propósito, para que tenham uma estrutura moral sólida, para queaspiremaoqueéelevadoeoalcancemousimplesmenteparaquedesfrutemumavidaplenaefeliz.3

Essa é uma situação nova. Durante mais de mil anos, nas sociedadesocidentais, as crenças cristãs sempre constituíram o “repertório profundo” depraticamente todos os ouvintes de qualquer orador cristão. A pregação e aapresentação do evangelho poderiam tomar por base esses conceitoscompartilhadose,dessemodo,serrecebidasnumclimaderespeito.Apartirdemeadosdoséculo20,issocomeçouamudar.Grandescontingentesdapopulação—inclusivenosEstadosUnidos—passaram,pelaprimeiravez,aabraçarumavisão seculardevidaque,durantedécadas,havia sido território, sobretudo,daintelligentsiaeuropeia.

Quando Paulo pregou o evangelho às elites imperiais, ele classificou suamensagem de verdadeira e racional. Contudo, os ouvintes acharam que eleestava fora de si. Hoje também, o que os cristãos consideram verdadeiro eracionalagorapareceserloucurapuraesimplesaumnúmerocadavezmaiordepessoas.

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MUDANÇAOUDESAFIO?Amaiorpartedodiscursoedapregaçãocristã,emrazãodeumhábitodemuitosséculos, ainda parte do princípio de que o ouvinte tem os entendimentosfundamentais da realidade conforme tinha no passado. Até mesmo as igrejasevangelísticas e mais focadas no público externo, continuam a alcançarprincipalmenteaspessoasdementalidade tradicional,porquesuacomunicaçãosupõequeosouvintes carregamdentrode si amarcahistóricada cristandade.Contudo,paraumaquantidadecrescentedepessoas,amensagemémuitopoucocompreensívelemenosaindapersuasiva.Comocomunicarafécristãhoje,emuma era cada vez mais secular, honrando ao mesmo tempo tudo o que játratamosnaprimeirapartedestelivro?

Muitosdizemqueéprecisoumamudançaemnossomododecomunicação.Deveríamos abandonar o sermão do tipo “monólogo” e fazer discussõesinterativas em que todos os participantes possam descobrir mutuamente seusrespectivoscaminhos.Oproblemadessaperspectivaéqueomonólogoaindaéummeiodecomunicaçãotãobemaceitohojequantonopassado.AsTEDtalks4

eseusmuitos imitadoresprosperam.Em2008,umemcadaquatroadultosnosEstados Unidos ouvia pelo menos um sermão por semana em formato depodcast.5 A forma do sermão não está morta, e muitas previsões da morteiminentedapregaçãoagoraparecemdatadas.6

Outros que ainda defendem o modelo clássico de discurso público,entretanto, dizem que nossas correntes culturais exigem uma mudança nodomínio do conteúdo. Andy Stanley diz que a pregação expositiva da Bíbliafuncionounumaépocaemquenossa sociedadeestavadeacordoemrelaçãoàimportância e à verdade daEscritura.Ele acredita que agora ela não funcionamais.Emvezde começar comaBíblia e terminar comaaplicaçãoprática—como no sermão tradicional —, deveríamos começar com uma necessidadehumana atual ou com uma questão contemporânea e então introduzir aBíbliacomorespostaesolução.Stanleypergunta:“Aqueextremovocêestádispostoachegar para criar um sistema de comunicação que fale ao coração de seupúblico? […] Você está disposto a abandonar um estilo, uma estratégia, um

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sistemaquefoicriadoemoutraeraparaumaculturaquenãomaisexiste?”.7

Paraumpontodevistacontrário,podemosrecorreraP.T.Forsyth,ministroe teólogocongregacionalista escocêsdaviradado século19parao século20.Ele diz que quando, na história, a igreja estava no auge, “ela não guiava omundo,tampoucoorepercutia;elaoconfrontava”.8“Opregadorcristãonãoéosucessordooradorgrego,esimdoprofetahebreu”,escreveForsyth.“Umacoisaéterdedespertaraspessoasoupersuadi-lasafazeralgo[…]Outraéterdelevá-lasaconfiaremalguémearenunciarasimesmasporcausadessapessoa[…]Ooradorincitaohomemà[ação],opregadoroconvidaàredenção.”9

Essaantigapolêmicaestarásempreconosco:opregadoroumestrecristãodevemudarporcausadaculturaoudevedesafiá-la?

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ADAPTANDO-SEPARACONFRONTARNãoéverdadequeaexposiçãobíblicasedesenvolveuapenasemumaeraemque todos eram cristãos. Hughes Oldmostra que a pregação expositiva era aregraduranteosprimeiroscincoséculosdavidadaigreja,numaépocaemqueasociedade não era meramente não cristã, mas, com frequência, visceralmentecontráriaaocristianismo.Opregadornãocomeçavacomumproblemadeentãoe depois introduzia a Bíblia para examiná-lo, embora isso talvez estivesse deacordo com a sabedoria retórica da época. Portanto, é errado concluir que apregação expositiva tem seu lugar apenas em uma sociedade que endosse ocristianismo.10

Tambémé errado achar que a exposição bíblica não pode dar destaque ànecessidadehumana.PraticamentetodosostextosdaBíbliatratamefetivamentede tais questões existenciais direta ou indiretamente.Contudo, se começarmospelasnossasindagaçõesesódepoisprocurarmosasrepostasnaBíblia,supomosqueestamosfazendotodasasperguntascertas—queentendemosperfeitamentenossa necessidade. Contudo, não precisamos apenas das prescrições da Bíbliaparanossosproblemas,mastambémdoseudiagnósticoparaeles.Podemosatémesmoterdoençasdasquaisnemsequertemosconsciência.Senãocomeçarmospela Bíblia, é bem provável que cheguemos a conclusões superficiais, tendolançado uma combinação de cartas que apenas favorece nossas inclinações esuposições.

Não há necessidade, portanto, de contrapor os objetivos da exposiçãobíblicaaosdemudançadevida.Deigualmodo,asduasposições,“adaptaçãoàcultura” e “confrontação cultural”, não são mutuamente excludentes comoparecemser.P.T.Forsythdizqueapregaçãonãodeve“repercutir”omundo,esim“[confrontá]-lo”.11Contudo,paraquenãocaiamosnoestereótipomentaldapregaçãocomoenfadonha,observequeemsuapreleção“Thepreacherandtheage” [O pregador e sua época], Forsyth imediatamente estabelece algumasnuanças.ElenotacomoJoão,autordoEvangelho,seaproprioudotermopagãologos—umapalavrafilosóficaeculturalmentecarregadanaquelasociedade.Osfilósofosgregosacreditavamqueotermosereferiaàordemcósmicaportrásdo

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mundomaterial. JoãoausouparadizerqueJesusCristoéopodereosentidopor trás do cosmo. Foi uma estratégia retórica arrojada que preencheu umconceitoculturalexistentecomumsignificadonovo,aindaquepreservandosuasantigasassociaçõesparadirecionaraspessoasaoevangelho.12

NãoteriasidomelhorparaJoãomanter-seafastadodascategoriasculturaisgregasjácomprometidasedizersimplesmente,emvezdisso,“JesuséoFilhodeDeus?”. A resposta é que, ao se apropriar dos termos usados pelos gregos, oautor doEvangelho tocava dessamaneira em suas aspiraçõesmais profundas.João estava dizendo a respeito das aspirações culturais deles: “Sim, sim,masnão,massim”.Sim,oscristãosconcordamqueahistórianãoéaleatóriaequeomundonãoésemsentido;háumlogos,umpropósitoeumaordemportrásdetudo.E,sim,sevocêsealinharaessaordem,viverábem.Masnão.Nãoéalgoque você pode encontrar através do raciocínio filosófico, porque não é uma“coisa”demodo algum; é umele. JesusCristo é oDeus criador que veio emcarne.Porfim,massim.Épossívelterumsentidosupremonavida.Aquiloquevocê busca apaixonadamente está nele, e seus desejos podem ser plenamentesatisfeitossevocêentrarnumrelacionamentodereconciliaçãocomaquelequeocriouequegovernaouniverso.

João não disse simplesmente aos filósofos pagãos que estavamcompletamente errados e precisavam acreditar na Bíblia em vez de acreditarnaquiloemquejácriam.Emlugardisso,primeirolhesmostrouquealgumasdesuas intuições sobre o universo estavam corretas— que ele não era aleatórionemgovernavaasimesmo,maseraguiadoporumpropósitosobrenaturalqueprecisavaserdescoberto.Emsegundolugar,eessaéaparte“masnão,massim”deseudiscurso,elelhesmostrouquearealidadeportrásdessaaspiraçãoresidiaunicamenteemCristo.

Trata-sedeumaconfrontaçãonomaisaltograu—umchamadoparaquesearrependessemecressem.Oscomunicadoresda igrejaprimitivanãobuscavamsimplesmenteresponderàsindagaçõesdacultura,porque,quandoissoétudooquesefaz,essasquestõesdãootomedefinemasfronteirasdoqueéimportante

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e do que não é. Contudo, embora não tenham permitido que sua pauta fossecooptada, não ignoraram e não condenaram o vocabulário e os conceitos dacultura.Elescompreenderameafirmaramasesperanças,temoreseaspiraçõesdeseupovo.Osprimeiroscomunicadorescristãosconheciamintimamenteaculturae se expressavam em termos que nunca eram incompreensíveis, por maissurpreendentes que fossem. Eles reformularam os questionamentos da cultura,remodelaram suas preocupações e redirecionaram suas esperanças. Conformediz Forsyth, “converteram” sua cultura. Fizeram com que o evangelho ainfluenciasse de modo que ela foi radicalmente modificada. João não apenasconfrontou a cultura, tampouco apenas adaptou-se a ela. Ele adaptou-se a elapara confrontá-la da maneira mais envolvente e amorosa possível. Como dizForsyth ao se referir à igrejaprimitiva: “Contudo […] se tomouemprestadoopensamento,aorganizaçãoeosmétodosdomundo,ela […]nadamais fezdoquerequisitaraescadaque lhepermitiuescapardomundoe,doalto,assumiuseucomando.Elausoualiga[…]paratorná-laviável,parafazerdelasuamoedacorrente”.13

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COMUNICAÇÃOCONTEXTUALEsseentendimentodapregaçãoéumaspectodoqueosmissiólogoschamamde“contextualização”.14 Significa identificar-se com a cultura à sua volta, sem,porém,deixardeconfrontá-la.Significaantagonizarosídolosdasociedadee,aomesmo tempo, demonstrar respeito pelas pessoas e por muitas de suasesperançaseaspirações.Significacomunicaroevangelhodeummodoquenãosejaapenascompreensívelmastambémconvincente.

EckhardSchnabel,estudiosodoNovoTestamento,mostraquePauloadaptadeliberadamente sua pregação do evangelho às diferentes culturas de seusouvintes para confrontá-los.15 Dependendo do ambiente, o apóstolo varia nãoapenasovocabulárioeoestiloqueusa,mastambémamaneiracomoexpressaemoçãoeusaarazão,comoempregaasilustraçõesefigurasdelinguageme,omais interessante, como argumenta. Ele raciocina e busca convencer seusouvintes,emvezdemeramentecontradizê-los.16

É possível discernir várias coisas que Paulo faz em seu esforço depersuasão. Ele usa vocabulário e temas conhecidos, e não obscuros. Em seudiscursoemAtenas,porexemplo,descreveDeusemtermosquemuitospagãospodiam aceitar (At 17.22,23,24-28).17 Paulo cita autoridades respeitadas pelosseus ouvintes. É claro que ele cita a Bíblia quando se dirige aos judeus, aosgentios“tementesaDeus”ouaosconvertidosaojudaísmo.Quando,porém,sedirigeaosfilósofosnoAreópago,citaAratus,umautorpagão(At17.28).Paulosempre escolhe “elementos de contato”— pontos reais de concordância e deafirmação nas preocupações, esperanças e necessidades de seu público.18 EmAtenas,eleescolhecincoconcepçõesarespeitodoDeusdaBíbliacomasquaisosfilósofosestoicospresentesestavamdeacordoeprossegueapartirdelas.19

Por fim, Paulo também escolhe o que Schnabel chama de “elementos decontradição”,20 os quais nunca são incidentais em relação aos elementos decontato.Naverdade,eleusanormalmentecomopontodecontradiçãoumpontoemque há acordo.QuandoPaulo citaAratus, que escreve a respeito deDeus“somos descendência dele”, Schnabel diz que isso “pode ser compreendido

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como uma acomodação às convicções filosóficas do público de Paulo”.21

Contudo, já na próxima sentença, o apóstolo argumenta: “Assim, visto quesomosdescendênciadeDeus,não devemospensar que aDivindade é comooouro,aprataouapedra,umaimagemfeitapelaarteeimaginaçãodohomem”(At 17.29,NIV, grifo do autor).22 Em suma, Paulo pega algumas das crençascorretas de seus ouvintes e as usa para criticar suas crenças erradas à luz daEscritura.Elemostraqueascrençasdelesnãosuportamotestedesuasprópriaspremissas.23 A acomodação feita pelo apóstolo tem como objetivo amar econfrontaraomesmotempo.24Aoconfirmarosmelhoresimpulsosdaspessoas,ao endossar percepções por meio das quais podia chegar a elas, ao adotarconceitosemodosderaciocínioqueelaspudessemcompreender,Paulonãoestásimplesmentequerendorefutá-las,mastambémrespeitá-las.25

Paulo contextualiza deliberada e constantemente.26 Ele não expõeimediatamente as boas-novas e só dá as más em algummomento futuro. Eleentremeia confirmação com confrontação, a fim de evitar que os ouvintes sedesviem e resistam ao poder do apelo da Palavra em suasmentes e corações.Portanto, vemos a resposta que Paulo dá à questão de nos acomodarmos àculturaoudeaconfrontarmos.Arespostanãoé“umpoucodasduascoisas”,oualguma outra resposta intermediária. Adaptamos e contextualizamos parafalarmosaverdadeemamor,tantocuidandoquantoconfrontando.

Hámuitosexemplosexcelentesdecontextualizaçãonahistóriadapregaçãocristã.UmexemploinstrutivoéodoteólogoamericanoJonathanEdwards.Em1751, ele se mudou de Nothampton para Stockbridge, que ainda ficava emMassachusetts,porémnumaregiãomaisdistante,próximoaolimitedopaísealielepregouaosíndiosamericanosdatribodosmoicanosedosmohawks.27

RestaramapenasalgunssermõesdosanosdeStockbridge,porémtodososestudiosos que os analisaram observaram o óbvio: Edwards mudousubstancialmentesuaabordagemdepregaçãoemrelaçãoaosanosanteriores.28

Elerecorreuaumnovoconjuntodeimagensedemetáforasqueseadaptavammelhor ao seu público. Edwards mudou seu esboço tradicional de pregação,

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pondo de lado um modelo que dependia mais da retórica clássica, em umaabordagem mais dedutiva — iniciada com uma tese que, em seguida, eraanalisada e defendida —, e adotando uma abordagem mais indutiva, quecomeçavacomquestionamentosereuniaasideiasemumaconclusão.Edwardslevou claramente em conta que seus ouvintes haviam sofrido uma opressãoenormeehaviamsidomaltratados.Suasmensagensdesseperíodoadquiriamumtomdeconfortoeconsolomaisfrequentedoqueemseussermõesanteriores.Omais notável é como ele usou a narrativamais abundantemente do que antes.Edwards foi um contextualizador intencional do evangelho, e o fez commaestria.29

Observequeeudissequeeleagiudeformaintencionalehábilaofazeracontextualização, e não simplesmente que ele a fez, porque entendo que acontextualização é inevitável. Nomomento em que você abre a boca, muitascoisas—acadênciadesuafala,apronúncia,ovocabulário,asilustraçõeseasformas de raciocínio que você emprega, alémdamaneira como expressa suasemoções—tornamvocêculturalmentemaisacessívelaalgumaspessoasefazcomqueoutrastenhamdeseesforçaretrabalharmaisparaentenderoumesmoprestaratençãoaoquevocêfala.Ninguémpodeapresentarumaformulaçãodaverdadebíblicaqueestejalivredeinfluênciacultural.30

Contudo, embora inevitável, a contextualização está repleta de perigos, epor ambas as direções. Se, por um lado, você contextualiza demais ecomprometeoconteúdorealdoevangelho,atrairáumamultidão,masninguémserátransformado.Issoésimplesmentenegligenciarodeverdepregador.Vocêestará,sobretudo,confirmandoaspessoasemseucursoatualdevida.Poroutrolado, se faltar contextualização, de tal maneira que sua comunicação doevangelho soe desnecessariamente estranha e distante, em termos culturais, deseupúblico,vocêveráqueninguémestarádispostoaouvi-lo.Comcertezaissosignificaque,denovo,ninguémserátransformadopeloevangelho,pormaisquevocêseesforceparacolocar-seaoladodaverdade.

Nãohácomoevitaresseaspectoimportantedacomunicaçãodoevangelho.

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PauloeEdwardsnosmostramcomoelescontextualizaramemsuaépocaelugar.Paranós, aquestãoconsisteemsabercomocomunicara fécristãemumaerasecularcadavezmaishostilàféemDeuseaocristianismoespecificamente.

Vamosanalisarseisboaspráticasparapregaraumaculturaealcançá-la:Useumvocabulárioacessíveloubemexplicado.Recorraaautoridadesrespeitadasparareforçarsuasteses.Demonstrecompreensãoarespeitodasdúvidaseobjeções.Confirme,afimdedesafiarasnarrativasculturaisbásicas.Faça proposições baseadas no evangelho que atinjam os pontos depressãodacultura.Chameparaumamotivaçãonoevangelho.

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USEUMVOCABULÁRIOACESSÍVELOUBEMEXPLICADOComovimos,Paulo e João tomavamocuidadodeusar conceitos e temasquefossemacessíveisaseusouvintes.Nossasigrejasevangélicasantesfuncionavamemsociedadesemqueovocabuláriocristãonãoeratotalmenteestranhoaseusouvintes. Isso estámudando rapidamente, portanto você não deve usar termosteológicos sem explicação, como “hermenêutica”, “escatológico”, “aliança”,“reino”ouatémesmo“teológico”reiteradasvezes.Seofizer,nãoapenasosquesãoestranhosàfésesentirãoconfusos,mastambémoscristãos,intuitivamente,saberão que não devem levar seus amigosmenos iniciados para ouvi-lo. Se otermo em questão for muito importante, explique-o de forma metódica atéchegaraumadefiniçãoacessívelquevocêpossacitarcomfrequência.

No caso de “aliança”, por exemplo, você pode dizer que se trata de umacombinação surpreendente entre lei e amor. Trata-se de um relacionamentomuitomaisíntimoeamorosodoqueummerocontratolegalpoderiacriare,aomesmo tempo,mais duradouro e vinculativo do que a afeição pessoal poderiaproduzir.Éumelodeamormaisíntimoesólidoporqueélegal.Éexatamenteoopostodarelaçãoentreconsumidorefornecedor,emqueaconexãoépreservadasomenteseserviraointeresseindividualdeambasaspartes.Umaaliança,pelocontrário,éadoaçãointegral,soleneepermanentedasduaspartesentresi.Essadefiniçãoatrai aspessoasdamodernidade tardia31 que valorizamo amor,mastambémasdesafiaaorejeitaroporalei,aautoridadeeocomprometimentoaoamor, à alegria e à liberdade. Assim que você tiver explicado esse conceitobíblicode aliança emalgumamedida em termosculturalmente acessíveis, nãoserá necessário repeti-lo por completo todas as vezes à igreja. Expressõesabreviadas como “mais íntimo e amoroso do que um mero contrato; maisvinculativo e responsável do que ummero relacionamento” podem ser usadasparadespertaralembrançadosouvintesquejátenhamouvidoaexplicaçãomaisextensa,alémdeprovocarointeressedosnovatos.

Deve-sedaraosouvintesdefiniçõesteológicasnapróprialinguagemdeles.Robert Murray M’Cheyne, pregador escocês do século 19, falou sobre acomplexa doutrina da dupla imputação— segundo a qual nossos pecados são

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colocadossobreJesusesua justiçaé transferidaparanós—aodizer:“Ele foiumSalvadorquerealizoutantoquantomorreu.Elenãoapenassofreutudooquedeveríamos ter sofrido, mas também obedeceu a tudo o que deveríamos terobedecido”.32Épossívelpegarodictum deLutero sobre a justificação, isto é,que somos simul justus et peccator, simultaneamente aceitos como justosembora pecadores, e formulá-lo da seguinte maneira: “Um cristão é maisimperfeitoepecadordoquevocêjamaisousariaimaginare,aomesmotempo,maisamadoeaceitodoquevocêjamaisousariaesperar”.

Eviteojargãosubculturalevangélicoetermosdesnecessariamentearcaicos,sentimentais ou não prontamente compreensíveis para quem vem de fora.Alguns termos como “morno”, “guerra espiritual”, “apostasia”, “ver frutos”,“abrirportas”,“andarcomoSenhor”eodesgastado“bênção”têmumpanodefundobíblico,maspodemsetornarbatidos.Tambémnoshabituamosaumtipodelinguagemenfastianteeestilizadaduranteaoração,comarepetiçãodefrasesbatidas do tipo “Porque o Senhorme libertou disso ou daquilo”; “É verdade,Senhor”;“ÓDeusPai”,asquaispodemmigrarparaafalaeaoraçãopúblicas.Hátambémumaversãododiscursoevangélicoentreosmaisjovens,como,porexemplo,“OpregadorentregoucomunçãoaPalavra”e“FoideDeus”,eumusoabusivo de termos como “paixão” e “apaixonado”, damesmamaneira que osmaisantigosusavamapalavra“bênção”.

Entenda, por favor, que não estou tentando exibir aqui minhas irritaçõeslinguísticaspreferidas.Aquestãoémuitomaisimportantedoqueaspreferênciasgeracionais ou regionais, ou de algum tipo de consideração baseada emmarketing segundo a qual esse tipo de vocabulário não cai bem entre nãocristãos.Uma linguagemdesse tipoéusadacomomarcaçãode limites.Éumaformadedizeraosoutrosquevocêpertenceàtribo,aopassoqueelesnão.Osrecém-chegadoscertamentecaptamamensagem,mesmoquevocênãoa tenhaenviadodeformaconsciente.Alinguagemdequemestádentrotambémé,comfrequência,umpotenciadordahipocrisia, jáqueofereceumatalhoparaqueoindivíduo pareça espiritual sem realmente ter um coração cheio de amor e de

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prazer.Hámaisumaclassedeterminologiaaevitar:alinguagemdo“nós-eles”que

sereferecomdesdémaosnãocrentesouaoutrasreligiõesoudenominações,ouquesimplesmentefazumacaricaturaoumarginalizaasposiçõesdaspessoasquenão compartilham suas crenças e pontos de vista. Reitero que não se trata decontrolaramensagemparaagradaraumaquantidademaiordepessoas.Éumaquestãodeintegridadeedetestemunhodoevangelho.Mostre-secomomembrode todo o corpo de Cristo falando com benevolência a respeito daqueles emoutros segmentos da igreja. E mostre-se como membro da comunidade maisampladepessoasnaqualvocêestá inserido.Mencioneemsuasorações e emseus discursos as necessidades e as preocupações da sua vizinhança, cidade eregião,enãoapenasasdacomunidadecristã.Falecomfrequênciadoserviçoaopobre, ao marginalizado e aos que vêm de fora para a sua comunidade, bemcomo a seus líderes. Demonstre que os cristãos partilham de uma mesmacidadanianacidadeterrena,enãoapenasnacidadecelestial.33

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RECORRAAAUTORIDADESRESPEITADASPARAREFORÇARSUASTESESSevocêestiverpregandoou falandoapessoasque têm fortesdúvidas sobreaBíblia, você deve reforçar os conceitos bíblicos que está defendendo usandomaterialdeapoiodefontesnasquaisseusouvintesconfiam.ÉbemconhecidooepisódioemquePaulo faz isso,emAtos17.28,quandoelecitaoautorpagãoAratus diante de um público de filósofos pagãos que, de outra forma, nãoconcederiamàBíbliaautoridadealguma.

Muitos se negarão terminantemente a aceitar a ideia de complementar aBíblia.NãobastariasimplesmentepregarotextoepermitirqueaautoridadedaBíbliatransparecesseeconvencesseaspessoas?ABíbliatem,defato,umpoderdivino,vivoesemigual,umacapacidadedepersuasãopenetrantequevemdopróprioDeus(Hb4.12).Contudo,citaroutropensadornãoéfundamentalmentediferentemente de usar ilustrações extraídas da vida cotidiana para reforçar oensinodaBíblia.Nenhumpregadorlêsimplesmenteasafirmativasbíblicasparaaspessoas.Todososmestresecomunicadoresrecorremacasosinteressantesoucômicos,aexemplos,ahistóriaseaoutros relatosqueconvençamoouvinteetragamcompreensãoacercadasverdadesbíblicas.

Sevocêestiverpregandosobreoprimeiromandamento(“Nãoterásoutrosdeuses além de mim” [Êx 20.3]) ou sobre Efésios 5.5 (em que a ganância échamadadeidolatria)ousobrequalquerumadascentenasdepassagensemquea Bíblia fala de ídolos, você poderia citar David Foster Wallace, o falecidoromancistapós-moderno.EmseudiscursodeformaturanoKenyonCollege,eledefende com eloquência e de forma contundente que “todos adoram. Nossaúnicaescolhaéoqueadoramos”.34Eledizemseguidaquetodosdevem“extrairoverdadeiro sentidodavida”equalquercoisaquevocêusepara fazê-lo, sejadinheiro, beleza, poder, intelecto ou outra coisa qualquer, tal coisa assumirá ocomando de sua vida porque é, basicamente, uma forma de adoração. Eleenumera as razões pelas quais cada forma de adoração não apenas torna vocêfrágil e o exaure,mas “pode comê-lo vivo”. Se você expuser o argumento de

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Wallace e usá-lo a favor do ensino bíblico fundamental, atémesmo o públicomaissecularsecalaráeouviráoquevocêtemadizeraseguir.

Se você estiver ensinando sobre os absolutos morais — com base emquaisquer das centenas de textos bíblicos segundoos quais aPalavra deDeustemautoridade sobreaopiniãoea legislaçãohumana—,poderiacitarMartinLutherKingJr.eproduzirumgrandeefeito.35Emsua“LetterfromBirminghamjail” [Carta da prisão de Birmingham], ele menciona Agostinho e Tomás deAquinoparadizerqueas leishumanassósão justasquandoestãoemsintoniacoma“aleimoral[…]aleideDeus[…]aleieterna”.36Oexemplopessoaleoargumento de King desarmam de forma contundente os ouvintes seculares epraticamentegarantematençãoparaasuaproposição.37

Aopregarsobreosalmo19ouRomanos1,ousobretantosoutrossalmos,ao falarda criaçãoque fala a respeitoda existência edaglóriadeDeus, vocêpoderiacitarLeonardBernstein,que,segundoelemesmo,quandoestavadiantedeumagrandemúsicaedegrandebeleza, sentiao“céu”,umaordempor trásdascoisas, “algoemquepodemosconfiar,que jamaisnosdesamparará”.38 Sevocê estiver ensinando sobre praticamente qualquer passagem que fala dopecadohumanoedarebelião—masespecialmentesobretextoscomoRomanos8.7,quefaladahostilidadenaturaldonossocoraçãoemrelaçãoaDeus—,fariabem em citar uma passagem notável do filósofo ateu Thomas Nagel, queconfessou com sinceridade: “Não é apenas que eu não creio em Deus e,naturalmente,esperoestarcertoemminhacrença.ÉqueeuesperoquenãohajaDeus nenhum! Não quero que haja um Deus: não quero que o universo sejaassim[…]Esseproblemadaautoridadecósmicanãoéumadoençarara”.39

SevocêestiverpregandosobreSatanás,estejacertodequeseusouvintescomeçarão a dar sinais de tédio.Você pode citarAndrewDelbanco, estudiososeculardaUniversidadedeColúmbia,cujolivroThedeathofSatan[AmortedeSatanás]defendeque“seabriuumabismoemnossaculturaentreavisibilidadedomaleosrecursosintelectuaisdisponíveisparalidarcomele”.40Delbancodizquemuitagentesecularizadaatribuicompreensivelmentetodacrueldadehumana

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àprivaçãopsicológicaouaocondicionamentosociale,aofazê-lo,tornatriviaisos erros terríveis de que são capazes as pessoas. O autor conta a história deFranklinD.Roosevelt,quejuntamentecomboapartedaeliteamericana,duranteoHolocausto,“nãodeuprioridadeaosocorro”dasvítimas.Maisparaofimdaguerra,depoisqueasevidênciasdasatrocidadessetornaramfortesdemaisparaserem desacreditadas, disseram a Roosevelt que lesse Kierkegaard, e opresidente disse que, pela primeira vez, o filósofo cristão lhe dera “umentendimentodoquehánohomemquelhetornapossível[…]ser tãomau”.41

Delbanco assevera que os liberais seculares (de cujo grupo se consideramembro)haviamperdidoqualquerconceitode“mal radical”.Sevocê falardoDiabo perante um público secular, deverá usar fontes como essa paradesmantelaraposturadeincredulidadeirônicaqueeles,docontrário,assumirãoaoouviresseensinobíblico.

Se você estiver pregando sobre o pecado original, poderá citar C. E.M.Joad, intelectual britânico que deixou de ser ateu depois da Segunda GuerraMundial. “Foi porque rejeitamos a doutrina do pecado original que nós, daEsquerda,estávamossempre tãodesapontados;desapontadoscomarecusadaspessoasaseremracionais[…]comocomportamentodasnaçõesedospolíticos[…]sobretudocomofatorecorrentedaguerra.”42

Essaéumapartecrucialdapregaçãoaocoraçãodacultura.Nãohágarantiaalgumadequevocêconseguirápersuadiroscéticosdesuaaudiência,masessascoisasfarãocomqueelesnãosedesliguemimediatamentedaquiloquevocêdiz,ouvindo-o por muito mais tempo. Com frequência, o resultado disso é querespeitarãomaisasabedoria—e,porfim,aautoridade—daBíblia.43

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DEMONSTRECOMPREENSÃOARESPEITODASDÚVIDASEOBJEÇÕESOpregador cristão deve ser um crítico da descrença.Contudo, não há virtudealgumaemserinsensível.Seráqueosqueestãoemdúvidaparecemsentirquevocêéindiferente,autoritárioouquenãolevaasériooqueelespensam,ouelesficamsurpresos,atémesmochocados,comaformaprecisaeimparcialcomquevocêdescreveasdificuldadesdelesemrelaçãoaocristianismo?Elesachamquevocê consegue expressar o ceticismodeles tão bemquanto, ou atémelhor, doqueelesmesmos?Ocomunicadorcristãodevemostrarquese lembra(oupelomenos compreende) muito bem como é não crer, mas ao mesmo tempoasseverando que é possível chegar a uma segurança de fato da realidade e doamor de Deus. Ele deve fazê-lo expressando essas dúvidas e objeções comapreciaçãoerespeito,deformacoerente,mostrandoqueouveseupúblicocomseriedade.Issoéalgoquenãopodeserfalseado.Sóépossíveldepoisdepassarmuito tempo face a face comaquelesquenãocreem, alémde ler asmelhorescríticasaocristianismo.44

Temosdeestardispostosaouvirpormuitotempo,atentamente,asdúvidas,preocupaçõeseesperançasdosdescrentesparaque,quandofalarmos,estejamosdetalformaemsintoniacomopontodevistadelesqueelessentirãoaforçadenossosapelosedenossaargumentação.Quando1Pedro3.15dizquedevemosdar“arazão da esperançaqueháem [nós]” (grifomeu), a estudiosadoNovoTestamentoKarenJobesdizquePedroestádizendoqueo“crentedevesercapazdecomunicarafécristãaodescrentetratandodesuasdúvidasdeformaquelhesejacompreensível”.45

Como demonstrar essa postura em seu ensino ou pregação? A primeiratarefa consiste em estar sempre ciente de seus próprios pressupostos e de sertransparenteemrelaçãoaeles.NãofaçaumaexortaçãodopontoD,sabendoqueelesebaseianaaceitaçãodeA,BeC,semaludirtambémaessespontos.Issopode significar o seguinte: “Agora, alguns de vocês talvez achem issoimprovável,porquenãocreemnisto…—maseulhespediriaquetivessememmente…”.Mostre a seus ouvintes quevocê sabede seus problemas e de suasindagações a respeito do que você acabou de dizer e que refletiu sobre as

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resoluçõeserespostas.Outraformadeenvolverdiretamenteaquelesemdúvidaentreosouvintesé

dirigir-lhes a atenção no final de sua mensagem. No fim, na hora de fazer aaplicaçãodosermão—aoincentivaralgumasmaneirasdepensaredeviveràluz do texto—, você poderia entrar num rápido diálogo com eles. Diga: “Sevocênãoécrenteounãotemcertezanoquecrê,gostariaquefosseemboracomalgoemquepensar…”.

Dirigir-se a qualquer grupo de pessoas diretamente ou por meio de umconvitemostra a elas que você sabe que estão ali. Você pode até dedicar umponto ou pontos secundários de sua mensagem às dúvidas e dificuldades doindivíduo secular. Ao escrever o sermão, tenha emmente as objeções que oscéticos fariam ao ensino de um texto específico e, em seguida, reserve ummomento para interagir com eles recorrendo ao raciocínio de concordância ediscordância.Vocêpoderiadizer:“Seiquehápoucodissecoisasquevocêpodeacharultrajantes,maspeçorespeitosamentequepensenoseguinte…”.Amenosque você esteja falando num ambiente em que amaior parte das pessoas sejacéticaousecularizada,nãopermitaqueesses temasdominemsuasmensagens.Você não deve incorporar esses “adendos apologéticos”mais do que uma vezporsermão,enãoosacrescenteemtodosossermões.

Essesadendosdevemlidarcomoquealgunschamamde“invalidadoresdafé”.São ideiasque, se aceitas, levamaspessoas apensar: “Se issoéverdade,então o cristianismo não pode ser verdade”. Eis alguns invalidadores (entreoutros):“NãopodehaverumúnicocaminhoparaDeus”;“ÉimpossívelacreditaremumDeusquemandaaspessoasparao inferno”;“Aciênciadesmascarouosobrenatural” e “A Bíblia temmuitas partes que são ofensivas, ultrapassadas,que não podem mais ser aceitas”. Se ignorarmos a realidade dessesinvalidadores, pregando como se as pessoas não os cultivassem, muita gentesimplesmenteacharáimpossívelacreditarnascoisasquedizemos.46

Insisto que a melhor maneira de lidar com as objeções é concordarsinceramentecomacrençadosseusouvintesemalgumponto,masemseguida

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colocaremdúvidaumasegundacrençaequivocadaqueestánabasedaprimeira.Édizer: “Jáquevocêacreditanisso, por que não acreditarnaquilo?”.Cria-se,assim,umaconexãoentreaBíbliaealgumadasprópriascrençasdosouvintes,oquepodefazercomquesesintamfortementelevadosaaceitaroutrascoisasqueaBíbliadiz.

Sevocêestivertentandoconvencerouvintessecularesdequeháalgomaisalémdestemundomaterial,podecitaraobservaçãodeAnnieDillardemPilgrimatTinkerCreek[PeregrinoemTinkerCreek].Dizelaqueemborasejamosparteda natureza, em que é perfeitamente natural que o forte domine o fraco, nosrecusamosintuitivamenteaaceitartalconceitocomopadrãodocomportamentohumano. “Ou este mundo, minha mãe, é um monstro, ou eu sou umaaberração.”47 Contudo, como podemos considerar omundo natural anormal enão natural amenos que haja algum padrão acima da natureza—um padrãosobrenatural? Se você não crê que sua crença em direitos humanos seja umailusão,sevocêachaqueogenocídiodepessoasfracasporpessoasmaisforteséalgoverdadeiraeuniversalmenteerrado (pontodecontato), entãoporquenãoacreditarqueháabsolutosmoraisemalgumreinoalémdestemundo(pontodeconfrontação)?

SevocêestiverdiscorrendosobreaautoridadedaBíblia,podemencionaraimportânciadeterumrelacionamentodeamorpessoalcomDeus.Sabemosquenas relações emqueo amorémútuoasduaspartesdevemser agentes ativos,capazes de contradizer e corroborar uma à outra. Se a pessoa A nunca podeexpressarumaopiniãocontráriaàdapessoaB,istosignificaqueapessoaBtemuma relação de poder com a pessoaA, e não uma relação pessoal.Agora, sevocêprefereacreditarsónaquelascoisasdaBíbliacomasquaisvocêconcorda,dequemaneiraoseuDeuspodecontradizê-lo?SomenteseseuDeuspuderlhedizercoisasqueocontradigam,vocêsaberáquetemumDeusreal,enãoapenasuma criação da sua imaginação. Portanto, uma Bíblia que tenha autoridade(ponto de contradição) não se opõe a uma relação de amor pessoal comDeus(pontodecontato).Éprecondição.

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EisoutramaneiradefalararespeitodeumaBíbliarevestidadeautoridadecompessoasqueconsideramofensivapartedoseuconteúdo:“Todaculturatemelementosbonseruins,nãoémesmo?Nãoháumaculturaquesejaperfeitaouquecontenhatodaaverdade,certo?”.Esteéopontodecontato—acrençadamodernidade tardiadequenenhumaculturaédonade todaaverdade.Éaqui,portanto,quesepoderáergueropontodecontradição,istoé,sobreopontodecontato.“Agora,pensandonoargumento,imaginequeaBíblianãosejaprodutodenenhumaculturahumanaedenenhumgrupodeautores,esimumarevelaçãodo próprio Deus. Se assim fosse, ela teria de ofender, em algum ponto, assensibilidadesculturaisdetodos.Nãoimportaquemvocêseja,vocêhabitaumaculturaimperfeitaquedáformaàssuascrenças,eaBíblia—sefosserevelaçãofidedignadeDeus—teriadeafrontá-loemalgummomento.Jáqueéassim,denada adianta dizer em relação à Bíblia: ‘Ela me ofende neste ponto’. Isso éprecisamenteoquevocêdeveriaesperar.”

O filósofo cristão Miroslav Volf, em Exclusion & embrace [Exclusão eabraço],dizqueaféemumDeusquejulga(pontodecontradição)éumrecursocrucialparaanãoviolência(pontodecontato).Falandocomocroataqueé,cujopovo sofreu limpezas étnicas nos anos 1990, Volf diz que “a prática da nãoviolênciarequerqueseacreditenavingançadivina”.Seasvítimasdaviolêncianão acreditam que há umDeus, ou que Deus nenhum trará uma justiça finalsobreaTerra,elassesentirãojustificadas,ouaomenossesentirãoincentivadas,apegaremarmasparasevingar.Portanto,dizVolf,aúnicamaneirade“impediro recurso à violência por conta própria” consiste em crer plenamente quesomenteDeustemessedireitoequeele,umdia,faráoacertofinaldetodasascontas.48

Sevocêpermear suapregaçãocomessesadendoschamativose concisos,masaindaassimpenetrantes,nãoapenasanimaráoouvintesecularavoltar,mastambémmotivaráocristãoatrazerseusamigosmaissecularizadosparaouvi-lo.Fazendo isso, você também estará oferecendo aos crentes um conjunto deminicursosdecomolidarcomsuasprópriasdúvidaseresponderàsquestõesde

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seusamigosarespeitodafé.

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CONFIRME,AFIMDEDESAFIARASNARRATIVASCULTURAISBÁSICASSua pregação deve estar direcionada para as objeções específicas quecomumentesãolevantadascontraocristianismo.Contudo,aindamaisdecisivodo que lidar com essas coisas é interagir com as narrativas culturaisfundamentaisdoseutempo.Diferentementedasobjeçõesdeclaradas,aspessoasde determinada culturamal têm consciência desses temas básicos. Trata-se decoisas que “todo mundo sabe”, premissas que parecem tão evidentes por simesmasquesãoquaseinvisíveiseinquestionáveisparaosqueassustentam.Sãogeralmente expressas em slogans ou “truísmos” epigramáticos proferidos paraencerrardiscussões—acredita-sequeestejamalémdequalquerargumentação.“Todos têm o direito à opinião própria” ou “Seja você mesmo” são dois dosmuitosexemplosdisso.

Essas narrativas, na verdade, são uma oportunidade para o comunicadorcristão, uma vez que a maior parte das pessoas, inclusive indivíduossecularizados,nuncarefletirammuitosobresuascrenças,tampoucoprocuraramfundamentá-las.Quandovocêarticulaedefineascrençasprofundasportrásdosslogans, elas imediatamente parecem menos inquestionáveis. A não ser queinvoquemosessascoisaseascontrastemoscomosgrandestemasepropostasdaBíblia,tantooscrentesquantoosdescrentesdeumaculturaserãoinfluenciadosinconscientementeporelas.Temosdeaprenderaapresentarostemasbíblicos,asdoutrinas e as verdades correspondentes de tal maneira que as narrativas daculturasecularsejamapreciadasedesafiadas.

Poderíamos chamar este enfoque de “acusação compreensiva” porque,sobretudonoOcidente,muitostemasculturaistêmorigemnoensinobíblico.Éeste o caso, mesmo que todos esses temas tenham sido distorcidos bastantedevido à união com crenças anticristãs que podem afastar seus adeptos daverdade, mandando-os, às vezes, para muito longe. Como diz o filósofocanadenseCharlesTaylor,temosde“criticaressaspráticasdopontodevistadeseupróprio idealmotivador”.Cadaumadasnarrativasaspira,emparte,aalgobom, e devemos genuinamente apreciá-las por isso. As pessoas querem, com

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razão, ser livres; elas querem justiça; querem uma sociedade verdadeiramenteaberta e pluralista. Contudo, temos de mostrar a elas que somente em Cristoessas aspiraçõespoderão ser alcançadasadequadamente. “Emvezdedescartartotalmenteessacultura,oudeapenasendossá-latalcomoelaé”,Taylorconcluique devemos mostrar a seus membros o que “realmente envolve aquilo quesubscrevem.Istosugere[…]otrabalhodepersuasão”.49

Comoépossívelfazê-lo?Dareialgunsexemplosdecomofazê-lonaculturaocidentalmodernanopróximocapítulo.Comoumbreveaperitivodisso,temosprimeiramente de descrever bem as narrativas, tornando-as “visíveis” aosouvintes. Em seguida, usamos a Bíblia para identificar aquilo que queremosconfirmareapreciaremrelaçãoànarrativa.Depois,usandovozesrespeitadasdacultura,temosdedesafiaranarrativadediversasperspectivas.Temosdemostrarcomoamaiorpartedorestantedomundoedeoutrasculturasnãoconsideraessacrença como algo autoevidente.Agir como se “todoomundo cresse nisso” é,portanto,umaatitudeetnocêntrica.Temosdemostrartambémqueanarrativaésimplistademais;queelanãolevaemcontaascomplexidadesdavidarealequerequersaltosdefétãograndesouaindamaioresdoqueaquelessolicitadospelareligião.

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FAÇAPROPOSIÇÕESBASEADASNOEVANGELHOQUEATINJAMOSPONTOSDEPRESSÃODACULTURANãobastaconfirmaredepoisdesafiarumanarrativaoucrençacultural.“Sim…mas não” são apenas os primeiros dois atos, de um arco de três, dacontextualizaçãoativa.Paracompletaroprocessodanossapregação, temosdedemonstrardeformabemespecíficanessanarrativadequemodoocristianismooferecerecursosmuitomaispoderosos—nãoapenasparaexplicar,mastambémpara tornar realidade determinada aspiração ou para lidar com certa questão.Somente emCristo um enredo cultural poderá ter um final feliz. Só ele podeproporcionaro“massim”finalqueconsumaotextobíblicoeatingeaspessoasno fundo do coração. Para os que buscam a sabedoria, Cristo é a verdadeirasabedoriadeDeus.Paraosquebuscampoder,eleéoverdadeiropoderdeDeus.

O evangelho oferece muitas coisas — perdão, comunhão, sentido,contentamento, identidade, liberdade, esperança, vocação. O comunicadorcristãoprecisarefletirsobrecomoorganizarearticularessasofertasmagníficaspara aplicar frontalmente sua força nos “pontos de pressão” da cultura. Hápontos sensíveis, por assim dizer, nos quais as pessoas que não creem nocristianismoou emDeus se sentem comprimidas, comopés dentro de sapatospequenosdemais,porsuavisãodemundo.Sãoessesospontosemqueaquiloqueelasprofessamedizemacreditaremrelaçãoaomundonãoseajustamcomsuasintuiçõesouexperiências.50Opregadorprecisasaberquaissãoessespontossensíveisepressioná-loscomperguntas,proposições,ilustraçõeseexemplosquetornama tensão que sentemaindamais aguda e as incongruências aindamaisincômodas.

Porexemplo,aopregarsobreoperdão,chameaatençãoparaotrabalhodesociólogos segundo os quais nossa cultura moderna, que promove aautoafirmaçãoeaautoestima,tornaoperdãoespecialmentedifícil.Emseguida,mostrequeoevangelhonosconfereagratidãoeahumildadedequeprecisamospara perdoar e ser perdoados.51 Ao pregar sobre comunhão, busque pesquisasquemostremdequemodoocompromissodasociedadecontemporâneacomoindividualismo desgasta os laços de comunhão e a vida social. Em seguida,

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mostrecomooevangelhonosconcederecursosfantásticosparaacomunhão.52

Você pode buscar padrões similares em vários outros temas bíblicos, comosatisfação,liberdade,esperançaevocação.

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CHAMEPARAUMAMOTIVAÇÃONOEVANGELHOHá uma pergunta que nos espreita depois disso tudo: Como é possível nosesforçarmos tanto para interagir com narrativas culturais e com o pensamentoseculareaindaassimpregarmosotextoeedificarmososfiéis?Nãoestaríamosdandoatençãoexcessivaaosnãocrentes?

Arespostaédupla.Éumerropensarquecrentesfiéisdonossotemponãosejamprofundamentemoldadospelasnarrativasdamodernidade.Nãohádúvidadequesomos.Portanto,quandovocêrevelaessasnarrativaseinteragecomelasnocursonormaldepregaçãodaPalavra,vocêajudaseupúblicocristãoaveremquepontoeletalvezestejasendomaisinfluenciadopelasociedadedoquepelaEscritura.Eissotambémlheproporcionameiosimportantesdecomunicarsuaféaosoutros.Essaéumaimportantemaneiradeedificaroscrentes.

Opontofundamental,porém,paralidaraomesmotempocomosquecreemecomosquenãocreem—emesmocomossubgruposdentrodasculturas—consiste em tocar os corações e suscitar a motivação do evangelho em suapregação.É impossível lidarcomcristãosenãocristãosdeumasóvezsenãocompreendemos a versatilidade e a centralidade do evangelho para a vida. Oevangelhonãoéapenasomeiopeloqualaspessoasseconvertem,mastambémomeio pelo qual os cristãos resolvem seus problemas e crescem.A estratégiatípicaemrelaçãoaoevangelhoévê-loapenascomooá-bê-cêdadoutrinacristã,averdademínimanecessáriaàsalvação,otestedeadmissão,opontodeentrada.Entende-seentãoqueprogredimosnavidacristãatravésdaaplicaçãodeoutrosprincípios bíblicos (mais avançados). Se fosse o caso, então é óbvio que nãopoderíamosfazerasduascoisas, istoé,evangelizaçãoeformaçãoespiritualaomesmo tempo. Contudo, o evangelho não é apenas o modo pelo qual somossalvos,masé tambémasoluçãoconstantede todoproblemaeocaminhoparaqueavancemosemtodasasetapasdavidacristã.

Tenhoumexemplodomeuministério.Muitoscristãosdaminhaigrejasãoasiáticos e se sentem excessivamente pressionados pelas expectativas dosparentes de que alcancem suas metas e sejam bem-sucedidos. Eles sentem

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frequentementequenãocorrespondemaoqueospaisesperavamdeles.Contudo,muitos jovens profissionais tipicamente americanos da nossa igreja foramcriadosemumaculturamuitomais individualistae,sobváriosaspectos, lutamcontraairaeaamarguraemrelaçãoaseuspaisporqueacreditamqueestesosdecepcionarame falharamcomeles.Comoposso lidar comessa variedadedemotivaçõesemumúnicosermão?Fazendocomqueselembremdequeoúnicoamor paterno ematerno que não podem perder, e o único que necessitam ter,encontra-senoPaicelestial,oPaiporexcelência,quenosdásegurançapormeiodaobrasalvadoradeJesusCristo.EmborafosseFilhodeDeus,foibanidoeseperdeu,paraquevocêpudesseserrecebidonafamíliadeDeus.Quandovocêsedá conta de que ele fez isso por você, o amor do Pai se torna a coisa maispreciosaerealemsuavida.

Quandoissoacontece,sevocêsesentiramarguradoporquenãorecebeuoamordospais,poderáperdoá-los,porqueelesnãooempobreceram.Vocêéricoemamorpaterno ematerno.E todo aquele que se sente fracassadoperante asexpectativas dos seuspais pode se sentir aliviado, porque tema aprovaçãodoúnicoPaicujaopiniãoconta.

Quandoopregadorresolveosproblemasdoscristãoscomoevangelho—não conclamando a que se esforcemmais,mas conduzindo-os a uma fémaisprofunda na salvação de Cristo—, os crentes estarão sendo edificados e, aomesmo tempo, os não crentes ouvirão o evangelho. Isso se aplica a qualquerassunto. Se você estiver chamando os cristãos a serem generosos com seudinheiro, deverá lidar com seus temores e com seu coração endurecidomostrando-lhesJesus,que,emborasendorico,sefezpobre,paraqueatravésdasua pobreza nos tornássemos ricos (2Co 8.9). Se você estiver ajudando oscristãos a lidar com a oração não respondida, não diga simplesmente a eles“confiem no Senhor”— uma expressão que, por si só, é de uso limitado aocristão e estranha ao não cristão. Fale também daquele que teve sua oraçãosincera rejeitada no Jardim do Getsêmani; mas como ele confiou no seu Pai,mesmoassim,fomossalvos.

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Sevocêresolverosproblemasdoscristãoscomoevangelhotodasemana,indivíduos secularizadosnão apenasoouvirãode formaumpoucodiferente acada vez, e assim terão umavisão sempremais abrangente dele,mas tambémcompreenderão de que maneira a fé em Cristo realmente atua provocandomudança de vida. É fundamental que vejam isso. Eles estarão sendoevangelizadosdemodobastanteeficaz,enãosuperficialmente,aomesmotempoqueoscristãosserãoedificados.

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NOTAS1Vejatb.astraduçõesdaEnglishStandardVersionedaNewAmericanStandardVersion.2TerryEagleton,CultureandthedeathofGod(NewHaven:YaleUniversityPress,2014),p.1[edição

emportuguês:AmortedeDeusnacultura(RiodeJaneiro:Record,2016)].3VejaPeterWatson,The age of atheists: howwe have sought to live since the death ofGod (New

York:Simon&Schuster,2014);SamHarris,Wakingup:aguidetospiritualitywithoutreligion(NewYork:Simon&Schuster,2014) [ediçãoemportuguês:Despertar:umguiaparaaespiritualidade semreligião(SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2015)];RonaldDworkin,ReligionwithoutGod (Cambridge:HarvardUniversity Press, 2013); e Alain de Botton, Religion for atheists: a nonbeliever’s guide to the uses ofreligion(NewYork:Vintage,2013)[ediçãoemportuguês:Religiãoparaateus,traduçãodeVitorPaolozzi(RiodeJaneiro:Intrínseca,2011).Todosessesvolumesconstituemesforçosparaencontrarapazinterior,istoé,comunhãocompletaeumasensaçãode“plenitude”edemagnitudequeaspessoastradicionalmentebuscamnareligiãoenaféemDeus.

4Originalmente, as TED talks eram palestras protagonizadas por experts nas áreas de tecnologia,entretenimentoedesign,mashojesãorealizadosporpalestrantesilustres,oureconhecidosporsuagrandecapacidade comunicativa, que tratam de qualquer assunto considerado interessante ou inovador. Comduranção média de 18 minutos, buscam inspirar e influenciar um grande público por meio de ampladivulgaçãoemvídeosnainternet.(N.doE.)

5Barna Group, “Barna Technology Study: Social Networking, Online Entertainment and ChurchPodcasts”,May26,2008,disponívelem:www.barna.org/barna-update/media-watch/36-barna-technology-study-social-networking-online-entertainment-and-church-podcasts#.VELXX_l4o3g,acessoem:jan.2017.

6UmexemplodissoéDouglasPagitt,Preachingreimagined:theroleofthesermonincommunitiesoffaith (GrandRapids: Zondervan, 2005), obra escrita perto do fim do debate. Pagitt critica não apenas apregação, mas também a oratória pública de modo geral, que ele chama de “speaching”. Sua tese,basicamente,équeacomunidade,enãoopregador,devedeterminaraverdade;aoratóriaelevaoindivíduoaumlugarilegítimodeautoridade.Emboraissotenhasidoexpressodemodoemocionalcomoumacoisaradical, especialistasemhomiléticacomoLucyRose,emSharing theWord:preaching in theroundtablechurch(Louisville: JohnKnox,1997), e JohnMcClure, emTheroundtablepulpit (Nashville:Abingdon,1995), jávinhamdizendoamesmacoisa.Veja tb.LeanderE.Keck,quediz:“Sevaleapenacomunicaralguma coisa, não estrague transformando em pregação! Deixe que a coisa venha à tona nocompartilhamento do grupo; celebre com música, dança ou teatro. Na pregação, as pessoas ficam tãopassivasquantogalinhasnumpoleiro—e talvez tãodespertasquantoelas” (TheBible in thepulpit: therenewalofbiblicalpreaching[Nashville:Abingdon,1978],p.40).Portanto,noscírculosmaistradicionais,osermão-monólogotemsidoquestionadoháumageração.Contudo,ThomasG.Long,destacadoprofessortradicionalista de pregação, diz que o sermão baseado no diálogo e namesa-redonda constitui uma dasvárias “experiências” temporárias que a igreja tenta pôr em prática durante tempos de ansiedade, emdetrimentodaeficáciadapregação.(Eletemumalistadessasexperiências:“sermõesmultimídia,sermõesnaprimeirapessoa,sermõesmusicados,sermõesdialogados,sermõespregadosnumbanquinhodebar…”.)Long diz que essas experiências não resultam no alijamento por completo da forma do sermão, masatendemaopropósitodeajudaraspessoasapensardeformainovadoraarespeitodapregaçãoduranteastemporadasde“derretimentoperiódicodopúlpito”(Preachingfrommemorytohope[Louisville,KY:JohnKnoxPress,2009],p.xiv–xv).

Noscírculosmaisconservadores,Topreachornottopreach,deDavidC.Norrington,concluique“osermãotradicionalnãotembasebíblica,recorreamétodospagãoshostisàpráticanoNovoTestamentoeparece não ter feito parte do crescimento da igreja primitiva” (MiltonKeynes/Exeter: Paternoster Press,1996; reimpr., Ekklesia Press, 2013, p. 95). O sermão, diz Norrington, é por definição abstrato e

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generalizante, pois o pregador não tem como saber o que se passa na vida dos ouvintes presentes. Ossermões criam crentes passivos, que não sabem como aprender e internalizar a verdade bíblica por simesmos. A comunicação por via única também significa que o pregador não aprende,mantendo-se emgrandemedidapreso a seuspreconceitos.Norringtonacreditaqueo sermão tradicional—odiscursodemãoúnicasemanalsobreaBíbliafeitopelopastor—éumapráticanãobíblicaquesóganhouformanoterceiro ou quarto séculos depois de Cristo. Ele defende o fim do sermão e a adoção de uma leiturainterativadaBíblia,emcomunidade,combinadacomoencorajamento,oaconselhamentoeacorreçãodogrupotodo(Norrington,Topreachornottopreach,p.83).HáumaopiniãogeneralizadadequeNorringtonnãofoicapazdedefenderseuargumentodequeaquiloqueeledenomina“pregaçãotradicional”—umaapresentação oral em forma de monólogo da verdade cristã — é “antibíblica” e até mesmo “pagã”.Sobretudo se tivermos em vista a pesquisa histórica deHughesOld sobre a história do sermão.Old dádestaque aoDidaquê, um documento da igreja primitiva que pressupõe a existência de “um grupo depregadoresprofissionaisquededicamavidaaoseuministério,emvezdeserempregadores leigos” (ThereadingandpreachingoftheScripturesintheworshipoftheChristianchurch [GrandRapids:Eerdmans,1998],v.1:Thebiblicalperiod,p.256).

7AndyStanley;LaneJones,Communicatingforachange(Eugene:Multnomah,2006),p.89.8P. T. Forsyth,Positive preaching and the modern mind (Milton Keynes/Exeter: Paternoster Press

Reprint,1998),p.73.Comoexemplo,eledizqueAtanásio“tacouomundo,comoverdadeiropregadorqueera,emvezdeaflorardele[…]Eleforçouomundoaseacomodaraele”(ibidem,p.74).

9Ibidem,p. 2.É interessante notar quenamesma épocageral emqueForsyth lecionava e escreviasobrepregação,HarryEmersonFosdickeoutros,emNovaYork,caminhavamnadireçãooposta.Fosdickfoiumpioneirodoliberalismoprotestantequeaconselhavaospregadoresasefixaremnapsicologia,enãonaexposiçãodadoutrina.Disseele:“Todosermãodevetercomoobjetivoprincipalaresoluçãodealgumproblema—umproblemavital,importante,queconfundeasmentes,oprimeasconsciências,distraividas—etodosermãoquelidadefatocomumproblemareal,quelançapelomenosalgumaluzsobreeleeajudaalguns indivíduos de modo prático a encontrarem um caminho por meio dele não pode ser totalmentedesinteressante” (citado em Thomas G. Long,Thewitness of preaching, 2. ed. [Louisville: John Knox,2005],p.30.AcríticadeLongao“sermãocomosessãodeaconselhamento”usadoporFosdicke,maistarde,porNormanVincentPealeemuitosoutrosdessamesmalinha—eseurelatodecomosaiudemoda—encontram-senaspáginas30a37.Vejatb.MatthewBowman,“HarryEmersonFosdickandbaptismatRiverside”,in:Theurbanpulpit:NewYorkCityandthefateofliberalevangelicalism(NewYork:OxfordUniversityPress,2014),p.253.

10Oldmostraqueométodoexpositivoseopôsdiretamenteàscorrentesculturaisdaépoca.Aoratóriaclássica era dialética. Ela começava com uma tese sobre alguma questão importante, depois dividia otópico, propunha e avaliava todos os argumentos de ambos os lados e elaborava uma hipótese parasolucionaraquestão.Apregaçãoexpositivapermitiaqueotextodesseformaaosermão.Elecomeçavacomo texto e seguia adiante entrando na vida prática, não o contrário.Old cita um sermão deClemente deAlexandria(c.150—c.215).Depoisdaintrodução,ClementeanalisaumapassagemdaEscrituraversículoporversículo,explicandoaomesmotempoosignificadodaspalavraseasafirmaçõesfeitas.Dizele:“Este,naverdade,nãoeraumprocedimentoquehaviaaprendidocomosclássicosdaoratóriagrega.Osgregosnão tinham nada parecido com o sermão expositivo que servisse de modelo literário” (Reading andpreachingoftheScriptures,v.1:Thebiblicalperiod,p.299).

11Forsyth,Positivepreachingandthemodernmind,p.73.12LucFerry,Abriefhistoryofthought:aphilosophicalguidetoliving(NewYork:Harper,2011),p.

60-4.13Ibidem.14Escrevi muita coisa sobre contextualização emCenter church: doing balanced, gospel centered

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ministryinyourcity(GrandRapids:Zondervan,2012),p.89-134[ediçãoemportuguês:Igreja centrada:desenvolvendoemsuacidadeumministérioequilibradoecentradonoevangelho(SãoPaulo:VidaNova,2014)].Abreveseçãodestecapítuloqueapareceaseguirdeveserlidajuntamentecomaquelaanálisemaisextensa.

15EckhardJ.Schnabel,Paulthemissionary:realities,strategies,andmethods(DownersGrove:IVPAcademic, 2008). Em Atos 13.13-43, Paulo fala aos judeus e gentios tementes a Deus— aqueles queaceitamaautoridadedaBíblia.Contudo,emAtos14.6-16,elesedirigeacamponesespoliteístas,em17.16-34, às elites gregas sofisticadas de Atenas e, em Atos 26, às elites culturais multiétnicas das colôniasromanasdaPalestina.ParaaanálisequeSchnabelfazdasadaptaçõesculturaisedosdiscursosdePauloemAtos, veja p. 155-208 e p. 334-53. “Os exegetas e missiólogos usam com frequência o termocontextualizaçãoparaessadimensãododiscursode[…]Paulo”(p.74).

16Portanto,quandoPaulodizaFestoquesuaspalavrasnãosão“insanas”,mas“racionais”,eleusaotermo sophrosynes. “O termo tem nuances como […] intelectualmente sadias […] não ilusórias […]prudentes” (GerhardKittel;GerhardFriedrich;GeoffreyW.Bromiley,Theologicaldictionaryof theNewTestament[GrandRapids:Eerdmans,1985],p.1150).

17“Paulo recolhe do Antigo Testamento e das tradições judaicas temas que poderiam serimediatamente compreendidos pelos filósofos atenienses, inclusive alusões terminológicas e citações”(ibidem,p.171).HáquemdigaqueosqueargumentamafavordacontextualizaçãoenfatizamdemaisAtos17; contudo, o trabalhode contextualizaçãodePaulopode ser visto em todoo livrodeAtos.Háoutrosexemplosbíblicos também. Jámencionamosousocontundenteque João fazdo termo logos emJoão1.Alémdisso,pode-sedemonstrarqueolivrodeDeuteronômiofoiescritodeliberadamentesobaformadeum tratado de suserania hitita do segundo milênio, uma forma literária que teria sido reconhecidainstantaneamente nas culturas do Oriente Médio da época, que a usavam para estabelecer relações dealiança entre reis triunfantes e estados vassalos. Veja Meredith G. Kline, The treaty of the great king(Eugene:WipfandStock,2012).

18Schnabel,PaultheMissionary,p.171.19Eleconcorda,porexemplo,comacríticamuitocomumfeitapelosfilósofosaostemplosfeitospor

mãoshumanaseaossacrifícios(At17.24-25)efazreferênciatambémàbuscadahumanidadeporDeus(At17.27-28)(ibidem,p.171-4).

20Ibidem,p.171.21Ibidem,p.177.22DizSchnabel: “PaulousaacitaçãodeAratuscomoargumentocontraa conciliaçãodos filósofos

com a pluralidade e a diversidade de cultos religiosos. Se os seres humanos foram criados pelo DeusCriador,éabsurdoqueelescriemimagensdeumdeuse[as]adorem”(ibidem,p.179-80).

23Keller,Centerchurch,p.124-6.24Paulo“recorreaconvicções,argumentose formulaçõescomasquaisesses intelectuaisatenienses

estavam familiarizados e as quais teriam reconhecido como válidas” (Schnabel,Paul the missionary, p.174). Contudo, no final, a “resposta de Paulo às crenças e às práticas religiosas dos atenienses foibasicamentenãodeacomodação,masdeconfrontação”(ibidem,p.82).

25Ao aprender e “usar as tradições intelectuais, filosóficas e linguísticas do seu público”, Paulomostravaaseusouvintesque“oslevavaasériocomoparceirosdediscussão”(ibidem,p.183).OfilósofoCharles Taylor concorda: “A pregação do evangelho, se for outra coisa que não uma expressão dosentimentodesuperioridadedopregador,exige[…]atençãofirmeerespeitosaàvidadaspessoasaquesedirige […] antes da graçaqueo evangelho trará” (Asecularage [Cambridge:HarvardUniversity Press,2007],p.95)[ediçãoemportuguês:Umaerasecular(SãoLeopoldo:Unisinos,2010)].

26Para mais conteúdo sobre contextualização, veja David F. Wells, “The nature and function of

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theology”, in:RobertK. Johnston,ed.,Theuseof theBible in theology:evangelicaloptions (Louisville:JohnKnox,1985);RichardLints,Thefabricoftheology:aprolegomenontoevangelicaltheology (GrandRapids:Eerdmans,1993),p.102-5;DavidK.Clark,“Evangelicalcontextualization”,in:ToknowandloveGod:method for theology (Wheaton:Crossway, 2010), p. 78-90;BruceRileyAshford, “The gospel andculture”, in: Bruce Ashford, org., Theology and practice of mission: God, the church, and the nations(Nashville:BandHAcademic,2011),p.109-27.

Todosessesquatroautores—Wells,Clark,LintseAshford—fazemreferênciaatrêsestratégiasdecontextualização: (1) a visãohistórica/liberal, quevê as pessoas imersas na cultura de talmaneira que a“práxis”eocontextotêmprioridadesobreaEscritura(vejaClark,“Evangelicalcontextualization”,p.78);(2)avisãofundamentalista,naqualocristãovêasimesmocomoalguémtão livredeseuspreconceitosculturaisqueécapazdeleraverdadediretamentedaEscriturae,portanto,nãotemnecessidadedenenhumprocesso de contextualização; e (3) a abordagem evangélica, que reconhece o viés cultural em todas aspessoas e a necessidade de tradução e adaptação cultural, mas que deseja que a Bíblia continue a sernormativa em relação à cultura, em vez de ser seu parceiro de “diálogo” equivalente. Embora osevangélicos,emgeral,procuremtrabalhardentrodaestrutura(3),hádiferençasdeenfoque.

DavidK.ClarkcriticaosescritosdeWells eDavidHesselgravepor serummodeloqueempregaafórmulade“codificação/decodificação”evêacontextualizaçãosomentecomoummétododetransmissãode comunicação. (Outros bastante alinhados com Hesselgrave e Wells preferem falar de tradução etransmissãoemvezdecontextualização).ParaClark,essemodeloacreditademaisqueopregadorcristãoseja capaz de discernir princípios transculturais fundamentais que precisam simplesmente “mudar deroupa”,istoé,sercolocadosemnovasformasecódigosculturais.Clarkpropõe,emvezdisso,um“modelodialógico”,emqueopregadorcristãonãoapenaspermitequeaBíbliacritiqueanovacultura,mastambémque a nova cultura critique nossa leitura anterior daEscritura. Por exemplo, tentar alcançar uma culturamaiscomunitária talvezajudeoscristãosamericanosaverqueacompreensãoquetêmdocristianismoéindividualista demais e influenciada por sua cultura, e não pela Bíblia. Clark acrescenta que, por essemotivo,acontextualizaçãodeveserumprocessodebuscamuitomaior.Nãosetrataapenasdeumacoisaquefazemosapartirdeumlugarseguro, traduzindoereformulandosemquesejamosexaminadosesemque façamos parte do processo (ibidem, p. 81-90). Concordo commuito do que Clark diz, embora nãoesteja certo de que ele difere tanto assim deHesselgrave e deWells como acredita diferir. No fim dascontas,osevangélicosdiferememsuaspráticas,masháumacordogeraldequehánecessidadedealgumtipodeprocessodecontextualização.

27Estouemdívidanestaseçãocommeufilho,MichaelKeller,alunododoutoradodoCentroJonathanEdwardsdaUniversidadeYale,quemeforneceuadissertaçãonãopublicadadeRachelM.Wheeler(vejaaseguir), bem como as transcrições de todos os sermões de Edwards nos anos em que o autor viveu emStockbridge.

28Para leralgunsdessessermões,veja“To theMohawksat the treaty,August16,1751”e“He thatbelievethshallbesaved”,in:WilsonKimnach;KennethMinkema;DouglasSweeney,orgs.,ThesermonsofJonathanEdwards:areader(NewHaven:YaleUniversityPress,1999),p.105-20.Vejatb.“Thethingsthatbelongtotruereligion”,“Heaven’sDragnet”,“Deathandjudgment”,“Christistotheheartlikearivertoatreeplantedbyit”,“Godisinfinitelystrong”,“WarringwiththeDevil”e“Farewellsermontotheindians”,in:Wilson Kimnach, org., The works of Jonathan Edwards: sermons and discourses 1743–1758 (NewHaven:YaleUniversityPress,2006),vol.25,p.566-716.

29OssermõesdeEdwardsaos índiossãomaiscurtosecondensados.Contudo,asimplicidadedelesnão é de modo algum simplista. O estudioso de Edwards, Wilson Kimmach, diz: “Embora breves, ossermõesaos índiossãonotavelmenteequilibradosemsuaabordagemdasnuancesda teologiacalvinista”(Kimnach,Works of Jonathan Edwards, v. 25, p. 42). Contudo, a maneira pela qual essa teologia foicomunicada mudou significativamente. Isto fica muito claro em seu primeiro sermão aos índios: “Thethings that belong to true religion” (Ibidem, p. 566-74).Depois de ler seu texto,Atos 11.12,13, ele não

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começacomsuaexegesetextualdesempre,umadetalhadadivisãoeanálisedosversículos.Emvezdisso,fazalgoquenuncahaviafeitoantes:começacomumanarrativalonga,ahistóriadeCornélio,primeironãojudeuconvertido,emostracomosuaconversãoseencaixanahistóriadaredenção.Anarrativaésobreumsujeitoquevemdefora,nãopertencenteàraçajudaica,um“guerreiropagão”queencontraaféemCristo.Os judeus conheceram o Deus de Israel, mas os gentios eram politeístas e não dispunham desseconhecimentoprévio.Emtudoisso,Cornélioseparececomosíndios.

Emseguida,Edwardsapresentaatotalidadedahistóriahumanacomoadisseminaçãodoevangelho—primeiramente, de uma família para toda uma nação; depois, dos hebreus para gentios europeus comoCornélio,queforampaulatinamenteconvertidos.Elecontaatémesmocomoseupovo,osingleses,haviamemcertaépocaadoradoídolos,eramsupersticiosos,massedesfizeramdelesesetornaramcristãos.Agora,dizEdwards,oevangelhoestásendoespalhadopeloseuropeusechegouaosíndios,doVelhoMundoparaoNovoMundo.Nessanarrativa,Edwardsseidentificacomosíndios.Eletambémépartedeumanaçãoque,num tempo passado, também achou “estranho” o cristianismo.Contudo, boa parte desse relato coloca oouvinteexatamentenomeiodagrandehistóriadomundoedoqueDeusestáfazendonele.Edwardsnãoestá simplesmente denunciando os índios como pagãos supersticiosos— ele está mostrando como, nacondiçãodepovo,elessãopartedoplanodivino.AquiEdwardsfazalgonotável:eleusaoevangelhoparasedesfazerdadivisãoracial“nós”e“eles”.

Ao verificarmos o restante dos sermões de Edwards aos índios, percebemos diversas mudançasdrásticas feitas por ele em sua pregação com o objetivo de alcançar seus novos ouvintes. Seus sermõesdedicam muito menos tempo à exegese bíblica detalhada, e ele também apresenta menos provasescriturísticas em suadoutrina e nas aplicações que faz (ibidem,p. 641).Emvezdisso, para enfatizar averdadedadoutrinabíblica,Edwardsconfiamaisem“testemunhopessoaldaveracidadedamensagem[…]eemumapeloparaaexperiênciacompartilhada” (ibidem,p.641).AexemplodePaulo,elenão recorreexageradamente a várias provas daBíblia perante ouvintes que não a conhecem, embora extraia sempreseusensinosdaEscritura.

Alémdisso,oesboçodossermõestradicionaisdeEdwardsmudou.Anteriormente,todosermãoincluíainvariavelmentetexto(aexegesedeumapassagembíblica),doutrina(destilaçãodaimplicaçãodoutrináriado texto emuma única sentença e, em seguida, análise dos aspectos dessa proposição) e aplicação (usopráticodadoutrinanavidadosouvintes).Contudo,“umamarcadossermõesdosíndiosdeStockbridgeéque […] eles não contêm nada identificado como ‘Doutrina’, mas apenas […] ‘Observações’” (WilsonKimnach,“Introduction:Edwards thePreacher”, in:KennethP.Minkema;AdriaanC.Neele;BryanMc-Carthy,orgs.,SermonsbyJonathanEdwardson theMattheanParables [Eugene:CascadeBooks,2012],vol.1,p.10n15).Emvezdediscorrerexaustivamenteatravésdaanáliseedadivisãodeassuntosempartes,Edwardspassoudaênfasenaanáliseparaasíntese(Kimnach,WorksofJonathanEdwards,v.24,p.42).Seussermõesagoraconsistiamemgruposconcisosdeideias(ibidem,p.566).

Nessessermões,vemosEdwardsusandonãoapenasmaisdecididamenteanarrativa,mas tambémametáfora.“Emboraessemétodohomiléticonãorequeiraasimplificaçãodemasiadadeconceitosessenciais,ouquesetrateosíndioscomumpaternalismoqueossubestime,aindaquegentilmente,elecomfrequênciaajustavasuadicçãoe,demaneiraimpressionante,seuimaginário”(ibidem,p.676).RebeccaWheelerdizque“emStockbridge,elepassouaconfiarmaisacentuadamentenametáforaenoimaginário.Valendo-sedasparábolasdoNovoTestamento,Edwardspregousobresemeadores,pescadores,sobreaterraressequidademais para que uma semente brote, sobre árvores alimentadas por rios que nunca secam e sobreespinheiros e espinhos que obstruem o caminho do viajante” (RebeccaM.Wheeler,Living uponHope:Mahicans and missionaries, 1730–1760 [Ph.D. diss., Yale University, 1999], p. 163). Contudo, não setratavaapenasdeusarmaisimagensemetáforas.Eletambémescolhiaaquelasqueelecriaqueosíndiosacolheriam.

Seusermão“LutandocontraoDiabo” foibaseadoemLucas11.21,22:“Quandoumhomemforteearmadoguardaasuacasa…”Edwardsdescrevea“casa”comooeuouaalma,quepodeestarsobopoderdeSatanás,descritocomoguerreiropoderoso.Armadodosdesejosdesordenadosdocoraçãohumano,ele

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podefazerdenósprisioneiros.Eleimagina,portanto,queopecadosejaumestadodoseraprisionadopeloinimigo armado. A graça e a salvação, porém, vêm por intermédio de Cristo na forma de um homemarmadoaindamaior,quepodenos libertar.ONovoTestamentousaváriasmetáforasparaexpiação,umadelaséametáforado“campodebatalha”(Hebreus2.14,15;Cl1.13),avitóriadeJesussobreSatanáseomal.WilsonKimnach, omaior especialista nos sermões de Edwards, diz que ele raramente recorria aoimaginário da guerra em seus sermões anteriormente, nem mesmo em tempos de guerra. O uso desseimaginário aqui, porém, se deveu ao fato de que “a cultura guerreira do índio lhe proporcionou umaoportunidaderetórica”(Kimnach,WorksofJonathanEdwards,v.25,p.676).

ValeapenanotaroutraadaptaçãofeitaporJonathanEdwards.RebeccaM.Wheeler,aestudiosamaisbem-informada a respeito dos sermões de Edwards aos índios, escreve: “A ênfase no amor sem fim deCristo[nessessermões]ésinaldoreconhecimentodequeopastorestavadiantedeumaigrejanecessitadade amor, conforto e consolo” (Wheeler, Living upon a hope, p. 135). Kimnach também observa essamudança.OsermãodeEdwards“Deusé infinitamente forte” foiumsermãode“despertamento”paraosíndios,cujoobjetivoeraconclamar todosaoarrependimentoeàconversão.Contudo,emboraentrenessacategoria,trata-sedeumsermãodedespertamento“dotipoameno”(Kimnach,WorksofJonathanEdwards,v.25,p.642).Edwardserasimplesmentemaisgentilcomosíndios.Porquê?Hádoismotivos.Eleviaasinjustiçasqueosíndiossofriamnasmãosdosdonosdeterrasingleses.“Edwardsprovouserumdefensorincansáveldosíndios[…]retificandoabusosdelongadata”(Kimnach,MinkemaeSweeney,SermonsofJonathanEdwards,p.XXXV).Oministroeuropeuesteveinlocoparaverificarquantodosofrimentodosíndios—alcoolismo,pobreza,doenças—haviasidoemgrandemedidaimpostoaeles.

KimnacheWheelerressaltamtambémqueareflexãoteológicadeEdwardssobreasituaçãodosíndioschegouà conclusãodequeos índiosnão cristãos erammenos culpadosdoqueosnão cristãos ingleses,porqueestesúltimoshaviamsidoexpostosàverdadeeaoevangelhocristãonodecorrerdavida.Osíndiosnãocrentessimplesmentenãoeramculpadosemmesmograu.EmboraaindaperdidosamenosquecressememCristo, elesnãohaviam tido amesmaoportunidadequeos europeus tiveramdeouvir a narrativadoevangelho.Wheelerescreve:“Osíndiosnãocristãoseramdiferentesdosnãocristãosinglesesporqueerampagãos,istoé,nãotinhamconhecimentodeCristo[…]Apesardasconotaçõesdotermoatualmente,paraEdwardsopaganismoeraomenordedoismales,umavezqueospagãosnãopodiamserculpadosporsuaignorância,masospecadores[ingleses]quehaviamcrescidocomoevangelhodeveriamsabermelhordascoisas”(Wheeler,Livinguponhope,p.178-9).

Porcausadetodosessesfatores,apregaçãodeEdwardsnãotinhaomesmotomdeseveridadequeseobservavaemoutraspartesdaNovaInglaterra.Elesecompadeceudasituaçãodosíndiosepor issolhesministrounotasmaisvigorosasdeconsoloeconforto.Emoutraspalavras,elenãoachouqueaforçadeumsermãocomo“PecadoresnasmãosdeumDeusirado”fosseadequadaaosíndios.

JonathanEdwardsnão conheciao termo“contextualização”,mas é evidenteque ele estava fazendoexatamenteoquefezPaulo.Sealguémlheperguntasseporqueestavaseadaptandoaumanovacultura,eleprovavelmenteteriainsistidoqueestavaapenastentandofazercomqueoevangelhoestabelecessevínculoscomocoraçãodaspessoas.Elenãoqueriaapenascensurá-lasecondená-las.Elequeriapregardetalformaquetocasseseuscoraçõesparaquecompreendessemaverdadedoevangelho.

30D.A.Carsonescreveu:“Emboraaarticulaçãodeumaverdadepeloserhumanojamaisocorradeummodoquetranscendaacultura[…]nãosignificaqueaverdadeassimarticuladanãopossatranscendê-la”(D.A.Carson,“MaintainingscientificandChristian truths inapostmodernworld”,Science&ChristianBelief 14, n. 2 [October 2002]: 107-22, disponível em:www.scienceandchristianbelief.org/articles/carson.php;acessoem:jan.2017).Vejatb.D.A.Carson,“Therole of exegesis in systematic theology”, in: JohnD.Woodbridge; ThomasEdwardMcComiskey, orgs.,Doingtheologyintoday’sworld:essaysinhonorofKennethS.Kantzer(GrandRapids:Zondervan,1991),p. 48-56; e D. A. Carson, “A sketch of the factors determining current hermeneutical debates in cross-cultural contexts”, in: D. A. Carson, org., Biblical interpretation and the church: the problem ofcontextualization(Eugene:WipfandStock,2002),p.11-29.

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31Como defende em Igreja centrada: desenvolvendo em sua cidade um ministério equilibrado ecentradonoevangelho(SãoPaulo:VidaNova,2014),TimothyKellerprefereempregar,parasereferiraoambiente atual da cultura predominante no Ocidente, o termo modernidade tardia ao termo pós-modernidade, visto que este último pode sugerir uma ideia de total oposição ou superação do ambientecultural instaurado com amodernidade. Também nesse sentido, alguns autores noBrasil têm adotado otermohipermodernidadeemvezdepós-modernidade.(N.doE.)

32Robert Murray M’Cheyne, Sermons of Robert Murray M’Cheyne (Edinburgh: Banner of TruthTrust,1961),p.43.

33Para mais informações sobre como pregar sobre justiça e misericórdia, veja Timothy Keller,Generous justice: how grace makes us just (New York: Dutton, 2010) [edição em português: Justiçagenerosa:agraçadeDeuseajustiçasocial(SãoPaulo:VidaNova,2013)].

34DavidFosterWallace,discursodeformaturanoKenyonCollege,21demaiode2005,disponívelem:http://moreintelligentlife.com/story/david-foster-wallace-in-his-own-words.Acessoem:jan.2017.Vejatb.aversãoimpressaemDaveEggars,ThebestamericannonrequiredReading,2006,1.ed.(NewYorker:MarinerBooks,2006),p.355-64.

35Um texto da Escritura que ratifica quase que exatamente o argumento de Martin Luther Kingencontra-seemDaniel6.22,emqueDanieldizquenão feznadaerrado,embora tivessevioladoa leidaterra(dosmedosepersas),porquenãohaviavioladoaleideDeus.

36Martin Luther King Jr., “Letter from Birmingham Jail”, August 1963, disponível em:http://www.thekingcenter.org/archive/document/letter-birmingham-city-jail-0#,acessoem:jan.2017.

37OutrareferênciaculturalquereforçaopontoemquestãodizrespeitoaW.H.Auden,quehaviasedesviado da fé, porém, no início da Segunda Guerra Mundial, compreendeu exatamente o que MartinLuther King Jr. disse posteriormente sobre a lei de Deus como um fundamento para julgar a ação dohomem.Audenhaviaabandonadoa féemDeuse sevoltadoparaa ideiadaautocriaçãode identidadeevalor,emdetrimentodequalquercrençanaordemmoraldouniverso.IssoodeixousemqualquerbaseparacondenarofascismoemascensãonaItália,Espanhaetambémonazismo,jáquetodoselesdefendiamsuasaçõesbaseando-senasmesmasfontesdeautoexpressãoqueele.ContoahistóriadeAudenemEncounterswithJesus:unexpectedanswerstolife’sbiggestquestions(NewYork:Dutton,2013),p.13-6.[ediçãoemportuguês:Encontros com Jesus: respostas inusitadas aosmaiores questionamentos da vida (SãoPaulo:Vida Nova, 2015)]. Veja tb. Charles Taylor, “The slide to subjectivism”, in: The malaise of modernity(Ontario:AnansiBooks,1991),p.55-69.TaylornãomencionaAuden,maseletraçaasraízesdofascismoeofascíniopelaviolênciacomodecorrentesdaautoexpressãodomovimentoromântico.

38“Beethoven […]produziupeças de tirar o fôlego comacerto.Acerto—este é o termo!Quandovocêsenteque,sejaqualforanotaquesesegueàúltima,éaúnicapossívelprecisamentenaqueleinstante,naquele contexto, é bemprovável então que você esteja ouvindoBeethoven.Melodias, fugas, ritmos—deixeessascoisasparaosTchaikovskyseHindemithseRavels.Nossogarototemaquiloqueébomdefato,opoderdefazê-losesentirna linhadechegada:existealgodecertonomundo,existealgumacoisaque‘bate’ perfeitamente, que segue sua própria lei de forma consistente: algo em que podemos confiar, quejamaisnosdesamparará” (LeonardBernstein,The joyofmusic [NewYork:Simon&Schuster,2004],p.105).

39Thomas Nagel, The last word (New York: Oxford University Press: 1997), p. 130 [edição emportuguês:Aúltimapalavra(SãoPaulo:Unesp,2001).

40AndrewDelbanco,The death of Satan: how Americans have lost the sense of evil (New York:Farrar,Straus,andGiroux,1995),p.3.

41Ibidem,p.190-2.42Citado emStuartBabbage,Themark of Cain: studies in literature and theology (Grand Rapids:

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Eerdmans,1966),p.17.43Ao mesmo tempo, considere-se o grande perigo da motivação mal orientada nessa área. As

chamadas referências culturais—o uso de citações de filmes,música popular, jornais, sites de internet,empresasdemídiassociais,periódicoselivros—podemacabarservindosobretudoparadarcredibilidadepessoalaoorador.Talvezvocêrecorraaelasparaparecersofisticado,eruditoouantenado.Talvezesperequeaspessoasoaceitemcomo“umadelas”porquevocêestábem-informadoouésimplesmenteacessívelenormal.Seessaéarespostaquevocêobtémdaspessoas(oupior,seéissoquevocêefetivamentequerouprecisareceberdelas),deveráadmiti-loemudarsuamotivação.Seforessasuamotivação,teráescolhidoasreferênciasculturaisparachamaraatençãoparasi,emvezdetornarvisíveisedesafiarascrençasdaculturasecular,alémdepôranuocoraçãodosseusouvintes.Essedeveriaserseuúnicoobjetivo.

44Umbomexemplo disso é a escritora católicaFlanneryO’Connor: “Não creio que ninguémdevaescreveralgotãoextensoquantoumromanceanãoserquesejaemtornodealgumacoisaquesejamuitoimportanteparaelaeparaasdemaispessoas.E,paramim,essacoisaésempreoconflitoentreaatraçãopeloqueéSantoepelafaltadefénelequerespiramosnoardonosso tempo.Ésempredifícilacreditar,sobretudonomundo emque vivemos atualmente.Alguns de nós têmde pagar por sua fé a cada passo,esforçando-separaimaginarcomoseriaseelanãoexistisseese,semela,nofimdascontas,seriapossívelexistirounão”(citadoemJamesK.A.Smith,How[not]tobesecular[GrandRapids:Eerdmans,2014],p.10-1).

45Karen H. Jobes, 1 Peter, Baker exegetical commentary on the New Testament (Grand Rapids:Baker,2005),p.231.

46Vejamais exposições e exemplos de desafio e confrontação cultural em Timothy Keller,Centerchurch, p. 124-8. Alguns dos exemplos aqui apresentados foram extraídos dessa parte do livroCenterchurch,bemcomodeTimothyKeller,ThereasonforGod:beliefinaageofskepticism(NewYork:Dutton,2008)[ediçãoemportuguês:Afénaeradoceticismo(SãoPaulo:VidaNova,2015)].

47Mais dessa passagem: “Este mundo [natural] que gira impulsionado pelo acaso e pela morte,deslocando-secegamentedelugarnenhumparanenhumlugar,dealgummodoproduziuestamaravilhaquesomosnós.Euvimdomundo,saícomdificuldadedeummardeaminoácidoseagoraéhorademevirarparaessemar,sacudir-lhemeupunhofechadoegritar:“Quevergonha!”[…]Ouestemundo,minhamãe,éummonstro,oueusouumaaberração […]Nãohánenhumapessoanomundoquesecomporte tãomalquantoolouva-a-deus.Mas,espere,vocêdiz,nãohácertoouerradonanatureza;ocertoeoerradosãoumconceitohumano!Precisamente!Somoscriaturasmoraisnummundoamoral[…]Pensenaalternativa[…]Éosentimentohumanoqueestábizarramenteforadeordem[…]Muitobem—sãonossasemoçõesqueestãoforadeordem.Somosaberrações,omundoestábem,entãovamostodosfazerumalobotomiaparavoltarmos ao nosso estado natural. Sairemos então […] de lobotomia feita, voltaremos ao riozinho eviveremos às suas margens tranquilos como um rato-almiscareiro ou um junco. Você primeiro” (AnnieDillard,PilgrimatTinkerCreek[NewYork:HarperPerennialModernClassics,2007],p.178-9).

48OpontodecontatodeVolf énossodesejodesesperadodehomensmodernosdequeos inimigosfaçam as pazes de forma não violenta. Seu ponto de contradição trabalha sobre isso contrariamente àintuição.Eleconclui:“ÉprecisoatranquilidadedeumacasadeclassemédiaparaosurgimentodatesedequeanãoviolênciahumanaéresultadodeumDeusqueserecusaajulgar”.AféemumDeusquejulgaesevinga é, na verdade, um recurso fundamental contra a não violência! Essas citações foram extraídas deMiroslavVolf,Exclusion& embrace: a theological exploration of identity, otherness, and reconciliation(Nashville:Abingdon,1996),p.303-4.C.S.LewisapresentaumargumentomuitodiferenteparaosqueveemcomceticismoaideiadeumDeusdeiraedejuízo.EmumapassagemdeOproblemadosofrimento,Lewisdizque,quandoamamosalguém,ficamosiradosquandosurgealgumacoisaquefereouarruínaessapessoa.Seumpaiamaumafilha,eeleavêarruinandosuavida,elese iranãoadespeitodoseugrandeamor por ela,mas por causa dessemesmo amor.O ponto de contato como homem secular consiste noconfortocomoconceitodeumDeusdeamor.Lewis,porém,passadocontatoparaacontradiçãoaodizer:

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“SevocêcrênumDeusdeamor,terádecreremumDeusqueseiracontraopecado”.(CitoesteúltimoexemploemCenterchurch,p.126.)

49Taylor,Malaiseofmodernity,p.72(grifodoautor).50Taylor,Secularage,p.103-9,p.594-617.51VejaDonaldB.Kraybilletal.,Amishgrace:howforgivenesstranscendedtragedy (SanFrancisco:

Jossey-Bass,2007).52RobertBellahetal.,Habitsoftheheart:individualismandcommitmentinAmericanlife,withNew

Preface(Berkeley:UniversityofCaliforniaPress,2007).

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APREGAÇÃOEAMENTEMODERNA(TARDIA)

Aúnicapregaçãoatualparatodasasépocaséapregaçãodaeternidade,que nos é disponibilizada apenas pela Bíblia— a eternidade do amorsanto,dagraçaeda redenção,amoralidadeeternae imutáveldagraçasalvadoraparanossopecadoindelével[…]Que[opregador]exponhaoproblema[…]compoder[…]masqueorespondacomarespostafinalqueCristodeixou[…]Porqueeleéarespostaquetodosdesejam.—P.T.Forsyth1

omopodemoscomunicaroevangelhodeJesusCristoemnossaculturamoderna? Um dos primeiros autores a fazer essa pergunta foi P. T.Forsyth, cujo clássico Positive preaching and the modern mind

[Pregaçãopositivaeamentemoderna],escritoem1907,aindaénotavelmenteatual. Forsyth identificou um tema fundamental da modernidade; as pessoasmodernas acreditam que “somos nossa própria autoridade”. Essa é a “versãopopular [da mente moderna] com a qual o pregador tem de contender”.2 Aoidentificarumadasprincipaisnarrativasdamodernidadeeexporocaminhoparadesconstruí-laapartirdedentro,Forsythfoiumpioneiroeumdesbravador.

PormaisvisionárioqueForsythtenhasido,ascoisasmudaramnodecorrerdoséculoemqueeleescreveu.3Muitagentechamouessasmudançasde“viradapós-moderna”.Aeramoderna,segundodizem,pôssuaconfiançanarazãoena

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ciência,aopassoqueaerapós-modernasedistinguepelaperdadacrençadequesepodealcançaraordemracionaloucontrolávelouchegaraqualquer tipodecerteza.Houveumaguinadaemdireçãoàexperiênciaeàabertura.Todasessasformulações são verdadeiras, mas desconsideram o fato de que, implícitas àsdescontinuidadesemrelaçãoaopassadomoderno,hácontinuidadesaindamaisfortes.

Talvezaideiabásicademodernidade,comopercebidaporForsyth,consistanasubversãodetodaautoridadeexternaaoeu.Noprincípiodaeramoderna—doséculo17ao19—dizia-sequetínhamosdeabandonartodatradiçãoetodacrença religiosa e chegar à verdade somente pela razão. Foi umdeslocamentoinéditoemdireçãoaoindividualismo,aideiadequetodapessoatinhadentrodesiacapacidadededescobriraverdadesemoauxíliodasabedoriaantigaoudarevelaçãodivina.Emtemposmaisantigos,aindavigoravaopensamentodequehaviam absolutos morais e leis naturais a serem seguidas. Mas então, com opensamento moderno, passou-se a dizer que podíamos descobri-los por contaprópria,pormeiodosnossosprópriospoderesdevigilânciaexaustiva.

Desde a SegundaGuerraMundial, porém, passamos para uma época emqueaculturademodogeral atribuiaoeudo indivíduouma importânciaeumpodermuitomaioresdoqueemqualquerépocaanterior. Jánãopensamosquetemos poder meramente para descobrir a realidade e a verdade morais —achamos que temos, isso sim, o poder de criá-las. Uma frase famosa de umparecer da Suprema Corte sobre o caso Planned parenthood vs. Casey[PaternidadeplanejadaversusCasey],captabemesseprincípio:“Noâmagodaliberdade está o direito do indivíduo de definir seu próprio conceito deexistência, de significado, do universo e do mistério da vida humana”.4

Acreditamos agora que não há nenhuma “ordem cósmica externa […] à qualtenhamos de nos conformar” e que a verdade pode ser “construída de acordocomavontadedoindivíduo”.5Passamosdaantigacompreensãodequedevemos“conformaraalmaàrealidade”paraumaeraemque“submetemosarealidadeaos desejos [da alma]”.6 O que temos agora é menos uma reversão da

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modernidade do que a intensificação dos seus padrões mais profundos.7

Portanto,seriamelhornosreferirmosaoperíodoatualcomomodernidadetardia,emvezdepós-modernidade.8

Noiníciodostemposmodernos,areligiãoaindaeravistacomoumacoisaboa—ou,pelomenos,benigna.Haviaaindaumentendimentogeraldequeasociedade deveria ser erigida sobre normas morais compartilhadas a que aspessoasdeveriamsesubmeter.Areligiãoeraumdoselementosqueajudavamaspessoasaviverdeacordocomessasnormas.Issomudou.MarkLilla,professordeHumanidades daUniversidade deColúmbia, disse que, em João 3, quandoJesusdizaNicodemosqueeletinhade“nascerdenovo”,oqueele“pareceestardizendo é que Nicodemos precisava se dar conta de sua insuficiência— eranecessárioqueeledesseascostasàsuavidaautônoma,aparentementefeliz,paranascerdenovocomoumserhumanoquecompreendesuadependênciadealgomaior […]Esse parece um desafio radical à nossa liberdade, e é”.9 Lilla estápressupondoaquelaautonomiasobreaqualamodernidadetardiadepositasuasesperanças.Nessesentido,areligiãopassaaserquasequeainimigasuprema.Épor isso que hoje, para muitos, a fé religiosa parece algo que, de tãoinconcebível,beiraàloucura.

Como pregar então àmentemoderna tardia?O segredo de pregar a umacultura, conforme dissemos, consiste em identificar as narrativas culturais quelheservemdereferência.Édissoquetrataremosagora.

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AREDEDECRENÇAOCULTADASECULARIDADEA mente moderna tardia se apresenta como algo que descreverei a seguir.PercebemosquenãoprecisamosdeDeusparaexplicaromundoquevemos,poisaciênciaseencarregadissoparanós.NãoprecisamosdeDeusnemdareligiãoparasermosmorais,paraamareparatrabalharporummundomelhorouparatersentidoerealizaçãonavida.Oqueprecisamoséserlivresparaviverumavidaqueconsideramosadequada, trabalhando juntospara fazerdomundoumlugarmelhoremaisjusto.Areligiãotolhetudoisso.Elarestringenossaliberdadedevivercomoqueremosenosdivide,demodoquenãopodemostrabalharjuntos.

OfilósofoCharlesTaylorchamaissodea“históriadesubtração”causadapela secularidade. A ciência e a razão objetiva, segundo o que ele descreve,simplesmente subtraíram Deus da imaginação das pessoas modernas e o quesobrou foi apenas a secularidade. Ela opera de maneira objetiva, sem anecessidade da fé e da crença; liberta-nos de juízos de valor, da mentalidadeestreitaedopreconceito;ofereceapoiomoralàigualdade,aosdireitoshumanose ao aperfeiçoamento da humanidade. Promete uma vida de sentido pessoal,liberdade e paz de espírito. Tudo com base exclusivamente em recursoshumanos.Taylornãoacreditanissodemodoalgum.EmsuaobraAsecularage[Umaerasecular],eledizqueoindivíduosecularnãoéalguémmaisobjetivo.Emvezdisso, trata-sedealguémqueabraçoua teceduradeumanovarededecrenças alternativas sobre a natureza das coisas que não são evidentes por simesmas para todos, não são mais empiricamente prováveis do que quaisqueroutras crenças religiosas, exigem enormes saltos de fé e estão sujeitas a umconjuntoprópriodesériosproblemaseobjeções.10

NãoénaturalnãocreremDeus.MarkLilladizque,paraamaiorpartedosseres humanos, o profundo interesse pelo sobrenatural, pela vida depois damorte, pela transcendência e por Deus “lhes sobrevém naturalmente — é aindiferença a essas coisas que tem de ser aprendida”.11 Pensemos em como amodernidade tardia compreende nossa humanidade. Para muitos indivíduossecularizados, as pessoas consistememumcomplexode substâncias químicas

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sem alma; o amor seria apenas uma reação química que ajuda as pessoas atransmitiremseusgenes;quandoumentequeridomorre,elesimplesmentedeixade existir; não existe certo nemerrado fora daquilo quenós, emnossamente,optamosporsentir.Ouniversonãopassadeummecanismoimensoeimpessoal,e a ciência é meramente uma forma de compreender de que modo o relógiogigantefunciona.“Arazão[portanto]nãopodenosproporcionarumarealizaçãodeêxtase,umsentidodecomunidadeouenxugaraslágrimasdosquechoram.”12

Essavisãodocosmocontradizváriasdasnossasintuiçõesmaisprofundassobreo amor, o propósito e a natureza dos seres humanos. Devemos acreditar quesomosprodutosdeumuniversoimpessoal,eaindaassimnãoabrirmãodonossocompromisso com os direitos humanos. Taylor e outros explicam que foramnecessáriasmuitas gerações para que se arquitetasse ummodo que permitisseaossereshumanosseaclimataremaumestilodevidatãocontrárioàintuição.13

É isso o que há de tão singular na modernidade tardia no mercado decosmovisõesdahistória.As culturasnão seculares são explícitas em relação àsua fé, e seus membros reconhecem a natureza da fé de suas convicções.Contudo,muitos indivíduossecularizadosdamodernidade tardianãoveem,ounão admitem, os saltos de fé imensos que dão. Eles estão comprometidos, naterminologiaempregadaporMichelFoucault,comos“impensados”—crençasque não parecem ser crenças,mas senso comum autoevidente e indubitável.14

Esses impensados ganham aceitação sob a forma de dizeres e de slogansafirmadoscomo truísmos inabaláveisquepõemfimaqualquerdiscussão,masquenãoapresentamnenhumajustificativaespecial.15Taylor,porexemplo,citaoestudodeAlanEhrenhaltsobreChicagodosanosde1950,emquediz:

Amaioriadenós,nosEstadosUnidos,acreditamosemalgumaspoucasproposiçõesqueparecemtãoclaraseautoevidentesquepraticamentenãoprecisamserditas.Apossibilidadedeescolhaéumadascoisasboasdavida.Todaautoridadeé,porsuapróprianatureza,suspeita;ninguémdeveterodireitodedizeraoutrosoquepensaroucomosecomportar.Opecadonãoépessoal[…]Ossereshumanossão criaturas da sociedade em que vivem […] Eles são ideias poderosas. Todos têm algo deverdadeiro.16

Essas ideias de fato repercutem profundamente em nossa cultura, mas

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Taylormostra por que, se pensarmos um poucomais detidamente sobre elas,seremosobrigados a concluir que “é absurdo adotar qualquerumadessas […]proposições como verdades universais […] Para que haja algum tipo desociedadeemquesepossaviver,algumasescolhasdevemserrestritas,algumasautoridades devem ser respeitadas e é preciso que se tenha certaresponsabilidadeindividual”.17

Parapregar aum indivíduo secularizado, temosde resistir à interpretaçãoque a secularidade tem de si mesma. Secularidade não é simplesmente aausênciadecrença.Oscristãosmuitasvezesaceitamessadefiniçãoerespondemapresentandoprovaseoutrascredenciais.Calmalá,dizTayloremuitosoutros.Osecularismoéumateiaprópriadecrençasquedeveserexpostaeexaminada.Éoquefaremosagora.

Àmedidaqueofizermos,devemosteremmentealgoaquenosreferimossuperficialmente no final do último capítulo. Falo como se a mente cristãdiferissedamentedamodernidadetardia.Defato,issoéverdade,noentanto,épreciso que reconheçamos a realidade de que todo cristão que vive namodernidadetardiaé,dealgummodo,moldadoporsuasnarrativas.Issonãoénecessariamente de todo mau porque, como veremos, essas narrativas estãofundamentadasatécertopontoemideiascristãse,portanto,estãoparcialmentecorretas.Contudo,ocristãonassociedadesocidentaiscostumaserinfluenciadodemais por essas narrativas, e sabemos por quê: elas estão disseminadas demaneirataleparecemtãoautoevidentes,quenãoseapresentamdeformavisívelcomocrençasparaosqueascultivam.Portanto,vamosaqui“torná-lasvisíveis”,não apenas para interagir com elas e desafiá-las em não crentes,mas tambémpara nos ajudar, como crentes que somos, a não sermos excessivamentemoldadosporelas.

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ASNARRATIVASDAMODERNIDADETARDIAQuaissão,portanto,asnarrativasculturaisbásicasouos“impensados”damentepautadapelamodernidadetardia?Descrevereicinconarrativasdistintas,ouseja,crençasespecíficasouenredossobrea racionalidade,ahistória,a sociedade,amoralidade e a identidade humanas. Em primeiro lugar, porém, resumirei deondevieram.

No capítulo “The impersonal order” [A ordem impessoal], Taylormostraque essas cinco narrativas culturais da modernidade tardia surgiramoriginalmentenocristianismoeemsuainteraçãocomopaganismoclássicodaantiguidade.18 Em resposta à visão que os filósofos gregos tinham domundomaterial, da história e da natureza humana, os mestres cristãos deram novasrespostas com base na Bíblia e na doutrina cristã. As diferenças entre ocristianismo e o paganismo giram em torno do que Taylor chamou de cinco“eixos”.

Antesdosurgimentodocristianismo

DepoisdoadventodocristianismonoOcidente

Ocorpoeomundomaterialsãomenosimportantesereaisdoqueoreinodasideias.

Ocorpoeaomundomaterialsãobons.Éimportantemelhorá-los.Aciaênciaépossível.

Ahistóriaécíclicaenãotemdireção.

Ahistóriaprogride.

Oindivíduonãoéimportante.Sóoclãeatribotêmvalor.

Todososindivíduossãoimportantes,têmdignidadeemerecemnossaajudaerespeito.

Asescolhashumanasnãotêmimportância;nossodestinoestátraçado.

Asescolhashumanassãoimportantesesomosresponsáveispornossasatitudes.

Asemoçõeseossentimentosnãodevemserexplorados,apenassuperados.

Asemoçõeseossentimentossãobonseimportantes.Elesdevemserentendidosedirecionados.

Omotivobásicodamudança,deacordocomváriosestudiosos,sedeveao

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fato de que antes do cristianismo praticamente todas as culturas tinham umavisãoessencialmenteimpessoaldouniverso.Osgregosacreditavamqueologospor detrás do universo consistia em um princípio racional e impessoal. Asculturasorientaisacreditavamquetodapersonalidadeindividualeraumailusãotemporária.Ocristianismo,emfortecontrastecomisso,viaouniversocomoumato amoroso e criativo de um Deus tripessoal, que criou as pessoas para serelacionarem pessoalmente com ele, como seres individuais que duram parasempre.Todasasideiascristãsqueaquiforamapresentadasfluíamnaturalmenteda ideiadequeopropósitode todas as coisas era a “comunhão” comoDeuspessoal.19

Nenhuma dessas ideias— a bondade domundomaterial, o progresso dahistória, a dignidade do indivíduo, a importância das escolhas e o valor dasemoções — tinham sentido em um universo impessoal e, portanto, jamaishaviam sido suscitadas. A feroz crítica de Nietzsche ao humanismo secularmoderno acerta emcheio na ironia deste ponto: embora nenhumdesses ideaismorais (basicamente cristãos) decorram racionalmente de um universoimpessoal,amodernidadetardiaosherdou,acentuoueabsolutizou, libertando-oscompletamentedequalquerfundamentotranscendente.Elacriouumamatrizdevalormoralapartirdofrutodasideiascristãs,mascortouaraiz.Agoratodosessesideaisprecisamsersustentadosdiantedoqueseacreditaserumuniversototalmenteimpessoal,aindamaisimpessoaldoqueaquelesemqueacreditavamas sociedades antigas, porque não há nele nenhum aspecto sobrenatural ouespiritual.20

Asposiçõesmodernastardiasrelativasaessascincoquestõesconstituemasnarrativasculturaisbásicasdamodernidadetardiaouos“impensados”.

1. A narrativa da racionalidade. Os filósofos gregos viam o mundomaterial (inclusive o corpo) como algo subordinado, sem importância e irreal,mas o cristianismo o via como a boa criação de Deus, com uma realidadeconfiáveleobjetivaprópria.Muitosadmitemqueessavisãocristãdeummundo

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criado por um ser racional e pessoal foi um fundamento importante para odesenvolvimentodaciênciamoderna.21Amodernidadetardia,porém,retomouavisãocristãeaamplificouparadizerqueomundonaturaléaúnica realidade.Paraela,tudotemumacausaeumaexplicaçãofísica—atémesmooamoreossentimentos morais são funções da química cerebral —, e a prosperidadematerial é a única prosperidade que há. Essa visão constitui a base para apoderosa cultura atual do consumo e da tecnologia, segundo a qual nossosproblemas serão submetidos a soluções tecnológicas se dedicarmos tempo,dinheiroeesforçossuficientesparadescobri-las.Essanarrativautópicaaindaémuito profunda em nossa cultura. A razão humana, de forma objetiva eimparcial,poderesolveroquenosaflige.Apsicologiaeamedicinanosajudarãoaajustareavencerosproblemasfísicoseemocionais—nãoprecisaremosderecursos espirituais para isso. A sociologia nos ajudará a criar uma sociedadejusta — não precisaremos da virtude dada por Deus para isso. A tecnologiadescobrirá soluções para a fome, o envelhecimento, a pobreza e os desastresambientais.Semareligião,homensemulheresterãovidastãosadiasejustas(senão melhores) quanto terão com ela; portanto, a religião deve se restringir àesferadoprivado.

2.Anarrativadahistória.Paraosantigos,ahistóriaeracíclicaenãotinhafim, ao passo que, para os cristãos, ela estava sob o controle deDeus, que aconduzia com um propósito pelas trevas e pela luz em direção a um clímaxgrandiosoe irreversível.Amodernidade tardiaaproveitoua ideiadeprogressohistórico (daí o termo “progressivo”), mas afastou-a de qualquer ideia decontrole divino. Agora, acredita-se que a história esteja automaticamenteprogredindoacadanovaetapa.Hoje,portanto, julgamospormeiodaquiloqueC.S.Lewischamoude“esnobismocronológico”,istoé,“opressupostodequequalquer coisa que não tenha se atualizado é por isso mesmo [e só por isso]objetodedescrédito”.22Muitasdenossasautoridadesoficiaisdenunciamagoraaçõesouposições“queemnadaserelacionamcomoséculo21”,comosetodocapítulodahistóriafosse,pordefinição,melhordoqueoanterior.Bastaquealgo

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sejanovoparaquesejaautomaticamentemelhor.3. A narrativa da sociedade. Para os antigos, o indivíduo era menos

importante do que a tribo ou o clã e jamais lhes passou pela cabeça que umindivíduo de qualquer raça, classe ou status merecesse ajuda e respeitosimplesmentepelofatoservistocomoumserhumano.Ocristianismo,porém,viaaspessoascomoserescriadosàimagemdeDeuse,portanto,possuidorasdeumadignidadeinviolável.Osecularismoocidentalfoibemmaislonge,jáqueéradicalecrescentementeindividualista.Opropósitomaiselevadodeumaordemsocial,sobaóticadessanarrativa,nãoconsisteemlevaradianteosinteressesdeum grupo qualquer, tampouco promover quaisquer valores ou virtudesparticulares, e sim libertar todosos indivíduosparaquevivamcomoqueiram,semimpedimentos,independentementedequalquerrelaçãocomacomunidade,contanto que não prejudiquem a liberdade do outro de viver como queira. Aescolhasetornaovalorsagrado,eadiscriminaçãooúnicomalmoral.

4. A narrativa damoralidade ou da justiça. Os antigos acreditavam quenossodestinoestavaessencialmente traçado.Aordempor trásdouniversoerainexorável.Cabia-nos aprender a nos submetermos a ela demaneira estoica ecorajosa,ouseresmagadosemsuaspedras.Édipoestavafadadoamataropaiea se casar com a mãe, e foi isso que lhe aconteceu, apesar de todos os seusesforçosemcontrário.Ocristianismo,diferentementedisso,viaouniversonãocomo algo cuja ordem era impessoal, mas como algo criado por um Deuspessoalquecriouossereshumanoscomoagentesmoraisresponsáveisequeseimportava com a forma como nos comportávamos. O secularismo damodernidade tardia é fortemente moral sob muitos aspectos. Ele é maiscomprometido com a justiça social, com a benevolência universal e com osdireitoshumanosdoquequalquercivilizaçãojamaisofoi.Contudo,insisteque,ao buscarmos esses objetivos, não significa que estejamos nos alinhando àsnormasmoraisdeDeus,poissomosnósqueditamosasnormas.Nossosideaismorais não se baseiam em quaisquer absolutos do universo. Eles sãodeterminados por nossas próprias escolhas. No filme Tiros na Broadway, de

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WoodyAllen,RobReiner fazopapeldeumartistaquediz a certa altura: “Aculpa é uma bobagem pequeno-burguesa. O artista cria seu próprio universomoral”. IssosintetizabemoqueTaylorchamadenarrativasobrenósmesmoscuja“moralselegitimaasimesma”.23

5. A narrativa da identidade. As culturas antigas (e algumas culturastradicionaisdaatualidade)acreditavamqueosfortessentimentosindividuaiseointeresse próprio deveriam ser suprimidos em favor do cumprimento do deverpara com a família e para com a tribo. Nessas culturas, o valor próprio doindivíduo decorria da honra que lhe era concedida pela comunidade quandosublimavaseusdesejospelobem-estardacomunidade.Ocristianismoatribuiuvalor muito maior às emoções e às intuições, e não concedeu à família e àsociedade esse controle absoluto sobre os indivíduos. Ele ensinou que nossossentimentos deveriam ser avaliados, e nosso amor e devoção mais elevados,dirigidos a Deus. O secularismo ocidental, porém, inverteu essa abordagem.Nossa identidade agora não se revela exteriormente (em nossos deveres oupapéis na sociedade), mas interiormente apenas, em nossos desejos e sonhos.Sobessaperspectiva,nossovalorprópriobrotadadignidadequeconferimosanósmesmosquandoexpressamoserealizamosnossosdesejos,adespeitodoquea comunidade possa dizer de nós. Temos de “ser nós mesmos”, sejam quaisforemasexpectativassociais.Aprincipalnarrativaheroicadenossasociedadeéa do indivíduo que se ergue e é verdadeiro consigo mesmo à revelia dasociedade.

Essas cinco narrativas funcionam como verdades autoevidentes, geralmenteexpressas por meio de slogans simples que parecem não ter necessidade dejustificaçãodepoisdedeclarados:“Guardesuasopiniõesreligiosasparavocê”;“Soulivreparafazeroquequiser,contantoquenãoprejudiqueninguém”;“Quedireitovocêtemdedizeraalguémoqueécertoouerrado?”;“Sejavocêmesmoenãoseimportecomoqueosoutrosdizem”;“Vocênãovaiquererficardoladoerradodahistória”.

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Como, então, o pregador e o mestre cristão deverão interagir com asnarrativasculturaisdebase?Aintegridade,ahumildadeeoamorrequeremquenós,comsinceridadeeapreço,confirmemosboapartedoqueelascontêm,umavez que suas origens no cristianismo são evidentes. Contudo, cabe-nos exporseusperigoseerros,comoelasabsolutizame,nofundo,divinizammuitascoisasboas na ausência de fé noAutor de todas as coisas.E temos de apresentar osbenefíciosdoevangelhonospontosemqueessasnarrativasfracassam.

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INTERAGINDOCOMANARRATIVADAIDENTIDADE:OEUSOBERANOMuitosdizemqueamaisfundamentaldasnarrativasdamodernidadetardiaéanarrativada identidade.Cabeanósdescobrirnossosmaisprofundosdesejoseaspirações e em seguida fazer tudo para realizá-los, a despeito de todas asdificuldadesouoposição.OsociólogoRobertBellahchamouessanarrativade“individualismoexpressivo”;24euachamareide“eusoberano”.

Comecemosporreconhecerograndebeminauguradopelaênfasemodernano indivíduo. No passado, contingentes imensos de pessoas ficavam presas aumacondiçãosocialespecíficaemsociedadesrigidamentehierárquicasemqueas pessoas tinhamde permanecer para sempre nos escalõesmais inferiores dahierarquiasocialsimplesmenteporqueseentendiaqueessaerasuaobrigaçãoeseulugar.25MeuavônasceunaItália,em1880.Disseram-lhequesuasopçõeseramtornar-sepadre,entrarparaoexércitooudarprosseguimentoaocomércioda família. Ele não queria dedicar sua vida a nenhuma dessas coisas. Emresposta,emigrouparaosEstadosUnidos,ondeencontrou,emEllisIsland,umasociedade mais individualista em que poderia dar forma a uma vida que seadequasseàssuasaspiraçõespessoais.

Ocristianismosempreentendeuaimportânciadocoraçãoesuasafeições.A obra Confissões, de Agostinho, representou uma inovação na história dopensamento humano: uma análise aprofundada das motivações e dos desejosinteriores.Diferentementedospensadoresdaantiguidadeclássica,paraocristãoaemoçãoeraumacoisaquenãodeviaserignoradaousimplesmentesuprimida.Pelo contrário, devia ser examinada e redirecionada para Deus. Boa parte dacompreensãomodernadossentimentosedoeuderivadessasraízescristãs.26

A nova narrativa da modernidade tardia, porém, vai além da meracompreensão e do redirecionamento de nossas paixões: ela as entroniza. Aessência dessa narrativa se deixa captar pelas palavras da música “Let it go”[Deixa rolar] do filme Frozen, da Disney. A música é cantada por umapersonagem decidida a não ser mais “a garota boazinha” que sua família e a

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sociedadequeriamqueelafosse.Emvezdisso,ela“deixavarolar”eexpressavaoquevinhasegurandodentrodesi.27“Nãohácertoouerrado,nãoháregras”para ela. Esse é um bom exemplo do individualismo expressivo descrito porBellah. Não se entende a identidade, como nas sociedades tradicionais, pelasublimaçãodenossosdesejosindividuaispelobemdafamíliaedopovo.Emvezdisso,sónostornamosnósmesmosafirmandonossosdesejosparticularescontraa sociedade, exprimindo nossos sentimentos e realizando nossos sonhos adespeitodoqueosoutrosdizem.

Fazer do eu soberano uma filosofia de vida acarreta inúmeros problemasmuito sérios. Em primeiro lugar, parte-se do princípio de que sabemos o quequeremos — que nossos desejos interiores são coerentes e harmoniosos. Amodernidade nos diz que devemos descobrir nossos desejosmais profundos erealizá-los; no entanto, nossos desejos mais profundos muitas vezes secontradizem. O desejo por uma carreira de sucesso muitas vezes entra emconflitocomodesejoporcertorelacionamento.Alémdisso,nossossentimentosmudam com frequência. Portanto, uma identidade que se baseie em nossossentimentosseráinstáveleincoerente.28

Umproblemaaindamaissérioéqueumaidentidadebaseadanaexpressãodenósmesmos—semouvirosditamesexternos—é,naverdade,ilusória.UmexpoentemuitoconhecidodasoberaniadoeufoiGailSheehyemlivroscomooprecursorPassages[Passagens],de1976.Elainsistiaquevocêsetornaquemésomente quando puder olhar para dentro e se expressar à parte de quaisquer“avaliaçõesereconhecimentosexternos”.29Issoéevidentementeimpossível.

Imagine um guerreiro anglo-saxão na Grã-Bretanha de 800 d.C. Ele temdoisimpulsosesentimentosinterioresmuitofortes.Umdelesédeagressão.Eleadoraesmagarematarpessoasquandoelaslhefaltamcomorespeito.Vivendoemumaculturadevergonha ehonra ede éticabélica, ele se identificará comesse sentimento. Dirá a si mesmo: “Este sou eu! É assim que eu sou! Vouexpressarisso”.Ooutrosentimentoqueeletemédeatraçãopelomesmosexo.Nesse sentido, ele dirá: “Esse não sou eu. Vou controlar e suprimir esse

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impulso”. Imagine agora um jovem que esteja caminhando por Manhattanatualmente. Ele tem os mesmos dois impulsos, ambos igualmente fortes,igualmente difíceis de controlar. O que ele dirá? No tocante à agressão, elepensará:“Nãoqueroserassim”ebuscarálibertaçãonaterapiaeemprogramasde gestão da ira. Ele refletirá, porém, sobre seu desejo sexual e chegará àseguinteconclusão:“Esteéquemeusou”.

O que essa experiência mental nos revela? Basicamente, que nossaidentidade não é um produto simplesmente interno. Pelo contrário, recebemoscertamatrizmoral de interpretação; em seguida, nós a impomos sobre váriossentimentoseimpulsosefazemosumafiltragem.Essamatriznosajudaadecidirquaissentimentoscorrespondemaomeu“eu”edevemserexpressosequaisnãocorrespondeme não devem ser expressos. Portanto, essamatriz de crenças deinterpretação — não uma expressão inata e sem adulteração de nossossentimentos — é o que modela nossa identidade. Apesar dos protestos emcontrário, sabemos instintivamente que nossas profundezas interiores sãoinsuficientes para nosorientar.Precisamosdeumpadrãoou regra fora denósmesmos que nos ajude a classificar os impulsos antagônicos de nossa vidainterior.

E onde foi que nosso guerreiro anglo-saxão e nosso homemmoderno deManhattan foram buscar suas matrizes? Em suas culturas, comunidades ehistórias de heróis. Na verdade, eles não estão simplesmente “escolhendo serelesmesmos”.Estãofiltrandoseussentimentos,descartandoalgunseabraçandooutros.Elesestãoescolhendoseroeuquesuacultura lhesdizquepodemser.No fim das contas, é impossível que haja uma identidade baseada demaneiraindependenteemnossossentimentosinteriores.

Arealidadeéquenãopodemosconferirmaisdignidadeanósmesmosdoquenossa identidade.Naverdade,asduascoisasandamjuntas.Em“Theneedforrecognition”[Anecessidadedereconhecimento],CharlesTaylorcitaolivrodeGailSheehyeseuconselhodequenãodevemosnospreocuparcomoqueosoutros pensam — e que devemos conferir o veredito da importância a nós

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mesmos.30Taylordizqueissotambéméumaimpossibilidade.31Aimportâncianãovempormeiodoautorreconhecimento;eladevevirsobretudodeoutros.Nofimdascontas,nãopodemosreputaroubendizeranósmesmos.Nãopodemos,em última análise, dizer a nós mesmos: “Não me importa que todos a quemconheçomejulguemummonstro.Amoamimmesmoeéissooqueimporta”.Isso não nos convenceria do nosso valor, amenos que fôssemosmentalmentedesequilibrados.Éprecisoquealguémde foranosdigaque somospessoasdegrande valor, e quanto maior o valor da pessoa que nos diz isso tanto maiscontundente esse reconhecimento será para a formação da nossa identidade.Portanto,setentarmosabonarevalidaranósmesmos,noscolocaremosemumcicloilusórioinfinitoquedesembocaráemnarcisismoouautodepreciação.

Anecessidadeinabaláveldeafirmaçãoedereconhecimentoexternos—emparalelo com a negação atual desse fato da natureza humana— coloca umapressãoenormesobreoeudamodernidadetardia.Nassociedadestradicionais,sevocêfossesimplesmentebomfilhoouboafilha,bommaridoouboaesposa,bompaiouboamãe,estaria fazendo tudooqueasociedaderequeriadevocê.Isso poderia ser repressor e limitante,mas a exigência para o reconhecimentonãoseriaterrivelmentealta.Oprocessomodernodeformaçãodeidentidade,noentanto,dizavocêparacriaroeuapartirdonada.Cabeavocêidentificarseussonhos,especialmenteaquelesmaisvívidos,erealizá-los—ouentãosesentiráum fracassado. Essa perspectiva esmaga aqueles para quem, em muitossegmentos da nossa sociedade, o dinheiro, as aparências, o poder, sucesso, asofisticação e o amor romântico se tornam todos não apenas coisas boas,masfatoresdeidentidadeimprescindíveis.32

Éaíque sevê comoapropostadocristianismoé libertadora.Em termosbíblicos,somosseressocialmenteinterdependentesetemosvalorporquefomosfeitosàimagemdoDeustriúno—aimagodei.Issosignificaquenossovaloréaumsótempoinerente(decorresimplesmentedesermoshumanos)econtingente(nosfazlembrardoquantosomosdependentesdeDeus).Éumaidentidadequenão é conquistada,mas recebida.Damesma forma, no evangelho, na obra de

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Cristo,essaidentidadeébatizadaemalgoaindamaior.Nãosepodealcançá-laatravés da realização de papéis sociais ou pelo cumprimento de padrõesreligiosos e morais, ou pelo sucesso e conquista de status. Trata-se doreconhecimentosupremo—aaprovaçãodeDeusconformeelenosvêemJesusCristo. É “ser encontrado nele, não tendo um registro próprio que venha darealizaçãoedoesforçopessoais,maspormeiodaféemCristo—ajustiçaquevemdeDeuspelafé”(Fp3.9,paráfraseminha).

Podemos pregar sobre a abordagem cristã da identidade com base emmuitostextosetemasbíblicos.

Amaneiramais fundamental consiste em extrair implicações de três dosbenefícioscruciaisdasalvaçãoemCristo:justificação,quenostornalegalmentejustos;adoção,quenosintegranafamíliadeDeus;euniãocomCristo,pelaqualestamos “nele”. Cada um desses grandes tópicos teológicos tem implicaçõesextraordinárias para nossa identidade recebida, não conquistada, e cada umdesafia e, ao mesmo tempo, atende às aspirações da modernidade tardia poridentidade. Um cristão, por exemplo, chega, por assim dizer, a um nível deautoestima muito mais elevado ao lhe ser conferida uma autoestima muitomenor.Somentesenosarrependermoseadmitirmosquesomosmuitopioresdoquejamaishavíamosimaginadopodemosserjustificados,adotadosporCristoeunidos a ele; e seremos, portanto,muitomais amados e aceitosdoque jamaispoderíamosesperar.Aidentidadecristãcriaentãoumahumildadeprofunda,aomesmotempoqueconfereumamorinfinitoeumsentidodevaloranós.Dessemodo, a identidade cristã tanto critica quanto realiza o desejo moderno poridentidade.

Há outros temas bíblicos que também estão relacionados com essanarrativa.Deusnosatribuiseunome(Is43.7;2Cr7.14;Mt28.19).Aquestãodaidentidade não é “quem sou eu?”, e sim “de quem sou eu?”. Uma vez que aidentidadesempredecorredaaclamaçãoedoreconhecimentodealguémforadenós,quemquerquesejaessafonte,ouqualquerquesejaela, torna-sedonadonossocoração.Pertencemosaela.Teremossuaaprovaçãosomentesefizermos

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bemoquetemosdefazer.Porissoovalorqueatribuímosanósmesmosvacilarádrasticamentedependendodecomonossaímos.Seremosescravos.SomenteseDeusnoschamarpeloseunome,eseoservirmos,seremoslivresdaescravidão,porqueelenosamaporcausadoqueJesusfez,enãopeloquenósfizemos.Seele nos chamar pelo seu nome— e se formos dele— poderemos finalmentedescansaremnossaidentidadedefilhosdeDeus.

O interesse moderno por uma identidade única não foi esquecido peloensinamentobíblico.ABíblia ensinaqueDeusnosdáumnomeparticular (Is62.2;Ap2.17)equeessenomeserevelaemnossavidaconformeelenosmostraascoisasespecíficasquenospediuquefizéssemosporelenomundo(Ef2.10).Existemcoisasquesónóspodemosfazer.Hámãosquesónóspodemossegurar,feridas que sónóspodemos curar, porque ele está nos transformando emumapessoaúnica.Alémdisso,todooensinobíblicosobrese“despirdovelhoeu”e“serevestirdonovo”(Ef4.22-24,NVI)ressoajuntoaosindivíduosmodernosdeummodo que talvez não seja tão real em outras culturas.A narrativa culturalsimplista diz que devemos simplesmente expressar nossos mais profundosdesejos.Naverdade,sabemosquehácoisasnoíntimodonossocoraçãoquenosimpedemdeseroeuverdadeiroquedeveríamosser.Oprocessodesantificação,decrescimentoàsemelhançadeCristo, tambémé,portanto,oprocessodenostornarmosoeuverdadeiroqueDeuspretendeuquefôssemosquandonoscriou.

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INTERAGINDOCOMANARRATIVADASOCIEDADE:LIBERDADENEGATIVAABSOLUTAOquehánanarrativadasociedademodernatardiaquepodeserratificadopelaBíblia? Muita coisa. Conforme diz Taylor, a doutrina fundamental doprotestantismodequesomossalvospelaféapenas—enãopelafiliaçãoaumaigreja; não pela expressão da ordemcósmica através da participação submissaem uma classe social ou casta— significava que todos tinham de fazer umaescolhaconscienteedeliberadadecrer.Portanto,aimportâncianoOcidentedaliberdade individual e da escolha pessoal (em oposição ao comprometimentodefinidopelaculturaoupelatribo)brotou,sobretudo,dateologiaprotestante.33

Contudo,aintensificaçãodessanarrativanamodernidadetardiavaialémdaconcepçãode liberdadeentão revolucionáriadaBíblia.A liberdadede escolhasemlimitessetornoupraticamentesagrada.(Osfilósofossereferemaissocomo“liberdadenegativa”—aliberdadederestrições—,aqualelescontrastamcoma “liberdade positiva”, a liberdade para buscar uma meta que seja boa.) Aliberdade negativa absoluta se torna o bem moral supremo, de modo que “o[único] pecado que não é tolerado é a intolerância”.34 Isso suscita inúmerosproblemastantofilosóficosquantopráticos.

Um desses problemas é o de que a sacralização da narrativa da escolhapessoal desgasta a comunidade e fragmenta a sociedade. Lembremos aqui acitaçãodeTaylorsegundoaqual“paraquehajaalgumtipodesociedadeemquesepossaviver,algumasescolhasdevemserrestritas,algumasautoridadesdevemserrespeitadaseéprecisoquesetenhacertaresponsabilidadeindividual”.35Ossociólogos documentaram o crescimento do desinteresse cívico e político dejovens adultos.36 Quanto mais as pessoas se deixam influenciar pelacompreensão moderna tardia do eu soberano e de sua irmã mais jovem, aliberdade negativa absoluta, tantomenos elas se sentemumaparte leal de umcorpopolíticomaior.

Outroproblemadessanarrativadaliberdadeéqueaquiloquefoichamadode “princípio do dano” não funciona. Taylor sintetiza a questão da seguinteforma:“Ninguémtemodireitodeinterferirnaminhavidatendoemvistaomeu

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bem,anãoserquesejaparaevitarodanoaoutraspessoas”.37Oprincípiododano parece estabelecer a liberdade de escolha dentro de um absoluto deautocorreção.Segundoessaperspectiva,nãohánecessidadedequeasociedadeapresente qualquer princípiomoral, pois ela pode ser “isenta de valor”.Todossão livres para viver do jeito que quiserem, contanto que não interfiram naliberdadedooutro.Contudo,ocalcanhardeAquilesdessateoriaéasuposiçãodequetodossabemosoqueé“dano”oudequesepodedefini-losemrecorreracrençasarraigadassobreocertoeoerrado.

Há quem diga que não faz mal algum consumir pornografia na esferaprivativa do lar. Outros, porém, contestam e dizem que a pornografiainfluenciará a maneira como o indivíduo conversa e age com outros,especialmentecomasmulheres.Portrásdessasdiferentesconclusõessobredanohá diferentes compreensões do certo e do errado para que os indivíduos serelacionem com a comunidade. Em outras palavras, qualquer decisão sobre oque prejudica o próximo se acha enraizada em visões específicas da naturezahumana,dafelicidadeedocertoedoerrado—cadaumadasquaiséquestãodefé.Portanto,mesmoquetodosconcordemosquealiberdadedevaserrestringidase prejudicar alguém, uma vez que não há consenso sobre o que seja dano, oprincípiosetornainútilnaprática.

A narrativa da liberdade também dilui a busca do sentido da vida.Perguntaram certa vez a Stephen Jay Gould, cientista de Harvard, “qual é osentidodavida?”.Elerespondeu:“Estamosaquiporqueumgrupoestranhodepeixes tinhaumabarbatanade anatomiapeculiar quepodia se transformar empernas para criaturas terrestres […] Talvez desejemos uma resposta “maiselevada”— mas não há nenhuma. Essa explicação, embora superficialmenteincômoda é, em última análise, libertadora […] Cabe a nós criarmos essasrespostas”.38SenãoháDeusnenhum,e senão fomospostosaqui comalgumpropósito,entãonãohánenhumsentidodavidaa ser“descoberto”.Nãoháaínenhumpropósito que tenha existido antes de nós, para o qual fomos feitos ecomoqualsomosobrigadosanosalinhar.Essaausêncianosliberta,dizGould,

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enospermitedecidirquecoisassãosignificativasparanós.Talvezachemosqueconstruir casas, pintar quadros ou constituir família nos dê um propósito.Portanto,sãoessesossentidosqueescolhemosparanós.

O filósofoThomasNagel, porém, diz que os sentidos criados sãomenosracionais em princípio do que os sentidos descobertos. A maioria de nósconcordaria,argumentaNagel,quesóhásentidoquandosentimosquefazemosdiferença e que aquilo que fazemos é importante.Contudo, diz ele, se não háDeus e você escrever uma “grande obra literária que continuará a ser lidamilharesdeanosdepoisdehoje”ese,mesmoassim,“osistemasolaresfriarnofuturoououniversodesacelerareentraremcolapso,equalquervestígiodeseuesforço vier a desaparecer […] Se você pensar em tudo isso […] nenhumaimportânciaterásevocêjamaistiverexistido”.39Emoutraspalavras,senãoháDeusouqualquercoisaalémdestemundomaterial,entãonãoimportasevocêfoi bom ou cruel ou criminoso, nada disso fará diferença alguma no final.Ninguémestaráporpertopara se lembrardoquequer que seja. Isso significaquevocêsópodeviverumavidasignificativasetiverocuidadodenãorefletirsobreasimplicaçõesdesuaperspectivadouniverso.Nãoéumamaneiramuitoracional de viver.Os que creem emuma religião, porém, extraemum sentidomaiordavidaquantomais refletemsobre as implicaçõesdavisãoque têmdouniverso.Paraeles,asaçõescorretasdeagoracontamliteralmenteparasempre.

Luc Ferry, outro ateu, propõe um argumento parecido. Para ele, essessentidos criados não são apenasmenos racionais, mas tambémmais egoístas.Podemos decidir dar a vida para atender às necessidadesmédicas dos pobres;mas por que, numa estrutura secular, isso seria significativo? A respostaadequada,deacordocomanarrativadaliberdade,équenósoestamosfazendonãoporquesejamosobrigadosafazê-lo,masporqueescolhemoslivrementequetalatividadeseriasignificativaparanós.Contudo,dizFerry,issosignificaque,naverdade,estamosajudandoosdoentesporcausadenósmesmos, enãoporcausadeles.Nósofazemosporqueissofazcomquesintamosquetemosvaloresomosimportantes.40Ossentidoscriadospeloeuseaproximamterrivelmenteda

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vidavividaparasimesmo.Omotivodecisivopeloqualessanarrativanãofunciona,emúltimaanálise,

sedeveaofatodequeaideiamodernadeliberdadeé,emsimesma,umailusão.Lembre-se de que o conceito moderno de liberdade é a liberdade negativaabsoluta, a ausência de qualquer constrangimento. Quanto menos limites efronteiras tiveremmeus desejos,minhas escolhas e ações, tantomais livre eudeveria ser. Contudo, isso não faz justiça à complexidade das dimensões deliberdadeeàsrealidadesdavidaencarnadaeemcomunidade.

Um homem de sessenta anos talvez queira muito comer alimentosgordurosos, mas, se ele exercitar diariamente sua liberdade de ceder a essesdesejos, sua vida será reduzida de algummodo.É preciso que ele escolha termenos liberdade (de comer os alimentos de que gosta) para que tenha maisliberdade(saúdeevidalonga).Sevocêquiseraliberdadequeadvémdeserumgrande músico— a capacidade de tocar as pessoas com sua música e dessemodo proporcionar uma boa vida à sua família—, terá de abrir mão de sualiberdadedefazeroutrascoisasparapraticaroitohorasaodiaduranteanos.Aliberdade não é, portanto, simplesmente a ausência de restrições.Ela consiste,pelo contrário, em encontrar as restrições corretas e libertadoras. Em outraspalavras,temosdenossubmeteraperdastáticasdeliberdadeparaobterganhosestratégicos de liberdade. Só crescemos quando perdemos tipos inferiores deliberdadeemtrocadeganhosdo tipomaiselevado.Portanto,nãohá liberdadenegativaabsoluta.

A prova por excelência de que a narrativa da liberdade não funciona é oamor. Nenhuma relação amorosa poderá crescer a menos que um indivíduosacrifique um pouco de sua liberdade para servir ao outro. Contudo, taisrestrições, seaceitasmutuamente,conduzirãoa liberaçõesvariadasdamenteedocoraçãoquesomenteoamorpodeproporcionar.Aspessoasemsuamaioriadizemquesesentemmais“elasmesmas”quandoamamrealmentealguémesãoamadas; contudo, isso exige a submissão total da liberdade autodeterminante.Como vimos, a narrativa da liberdade da modernidade tardia corrói a

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comunidade humana em geral. No entanto, ela corrói especialmente ocasamento. Um indivíduo moderno tardio, controlado tanto pela narrativa daliberdadequantodaidentidade,querumcônjugeque“meaceitecomosouenãoexijaqueeumudenemqueeusacrifiquenenhumdosmeusdesejos,interessesesonhosprincipais”.Essetipodecasamentoéficção.Nãoexiste.41

Essaéaprincipalmaneiradeinteragircomanarrativadeliberdadeemsuapregação. Mostre que no plano humano o amor não cresce, e nem mesmosobrevive, na companhia da autoabsorção do entendimentomoderno tardio deliberdadeeescolha.Issoficaráclaroquandovocêpregarsobreorelacionamentoamoroso em textos como1Coríntios 13 eColossenses 3. Se podemos ter essaexperiência no plano humano, tantomais a teremos em nosso relacionamentocom Deus. No casamento, pode-se dizer, perdemos nossa independência paraganhar uma nova liberdade. Portanto, se nos entregarmos a Deus, nossoVerdadeiroAmor,seremosmaislivresdoquepodemosimaginar.Seremoslivresde temores, insegurança e vergonha. Seremos livres para perdoar, amar osoutros,enfrentarosofrimentodeummodoquenãopoderíamosantes.

AtémesmootemadoreinodeDeus,quandopregadodemodoadequadoepleno,propõedesafiosobjetivosaodesejode liberdadedamodernidade tardia,bem como o realiza. Vemos na vida cotidiana como certas disciplinas —“perdas” de liberdade como as decorrentes de exercícios e dietas— levam aoutros tipos de ganho de liberdade. Vemos também como funcionários ou osmembrosdeumaequipe,quandosesubmetemàliderançadeumgrandediretorexecutivoou aum técnico extraordinário, realizamseupotencial eprosperam.Submeter-se às regras certas e ao líder certo pode redundar em todo tipo deliberdade fantástica.Seentendermosqueesseéocaso,quantomais libertadorseránossubmetermosaoverdadeiroreidanossaalma?ABíbliadizque,quandoDeus voltar para julgar a terra, até mesmo a ordem criada será libertada dadecadência(Sl96.11-13;Rm8.20-23).

Tudo isso ratifica a célebre declaração de Jesus de que conhecê-lo nosliberta (Jo8.31-36).Emoutraspalavras,“aescravidãomáximaé […]rebelião

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contraoDeusquenosfez.OmestredespóticonãoéCésar,esimovergonhosoegocentrismo, a devoçãomaligna e escravizadora às coisas criadas à custa daadoraçãoaoCriador”.42PassagenssobrelibertaçãodopecadoemRomanos6a8eGálatas 4 e 5 tratamdessesmesmos temas, assimcomoos ensinamentosdeTiago1e2sobrealiberdadequevemdaobediênciaàlei.Exponhatambémaafirmação do Antigo Testamento de que a obediência à lei é libertadora, quedevemos escolhê-la livremente (Sl 119.32) e que ela, por sua vez, nos tornalivres(Sl119.45).43

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INTERAGINDOCOMANARRATIVADAMORALIDADE/JUSTIÇA:AMORALIDADEQUEAUTORIZAASIMESMAOindivíduosecularseirritaaoserchamadode“relativista”peloscristãos,eestámuito certo em reagir assim. Em comparação com o passado, “vivemos hojeumaculturamoral extraordinária” emque “o sofrimento e amortepela fome,enchentes, terremotos, pestes ouguerras são capazesdedespertar […] amplosmovimentos de simpatia e de solidariedade prática” de maneiras inéditas emcomparaçãocomopassadooucomoutraspartesdomundo.44Nopassado,eemmuitaspartesdomundodehoje,avidahumanaeravistacomoalgobarato,eoindivíduo tinha pouco valor.OOcidente secular, ainda bem, é diferente. E oscristãosdeveriamsesentirgratosporisso.

Contudo, é preciso indagar ao indivíduo damodernidade tardia:Por quedeveríamosreformaromundoehonrarosdireitosde todos?Deacordocomacompreensãomoderna das coisas, nãopodemos fundamentar amoralidade emumafonteexternaanós—navontadedeDeus,ounocarma,ouemalgumreinocósmicodeideaismorais.Nisso,amentalidademodernatardiadiferedetodasasreligiões ou de outras culturas da história. Na verdade, para se distanciar deperspectivas anteriores, muitos indivíduos secularizados prefeririam dizer queestão comprometidos com a justiça, e não com amoralidade. Temos de sernossos próprios “legisladores do sentido”,45 de maneira tal que os ideaissecularesde justiçaedemoralidade tenhamautoridadepor simesmos.46Essatalvezsejaanarrativabásicamaisproblemáticadamodernidadetardia.Elanãodispõe das fontes ou dos fundamentosmorais nos quais alicerçar seus ideais.Issoresultaemtrêsgrandesdificuldades.

Aprimeiradelaséoproblemadamotivaçãomoral.Porquedeveríamosnosimportar comopobree fazer justiça?Amotivaçãodocristãoparaoalíviodapobreza,dadesigualdadeedosofrimentoéoágape,aextensãodoamorradicalque recebemos de Deus e oferecemos a outros. Aí está a fonte moral dabenevolênciacristã.Contudo,qualéamotivaçãodabenevolênciasecular?

Umamotivaçãocomum,dizLucFerry,é“umsentimentodesatisfaçãoede

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superioridade quando contemplamos […] as sociedades não liberais”.47 Emoutraspalavras,baseamosnossaautovalorizaçãomoralnamaiorliberalidadedosnossosvaloresemrelaçãoaosvaloresdosdemais.Essamotivaçãonãoapenaséegoísta e frágil,mas também torna nossa filantropia “vulnerável àsmudançasrotineiras de atençãodadapelamídia às váriasmaneiras de se sentir bemqueestãonamoda”.48Comoestamosfazendoobemaopróximocomopropósitodeincrementar nosso sentido de valor e de superioridade, nossa benevolênciafacilmentesetransformaemdesprezoquandoconfrontadacomasdecepçõesdoserviçoedaajudaaoserhumanonavidareal.49Oágapecristão,pelocontrário,motiva a benevolência ao nos tornar humildes, mostrando-nos que somospecadoresamados,demaneira talquegastarnossavidaembenefíciodooutronãodeveseralgobaseadoemumsentimentodesuperioridade,esimemtermossidoconscientizadosdenossaprópriafalta.

Outramotivaçãosecularpossívelparaabenevolêncianãoseguealinhadacaridadepaternalista,masairapuraesimplescontraainjustiça.“Combatemosasinjustiçasqueclamam[…]porvingança.Somosmovidosporumaindignaçãoardentecontraoracismo,aopressão,osexismo…”.50Issorequer,obviamente,ademonizaçãodecertaspessoasparaajudaroutras.Qualquerfilósofonatradiçãode Nietzsche separaria um dia para denunciar esse motor motivacional.Nietzscheinsistiaqueabenevolênciaeoativismodajustiçasocialnasociedademodernadecorrem,emgrandemedida,doódioedodesprezopelooutro.51

Osegundoproblemaéodaobrigaçãomoral.Umsloganqueexpressaessanarrativaculturaldizque“Deusnãoénecessárioparaquevocêtenhaumavidamoral que inclua o trabalho pelo bem comum”. Dois livros recentes a favordessa hipótese sãoGood without God: what a billion nonreligious people dobelieve[ObemsemDeus:emqueacreditamdefatoumbilhãodepessoasnãoreligiosas]eAtheistmind,humanistaheart[Menteateísta,coraçãohumanista].52

Osdoisafirmamcategoricamentequeateusepessoassecularizadaspodemser,esão, altamente morais, pois são pessoas que vivem com integridade, ajudamoutrossacrificando-seporeles,evivemumavidadeamoredejustiça.

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QuandooindivíduosecularizadodizqueocomportamentomoralépossívelsemDeus,nãohádúvidadequeeletemrazão.Dopontodevistacristão,quemnão acredita em Deus é capaz de amar o próximo e de fazer muitas coisasexigidaspelaleideDeus.Issoéverdadenãoapenasnateoria,mastambémnaexperiência diária, pois todos conhecemos pessoas sem religião que sãogenerosas,moraiseamorosas.Dopontodevistadosecularismo,ossentimentosmoraispodemvirdemuitasfontes.Elespodemserprodutodaminhaevoluçãobiológicaouumafunçãodomeuhistóricocultural,oupodemsimplesmenteserprodutodomeutemperamentoedasminhasescolhasparticulares.

Contudo, embora certamente haja sentimentos e comportamentos moraissemDeus, comoépossívelhaverobrigaçãomoral?Combase emque sediz:“Não façaX,mesmoque você sinta vontade de fazê-lo”?Namoralidade cujaautoridadeprovémdelamesma,vocêtalvezachequeXestáerrado,eevitafazê-lo.Noentanto,combaseemque,porexemplo,vocêdizaosgovernosemoutropontodogloboquedevemconcederdireitos iguaisàsmulheres?Porqueseussentimentosesuasintuiçõesmoraisinterioresarespeitodedeterminadaquestãodevem sobrepujar os de outras pessoas? Todos temos avaliadores moraisinternos. O que acontece quando os seus se diferenciam dos avaliadores dasdemaispessoasemoutrasculturasoumesmodosavaliadoresdosseusvizinhosou irmãos?A únicamaneira de passar de sentimentosmorais para obrigaçõesmoraisconsisteemapelarparaalgumafontemoralounormadoqueécertoouerrado externa a ambas as culturas ou aos indivíduos. Essa fonte ou normavalidará, revisará ou invalidará os sentimentosmorais internos que competementre si. Toda cultura até a nossa teve um mecanismo assim, uma forma deapelar às pessoas para que vivessemdo jeito que deveriamviver, porque todaculturaatéanossatevealgumconsensoarespeitodeumafontemoralexternaaoeu.Masessenãoéocasodosistemamodernotardio.

Nesseponto,osecularismonãotemdefesacontraamensagemprincipaldeFriedrich Nietzsche. Ele dizia que o mundo estava cheio de destruição, caos,sofrimentoexploraçãoebrutalidade.Agora,seessemundonaturalétudooque

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existe,entãonãopodehavernadaqueesteja“acima”destavida,nenhumpadrãopeloqualpossamosjulgaralgumaspartesdavidaboasecorretaseoutraspartesruinseerrôneas.Nãopodehavernadamaiselevadodoqueestavida,istoé,nãohá ideaismorais que possam submeter a juízo e correção o que quer que sejanestavida.Nietzscheargumentouinfatigavelmentequeohumanismosecularerasimplesmente covarde demais para reconhecer as implicações de sua visãoseculardouniverso.Setodasasnossascrençasmoraisforemrealmenteapenasoproduto da biologia evolucionária, então, embora algumas coisas possamparecer erradas, elas não o são de fato. Podemos sentir que é errado deixar opobremorrerdefomeafimdeacumularmosriquezaepoderparanósmesmos,mas não há como dizer que é de fato errado fazê-lo— inclusive no caso depessoas que não sentemque seja errado.Talvez você diga que não é razoávelfazerisso(emboramuitagentecontesteessaafirmação),masnãoinerentementeerradoemeporsimesmo.Semumafontemoralquenossejaexterna,aúnicamaneira de resolver esses conflitos inevitáveis entre ideais morais, de acordocomNietzsche, é pelo exercício do poder. Isso significa dizer a outros: isto écorretosimplesmenteporqueeulhedigoqueéetenhoopoderparaobrigá-loasesujeitaraoquelhedigo.

Issonoslevaaoúltimograveproblemadanarrativamoralmoderna.MariRuti, professora da Universidade de Toronto, expressa de forma concisa aprofundatensãoquehánopensamentomoralsecular:“Emboraeucreiaqueosvaloressejamconstruídossocialmente,enãodadosporDeus[…],nãocreioquea desigualdade de gênero seja mais defensável do que a desigualdade racial,apesardosreiteradosesforçosdefazercomquepassecomo‘costume’culturalespecífico, e não como um episódio de injustiça”.53 Observe que, segundo aprofessora, todos os valores morais são construídos socialmente pelos sereshumanos, portanto não se acham fundamentados em Deus. Contudo, ela estádizendoque a compreensãoque sua cultura (ocidental) temda igualdadedeveser seguidapor todos.Elanãooferecenenhuma razãopara isso, simplesmentefazumaafirmação.

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Há um exemplo notável do queTaylor chama de “falta extraordinária dearticulação da […] cultura moderna”, que vem da visão segundo a qual “asposiçõesmoraisnãoseencontramdemodoalgumfundamentadasnarazãoounanaturezadascoisas,massão,emúltimaanálise,simplesmenteadotadasporcadaumdenósporquenosvemosatraídosporelas”.54Sevocêestiverpropondoquealguns comportamentos são errados e devem ser impedidos, não há comojustificar ou mesmo manter um diálogo a respeito disso com alguém quediscorde.Tudooquevocêpodefazeréreduziraoutrapessoaaosilêncio.

Em seu artigo “Conditions of an unforce consensus on humam rights”[Condições para um consenso não forçado sobre direitos humanos], Taylormostraessedilemaocidental.Umavezqueamodernidadesecularacreditaqueseus valores não vieram do cristianismo, mas são apenas produtos da razãoobjetiva, ela não pode apelar a qualquer outra sociedade para que adote osdireitos humanos sem, primeiramente, dizer-lhe que é atrasada e precisaabandonar o hinduísmo, o islamismo, o budismo ou sua religião tribal e sesecularizar.DizTaylor:“Umobstáculonocaminhoda[…]compreensãomútuaadvémdaincapacidadedemuitosocidentaisdeversuaculturacomoumaentremuitas”.55Ossecularistasocidentaisinsistemquesuavisãodedireitosiguaisésimplesmente evidente por si mesma para qualquer pessoa racional, mas asculturas não ocidentais não concordam com isso. Os ideais seculares dabenevolência e dos direitos universais estão “longe de serem evidentes por simesmos”.56 Como os indivíduos realmente secularizados não admitem que afontedeseusprincipaisvaloresmoraisencontra-seemsuahistóriacristã,issoostornaimperialistas.

Umadasprincipaismaneiraspelasquaisumpregadorcristãopodeinteragircom essa narrativa consiste em identificar as interpretaçõesmorais cristãs dasquais provêm tantos ideaismorais seculares. Por exemplo, a ênfase bíblica nocuidadoparacomopobreecomomarginalizadoestáportodaparte.AliteraturadesabedoriadeJó,deSalmosedeProvérbiosfazreferênciasconstantessobreavida justa, a privação pessoal em benefício do outro e sobre o cuidado aos

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direitoseàsnecessidadesdopobre.57ProfetascomoAmósmostramqueDeusresponsabilizatodasasnaçõesemrelaçãoapadrõesdejustiçasocial(Am1.1—2.3).Oscapítulos1e9deGênesismostramque todoserhumanofoicriadoàimagemdeDeus.Ésemprebommostrarcomoaretóricaeaaçãodomovimentodosdireitoscivissebasearamfortementenoconceitodetodasaspessoasforamcriadasà imagodei.58A cada etapa, porém, é crucialmostrar comoessa ideiamoralcristãestáemplenasintoniacomanaturezadeDeusedomundoqueelecriou.Dessemodo,vocêestaráfazendootrabalhodeNietzsche(!)aolembraraspessoasdeondevieramessasideiasecomoelassópodemfazemsentidoemumuniversopessoalcriadoporDeus.

Tambéméimportantequeopregadorcristãomostreaseusouvintesqueaexperiência doágape—a graça nãomerecida deDeus emCristo—conduz,inevitavelmente,aumavidajustaedecompaixão.LemosemTiago2.14-17quenãopodemosserverdadeiramentesalvospelagraçapormeiodaféeaindaassimnãotercompaixãopelopobre.VemosemTiago1.9-11queosmaisricosserãohumilhadosedestituídosdesuaarrogânciapeloevangelho,enquantooscrentesmaispobresserãolibertosdaautoaversãopeloevangelho.Oevangelhoproduzuma transformação social e motivacional.59 Ouvintes secularizados sesurpreenderão ao ouvir — e muitas vezes terão de admitir ao fazerem acomparação — que suas motivações pessoais para a prática da justiça sãorelativamentemaistênuesemaisnegativas.

Outro tema bíblico importante que interage com essa narrativa é oensinamento sobre a ressurreição. O cristão tem não só uma motivação maisprofunda para fazer justiça, mas também uma esperança maior. No fim dostempos,deacordocomaBíblia,nãoviveremosparasempreemummundonãomaterial. Este mundo será renovado. Teremos corpos ressuscitados e todainjustiça, sofrimento, doença e morte serão banidos. Como observeianteriormente,quandofizreferênciaaosescritosdeMiroslavVolf,crernodiadojuízo, quando tudo o que é errado será endireitado, pode ser um incentivopoderoso para evitar a violência e a vingança, e para viver uma vida de paz

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agora,certosdeque,futuramente,haverájustiçanaterra.Porfim,haverávezesemque,comoobservamosnocapítuloanterior,pode

haver lugar para o usode complementos apologéticos.Quando isso acontecer,você pode ressaltar de forma breve, porém clara, que os relatos seculares dejustiçanão têm fontesmorais forado eu; que, senãoháDeus,Nietzsche estácertoenãoháumaboarazãoparadizeraalguémquevivasemegoísmo.

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INTERAGINDOCOMASNARRATIVASDAHISTÓRIAEDARACIONALIDADE:ACIÊNCIACOMOAESPERANÇASECULARAs narrativas da história e da racionalidade estão interligadas em algunsaspectos.Existeaindaumanarrativapoderosaemnossaculturasegundoaqualaciênciaeatecnologianosproporcionarãoumfuturomelhor.OValedoSilícioéoepicentrodesse tipodepensamento,emquemuitas“vozesproféticas”falamdeumfuturoemqueosproblemasdoenvelhecimento,dasdoenças,dapobrezaedadesigualdadeserãotodosresolvidosoutransformados.

Contudo, há uma forte reação em nossa cultura contra esse tipo deesperança. Vários filmes recentes mostram um futuro distópico em que acivilização é amplamente dizimada.Há umpessimismogeneralizado de que atecnologia está destruindo nossa privacidade, está nos desumanizando e nostornando vulneráveis ao terrorismo futuro e a uma exploração em escala semprecedentes.

A resposta cristã a issoéquea ideiamodernadeprogressohistórico temsidootimistademaistantoemrelaçãoàhistóriaquantoànaturezahumana.Elasupõequeonovoésempremelhor,masosensocomumnosdizquenãoébemassim. A história é completamente inadequada como guia moral. Os nazistastinham certeza de que estavam “do lado certo da história”, assim como oscomunistas.Naverdade,naprimeirametadedoséculo20épossívelqueamaiorpartedaintelligentsiaocidentalachassequeosocialismoouocomunismofosse“ocaminhoqueahistóriaestavatrilhando”.Emcontrapartida,muitosemnossotempo presente são extremamente pessimistas. Eles rejeitaram a ideia doprogressoinexoráveleasubstituírampelaideiacontráriadequeahistória,naspalavras deMacbeth, é “um conto narrado por um idiota, cheio de som e defúria,masquenãosignificanada”.

A resposta cristã à visão da história extremamente otimista ouextremamente pessimista da modernidade tardia consiste em apontar para aressurreição. O cristianismo é ao mesmo tempo muito mais pessimista em

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relaçãoàhistóriaeàraçahumanadoquequalqueroutravisãodemundoemuitomais otimista em relação ao futuromaterial domundo do que qualquer outracosmovisão.Nossofuturoconsisteemummundomaterialrenovadocomcorposressuscitados,maséclaroquearessurreiçãosemprevemdepoisdamorteedadestruição.Não há razão para os cristãos acreditaremque cada década e cadaestágio da história serãomelhores do que os anteriores,mas cremos que tudoestásendoconduzidodemodoinfalívelparaumfinalglorioso.

Portanto,avisãocristãdahistóriaevitaautopiaeoexcessodeotimismodamodernidade,masevitatambémopessimismoeoenfadodadistopia.

De igualmodo,opregadorcristãodeve interagir tambémcomanarrativadaracionalidade.Acrençadequetudotemumaexplicaçãocientíficaedequetodo problema temuma solução tecnológica é irremediavelmente ingênua.Nopassado,os sonhosutópicos sempre resultaramemdecepção.Praticamenteemtodos os lugares em que o pregador ou o mestre cristão depara com umapassagem sobre a profundidade e a complexidade domal—omal coletivo esistêmico (“o mundo”), o mal interior (“a carne”) ou o mal sobrenatural (“oDiabo”)—, ele deve aproveitar a oportunidade para interagir com a narrativacultural,mostrandoqueapsicologia,asociologiaeatecnologiasozinhasjamaisserão capazes de lidar com tudo o que está errado em nós, tampouco a razãopodediscernirsozinhaosentidodascoisas.60

Asabedoriaéoutrotemabíblicoquepodeserintroduzidonessemomentopelo pregador. O capítulo 28 de Jó é um poema magnífico que interageobjetivamente com a narrativa tecnológica moderna. Ele celebra a tecnologiahumanadamineraçãoedaartemetálicaeentãoindaga:“Masondeseacharáasabedoria?[…]elanãoseencontranaterradosviventes”(Jó28.12,13).

Oconhecimentonãoéamesmacoisaqueasabedoria.Conhecimentosãodados e fatos, mas a sabedoria consiste em conhecer qual é a maneira boa ecorreta de viver. A sabedoria é um tipo de compreensão sobre a natureza darealidadequeaciêncianãopodenosdardemodoalgum.AliteraturasapiencialnaBíbliaforneceaopregadorcristãoinúmeraspassagensetemasricosparaque

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eleinterajaponderadamentecomafédamodernidadetardianaciência.

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NÃOSEINTIMIDEA ideia de “partir das” narrativas culturais básicas do secularismo tardio podeparecer uma coisa intimidadora.Os que promovem a sabedoria desta era, quedesdenham dos cristãos e dizem que eles estão “do lado errado da história”,parecemextremamenteconfiantes.Contudo,opregadoreomestrecristãonãodevesedeixarabaterousesentirameaçado.Procureselembrardequevocêestáemdesacordomuitomaiscomumsistemadecrençasdoquecomumgrupodepessoas.Oindivíduohojeémuitomaisvítimadamentalidadedamodernidadetardiadoqueperpetradordela.Vistoporessaótica,oevangelhocristãoémaisumafugadaprisãodoqueumabatalha.

Paulo clama: “Onde está o sábio? Onde está o instruído? Onde está oquestionador desta era? Por acaso Deus não tornou absurda a lógica destemundo?” (1Co 1.20). No seu tempo, a cruz e a expiação não faziam sentidonenhumnoâmbitodascosmovisõesreinantes.OsfilósofostrataramPaulocomdesdémnoAreópago,emAtos17,ealiquaseninguémcreuemsuamensagem.Contudo,merespondaagora:Ondeestáhojeasabedoriadaquelemundo?Elasefoi,acabou.Ninguémacreditamaisnaquelascosmovisões,eassimserásempre.As filosofias do mundo vão e vêm, erguem-se e caem, mas a sabedoria quepregamos—aPalavradeDeus—continuarásempreatual.

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NOTAS1P.T.Forsyth,Positivepreachingandthemodernmind (Exeter:PaternosterPress, reimpr.1998),p.

20-1.2Ibidem,p.30.Forsythdáconselhosmuitoúteissobrecomopregaràmentemoderna.Eledizqueas

pessoasmodernasnãoconcordarãoemconcederaDeusaautoridadesobresuavidapelaaplicaçãodemeraculpa,pressãoouforça.Elasabaixarãoosbraçoseserenderãosomenteseseucoraçãoestiverconvictoetocado.Comofazerisso?Temosdemostraràspessoasque“[Deus]nãoéumoutro,esimomeuoutro”.Issoporquefomoscriadosparaconhecê-loeservi-lo.Portanto,seupoderéum“podercompatível”,capazdeacomodarnossanaturezaenossanecessidade.Éprecisoqueelasvejama“homonomiadasuaautoridade[…] sua afinidade coma alma [delas]”.Alémdisso, temos de provar a elas que, seDeus não for nossaautoridade,outracoisaserá.“Sedentrodenósnãoacharmosnadaqueestejaacimadenós,sucumbiremosaoqueestáànossavolta.”Forsythemiteaquiumainequívocanotaagostiniana:senãoreconhecermosqueDeuséosentidodanossavida,issofarácomque“ascoisasquenossãoexternasestendamsobrenósseupoderescravizador”.Elassetornamnossas“soberanas”.Sevivermosparaacarreira,paraafamíliaouparaa política, essas coisas nos dominarão.Não seremos capazes de viver sem elas. Trabalharemos além dacontaparaconquistá-lasesofreremosdeummedooudeumaamarguraincontroláveissealgonosimpedirdetê-las(ibidem,p.29-30).

3Emboravalha apena ler tudodeP.T.Forsyth, creioque suadoutrinadaEscritura eda revelaçãodivinaodeixammenosaptodoqueeleacreditavaparaconfrontara“mentemoderna”.Porumlado,elediz:“Oministérioidealdeveserumabibliocracia”(ibidem,p.46).Eledizqueemnossoserviçoministerialàmentemodernadevemos“nãoapenasaderiraos textos”,mas tambémoferecera“pregaçãoexpositivadeumtexto longoeaelucidaçãodeumapassagem.Opúblico logosecansarádapregaçãoexclusivamentetópica,oufeitaapartirdojornal,emqueoseventosdasemanafornecemotexto”(ibidem,p.5).Elecriticaaqueles que deixamos problemas contemporâneos pautarem sua agenda, e aí então introduzem aBíbliacomo se fosse uma coisa significativa apenas à medida que nos ajuda a pensar sobre nossos temasprediletos.Contrariamenteaisso,ForsythdizquequempregaparaamentemodernadeveensinaraBíbliademodo tãoplenoehabilidosoquevejanela“oúnicomanualdavidaeterna,aúnicapáginaquebrilhaenquantotudoomaisnavidajazemtrevaseoúnicolivrocujariquezanosrepreendequantomaisvelhosnostornamosporqueoconhecemoseoamamostãotardiamente”(ibidem,p.24).Apesardeapelosassimcontundentes,poroutrolado,elediztambém:“Nãocreionainspiraçãoverbal.Aprincípio,estoucomoscríticos”.Contudo,acrescentasurpreendentemente:“Masoverdadeiroministrodeveconsideraraspalavrase as frases da Bíblia tão cheias do bem espiritual e de felicidade que sinta dificuldade em não crer nainspiraçãoverbal”(ibidem,p.24).Elepareceestardizendoque,emboraacríticahistóricamodernatorneimpossívelaelecrerqueaBíbliasejaarevelaçãoplenaeinfalíveldeDeus,opregadordevepregarcomoseelaassimfosse.Essacontradição,creioeu,acabariacobrandoseupreçodopregador.Paraumasíntese,uma avaliação e uma crítica equilibradas do pensamento de Forsyth, veja Samuel J. Mikolaski, “P. T.Forsyth”, in: Philip E. Hughes, org., Creative minds in contemporary theology, 2. ed. (Grand Rapids:Eerdmans,1969),p.307-40.

4Plannedparenthoodv.Casey,505U.S.833,851(1992).5CharlesMathewes;JoshuaYates,“The‘drivetoReform’anditsdiscontents”,in:CarlosD.Colorado;

JustinD.Klassen,Aspiring to fullness in a secular age: essays on religion and theology in thework ofCharlesTaylor(NotreDame:UniversityofNotreDamePress,2014),p.156,159.

6C.S.Lewis,Theabolitionofman(London:FountPaperbacks,1978),p.46[ediçãoemportuguês:Aaboliçãodohomem,traduçãodeRemoMannarinoFilho(SãoPaulo:Martinsfontes,2012)].

7ApenasumexemploéCharlesTaylor,cujaobraéabasedeboapartedorestantedestecapítulo.Elecoloca a palavra “pós-moderno” entre aspas, diz que é um termo “damoda” e o considera um exagero,

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portanto,umaintensificaçãotemporáriaeindefensáveldoindividualismomoderno.VejaCharlesTaylor,Asecularage,p.716-7.OstrêslivrosdeTaylorqueestãoportrásdorestantedestecapítulosãoSourcesoftheself:themakingofthemodernidentity(Cambridge:CambridgeUniversityPress,1989);Asecularage(Cambridge: Harvard University Press, 2007) [edição em português:Uma era secular (São Leopoldo:Unisinos,2010)]eThemalaiseofmodernity(Ontario:AnansiBooks,1991).

8Vejanota31docapítulo4.9MarkLilla,“Gettingreligion”,NewYorkTimesMagazine,September18,2005.10OsargumentosdeTaylorcontraosrelatosda“históriadesubtração”dosecularismopermeiamtodo

o seu livro.Ele introduz o conceito da história de “subtração” na página 22 deA secular age. Taylor oresumeassim:“condiçãoemqueossereshumanosperderamoulançaramfora,ouainda,selibertaramdecertoshorizontesou ilusões, ou restriçõesdo conhecimento, todos antigos e limitadores”.Aascensãodaciênciapareceu tornar indefensáveisasexplicaçõesque invocavamDeus(p.ex.a teoriadaevolução)oudesnecessáriaseobsoletas(e.g.,aciênciamédica,emvezdaoração,paraacuradedoenças).UmavezqueaciênciasimplesmentesubtraiuasuperstiçãodacrençaemDeusenosobrenatural,então(acredita-se)quetenhamosvistooqueláestavaotempotodo:ovaloreaigualdadedossereshumanosedavidahumana,opoderdoeu depensar edeordenar a sociedade, e assimpordiante.TerryEagleton,deumaperspectivamarxista,concordacomTayloraorejeitaraideiadequeosecularismonossobreveiounicamenteporqueaspessoasacordaramparaosfatoscientíficos.

11Mark Lilla, “The hidden lesson ofMontaigne”,New York Review of Books 58, n. 5 (March 24,2011),citadoemJamesK.A.Smith,How(not)tobesecular,p.1.

12TerryEagleton,CultureandthedeathofGod (NewHaven:YaleUniversityPress,2014),p.33-4[ediçãoemportuguês:AmortedeDeusnacultura(RiodeJaneiro:Record,2016)].

13Vejatb.AlasdairMacIntyre,Aftervirtue:astudyinmoraltheory,3.ed.(NotreDame:NotreDame,2007)[ediçãoemportuguês:Depoisdavirtude,traduçãodeJussaraSimões(Bauru:Edusc,2001);AlasdairMacIntyre,Whose justice?Which rationality? (NotreDame:NotreDame, 1989); [edição em português:Justiçadequem?Qual racionalidade, traduçãodeMarceloPimenta (SãoPaulo:Loyla, 1991)] eomaisrecente Thomas Pfau, Minding the modern: human agency, intellectual traditions, and responsibleknowledge(NotreDame:NotreDame,2013).TerryEagletontambémrejeitaaideiadequeosecularismonãotenhaumahistóriadeconstruçãoquesejasimplesmente“osfatos”.Veja“ThelimitsofEnlightenment”,in:Eagleton,CultureandthedeathofGod,cap.1,p.1-44.

14Comrelaçãoaessetermo,vejaTaylor,Secularage,p.427.15Umexemplodissosãoos“DezNãoMandamentos”reunidospordoisautoresateusquequiseram

exporosideaissobreosquaisoindivíduosecularizadopodeconstruirsuavida.ElesforampropostosLexBayer;JohnFigdor,Atheistmind,humanistheart (NewYork:RowmanandLittlefeldPublishers,2014)eestão listados emDaniel Burke, “Behold atheists’ new Ten Commandments”, CNN.com, December 20,2014,disponívelem:http://edition.cnn.com/2014/12/19/living/atheist-10-commandments/; acessoem: jan.2017.Maisdametadede todoseles são, ironicamente,princípioséticosoriginadosnasgrandes religiõesmundiais, inclusivenocristianismo:“Estejaatentoàsconsequênciasdesuasaçõese reconheçaquedeveassumirresponsabilidadeporelas[…]Trateosoutroscomovocêgostariadesertratadoetambémcomoimagina,pelobomsenso,queelesdesejamsertratados.Tenhaemmenteaperspectivadeles[…]Temosaresponsabilidadedelevarosoutrosemconta,inclusiveasgeraçõesfuturas[…]Façadomundoumlugarmelhordoqueoencontrou”(veja“Appendix:IllustrationsoftheTao”,in:C.S.Lewis,Abolitionofman,p.49-59). O filósofo ateu John Gray disse recentemente que essas prescrições somente fazem sentido sehouverumDeus:“Afontedessesvaloresnãoéaciência.Naverdade,comodisseopensadorateumaislidodetodosostempos,essesvaloresliberaisextremamenterefinadostêmsuasorigensnomonoteísmo”(JohnGray, “What scares the new atheists”, Guardian, March 3, 2015); disponível em:www.theguardian.com/world/2015/mar/03/what-scares-the-new-atheists,acesso em: jan. 2017. Os outros

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“nãomandamentos”decorremmaisdiretamentedasnarrativasculturaisbásicasdamodernidadetardiaesãotratadosmaisàfrentenestecapítulo,porexemplo:“Todapessoatemodireitodecontrolarseucorpo”,“NãohánecessidadedeDeusparaquealguémsejaumaboapessoaouvivaumavidaplenade significado”e“Nãoháapenasumamaneiracertadeviver”.

16Alan Ehrenhalt,The lost city: the forgotten virtues of community in America (New York: BasicBooks,1995),p.2,citadoemTaylor,Secularage,p.475.

17Taylor,Asecularage,p.475.18Ibidem,p.275-80.19Ibidem,p.278.20Vejaoscapítulos“Theimmanentframe”e“Crosspressures”, in:Taylor,Secularage,p.539-617.

ParaumresumodacríticadeNietzsche,vejaGray,“Whatscaresthenewatheists”.21VejaAlvinPlantinga,“Deepconcord:Christiantheismandthedeeprootsofscience”,in:Wherethe

conflictreallylies(NewYork:OxfordUniversityPress,2011),p.265-306;eC.JohnSommerville,“Sciencegetsstrange”,in:Thedeclineofthesecularuniversity(NewYork:OxfordUniversityPress,2006),p.75-84.Vejatb.DiogenesAllen,Christianbeliefinapostmodernworld(Louisville:JohnKnox,1989).

22C.S.Lewis,Surprisedbyjoy:theshapeofmyearlylife(NewYork:HarcourtandBrace,1955),p.207-8 [ediçãoemportuguês:Surpreendidopelaalegria, traduçãodeEduardoPereira eFerreira (Viçosa:Ultimato,2015)].

23Taylor,Secularage,p.582-98.24RobertN.Bellah,etal.,Habitsoftheheart:individualismandcommitmentinAmericanlife,2.ed.

(Oakland:UniversityofCaliforniaPress,2007).25Essashierarquiasforamoriginalmentejustificadascomoreflexodaordemcósmica.DizTaylor:“A

liberdademodernasurgiucomodescréditodessasordens”(Taylor,Malaiseofmodernity,p.3).26Veja, p. ex., Krister Stendhal, “The apostle Paul and the introspective conscience of theWest”,

HarvardTheologicalReview56,n.3(July1963):205.27Letitgo,deRobertLopezeKristenAnderson,foitemadeFrozen,filmedaDisneyqueganhouo

Oscardemelhorcançãooriginalde2013.ÉinteressanteetambémirônicocompararaletradamúsicadapersonagemElzacomopronunciamentodeMartinhoLuteroperanteosanto imperador romano.Osdoisdizem“Aquiestou”.Lutero,porém,queriadizerqueestavalivredomedoedeoutrasautoridadesporqueestavavinculadoàPalavradeDeuseàssuasnormas.Elsafalaàculturacontemporâneaaodizerqueserialivresomentesenãohouvessenenhumaamarra.

28“Umacaracterística fundamental [do secularismo]éapercepçãodeque todasessas respostas sãofrágeisouincertas;quepoderáchegaromomentoemquenãoacharemosmaisnossocaminhoirresistível,ounãoseremoscapazesdejustificá-loanósmesmosouaosdemais”(Taylor,Secularage,p.308).

29GailSheehy,Passages:predictablecrisesofadult life (NewYork:BantamBooks,1976),p.364,513[ediçãoemportuguês:Passagens:crisesprevisíveisdavidaadulta (RiodeJaneiro:FranciscoAlves,1991)],citadoemTaylor,Malaiseofmodernity,p.44.

30Taylor,Malaiseofmodernity,p.44.31Ibidem,p.47.32VejaAlaindeBotton,Statusanxiety[ediçãoemportuguês:Statusansiedade(Lisboa:DomQuixote,

2005).EsseéoargumentodeBotton.Comofilósofoateu,eledizqueaidentidademoderna,comsuaênfasesobrearealizaçãoatravésdacompetição,criamuitomaisansiedadedoqueasidentidadestradicionais.

33Taylor,Secularage,p.67-73.Emprimeirolugar,adoutrinadajustificaçãoexclusivamentepelafémudouaantigadistinçãosagrado/profano—aconcepçãodequeavidacotidiananomundoeraprofanae

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corruptaesomenteotrabalhodentrodaigrejaerasagrado,maiselevadoeenobrecedor.Osreformadoresprotestantes acreditavam que a estrutura em dois níveis da igreja medieval não apenas conduzia àsuperstição, à idolatria e ao elitismo espiritual, mas também denegria a vida humana cotidiana — otrabalho,aagricultura,aalimentaçãoeaformaçãodeumafamília.Naperspectivamedieval,essascoisaseram “inferiores” e desviavam a pessoa de buscas espirituais “mais elevadas”. Taylor observa que esseelitismoedesprezopelavidaepelotrabalhocotidianoseramemgrandemedidafrutododualismomente-corpodosgregos,enãodoentendimentobíblicoacercadopecadoedagraça.Osreformadoresprotestanteslibertaramaspessoasdacrençadequeaprivaçãodosprazeresmateriaisinerentementecooperavaparaquesealcançasseasalvação.LuteroeCalvinoacabaramcomadistinçãoentresagradoeprofanoou,comodizTaylor,“osagradosubitamenteseampliou:paraosalvo,Deusnossantificaemtudo,portantotambémnavida,notrabalho,nocasamentoeemtudoomaisdonossodiaadia”(ibidem,p.79).Emsegundolugar,ajustificação pela fé significava uma nova ênfase na ação individual. Agora já não bastava maissimplesmenteserpartedaigrejaondesehavianascidooumeramenterealizarmínimastarefas.Eraprecisose arrepender e crer, e só se pode fazê-lo pessoalmente, na condição de ator individual. Segundo aperspectivacatólica, a salvaçãoeradecorrênciadeestar apessoaunidaà igrejavisível.Nesse sentido,oindivíduoeraliteralmentesalvoporpertenceraumacomunidade,pelobatismoinfantileporsuaintegraçãoà igreja, e nãopela ação individualdireta.A salvaçãounicamentepela fé significavaque a salvação eraanterioràfiliaçãoàigrejavisível.Tratava-sedeumaprofunda“individuação”.Dessemodoenfraquecia-setambém a concepção de que nos relacionamos com Deus através de nosso grupo, classe, família oucomunidade—ao sermosumbommembrodeuma classe.Taylor acrescenta corretamenteque fazer daBíbliaaúnicaautoridade—enãoaigreja—tambémcorroeuaantigasociabilidade.OresultadodissofoiacrençadequeoindivíduopodeseaproximardiretamentedaBíbliaedeDeussemamediaçãodaigreja.

34Taylor,Secularage,p.484.35Ibidem.36ChristianSmithetal.,Lostintransition:thedarksideofemergingadulthood (NewYork:Oxford

UniversityPress,2011),cap.5,p.195-225.37Taylor,Secularage,p.484.38DavidFriendeosorganizadoresdeThemeaningoflife:reflectionsinwordsandpicturesonwhywe

arehere(NewYork:Little,Brown,1991)p.33.39ThomasNagel,Whatdoesitallmean?Averyshortintroductiontophilosophy(NewYork:Oxford

UniversityPress,1987),p.95-6[ediçãoemportuguês:Umabreveintroduçãoàfilosofia(SãoPaulo:WMFMartinsFontes,2007)].

40FerryécitadoemTaylor,Secularage,p.308.41Veja Timothy Keller; Kathy Keller, The meaning of marriage: facing the complexities of

commitment with the wisdom of God (New York: Riverhead, 2013), p.1-46 [edição em português: Osignificado do casamento (São Paulo: Vida Nova, 2012)]. Nessas páginas, analisamos com algumaprofundidadeporqueasnarrativasculturaisde liberdadeede identidadenãoseencaixamnas realidadesdosrelacionamentoseporquetambémnãosatisfazemasaspiraçõesquetemosemrelaçãoaocasamento.

42D.A.Carson,TheGospelaccording toJohn, PillarNewTestamentCommentary (GrandRapids:Eerdmans,1991),p.350.

43Paramaisdetalhesarespeitodecomopregarsobreessetema,veja“Christianityisastraitjacket”,in:TimothyKeller,Reason forGod: belief in an age of skepticism (NewYork:Dutton, 2008), p. 35-50[ediçãoemportuguês:Afénaeradoceticismo(SãoPaulo:VidaNova,2015).

44Taylor,Asecularage,p.371.45Ibidem,p.581.“Houveummomentoemqueossereshumanostomaramsuasnormas,seusbense

padrõesdevalormáximodealgumaautoridadeforadesimesmos:deDeusoudeuses,danaturezadoSer

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oudocosmo.Elescompreenderam,porém,queessasautoridadesmaiselevadaseramobradeficçãodelesmesmos,eaísederamcontadequeprecisavamfixarnormasevaloresparasimesmoscombasenasuaprópriaautoridade[…]Elesestabelecemosvaloresmáximospelosquaisvivem”(ibidem,p.580).

46Ibidem,p.588.47Charles Taylor, “A catholic modernity?”, in: Dilemmas and connections: selected essays

(Cambridge:BelknapPress,2014),p.182.48Ibidem.49“Diantedarealidadedasdeficiênciashumanas,afilantropia[…]podepaulatinamenteserevestirde

desprezo,ódio,agressão.Aaçãoéinterrompida,oupior,prossegue,porémrevestidadenovossentimentos,tornando-se cada vezmais coercitiva e desumana.A história do socialismo despótico está repleta dessaguinada trágica […] [assim como] uma série de instituições de ‘auxílio’, de orfanatos […] escolas paraaborígenes”(ibidem,p.183).

50Ibidem,p.184.51Ibidem,p.185.52GregEpstein,GoodwithoutGod:whatabillionnonreligiouspeopledobelieve(NewYork:William

Morrow,2010);eLexBayer;JohnFigdor,Atheistmind,humanistheart:rewritingtheTenCommandmentsforthetwentyfirstcentury(NewYork:Rowman&Littlefeld,2014).

53MariRuti,Thecallofcharacter:livingalifeworthliving(NewYork:ColumbiaUniversityPress,2014),p.36.

54Taylor,Malaiseofmodernity,p.18.55Taylor,“Conditionsofanunforcedconsensusonhumanrights”,in:Dilemmasandconnections,p.

123.56Ibidem.57Veja Timothy Keller,Generous justice: how God’s grace makes us just (New York: Riverhead,

2012)[ediçãoemportuguês:Justiçagenerosa:agraçadeDeuseajustiçasocial(SãoPaulo:VidaNova,2013)].Veja esp. o cap. 7, “Doing justice in the public square”, para ideias sobre como conversar comamigos seculares que concordamcoma importância da justiça social,masquenãopodemenraizar suasconvicçõesemnenhumafontemoralforadesimesmos.

58Veja Richard W. Wills, Martin Luther King, Jr., and the image of God (New York: OxfordUniversityPress,2011).

59AnalisoextensamenteessateseemGenerousjustice.60AlasdairMacIntyre,Aftervirtue,tambémpodenosajudaraqui.ÉconhecidaaposiçãodeMacIntyre

dequeaciêncianãopodedemodoalgumdeterminardequemododevemosviverporquenãotemoscomosabersedeterminadocomportamentodeumserhumanoébomouruimamenosqueconheçamosnossopropósito—paraqueestamosaqui.Aciêncianãopodediscernirissoe,portanto,arazãoempíricaemnadanosajudaasaberdequemaneiraasociedadefuncionamelhoroucomosedevefazerjustiça.

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PREGANDOCRISTOAOCORAÇÃO

Porqueondeestiverteutesouro,aíestarátambémteucoração[Mt6.21].

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AIMPORTÂNCIADOCORAÇÃOÉ fundamentalpregarbiblicamenteepregar levando-seemcontaasnarrativasculturais,masnadadissobasta.Seaverdade,alémdeclara,nãoforrealparaosouvintes,elesaindanãolheobedecerão.Nãobastasimplesmentequeapregaçãosejaprecisaeconsistente.Eladevecaptarointeresseeaimaginaçãodoouvinte;deve ser convincente e penetrar em seu coração. É possível meramenteasseverar,confrontaresentirquefomosmuito“valentespelaverdade”,porém,seapregaçãoforáridaoutediosa,aspessoasnãosearrependerãoenãocrerãonadoutrinacorretaporvocêapresentada.Temosdepregarde talmaneiraque,assim como no primeiro sermão do Pentecostes, os ouvintes fiquem com o“coraçãopesaroso”(At2.37).

O leitor moderno da Bíblia quase sempre entenderá errado o termo“coração”.Elesubmeteráotermoàsuamatrizcontemporâneaeconcluiráquesetrata de emoções. No entanto, a Bíblia com frequência fala de pensar com ocoraçãooudeagir comocoração,oquenão se encaixademodoalgumcomnossoconceitomoderno.Tampoucoosgregosantigostinhamumacompreensãobíblica do coração. A virtude era para eles uma questão do espírito sobre ocorpo, o que significava que a razão e a vontade triunfariam sobre as paixõesdesregradasdocorpo.Hoje,continuamosacontraporamenteaossentimentos,masinvertemosradicalmenteaordemantiga.Asemoçõessãoo“verdadeiro”eu,enãoospensamentosracionais.

A visão bíblica do coração é “nenhuma das alternativas anteriores”. NaBíblia, o coração é a sede damente, da vontade e das emoções— tudo issojunto.LemosemGênesis6.5arespeitodaraçahumanaque“todaaimaginaçãodospensamentosdeseucoraçãoeracontinuamentemá”.Dizumcomentarista:“Leb, ‘coração’,éocentrodapersonalidadehumananaantropologiabíblica,afontedaqualseoriginamavontadeeopensamento.Nãoésimplesmenteafontedasemoções…”.1

É claro que o coração produz emoções, como alegria (Dt 28.47); tristeza(1Sm 1.8); ira (2Rs 6.11); ansiedade (Jo 14.1) e amor (1Pe 1.22).Contudo, ocoraçãotambémpensa(Pv23.7;Dn2.30;At8.22)etemvontade,fazplanose

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toma decisões (Pv 16.1; 16.9). Ele é a fonte de todas as nossas palavras (Mt12.33,34; Rm 10.9). Fundamentalmente, o coração coloca sua confiança nascoisas (Pv3.5).Biblicamente,portanto, “amores”docoraçãoquerdizermuitomaisdoqueafeiçãoemocional.Oqueocoraçãomaisamaéaquiloemqueelemaisconfiaeaoquemaissededica(Pv23.26).

ABíblianãoreconhecenenhumdualismoentre“cabeça”e“coração”.EmGênesis6.5lemosqueospensamentos,osatoseossentimentosdocoraçãosedevem à sua “inclinação”. O versículo 21 de Mateus 6 é fundamental aqui:“Porque onde estiver teu tesouro, aí estará também teu coração”. Umcomentaristaaodiscorrer sobreesseversículodizqueocoraçãoé,portanto,o“centrodaatençãoedocompromissodeumapessoa”.2Aquiloqueévalorizadoe acalentado no coração “sutilmente, mas de modo infalível, controla porcompletoadireçãoeosvaloresdapessoa”.3

NãoédeespantarqueaBíbliadigaqueDeusignoraaaparênciaexternaeolhasobretudoparaocoração(1Sm16.7;1Co4.5;Jr17.10).Tambémnãoédeespantarqueosprofetas tenhamditoqueaobediênciaà leieo louvoraDeuscomabocanadasignificamsenãotivermosumcoraçãovoltadoparaDeus(Is29.13; Jr 12.2). É por isso que eles disseram que o objetivo não é merocumprimentoda lei,masamudançadecoração, tendoa leiescritanocoraçãopormeiodorenascimentoespiritual(Jr31.33).

Sejaoqueforquecaptureaconfiançaeoamordocoração,issocontrolarátambémossentimentoseocomportamento.Oqueocoraçãomaisqueramenteacha lógico, as emoções acham precioso e a vontade acha factível. É muitoimportante, portanto, que a pregação toque o coração para que ele pare deconfiaredeamaroutrascoisasmaisdoqueaDeus.Oquetornaaspessoasoqueelassãoéaordemdeseusamores—oqueelasmaisamam,atéchegaraoqueestá acima de tudo, e o que elasmenos amam, até chegar àquilo que está emúltimo lugar. Isso émais fundamental paraquem somosdoque atémesmoascrençasàsquaismentalmentesubscrevemos.Nossosamoresmostramaquiloemque de fato cremos, não aquilo em que dizemos crer. As pessoas, portanto,

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mudamnãoquandomudamsimplesmenteseupensamento,masquandomudamoobjetodeseumaioramor.Essamudançarequernadamenosdoquemudardepensamento,mastambémacarretaumaporçãodeoutrascoisas.

Portanto,oobjetivodosermãonãopodeserapenastornaraverdadeclaraecompreensível à mente. Ela deve também torná-la cativante e real para ocoração.Amudançaocorrenãoapenasquandosedánovosargumentosàmente,mastambémquandosealimentaaimaginaçãocomnovasbelezas.4

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APREGAÇÃOEAS“AFEIÇÕES”Uma das contribuições mais duradouras de Jonathan Edwards é a psicologiareligiosaencontradaemThereligiousaffections[Asafeiçõesreligiosas].Emvezdeaceitaradivisãoocidentaltípicade“vontade”emoposiçãoàs“emoções”(e,portanto,adivisãodaalmaemtrêspartes:pensamento,sentimentoevontade),Edwardspostuladuasfaculdadesapenas.Aprimeiraéa“compreensão”,queénossacapacidadedeperceberede julgar anaturezadascoisas.A segundaelechama de “inclinação”, isto é, gostar ou não gostar, amar ou rejeitar o quepercebemos. Edwards chama essa inclinação de “vontade” quando estáenvolvida em ação e de “coração” quando detecta a beleza do que está sendopercebido pela compreensão. As “afeições” são o que Edwards chama de os“exercícios mais vigorosos e sensíveis” dessa faculdade. Na Bíblia, elas sãochamadasde“frutodoEspírito”—amor,alegria,zelo,gratidão,humildade.

Essasafeições,éclaro,estãocheiasdeemoções,masnãosãoiguaisaelas.Asafeiçõessãoainclinaçãodapessoatodaaoperceberabelezaeaexcelênciadealgumobjeto.Quandonossocoraçãoseinclinaparaoobjetodeamor,elenosimpele a adquiri-lo e a protegê-lo. As emoções podem ser causadas por umasériedeestímulos físicosepsicológicosque,não raro, são fugazes, resultandoem pouca ou nenhuma mudança de comportamento. As afeições, porém, sãomais duradouras e envolvem tanto convicções da mente quanto mudanças naação e na vida. Edwards recusou-se a pressupor uma oposição entrecompreensão e afeições.Emoutras palavras, se umapessoa dissesse “Sei queDeus se importa comigo, mas mesmo assim continuo paralisado de medo”,Edwards diria: “Isso significa então que você não sabe de fato que Deus seimporta com você. Se soubesse, as afeições da confiança e da esperançabrotariamemseuinterior”.5

Estamos agora em posição de analisar a importância dos conceitos docoraçãoedasafeiçõesparaopregador.SeEdwardsestivercerto,nãoháentãonenhumaoposiçãofundamentalentre“cabeça”e“coração”.Nãodevemos,porexemplo, partir do pressuposto de que, se as pessoas à nossa volta sãomaterialistas,bastaapenasquesejamexortadasadarmais. Issoseriaagircom

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base unicamente na vontade. O resultado será uma culpa temporária — quepoderá ajudar na oferta do dia—,mas não produzirá umamudança de longoprazo no estilo de vida das pessoas, pois o coração delas não foi alcançado.Também não devemos simplesmente contar histórias de mudança de vida deoutras pessoas por meio de atos de generosidade. Um apelo assim atingirádiretamenteasemoções,gerandopenaou inspiraçãoe (talvez)culminandoemumimpulsopassageirodedoaralgumdinheiroparaumacausa;contudo,insistoqueaemoçãoseapagaráenãohaverámudançaalongoprazo.6

Se as pessoas sãomaterialistas e não são generosas, isto indica que nãocompreenderam de fato como Jesus, embora rico, se tornou pobre por causadelas.IndicaquenãoentenderamoquesignificaofatodequeemCristotemostodas as riquezas e tesouros. Talvez creiam nessas verdades como doutrina,porémasafeiçõesdeseucoraçãoseapegamàscoisasmateriais,asquais,paraelas,sãomaisexcelentesebelasdoqueopróprioJesus.Épossívelquetenhamuma compreensão superficial da riqueza espiritual de Jesus, mas não acompreendem de fato. Portanto, na pregação temos de apresentar Cristonovamente de tal maneira que ele substitua as coisas materiais nas afeiçõesdelas. Para tanto, não bastam o argumento racional e o ensino doutrinário—embora, sem dúvida, devam ser incluídos —; é necessária também aapresentaçãodabeleza deCristo comoaqueleque abriumãode suas riquezaspornós.

Edwardsacreditavaquenaorigemde todasas afeiçõesdocoraçãoestá a“excelência”,istoé,aquiloqueéapreciadoeemquesepodedescansarpeloqueé.7EledefiniuumcristãonominalcomoalguémquevêutilidadeemCristo(paraque,pormeiodele,possaobteraquelascoisasqueocoraçãoachou“excelentes”oubelas),aopassoqueumcristãoverdadeiroéalguémparaquemCristoébelopeloqueéemsimesmo.Talvezemsuamelhordiscussãosobreessadinâmica,Edwardsdiz:

Deuscapacitouamentedohomemparaqueeletivesseumduploconhecimentodobem.Oprimeiro,decarátermeramenteconceitual[…]eooutro,quedizrespeitoàsensibilidadedocoraçãoquando,por

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exemplo, ele se deixa tocar pelo prazer e pelo deleite na presença do conceito.No primeiro, dá-seapenas[…]acompreensão,emcontrastecoma[…]disposiçãodaalma.Portanto,háumadiferençaentreterumaopiniãodequeDeusésantoegracioso,eterumapercepçãodoamoredabelezadessasantidade e graça. Há uma diferença entre ter uma opinião racional de que o mel é doce e ter apercepçãodasuadoçura.Umhomempodeteraprimeira,eportantonãosabequegostotemomel;noentanto,umhomemnãopodeterasegundaamenosquetenhaumaideiadogostodomelnamente.8

Hámuitosanos,quandocomeceiapastorear,conheciumaadolescentedenossaigreja.Elatinhacercadedezesseisanosnaépoca;estavadesanimadaeàbeiradadepressão.Tenteianimá-la,mashouveummomentoemqueascoisasficaramclarasquandoeladisse: “Sim, seique Jesusmeama, eleme salvouevoltaráparamelevaraocéu,masdequemeservesaberdissosenenhumgarotodaescolanemsequerolhaparamim?”.

Eladisseque“sabia”detodasessasverdadesdavidadocristão,maselasnão lhe serviam de conforto. A atenção (ou a falta de atenção) de um jovembonitonaescolaeramuitomaisconsoladora,vivificanteefundamentalparasuaalegria e autoestima do que o amor de Cristo. É claro que se tratava de umareaçãoperfeitamentenormalparaumaadolescente.Contudo,mostrabemcomofuncionanosso coração.Edwardsdiria que a jovem tinhaumaopiniãodequeJesusaamava,maselanãosabiaverdadeiramentedisso.OamordeCristoeraumconceitoabstrato,enquantooamoràquelascoisaserarealparaseucoração.Essafoiarealidadequeseapoderoudesuaimaginação.

EmEfésios3,Paulooraporseusleitoresepede“queCristohabitepelaféemvossocoração[…]e[…]vossejapossívelcompreender[…]esseamordeCristo, que excede todo o entendimento, para que sejais preenchidos até aplenitudedeDeus”(Ef3.17-19).Eleestásedirigindoacristãos.Emoutraparte,eledizque,sevocêécristão,Cristojáhabitaemseucoração,vocêjáconheceoamordeDeuseatingiuaplenitudedavida.Porqueissonãoéumacontradição?Porque aquilo que é objetivamente verdadeiro no cristão não é verdadeiro demaneira automática e subjetiva. É por isso que ele ora para que eles sejamfortalecidospeloEspírito“interiormente”(v.16)—emseucoração—paraquecompreendam o amor de Deus (v. 18). Paulo ora exatamente pelo que você

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deveriaestarbuscandotodasasvezesqueprega.Hámuitascoisasqueocristãosabe,masnãosabedeverdade.Ocristãosabeemparte,masnãocompreendeucomocoração.Aindaassim,suaimaginaçãoficoucativademaneiratalquefoitransformadocompletamentededentroparafora.

Esse entendimentodas afeições influenciouprofundamente a pregaçãodeEdwards.Emumdeseussermões(sobreGênesis19.14),elediz:“Arazãopelaqualohomemnãodámaisimportânciaàsadvertênciasdocastigofuturosedeveao fato de que este não lhe parece real”.9 É esse, basicamente, o principalproblema espiritual e o principal propósito da pregação. Embora as pessoaspossamterumentendimentosuperficialdecertaverdade,averdadedeDeusnãoéespiritualmenterealparaelas.Sefosse,essaverdademobilizariasuasafeiçõese, de acordo com isso, suas ações mudariam. No caso do materialismo, asegurança do dinheiro é mais real espiritualmente para as pessoas do que asegurança da providência amorosa e sábia de Deus. Não vivemos comodeveríamos—nãosóporquesabemosoquefazer,enãofazemos,mastambémporqueaquiloquepensamossabernãoéverdadeiramenterealemnossocoração.

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TRANSFORMANDOPESSOASNOLUGAREMQUEESTÃODequemaneirapodemostornarrealaverdadeaoscoraçõesquandopregamos?

DeacordocomEdwards,háduasmaneiraspelasquaissepodemvencer“ospreconceitosdanatureza[humana]”afimdequeaverdadedivinasetornereal.“Sãonecessáriasduascoisaspara tornaralgorealouparaquepareçarealparanós: (1) crer em sua verdade e, (2) ter uma ideia sensível ou percepção a seurespeito.”10Oprimeiroaspectorequerquesejamosconvincentesepersuasivos.Oconceitobíblicodecoração incluiamenteeopensamento.Apregaçãonãodeve simplesmente se limitar a contar histórias ou a tentar trabalhar com asemoções.DeveseraquiloqueD.M.Lloyd-Jonescostumavachamarde“lógicainflamada”.Temosderaciocinareargumentar incansavelmente,masesseseriaapenasoprimeiropasso.Depois,emsegundolugar,temosdeajudarosouvintesa formar“ideias sensíveis”àmedidaquepregamos,algocomqueEdwardssepreocupava intensamente. Como veremosmais adiante, para isso é necessárioqueconceitosabstratosseconectemàexperiênciasensívelconcretadoouvinteparaquesuaimaginaçãosejamobilizada,enãoapenasseuintelecto.

As implicações desse recurso para a pregação são imensas. Se é verdadequesomosprodutodosnossosamores,detalformaqueaquiloquemaisamamoséoquenosmolda, segue-sequepregaraocoraçãopodemudaraspessoasalimesmonobancoemqueestãosentadas.Umsermãoqueapenasinformeamentetalvezdêaoouvintealgoparafazerquandochegaremcasa,masumsermãoquelhetoqueocoração,fazendocomqueeledesistadeamaracarreira,oaplausoouaindependênciapessoalparaamaraDeuseaseuFilho,mudaesseouvintebemaliondeestá.

Diz-sequeD.M.Lloyd-Jonesnemsempreficavaempolgadoquandoviaaspessoastomandonotasdeseussermões.Eleachavaqueissoficavamelhoremuma aula. O trabalho do pregador, para ele, consistia em tornar vivo oconhecimento.Lloyd-JoneseEdwardsacreditavamqueapregaçãodeveriateroobjetivodeimprimiralgoquemarcasseavidadoouvinte,eessamarcaeramais

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importante do que “as informações anotadas”. Eu diria que é bom que osouvintestomemnotasnaprimeirapartedosermão;contudo,seaindaestiveremocupados com elas no final, você provavelmente não estámexendo com suasafeições.

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COMOPREGARAOCORAÇÃOPregaraocoração significa, emparte, conectar-seàspessoasemseuambientecultural real. Isto é o que chamamos de “contextualização” da pregação. Játratamos desse assunto com certa profundidade. Em nossa cultura ocidentalindividualista,aspessoasvivemnailusãodequeseucoraçãoéprodutodesuasdecisões conscientes. Na verdade, porém, seus desejos e dúvidas interioresforammodeladosprofundamentepelo tempoeespaçoemquevivem.Elassãomuitomaisoqueaculturalhesdissequesãodoqueaquiloquedecidiramser.Aboapregaçãocontextualapreciaasnarrativaseasnormasculturaissemdeixardedesafiá-las;dessemodo,ajudaaspessoasavercoisasquesãoinvisíveisparaelas, mas que as controlam. Portanto, a contextualização pode ser muitolibertadora.

Contudo,pregaraocoraçãorequermaisdoquelidarcomessasnarrativasculturais. Há também outros aspectos mais pessoais e pastorais, como, porexemplo,pregarcomafeiçõesverdadeiras,de forma imaginativa,maravilhada,memorável,cristocêntricaeprática.

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PreguecomafeiçõesverdadeirasSevocêquiserpregaraocoraçãoterádepregardecoração.Éprecisoquefiqueclaroqueoseuprópriocoraçãofoialcançadopelaverdadedotexto.Paratanto,requer-se uma transparência genuína. Os pregadores que tocam corações (aocontráriodosqueosmanipulam)revelamsuasafeiçõespessoaissemaintençãodeliberada de fazê-lo. É necessário que, quando você fala, fique evidente detodas as formas que você foi humilhado, ferido, curado, consolado e exaltadopelasverdadesqueestáapresentando,equeelastêmpodergenuínoemsuavida.

As alternativas à pregação afetuosa são três: você pode pregar com umafetoapático.Éóbvioqueseucoraçãonãoseenvolveu.Vocêestásimplesmentepercorrendo seu material — quem sabe nervosamente, talvez de formasuperficial,mas,sejacomofor,nãohánenhumanotadealegria,deadmiraçãooudeamor.Umasegundapossibilidade refere-seameraempolgação.Vocêseprepara psicologicamente, “veste seu semblante de jogador” como um atletaantesdeumjogoimportante.Poderíamosdizeraessaalturaquesuasemoçõesestãomaisengajadas,porémsuamotivaçãoéaempolgaçãodesubir“aopalco”eodesejodeterumaboaperformance,deserdinâmico,concentradoesegurodesi, para que as pessoas pensem bem de você. A terceira alternativa, e a piordelas,consisteemfingirconscientemente,adotarumtomeumestiloeloquentesquepareçamespirituais.Qualqueresforçointencionaldepareceralegre,humildeou cheio de amor ficará óbvio para todos e terá o efeito oposto do que vocêdesejasobreseusouvintes.

As pessoas sabem a diferença. Professores e pregadores da Bíblia ficamtantasvezestãoconcentradosnapreparaçãoeapresentaçãodeseuconteúdoquenãosedãocontadequeaspessoasnãoestãoapenasouvindooqueestásendodito, mas também estão analisando quem está pregando. Elas examinam asintenções do pregadormesmo que não percebam que estão fazendo isso. Sãocapazes de “farejar” se o indivíduo estámais preocupado em passar uma boaimagem,ouempareceralguémquetemautoridade,doqueemhonraraDeuseamaropúblicoaquesedirige.11Atémesmoaspessoasquesesentiremtocadas

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em certo nível pelo seu desempenho resistirão no seu subconsciente emoutronível, da mesma forma que muitos veem com cinismo uma peça publicitáriasentimentalmesmoqueestejamtentandocontrolaraslágrimas.

Portanto, se você tentar demonstrar afeições quando prega, estará apenasatuando.Éprecisoquevocêsimplesmentesejaumapessoacomafeiçõesquandoprega.SeucoraçãoprecisaestarenternecidodiantedeDeusediantedaspessoas.Como é que se prega naturalmente com afeição? Creio que para isso sãonecessáriasduascoisas.

Em primeiro lugar, é necessário conhecer muito bem seu material, a talponto que você não fique preocupado demais tentando se lembrar do pontoseguinte. Se você não tiver essematerial na ponta da língua, vai se desgastartentando apenas se lembrar dele, ou então terá simplesmente de ler suasanotações.Dessaformavocênãoestaráprovandoedesfrutandopessoalmentedoalimentoespiritualqueestáapresentandoàspessoas—estarádistraídodemaispelamecânicadoato.Éprecisoquevocê tenhaconfiançaemseumaterialeoconheçadeverdade,ouentãonãoconseguirápregarcomocoração.Paramim,essetipodeconfiançaededomínionãodecorreapenasdetemposuficientedepreparação,mastambémdasvezesemquerepassoamensagemtodaemminhamentetrêsouquatrovezes,oumais,antesdemelevantarparapregar.Sejaqualfor a estratégia de preparação que você usa, as pessoas saberãomuito bem sevocê está tentando se lembrar do que deveria dizer ou se está simplesmentedizendooquequeriadizer.

O segundo elemento necessário para que sua pregação tenha afeiçõesverdadeirasconsisteemumavidadeoraçãoprofunda, ricaeparticular.Seseucoração não estiver regularmente engajado no louvor e no arrependimento, sevocê não se sentir constantementemaravilhado diante da graça divina quandoestásó,nãohácomofazê-loempúblico.Vocênãotocaráoscoraçõesporqueseucoração não foi tocado.12 O que acontece quando você prega deve ser algosemelhante ao que se passa quando você ora. Ao orar, você não dizsimplesmente“Confessomeuspecados”,masvocêsente tristeza.Vocênãodiz

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simplesmente “Tu és grandioso, Senhor”,mas você sente alegria e reverência.Vocênãodizsimplesmente“Obrigado”,masvocêsenteamoregratidão.Vocêconseguesentirumpoucodoâmagodasantidade,daglóriaedoamordeDeus.Se você tiver essa experiência na oração, o mesmo poderá acontecer napregação.Éclaroque,senadadissolheocorrernaoração,nãoocorrerátambémemsuapregação.

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PreguedeformaimaginativaEngajar o coração é também engajar a imaginação, e a imaginação é maisafetada por imagens do que por proposições. Estamos falando aqui do que secostumachamarde“ilustraçõesdosermão”.Nodecorrerdasgeraçõespassadas,ospregadores resgatarama importânciadashistórias.O senso comumnosdizqueashistóriascaptamointeressedaspessoaseficamimpressasnamente.Porisso sempre se aconselha aos pregadores a entremear seus sermões com fartasilustrações. Contudo, vale a pensa pensar um pouco mais profundamente narazãopelaqualasilustraçõessãotãoeficazes.Umailustraçãoéqualquercoisaque estabeleça contato entre uma proposição abstrata e a memória de umaexperiência do mundo sensorial. Aqui também podemos aprender muito comJonathanEdwards.Elecompreendiabemqualeraograndedesafiodopregador:as pessoas podiam concordar intelectualmente com várias proposições dadoutrinacristãquenãoinfluenciavamdemodoalgumaformacomoviviam.Porquê?

Edwardsdissequeoserhumanoéumacriaturalimitadapeloseucorpo,e,porcausadaQueda,asrealidadesespirituaissimplesmentenãosãotãoreaisparanós quanto as experiências sensoriais— coisas que de fato vemos, ouvimos,cheiramos, saboreamos e nas quais tocamos. Os objetos que podemosexperimentarpormeiodossentidossãoreaisparanós.Elesficamnamemóriaecausamimpressõesqueperduram.Emboraaspessoasestejamdeacordoedigamque “as abstrações são verdadeiras […] Somente imagens [coisas que elasexperimentarampormeiodossentidos]parecemreais”.13

Amaior parte das pessoas sabe que vai morrer, mas apenas quando têmalgumcontatofísicocomamorteéquesuamortalidadesetornarealparaelaseinfluencia a forma como vivem sua vida cotidiana. Para Edwards, pregar é a“tentativadeestabelecerumcorrelativoverbalcomtalcontato”.14Osermãoéolugar para despertar as pessoas para as realidades às quais elas assentiramintelectualmente, mas não compreenderam com o coração. Para isso, deve-seconectarumaverdadeespiritualàlembrançadeumavívidaexperiênciasensorialdo ouvinte, “representando o espiritual em linguagem concreta numa quasetangibilidadefísica”.15

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QuandoEdwardsdizemSinnersinthehandsofanangryGod16que“todaanossajustiçanãoteria[…]influênciaalgumaparanossustentarenosmanterfora do inferno”, ele faz uma proposição abstrata. Uma das doutrinasfundamentais do cristianismo protestante é a de que ninguém será salvo pelasboas obras.No entanto, ele não para por aí.Depois de feita a proposição, eleacrescenta:“[assim]comoateiadaaranhanãopodedeterumapedraquecai”.17

OqueEdwardsacaboudefazer?Todos jávimosesentimosnasmãoscomoéfrágil a teia da aranha. Sabemos que, se uma pedra cair sobre ela, não serárebatidapelateia;pelocontrário,vaiperfurá-lapraticamentecomoseateianemsequer existisse. Essa é uma experiência que passou pelos nossos sentidos ouquepodemosfacilmenteimaginar.

Ao juntar a proposição à experiência, Edwards dá a seus ouvintes alembrança de uma impressão sensorial, e não meramente um pensamentoracional.Diantedadeclaraçãodaproposiçãofeita,talvezconcordemoscomummovimento afirmativo, porém a imagem da pedra e da teia de aranha émaisimpactante. Edwards une dois campos do discurso: o campo lógico e o daexperiência. Nossas boas obras são como a teia de aranha, e nossos pecados,como a pedra. A imagem prende a imaginação e ilumina a mente ao mesmotempo.Ela nos ajuda a compreender a doutrinadeumanovamaneira.Mostracomo é impossível conquistarmos por conta própria o caminho para o céu. Afutilidadedesse empenho tomacontadenós e imprimemaisprofundamente averdadeemnossocoração.

Uma ilustração também pode criar uma experiência sensorial que nãotivemosemnossasexperiênciasanteriores.Em2Samuel11,DavitemumcasocomBate-SebaeplanejaemseguidaumamaneiraparaqueUrias,maridodela,seja morto em uma batalha. Depois, casa-se com ela. Embora, sem dúvidaalguma,ele tenha sofridoalgumpesonaconsciência,dealgummodo justificaseucomportamentoparasimesmo.Éprovávelqueeleotenhafeitomovidoporautocomiseração,dizendoasimesmoqueofardodeseuofícioeossacrifíciosrequeridosotornavammerecedordessaindulgência.Nocapítuloseguinte,Natã,

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oprofeta,desafiaoreiporcausadopecadoporelecometido.Contudo,elenãoofazimediatamente.Oprofetacomeçacomumailustraçãoeacrescentaaelaumaproposiçãoéticaapenasnofinal.

Natãcontaaoreiahistóriadeumhomemricoquetinhamuitaspossesedeum homem pobre que tinha apenas uma pequena ovelha, a qual “… cresceracomeleecomseusfilhos;comiadasuaporção,bebiadoseucopoedormiaemseusbraços;eeleaconsideravacomofilha”(2Sm12.3).Natãexplicouaseguirqueohomemricodeuumafesta,masserecusouaofereceraseusconvidadosoalimentoquepoderiaserproporcionadoporseusrebanhosnumerosos.Emvezdisso,eleroubouaovelhadohomempobreeapreparouparaquefosseservidacomopratoprincipaldaceia.Natãentãoindagouaoreioquedeveriaserfeitodohomemrico.Davi“seenfureceu”comahistóriaedissequeohomemquefeztalcoisadeveriamorrer,“porqueagiusemcompaixão”.Natãimediatamentedizaorei:“Essehomeméstu!”(2Sm12.5-7).

Davi estava tomado de racionalizações que o haviam cegado para ainjustiça da história de sua própria vida. Natã, então, o conduz (por meio daimaginação)paraaexperiênciadevidadeoutrapessoa,emqueeleconseguevera injustiça em todas as suas cores e se enfurecer diante do ocorrido. Por fim,Natã associa a proposição acerca da injustiça com a experiência sensorial queDavi acabara de ter. Ele diz basicamente o seguinte: “Compreende a terrívelinjustiçadessahistória?Bem,oquevocêfezfoiexatamenteisso”.Osentimentode horror que Davi teve na experiência sensorial da imaginação agora évinculadoaseucomportamento.Eleégolpeadoemseucoraçãoesearrepende.

VoudaroutroexemplodaBíbliadecomofuncionaailustração:DeusdizaCaim:“…opecadoestáagachadoàsuaporta,eledesejaconquistá-lo,mas tudeves dominá-lo” (Gn4.7,TA).O termohebraico usado aqui aponta para umanimalqueseencolhe,talveznassombras,prontoparaobote,paradilacerarematar.Deusnãodizsimplesmente:“Opecadovai tecausarproblemas,Caim”.Isso teria sidoumaabstração.Aocompararopecadoaumpredadorperigoso,Deusnãoestáapenasatraindoaatençãodocoração,mastambémtransmitindo

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umagrandequantidadede informaçãosobreopecado—muitomaisdoqueameraproposição seria capazde fazer.Deus estádizendo,por exemplo, que seCaimpecar seupecadoacabarápor consumi-lo.Opecadoé a ação suicidadaalmahumana contra simesma.A imagem indica tambémqueo pecadonão ésimplesmenteumaaçãopassageira.Asaçõespecaminosascriamumarealidadesombriaemsuavidaquepermanececomvocê.Opecadocriamaushábitos;elecriaafeiçõesdistorcidas.Essascoisasexercemcontrolesobrevocê,quecomeçaaperder controlede simesmo.Você está se rendendoaumacoisaquedesejamatá-lo.

Aqui,portanto,Deususauma ilustraçãounindodoiscamposdodiscurso,conectandoumaproposiçãoabstrataaumaexperiênciasensorialafimdetornaraverdadeumarealidadeparaocoraçãoeumainfluênciaparaavidatoda.Deusdizqueopecadoécomoumapanteraouleopardoprontoparasaltarsobrevocê.Eentãovocêpensa“Incrível!”,poisa ilustração iluminasuamenteaomesmotempoqueenvolvesuasemoções.

Aessênciadaboailustração,portanto,consisteemevocaralembrançadeumaexperiênciasensorialefazê-laconectar-seaumprincípio.Assimaverdadeserá real porque ajudará o ouvinte a compreendê-la melhor e inclinará seucoraçãocadavezmaisnosentidodeamá-la.

É fundamental ter emmente que esse é o objetivo e o propósito de umailustração.Muitasvezesospregadorescontamhistóriasquenãoatendemaesseobjetivo.Às vezes, as históriasmexem com as emoções,mas não iluminam amente.Certifique-sedequesuashistóriassejamilustraçõesdefato,nosentidodequerealizemasduascoisas.

A analogia é um tipo de ilustração. Ela se preocupa sobretudo com aelucidação da verdade à mente, mas também causa um impacto sensorial.18

Talvezvocêdiga:“AjustificaçãooperadaporCristoécomoalguémpresenteaumtribunalondedeverásersentenciadoapagarumamultaquenãotemcomopagar.Masentãoojuizdizqueeleseencarregarápessoalmentedepagarototaldevido”. Issoajudanacompreensãodoconceitode justiçaqueé satisfeitapor

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outra pessoa que toma sobre si o fardo da dívida. Desse modo, mostra-setambémqueaquelequeocondenaéomesmoqueosalva.Tudoissoiluminaamente,mas envolve o coração, porque é fácil imaginar como você se sentirianessa situação tomando por base a lembrança de experiências parecidas. Oouvinte não apenas recebe informações sobre a doutrina da justificação, mastambémsenteoalívioeaalegriadeumréuqueestásendoinocentadodetodasasacusações.Asanalogiastambémpodemserusadasparaconvencer.Vocêpodedizeralgocomo:“Sealguémroubasseseucarroeodestruíssecompletamente,você não gostaria que o juiz dissesse: ‘Vamos perdoar e esquecer’.Você querjustiça.Portanto,porqueDeusdeveriaignorartudooquefizemosdeerrado?”.Emoutraspalavras,vocêestádizendo:“SevocêconcordacomA,porquenãoconcordacomB,umavezqueBprocededeA?”.

Jáoexemploéumtipodiferentedehistória.Aocontráriodaanalogia,queliga duas coisas entre si, o exemplo dá ao ouvinte uma “fatia”mais digeríveldaquilo sobre o que você está falando. Os exemplos podem ser usados paraesclarecerasimplicaçõespráticasdaquiloquevocêestádizendo.Sevocêestiverincentivandoahonestidade,poderialistarexemploscomunsdesituaçõesemquenão se diz a verdade. Se estiver incentivando a generosidade, os exemplospoderiamserdeatoseaçõesgenerososespecíficos.

Operigodashistóriascomgrandesexemploséqueelaspodemserformasde trabalhar apenas as emoções deixando de iluminar o entendimento. Vocêpoderia,porexemplo,contarahistóriatocantedeuma“famíliapobre,encolhidaemtornodofogoecujaúltimaporçãodecomidaacabadeserconsumida;masentão surge…”. As histórias podem agir diretamente sobre nossos medos,sentimentosdeculpaousobrenossospreconceitos.

A formamais simples e negligenciada de ilustração é a de uma imagemverbal breve— uma expressão simples ou atémesmo uma palavra que ligueumaabstraçãoàexperiênciasensorialconcreta.Emvezdedizersimplesmente:“Isso significa liberdade”, você pode dizer: “Esta é a trombeta divina queproclamaaliberdade”.Emvezdedizersimplesmente:“Aressurreiçãoprovaque

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seus pecados estão perdoados”, diga: “A ressurreição estampou na história ocarimbode‘dívidaliquidada’”.Issodáàsuafalaumapelosensorial,evocandoimagens,sonseatécheirosesaboresparaseusouvintes.OpróprioEdwardsnãocontou muitas histórias. Ele trabalhou muito mais com imagens verbais emetáforasextendidas,nasquaisDeuseracomparadoaosol,ou,seuamor,aumafonteouaofogo.

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PreguedeformamaravilhadaSequisermosfalaraocoraçãodaspessoasnapregação,temostambémdeevocaro maravilhamento. O célebre ensaio de Tolkien “On fairy stories”[Sobre oscontos de fadas] diz que há aspirações indeléveis e profundas no coraçãohumanoqueaficçãorealistanãopodesatisfazer.Aficçãodefantasia—contosdefadas,aficçãocientíficaeliteraturassimilares—retratampersonagensque:

•saemdotempototalmente;•escapamdamorte;•têmcomunhãocomseresnãohumanos;•encontramumamorperfeitodoqualjamaisseseparam;•triunfamfinalmentesobreomal.

É claro que leitores e espectadores sabem que as histórias de fadas sãoficção, mas quando a história é bem contada e essas coisas são descritas demaneira vívida há um tipo específico de consolo e de satisfação. O quechamamos de “ficção de fantasia” é algo muito popular e continua a serconsumido por um público de bilhões de pessoas. O apelo duradouro dashistóriasquerepresentamessassituaçõeséinquestionável.Masporquê?Comocristão,Tolkienacreditavaqueessashistóriascalavamtãofundoporquedavamtestemunho de uma realidade subjacente. Mesmo que não creiamosintelectualmentequeháumDeusouquehávidaapósamorte,nossoscorações(naperspectivacristã)percebemdealgummodoqueessascoisascaracterizamavida como ela era, como deveria ser e como será novamente no final. Essashistórias nos interessam tanto porque temos intuições do enredo bíblico daCriação/Queda/Redenção/Restauração. Ainda que possamos reprimir oconhecimento desse enredo intelectualmente, não podemos deixar decompreendê-lo pela via da imaginação. Nosso coração é tocado por qualquerhistóriaqueevoqueessarealidade.

A palavra em inglês para evangelho, gospel, vem de Godspell, termo

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empregadonaIdadeMédiaquederivadeduaspalavrastambémdoinglês:good(bom)espell(história).Eminglêsantigo,“contarumahistória”era“lançarumencantamento”.Ashistóriasseapropriamdocoraçãoedaimaginaçãoenosdãoumaalegriaprofunda.OevangelhodeJesusCristoéoGoodSpell,aboahistória.Éahistóriaporexcelênciaparaaqualapenasapontamtodasasdemaishistóriasquesuscitamalegria,encantamentoemudançadecoração.Oquehádeespecialnessahistória?Sóelasatisfazatodasessasaspirações—contudo,éumahistóriaverdadeira.

SeJesusCristofoirealmenteressuscitadodosmortos—seelefordefatooFilhodeDeusesevocêcrernele—,todasaquelascoisasquevocêdeseja tãodesesperadamentesãoreaiseserealizarão.Escaparemosdotempoedamorte.Conheceremosoamorejamaisnossepararemosdele;teremoscontatoinclusivecomseresnãohumanoseveremosomalserderrotadoparasempre.Noscontosdefadas,principalmentenosmelhoresemaisbemnarrados,experimentamosasuspensão temporária de umavida emquenossos desejosmais profundos sãotodosviolentamenterecusados.Contudo,seoevangelhoforverdade—eé—todasessasaspiraçõesserãosatisfeitascompletamente.

Pregadores e mestres cristãos devem pregar de modo que mostrem àspessoasaprofundidadedasboas-novasdessaverdade.Elesdevemrealçaressascoisasatodomomento,bemcomoterapercepçãodemaravilhamentoadequadaadeclaraçõesassim tão fantásticas.Atémesmoaquelesdenósquecremosnoevangelho não podemos assimilá-lo por completo. Não pregamos com aslágrimasdealegriaque tantasvezesdeveríamosapresentar.Quandopregamos,devemossemprenosabrirparaqueomaravilhamentonosinvada.Dessemodo,comoMoisés,pregaremoscomosemblanteradiante(Êx34.29-35;2Co3.13).

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PreguedeformamemorávelAlguns pregadores expositivos modernos passam tanto tempo entendendo eexplicando o texto que lhes resta pouco tempo para pensar sobre duas outrascoisas: a aplicação prática e o uso impactante, memorável e fluente dalinguagem.Seháalgoque tornaumsermãomemorávelésuaperspicácia.Emvezdedizer aosouvintes coisasqueeles já sabemusando termosconhecidos,umdiscursomemorávelécheiodeformasnovaseperspicazesdetransmissãodeconceitos—conceitosqueosouvintestalvezjásaibamemdeterminadoplano,mas que agora são percebidos como novos e interessantes. “Nunca ninguémexplicouassim”éoquedizemoupensamdepois.Comovocêfaráisso?Receioque a resposta seja repertório. Se você ler poucos livros sobre um assunto outexto,teráapenasumaouduasperspectivasnotáveisesurpreendentes.Sevocêlerumadúziadelivros,veráquehámuitomais.Nãovejonenhumatalhoaqui.Apregação penetrante vem das profundezas da pesquisa, da leitura e daexperiência.

Umasegundacoisaquetornaapregaçãomemoráveléaoralidade.Muitospregadorestendemafalar(pelomenosduranteossermõesepalestras)conformeescrevem.Contudo,acomunicaçãooralédiferentedaescrita.Asapresentaçõesorais não comportammuitas ideias—e devem sermais repetitivas porque osouvintes não podem parar para refletir sobre as palavras como faz quem lê.Geralmente,elesnãoprecisamdemuitospassosemumargumentoparaqueoconsiderem convincente. A comunicação oral requer um vocabulário maissimples. Pode-se começar muito bem uma frase com “mas” ou “e”. Ascontrações das palavras podem ser usadas sem que a linguagem soe muitocoloquial.

Aretóricaculturalmenteapropriadatambémtornaosermãomemorável.Éfácilopregadorcairnumestilode falar tenso, comonaescrita,ounumestilocoloquial dispersivo. Nenhum dos dois será tão memorável quanto umacomunicaçãomarcadaporrecursosretóricosadequadosàsuacultura.Hámuitosrecursos, e é melhor captá-los ou “pegá-los” (de outros oradores) do que“aprendê-los” teoricamente e tentar usá-los.19 São eles, entre outros, aassonância, aliteração e outros tipos de paralelismos.Há, porém, várias outras

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maneirasmenosóbviasmasimpactantesdeusaralinguagemdeformatocanteememorável. Contudo, diferentes culturas e diferentes gerações reagirão arecursos variados de maneiras distintas. Alguns parecerão floridos demais oumuitointelectuais,oumuitoenfadonhos,oumuitomanipuladores.

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PreguedeformacristocêntricaNão detalharei demais esse ponto, uma vez que nos capítulos anteriores trateiexaustivamentedaimportânciadeiralémdaexortaçãomoralistaparaocorreramudançamotivada pelo evangelho, de nãopregar somente princípios bíblicos,mas Cristo, aquele para quem todos os princípios e narrativas apontam. Aquidevo dizer que pregar Cristo não é apenas a maneira mais excelente decompreender o texto em sua totalidade, não é apenas a melhor maneira dealcançarsimultaneamenteaquelesquenãocreemeosquecreem,mastambémamaneira de garantir que seu discurso vá além da preleção árida e se torne aproclamaçãogenuínadaverdadequealcançaocoração.

Dissemos anteriormente que os sermões talvez não passem de boaspreleções até que “cheguemos a Jesus”. Nesse ponto, eles com frequênciadeixamde ser liçãode escoladominical epassama ser sermão. Isso aconteceporque, muitas vezes, um tema bíblico como reino, aliança ou expiação pelopecadoéessencialmenteumaproposiçãoabstrataatéahoraemquemostramosde que modo o tema tem seu clímax em Cristo. Quando exaltamos Jesus emostramosqueeleéRei,Senhor,servodaaliançaenossosacrifícioexpiatório,de repente, as abstrações se tornam realidades que tocam o coração. Jesus,portanto, é o caminho por excelência para que passemos de informar àmenteparaalcançarocoração,demeramenteinformarparamostraratodosaBeleza.

Aoterminarseusermãoevitedizercoisasdotipo“éassimquevocêdeveviver”.Emvezdisso,diga:“Nãohácomoviverdessemodo.Ah,masalguémque foi capaz de fazê-lo! Pela fé nele você pode começar a viver da mesmamaneira também”. Amudança no ambiente será palpável conforme o sermãodeixar de concentrar-se primordialmente nas pessoas para concentrar-se emJesus.Deaprendizes,aspessoaspassarãoaadoradoras.

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PreguedeformapráticaPor fim, pregar ao coração é pregar demodo prático.No prólogo deste livro,dissemosqueopregadortemduasgrandesresponsabilidades:comaverdadedotextoecomavidadoouvinte.Aprimeiraexigeexposiçãonumsentidoamplo(tratamos disso na primeira parte); a segunda exige aplicação num sentidoamplo (tratamos disso no início da segunda parte). Gostaria de concluir estasegundapartedolivropropondosugestõesdeaplicaçãoemsentidoestrito.Esseéomomentoemquevocêprocuraajudarseusouvintesaaplicaradinâmicadoevangelhoalinhadaaotextodosermão,paraproduzirmudançaspráticasnavida.

1.ConversecompessoasdiferentesQuando estudamos a Bíblia, tendemos a respostas que implícita ouexplicitamentetemosnocoraçãodurantealeitura.Istosedáporquesomossereshumanoslimitadosaumtempoeaumespaçoespecíficos.Nãoexisteparanósuma“perspectivade lugarnenhum”.Temosdúvidas, problemas edificuldadesnamente,equandolemosaBíbliabasicamente“ouvimos”oqueelanosensinasobreessasdúvidas,problemasedificuldades.

Portanto, uma das dinâmicas naturais da pregação é a tendência depregarmosapessoasàsquaisouvimosamaiorpartedotempoduranteasemana.Porquê?Aspessoascomasquaisvocêmais interageenchemsuamentecomquestõesquevãoseunindoàsuamatrizdereferênciaconformevocêlêaBíblia.Comisso,vocêaprendea identificarasverdadesbíblicasquesãocarasaelas.Seussermões tenderãoaprivilegiaraquelesqueocupamumlugarespecialemseu coração.Como tempo, essas pessoas se tornarão asmais interessadas emsuapregaçãoeasmaissatisfeitascomela;irãoàigrejaelevarãojuntopessoasparecidas com elas mesmas. Por elas estarem vindo, você vai conhecer maispessoas assim, vai falarmais com elas e, então (quase inconscientemente) vaimoldar suasmensagensemfunçãodesuasnecessidades.Quantomaisvocêasouvir, tantomais elas vão direcionar o sermão para si; quantomais você lhesendereçarosermão,tantomaisirãoàigreja,eassimpordiante.

Essepadrãopodesetransformarnumcicloviciosoouvirtuoso.Napiordashipóteses,opregadorevangélicolêeinteragesomentecomoutrospregadorese

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escritores evangélicos. Eles leem, falam e se comunicam quase queexclusivamente com aqueles pensadores que apoiam seu ponto de vista.Portanto, os sermões que pregam são úteis apenas para aqueles outrosestudantes,praticanteseosquecompartilhamdesuaspreferênciasteológicasoupolíticas específicas. Não é, como se imagina com frequência, que algunssermõesoriundosdessepadrãosejamacadêmicosdemais,eporissofaltaaelesaplicação.Pelocontrário,opregadorestáaplicandoo textoàsdificuldadesdaspessoasaquemelemaiscompreende:outrosacadêmicos.

Amaiorpartedospregadores,porém,lêoutroscristãoseinteragecomeles.É uma postura melhor, mas, ainda assim, seus sermões só ajudam realmenteoutros cristãos, que provavelmente apreciam as mensagens e se sentem“alimentados”.Contudo,sabeminstintivamentequenãopodemlevarosamigosnão cristãos à igreja. Eles jamais raciocinam assim: “Queria quemeu vizinhonãocristãoestivesseaquiparaouvirisso”.

Não há um modo abstrato e acadêmico de pregar sermões que os tornerelevanteseaplicáveis.Aaplicaçãosurgiránaturalmentedos seusparceirosdediálogo.Sevocêpassaramaiorpartedotempolendo,emvezdeconvivercomas pessoas, aplicará o texto bíblico aos autores dos livros que lê (o que,convenhamos,ajudamuitopouco).Sevocêpassarboapartedo seu tempoemreuniões cristãs ou na subcultura evangélica, seus sermões aplicarão o textobíblico às necessidades dos evangélicos (o que será muito mais proveitoso,porém a aplicação continuará incompleta).A únicamaneira de ir além dessaslimitaçõesconsisteemdiversificardeliberadamenteotipodepessoacomquemvocêconvive.

Como?Emprimeirolugar,quandolersobrepolítica,nãoserestrinjaaumespectroapenasdosegmento.Leialiberais,conservadoreseprogressistas.Leiaas análises de conjutura política dos principais colunistas e blogueiros.Mantenha-se a par do noticiário diário, seja através da televisão, jornaisimpressos ou dos portais de notícias da internet, e assim você tomaráconhecimento da reflexão política vinda dos mais variados espectros

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2.

ideológicos. A leitura de periódicos do universo acadêmico o deixará beminformadoarespeitodastendênciasdopensamento.

Procuretambémconversarcomoutraspessoas.Ospastorestêmdificuldadepara fazê-lo porque sãomuito ocupados e também porque as pessoas em suamaioria não se comportam como realmente são quando estão conosco. Noentanto,sevocêplanejarcomatençãoseuscompromissos,seforcriativocomacomunidadeesouberseenvolvercomela, terá tempoparagastarcompessoasdecondiçõesetradiçõesespirituaisasmaisvariadas.

Diversifique a imagem das pessoas que você tem em mente na hora deprepararosermão

Quandovocêlêotextoeescreveosermão,penseespecificamentenaspessoasque conhece e em suas diversas condições espirituais (não cristãos, cristãosfracos/novos, cristãos fortes), nos pecados que as afligem (orgulho, lascívia,preocupação, ganância, preconceito, ressentimento, timidez, depressão, medo,culpa) e em circunstâncias diversas (solidão, perseguição, cansaço, tristeza,doença, fracasso, indecisão, confusão, deficiência física, velhice, desilusão,tédio).Agora,lembrando-sederostosespecíficos,examineaverdadebíblicaquevocêestáaplicandoepergunte:“Dequemaneiraessetextoseaplicaaessaouàquelapessoa?”. Imagine-seaconselhandopessoalmenteapessoacomo texto.Esse exercício parece uma coisa árida,mas pode se tornar umhábito comum.Seuefeito consiste emgarantirquea aplicaçãoquevocê fazdeum texto sejaespecífica, prática e pessoal. Além disso, ele fará de você um conselheiropastoralmaisbempreparado.

Umaversãomaissimplesdesseexercícioéseperguntar:“Oqueessetextodizaosgruposrepresentadospelos“quatrosolos”daparáboladeMarcos4?”.Osquatro grupos são constituídos por pessoas céticas e as que rejeitam a fé; porcristãosnominaiscujocomprometimentoéraso;porcristãosdivididosemsuaslealdades e cujas prioridades estão invertidas; e por cristãos maduros ecomprometidos.20Vocêpodeainda fazer listasmaisextensasqueomotivemapensar.21

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3.EntremeieaaplicaçãoaolongodosermãoOsermãopuritanotradicionalconsistiaem“doutrina”.Otextoeraestudadoeseexpunhamasproposiçõesdoutrinárias;emseguidavinhaa“aplicação”,daqualseextraíamasimplicaçõesdoutrináriasparaavidaprática.Demodogeral,essacontinuasendoamelhorordem.Vocêexpõeoque textoquerdizeredepoisoexplicitaaocoraçãoconclamandoaumamudançadevida.

Contudo, não é aconselhável que o pregador siga esse modelo de formamuitorígida.Nãoéprecisoesperaratéofinaldosermãoparafazeraaplicação.Você pode, e normalmente deve administrá-la ao longo da pregação, porque éprecisoafirmartodosospreceitosbíblicosemtermosquesejamdealgummodopráticos.Alémdisso,vocêpodeabordarrapidamentealgunsassuntosaosquaisnãoretornaráposteriormentenamensagem;portanto,cabenessemomentoumabreveaplicação.

Aindaassim,àmedidaqueosermãoavança,éprecisocaminharparaumaaplicaçãomais direta e específica. Com o sermão já próximo da conclusão, éapropriado retomar e recapitular as aplicações e, em seguida, enfatizá-lasanalisando mais profundamente pelo menos um passo de forma específica.Esforce-se para ser tão vívido e específico quanto possível sem se referir àspessoas individualmente. Aqui está um exemplo extraído de um sermão meusobreintegridadeehonestidade.

Há mentiras políticas. “Gostaria muito de ir, mas não estarei na cidade nessa data”, quando, naverdade, você estará. “Acho que seu jeito de escrever é um pouco sofisticado demais para seusleitores”,quando,naverdade,oestilodapessoaésimplesmente terrível.Hátambémasmentirasdotipo Watergate: “As pessoas simples não compreenderão”. Há mentiras empresariais. Não digapublicamente:“Somosafavordaigualdade”,quando,emparticular,vocêfazdemandasirracionaisaseusempregados,demodoquetodossabemquevocênãoseimportarealmentecomaigualdade.Nãoleveos amigospara os lugares reservadosno camarote da empresa, quando todos sabemque sóosclientesdeveriamserconvidadosaocupá-los.Nãodigapublicamentequeestátudobem,quandoseusempregados sabemquenãoestá.Não façaumpedidograndedemais antesdo finaldobimestre, sóporque,emboravocêsaibaquetodosserãocancelados,elesficambemnosnúmerosnaquelemomento.

Lembre-se, porém, de uma coisa. Embora você possa e deva passar umtemporazoávelfazendoaplicaçõesnosestágiosfinaisdosermão,geralmenteémelhor,nofim,enfatizarnãoo“issoéoquevocêdevefazer”,esim“aquiestá

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aquelequefeztudoporvocê,paraquevocêpudesseconheceraDeus”,istoé,opróprioJesus.22

4.RecorraàvariedadeFaçaperguntasobjetivas.Osmelhorespregadoresfalamacadatipodeouvintedemaneiramuito pessoal. Pode-se fazê-lo questionando diretamente a plateiacom perguntas que exigem uma resposta do coração. Pergunte: “Quantos devocêssabemquetorceramaverdadeouomitirampartedelanasemanapassadaparaficarbem?”.Emseguida,façaumapausa.Essaéumaestratégiamuitomaispessoalecapazdeprenderaatençãodoqueumameraafirmaçãodotipo:“Muitagente torce a verdade ou diz meias-verdades para alcançar seus objetivos”.Converse com as pessoas; faça perguntas objetivas. Esteja pronto para aquelapessoa aleatória que realmente vai responder à sua pergunta! O objetivo,entretanto,édaràspessoasespaçoparaque respondamemsuamente/coração—estabelecendo,efetivamente,umdiálogocomvocê.

Forneçatestesparaumautoexame.Nãosubestimeacapacidadehumanadeevitar a convicção do pecado. Todo coração tem inúmeros subterfúgios edesculpasconsagradospormeiodosquaispode,dealgummodo,racionalizaraconfrontaçãodireta comsuaprópria iniquidade.Sevocê estiver sepreparandobem, terá se convencido de muitos desses artifícios na semana anterior aosermão.Quandovocêpregar,serãoestesospensamentosqueocuparãoamentedosseusouvintes:

“Bom,issoéfácildizer,vocênãovivecommeumarido!”“Issodeveserverdadeparaoutros,masnãoparamim.”“QueriaqueFulanaestivesseaquihojeparaouvirisso.Serviudireitinhoparaela.”

Portanto, é importante fornecer testes rápidos para seus ouvintes. Porexemplo:

Talvezvocêconcordecomigoqueoorgulhoéumacoisaruimeahumildadeumacoisaboa,masaívocêpensa:“Maseunãotenhograndesdificuldadescomorgulho”.Bem,façaumexamepessoal.Vocêé tímidodemaisparacontaraosoutrossobresuafé?É introvertidodemaisparacontaràspessoasaverdade?Oqueéissosenãoumtipodeorgulho,receiodedarmáimpressão?

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Faça uma combinação das muitas formas de aplicação. Toda aplicaçãocompreende, no mínimo: (a) advertência e admoestação, (b) encorajamento erenovação,(c)consoloereconforto,e(d)encorajamento,apeloe“comoção”.Amaiorpartedospregadorestemumatendênciaperigosadeseespecializaremsóumdessesaspectoscomodecorrênciadamanifestaçãodeseutemperamentooupersonalidade.Alguns têmo temperamentogentile reservado,outrossãomaisalegres e otimistas, outros ainda são sérios e enérgicos. Esses temperamentospodemdistorcer a aplicação da verdade bíblica, demodo que estamos semprenos especializando em um tipo de aplicação e de exortação. Contudo, com opassar do tempo, esse tipo de aplicação acaba tolhendo nossa capacidade depersuasão.As pessoas se acostumam aomesmo tom oumodulação da voz. Émuitomaiseficazquandoopregadorpassadadocilidadeedoraiodesolparaasnuvens e o trovão! Deixe que o texto bíblico o controle, e não o seutemperamento. Aprenda a comunicar a verdade “intensa” como intensa; averdade“dura”comodura;averdade“doce”comodoce.

5.EstejaemocionalmentecienteNãoignoreomomentodemaiorinfluência.Devezemquando,háummomentoduranteo sermãoemque ficaevidentequeaatençãodopúblicoestánonívelmáximo.Eleestánummomentoelevadodeexperiênciacomunitáriadaverdade.Com frequência você percebe nessa ocasião que as pessoas estão se deixandoconvencer.Umsinaldissoéquenãoháinquietaçãoalgumanoambiente,nãohábarulhodepésinquietos,degentelimpandoagarganta.Osilêncionaplateiaémaisevidenteetranquilo.Esseéomomentopróprioparaoensino.Nãoodeixepassar! Não fique tão preso a seu esboço ou às suas notas a ponto de nãoaproveitar a oportunidade para enfatizar a verdade diretamente e de modoespecífico. Talvez você devesse fazer uma pausa e olhar para as pessoas nosolhosenquantoelasprocessamoquevocêacaboudelhesapresentar.

Sejaafetuosoefirmeaomesmotempo.Certifique-se,aolidardemodobemespecíficocomocomportamentoeospensamentosdaspessoas,decombinaroamorevidenteporelascomafranquezasobreopecado.Seja,aomesmotempo,afetuosoefirmeaolidarcomquestõespessoais—semrepreendernemsesentir

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desapontado. Semenosprezar um ouvinte por alguma pergunta que ele talveztenhafeitointeriormente,vocêcausaráaimpressãodeserarroganteeinacessível(etalvezvocêseja!).

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NOTAS1GordonWenham,Genesis1–15,WordBiblicalCommentary(Waco:WordBooks,1987),v.1,p.144.2DonaldHagner,Matthew1–13,WordBiblicalCommentary(Nashville:ThomasNelson,1993),vol.

33A,p.158.3D.A.Carson,Theexpositor’sBiblecommentary:Matthew,chapters1–12(GrandRapids:Zondervan,

1995),p.177.4DoislivrosrecentesquedefendemessaideiasãoJamesK.A.Smith,Desiringthekingdom:worship,

worldview,andculturalformation(GrandRapids:BakerAcademic,2009)eImaginingthekingdom:howworshipworks(GrandRapids:BakerAcademic,2013).SmithpartedaideiadeAgostinhosegundoaqualoque nos torna o que somos é a ordem dos nossos amores; portanto, o que nos transforma não émudarnossospensamentos,masoqueamamos.Smithcriticaacertadamenteumaabordagemaoministérioqueémuito racionalistaecentradana transferênciade informaçõesena transmissãodadoutrinaedascrençascorretas.Elereafirmaquemudamosnãocomamudançadoquepensamos,massobretudocomamudançadoqueadoramos—oqueamamosecomoqueenchemosnossaimaginação.Eledámuitomaisatenção,porém,àliturgiaeàformadoscultosdeadoraçãoepoucaatençãoàpregação.Creioqueapregaçãopodecarregar boa parte do peso da tarefaministerial demudar o coração.Contudo, Smith tem razão em suacrítica de que há uma relativa escassez de livros evangélicos a respeito da pregação ao coração emcomparação com livros que tratam da exegese e da explicação do texto bíblico. Algumas exceções sãoSinclair Ferguson, “Preaching to the heart”, in:Feedmy sheep: a passionate plea for preaching (GrandRapids: Soli Deo Gloria, 2002), p. 190-217 [edição em português: Apascenta o meu rebanho: umapaixonadoapeloemfavordapregação(SãoPaulo:CulturaCristã,2009)];SamuelT.Logan,org.,“Thephenomenologyofpreaching”, in:Thepreacherandpreaching: reviving theart in the twentieth century(Phillipsburg:PresbyterianandReformed,1986),p.129-60;eJoshMoody;RobinWeekes,Burninghearts:preachingtotheaffections (Ross-shire:ChristianFocus,2014).Euacrescentariaque“pregaraocoração”nãoéalgoapenasbíblico,mastambéméumamaneiraimportantedeadaptaçãoànossaerasecular,emqueareligiãoherdadaestáemdeclínio.Aspessoasirãoàigrejanãoporquedevemfazê-lo,pelofatodeserestauma das implicações de fazer parte de um corpo ou comunidade social; elas irão unicamente porquedecidiramfazê-lodecoração.

5ParaumaexplicaçãobreveecompreensíveldoqueEdwardsescreveusobreasafeições,duasfontesexcelentespodemserconsultadas:“Editor’s introduction”, in: JohnE.Smith;HarryS.Stout;KennethP.Minkema,AJonathanEdwardsreader(NewHaven:Yale,1995);eoartigodeSamLogansobrepregaçãoeasafeições,“Thephenomenologyofpreaching”,in:SamuelT.Logan,org.,Thepreacherandpreaching.OresumonestaseçãoseguedepertoEdwardsreader,p.xix-xx.

6NãoédeadmirarqueEdwards,emumadesuaspoucasreflexõesteológicassobrepregação,diga:“Oprincipal benefício que se obtém com a pregação se dá pela impressão suscitada na mente naquelemomento,enãoporumefeitoquesurgeposteriormentedevidoaumalembrançadoquefoi transmitido.Emboraarecordaçãoposteriordoquefoiouvidoemumsermãoseja,nãoraro,muitoútil,demodogeral,essalembrançadecorredaimpressãoprovocadapelaspalavrasnaquelemomento.Comisso,amemóriasebeneficiaconformerenovaeaumentaaquelaimpressão”.(JonathanEdwards,“Somethoughtsconcerningthe present revival of religion inNewEngland”, in: C. C.Goen, org.,The Great Awakening,Works ofJonathanEdwards[NewHaven:Yale,1972],vol.1,p.397).

7VejaJonathanEdwards,“Adivineandsupernaturallight”,in:JonathanEdwardsreader,p.111-14;eJonathanEdwards,“TheMind”,in:JonathanEdwardsreader,p.22-8.

8Edwards,“Divineandsupernaturallight”,p.112.9WilsonH.Kimnach,“JonathanEdwards’spursuitof reality”, in:NathanO.Hatch,HarryS.Stout,

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orgs.,JonathanEdwardsandtheAmericanexperience(NewYork:OxfordUniversityPress,1988),p.105.10Ibidem.11Paramaissubtextoseoutrasquestõesreferentesà“pregaçãocomafeiçõesverdadeiras”,vejaocap.

7.12VejaTimothyKeller,Prayer:experiencingaweandintimacywithGod(NewYork:Dutton,2014)

[ediçãoemportuguês:Oração:experimentandointimidadecomDeus(SãoPaulo:VidaNova,2016)].13WilsonH.Kimnach;KennethP.Minkema;DouglasA.Sweeney,orgs.,“Editors’introduction”,in:

ThesermonsofJonathanEdwards:areader(NewHaven,CT:YaleUniversityPress,1999),p.xxi.14Ibidem,p.xviii.15Ibidem,p.xix.16Edição em português: Pecadores nas mãos de um Deus irado: e outros sermões de Jonathan

Edwards(SãoPaulo:CPAD,s.d.).17Kimnach;Minkema;Sweeney,ThesermonsofJonathanEdwards,p.56.18ThomasG.Long,Thewitnessofpreaching,2.ed.(Louisville:JohnKnox,2005),p.295.19Veja Robert A. Harris, “A handbook of rhetorical devices”, VirtualSalt.com, January 19, 2013,

disponívelem:www.virtualsalt.com/rhetoric.htm,acessoem:fev.2017.20Umconselhoimportanteparasuasegurança:seapessoaoupessoasquevocêtememmenteestarão

de fatoouvindoo sermãoqueestá sendopreparado, certifique-sedenão recorrer adetalhesquedeemaentenderquevocêestáusandoopúlpitoparacensurarpublicamentealguém.Essenãoéumcomportamentobíblico!(Mateus18.15nosdizquedevemosconversarcomapessoaemparticularsetivermosalgumacoisacontraela.)Aideiaéqueseusermãoseapliqueaváriaspessoas,enãoaumasó.Useorecursodepensarnelasparaestimularaplicaçõesespecíficas,masnãoasdescrevadetalmodoqueleveopúblicoaimaginaraquemvocêestásereferindo.

21Sãoosseguintesostiposdepessoasaquemvocêtalvezsedirija.Seutextofalaaalgumadelas?

Descrenteconsciente:oindivíduotemconsciênciadequenãoécristão.

Pagãoimoral:temumestilodevidadescaradamenteimoral/ilegal.Pagãointelectual:dizqueafééindefensávelouirracional.Falsopagão:écéticoporqueestánamoda,masnãoprofundamente.Pensadorgenuíno:temobjeçõessériasebemconcebidas.Religioso não cristão: pertence a uma religião, uma seita ou denominação organizada cujasdoutrinassãoseriamenteequivocadas.

Cristão nominal sem igreja: crê nas doutrinas cristãs básicas, mas tem uma ligação remota ounenhumaligaçãocomaigreja.

Cristãonominalquefrequentaaigreja:participadaigreja,masnãoéregenerado.

Moralistasemiativo:émoralmente respeitável,massuareligiãonão lhe trazsegurança,e tudoéapenasumdever.Autojustificador ativo: muito comprometido e envolvido com a igreja; sua certeza de salvaçãobaseia-seemboasobras.

Desperto:seupecadooincomodaetemconvicçãodeste,masnãotemaindaapazdoevangelho.

Curioso:sente-setocadosobretudointelectualmente;temmuitasdúvidaseéestudiosoaplicado.

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Convictodeumafalsapaz:sementendimentodoevangelho,disseram-lhequeseparticipassededeterminadacerimônia,sefizessecertaoraçãoououtracoisaqualquer,issobastariaparaseraceitodianteDeus.Desconsolado:templenaconsciênciadeseuspecados,masnãoaceitaoucompreendeoevangelhodagraça.

Apóstata:jáfoiativonaigreja,masrepudiouafésemarrependimento.

Novocrente:converteu-serecentemente.

Oqueduvida:temmuitostemoresehesitaçõesarespeitodesuanovafé.Ávido:começacomalegria,confiançaezeloseuaprendizadoeserviço.Excessivamentezeloso:tornou-seumpoucoorgulhosoecríticodosoutros;confiademaisemsuascapacidades.

Maduro/emcrescimento:passaporquasetodasascondiçõesbásicaslistadasaseguir,masavançaemmeioaelasporqueresponderapidamenteaotratamentopastoralousabecomosetratar.

Aflito: vivedebaixodeum fardoouproblemaquemina sua forçaespiritual. (Geralmentedizemosqueumapessoaaflitaéalguémquenãopôssobresimesmaofardoqueleva.)

Aflitofisicamente:alguémqueestápassandopeladecadênciadocorpo.DoenteIdosoDeficienteÀbeiradamorteEnlutado:perdeuumentequeridooupassouporalgumaoutraperdasignificativa(p.ex.,suacasapegoufogo).SolitárioPerseguido/abusadoPobre/comproblemaseconômicosPessoa que se sente abandonada: espiritualmente ressequida pela ação de Deus, que remove osentimentodesuaproximidadeapesardousodosmeiosdegraça.

Tentado:lutacomumpecadooupecadosquecontinuamatraentesefortes.

Subjugado:étentadoemgrandemedidanaesferadospensamentosedosdesejos.Dominado:seupecadosetornouumcomportamentoviciante.

Imaturo:éumbebêespiritualquedeveriaestarcrescendo,masnãoestá.

Indisciplinado:tempreguiçadeusarosmeiosdegraçaeosdonsparaministrar.Satisfeito consigo mesmo: o orgulho sufocou seu crescimento; é complacente; talvez tenha setornadocínicoezombademuitosoutroscristãos.Desequilibrado: enfatiza em excesso algum dos seguintes aspectos de sua fé: o intelectual, oemocionalouovolitivo.Apegadoadoutrinasexcêntricas:deixou-setomarporensinodistorcidoqueimpedeocrescimentoespiritual.

Deprimido: não apenas experimenta sentimentos negativos, mas também se esquiva de deveres

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cristãoseédesobediente.Seapessoaforumcrentenovo,ou tentado,ouaflito,ou imaturo,enãorecebeotratamentoadequado,setornaráespiritualmentedeprimida.Alémdisso,aspessoascomosseguintesproblemaspodemcairemdepressão:

Ansiedade:adepressãovempormeiodapreocupaçãooudomedotratadodemaneirainadequada.Fatiga:oindivíduosetornaapáticoesecopeloexcessodetrabalho.Ira:adepressãoocorrepormeiodaamarguraouiradescontroladatratadadeformaindevida.Introspecção:oindivíduoseaprofundaemseusfracassosesentimentoseéinseguro.Culpa:apessoatemaconsciênciaferidaenãochegouaoarrependimento.

Desviado:oindivíduofoialémdadepressãoeseafastoudacomunhãocomDeusecomaigreja.

Sensível:aindaéconvencidodeseuspecadossemmuitadificuldadeesuscetívelaochamadodearrependimento.Endurecido:tornou-secínico,zombadoredifícildeserconvencido.

22Vejaoapêndiceparamaisdetalhessobreasaçõeslógicasdoevangelho.Primeiro:“Eisoquevocêdevefazer”.Depois:“Aquiestáporquevocênãopodefazê-lo”.Edepoisainda:“Aquiestáquemofezporvocê”. Por fim: “Eis aqui como a fé nele o capacita também a fazê-lo”. Seguir essa lógica no sermãosignificaque,comfrequência,aaplicaçãopráticaseráfeitaemmaisdeummomento.

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TERCEIRAPARTE

EMDEMONSTRAÇÃODOESPÍRITOEDEPODER

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N

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APREGAÇÃOEOESPÍRITO

Minhalinguagemepregaçãonãoconsistiramempalavraspersuasivasdesabedoria,masemdemonstraçãodopoderdoEspírito,paraqueavossafé não se apoiasse em sabedoria humana,mas no poder deDeus [1Co2.4,5].

ocapítuloanterior,dissemosqueseusouvintesserãoconvencidosporsuamensagemsomenteseforemconvencidosporvocêcomopessoa.Nãoháescapatória.Aspessoasnãoexperimentamsimplesmentesuas

palavras,seusargumentoseapeloscomosefossemmensagenssemcorpo.Elasestãoo tempotodosentindoeavaliandoafonte.Senãooconhecem,elas(emgeral,de forma inconsciente) reúnemevidênciasparadeterminar segostamdevocê,sepodemserelacionarcomvocêe respeitá-lo.Elasestãoobservandosevocêéumapessoafelizoumelancólica,seéequilibradaounervosa,separecegentil ou rude ou presunçosa. Elas estão procurando ver amor, humildade,convicção,alegriaepoder—algumaintegridadeecoerênciaentreoquevocêdizeoquevocêé.Opúblicoécapazdesentirquetipodeenergia—oufaltadeenergia—estáportrásdoquevocêdiz.Talvezpercebaminsegurança,faltadeconvicção,desejodeimpressionarouumsentimentodesuperioridademoral—qualquer uma dessas coisas fechará a mente e o coração da plateia às suaspalavras.

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É certo que seus ouvintes estão respondendo às suas habilidades, ao seupreparo, caráter e convicção de modo geral. Esses são elementos críticos dequalquer boa comunicação, inclusive de qualquer boa pregação ou ensino.Contudo, especificamente em relação ao atodepregar, existe umacoisa aindamais importante para a persuasão: a sensação que os ouvintes têm de que oEspírito Santo está operando em você e através de você. Como podemosconvidaroEspíritoSantoparaqueopereemnossapregação?

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OESPÍRITOEOPREGADORAlguém relatouque, quando sugerirampela primeira vez aGeorgeWhitefieldque publicasse seus sermões, ele concordou, mas disse: “Vocês nuncaconseguirãopôrostrovõeseosraiosnopapel”.1

Lembre-sedoquedissemosnoprólogo:umministrocristãodemaisidadedisse certa vez que Whitefield sempre pregava sermões incríveis, mas nemsempreerambonssermões(nosentidodesuatécnicaeestrutura).EssehomemnãoestavasereferindoàmaestriaoratóriadeWhitefield,masaomodopeloqualo

Espíritoestavapresenteemsuapregação.EmColossenses1.24-29,lemosaesserespeito.2

…[Estaé]acomissãoqueDeusmedeudeapresentar-lhesapalavradeDeusemsuaplenitude[…]Aele anunciamos, admoestando e ensinando todo homem com toda a sabedoria, para que possamosapresentar cada um plenamente maduro em Cristo. Para esse fim luto vigorosamente com toda aenergiaquetãopoderosamenteatuaemmim(Cl1.25,28,29,NIV).

A comissão de Paulo envolve as duas grandes tarefas da pregação quetemosexaminadonestelivro:pregartodaaPalavradeDeusepregaraocoração.Contudo,adescriçãoquePaulofazdesuapregaçãonãoterminaaqui.Elefaladeum poder espiritual intenso e bastante agitado dentro dele, que lhe gera umanseiointernoveementequandoprega:“Paraessefimlutovigorosamentecomaenergia que tão poderosamente atua em mim”. Para Paulo, pregar não é umexercíciodistante e clínico, e émais aindadoqueumclímax satisfatórioparaum esforço criativo. Ele diz que literalmente agoniza quando fala. O mesmotermogregoquePaulousaaqui,energia,seráusadoemalgunsversículosmaisadianteparadescreveropoderdeDeusaoressuscitarJesusdosmortos.3OsqueouviramPaulodevemterficadoimpressionadoscomofatodequeaverdadedoevangelho que ele estava proclamando já estivesse em operação como umprofundo poder na vida do próprio apóstolo. Ele não apenas argumentou e seenvolveu com um público, mas levou indivíduos a umamudança de vida—“cadaumplenamentemaduro emCristo”4—atravésdequemele eraquando

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falava,nãoapenasatravésdoqueeledizia.OquehaviaemWhitefieldePauloqueconvidavaoEspíritoSantoaoperar

atravésdelesdessemodo?Em primeiro lugar, era o que eles faziam. Eles não falavam de Cristo

apenas; eles o elevavam, mostravam que ele era glorioso e expressavam suaadmiraçãoealegriaao fazê-lo.Vimosanteriormente,em1Coríntios2.4,queotextofalavada“demonstraçãodopoderdoEspírito”.AnthonyThiseltondizque,comoficaclaronapassagemimediatamenteseguinte(1Co2.16—3.4),opapeldoEspíritoéde“discrição”,apontandoocaminhonãoparasi,masparaabelezade Cristo (cf. Jo 16.12-15).5 Quando os pregadores fazem isso também —quando,emvezdesimplesmentedarinformaçõesoumostraroquesabem,eleselevam Cristo e mostram às pessoas o seu amor — aí então se alinham aoEspíritoepodemesperarqueeleacompanheamensagemproclamada.

Emsegundolugar,eraquemeleseram—suagraçaespiritualeseucaráter.Muitas vezes, diz-se que grandes pregadores são aqueles que têm donspoderososdefalarempúblicoepregar.Issoéverdade,mas,para“demonstraçãodo Espírito e de poder”, nosso fruto espiritual — amor, alegria, paciência,humildadeebondade—émaisimportantedoquetalentosehabilidades.Donssãocoisasquefazemos,masofrutoespiritualougraçassãoaquiloquesomos.

Dons e talentos podem operar quando o comunicador é espiritualmenteimaturooumesmoquandoocoraçãodopregadorestádistantedeDeus.Sevocêtemodomdoensino,porexemplo,asituaçãodasaladeaulaexplicitaseudom,e você pode ser muito eficaz. Isso, porém, pode ocorrer na ausência de umcaminharpróximodeDeus.JonathanEdwards,emumsermãosobre1Coríntios13,diz:

Muitoshomensmaustêmapresentadoessesdons[depregaçãoedeministração].Muitosdirãonaqueledia:“Senhor,Senhor,nãoprofetizamosemteunome?Emteunomenãoexpulsamosdemônios?Emteunomenãofizemosmuitosmilagres?”(Mt7.21).Talcomoesses,quetiveram[…]donsdoEspírito,masnenhumaobraespecialesalvadoradoEspírito[…]Essascoisassãoexcelentes,mas[…]nãosãopropriamentenenhumaqualidadedocoraçãoedanaturezadohomem,comosãoagraçaeasantidadeverdadeiras[…]DonsextraordináriosdoEspírito,porassimdizer,sãojoiaspreciosas,queohomemcarregaconsigo.Contudo,agraçaverdadeiranocoraçãoé,porassimdizer,apreciosidadedocoração

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pelaqual […] a alma se tornauma joiapreciosa […]OEspíritodeDeuspodeproduzir efeitos emmuitascoisascomasquaiselenãosecomunica.Portanto,oEspíritodeDeussemoveusobreafacedaságuas,masnãoparaqueelesecomunicassecomelas.Quando,porém,oEspíritopormeiodesuasinfluênciasusuais concede agraça salvadora, ele se comunica coma alma […]Sim, agraça é, porassimdizer,anaturezasantadoEspíritodeDeuscomunicadaàalma.6

Essadistinçãoentre“operaçõesdosdons”e“operaçõesdagraça”oufrutoévital.Osdonscostumamserconfundidoscommaturidadeespiritualnãoapenaspelopúblico,mas tambémpeloorador.Sevocêencontrarpessoasqueestejamassistindo avidamente aos seus sermões, tomará isso como evidência de queDeusestásatisfeitocomseucoraçãoecomseuníveldeintimidadecomele—quando,naverdade,eletalveznãoestejasatisfeitodemodoalgum.Ofatoéquenós,cristãos,corremosatualmentemaiorperigodeerrodepercepçãodoqueemqualqueroutra épocadahistória,umavezquenossaera temsidochamadade“era da técnica”. Nenhuma sociedade civilizada colocou mais ênfase sobreresultados, habilidades e carisma—oumenos ênfase sobre caráter, reflexão eprofundidade.Essaéaprincipalrazãopelaqualtantosdosnossosministrosmaisbem-sucedidostêmumafalhaoulapsomoral.Seusdonsprodigiososocultaramaausênciadeoperaçõesdagraçaemsuavida.

A dinâmica também funciona em sentido reverso. Um forte caráterespiritual,produzidopelasoperaçõesdagraça,podecompensardonsmodestos.Um ministro cristão tem três papéis ou funções básicas: pregar,pastorear/aconselhar e liderar. Embora ninguém seja igualmente agraciado emtodas as três áreas, temos de desempenhar cada uma dessas funções. O fatormaisimportanteparaaeficáciaalongoprazodeumministrocristãoécomo(ouse) as áreas em que há deficiência de habilidade podem ser atenuadas poroperaçõescontundentesdagraçaemseucaráter.Aliteraturasobreliderançanosaconselhaaconhecermosnossasfraquezas,asáreasemquetemosdeficiênciadedons. Ela nos diz, geralmente, que devemos nos rodear de uma equipe depessoas com dons complementares, e esse certamente é um conselho sábio sevocêpuder pô-lo emprática.No entanto,mesmoquepossa, não é o bastante,umavezqueasáreasnasquaisvocêédeficienteominarão,amenosquehaja

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umapiedadequecompense.Oquequerodizer?Talvez você não tenha fortes dons de falar em público, mas, se for uma

pessoa piedosa, sua sabedoria, amor e coragem farão de você um pregadorinteressante.Talvezvocênãotenhafortesdonspastoraisoudeaconselhamento(p.ex.,talvezvocêsejaumapessoamuitotímidaouintrovertida);noentanto,seforpiedoso,suasabedoria,seuamoresuacoragemocapacitarãoaconsolareaorientaraspessoas.Talvezseusdonsdeliderançanãosejammuitofortes(p.ex.,talvez você seja desorganizadooudemais cautelosopor natureza),mas, se forumapessoapiedosa,suasabedoria,amorecoragemfarãocomqueaspessoasorespeitemeosigam.

As operações da graça que produzem um caráter santo são fundamentaisporquepodemcompensarcertasdeficiênciasdedonsetambémporqueháumapressão enorme no ministério cristão que favorece a hipocrisia. Ser líder naigreja ou no ministério significa dizer às pessoas todos os dias “Deus é tãomaravilhoso!”.Nãoéesseotipodecoisaquefazemosnamaiorpartedasoutrasáreasdavida.Contudo,noministérioestamosconstantementedirecionandoaspessoasparaumladoouparaoutro,sempretendoDeusemvista,nointuitodemostrarseuvaloresuabeleza.

Muitasvezes seu coraçãonão estará emcondiçãodedizer isso com totalintegridade e comprometimento. Você tem então duas escolhas. Ou vocêexaminaseucoraçãomuitomaisdeperto,aquecendo-ocontinuamentedemodoquepossapregar àspessoasoquevocêestápraticando,ou teráde aprender avestirseuarministerialesetornarumacoisaporforaquevocênãoépordentro.O estadista Abraham Kuyper disse em determinada ocasião que o farisaísmo(hipocrisiaespiritual)écomoasombra—maislongaemaisnítidaquantomaispertoestiverdaluz.Observocontinuamentequeoministérioamplificaocaráterespiritualdaspessoas.Elefazdelascristãosmuitomelhoresoumuitopioresdoque teriam sido se não o tivessem abraçado, mas não deixará que ninguémpermaneçaondeestava!

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COMBINANDOCORDIALIDADEEFORÇAUm caráter profundamente piedoso, ou a maturidade espiritual, combinaqualidades que não podem ser unidas no homem natural à parte do podertransformadordoEspíritoSanto.EsseéotemadopoderososermãodeJonathanEdwards,“TheexcellencyofJesusChrist”[AexcelênciadeJesusCristo].7Nele,Edwardsdizqueháumasurpreendentee“admirávelconjunçãodeexcelênciasdiversas em JesusCristo”.Elemostra como Jesus combinamajestade e glóriainfinitas comprofunda humildade e docilidade; justiça infinita comgraça semlimites; soberania absoluta e domínio com submissão e obediência perfeitas;autossuficiênciatranscendentecomtotalconfiançaedependênciadoPai.EleéoCordeiro e o Leão de Deus, proclama Edwards. Aproxime-se dele como oCordeirodeDeuseelese tornaráumLeãoporvocê,defendendo-o.Rejeite-o,porém,comooCordeirodeDeus,eelesetornaráumLeãocontravocê.“Beijaiofilho,paraqueelenãoseire,epereçaisnocaminho”(Sl2.12,KJV).

Não é coincidência que na literatura e no pensamento ocidentais o heróiidealtenhasempresidodescritocomograciosoegentil,emboraarrojadoeforte.NaantigahistóriadeSirThomasMalloryarespeitodoreiArtur,SirEctordizarespeitodeLancelot: “Tu fosteomaismansodoshomensque jamaisceounosalão entre as senhoras; e foste o mais bravo dos cavaleiros, para teu mortalinimigo, que guardou a lança no sepulcro”.8 C. S. Lewis, especialista emliteratura medieval, explica que essa era uma expressão do ideal cristão deheroísmoaplicadoànobreza.

O importante em relação ao ideal, é claro, é a dupla demanda que ele faz à natureza humana. Ocavaleiroéumhomemdesangueeferro,umhomemacostumadoàvisãoderostosesmagadosedepedaçosdeformadosdemembroscortados;eleétambémumconvidadodiscretonosalão,quasecomoumadonzela,umhomemgentil,modestoereservado.Elenãoéumaconciliaçãoouummeio-termoentre ferocidadeemansidão;eleé ferozaomáximoemansoaomáximo […]Qualéa importânciadesse idealparaomundomoderno?Ele éde importância extrema […]A IdadeMédia fixou-seemumaesperançadomundo.Talvezsejapossível,ounão,produziraosmilhareshomensquecombinemosdoisladosdapersonagemdeLancelot.Contudo,seissonãoforpossível,entãotodaessaconversadefelicidadeoudignidadeduradouranasociedadehumananãopassadeumafantasia.9

Lewis mostra nesse ensaio que, normalmente, não é possível para anatureza humana combinar esses dois lados.Ele sabia que, somente quando oEspírito Santo reproduzisse a excelência deCristo, esse ideal humano poderia

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tornar-se real — um homem em que há humildade e poder, justiça e graça,autoridadeecompaixão.

Emqueissoserelacionacomapregação?Tudo.Éosegredodopoderdetodos os grandes pregadores. As pessoas podem sentir neles a uniãosurpreendente e impactante do amor, da humildade e da gentileza com poder,autoridade e coragem. Os sermões e as biografias de Spurgeon,Whitefield eM’Cheyne revelam esse caráter. Havia uma compaixão, até mesmo umafraqueza e uma vulnerabilidade nesses pregadores. Eles eram transparentes,desejososdefalarsobresuafragilidade,capazesdemostrarpreocupação,amoreatémesmoansiedadeporseupovo.Contudo,nopúlpitotambémtrovejavamdoaltodesuaautoridade.

NãohámelhorexemplodissodoqueoapóstoloPaulo.Seuimpactosobreostessalonicenses,porexemplo,fluíadoseucaráter.Em1Tessalonicenses2.1-3(NIV), Paulo repassa seu ministério entre eles. Em primeiro lugar haviaintensidade e coragem nascidas da urgência. Paulo apela (v. 3) para ostessalonicensesdepoisdeterousadamentelhestransmitidooevangelhoemfacedeforteoposição(v.2).Percebemosumaespéciedesolenidadeedenobrezaqueexigemrespeito,aindaquesejamhumildes,sempompaenãosejamfrias.“Deusétestemunhadequenunca[…]buscamoshonrariashumanasdapartedevósoudeoutros[…]trabalhamosdiaenoiteparanãoserumpesoanenhumdevós,enquanto vos pregamos o evangelho de Deus” (v. 5,6,9). Vemos em Paulohonestidade e uma linguagem franca (“… nunca usamos de bajulação, comosabeis, nem agimos com intenção gananciosa”) (v. 5) e afeição (“… pelocontrário,fomosbondososentrevós,comoamãequeacariciaosprópriosfilhos.Assim,devidoaograndeafetoporvós,estávamospreparadosadar-vosdeboavontadenãosomenteoevangelhodeDeus,mastambémaprópriavida…”)(v.7,8).

Quando o pregador tem essamesma ousadia amorosa, sua pregação seráacompanhada de poder. Esse belo casamento cristão de traços de caráter nãopode ser dissimulado nem fingido. Em síntese, um bom pregador combina

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cordialidade e força. Sem a ajuda do Espírito Santo, creio que todos nóstendemos naturalmente ou a sermosmais cordiais e gentis, ou a sermosmaiscontundenteseautoritáriosnopúlpito.TemosdereconhecernossodesequilíbrioebuscaroSenhorparaocrescimentonaplenitudedoseusantocaráter.

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OTESTEDOTERCEIROTEXTOPode-sepensarapregaçãoatravésdeumaestruturade três“textos”—o textobíblico, ocontexto dosouvintes eo subtexto do seu próprio coração.Amaiorparte deste livro lida com o texto (pregação da Palavra) e com o contexto(pregaçãoaocoraçãoeàcultura).Comovimosnestecapítulo,seusdonsapenaspodem fazê-lo avançarno longocaminhoda criaçãode sermõesque lidamdemaneira adequada com a Palavra e compreendem o coração do ouvinte. Noentanto,umtesteexcelentedematuridadeespiritual—dapresençadoEspíritoSantoemsuapregação—consisteemexaminarosubtextodesuapregação.

O subtexto é a mensagem por trás da mensagem. É o sentido real epretendido(conscienteouinconsciente)deumamensagem,queémaisprofundodoqueossentidossuperficiaisdaspalavras.Porexemplo,aafirmação“Não,euestoubem”podetercomosubtexto“Nãoestoupreocupado;porfavor,continuea fazer o que você estava fazendo”. Ou pode significar ainda: “Tenho umapreocupação, mas não quero dizer isso diretamente”. Seu tom de voz, suaexpressão facial, postura e gestos contribuirãomuito para indicar seu objetivoverdadeiro perante o público, e esse objetivo pode sequestrar a comunicação,nãoimportaoquevocêtenhaditoemsuamensagem.10Osseguintessubtextosnãosãoosúnicosqueaparecemnapregação,massãoosmaiscomuns.

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SubtextodereforçoUm tipo de subtexto é o que diz: “Não somos ótimos?”. Trata-se de umacomunicação ritualizadaeestilizadausadapara reforçaros limitesecontribuircomumsentimentodesegurançaepertencimento.Éumritualnosentidodequeseu principal objetivo é proporcionar um autorreforço a um grupo. Quando oreforço é o subtextodapregação, amensagem real é: “Estamos reunidos aquicompessoasquepensamdomesmomodoparacompartilharestaapresentaçãouns com os outros como símbolo do nosso compromisso comum uns com osoutros,comDeusecomestaorganização.Somosotipodepessoaqueacreditaemcoisasdessetipoequevivedessamaneira”.11Éclaroqueéumbomobjetivodaraumacomunidadeumapercepçãodeidentidadeedepertencimento.Masseissosetornaoobjetivoprincipal,overdadeirosubtexto,acapacidadedosermãode mudar vidas será destruída. Não seremos semelhantes a Cristo; seremospessoaspresunçosas.

Essa comunicação é estilizada no sentido de que não se pede ou não seoferece essa transferência de informação real. O exemplo mais comum decomunicação estilizada emnossa cultura é o intercâmbio “Comovai você?” e“Bem, obrigado”. Em geral, essa interação não tem como propósito ser umatroca real de informação. Em vez disso, o subtexto nesse caso é o seguinte:“Estou sendo amigável com você e você comigo”. Quando o médico faz amesmaperguntaemumhospital,porém,elanãoéestilizada.Elepedeerecebeinformações pontuais. Se, numa situação em que cumprimentamos alguém, apessoa a quem cumprimentamos nos dá um longo histórico de sua condiçãofísica,elaprovavelmentecompreendeumaloemissor!

Muitas igrejas estão comprometidas com esse reforço do subtexto, quefunciona como uma espécie de guardião. Essas igrejas não querem serdesafiadas,convencidasouampliadas.Elastalvezachemqueestão“defendendoaverdade”;mascomoestãosedirigindoamembrosquejáacreditam,hápoucossendo engajados, e menos ainda sendo confrontados, com essa verdade. Omotivoeofocodessacomunicaçãoconsisteemfortalecereprotegerquemestádentro dos que estão fora de suas portas. A principal habilidade necessária à

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operaçãonessesubtextoéodomíniododialetotribal.

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SubtextodedesempenhoUm segundo tipo de subtexto é do tipo: “Eu não sou o máximo?”. O oradorprocuraexibirsuashabilidadesepromoverosprodutosdaigreja.Amensagemé:“Vocênãoachaquesouumgrandepregador?Vocênãoachaqueestaéumaexcelente igreja? Você não quer voltar, trazer amigos e contribuirfinanceiramente?”.Oobjetivododesempenho é: “Olheparamim; ouçao quetenho a dizer. Veja como mereço seu respeito”. O problema aqui é que todocomunicadorprecisadefatopassarcredibilidadeparaopúblico,masseissosetornar o objetivo principal destruirá a capacidade do sermão de mudar vidas.Pregadoresautocentradoschamamatençãopara si, nãoparaCristo.Emalgummomento, o público se dá conta de que o pregador não está realmentepreocupadocomaspessoas.Eleestápreocupadoempassarbemamensagemecausarumaboaimpressão.

Essesubtextodependedeumensinorealedatransmissãodeinformação,umavezqueoobjetivoé transmitirumcorpode informaçõesqueosouvintesnão têm. Contudo, o objetivo principal do ensino é ganhar pessoas para aorganizaçãoouparaaigrejacomoumainstituição.

Essesubtextodedesempenhoéessencialmenteumaformadevenda.Trata-sedeumaformadecomunicaçãomaisdirigidaaosnovatoseaosdefora—masomotivoaindaé,indiretamente,beneficiarosqueestãodentro(fazersuaigrejacrescer). O comunicador precisa de um volume muito maior de habilidaderetóricadoquenoprimeirotipodesubtextoparadespertaremanterointeresse.

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SubtextodetreinamentoUmterceirotipodesubtextoéeste:“Estaverdadenãoéomáximo?”.Oobjetivoé ampliar o conhecimento dos receptores, de modo que possam viver de ummododesejado.Osubtextoé:“Notíciasquepodemserúteisavocê”.Comonosubtexto do desempenho, o subtexto em questão depende substancialmente datransferênciarealdeinformações—emboraseuobjetivosejamenosegoísta.

Muitas igrejas estão comprometidas comesse subtextode treinamentooudeensino.Aspessoasnessasigrejasqueremserapresentadasacoisasnovasquenãoviramantes.Elasgostariamdeser inspiradas,masconsideram issomenosimportante.Odesejodelaséseralimentadascom“comidasólida”.Afinalidadedessacomunicaçãocontinuasendoopúblicointerno(porqueonãocristãonãopode ser mudado até que creia). As habilidades necessárias aqui são as depesquisaedecomunicação.

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SubtextodeadoraçãoUmúltimo tipode subtextoéo seguinte: “Cristonãoéomáximo?”.Esseéomaiscomplexoecompletodetodos,eéoquerequermaioreshabilidades.Seuobjetivovai alémda informação, alémda conquistada imaginaçãoe alématémesmo da mudança de comportamento. Ele quer mudar aquelas afeições quemaisseduzemnossocoração.Amensagem:“VejamcomoCristoémuitomaioremais belo do que vocês imaginavam!Vocês não percebem que todos os seusproblemasdecorremdenãoverisso?”.

Creioquetodasasigrejasdeveriamestarcomprometidascomessesubtextode adoração, que é para mim o âmago da verdadeira pregação. O foco estádirecionado tantoparaquemestádentroquantoparaquemestá fora (umavezquevocêestáchamandoambosaadoraraDeus,enãoàquelascoisasquehojeelesadoram),eomotivoparaissoéaedificaçãodetodos.Essetipodesubtextorequerpesquisa,retóricaehabilidadesdecontextualização.

Não há como comunicar este subtexto correto e verdadeiro através datécnica;elesemanifestanasuavidaespiritualdepregador.Você“senteCristoemseucoração”quandoprega?Você,decertaforma,meditaneleeocontemplanoatodapregação?Vocêoestálouvandodefatoquandodizqueelemereceserlouvado? Você está realmente se humilhando quando fala do seu pecado? Asrespostasserãobastanteevidentesparaqualquerouvinteatento.Essascoisassetornarão realidade na sua pregação somente se você cultivá-las regularmentedurantesuaoraçãoemeditaçãorotineiras,quevãoalémdatarefadeprepararosermão.

Emsuma,atentaçãoseráadedeixaropúlpitodirecioná-loparaaPalavra.Emvezdisso,porém,vocêdevedeixarqueaPalavraodirecioneparaopúlpito.Prepareopregadormaisdoquevocêpreparaosermão.

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PREGANDODECORAÇÃOMetade deste livro é dedicada à pregação ao coração. Você certamentecompreende a esta altura que não pode ter esperança de fazê-lo amenos quepregue coerentemente de coração. O que você está chamando as pessoas aexperimentar, vocêmesmodeve experimentar.O que oEspírito Santo fará nocoraçãodeseusouvinteseleofaráprimeiramentenoseuepormeiodesuavida.Vocêdevesercomoumvidrotransparenteatravésdoqualaspessoaspossamverumaalmaarruinadaporémtransformadapeloevangelho,de talmodoqueelasqueiramissoparasitambém.

Alguns pensamentos finais sobre as coisas que acontecem quando vocêpregadecoração:

Suapregação tempoder.Você teráequilíbrioeconfiança, falandocomautoridadeesemarrogância,semqualquerindicaçãodequevocêapreciaaautoridadepelaautoridade.Vocênãosesentiráinseguronemnervoso.Confiaráemseumaterialenãotentaráagradarourepresentar.Suapregaçãoémaravilhada.Haveráumaadmiraçãoinconfundíveleumassombro diante da grandeza daquele para quem você direciona aspessoas.Seráevidenteparaosouvintesquevocêestá“saboreando”suasalvaçãonomomentoemqueaofereceaoutros.Sua pregação apresenta afeições verdadeiras. Você demonstra umatransparência natural, livre de qualquer artifício. Não se consegue issocontandohistóriaspessoais.Issovemsomentedetercuradopelaverdadedoevangelhoumcoraçãoarruinado.Nãoéalgoquesepossafingir.Suapregaçãoéautêntica.Umparadoxodapregaçãofeitadecoraçãoéqueelasedesviadetodososfalsosmaneirismoseafetaçõesemocionaisque os pregadores aprenderam a adotar e que os ouvintes passaram aesperar.Sualinguagemetomdevozserásimplesenatural.Você prega Cristo com adoração. Quando descreve Jesus, você nãorecitafatosouabstrações,masfazumaapresentaçãovívidadele.Muitosouvintes sentirão que é quase possível vê-lo. Por isso não terão outra

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saídasenãoadmirá-loeadorá-lo.

Vocêestásesentindosobrecarregado?Eutambém.Contudo,osegredoparadesenvolveressestraçosnãoconsisteemtentartê-losdiretamente.Emvezdisso,glorie-se em suas fragilidades, de modo que o poder dele se aperfeiçoe nafraqueza(2Co12.9).Essaéumadisciplinaquelhepermitelembraroquevocêésoboseuprópriopoder.ElalevaàdependênciadesesperadadoEspírito—mascomodesesperovemaalegreliberdadedesaberque,nofim,nadanapregaçãodepende da sua eloquência, da sua sabedoria ou da sua habilidade. Nuncadependeu!Todosucesso,bênçãoefrutoquevocêteveumdiavieramdele.

Há uma liberdade tremenda quando podemos rir para nós mesmos esussurrar a ele: “Então era você o tempo todo!”. De algum modo, esse diamarcaráoverdadeirocomeçodesuacarreiradepregadoremestredaPalavradeDeus.

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TORNANDO-SEUMAVOZJoãoBatista era um pregador popular.Muita gente acorria para ouvi-lo, e elediziaàspessoasqueoMessiasestavachegando.Issoincomodavaasautoridadesreligiosasdaépoca.ElesreceavamqueJoãopudessesedeclararoMessias—ouafiguradeEliasdeMalaquias4,ouo“profeta”deDeuteronômio18,osquaisosestudiosos achavam que poderiam ser os precursores do Messias. Os líderesjudeusenviaramumaequipedeinvestigadoresparaverificarquemJoãoachavaqueera.EleslhefizeramumasériedeperguntasemJoão1.19-26:

EstefoiotestemunhodeJoão,quando,deJerusalém,osjudeusenviaram-lhesacerdoteselevitasparalheperguntar:Queméstu?Eledeclarouenãonegou,masanunciou:EunãosouoCristo.Eperguntaram-lhe:Então,queméstu?ÉsElias?Elerespondeu:Nãosou.Tuésoprofeta?Elerespondeu:Não.Eperguntaram-lhedenovo:Queméstu?Precisamosresponderaosquenosenviaram.Oquedizesa

respeitodetimesmo?Elerespondeu,citandooprofetaIsaías:Eusouavozdoqueclamanodeserto:Endireitaiocaminhodo

Senhor.Então,osemissáriosdapartedosfariseusperguntaram-lhe:Nestecaso,porquebatizas,senãoéso

Cristo,nemElias,nemoprofeta?Joãolhesrespondeu:Eubatizocomágua;nomeiodevósestáalguémaquemnãoconheceis;aquele

quevemdepoisdemim,dequemnãosoudignodedesamarrarascorreiasdassandálias.

OquevemosemJoãoéumamisturanotáveldehumildadeeousadia,quesemanifestavam aomesmo tempo.Ele se recusou a acreditar que poderia serElias, o grande precursor doMessias, embora Jesus tenha dito posteriormentequeJoãofoidefato

“oEliasquehaviadevir”(Mt11.14).Joãonãoconseguiasevercomoessapessoa formidável. Não, ele “não era digno” nem sequer de desamarrar ascorreiasdassandáliasdoMessias.

João era humilde demais para ver em si a grandeza que Jesus e nósconseguimosver.Contudo,aomesmotempo,eleapresentouumaousadiaeumacoragem surpreendentes. Mostrou-se destemido perante os investigadores.Perguntaram-lhe por que batizava. O batismo que João praticava era um atoradical.Quandoumgentioqueriaseconverteraojudaísmo,eleerabatizadocom

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águaparasimbolizarqueumpagãoespiritualmenteimpuroestavaseunindoaoverdadeiro povo de Deus. João, porém, exigia que todos, judeus e gentios,fossem batizados para estar prontos para o Messias. Ele estava dizendo quetodoseramimpuroseindignos.Foiumposicionamentopúblicoousado.

Comoéquealguémtãohumildeesemconsciênciadesuaprópriagrandezapodiasertãoconfianteedestemido?ElenosdáarespostaaoinvocarIsaías40.Dizele:“Eusouumavoz.Souapenasumavozqueapontaparaaquelequehádevir”.Issoexplicacomopôdesertãohumildeeousadoaomesmotempo.Eleestádizendo:“Emmimmesmo,nãosounada,masaqueleaquemeusirvoéomaiordomundo”.Eleestáconfianteporquenãoestáolhandoparasimesmo,masparao “Cordeiro deDeus, que tira o pecado domundo” (Jo 1.29). A grandeza deJesus,emcertosentido,fluíapormeiodeJoãoporqueeleeracomoPaulo,queescreveu:“Poisnãopregamosanósmesmos,masaJesusCristo,oSenhor,eanósmesmoscomovossosservosporcausadeJesus”(2Co4.5).

AindahojeouvimosavozdeJoão.Gostodaquelapartedofilme,Amaiorhistóriadetodosostempos,quandoJoãoBatistaélevadoàpresençadeHerodespara ser executado. Pode-se ouvi-lo gritando à distância: “Arrependam-se!Arrependam-se!”.Emseguida,ouve-seosomdomachadoqueodecapita.

Então, quando a câmera se aproximadeHerodes sentado em silêncio emseutrono,ouve-sederepenteumavozquesussurraemseuouvido:“Arrependa-se!”.Ofilmemostraque,emboraJoãotivessemorrido,nãopuderamcalarsuavoz,suainfluência,suamensagem.

SevocêproclamarCristo,enãoasimesmo,edeixarquePalavradeDeuschegueàspessoasporseuintermédio,tambémpoderásetornarumavoz,comoJoão.Nãoimportasevocêsesentefraco.Seassimfor,melhorainda.

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NOTAS1D. M. Lloyd-Jones, Preaching and preachers, edição de aniversário de 40 anos (Grand Rapids:

Zondervan,2011),p.68[ediçãoemportuguês:Pregaçãoepregadores,2.ed.,3reimp., traduçãodeJoãoBentesMarques(SãoJosédosCampos:Fiel,2011)].

2SobreColossenses,vejaPeterT.O’Brien,Colossians-Philemon,WordBiblicalCommentary(Waco:WordBooks,1982),vol.44;DouglasJ.Moo,TheLetterstotheColossiansandtoPhilemon,PillarNewTestament Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 2008); e Andrew T. Lincoln, “The Letter to theColossians: introduction, commentary, and reflections”, in: The New Interpreter’s Bible (Nashville:AbingdonPress, 2000), vol. 11, p. 553-669.Paraoparalelo com1Coríntios1.20—2.5,vejaAnthonyC.Thiselton,TheFirstEpistle to theCorinthians: a commentary on theGreek text, TheNew InternationalGreek Testament Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 2000); Roy E. Ciampa; Brian S. Rosner,TheFirst Letter to the Corinthians, Pillar New Testament Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 2010); eGordon D. Fee, The First Epistle to the Corinthians, The New International Commentary on the NewTestament(GrandRapids:Eerdmans,1987).

3Lincoln,“LettertotheColossians”,p.616.4Moo,LetterstotheColossians,p.161.5Thiselton,FirstEpistletotheCorinthians,p.222.6JonathanEdwards,“Sermon2: lovemoreexcellent thanextraordinarygiftsof theSpirit”, in:Kyle

Strobel,org.,Charityanditsfruits(Wheaton:Crossway,2012),p.62,66-7.7JonathanEdwards, “The excellencyof JesusChrist”, in:Kimnach;Minkema;Sweeney, orgs.,The

sermonsofJonathanEdwards:areader(NewHaven:YaleUniversityPress,1999),p.161-96.8SirThomasMalory,Lemorted’Arthur(1485),LivroXXI,cap.xiii[ediçãoemportuguês:Amortede

Artur(Lisboa:Assírio&Alvin,1993),3vol.].9C.S.Lewis,“Thenecessityofchivalry”,in:Presentconcerns(London:Fount,1986),p.13.10Veja a lista de subtextos deDerekThomas (embora ele não se refira a eles dessemodo) em seu

ensaio“Expositorypreaching”, in:Feedmy sheep: a passionate plea for preaching (GrandRapids: SoliDeoPublications,2002),p.80-3[ediçãoemportuguês:Apascentaomeurebanho:umapaixonadoapeloemfavordapregação (SãoPaulo:CulturaCristã,2009)].Adescriçãoécômicaehámuita sobreposiçãocomoquedigoaquinestaseção.

11CharlesKraft,CommunicationtheoryforChristianwitness(Nashville:Abingdon,1983),p.78.

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E

APÊNDICE

REDIGINDOUMAMENSAGEMEXPOSITIVA

ste livro está longe de ser ummanual completo sobre pregação.Vocêdeve ter notado que passei a maior parte do tempo explicando comprincípios e exemplos por que certo tipo de pregação é necessário e

como é essa pregação. Contudo, dediquei relativamente pouco tempo a comoprepararumbomsermão.Trata-sedeummanifesto,enãodeummanual,comodisseamimmesmováriasvezesenquantoescreviaestelivro.

Não pude, porém, resistir completamente ao desejo de dar umafundamentação mais prática a ele. Neste apêndice, ofereço um minimanualdedicadoàprimeiragrande tarefadapregação:pregar fielmente aPalavra.Háinúmeros livros bons que descrevem em detalhes como escrever e comunicaruma mensagem expositiva sobre um texto da Bíblia.1 Um levantamento devários deles — alguns muito antigos, outros recém-publicados — revela umconsenso surpreendente de metodologia. Ao organizarmos esses pontosprincipais de forma harmônica, teremos um conjuntomuito útil de elementosessenciais irredutíveisdecomopregarumsermãoexpositivosadio.Emboraasfontes citem passos e etapas variados, todas elas, de uma ou de outra forma,incluemasseguintesquatrodiretrizes.2

1.Entendaoobjetivodotextofazendoumalistadeitensdetudooqueeledizeprocureaideiaprincipaldaqualdependemtodasasdemais.

2.Escolhaumtemaprincipalparaosermãoqueapresenteaideiacentraldotextoeministreaseusouvintesespecíficos.

3. Crie um esboço em torno do tema do sermão que se encaixe na

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passagem, em que cada ponto suscite insights do próprio texto, em ummovimentoemdireçãoaoclímax.

4.Materializeospontoscomargumentos,ilustrações,exemplos,imagenseoutrostextosbíblicosquelhesirvamdeapoioe,principalmente,comaplicaçãoprática.

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ENTENDAOOBJETIVODOTEXTO3

Em primeiro lugar, é preciso discernir os objetivos do autor bíblico. O que oautor do texto quer que seus ouvintes originais aprendam, pensem, sintam efaçam? Isso requer um aprofundamento no texto e várias leituras e análisesacompanhadas de comentários e de uma lista de itens do que o texto diz ouimplica. Deve-se indagar com base nesses itens que pensamentos são mais emenos importantes — quais são os principais conceitos que outras ideiasexplicamourespaldam.Abaixosegueumaabordagemsimplificadaextraídadasmelhores ferramentas sobre pregação expositiva e temperada com minhaexperiênciapessoal.4

Etapan.º1:Leiao texto5 emportuguêsalgumasvezes, comeceaanotarseuscomentáriosobservandotudoaquiloqueo impressionaouque lhesusciteumaquestão.6

Etapan.º2:Agora,leianovamenteotextoduasoutrêsvezes.Destavez,procure nele três categorias básicas de elementos: repetição de palavras, deideiasoudeformasgramaticais;conectivoscomo“portanto”,“porque”,“para”,“umavezque”,“se”e“então”;porfim,identifiqueasmetáforaseasimagens.Depoisdeanotá-los,adicione-osaosseuscomentáriosfazendoperguntassobrecadarepetição,conectorouimagem.Porqueoautorusouisso?Oqueeledesejacomunicar?Dequemaneiraosignificadodapassagemseriamodificadoseissonãoestivesseaqui?

Nessa etapa, os conectores não apenas tornarão visíveis as partesconstituintes do texto (as partes são as orações, frases e parágrafos que vêmantes edepoisdosconectores),mas tambémmostrarãoamaneirapelaqual aspartesserelacionamumascomasoutras.Arelaçãopodeserdecausaeefeito,mostrando os resultados ou consequências de algo. Ou pode ser ainda umarelaçãodogeralparaoparticular,emqueumapartedotextoservedeelaboraçãoou elucidação de algo dito anteriormente. Essa relação pode também estarinvertida, demodo que uma parte posterior do texto seja um resumo ou umageneralizaçãobaseadaempartesanteriores.

Etapa n.º 3: Leia a passagem toda novamente, desta vez recorrendo a

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comentários e a outras ferramentas que o ajudem a analisar o texto na línguaoriginal.Graças aos vários softwares disponíveis para o estudodaBíblia, issoagora é possível, mesmo que de modo limitado, para pessoas sem preparoacadêmiconas línguasoriginais.7Nessa etapa, procuro fazer cinco tarefas queconsideroessenciais.

1. Identifiqueosignificadodecadapalavra importante,aprendendooquetermosignificanotextoemquestãoeemoutroslugaresdaBíblia.

2.Vejasehárepetiçõesnotextoquetenhamsidoocultadaspelastraduçõesem português. Muitas vezes, um termo em grego ou hebraico repetido napassagem recebe diferentes traduções por questões de estilo e para evitarrepetições.

3. Use comentários para buscar respostas para coisas no texto que odeixaram intrigado. Os melhores não economizam espaço para explicarpassagensobscurasedifíceis.

4.UseferramentasdereferênciaparaanalisarmaisdepertoasimagensdoseutextoeparaobservarseuusoesignificadonorestantedaBíblia.8

5.ProcurequalquercoisaemseutextoquefaçaalusãoaoutraspassagensdaBíblia,ouqueas reproduzam,sobretudono testamentoopostoaoquevocêestátrabalhando.9

Essas duas últimas tarefas de estudo revelarão de que modo seu textoaponta paraCristo.Acrescente todas essas descobertas aos seus comentários àpassagem.

Etapan.º4:Façaagoraperguntas sobreocontexto sobre seu texto.Paracomeçar,analiseocontextodolivroemquestão.Pergunte:Comoapassagemseencaixanorestantedolivro?Qualéamensagemdolivrotodoedequemaneiraessapassagemespecíficacontribuicomela?Porqueessapassagemestáaqui?Dequemaneiraamensagemdolivroseriadiminuídaoumodificadaseelanãoestivesseondeestá?

Contudo,perguntetambémdequemaneiraessetexto(eolivronoqualelese encontra) se encaixa no restante da Bíblia e em sua mensagem. Quais

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doutrinastratadasporeleseachamexpostasnorestantedaBíblia?Quetemasnotextoperpassamocânon todo?Especialmente,dequemodoos temasbíblicosque permeiam seu texto apontam para Cristo ou encontram seu cumprimentonele? A utilização de ferramentas de referência na terceira etapa já lhe darámuitas das respostas às questões relativas ao contexto. Acrescente aos seuscomentáriostodasasnovasideias.

Por fim, é importante que você tenha uma questão conclusiva sobre o“objetivo do texto” que o ajude a reunir todas as suas descobertas. J. AlecMotyer indaga:“Qualéacoisaaque todasasdemaisse referem?”.10HaddonRobinsonfazaperguntaeadivideemduaspartes:“Assunto:aquese refere?Complemento: o que isso está dizendo sobre aquilo de que trata?”.11 Algunsformulamaquestãodaseguintemaneira:“Qualéaprincipalcoisaqueoautorquisqueseusouvintesoriginaisaprendessem,sentisseme/oufizessem?Qualéoobjetivo ou propósito da passagem?”. Escolha uma dessas heurísticas paracomeçar,embora,comotempo,vocêpossaformularumaversãoprópria.

Qualquerquesejaamaneirapelaqualvocêdecidiráapre-sentara“questãodoobjetivo”do texto,a respostapoderáseren-contradageralmenteemumdedoispadrões.Umdelesconsistenas repetiçõese emsua relaçãoumascomasoutras.Quandoapalavra“coragem”ou“medo”émencionadaquatrooucincovezes em uma passagem, ela é provavelmente o assunto principal. O outropadrãoconsistenasrespostasàsindagaçõesdocontextosobreomodopeloqualapassagemserelacionacomocapítulo,comolivroecomaBíblia.O“capítulodo amor”, 1Coríntios 13, é lido e é tema de pregação em casamentos,mas seexaminarmosseucontexto,entre1Coríntios12e14,veremosquenãosetratadoamor romântico,mas de comopromover a paz emuma comunidadedestruídapor divisões.A declaração de Jesus “Eu sou a luz domundo”, em João 8.12,pode sermais bem compreendida quando vemos, em João 7, que ele fez essaafirmaçãoduranteaFestadosTabernáculos,comemorandoanuvemdaglóriadeDeusqueconduziuIsraelpelodeserto.Jesus,portanto,nãoestáfalandodeumpoderdeiluminaçãodemodogeral.Eleestáseidentificandocomoaglóriade

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Israel,oDeusdeMoisés,quesetornouumserhumano.Escrevaarespostaàquestãodoobjetivoemumaouduassentenças.Essa

deverásera“essênciarecém-espremidadapassagem”.12Paraforçá-loadestilartodooseumaterial,dêumtítuloàsuapassageme,casoelasejamaislonga,comparágrafosepartes,dêacadaumadelasumtítulotambém.

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ESCOLHAOTEMADOSEUSERMÃOEmseguida, escolhaum tema principal para o sermãoque apresente as ideiascentraisdo textodirigindo-se,aomesmo tempo,aseusouvintesemparticular.Talvezvocêqueiradestacardiferentesaspectosdoensinobíblicodependendosevocê tem um grupo homogêneo de crentes ou uma mistura de crentes e nãocrentes.Aocasiãopoderáserumculto,umretiroouumcasamento.

Mesmoquea ideiacentraldo textosejaclara (masnemsempreéassim),não significa que haja apenas um tema para o sermão.A ideia textual centralpode,emgeral,serapresentadafielmenteatravésdeumavariedadedetemasdesermão.SinclairFergusonescreve:“Juntamentecomesseexercícioobjetivo[odiscernimento da ideia central do texto], há um exercício de sensibilidadeespiritual […]Opregador não é um teólogo sistemático […]Ele é umpastor[…]Nossapregaçãonãodeveserdeterminadapelanecessidade,maseladeveser voltada para as pessoas”.13 Ferguson está dizendo que devemos prestaratençãotantoàideiaprincipaldotexto(nossaprimeiraresponsabilidade)quantoàs necessidades e capacidades dos ouvintes (segunda responsabilidade) paradeterminar o tema do sermão. Alan Stibbs diz a mesma coisa: “Algumaspassagens sãomuito férteis.Elas são suscetíveis avários tratamentos seletivosdeacordocomospontosquenelasserãoenfatizadosecomoobjetivoespecíficoe a correspondente aplicação que o pregador pode ter em vista”.14 Em outrovolume,DavidJackmandizqueopregadordeveternãoapenasoenunciadodaideiaprincipaldo texto,mas tambéma“frasedoobjetivo”.Comissoelequerdizer:“Aquilopeloquevocêestáorando,oEspíritoSantoteráprazeremfazernavidadosouvintescomoconsequênciadosermão”.15Aideiacentraldotextoeoobjetivopastoralproduzemjuntosotemadosermão.16

Para ilustrarodesenvolvimentodo tema,Stibbsselecionao textodeJoão2.1-11,emqueJesustransformaáguaemvinhoemumafestadecasamentoemCaná.Aideiaprincipaldotextoéencontradanoversículo11.OmilagremostrouaglóriadeJesusaoapontarparasuamorte,quenospurificaenosasseguraumaalegriafestiva.Atensãodatramanapequenanarrativagiraemtornodaresposta

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bruta e enigmática de Jesus a Maria quando ela lhe diz que o vinho haviaacabado,seguindo-seentãoseumilagrequesalvaaalegriadafesta.Jesusrealizaomilagrepormeiodetalhasdeáguanormalmenteusadasparaapurificaçãodospecados, apontando para o propósito do seu próprio sangue derramado. Jesusestáindicandoqueeleterádeperdertodaaalegriaparaquepossamosrecebê-la.

OmilagrerevelaaglóriadequemJesuséeoqueeleveiofazer.Contudo,observamos vários aspectos dessa glória na passagem, e Stibbsmostra de quemodo podemos destacar essa ideia principal através de diferentes temas nossermões,dependendodocontextoemqueestamosedaspessoasaquemestamosnos dirigindo. Stibbs diz que, em um casamento, a atenção principal recairiasobreoversículo2(“Jesus[…]também[foiconvidado]paraocasamento…”),eotemadosermãopoderiaser:“Jesusdeveserconvidadoparaoseucasamento”.Emumareuniãodeoração,aatençãoestariavoltadaparaoversículo3(“…amãedeJesuslhedisse:Elesnãotêmmaisvinho”),eotemadosermãopoderiaser: “Por que e como orar”. Em uma mensagem dirigida à liderança e aosobreiroscristãos,odestaquepoderiaestarnoversículo5(“…Fazeitudooqueele vos disser”), e o tema seria: “Como ser útil na obra de Cristo”. Em umsermãodedomingopelamanhãparaumpúblicomaior,que incluapessoasdetodo o espectro da fé, a atenção principal poderia recair sobre o versículo 10(“…mastuguardasteatéagoraomelhorvinho”).Umpossível temaseria:“AalegriaqueJesustraz”.

Emcadacaso,amesmaideiacentraldaglóriadesuamortesalvadoraemparticular é ressaltada de uma maneira diferente. Os sermões começam comJesusseoferecendoparaparticipardenossocasamento,respondendoàoração,abençoandoaobradoscolaboradoresobedientesetrazendoavocêaalegriaquevembuscandoavidatoda.Como?Atravésdesuamorte,queégloriosa.17

AlecMotyer,estudiosodaBíblia,usa1João2.1,2parademonstraromesmoprocessodedeslocamentodaideiacentraldotextoparaotema:

Meus filhinhos, euvos escrevoestas coisasparaquenãopequeis;mas, se alguémpecar, temosumAdvogadojuntoaoPai,JesusCristo,ojusto.Eleéapropiciaçãopelosnossospecados,enãosomente

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pelosnossos,mastambémpelospecadosdetodomundo.

Motyerdizquehápelomenosseis ideiasouverdadesa respeitodeJesusafirmadas nesses dois versículos: (1a) o objetivo de Jesus é que o pecadodiminuaedesapareçadanossavida;(1b)Jesus,porém,nãonosabandonarásepecarmos;(1c)JesusénossoadvogadoqueascendeuaosceúseestáperanteoPai;(1d)Jesuséjusto;(2a)Jesusfazpropiciaçãopelosnossospecadosatravésda expiação (do grego hilasmos); (2b) Jesus garante perdão dos pecados e otornadisponívelparanóseparaomundotodo.

SegundoMotyer,a ideiacentraldaqualasdemaisdependeméasegunda— que Jesus jamais nos abandonará ou desistirá de nós. O propósito dapassageméquenãopequemos,porém“sealguémpecar”,JesuscontinuaráasernossoAdvogado,oPai aindanos amará,nós ainda seremosperdoados. “Cadauma dessas seis verdades transpira segurança celestial […] Ainda quecombatamos o pecado e constantemente percamos a batalha, [podemos],plausivelmente,afirmarserherdeirosedonosdessagrandesalvação.”18

MotyerecoaFergusoneStibbsquandodizqueaideiacentraldotextodeveserpostanotemadeumsermão“sobmedidaparaaigrejaàqualministramos”.Elenoslembraquenãotemosapenasuma,masduasresponsabilidadesquandopregamos: “Primeiro, com a verdade e, em segundo lugar, com esse grupoespecíficodepessoas.Dequemaneiraelasouvirãodamelhorformaaverdade?Comodevemosmoldá-laeexpressá-lademodoqueacompreendamde formapalatável, que a ouçam com grande receptividade […] evitando ofensasdesnecessárias?”.19Motyer diz, portanto, que nunca há apenas uma forma desermãopossível.Emboraaideiaprincipaldotextopossaserformuladacomo“Agarantia da nossa salvação”, este não precisa ser necessariamente o tema dosermão. Se a igreja precisar de mais instrução em teologia cristã, o pregadorpoderáseconcentrarmaisnofatodequeJesusénossoadvogadoeintercessorcelestialporquesubiuaoscéus.Otemapoderiaser“Arealidadeeosignificadoda ascensão doSenhor”, emque a ênfase é nesse ensino bíblico e no que ele

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significa para o crente. Poderia haver também uma série de razões pastoraispelas quais o pregador talvez quisesse se concentrar na importante palavra“propiciação” no texto, que se refere ao afastamento da ira divina. Assimdestaca-seoentendimentodecomoécompletoeprofundooperdãoquenosédadocomoconsequênciada cruz.O temapoderia ser: “Como Jesusnos salva(significadodapropiciação)”.Umaterceiraabordagempoderiasermaispessoal,comotema:“Comolidarcomopecadorecorrente”.Emcadacaso,opregadorextrairiaeapresentariaaideiaprincipalarespeitodanossasegurançaegarantiainfalíveis.Otemadosermãovariariadependendodafamiliaridadedaspessoascomadoutrinaoucomotipodecoisasqueestejamenfrentandonavida.

Como vimos, muitos autores sugerem que o sermão seja elaboradocombinandoaideiaprincipaldotextoeoobjetivopastoral.Noentanto,umavezquenãosepodepregarumtextocorretamenteamenosqueelesejasituadonocontexto da Bíblia toda e fique demonstrado de que maneira ele aponta paraCristo, talvezqueiramosescolhero temadonossosermãodepoisderesponderàsseguintesperguntas:

Perguntasobreaideiaprincipaldotexto:“Sobreoqueotextoestáfalandoeoqueeledizarespeitodoqueestáfalando?”.

Perguntasobreoobjetivopastoral:“Quediferençapráticaesseensinoteveparaosleitoresdoautorequediferençadeveterparanós?”.

PerguntasobreCristo:“Dequemodoo textoapontaparaCristo,ecomoessasalvaçãonosajudaamudaremconformidadecomoobjetivopastoral?”.

Depoisde responderaessasperguntas, formuleum temaprincipalparaoseusermão.Aideiaprincipaldotextodeveráestarvoltadaparaaspessoas.Seráproveitoso se o tema do sermão for uma frase vigorosa, declaratória. Porexemplo, imagine que você tenha estudado João 16.16-23 e tenha chegado à

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conclusãodequea“grandeideia”dotextoéque“Jesusconsolaseusdiscípuloscom o ensino de sua segunda vinda”. O tema do seu sermão poderia ser: “Ocristão,pormeiodaesperançaqueCristodá,podeenfrentarqualquercoisa”.

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DESENVOLVAUMESBOÇOEMTORNODOTEMAUmavezescolhidoo tema,desenvolvaumesboço em tornodeleque reveleosignificado da passagem — em que os pontos sejam consequência de suasdescobertasdo texto—ecrieuma tensãonarrativaquecaminheemdireçãoaumclímax.Certotipodeenredoseparecemuitocomumcasodetribunal:umadeclaraçãodefatos,umateseeumargumentoparaatese.Outrotipodeenredoémais semelhante ànarraçãodeumahistória, comumadeclaraçãode algoquetenha desequilibrado a vida, uma história da luta para endireitar as coisas e adescriçãodaresoluçãodatrama.

Muitos pregadores expositivos dos primeiros séculos não elaboravamesboçospropriamenteditos.Emvezdisso,teciamcomentáriossobreversículosconsecutivos. Havia, é claro, um esboço implícito nesse método. O pregadordividiaotextoemunidadeslógicasdeideias,tratandotrêsouquatroversículoscomo uma unidade seguida de outra unidade, e quando chegava ao final dapassagem ele resumia os temas e os ensinamentos principais. Em outraspalavras, o esboço de um sermão era simplesmente a estrutura consecutiva dapassagem,eopregadorpoucofaziaparasugeriroutraorganizaçãoqualquerdasideias.Não foi senãona IdadeMédiaqueoesboçodesermãose tornouusualpara os pregadores.20 Embora João Calvino procurasse reviver o métodoconsecutivodecomentáriosemsériedeCrisóstomoeoutrospregadorescristãosda Antiguidade, a maior parte de seus contemporâneos protestantes estavammais interessados em recuperar os métodos retóricos dos gregos e romanos,adaptando-os para a igreja. Os puritanos e seus herdeiros desenvolveram umesboço bastante escolástico e clássico para cada sermão, com uma únicaproposição, com uma rigorosa análise dela e com sua defesa e aplicaçãoexaustiva.21

Nosúltimos 200 anos, criou-se um consenso em torno das qualidades doesboçodosermão.Eledeveterunidade,istoé,todosospontosdevemconvergirparaotemaprincipal.Deveterproporção,istoé,todosospontosdevemrecebertempoeimportânciapraticamenteiguais,demodoqueoritmoeoprogressodo

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pensamentonãopareçam lentosdemaisou rápidodemais.Eledeve terordem,istoé,ospontosnãodevemestarapenasrelacionadosaotema;elesdevemserestabelecidos uns sobre os outros, fazendo avançar o pensamento, e nãorepetindosimplesmenteoquefoiditoantes.Porfim,eledevetermovimento,ouseja, o esboço do sermão não deve apenas apresentar dados de maneiraordenada, tampouco deve apenas oferecer a “defesa” de uma proposição. Eledeve dar às pessoas a percepção de que estão sendo conduzidas para algumlugar, cooperando para chegar a algum tipo de clímax até que, finalmente,estejam face a face comDeus. (E, sim, isso inclui sermões expositivos sobretextosnãonarrativostambém.Tratareidomovimentonapróximaseção.)22

Todos os pontos do seu esboço devem esclarecer ou justificarprogressivamente seu tema, de modo que ele se torne mais claro, rico econvincente conforme o sermão se desenrola.Dessemodo, o esboço imprimenão apenas ordem,mas tambémdisciplina. Ele obriga o pregador a praticar aarte crucial de saber o que deixar de fora. Talvez você tenha deparadorecentementecomcitaçõeseexemplosquedariamexcelentesilustraçõesparaosseussermões,masseelesnãoseencaixaremnoesboço,cujaspartesconvergemparaotema,émelhorguardá-losparaoutraocasião.

Oesboçotambémoajudaagarantirqueospontosprincipaisdoseusermãoexpositivo brotem do texto. Em seu estudo, você reuniu uma série de ideiasinteressantestiradasdotexto.Emseguida,vocêfezaperguntasobreoobjetivodotextoedeterminouquaisdas ideiaseram,porassimdizer,o tronco(a ideiacentral)easqueeramapenasramos.Depoisdisso,podem-seorganizarasideiassecundárias para formar os pontos do sermão, sendo que cada uma delasesclareceoutrabalhaaideiaprincipal.

NãoémuitodifícilverqueMarcos2.1-12,acuradoparalítico,relaciona-secomperdãodepecados.Otermo“perdoados”ou“perdoar”ocorrequatrovezes,etodaatensãodanarrativanapassagemgiraemtornodeJesusedeseudireitode perdoar pecados, bem como do desafio dos escribas que contestam essedireito.Há, porém,muitos outros elementos a observar no texto. Jesusnãodá

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primeiramente ao homem a coisamais básica que os amigos queriam que elerecebesse,istoé,acurafísica.OutraobservaçãoimportanteéqueJesuspareceintuiroestadointeriordohomem,umavezqueoperdãorequerarrependimentoeohomemjamaisoverbaliza.Outraquestãofundamentalnotextoéaperguntade Jesus: “O que é mais fácil dizer ao paralítico: Os teus pecados estãoperdoados, ou: Levanta-te, toma a tuamaca e anda?” (v. 9). É uma perguntaardilosaporque,emborapossaparecermaisdifícil realizaracurafísicadoqueperdoar,nofimdascontas,seráprecisoqueJesusmorraparagarantiraremissãodepecados.

Todos esses itens e ideias podem se tornar pontos do esboço.O tema dosermão poderia ser “a verdadeira cura do perdão”. O esboço seria assimestruturado:(1)anecessidadedoperdão;(2)agraçadoperdão;e(3)ocustodoperdão. Os versículos de 1 a 4 mostram a necessidade disso. Quando Jesusperdoa antes de curar, ele mostra que nossa necessidade espiritual para umrelacionamentojustocomDeusémaisbásicadoqueanecessidadedecurafísicaou qualquer outra coisa. O versículo 5 mostra a graça desse relacionamento.Jesus responde atémesmo aos anseios não articulados do homem,mostrandoque não é preciso ter tudo ao mesmo tempo para poder receber o perdão deDeus.Bastaquerer.Tudodequevocêprecisaéanecessidade;vocênãoprecisademaisnada.Oversículo9,aquestãoenigmática,noscolocaàsombradacruz.É preciso um grande poder para curar um homem fisicamente, mas seránecessário um sofrimento infinito, morte e um amor surpreendente para queJesuspossanosperdoar.Contudo,aorecebermosisso,seremoscuradosdefatodaúnicadoençaquepoderealmente,porfim,nosmatar.

AlecMotyer deumais um exemplo disso com o salmo 51.23 Ele apontapara novepalavras importantes no texto (na versãoNewKing James,NKJV):“misericórdia”, “bondade amorosa”, “ternas misericórdias”, “apagamento”,“transgressões”, “lavagem total”, “iniquidade”, “purificação” e “pecado”. AideiacentraldapassagemémostrarcomoDeuslidacomnossopecado.Motyerexamina cada palavra para ver o que ela significa no restante da Bíblia. Ele

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concluiquetrêsdaspalavrasdefinemoqueéopecado,trêspalavrasdescrevemoqueprecisamosdeDeuspara lidar comele e trêspalavrasdescrevemoquedevemos dizer a Deus para receber o que necessitamos. Motyer observa emseguida que todas essas observações podem ser apresentadas como pontosbásicos do sermão, porém o tema do sermão determinará como fixar essespontos. Trata-se de um sermão para cristãos sobre um aspecto importante daoração?Entãootemadosermãoseriacomoconfessarnossospecados.Oesboçopoderiaser:(1)porquedevemosconfessar;(2)oquedevemosconfessar;e(3)comodevemosconfessar.Nessecaso,cadatríadedepalavraspoderiaserusadaparapreenchercadaumdospontos.

Ouseráquesetratadeumsermãodirigidoaumpúblicoformadopormuitagentequenãoacreditaouquenãosabenoquecrê?Seassimfor,umpossíveltítuloparaosermãoseria:“Quandoavidaentraemcaos”.Oesboçopoderiaser:(1)nãosomosoquedeveríamosser;(2)porquenãosomosoquedeveríamosser;e(3)oquepodemosfazeraesserespeito.Essesermãoapresentariaumpanodefundomaisamplosobreoambientedosalmo51,recontandodequemaneiraDavi — o melhor rei que Israel já teve —, ainda assim de coração tãoimperfeito, trouxe “caos à sua vida” quando teve um caso extraconjugal. Oprimeiropontopoderiaestabelecerquesomosmaisfrágeisemaisinclinadosaodesastre do que gostaríamos de admitir. A palavra hebraica traduzida por“pecado”significaerraroalvo.Éalgoquevaialémdameraviolaçãodasregras.Significadeixardesertudooquesabemosquedeveríamostersido.Osegundoponto de por que erramos o alvo poderia ser elaborado com base em doissubpontos: a absorção por nósmesmos, o fato de sermos inclinados para nósmesmos(“iniquidade”significaestarcurvadooutorto);enossavontadeprópria(“transgressão”refere-seaobstinaçãoeateimosia).Essasduascoisasfazemdomundo um lugar infeliz. O terceiro ponto não precisa usar as seis palavras-chaves restantes, mas deve concentrar-se no termo hebraico traduzido como“apagamento”, isto é, existeumaespéciededetergente cósmico-espiritual, porassim dizer, capaz de remover pecados até a última fibra (Hb 9.14), o qual

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poderianoslevaratéHebreus9eàobradeCristo.

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OMOVIMENTODOSERMÃOSeuesboçoprecisa termovimento,progressão, tensão.24Ouçomuitossermõesquesãosimplesmenteumasériedebonspensamentosquepoderiammuitobemserdispostosemqualquerordem—aindaquesejamfielmentebaseadosnotextoe,emgeral,estejamdeacordocomotemadosermão.Trata-se,naverdade,deuma série de minissermões, geralmente tediosos, ainda que transmitidos comconvicção.Todosospontosdeumsermãopersuasivodevemcontribuircomalgonovo para o tema, com base nos anteriores, recorrendo, às vezes, a pistas epensamentosnãodesenvolvidosemencionadosanteriormente,masexpostosnomomento certo, posteriormente. Nos seus sermões, você deve injetar certosuspensequecrieumaavidezparaouviroqueviráaseguireumasensaçãodeviajar emdireção a umdestino.Pregadores habilidosos são capazes de proporpontoslogonoiníciodetalmaneiraquecriamcomissointerrogaçõesnamentedosouvintes:“Seissoforverdade,nãoestariaemcontradiçãocomaquelaoutraparte?”,ou:“Nãohaveriaumproblemaaí?Seé issooqueaBíbliadiz,comoresponderàquelesqueobjetamaissodessaoudaquelamaneira?Seéissooquedevemos fazer, onde acharemos os recursos para tanto?”. Desse modo, opregador pode responder às perguntas que estão no coração dos ouvintes àmedidaqueavançacomosermão.

Eugene Lowry diz quemesmo que o pregador não esteja pregando umahistóriabíblica,ospontosdosermãodevem,aindaassim,soarcomosefizessemparte da narrativa.25 Uma narrativa se inicia quando algo tira a vida doequilíbrio. A vida agora não é mais como deveria ser. Por exemplo,“ChapeuzinhoVermelho levoupara a vovó algumasguloseimas” é apenasumfato.Contudo,“ChapeuzinhoVermelhoiaparaacasadavovó,masumgrandelobomauestavaesperandoporelaparacomê-la”éumanarrativa.Conformeahistóriasedesenrola,atramasecomplica:aspersonagensprincipaislutampararecobraroequilíbrioinicial.Hásempreprotagonistaseforçaslutandoembuscada restauração do equilíbrio, bem como antagonistas e forças contrárias àrestauração e aos protagonistas. Por fim, a história termina quando o embateresultaounarestauraçãodoequilíbrio—emqueosdesejosdosprotagonistas(edosouvintes)sereconciliamcomarealidadeobjetiva—,ounaimpossibilidade

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de recuperá-lo. Portanto, toda história se baseia em uma suposição acerca decomoavidadeveriaser,umproblemaouumaforçaqueaimpedemdeserdessamaneira,eumcaminhopormeiodoqualépossívelrestaurá-la.26

Lowry acredita que o fluxo e o movimento do sermão (embora nãonecessariamente incorporados em tópicos ou pontos explícitos) normalmentedeveriam seguir esse padrão geral. Em primeiro lugar, apresentar o problema,mostrandoamaneiraparticularindicadanotextopelaqualopecadointerferenobom andamento da vida, o queBryanChapell chama de “o eixo da condiçãodecaída”.27

Em seguida, crie tensão buscando debaixo da superfície as razões pelasquaisoproblemaétãodifíciletãopersistente.Écrucialnessepontoincursionarpor debaixo do comportamento pessoal e social até chegar às motivações docoração.28Talvezsejamosegoístascomnossodinheiro,masasimplesexortaçãonão funcionará, porque o dinheiro é mais do que simplesmente dinheiro paranós; ele é identidade e segurança. Esse segundo movimento deve semprerecapitularamensagemdoevangelhosegundoaqualnãodispomosdosrecursosparasalvaranósmesmos.Parecenãohaverchancealguma(eéissomesmo).

Emseguida,mostre como Jesus, sua salvaçãoe a fénele resolvemnossoproblemademaneiraobjetivaesubjetiva.Jesuséomodelo,alguémqueviveuavidahumanaquenósdeveríamosestarvivendo.Elemorreuparanossalvardaculpaedasconsequênciasdonossofracasso.Contudo,alémde tudo isso,a féemCristo sempre resolve com perfeição o problema fundamental que está naraizdadificuldade.Nãonosdesapegaremosdodinheiroatéquetenhamosobtidonova segurança e identidade em Jesus. Não amaremos corretamente nossocônjuge até que tenhamos preenchido nossa necessidade interior com o amorconjugal deCristo.O segundo e o terceiromovimentos do sermão estãomaisintimamente entrelaçados. Se, ao analisar o eixo da condição decaída, vocêinterpretaroproblemacomoumaquestãodecomportamento,dissoseguequeaúnicasoluçãoseráumaexortaçãoqueoinciteatentarcomumadoseredobradadeesforço.Amenosquevocêchegueatéoníveldadinâmicaedamotivaçãodo

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coração,opodertransformadordoevangelhodeCristonãopareceráseraúnicasoluçãodiretadoproblema.

Épor issoqueosermão,quandosedesenrolacomoumanarrativa,numatrama que gradativamente se complica e com pouca esperança, pode, nessemomento, produzir o que Tolkien chama de “guinada”, o que é presente emtodasasboashistórias.Háumareversão,umainversãodasexpectativasnormaiseumasúbitaresoluçãodatramaqueécontráriaàintuiçãoeésatisfatória.29Éaíqueoevangelho,apessoaeaobradeCristosãoaplicadosaoproblema,eeleéproclamadocomoúnicasoluçãoparaesseproblema,diferentementedequalquercoisaqueomundotenhaparaoferecer.ÉassimqueJesusseráinfalivelmenteo“herói”detodosermãobemarquitetado.30

Segue-seoutramaneiradeanalisaromovimentosubjacentedosermãoparacolocá-lo sob a perspectiva do evangelho, uma trama de Queda-Redenção-Restauração. Lembre-se de que estes são tópicos raramente ou nuncaanunciados, ou mesmo os pontos do seu esboço. Penso neles como ummetaesboço,opadrãoprofundodoevangelho,detodosermãoqueprego:

Introdução Qualéoproblema;nossocontextoculturalcontemporâneo:Éistooquetemosdiantedenós.

PontosiniciaisOqueaBíbliadiz;ocontextoculturaloriginaldoleitor:Éissooquedevemosfazer.

PontosintermediáriosOquenosimpede;contextointeriordocoraçãodosouvintesatuais:Porquenãoconseguimosfazê-lo.

PontosfinaisComoJesuscumpreotemabíblicoeresolveoproblemaprincipal:ComoJesusofez.

Aplicação ComovocêdeveviveragorapelaféemJesus.

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Apresentoospressupostosportrásdessepadrãoprofundo.Umdeleséquea Bíblia lida com questões interiores que se aplicam a todo ser humano dequalquerlugareséculo.Portanto,asquestõesinterioresdosleitoresoriginaissesobreporãoàsdosouvintesdopregador.Alémdisso,emtodotextodaEscritura,háimperativos,normasmoraissobrecomodevemosviver.Essanormapodeservistanoqueaprendemos sobreo caráterdeDeusoudeCristo,ounobomoumau exemplo das personagens do texto, ou em ordens, advertências econvocações explícitas. O pressuposto seguinte é que esse imperativo moralsempre dá lugar a uma crise, uma vez que, quando adequadamentecompreendida,aobrigaçãopráticaemoraldaEscrituranãoestáaoalcancedenenhumserhumano.Seopregadornãodeixarissoclaro,osermãopartiráparaomoralismo, para a afirmação implícita ou explícita de que nossos esforçosmorais seriam suficientes para agradar a Deus. Se, em vez disso, o pregadordeixarclaraacrise,entãooouvintequevinhaacompanhandoofiodameadadosermãoatéestepontoéconduzidoaumbecoaparentementesemsaída.Então,quando apontamos para o evangelho, uma porta oculta se abre e a luz entra.Jesuscumpriuaexigênciada lei emnosso lugarepor issoelenosprotegedacondenação. Mais do que isso, porém, quando colocamos nossa fé nessarealizaçãosalvadora,elamudaaestruturadonossocoração,derretendooqueégelado e fortalecendo-o em seus pontos fracos. A fé em Jesus é nossa únicaesperança—maséumaesperançagarantida.

Osermãoafasta-sedefinitivamenteagoradaargumentaçãoedoensinoemdireçãoàadoraçãoeaoassombroaomostrardequemaneirasóJesusCristofoicapazdecumpriroqueseexigia.Seotextoforumanarrativa,pode-semostrarcomo seus personagens apontam para Cristo como o supremo libertador,sofredor, profeta, sacerdote, rei e servo. Se for um texto didático, pode-semostrar de quemaneira Cristo é a encarnação definitiva da normamoral e aúnicamaneiradenostornarmospessoascapazesdesegui-lo.Porfim,osermãopode se estenderumpoucoexplicitandomaneiraspráticaspelasquais a fé emCristodevermoldarnossavidanessaárea.

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ESTUDODECASON.O1:MENSAGEMEXPOSITIVASegueumexemplodeaplicaçãodessepadrãoprofundoàhistóriadeAbraãoeIsaqueemGênesis22.

1.Oquevocêdeve fazer:DevemoscolocarDeusemprimeiro lugar emtodasasáreasdavida,comofezAbraão.(Aquiterminaosermãotradicional!)

2.Mas você não consegue: Não conseguimos!Não o faremos! Portantomerecemossercondenados.

3.Houve,porém,alguémqueofez:JesuspôsDeusemprimeirolugar,nacruz.ElefoioatodesubmissãoaDeusdefinitivoeperfeito.Jesuséoúnicoaquem Deus disse: “Obedeça-me, e, em consequência, eu o julgarei e ocondenarei”. Mesmo assim Jesus obedeceu — simplesmente por causa daverdade,porcausadeDeus.Oúnicoatoperfeitodesubmissão.

4. Só agora podemosmudar: Só quando virmos que Jesus obedeceu aDeus, comoo fezAbraão—pornós!—começaremosaviver comoAbraão.Deixeseucoraçãosermoldadoporisso.

SóquandoeuvirqueDeusjámeaceitouéquepodereicomeçaratentaravivercomoAbraão.EujamaisentrariaporessecaminhodeobediênciacomoadeAbraão.Ficaria tão desanimado commeus fracassos.Contudo,Deus jámedispensouseuamorantesdaminhaobediência.Semsaberdisso,eujamaisteriacoragemdecomeçaroudeprosseguir.

SomentequandoeuvirqueDeusjámeaceitouéquepodereilidarcomasverdadeiras razões que me impedem de viver como Abraão. Coloquei meus“Isaques”antesdeCristoporqueachavaquemedariammaissegurançaemaisvalor do que ele. Somente ao me regozijar em minha aceitação é que esses“Isaques”perderão seupoder sobremim.Docontrário,não teriacondiçõesdefazerprogressoalgum.

Somente quando euvir queDeusme aceitoupoderei viver comoAbraãopela razão certa e não destrutível. Quando ouço esse sermão sobre Abraão,

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perceboquepossotentarobedeceraDeus,demodoqueelemedaráumavidaeuma família feliz. Contudo, se eu obedecer desse modo, não o estareiobedecendoporamoraele.EstouusandoaleideDeusparacontrolá-lo,enãoparalouvá-lo.Senãomealegrar,senãoviresenãodescansarnaobediênciadeCristopormim,jamaisestareiobedecendopelarazãocerta.

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ESTUDODECASON.O2:MENSAGEMBASEADAEMUMTÓPICOSegueumexemplodeesboçode sermãosobreopoderdabelezaedaatraçãosexualemnossacultura.

1.O que você deve fazer: É preciso romper com o poder que a belezafísicatemsobrenós.Observeadestruiçãoqueelaprovocouemnossasociedadee em nossa vida: (1) ela distorce a ideia que as mulheres têm de si mesmas(resultando em autodepreciação e transtornos alimentares); (2) ela humilha osidosos; (3) distorce a vida dos homens fazendo com que rejeitem umamaravilhosa perspectiva conjugal, por razões superficiais, levando-os àpornografia. O que devemos fazer? Não julgue um livro pela capa. Não sejacontroladoporumacoisasuperficial.

2.Masnãoconsegue:Vocêsabemuitobemquenãoconseguimosescapardoseupoder.Porquê?(1)Desejamosabelezafísicaparacobrirnossapercepçãopessoaldevergonhaedeinsuficiência(Gênesis3).“Quandoseuvisualébonito,vocêsesentebemconsigomesmo”significa,naverdade,“quandoseuvisualébonito,vocêseachabom”.(2)Temosreceiodenossamortalidadeedamorte.Os biólogos evolucionistas e os cristãos concordam que o anseio pela belezafísica é o desejo pela juventude. Jamais venceremos nosso problema apenastentandovencê-lo.

3.Houve,porém,alguémqueofez:Houvealguémquefoiincrivelmentebelo,masabriuvoluntariamentemãodisso (Fp2).Elese tornoufeioparaquenostornássemosbelos(Is53).

4.Sóqueagorapodemosmudar:Sóquandovirmosoqueelefezpornósnossocoraçãoderreteráeselibertarádacrençadequepodemosjulgarumlivropela capa.Somentequando estivermosnele estaremos livres do sentimentodevergonhaedoreceiodamortalidade.

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DESENVOLVAOSPONTOSPorfim,vocêdevedarsubstânciaaospontosdoseuesboçopormeiodeumagrandevariedadedeargumentos,ilustrações,exemplos,

imagense textosbíblicosdeapoio,bemcomooutras formasdeaplicaçãopráticaerecursosderetórica.Onúmeroeanaturezadessascoisasdependemdasescolhas que você fizer previamente no tocante ao objetivo da passagem, seutemaeaestruturadoseuesboço.

Voudirecionarminhassugestõesaquiparaumaspectododesenvolvimentoda estrutura do esboço. No capítulo 6, vimos como preparar uma aplicaçãoeficaz.Aquidareialgunsexemplosdeaplicaçõesemsintoniacomoevangelho,enão com uma linhamoralista (como é tão comum). Como chamar as pessoaspara que obedeçam com base no texto sem ser moralista? Como mudar ocoraçãodelas,demodoquequeiramobedecer,emvezdesubjugarsuavontadesimplesmenteparaqueobedeçam?

FidelidadeEmGênesis 12 (chamado de Abraão), Abraão sai de sua zona de conforto esegue o chamado de Deus, embora tivesse de partir sozinho, sem a família,deixandoparatrássuaculturanatal.Elepoderásetornarumabênçãoparaoutrossomenteseestiverdispostoaabandoarasfontesnormaisdesegurançahumana.Jesus,porém,foioexemploperfeitodealguémqueouviuochamadoparaqueseafastassedeseuperímetrodesegurança.Eledeixouocéuesuaglória(Fp2)paramorrerpornós.Jesusperdeusuasegurança,demodoquepudéssemosterasegurançadefinitiva—seuamoresalvação.Setivermosisso,seremoscapazesdecorreroriscodenosaproximarmosdeoutraspessoaseculturas.Sóentãonostornaremospessoas,oudiscípulos,“emmissão”.

CuidandodopobreÉnotáveloquantoDeusseidentificacomopobre.Provérbios19.17dizque,seformos generosos com o pobre, seremos generosos com o Senhor; Provérbios14.31 diz que, se insultarmos o pobre ou formos rudes com ele, insultamos oSenhor.UmexemploextraordináriodissoapareceemMateus25,emqueJesusdiz que, quando alimentamos o faminto, vestimos o que está nu, abrigamos o

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desabrigado,estamosalimentandoedandoabrigoa“mim”[istoé,aoSenhor].Étentador pregar sobre essas passagens dando a elas uma conotação moral,dizendo às pessoas que devemos nos identificar com o pobre e cuidar dele.Contudo,comfrequênciadescobrimosque,quando tentamos fazê-lo, ascoisasnãodãocerto.Nósnosvemoscheiosdeumorgulho insensíveleofendemosopobre.Ou ficamos com o sentimento ferido quando ele não responde à nossagratidão.Ouficamosimpacientesseeleparecenãoestarrespondendobem.Hámuitoorgulhoemuitopoucoamordenossaparte. Istosedeveaofatodequetentamos aplicar diretamente o ensino bíblico sem permitir que a fé em Jesusreestruturenossocoração.

Sim,vemosqueoDeusdoAntigoTestamentose identificacomopobre;massóquandoJesusveioéquevimosoquãolongeelefoiparafazerisso.EmJesus,Deus,aumsótempodemaneirafiguradaeliteral,esteveentreospobres!Nasceuemumamanjedourareservadaapaispobres.Viveupraticamentesemterondemoraredizia:“Asraposastêmtocas,[…]masoFilhodohomemnãotemondedescansar a cabeça” (Lc9.58).Quando elemorreu, jogaram sortes sobresuasvestes,seusúnicosbens,eelefoienterradoemumasepulturaemprestada.Enãofoisóisso.Eletambémfoivítimadafaltadejustiça.Elesabiacomoeraser pobre,marginalizado e oprimido. Por fim, ele foi desnudado emorreu desede e de exaustão pendurado na cruz. Portanto, no último dia, quando aspessoasdisseremaJesus:“Quandofoiquetevimoscomsede,nuenaprisão?”,Jesusdirá:“Nacruz!Ali, eu,quedeveriaestar isento, fuicondenadoparaquevocê,quemereceacondenação,fosseliberto.Essaéabaseverdadeiraparaumavidade justiçaedecuidadoparacomopobre”.Ver Jesusnosabraçando,nósquesomosespiritualmentepobres,nosajudaaentenderquenãosomosmelhoresdo que o pobre demaneira alguma. Isso deveria tirar de nós qualquer atitudearroganteedeimpaciência.

AdultérioeamorconjugalAo pregar a casais sobre fidelidade a seus respectivos cônjuges, em algummomento você devemostrar a eles que o egoísmo do coração os impedirá deseremfiéis,amenosquetenhamoamordoseuverdadeirocônjuge,Jesus.Ele

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foifielanósepagouporissoumpreçoinfinito.Esteatodefidelidadenoslevaaserfiéisaonossocônjuge.Elenosamatantoquenãonecessitamosdoamordonossocônjugecomoafirmaçãosupremaemnossavida.Seassimfor,ficaremosemocionalmentemuitodependentesdonossocônjugeenãoconseguiremoslidarcomseus altos ebaixosoucomsuas falhas.EmCristo, temosa afirmaçãodeque precisamos — portanto, não temos de olhar para nenhum outro lugar,mesmoquenossocônjugesejaimperfeito.EmEfésios5,Pauloestásedirigindoaoscônjuges,mas,especialmente,aoquetudoindica,aosmaridos.Muitosdelestrouxeramdeculturaspagãs(assimcomonóstrazemosdanossacultura)atitudesdesumanizadorasemrelaçãoaocasamento.NaépocadePaulo,ocasamentoeravistosobretudocomoumarelaçãocomercial(apessoadeveriasecasartãobemquanto pudesse). Paulo queria encorajar os maridos a serem não apenassexualmente fiéis às suas esposas, mas também a tratá-las com carinho e ahonrá-las. EmEfésios 5, ele não apresenta aosmaridos indiferentes para comsuas mulheres um simples exemplo moral, mas (novamente) lhes mostra asalvação de Jesus, que foi para nós o cônjuge verdadeiro no evangelho. Eledemonstrouamor sacrificalpara conosco,que somosesposadele.Elenãonosamouporqueéramosbelos,masparaquenostornássemosbelos.

DízimoegenerosidadeSe você pregar sobre o dízimo, em algummomento terá de chegar ao doadorsupremo,queaumpreçoinfinitonosdeunãoapenasodízimodesuariqueza,mastodaela.Issonosdáasegurançaeaalegriadedoarnossariqueza,umavezqueaúnicasegurançarealalongoprazoéadesermosricosnele.Em2Coríntios8e9,Pauloquerqueaspessoasfaçamumaofertaaospobres.Noentanto,dizoapóstolo: “Nãoqueroobrigá-los.Nãoqueroque essaoferta seja simplesmenteuma resposta à minha demanda”. Ele não pressiona diretamente a vontade(dizendo,porexemplo,“Souapóstoloeestaésuaobrigaçãoparacomigo!”)ouasemoções (contando-lheshistóriasparaque saibamoquantoospobres estãosofrendoeoquantoelestêmamaisdoqueaquelesquesofrem).Emvezdisso,Paulo diz de forma vívida e inesquecível: “Pois conheceis a graça de nossoSenhorJesusCristo,que,sendorico,tornou-sepobreporvossacausa,paraquefôsseisenriquecidosporsuapobreza”(2Co8.9).Quandoelediz“…conheceisagraça”,eleestá,éclaro,lembrando-osespiritualmentedessagraçarecorrendoaumaimagempoderosa, levandoasalvaçãodeJesusparaocampododinheiro,da riqueza e da pobreza. Ele os motiva através da lembrança espiritual doevangelho.

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Ao aplicar textos como esse sobre ética e mandamentos, há uma razãoteológica,retóricaepráticaparaquevocêbaseiesuaaplicaçãoemtornodaobrade Jesus, em vez de baseá-la em mérito ou esforço. Em temos teológicos, asantificaçãocomeçasóquandocrescemosnafé—conformearealidadedoqueCristofezpornóspessoalmentelibertanossocoraçãodanecessidadedosídolos.Opecadoportrásdetodopecadoéofracassodecrernoevangelhonomomentoemquenosvoltamosparaumídolo.Portanto,ocoraçãodosouvintespodeseramolecido e reprogramado somente se for levado a Jesus. Caso contrário,acreditaremos que podemos ser santificados graças ao nosso próprio esforço.Portanto,arazãoteológicaéquenãoserácristianismosefordeoutraforma.

A razão retórica é que a pregaçãomoralista é tediosa. Toda família, todacultura, toda época tem suas formas prediletas de discurso motivacional. Emdeterminadonível,elasmexemcomnossasemoçõesenosimpulsionamàaçãoacurtoprazo.Contudo,sãotãocomunsqueacabasendofácildemaisignorá-las.No momento em que as pessoas começam a perceber o surgimento de umpadrão,elassefecham,poisqueremevitaraculpa(“Pronto,maisumacoisaqueestou fazendo errado”) e odesalento (“Nunca fui capazde fazer isso e jamaisserei”)queinvariavelmenteseseguem.Depoisquetiveremsedesligado,émuitodifícilcapturarnovamentesuaimaginação.

Por fim,a razãopráticaéqueaaplicaçãomoralistanão funcionaa longoprazo.Receioqueumsermãoquedizsimplesmenteàspessoasqueelasdevemsergenerosasporqueassiméquedevemsernãoestálidandocomseustemores,falsasesperançaseanseiosdeaprovaçãoedecontrolequeas indispõemadarmais.Portanto,épossívelqueelasdeemmaisumavezeoutramais,porémnãosetornarãoporcausadissorealmentegenerosas.Umsermãoqueapenasdigaàspessoasqueamemseuspaisouseusfilhosenãolidecomasrazõessubjacentespelasquaisissoédifícilnãomudarárealmenteascoisasnacasadaspessoas.AmenosquevocêlhesapresenteJesus,estaráapenasgolpeandoavontadedelas,tentando levá-las à virtude comum, remexendo seu temor e orgulho, e pondopanosquentessobreeles.Oefeitonãovaidurarmuito.

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NOTAS1Segue uma lista de bons livros sobre pregação expositiva. Selecionei alguns deles em ordem

cronológica.WilliamPerkins,Theartofprophesyingwiththecallingoftheministry (primeiraediçãoeminglês, 1606; reimpr., Edinburgh: Banner of Truth, 1996); Alan M. Stibbs,Understanding God’s Word(Chicago:InterVarsity,1950),ObeyingGod’sWord(Chicago:InterVarsity,1955)eExpoundingGod’sWord(Chicago: InterVarsity, 1960) (esses três breves volumes juntos constituem um curso sobre pregaçãoexpositiva);D.M.Lloyd-Jones,Preachingandpreachers(1971;ediçãode40anosdeaniversário,GrandRapids:Zondervan,2011)[ediçãoemportuguês:Pregaçãoepregadores,2.ed.,3.reimp.,traduçãodeJoãoBentes Marques (São José dos Campos: Fiel, 2011)]; Haddon Robinson, Biblical preaching: thedevelopment and delivery of expository messages (Grand Rapids: Baker, 1980) [edição em português:Pregaçãobíblica:odesenvolvimentoeaentregadesermõesexpositivos,2.ed.(SãoPaulo:Shedd,2008)];JohnR.W.Stott,Betweentwoworlds:thechallengeofpreachingtoday(GrandRapids:Eerdmans,1982);J.I.Packer,“Whypreach?”;SamuelT.Logan,“Thephenomenologyofpreaching”;EdmundP.Clowney,“Preaching Christ from all of Scripture”; Sinclair Ferguson, “Exegesis”; Glen C. Knecht, “Sermonsstructure and flow”; e John F. Bettler, “Application”; in: Samuel T. Logan, org., The preacher andpreaching:revivingtheart in the twentiethcentury (Phillipsburg:P+RPublishing,2011);BryanChapell,Christ-centered preaching: redeeming the expository sermon (Grand Rapids: Baker Academic, 1994)[edição em português: Pregação cristocêntrica: restaurando o sermão expositivo (São Paulo: CulturaCristã,2002)];PeterAdam,SpeakingGod’sWords:apracticaltheologyofpreaching;WilliamPhilip;DickLucas,Theunashamedworkman:instructionsonbiblicalpreaching,PreachingWorkshopsonVideoSeries1 (London:ProclamationTrust,2001);WilliamPhilip,ed.,Thepracticalpreacher:practicalwisdom forthepastorteacher(Ross-shire:ChristianFocus,2002);DavidMurray,Howsermonswork(WelwynGardenCity: Evangelical Press, 2011);Mark Dever; Greg Gilbert,Preach: theology meets practice (Nashville:BroadmanandHolman,2012)[ediçãoemportuguês:Pregue:quandoateologiaseencontracomaprática(SãoJosédosCampos:Fiel,2016)];GaryMillar;PhilCampbell,SavingEutychus:how topreachGod’sWordandkeeppeopleawake(Sydney:MatthiasMedia,2013);AlecMotyer,Preaching?Simple teachingonsimplypreaching (Fearn/Tain/Rossshire:ChristianFocus,2013);DavidHelm,Expositionalpreaching:howwespeakGod’sWordtoday(Wheaton:Crossway,2014)[ediçãoemportuguês:Pregaçãoexpositiva:proclamandoapalavradeDeushoje(SãoPaulo:VidaNova,2016).

2Esses quatro passos foram resumidos com base em Motyer, Preaching?; Helm, Expositionalpreaching; Robinson,Biblical preaching; Chapell,Christ-centered preaching; Millar; Campbell, SavingEutychus; Stott,Between twoworlds; Logan,Preacher and preaching; Stibbs,Expounding God’sWord;Dever;Gilbert,Preach;eThomasG.Long,Thewitnessofpreaching,2.ed.(Louisville:JohnKnox,2005).Hádiferençasconsideráveisentreesses livros.Algunspropõemqueseescrevauma“declaraçãode tese”paraosermão,aopassoqueoutrosnão.Amaioriaapresentanumerosospassosetodostrazeminstruçõesmais explícitas.Contudo, essasquatro instruçõesbásicas, aproximadamentenessaordem, sãodefendidasportodososautoresdeumaououtramaneira.

3Nãoestouaquiaconselhandosobreaseleçãode textosparapregação(excetopeloqueseencontranestanota).Um“textodepregação”ou“porçãodepregação”éumaseçãodaEscrituraselecionadaparaserlida e para servir como fonte da pregação. Um texto de pregação será curto demais se não puder serexplicado sem referências constantes aos versículos próximos. Se isso acontecer, então esses versículosdeverãoserlidoseconsideradospartedaporçãodepregação.Umtextodepregaçãoserálongodemaisse(a)houversimplesmentemuitacoisaadizera seu respeitoe (b) sehouver inúmeras“grandes ideias”naporçãodepregação.Aquiaseleçãodeumaideiacentralajudaadeterminarquantosversículosdeverãoserlidosecobertos.Sevocêestiverpregandosobreoperdão,selecioneosversículosquesustentamadiscussãosobreperdãoenãováalémdisso,incursionandoportópicosimportantesqueobscureçamotemadoperdão.Paraumaboavisãopanorâmicasobrecomoescolherumtexto,vejaDavidMurray,“Selection:what isa

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text”e“Variation:varyingthesermons”,in:Howsermonswork,p.21-33e59-69.Murrayaconselhaquesebusquemtextosdepregaçãocomideiascompletaseverdadesfundamentais(quepermeiamaBíbliatoda)equesejambreves(osuficienteparaquesejamexaminadosemumapregação),claros(osuficienteparaquenãoobrigueopregador apercorrer aBíblia todapara elucidá-los), variados (paraquea igrejanão fiquepresaaum livro,gêneroou tópicodurantemeses)eespiritualmenteadequados (paraaocasiãoeparaasnecessidadesecapacidadesdaspessoas)(p.31-2).

4Paraessepassodepreparaçãodosermão,recomendoespecialmenteSinclairFerguson,“Exegesis”,in:Logan,Preacherandpreaching.

5Se tiverpreparo, traduzavocêmesmoo textodogregooudohebraicoeanaliseo texto traduzido.Issoémuitoútilporqueolevaaverrapidamenteostermosgregosouhebraicosque,comfrequência,sãodeixadosdeforaou têmnuancesquea traduçãoemportuguêsnãocomporta.Contudo,mesmoquevocêfaçaisso,terádeestudartambématraduçãoemportuguêsqueusaráemsualeituraepregação.

6Há quem digite os comentários em um computador copiando e colando todo o texto bíblico edigitando a seguir seu comentário pessoal emoutra cor como, por exemplo, vermelho, embaixode cadaversículo.Outrosescrevemotextotodoàmãoemmeiapáginadecadernoacrescentandooscomentáriosnaoutrametadedapágina(Estácomprovadoqueescreveràmãoajudaaaprendereareterinformaçõesdeummodoqueadigitaçãonãopermite.)

7Talvezamelhorferramentadereferênciaonlinesejaositewww.BibleStudyTools.com.AsmelhoresferramentaspagassãoaLogosBibleSoftwareeaBibleWorks.

8OrecursosemparaleloaquiéLelandRyken,etal.,Dictionaryofbiblicalimagery(DownersGrove:InterVarsity, 1998). Quem consultar essa obra verá que é notável quantas dessas imagens apontam paraCristo.

9OmelhorrecursoparaissoéG.K.Beale;D.A.Carson,orgs.,Commentaryon theNewTestamentuseoftheOldTestament(GrandRapids:BakerAcademic,2007)[ediçãoemportuguês:ComentáriodousodoAntigoTestamentonoNovoTestamento(SãoPaulo:VidaNova,2014)].Esselivroéinigualável.Todosos livros do Novo Testamento têm um artigo da autoria de um estudioso que não apenas trataexaustivamente de cada citação que os autores do Novo Testamento fazem doAntigo Testamento, mastambémapontatodasasalusõesaoAntigoTestamento,mesmoquenãosejamcitaçõesdiretas.Olivropodeserusadoemambasasdireções.SevocêestiverpregandosobreumtextodoNovoTestamento,opanodefundodoAntigoTestamentoservirádeauxílio,mas,seestiverpregandosobreoAntigoTestamento,poderálocalizarseutextonoíndicedetextosdaEscrituranapartefinaldovolume,dooriginal,elocalizaroautordo Novo Testamento que se refere a ele. Essa é uma maneira excelente de discernir os temasverdadeiramenteintercanônicosquepermeiamaBíbliatodaeencontraminevitavelmentesuarealizaçãoeclímaxemCristoeemsuasalvação.

10Motyer,Preaching?,p.61-2.11Robinson,Biblicalpreaching,p.31-50.12Millar;Campbell,SavingEutychus,p.64.13Ferguson,“Exegesis”,in:S.Logan,Preacherandpreaching,p.197.14Stibbs,ExpoundingGod’sWord. Ele escreve: “O aspirante a pregador expositivo […] deve […]

procurardiscernirqualé—paraaocasiãodaministraçãoqueeletememmente—oenfoqueprincipalouamensagemdeDeusqueestáemevidêncianapassagememqueeleestátrabalhando.Hápassagensbastanteférteis. Elas são suscetíveis a vários tratamentos específicos de acordo com os pontos que nelas serãoenfatizadosecomoobjetivoespecíficocorrespondenteeaaplicaçãoqueopregadorpodeteremvista.Oimportanteéqueopregadordefinaqualseráotemaouaênfasequedaráacadaocasiãoemparticulardeministração. Ele deve então buscar nomaterial e nas ideias obtidas com seu trabalho no texto somenteaquiloqueestejaobjetivamenteassociadoaoseu tema.Nosermão,diferentementedeumcomentário,as

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referênciasapontosirrelevantesparaotemaescolhidodevemserimpiedosamenteomitidas[paraquehaja]brevidade e coerência, mas também um desenvolvimento significativo e um impulso [na] direção doobjetivopretendidoedaaplicaçãodefechamentoproposta”(p.40-1).

15DavidJackman,“Fromtexttosermon”,in:WilliamPhilip,org.,Thepracticalpreacher:practicalwisdomforthepastor-teacher,p.66.

16HáoutrosquedãoomesmoconselhoqueJackman—istoé,todosermãodeveriaconsistirnaquiloqueotextodizenasnecessidadesecapacidadesdosouvintes.RobertDabney,teólogodoséculo19,diz:“Aunidade retórica requeressasduascoisas.Ooradordeve,emprimeiro lugar, terumassuntoprincipaldediscurso,aoqualele semanterá fielcomo referência supremao tempo todo. Isso,porém,nãobasta.Eledeve,emsegundolugar,proporasimesmoumaimpressãodefinitivasobreaalmadoouvinte,detalformaquetudonosermãoconcorraparaessefim[…]Aoratória[…]seráconcluídadizendo-seaoouvinte:‘Façaisto’,demodoqueseuencerramentosedêpormeiodeumatodevolição,detalformaqueesseobjetivopassedacompreensãoparaasmotivaçõesdaalma.Aunidadedodiscursorequer,portanto,nãoapenasopredomínio exclusivo de um tema dominante, mas também a exclusividade da impressão prática. Paragarantir oprimeiro, assegure-sedeque toda adiscussão admite a reduçãoaumaúnicaproposição.Paragarantiroúltimo,opregadordeveráteràsuafrente,aolongodetodaapreparaçãodosermão,aqueleefeitopráticopretendidoquesequerproduzirnavontadedoouvinte”(RobertDabney,“Cardinalrequisitesofthesermon”, in:Sacredrhetoric;or,acourseof lecturesonpreaching,p.109).A reimpressãodo fac-símiletemcomotítuloEvangelicaleloquence:acourseof lecturesonpreaching.Bemmais recentemente,edooutroladodoespectroteológico,ThomasG.Longdizquedevemosnospreocupartantocomofocoquantocoma função do texto. Sãoobservaçõesmais oumenos semelhantes às deDarbneyquando ele trata de“tema”e“impressãoprática”(Long,Witnessofpreaching,p.99-116).

17AdapteiecombineiomaterialdeStibbsdaseguinteforma:

Em uma cerimônia de casamento: Stibbs se deteria especialmente no versículo 2: Jesus foiconvidado para o casamento. O ponto ou tópico principal: Jesus deve ser convidado para sua vidamatrimonial.Oesboço:(1)AdiferençaquefezapresençadeJesus—elenão“acaboucomaalegria”.(2)Oquefazerarespeitodosproblemasemcasaounocasamento.FaçaoquefezMaria:leve-osaJesus.FaçaoqueeleorientaafazeremsuaPalavra.(3)Contudo,eleapontouparaumaalegriamaiorqueadovinho:opróprio casamento com Jesus e seu amor conjugal por você. (4)Você deve confiar nele tal comoMariaconfiou.(5)AssimcomoessecasamentosetransformouemumsinalparaomundotodoacercadaglóriadeJesus,seucasamentotambémpodeserumtestemunhodeJesus,apontando-oparaoutraspessoas.

Emumareuniãodeoração:Stibbssedeterianoversículo3:MariavaiaJesuscomumanecessidade(“Elesnãotêmmaisvinho”).Principalpontooutópico:característicasimportantesdaoração.Oesboço:(1)Vá a Jesus com suas necessidades; mas também vá a Jesus com as necessidades de seus amigos. (2)Reconheçaseupoder,esperequeelefaçaoquevocênãopodefazer;masreconheçatambémsuasabedoria,comoMariareconheceu(noversículo5),confiandoneleaindaqueseutempodeagiresuasaçõessejamdifíceis de compreender. (3)Houve uma oração de Jesus que não obteve resposta: “Afasta demim estecálice…” (Mc14.36). Jesuspode responder suasorações, apesarde seuspecados, porque elemorreunacruz.Ovinhoapontaparaoseusangue.(4)EstejaprontoagoraparaagiremobediênciaàsuaPalavra.

Emumapreleçãoparaobreiroscristãos:Stibbssedeterianoversículo5:“Fazeitudooqueelevosdisser”.Pontooutópicoprincipal:mostraroqueéprecisoparaserútilnoserviçodeCristo.Oesboço:(1)Maria e os servos foram usados por Jesus para proporcionar uma ajuda miraculosa aos noivos. (2) Osrequisitos:preocupaçãocomanecessidadedeoutros.IraCristoemoraçãodefé.Estarprontoparafazeroqueelepedir,mesmoquenãoseencaixeemnossasabedoria.Estarprontoparaoriscodafé,esperandoemDeus. (3) Resultados: manifestação do poder do Senhor. Nós nos tornamos cooperadores dele. ComfrequênciaganhamoscréditopeloqueJesusfez(o“responsávelpelafesta”elogiaonoivo).(4)Essaéuma

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imagemda salvaçãode Jesus.Recebemoscréditopelo ele fez.Sua justiçanos é imputada.Essa énossaforçasuprema.

Pregando em uma igreja local (com não cristãos presentes): Stibbs se deteria no versículo 11.VeremosnessetextoapessoaextraordináriadeJesus.Oincidentemarcaa“inauguração”deseuministérioe,portanto,éumabreveporémcompletaimagemdequemeleé.Principalpontooutópico:asverdadesdasquaisovinhodátestemunho.Oesboço:(1)Vinhovelho:emúltimaanálise,tudoemqueconfiamosparanos dar alegria na vida acabará. Não importa o quanto tenhamos nos esforçado por construir uma vidaexcelente,algumacoisaapareceeaarruína.Nossosesforçosjamaissãosuficientes.(2)OvinhonovonosfaladapessoadeCristo.EletempodersobreaordemcriadaporqueéoCriadorqueveioaomundo.Elepode fazer novas todas as coisas. (3) O vinho novo nos fala da obra de Cristo: (a) Ele vem para nosabençoar,nãoparanosjulgar.ComparecomojulgamentodeDeussobreoEgito(Êx7.17-21).AliDeustransformouáguaemsangue,paraquenãopudessembebê-la.AgoraJesustransformaáguaemvinho,paraquepossambeber.(b)Eleproporcionaumacoisaalegre—ovinho—pormeiodesuamorte.(Noversículo4, bem como nas demais ocorrências no Evangelho de João, “hora” se refere à hora de sua morte noEvangelho de João. As talhas de água significavam purificação. Dessemodo seu sangue nos purifica eperdoanossopecado.(c)AntesqueJesuspossanosdarocálicedabênção,eleterádetomarocálicedairadivina.(4)AestranhadeclaraçãodeJesusmostraque,nomeiodafesta,daalegria,eleestáantecipandoseusofrimentofuturo.Contudo,secrermosemJesus,poderemosestaremmeioaummundodesofrimentos,antecipandonossaalegriafutura.Noporvir,sentaremosaoseuladonagrandefestadasBodasdoCordeiro.

18Motyer,Preaching?,p.64-5.19Ibidem.20A pregação cristã mais antiga foi mais influenciada pela prática rabínica de comentar a leitura

semanal da Torá do que pela tradição greco-romana da retórica, em que uma proposição era anunciada,dividida,defendidaedesenvolvida.

Contudo,naeramedieval,ospregadorescomeçaramadividireaorganizarseumaterialemesboçosquerefletiamaclássicadispositioretórica,ouseja,aorganizaçãomaisformaldomaterial.Hojeemdia,aspessoas talvez se surpreendam em saber que foi o monasticismo medieval — particularmente osdominicanos e os franciscanos do século 12— que introduziu algo que atualmente é visto commuitanaturalidade.“Asordensdospregadores”,escreveHughesOld,“começaramadescobriraimportânciadoesboçodosermão”(HughesOliphantOld,Thereadingandpreachingof theScripturesintheworshipoftheChristianchurch[GrandRapids:Eerdmans,1999],vol.3:Themedievalchurch,p.xvii).

Asrazõesdissosãocomplexas.Umadelasfoiquemuitosdosmongesestavampregandoemespaçospúblicos, enãoapenasnoscultosdeadoração.Elesbuscavammeiosdeprender a atençãodosouvintes.Alémdisso,ateologiamedievalhaviacriadoumaestruturaextremamentesistemáticaqueconsistiaemlocioutópicosqueseestendiamemmuitossubpontos,divisõesecontrapontos.Oesboçodosermão—emqueo tema escolhido era anunciado, dividido em partes e depois desenvolvido — resultava do métodoescolásticodefazerteologia,que,emsimesmo,eradevedordaaprendizagemedaretóricaclássicas.Sejacomofor,dizOld,“nadapoderiasermaismedievaldoqueumesboçodesermãodivididoemtrêspontos”(ibidem).

21A oratória clássica greco-romana procurava descobrir a forma mais convincente de fazerapresentações orais. Um aspecto crucial da oratória eficaz (chamada com frequência de um dos “cincocânones”) era a dispositio ou “arranjo”. Dizia respeito à estrutura e à organização de um discurso. Oconsenso(estabelecidoporCíceroeQuintiliano)eraqueodiscursodeveriaterasseguintesdivisões:

Exordium. Introdução.Seuobjetivoeraprenderaatençãoedespertaro interessepeloseu temaparaqueoouvintesesentissemotivadoaouvi-lo.

Narratio.Apresentaçãodopontoprincipaldeseuassunto.Estapoderáserumaúnicaproposiçãoou

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aindaumaapresentaçãomais longadeumconjuntode fatos (essencialmente,um“caso”)seguidodeumpropositioresumido.

Partitio. A divisão de seu assunto em suas partes constituintes a serem retomadas no restante dodiscurso.

Confirmatio. Parte do discurso emque você confirma sua proposição provando e dando respaldo acadaitemouparteconstituintedocaso.

Refutatio. Parte do discurso em que você enfraquece o ponto de vista oposto ao responder a cadacontra-argumentoouobjeçãoàsuaposição.

Peroratio.Porfim,aconclusão,emquevocêsintetizaseuponto,reafirmando-oclaramenteedeformaconvincentecomoobjetivodesuscitarsimpatiaeconclamaràação.

Filipe Melâncton, colega de Martinho Lutero, era um erudito respeitado na área de humanidades.Juntamentecomoutros,comoAgricolaeErasmo,trabalhoupararecuperareadaptarosmétodosretóricosclássicos deAristóteles,Cícero, Sêneca eQuintiliano para a igreja da época.Os esforços deMelânctonforamreunidosespecialmenteemsuasInstitutionesrhetoricae(“Elementosderetórica”,1521),quepropôsumanovasíntesedaoratóriaantigaparausodospregadorescristãos. (Essaobra importantefoi traduzidapara o inglês como The art or craft of rhetorike, em 1532; um fac-símile [réplica] dessa edição foipublicadopelaEEBOEditions/ProQuest,em13dejulhode2010.)

Ele instavaopregadoraquecomeçassecomumúnico temaou tópicodoutrinárioextraídodo textobíblico. Tão logo o pregador mostrasse, pela exegese, de que modo a proposição estava fundamentadabiblicamente, ele deveria então prosseguir sistematicamente e, em segundo lugar, definir os temasfundamentais,distinguindo-osdasalternativase,emterceiro lugar, identificarseusdiferentesaspectosoucausas.MelânctonaconselhouousodasquatrocausasdeAristóteles—omaterial“oquê”,o formalou“como”,oefetivoou“quem”eofinalou“porquê”.Porfim,opregadordeveriaaplicarosignificadodadoutrinaaosouvintes(ScottManetsch,Calvin’scompanyofpastors [NewYork:OxfordUniversityPress,2013],p.157).AabordagemdeMelânctontinhamaisoumenososeguinteaspecto:

Introdução exegética.Essa seção usa a exegese para extrair uma única proposição doutrinária dotexto,porexemplo,deRomanos3.10-20,“Nossasboasobrasnãopodemnossalvar—precisamosdeumSalvador”.

Quem?Osagentes.Qualéacausaefetiva?Emoutraspalavras,aquemotextoestásereferindoquevivedessaforma?Todos.“Nãohájusto,nemumsequer”(v.10).Aíestãoincluídastodasaspessoas,semexceção.Judeusegentios.Religiososenãoreligiosos.

Oquê?Descrição.Qualéarazão(material)pelaqualnossasboasobrasnãopodemnossalvar?Emoutraspalavras,emqueconsistemnossasações?Comosão?Elasestãomisturadasaaçõesmás.Atémesmopessoasreligiosastêmlínguasenganosas,maliciosasetc.enãobuscamapaz,masoconflito(v.13-17).

Como?Elementossubjacentes.Qualéa razão (formal)paraquenossasboasobrasnãopossamnossalvar?Emoutraspalavras,oquefazcomquenossasboassetorneminadequadas?Sãonossasmotivações—“nãoháquembusqueaDeus”(v.11)e“NãopossuemnenhumtemordeDeus”(v.18).Mesmoquandoaparentementefazemoscoisasboas,nãobuscamosaDeusnelas.

Porquê?Qualéarazãofinaloufundamentalpelaqualnossasboasobrasnãopodemnossalvar?PorcausadasantidadedeDeus:“…ninguémserájustificadodiantedele”(v.20).

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Cadaumdessestópicosexigeumadefesa,geralmenteatravésdeversículostiradosdeoutraspartesdaBíblia.Contudo,podem-seusaroutrasilustraçõesouargumentos.

Aplicação. O que isso significa para nós? Significa que precisamos de um Salvador. Significa quedevemosparardetentarcriarumajustiçasalvadoraparanós.Significaquedevemosnosarrependertantodenossospecadosexplícitoscomodetentarnossalvaratravésde“boasações”inadequadas.

AestratégiadeMelânctonconsistiuemmodificarasconvençõesdadispositioclássicaouorganizaçãodoassunto.Haviaumexordiumouintrodução,cujotemaéextraídodaEscritura.Elecriavaentãoformasdenarratio, partitio e confirmatio dividindo o tópico em pontos por meio dos quais ele era explicado,examinadoemprofundidadeedefendido.Porfim,vinhaa“peroração”,emqueotemaeraenfatizadopormeiodeumaexortaçãoedeumapelo.Essaabordagemfoiimensamentepopularentreanovageraçãodepregadores protestantes, especialmente entre os puritanos ingleses. Eles começavam com um texto bempequeno—comfrequência,umúnicoversículo—queeraestudadobrevementecomoobjetivodeextraira“doutrina”—umaproposição.Aproposiçãoeraentãodivididaemváriasinferênciaseaspectos—compontosesubpontos—ecadaumadelaseracomprovadapelaBíblia.Porfim,eramatribuídasàsinferênciasumnúmeropráticodeaplicações.HughesOlddizqueessaformaera“menosexpositivaemaisescolásticaoutemática”(ReadingandpreachingoftheScriptures[GrandRapids:Eerdmans,2002],vol.4:Theageofreformation, p. 284). Esse modelo seguia o escolasticismo medieval e a retórica clássica, embora osargumentos usados fossemquase que estritamente citações de outras partes daBíblia.Não se tratava domodelopatrísticousadopelosreformadores,emqueváriospontosdoutrináriosepráticoseramextraídosdeumapassagemdaEscrituraetratadosemséries.Emvezdisso,ospuritanosmodificaramemantiveramaformadosermãodaescolásticamedieval,extraindoumpontoeumtema,dividindo-oemmuitasparteseanalisandocadaumadelasexaustivamente(ibidem,p.327).Portanto,comoconcluiOld, issosignificavaque, demodogeral, apesar de se apresentaremcomopregadores expositivos, os puritanosquegastavamváriossermõescomúnicoversículoestavam,naverdade,pregandosermõestópico-temáticos,catequéticos—quaisquerquefossemsuasintenções.Historicamente,eporfim,issolevouao“desenvolvimentogradualdapregaçãotemática”,enãodaexpositiva(ibidem).

22Para este passo da preparação do sermão, recomendo especialmente Glen C. Knecht, “Sermonsstructureandflow”,in:Logan,Preacherandpreaching.

23Motyer,Preaching?,p.79-80.24No decorrer dos últimos quarenta anos houve uma forte reação contra o esboço do sermão

consolidadonoprotestantismohistórico.ThomasG.Long,professordePregaçãonaUniversidadeEmorymapeoumuitobemaascensãoeaquedaatualdomovimentode“pregaçãonarrativa”noâmbitodasigrejasprotestantes históricas, frequentadas por brancos, da geração passada. Esse movimento se rebeloufortemente contra o esboço do sermão tradicional, que se baseava em uma proposição central que eraexplicadaedefendida.Longdizqueumadasrazõespelasquaispregadoreseteólogosdalinhaprinciapalresistiamaoesboçodosermãosedeviaaoseuceticismoemtornoda ideiaderevelaçãoproposicional,aqual chamavam zombeteiramente de uma visão da Bíblia que remetia a uma “caixa de ideias”. Elesrejeitavamacompreensãotradicionaldeumapassagembíblicacomo“repositóriodeideiasteológicas,ouverdades”dasquaisopregadorpodia“extrairaprincipalpepitateológica”(ThomasG.Long,Thewitnessofpreaching,p.101).Elesseopunhamaumesboçoracionalista,límpidoealtamenteestruturado.

Embora essa crítica se baseasse amplamente em uma compreensão não evangélica da revelaçãobíblica,algunsargumentosestavamcorretos.Deacordocomumdeles,oesboçoextremamenteestruturadonãoseencaixavanaspartesnarrativasdaBíblia.“Ninguémqueleiaumromanceempolganteouvejaumapeça contundente, ou ainda um filme que mexe com as emoções, seria tentado a espremer essas ricasexperiênciasemumaúnicaideiaprincipalapenas.”(ibidem,p.101).Emoutraspalavras,alguémimaginaqueumaúnicaproposição“sucinta”possasubstituirumfilme?Porexemplo,emvezdeverdefatoNadadenovonofront,porquenãoresumi-loempoucaspalavras:“Aguerraéumacoisaterrívelenãolevaanada”.

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Essa proposição transmitiria seu significado tão bem quanto um filme de 138 minutos? Principalmenteconsiderandoacenafinal,emqueoprotagonistaseaproximadeumaborboletaeatocagentilmente;comisso,seexpõeaumatirador,éferidoemorre.Umaproposiçãopoderiasintetizá-laadequadamente?Claroquenão.Anarrativatransmitemuitomaissignificadodoquesepoderesumiremumasimplesdeclaraçãoverbal.

LongcitaocélebrelivrodeFredCraddock,de1971,Asonewithoutauthority[Comoalguémquenãotem autoridade], como umvolume fundamental para os que argumentam contra o esboço tradicional dosermão.Olivrodefendiauma“revoltageralcontraapregaçãoproposicional”(ibidem,p.103).Craddockinsistia que os sermões não fossem balizados pela “dedução”— em que a tese é anunciada e depoisexplicadaerespaldada.Eledefendia,pelocontrário,a“indução”—odesvelamentogradualdanarrativadahistória ou de umametáfora. Craddock queria uma pregação rica em imagens, não discursiva, qualquercoisamenos“umateseemtrêspontos”(ibidem).Longdizqueessatesesetornouumdivisordeáguas,eapropostadeCraddocksedisseminoupelasigrejashistóricas.Elafoiinfluenciadapela“novahermenêutica”da época, quevia a interpretação comoumeventoouumencontro existencial.Umdos seguidoresmaisinfluentesdeCraddockfoiEugeneLowry,oqualdefendiaqueaBíbliaerasobretudo“nãoproposicional”eque tentardividirumapassagememprincípiosouverdades“distorceouatémesmo reconstróio sentidoexperiencialdoevangelho”(Ibidem,p.104).EmboraCraddockesperassequeopregadorchegasseporfimao “ponto para o qual o autor [bíblico] pretendia chamar a atenção” [Fred Craddock, As one withoutauthority (Nashville: Abingdon, 1971), p. 100], muitos outros rejeitavam até mesmo esse nível de“racionalidade”.

Especialistas em homilética das igrejas históricas (liberais) insistiam que cabia ao pregadorbasicamente narrar os eventos, permitindo aos ouvintes tirar suas próprias conclusões em seu encontroparticularcomotexto.

Longadmiteque,pormaisempolganteelibertadorqueissopossaparecernumprimeiromomento,boapartedessaideiaprovocava“confusãoentrepregadoreseestudantes”.Eleconcluiuqueeraerradoinsistir,comofazLowry,queoimpactodeumtextonãoestárelacionadocomsuasideiasreaisecomseuconteúdoproposicional(Long,Witnessofpreaching,p.107).LongcitaLowry:“Talvezvocêtenhaidoàigrejaesesentido arrebatado quando cantaram ‘Amazing grace’ — e isso não se deveu de modo algum àsparticularidadesdoconteúdoproposicionaldaterceiraestrofe”.Lowrytemrazãoquandodizqueoimpactodohinonocoraçãonãopodeserreduzidosimplesmenteaoconteúdodaletra.Contudo,emboraopoderdeumhino sejamaisdoqueo conteúdo,nãopode sermenos.Longdizque é ir longedemaisdizerque aexperiênciadecantarohinoemnadaserelacionacomseuconteúdoproposicional.Eleperguntacommuitaperspicácia:Se cantássemosna igreja “Maria tinhaumcarneirinho”,o efeito seriaomesmo sobrequemcanta?“Oqueotextodizsemdúvidaalgumacontrolaoqueelefaz”,concluiLong(Ibidem,p.107).

Oqueospregadores liberaisofereciamnolugardaestruturadosermão?Longdiscorresobreváriosespecialistasemhomiléticadeigrejashistóricasdageraçãopassadaereconstituidequemaneiracadaumdelestentousubstituiraestruturadosermãotradicional.FredCraddockeEugeneLowrypropuseramqueosermão fosse pregado em resposta a uma pergunta ou a um problema. Craddock geralmente fazia doproblemaosentidorealdotexto,enquantoLowrypreferiaalguma“necessidadepercebida”pessoaldavidadoouvinte.Emambososcasos,aquestãoérespondidaouoproblemaéresolvidoatravésdeumasériede“movimentos” perceptíveis,mas não anunciados como títulos, tópicos ou pontos.Outro pregador liberalproeminente,DavidButtrick,apresentouumaanálisedetalhadadecomodevemseparecercadaumdesses“movimentos”. Ele acreditava que nenhum movimento deveria levar mais de quatro minutos (porque,segundoargumentava,ointervalodeatençãodaspessoasnãoiaalémdisso)equeosermãodeveriadurarvinteminutos,contendo,nomáximo,cincoouseis“movimentos”.Eletambémdeuorientaçõesparacadamovimento, insistindoparaquefossemclaramentedemarcadospormeiodeumaaberturaefrasesqueosresumissem(Long,Witness of preaching, p. 131-4).Long descreve comoomovimento de “pregação denarrativa”estáhojeemsituaçãocaóticaouemdeclínio.VejaThomasG.Long,“Alikelystory:theperilsandpowerofnarrative inpreaching”, in:Preaching frommemory tohope (Louisville: JohnKnoxPress,

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2009),p.1-26.Oquepodemosaprendercomesseepisódionaigreja?Osautoreshistóricosnãoescapam,defato,da

necessidade de uma estrutura. Os “movimentos” ainda são pontos em uma estrutura que devem serpensadosequedãoestruturaaodiscurso.Ospensadoreshistóricosconcordam,porém(e issosenotanotermo“movimentos”)queosermãonãodeveriaserumarecitaçãodefatosnemtampoucoumladoapenasdodebate.Eledeveinteragirnãoapenascomamentedoouvinte,mastambémcomseucoração.Develevá-loaalgumlugar.Essaideia—apesardemuitospassosequivocadosedeerrosdomovimentodepregaçãodenarrativa—devesermantida.

25Eugene L. Lowry, The homiletical plot, expanded edition: the sermon as narrative art form(Louisville:JohnKnoxPress,2000).

26Foramusadasváriasfontes,masvejaesp.N.T.Wright,TheNewTestamentandthepeopleofGod(Minneapolis:FortressPress,1992),p.47-81.

27Issoésemelhanteao“foconacondiçãodecaída”, in:Christ-centeredpreaching,p.40-4,deBrianChapell.Esseautorestámuitomaispreocupadoemdescobriroqueotextoconsideraseroproblemaqueinduz ao pecado, e em seguida pregar a solução em Cristo. Lowry está mais inclinado a escolherprimeiramenteoproblemaedepoisacharumtextoquenosajudeadiscuti-lo.

28Lowry,Homileticalplot,p.44-7.29Ibidem,p.65-8e100-3.Refiro-meaocélebreensaiodeJ.R.R.Tolkien,“Onfairy-stories”,in:Tree

andleaf(NewYork:HarperCollins,2001),p.1-82[ediçãoemportuguês:Árvoreefolha(SãoPaulo:WMFMartinsFontes,2013)].“Aconsolação […]aalegriado final feliz […]asúbita ‘guinada’ feliz […]essaalegria que […] as histórias são capazes deproduzir tãobem, não é basicamente ‘escapista’ neméuma‘fuga’[…]Trata-sedeumagraçasúbitaemiraculosa:algoquejamaisserepetirá.Elanãonegaaexistênciadadycatastrophe,datristezaedofracasso.Defato,apossibilidadedessascoisasénecessáriaàalegriadalibertação.Decerta forma,elanega (emfacedasmuitasevidências,porassimdizer)aderrotauniversalfinal,epor issoéevangelium,permitindoumvislumbrebrevedaAlegria,quevaialémdasmuralhasdomundo, tão pungente quanto a tristeza. É a marca de uma boa história, do tipo mais elevado ou maiscompleto, de tal maneira que por mais extravagantes que sejam seus eventos, por mais fantásticas outerríveissuasaventuras,elapodedar[…],nomomentoda‘guinada’,umasuspensãodofôlego,umabatidaeumaelevaçãodocoração,chegandoquaseàslágrimas(ouchegandomesmoaelas),comtantoentusiasmoquanto aquela comunicada por qualquer forma de arte literária, e de uma qualidade peculiar. Na […]‘guinada’[…]temosumvislumbrearrebatadordealegria,deumdesejodocoraçãoqueporummomentotransborda, rasga a teia da história e deixa que vaze um brilho” (Tolkien, “On Fairy-Stories”, p. 68-9).Posteriormente, Tolkien diz que a história suprema— o evangelho— é a essência de todas as outrashistórias com um final feliz que produz alegria. “Essa ‘alegria’ […] merece maior consideração. Aqualidadepeculiarda ‘alegria’ emumaFantasiade sucessopode […] ser explicada comoumvislumbresúbitodeumaRealidade[…]subjacente[…]Osevangelhosapresentam[…]umahistóriadeumtipomaisabrangente que abraça a essência por completo das histórias de fadas. Eles apresentam […] umaeucatástrofequeéamaiordetodaseamaiscompletaquesepodeconceber.Contudo,essahistóriaentroupara a história e para o mundo primário […] O nascimento de Cristo é a eucatástrofe da história dahumanidade.Aressurreiçãoéaeucatástrofedahistóriadaencarnação.Ahistóriaterminacomalegria[…]Nãohánenhumahistóriaumdiacontadaqueoshomensquisessemtantoquefosseverdade,enenhumaquetantoscéticosacolheramcomoverdadeiraporseusprópriosméritos.IstoporqueaArtedessahistóriatemotomsupremamenteconvincentedaArteOriginal,istoé,daCriação.Rejeitá-lalevaàtristezaouàira[…]Estaéumahistóriasuprema;eéverdadeira.AArteseconfirmou.DeuséSenhordosanjosedoshomens—edoselfos.LendaeHistóriaseencontraramesefundiram”(Tolkien,“OnFairy-Stories”,p.71-3).

30Em2000,Lowryampliouaediçãodeseu livro.Eledizquea tramada

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narrativa do sermão deve ter quatro fases: Conflito, Complicação (em que seanalisamasrazõesprimordiaisdanaturezaintratáveldoproblema),Boas-Novase Desenrolar. Em sua interpretação, deve haver um quarto movimento nosermão,depoisde revelarCristo como“herói”ou soluçãoparaoproblema.Aquartafasepropõeomodopeloqualoouvintedevevivernofuturocombasenaexibiçãoemparticulardanaturezaedopoderdoevangelho.Emoutraspalavras,essaéafaseda“aplicação”.

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SeissermõescontraapreguiçaCavaco,Tiago9788527507394112páginas

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Nosdiasdehoje,talveznãosejaexagerodizerqueboapartedenossaculturasejatolerantecomapreguiça.Anteselaeracondenadaporsertidacomocomportamentocondenável.Hojeémuitasvezesconsideradaumtraçodecaráter.Deixoudeseralgomauquesefaziaparaseralgoneutro,quenãosepodecontrolar.

EmSeissermõescontraapreguiça,oautorexpõehabilmenteseispassagensbíblicasqueconfrontamanossaculturanessaáreatãoprimordialerevelamapreguiçadisfarçadaemdisposiçõeseaçõesdodiaadiaquenormalmentenãovemoscomopreguiça.Aobraéumpoderosoantídotoàletargiaeaoativismodonossotempo,éumaanáliseprofundaquenoslevaarepensar,diantedeDeus,otrabalho,oócio,olazer,ousodotempo,otipodevidaqueglorificaaDeus.

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MinistériosdemisericórdiaKeller,Timothy9788527506854272páginas

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Porquealguémarriscariaaprópriasegurança,cancelariaaagenda,gastariasuaseconomiaseficariatodosujodeterraesangueparaajudarumapessoadeoutraraçaeclassesocial?

EporqueJesusnosdiz:"Vaiefazeomesmo"(Lc10.37)?

OBomSamaritanonãoignorouohomemespancadonaestradadeJericó.Assimcomoele,tomamosciênciadepessoasnecessitadasànossavolta:aviúvaquemoraaolado,afamíliaafundadaemdívidasmédicas,osem-tetoqueficadoladodeforadaigreja.Deusnoschamaaajudá-los,precisemelesdeabrigo,assistência,cuidadosmédicosousimplesmenteamizade.

TimKellermostraquecuidardessaspessoasétarefadetodocristão,tarefatãofundamentalaocristãoquantooevangelismo,odiscipuladoeaadoração.MasKellernãoparaporaí.Eleensinadequemaneirapodemosrealizaresseministériovitalcomoindivíduos,famíliaseigrejas.

Aofinal,cadacapítuloofereceperguntasparadebateeaplicação.

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GrandesteólogosMcDermott,Gerald9788527507059232páginas

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Quemsãoosgrandesteólogosdaigreja?Oquehaviadeespecialemseusensinos?Oquepodemosaprendercomeleshoje?

Nestelivrooautornãoapenasnosinstruisobreonzeteólogosdegrandeimportância,mastambémnosajudaaidentificaraquiloquecontinuaválidoparaosnossosdias.Comperguntasparareflexãoedebatenofinaldecadacapítulo,Grandesteólogoséperfeitoparaoestudoindividualouemgrupospequenos.Àmedidaquesederoestudo,osmembrosdogrupopodemexplorarahistóriateológicaqueumpartilhacomooutroetambémdescobrirasrazõesporquecadaumcrênoquecrê.AquiestáaoportunidadedepensarsobreDeusjuntamentecom"osgrandes".

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MembresianaigrejaLeeman,Jonathan9788527506885144páginas

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PORQUEDEVOSERMEMBRODEUMAIGREJA?

Tornar-semembrodeumaigrejaéquesitoessencialdavidacristã,sendo,porém,negligenciadocomfrequência.Aliás,atendênciaatualéabandonarapráticadareligiãoorganizada,oquedemonstraaversãooumedodecompromisso,especialmenteemrelaçãoàsinstituições.JonathanLeemanabordaessasquestõesdemaneiraobjetiva,aodefinirmembresianaigrejaeexplicarporqueelaéimportante.Conferindoàigrejalocalopapelquelheédevido,Leemanconstróiumaargumentaçãoconvincenteafavordocomprometimentocomocorpodaigrejalocal.

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RevitalizaçãodeigrejasLidório,Ronaldo978852750731878páginas

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Atuarnarevitalizaçãodeigrejaslocaissemumdiagnósticodevitalidadeespiritualétemerário,podendolevaraoexaustivoinvestimentoemáreasdemenorcarênciaeàomissãoemáreasvitais.Estelivroapresentaumaferramentaparaaavaliaçãodavitalidadedaigrejalocal,provendoindicadoresnasáreasdemaiornecessidadedeinvestimentoesugerindoaçõesparaoamadurecimentoecrescimento.

Revitalizaçãodeigrejaséumaferramentadesenhadadeformasimpleseprática,podendoseraplicadaemcontextosnacionaisoutransculturais,ruraisouurbanos,monooumultiétnicos.Colaboraparaquepastores,missionárioselíderesinvistamtempo,oraçãoetrabalhonasáreasdemaiorcarênciadaigreja,complanejamento,continuidadeeexpectativa.TemcomoalvoverigrejasmaisfortalecidasnoconhecimentodaPalavra,noamoraJesusenasmarcasdeumavivênciabíblica.

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