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  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros,com o objetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudosacadmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fimexclusivo de compra futura.

    expressamente proibida e totalmente repudivel a venda, aluguel, ou quaisqueruso comercial do presente contedo

    Sobre ns:

    O Le Livros e seus parceiros disponibilizam contedo de dominio publico epropriedade intelectual de forma totalmente gratuita, por acreditar que oconhecimento e a educao devem ser acessveis e livres a toda e qualquerpessoa. Voc pode encontrar mais obras em nosso site: LeLivros.site ou emqualquer um dos sites parceiros apresentados neste link.

    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutandopor dinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo

    nvel."

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  • Sobre Grundrisse

    Francisco de Oliveira

    A Boitempo Editorial presenteia os leitores de lngua portuguesa com umaprimorosa traduo dos quase lendrios Grundrisse, a obra de Marx que somenteveio luz na primeira metade do sculo XX, em virtude dos conflitos centradosno controle que o Partido Comunista da ex-URSS exerceu sobre os escritos nodivulgados do filsofo de Trier, como parte da luta ideolgico-poltica pelaexclusividade do verdadeiro Marx.

    Os Grundrisse foram considerados inicialmente apenas esboos das ideiasque o pensador alemo estava elaborando para os textos de O capital, sua obra-prima, espcie de amostra ou work in progress do que viria a ser a obra centralde Marx; um borrador tantas vezes retocado que poucos se atreveriam a citar.Alis, mesmo O capital experimentou tantas reformulaes que Engels, aps amorte de Marx, encontrou enormes dificuldades para ser fiel ao pensamento doseu companheiro e editar os volumes que ele no pudera terminar em vida.Sabe-se que o fundador de uma das mais importantes correntes do pensamentomoderno era to rigoroso consigo quanto com seus adversrios.

    Descobriu-se com o tempo que os Grundrisse so muito mais que esboosou adiantamentos da obra maior de Marx; talvez por no sentir concludas asideias que elaborava na ocasio, excluiu das obras que publicou, e tambmdaquelas s quais se dedicaram Engels e Kautsky, preciosos textos que, mesmono estando literariamente acabados, constituem patrimnio do marxismo e dascincias humanas de inestimvel valor. O vigoroso terico pode ser justamentetido como um escritor de primeira plana; ele tinha, sem muita modstia, inteiraconscincia de seu valor literrio e, talvez por exagero e que temperamento! ,tenha deixado na obscuridade muitos textos que esto nos Grundrisse. Textoscomo Formas que precederam a produo capitalista e as consideraes sobretrabalho produtivo e improdutivo permaneceram, pois, inacessveis, prejudicandotoda uma discusso terica e o prprio desenvolvimento do marxismo.

    Eles esto agora com os leitores do Brasil e de outras paragens onde reina altima flor do Lcio (Olavo Bilac), para nossa delcia terica e nossaselaboraes na tradio marxista. Eia, pois, tarefa!

  • Marx em seu fazer

    Jorge Grespan

    Mais do que nunca, impossvel no comear esta apresentao com o jclssico finalmente o pblico brasileiro tem acesso a uma obra de importnciacrucial...: trata-se da publicao dos Grundrisse, indita em portugus,aguardada h tanto tempo por milhares de leitores. Em uma edio completa eesmerada, o trabalho de anos de traduo rigorosa est agora mo.

    Os Grundrisse constituem a verso inicial da crtica da economia poltica,planejada por Marx desde a juventude e escrita entre outubro de 1857 e maio de1858. Ela seria depois muitas vezes reelaborada, at dar origem aos trs tomos deO capital. Mas que ningum se engane o fato de ser uma primeira verso nofaz destes escritos algo simples ou de mero interesse

    histrico. Alm de entender o ponto de partida da grande obra de maturidadede Marx, eles permitem v-la de uma perspectiva especial s possvel commanuscritos desse tipo. Pois, como no pretendia ainda public-los, o autor osconsiderava uma etapa de seu prprio esclarecimento, concedendo-se liberdadesformais abolidas nas verses posteriores. Por exemplo, o trato com os termos dalgica de Hegel excede muito aqui o mero flerte depois confessado.

    Abre-se assim a polmica sobre o carter dessa relao privilegiada, sesimples momento mais tarde corrigido ou se algo constitutivo que devia serocultado. O emprego frequente dos termos da lgica do posto e pressuposto eas ousadas formulaes do fetichismo do dinheiro e da particular subjetividadedo capital na oposio dialtica ao trabalho assalariado apresentam aqui umafora sugestiva e explicativa prpria. s vezes em detalhe depois desaparecido,s vezes nas amplas pinceladas que visam realar o essencial, Marx revelaintenes surpreendentes na sua crtica.

    Escrevendo para si, pde explicitar e dar livre curso a ideias mais tardereduzidas a digresso acessria, pde tentar mltiplos caminhos e errar, em todosos sentidos da palavra. Marx aproveitou a circunstncia e deu assim aosestudiosos de sua obra a oportunidade de entend-la mais profundamente. Restaento apenas saudar a iniciativa da Boitempo Editorial e a pacincia dostradutores, desejando tambm aos leitores sucesso na empreitada de seu estudo.

  • SUMRIO

    Nota da edio

    Apresentao Mario Duayer

    BASTIAT E CAREY

    INTRODUO[I. PRODUO, CONSUMO, DISTRIBUIO, TROCA (CIRCULAO)]

    ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA A CRTICA DA ECONOMIA POLTICA(GRUNDRISSE)

    II. CAPTULO DO DINHEIRO[III. CAPTULO DO CAPITAL]

    PRIMEIRA SEO: O PROCESSO DE PRODUO DO CAPITALSEGUNDA SEO: O PROCESSO DE CIRCULAO DO CAPITALTERCEIRA SEO. O CAPITAL QUE GERA FRUTOS. JURO. LUCRO.(CUSTOS DE PRODUO ETC.)

    ndice onomstico

    Cronologia resumida de Marx e Engels

    Crditos

    E-books da Boitempo Editorial

  • NOTA DA EDIO

    Os Manuscritos econmicos de 1857-1858, ora publicados integralmente e pelaprimeira vez em portugus, consistem em trs textos bastante distintos entre siem natureza e dimenso. O primeiro, que s mais tarde Karl Marx intitulariaBastiat e Carey, foi escrito em um caderno datado de julho de 1857. Osegundo, contendo o que seria uma projetada Introduo sua obra de crtica economia poltica, de um caderno de cerca de trinta pginas, marcado com a

    letra M e redigido, ao que tudo indica, nos ltimos dez dias de agosto de 1857[1]

    .O terceiro manuscrito, de longe o mais extenso, compreende a obra pstuma deMarx que ficou conhecida como Esboos da crtica da economia poltica, ousimplesmente Grundrisse, conforme o ttulo da edio alem. Tal texto consisteem dois captulos (Captulo do dinheiro e Captulo do capital) distribudos emsete cadernos numerados de I a VII, com incio em outubro de 1857 e trmino em

    maio de 1858[2]

    . O ttulo baseia-se em duas indicaes de Marx: a primeiraaparece na capa do ltimo caderno, iniciado em fevereiro de 1858, onde se lEconomia poltica, crtica da; a segunda um comentrio feito por Marx emcarta a Friedrich Engels, datada de dezembro de 1857, em que afirma: trabalhocomo um louco durante as noites na sntese dos meus estudos econmicos de

    modo que eu tenha claro pelo menos os esboos antes do dilvio[3]

    . Dessasindicaes resultou o ttulo conferido aos manuscritos em sua primeira publicaopelo Instituto Marx-Engels-Lenin do Comit Central do Partido Comunista daUnio Sovitica, em 1939: Grundrisse der Kritik der politischen konomie[Esboos da crtica da economia poltica].

    Esta publicao se d no marco de um ambicioso projeto da Boitempo: o detraduzir o legado de Marx e Engels, contando com o auxlio de especialistasrenomados e sempre com base nas obras originais. No intuito de respeitar o textotal como foi escrito, e atentando para o fato de tratar-se de um manuscrito,reproduzimos com o mximo de fidelidade possvel a sintaxe do alemo, adespeito das diferenas substantivas dos dois idiomas nesse particular. Assim, asrepeties de palavras, o uso de expresses pouco frequentes em textos formais e

  • s vezes at frases incompletas, acompanhando o fluxo de pensamento de Marx,foram respeitados. Se alterssemos essas particularidades com o objetivo dedeixar a leitura mais palatvel, estaramos descaracterizando o original e nolevando em conta que se trata de um manuscrito no preparado para publicao,e sim para o uso pessoal do autor. As palavras em destaque (itlico, sublinhado,letras em caixa alta) constam tal como no original; pontuao, sempre quepossvel, tambm. H acentuado uso de ponto e vrgula por Marx, mantido namaioria das vezes e alterado em rarssimos casos, apenas quando a compreensoem portugus era prejudicada.

    Os critrios editoriais seguem, no geral, os da coleo dos dois filsofos

    alemes[4]

    , tendo sido adotadas algumas convenes adicionais, como: palavrasou expresses entre chaves, { }, so de Marx; entre colchetes, [ ],complemento das editoras brasileira e alem ou do tradutor; os nmeros entrebarras, |34|, denotam incio de pgina do manuscrito, de acordo com apaginao de Marx; nmeros romanos entre barras, |II-1|, marcam o incio deum caderno de Marx; os nmeros entre colchetes situados na margem deste

    volume, [78], indicam incio de pgina da edio alem (MEGA-2)[5]

    ; palavrasou expresses entre < > haviam sido riscadas no manuscrito original; umainterrupo brusca no texto aparece aqui assinalada com >; as letras

    sobrescritas (i, f , it), precedidas de apstrofe, indicam que a frase toda foi escritana lngua indicada pela letra sobrescrita (ingls, francs ou italiano), quandoapenas uma palavra seguida de letra sobrescrita, significa que apenas ela estavaem idioma diferente; as notas com numerao contnua so da edio alem; asnotas com asteriscos so do tradutor quando aparecem junto com (N. T.) e daedio brasileira quando com (N. E.).

    A publicao dos Grundrisse vem precedida de uma apresentao doprofessor da Universidade Federal Fluminense Mario Duayer supervisoreditorial e responsvel pelo texto final da traduo aqui apresentada , que fazuma gnese, contextualiza a obra e a sua importncia na produo madura deMarx. Esta edio traz ainda um ndice onomstico das personagens citadas peloautor, alm da cronobiografia resumida de Marx e Engels que contm aspectosfundamentais da vida pessoal, da militncia poltica e da obra terica de ambos ,com informaes teis ao leitor, iniciado ou no na obra marxiana. A ilustraode capa de Cssio Loredano e tem a gentileza de oferecer a Marx um confortode que no dispunha na poca: luz eltrica.

    A Boitempo Editorial, a Editora UFRJ e o supervisor editorial agradecem aostradutores Nlio Schneider, Alice Helga Werner (in memoriam) e RudigerHoffman; aos professores Francisco de Oliveira e Jorge Grespan, que aceitaramcom entusiasmo o convite para escrever os textos de capa; preparadora de

  • texto, Mariana Tavares; a Nelson e Sylvia Mielnik, do Acqua Estdio, e diagramadora Andressa Fiorio; ao capista Antonio Kehl; s revisoras AlexandraResende e Betina Leme; Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Rio deJaneiro (Faperj), que custeou parte da rigorosa traduo que o leitor tem pelafrente; e, muito especialmente, editores e supervisor manisfestam sua gratido equipe editorial da Boitempo, responsvel pela edio: Bibiana Leme, Ana Lotufoe Livia Campos. Todos foram, em diferentes momentos, indispensveis publicao desta obra que, estamos certos, estar inscrita per omnia saeculasaeculorum na histria da nossa (e no apenas da nossa) cultura.

    Junho de 2011

    [1] Marx-Engels-Gesamtausgabe-2, Seo II/Apparat, (MEGA-2 II/Apparat)(Berlim, Dietz, 1981) , p. 764.

    [2] Ibidem, p. 775.

    [3] Idem.

    [4] Ver relao completa das obras de Marx e Engels publicadas p. 789.

    [5] MEGA a sigla de Marx-Engels-Gesamtausgabe, projeto que se dedica aeditar a obra completa de Karl Marx e Friedrich Engels, com uma abordagemhistrica e crtica. Em sua segunda fase, a MEGA planeja a publicao de 114volumes dos dois pensadores alemes, tendo sido lanados 52 at a presente data.

  • APRESENTAO

    Mario Duayer

    Os Grundrisse constituem o primeiro de uma srie de manuscritos redigidos porKarl Marx no desenvolvimento de sua crtica da economia poltica, que culminana publicao do livro I de O capital, em 1867. Na verdade, como se sabe, essacrtica tem uma primeira verso publicada em 1859 (portanto, logo em seguida

    redao dos Grundrisse), sob o ttulo Para a crtica da economia poltica[a]

    ovolume inicial do primeiro livro de uma obra inicialmente projetada para seislivros. As investigaes preparatrias dos demais terminaram por suscitar amodificao do projeto original e resultaram nos chamados Manuscritos de 1861-1863 e de 1863-1865. Na dcada e meia que transcorre desde os primeirosestudos de economia poltica at a redao do primeiro caderno dos Grundrisse,Marx deixa registrado em inmeros cadernos de extratos e notas o imensomaterial que testemunha o longo processo de elaborao de sua crtica daeconomia poltica. Os Grundrisse marcam exatamente o princpio daconsolidao desse processo que assume uma forma definitiva, ainda que parcial,somente dez anos mais tarde, no livro I de O capital.

    Os estudos de economia poltica de Marx remontam dcada de 1840. OPrefcio de Para a crtica da economia poltica inclui uma breve descrio doitinerrio de suas pesquisas sobre o tema, situando a deciso de investigar asquestes econmicas nos anos 1842-1843. A necessidade desses estudos ficoupatente quando, naqueles anos, como redator da Rheinische Zeitung [GazetaRenana], Marx se viu na embaraosa situao de no dominar o assunto e,portanto, no poder intervir nos debates relativos aos chamados interessesmateriais, suscitados pelas deliberaes da Assembleia Legislativa renana sobreroubo de lenha e parcelamento da propriedade fundiria ou pelas controvrsias arespeito de livre-cambismo e protecionismo. Divergncias com os diretoresacerca da conduo da revista, segundo Marx, ofereceram-lhe o ensejo para

    deixar a publicao, retirar-se da cena pblica e retomar os estudos[1]

    .

    A reviso crtica da filosofia do direito de Hegel, cuja introduo[b]

    aparece

  • nos Deutsch-Franzsische Jahrbcher [Anais Franco-Alemes] publicados emParis, em 1844, foi o primeiro trabalho de Marx para esclarecer tais dvidas. Essainvestigao permite-lhe concluir que

    nem as relaes jurdicas nem as formas de Estado podem sercompreendidas a partir de si mesmas ou do assim chamadodesenvolvimento geral do esprito humano, tendo antes a sua origem nascondies materiais de vida, cujo conjunto Hegel [...] resume sob o nomesociedade civil, e que a anatomia da sociedade civil deve ser buscada na

    economia poltica.[2]

    Essa a justificativa terica para os estudos da economia burguesa no perodo quese estende de 1843 a 1849. Em 1844, por exemplo, Marx sublinha no prefcio aosManuscritos econmico-filosficos que o leitor familiarizado com a EconomiaNacional perceberia com facilidade que os resultados ali obtidos foram produtode uma anlise inteiramente emprica, fundada num meticuloso estudo crtico

    da Economia Nacional[3]

    .Ao longo desses anos, Marx combina a atividade cientfica com uma intensa

    atuao poltica. Na verdade, no se pode afirmar que realiza plenamente ainteno de retornar ao gabinete de estudos, tanto em razo de seu envolvimentopoltico quanto das frequentes mudanas de cidade e pas, quase todas resultadode perseguio poltica. Em 1845, expulso de Paris, para onde havia se mudadodois anos antes, aps deixar a redao da Gazeta Renana. Dali transfere-se paraBruxelas, onde vive at 1848, quando deportado da Blgica. Retorna a Paris e,imaginando que a revoluo de 1848 se alastraria Alemanha, regressa aColnia. Com a vitria da contrarrevoluo em toda a Europa, banido da cidadealem em 1849 e, finalmente, se refugia em Londres, onde vive pelo resto davida.

    Nesse perodo, mesmo em condies longe de favorveis atividadecientfica, Marx prepara, entre outros, os seguintes trabalhos (alguns dos quais emparceria com Engels): em 1843, Sobre a questo judaica e Crtica da filosofia dodireito de Hegel; em 1844, Glosas crticas ao artigo O rei da Prssia e areforma social. De um prussiano, Crtica da filosofia do direito de Hegel Introduo e Manuscritos econmico-filosficos; em 1845, A sagrada famlia eas Teses sobre Feuerbach; em 1846, A ideologia alem; em 1847, Misria da

    filosofia e Trabalho assalariado e capital; e, em 1848, Manifesto Comunista[c]

    .O imenso volume de materiais, como livros, revistas, jornais, relatrios

    oficiais e estatsticas, consultado por Marx na elaborao dessas e outras obraspode ser conhecido com detalhamento graas ao carter sistemtico de seumtodo de trabalho. J em novembro de 1837, aos dezenove anos, ele comenta

  • em uma carta ao seu pai que havia adotado o hbito de fazer extratos de todos

    os livros que leio [...] e, incidentalmente, rabiscar minhas prprias reflexes[4]

    .O que significa dizer que os extratos redigidos por ele no curso de sua extensaatividade intelectual documentam minuciosamente os temas e autores que foramobjeto de sua investigao, permitindo no s acompanhar a evoluo de seusestudos, as reas especficas de interesse que deles se desdobram, mas,sobretudo, compreender o seu mtodo de trabalho. Por esse motivo, costuma-sedizer que examinar os Grundrisse (e, nesse sentido, os demais materiais inditos) como ter acesso ao laboratrio de estudos de Marx.

    Da se compreende a absoluta relevncia da IV Seo da MEGA,exclusivamente dedicada publicao dos excertos, anotaes e glosas de Marxe Engels. Para ter noo do volume gigantesco de material pesquisado por Marx,basta dizer que para a IV Seo est previsto um total de 32 volumes, que, ajulgar pela dimenso dos dez j publicados, tero entre 700 e 1.700 pginas cada.Escritos em idiomas diversos alemo, grego antigo, latim, francs, ingls,italiano, espanhol e russo , os cadernos de extratos compreendem umadiversidade impressionante de disciplinas, com trechos recolhidos em livros defilosofia, arte, religio, poltica, direito, literatura, histria, economia poltica,relaes internacionais, tecnologia, matemtica, psicologia, geologia,

    mineralogia, agronomia, etnologia, qumica e fsica[5]

    .Recorrendo a esses cadernos, redigidos no perodo que se estende de 1843

    (quando Marx chega a Paris) a 1849 (data de seu exlio em Londres), possvelconstatar que ali comeam seus primeiros estudos de economia poltica. Ao todo,so 27 cadernos de extratos compostos ao longo desses anos e nas condiessublinhadas acima , assim discriminados: Cadernos de Paris (1843-1845, novevolumes); Cadernos de Bruxelas (1845, seis volumes); Cadernos deManchester (1845, nove volumes); e trs cadernos que extratam a obra de

    Gustav von Gllich, Historical Account of Commerce[6]

    . Alm da variedade dematrias englobadas pelos estudos de Marx, tais como histria moderna, histriaantiga, poltica, filosofia, teoria social, no que diz respeito economia poltica osCadernos de Paris j trazem extratos das obras de Adam Smith, David Ricardo,Jean-Baptiste Say, James Mill e John McCulloch. Nos Cadernos de Bruxelasaparecem extratos de Jean Sismondi, Nassau Senior, Franois Ferrier e HeinrichStorch, para mencionar apenas os nomes mais conhecidos. O mesmo se podedizer dos Cadernos de Manchester, concentrados em autores como WilliamPetty, Edward Misselden, Charles Davenant, Thomas Tooke, James Gilbart,

    William Thompson etc[7]

    .Parece possvel afirmar que, nesse perodo, em conformidade com seu

    mtodo de investigao, Marx comea a se apropriar do discurso da economia

  • poltica de seu tempo e, simultaneamente, a delinear sua crtica, de algum modoj exercitada em Misria da filosofia e Trabalho assalariado e capital, ambos de1847, bem como no Manifesto Comunista, no ano seguinte. Entretanto, aapropriao da economia poltica burguesa no estava completa, tampouco a suacrtica, como demonstra o fato de que Marx, a partir de 1850, j na Inglaterra,retoma seus estudos de temas econmicos. No Prefcio de Para a crtica daeconomia poltica, Marx lista alguns motivos que o fizeram decidir comeartudo do incio e proceder a uma assimilao crtica do novo material: o imensovolume de informao disponvel no Museu Britnico sobre a histria daeconomia poltica; Londres como posto de observao privilegiado da sociedadeburguesa; e o novo surto de desenvolvimento experimentado pela economia

    burguesa com a descoberta do ouro australiano e californiano[8]

    . Alm disso, aseu ver, aps a derrota das revolues de 1848, o estudo da estrutura e dinmicada economia capitalista constitua igualmente um imperativo para a luta poltica ea transformao social. Em 1850, na Neue Rheinische Zeitung [Nova GazetaRenana], revista publicada em parceria com Engels, em Londres, Marxsublinhava que uma nova revoluo s possvel em consequncia de uma

    nova crise [...][9]

    .O resultado dessa etapa de estudos outra imensa coleo de extratos,

    reunida nos chamados Cadernos de Londres, formados por 26 volumes escritosde setembro de 1850 a agosto de 1853. Os cadernos I a VI (1850--1851) totalizam cerca de 600 pginas impressas e contm extratos, entre outros,dos seguintes autores: John Stuart Mill, John Fullarton, Tooke, Robert Torrens,Gilbart, James Taylor, Senior, Germain Garnier, William Jacob, Ricardo, HenryCarey, John Gray, William Cobbett e John Locke. Os estudos concentram-se em

    questes relativas a dinheiro, crdito, sistema bancrio e crises[10]

    .O volume 8 da IV Seo da MEGA, de cerca de 750 pginas, compreende os

    cadernos VII a X, de maro a junho de 1851, que resenham textos dos seguintespensadores da economia poltica: Ricardo, Smith, James Stuart, Thomas Malthus,John Tuckett, Thomas Chalmers, McCulloch, George Ramsay, Thomas deQuincey, entre outros. Alm disso, inclui dois cadernos de notas intituladosBullion: o sistema monetrio completo, nos quais Marx sintetiza o resultado desua investigao sobre o assunto. Neles, anota o que seriam as passagens maisimportantes dos textos dos 91 autores examinados e tece alguns comentrios. Porisso, Marcello Musto sugere que Bullion pode ser considerado a primeira

    formulao autnoma da teoria do dinheiro e da circulao [de Marx][11]

    .Os cadernos XI a XIV, de julho a setembro de 1851, fazem parte do volume 9

    da Seo IV da MEGA, com cerca de 540 pginas de texto. Os autores deeconomia poltica estudados nesses cadernos so, entre outros, Senior, Thomas

  • Hopkins, Ricardo, Joseph Townsend, David Hume, Malthus e Adolphe Dureau deLa Malle. Em conexo com temas de economia poltica, Marx resenha tambmobras sobre demografia, colonizao, trfico de escravos e outros temas.

    Os volumes 10 e 11 da Seo IV da MEGA infelizmente ainda no forampublicados. No obstante, podemos recorrer s informaes fornecidas por Mustopara ter uma ideia de seu contedo. Os cadernos XV e XVI, de setembro anovembro de 1851, pertencentes ao volume 10, dedicam-se histria da

    tecnologia e a questes variadas de economia poltica, respectivamente[12]

    . Osltimos Cadernos de Londres (XVII a XXIV) so escritos entre abril e agosto de1852, quando Marx retoma o trabalho de investigao anteriormenteinterrompido, entre outras razes, para redigir O 18 de brumrio de Lus

    Bonaparte[d]

    . O tema central desses cadernos so os vrios estgios dodesenvolvimento da sociedade humana [...] grande parte da pesquisa volta-separa os debates histricos sobre a Idade Mdia e a histria da literatura, da cultura

    e dos costumes[13]

    . Por fim, cabe mencionar os ltimos cadernos de extratosredigidos antes do incio do trabalho nos Grundrisse (de setembro de 1853 ajaneiro de 1855), a saber, nove extensos volumes sobre a histria da diplomacia eda Espanha, investigao em grande medida vinculada ao seu trabalho como

    correspondente do New York Tribune, a partir de 1851[14]

    .Esses milhares de pginas de extratos documentam, portanto, o processo de

    investigao de Marx, ou, em suas palavras, a pesquisa destinada a captardetalhadamente a matria, analisar suas vrias formas de evoluo e rastrear asua conexo ntima. S depois de concludo esse trabalho que se pode expor

    adequadamente o movimento do real [...][15]

    . Tal o processo de assimilao ecrtica das formas de pensamento cientficas sobre a economia burguesa do qualos Grundrisse constituem, na verdade, a tentativa inicial de consolidao esistematizao. Na j mencionada carta a Engels de dezembro de 1857, Marxrefere-se justamente aos Grundrisse ao informar que trabalho como um louco[] na sntese dos meus estudos econmicos para ao menos ter claros osesboos antes do dilvio. Os seus estudos de economia poltica desde o inciotiveram o propsito de investigar a estrutura, a dinmica e as contradies daeconomia capitalista, pois as crises da decorrentes constituem, em sua opinio,aberturas para as prticas revolucionrias e transformadoras. Compreende-se,portanto, que o prognstico de uma crise econmica iminente o dilvio forneceu a Marx estmulo para pr no papel as descobertas de longos anos deestudos de economia poltica e dar uma primeira forma sua crtica.

    Perplexo com o impressionante trabalho de investigao registrado noscadernos de extratos, Maximilien Rubel se pergunta sobre essa paixo, essa

  • mania de copiar de Marx, sobretudo quando se leva em conta, alm de suasinmeras atividades como ativista poltico, jornalista e escritor, as condies devida miserveis que teve de enfrentar justamente no perodo que coincide com os

    anos de preparao de sua crtica da economia poltica[16]

    . Vivendo em extremapobreza, permanentemente sitiado por credores, cliente habitual de lojas depenhor, castigado por vrios problemas de sade e devastado pela morteprematura de quatro de seus sete filhos decerto em virtude das condiesmateriais em que vivia a famlia , o que de fato surpreende como ele foi capazde produzir, nessas circunstncias, no s um trabalho magnfico, uma das teoriascientficas mais importantes e influentes de todas as pocas, mas, acima de tudo,uma obra motivada por uma paixo genuna pelo ser humano. Obra que, naspalavras de Marx em carta a Ferdinand Lassalle, em novembro de 1858, era o

    produto de quinze anos de pesquisa, i.e., os melhores anos de minha vida[17]

    .

    Tendo em vista que Marx s pde completar uma parte relativamentepequena de um processo de pesquisa de extraordinria amplitude, a divulgaodos escritos no publicados tem enorme significado, pois d acesso a dimensesde seu pensamento que de outra forma permaneceriam inacessveis. OsGrundrisse, alm dessa qualidade que compartilham com os demais textosinditos, tm a particularidade de ser o primeiro esboo da obra-prima O capital.Ademais, a despeito de seu carter inacabado, h intrpretes que sugerem que osGrundrisse so o nico trabalho em que a teoria do capitalismo, da gnese aocolapso, foi delineada por Marx em sua totalidade. Pode-se dizer que constituema nica obra completa de economia poltica escrita por ele, no importa se

    obscura e desordenada[18]

    .Outros autores tm interpretao semelhante. Admitindo que nos Grundrisse

    a teoria crtica marxiana no estava inteiramente desenvolvida, Moishe Postonesublinha que o manuscrito exibe de maneira muito clara a orientao geral desua crtica madura da modernidade capitalista e a natureza e significncia das

    categorias fundamentais daquela crtica[19]

    . Na mesma linha, Musto argumentaque o texto, apesar de sua complexidade, tambm muito gratificante, poisfornece o roteiro nico de toda a extenso do tratado de que O capital

    somente uma frao[20]

    .Esta apresentao no tem o propsito de oferecer uma descrio minuciosa

    do manuscrito marxiano, muito menos busca prefaci-lo com uma anlise quesancionaria uma interpretao substantiva. Tendo enfatizado as circunstnciasque marcaram seu longo processo de maturao e destacado o formidvelmaterial bibliogrfico de que se valeu Marx para reunir condies para prepar-

  • lo, cabe agora comentar as principais descobertas que fizeram dos Grundrisse aformulao inicial da crtica em que, para seu autor, uma importante viso das

    relaes sociais exposta cientificamente pela primeira vez[21]

    .As categorias descobertas por Marx no aparecem nos dois textos que abrem

    os Grundrisse, Bastiat e Carey e Introduo. O primeiro, a despeito do seuinteresse como crtica ao que Marx denomina concepes harmonicistas docapitalismo, no tem o objetivo de expor a nova teoria crtica. A Introduo,por seu lado, talvez seja um dos escritos mais discutidos da obra marxiana,apesar de ter sido deixado de lado pelo prprio autor, que o menciona apenas

    uma vez[22]

    , e aparentemente ignorado por Engels. O interesse que o texto atraipode ser explicado pelo fato de que, embora inacabada, a Introduorepresenta um dos raros momentos em que as questes metodolgicas sotratadas por Marx de maneira autnoma. Entre tantos outros projetos irrealizados,ele no encontrou tempo, como pretendia, para redigir um pequeno ensaio quetornaria acessvel para o leitor comum o ncleo racional do mtodo dialtico

    que Hegel descobriu, mas tambm mistificou[23]

    .Ao fim do ltimo caderno do manuscrito h uma pequena seo intitulada

    Valor, que traz praticamente a mesma frase que abre O capital: A primeira

    categoria em que se apresenta a riqueza burguesa a da mercadoria[24]

    . Oque significa dizer que, ao finalizar os Grundrisse, Marx j se decidira pela formade apresentao: a mercadoria como ponto de partida para a exposio do objeto a economia capitalista. Sem a estruturao formal da obra definitiva, noCaptulo do dinheiro o manuscrito de 1857-1858 propriamente dito inicia, aocontrrio, com uma crtica ao livro De la rforme des banques, do autorproudhoniano Alfred Darimon, publicado em 1856. O exame de Darimonoferece a Marx a oportunidade de se antecipar a eventuais propostas deinspirao proudhoniana a seu ver, pseudossocialistas para a crise, ou seja, odilvio que justamente motivara a redao dos Grundrisse. A crtica propostade reforma do sistema bancrio de Darimon, da mesma forma que s ideias deProudhon em Misria da filosofia, procura mostrar que, sob a aparncia de umaproposta socialista, o que existe de fato uma teoria positiva das relaes sociaispostas pelo capital. Em lugar de transformao radical da realidade, nas obras deinspirao proudhoniana o que se tem so propostas para reformar as estruturasexistentes. Por essa razo, a crtica a Darimon se desdobra na primeiraformulao da teoria do dinheiro de Marx, onde aparecem os desenvolvimentosento inditos de elementos essenciais de sua anlise da forma mercadoria dariqueza na sociedade capitalista, de sua teoria do valor, alm da exposio dagnese do dinheiro como resultado necessrio do desenvolvimento damercadoria.

  • No entanto, a despeito da importncia desse primeiro esboo da teoria dodinheiro, talvez seja possvel afirmar que o aspecto mais original e fundamentaldo captulo, do ponto de vista da crtica da economia poltica, a anlise da formade dominao suprapessoal implicada pela mercadoria, pelo valor, enfim, pelocarter mercantil da sociedade capitalista. Logo aps concluir sua crtica aDarimon, Marx sublinha que

    A dissoluo de todos os produtos e atividades em valores de troca pressupea dissoluo de todas as relaes fixas (histricas) de dependncia pessoal naproduo, bem como a dependncia multilateral dos produtores entre si. [...]A dependncia recproca e multilateral dos indivduos mutuamenteindiferentes forma sua conexo social. Essa conexo social expressa novalor de troca [...]; o indivduo tem de produzir um produto universal ovalor de troca, ou este ltimo por si isolado, individualizado, dinheiro. [...] opoder que cada indivduo exerce sobre a atividade dos outros ou sobre asriquezas sociais existe nele como o proprietrio de valores de troca, dedinheiro. Seu poder social, assim como seu nexo com a sociedade, [o

    indivduo] traz consigo no bolso.[25]

    A articulao entre os produtores, portanto, deixa de ser operada por relaesde dominao e subordinao pessoais e passa a ser realizada pela troca. O queconecta os sujeitos agora produtores de mercadorias a sua necessidade deproduzir valor, riqueza universal, dinheiro. Em uma palavra, os sujeitos soarticulados como produtores, isto , como meros trabalhadores, e nessa condiotm de produzir valor, riqueza abstrata e, por isso, crescente. Como resultadodessa forma particular de sociabilidade determinada pela relao mercantil, ossujeitos reduzidos a trabalhadores esto subordinados dinmica incontroladado produto de sua prpria atividade, de seu trabalho. Nessas circunstncias, comoo valor a categoria determinante do produto do trabalho, segue-se que o sentidoda produo a quantidade, e, portanto, o seu crescimento ilimitado. Trata-se,desse modo, de uma forma de dominao abstrata em que o sentido do produto, osentido da produo da riqueza, est perdido para os sujeitos.

    No cabe aqui, evidentemente, explorar em detalhe essa elaborao tericanos Grundrisse, quase perdida em meio anlise das determinaes do dinheiro,suas funes como medida de valor, meio de circulao etc., sem mencionaruma descrio minuciosa dos metais preciosos como portadores da relaomonetria. No entanto, preciso dar-lhe o devido destaque, pois essa concepode vida social estranhada e de dominao abstrata central para a dimensocrtica do pensamento marxiano. So essas relaes sociais de produo que, emrazo da dominao abstrata que pressupem e de sua tendncia reproduo

  • contnua e ampliada, desqualificam as propostas de reforma, conferem sentido teoria que informa as aes por sua transformao radical e inspiram as lutaspela emancipao dessas estruturas sociais de dominao autoproduzidas.Dispensvel dizer que esse tema aparece em diversos momentos de O capital,como na seo sobre o carter fetichista da mercadoria e nas consideraessobre a maquinaria, que, na qualidade de elemento do capital, em lugar deobjetivao da produtividade do trabalho social se apresenta como poder externoque submete o trabalhador e suga trabalho vivo.

    O Captulo do capital, o mais extenso do manuscrito, traz pela primeiravez, embora ainda de maneira lacunar e pouco sistemtica, as categoriasfundamentais da crtica da economia poltica marxiana, tais como mais-valor (diferena de suas formas derivadas), fora de trabalho (ou capacidade detrabalho) como mercadoria [...], trabalho necessrio e mais-trabalho, mais-valor

    absoluto e relativo, capital constante e varivel [...][26]

    .Produo capitalista, sendo produo de valor, tem necessariamente de ser

    produo de mais-valor. Mais-valor, por sua vez, subentende um processo pormeio do qual um dos envolvidos no processo de produo no caso, otrabalhador produz mais valor do que recebe sob a forma de salrio. Porconseguinte, a determinao da produo capitalista como produo de valorpressupe a explorao do trabalhador, descoberta por Marx, e uma srie deoutras categorias fundamentais da economia capitalista: duplo carter dotrabalho, processo de trabalho e processo de valorizao etc. O mais-valor,contudo, alm de desvendar o mecanismo de acumulao de capital, isto , aexpropriao do trabalhador, expressa um processo ainda mais fundamental:mais do que significar a explorao do trabalho, como de fato o faz, o mais-valorrepresenta a objetivao, estranhada dos sujeitos, do potencial que possui otrabalho (social) de reproduzir de forma ampliada as suas condiesantecedentes.

    Pode-se compreender melhor o mais-valor como expresso doestranhamento da produtividade do trabalho social quando se leva em conta que otrabalho, como categoria especificamente humana, diferencia o metabolismo daespcie humana com a natureza. Nos outros animais esse metabolismo sempreuma adaptao passiva, geneticamente determinada, s mudanas das condiesdo ambiente, ao passo que no ser humano o metabolismo caracteriza-se por umaadaptao ativa, metabolismo por meio do qual, pelo trabalho, o ser humano criaas condies materiais de sua prpria reproduo. Em virtude dessa constituiointerna do trabalho, a situao tpica no ser humano a reproduo

    ampliada[27]

    . O mais-valor, nesse sentido, expresso historicamente especficadessa capacidade, dessa potncia humana, autonomizada em relao aos sereshumanos reduzidos a meros trabalhadores, potncia que deveio riqueza que

  • opera como um sujeito automtico sob a forma de capital. Riqueza semprecrescente e crescentemente estranhada.

    O capital, riqueza autonomizada dos sujeitos, o que Marx denominacontradio em processo em uma das passagens mais brilhantes e, ao mesmotempo, esclarecedoras de sua crtica da relao social do capital. Por essa razo,citamos nesta apresentao tal fragmento dos Grundrisse, que sintetiza to bem oesprito da obra marxiana:

    A troca de trabalho vivo por trabalho objetivado, i.e., o pr do trabalho socialna forma de oposio entre capital e trabalho assalariado, o ltimodesenvolvimento da relao de valor e da produo baseada no valor. O seupressuposto e continua sendo a massa do tempo de trabalho imediato, oquantum de trabalho empregado como o fator decisivo da produo dariqueza. No entanto, medida que a grande indstria se desenvolve, acriao da riqueza efetiva passa a depender menos do tempo de trabalho edo quantum de trabalho empregado que do poder dos agentes postos em

    movimento durante o tempo de trabalho, poder que sua |poderosa

    efetividadei , por sua vez, no tem nenhuma relao com o tempo detrabalho imediato que custa sua produo, mas que depende, ao contrrio, donvel geral da cincia e do progresso da tecnologia [...]. A riqueza efetiva semanifesta antes [...] na tremenda desproporo entre o tempo de trabalhoempregado e seu produto, bem como na desproporo qualitativa entre otrabalho reduzido pura abstrao e o poder do processo de produo queele supervisiona. O trabalho no aparece mais to envolvido no processo deproduo quando o ser humano se relaciona ao processo de produo muitomais como supervisor e regulador. [...] No mais o trabalhador queinterpe um objeto natural modificado como elo mediador entre o objeto e simesmo [...]. Ele se coloca ao lado do processo de produo, em lugar de sero seu agente principal. Nessa transformao, o que aparece como a grandecoluna de sustentao da produo e da riqueza no nem o trabalhoimediato que o prprio ser humano executa nem o tempo que ele trabalha,mas a apropriao de sua prpria fora produtiva geral, sua compreenso eseu domnio da natureza por sua existncia como corpo social em suma, odesenvolvimento do indivduo social. O roubo de tempo de trabalho alheio,sobre o qual a riqueza atual se baseia, aparece como fundamento miservelem comparao com esse novo fundamento desenvolvido, criado por meioda prpria grande indstria. To logo o trabalho na sua forma imediata deixade ser a grande fonte da riqueza, o tempo de trabalho deixa, e tem de deixar,

  • de ser a sua medida e, em consequncia, o valor de troca deixa de ser [amedida] do valor de uso. O trabalho excedente da massa deixa de sercondio para o desenvolvimento da riqueza geral, assim como o notrabalho dos poucos deixa de ser condio do desenvolvimento das forasgerais do crebro humano. Com isso, desmorona a produo baseada novalor de troca, e o prprio processo de produo material imediato despidoda forma da precariedade e contradio. [D-se] o livre desenvolvimentodas individualidades e, em consequncia, a reduo do tempo de trabalhonecessrio no para pr trabalho excedente, mas para a reduo do trabalhonecessrio da sociedade como um todo a um mnimo, que correspondeento formao artstica, cientfica etc. dos indivduos por meio do tempoliberado e dos meios criados para todos eles. O prprio capital acontradio em processo, [pelo fato] de que procura reduzir o tempo detrabalho a um mnimo, ao mesmo tempo que, por outro lado, pe o tempo detrabalho como nica medida e fonte da riqueza. Por essa razo, ele diminui otempo de trabalho na forma do trabalho necessrio para aument-lo naforma do suprfluo; por isso, pe em medida crescente o trabalho suprfluo

    como condio |questo de vida e mortef do necessrio. Por um lado,

    portanto, ele traz vida todas as foras da cincia e da natureza, bem comoda combinao social e do intercmbio social, para tornar a criao dariqueza (relativamente) independente do tempo de trabalho nela empregado.Por outro lado, ele quer medir essas gigantescas foras sociais assim criadaspelo tempo de trabalho e encerr-las nos limites requeridos para conservar ovalor j criado como valor. As foras produtivas e as relaes sociais ambas aspectos diferentes do desenvolvimento do indivduo social aparecem somente como meios para o capital, e para ele soexclusivamente meios para poder produzir a partir de seu fundamento

    acanhado. |De fatoi, porm, elas constituem as condies materiais para

    faz-lo voar pelos ares.[28]

    Para finalizar, algumas consideraes sobre a traduo. Como os Grundrisseso um esboo, um texto de trabalho, sem o polimento estilstico do prprio autor,a orientao geral seguida foi interferir o mnimo possvel no original, evitandotoda parfrase. Com isso, acreditamos que os leitores desta traduo certamentepodero perceber o carter inacabado do texto e, tanto quanto isso possvel emuma traduo, tero acesso ao original livre de interpretaes. Pelo mesmomotivo, ao contrrio de outras tradues, optamos por no atenuar certas

  • expresses utilizadas por Marx, talvez em momentos de grande irritao com astolices que submetia crtica, as quais poderiam ser consideradas grosseiras ouobscenas. Afinal, trata-se de um texto que o autor no destinava publicao eque, por isso, expressa seu estado de esprito.

    Em determinados momentos, o emprego de neologismos mostrou-seinevitvel. Nesses casos, procuramos observar os usos correntes na literaturamarxista em portugus. A nica e importante exceo refere-se categoriaMehrwert, que tradicionalmente vem sendo traduzida como mais-valia. Emnossa opinio, impossvel justificar tal traduo, seja em termos literais outericos. Literalmente, Mehrwert significa mais-valor. Poderia tambm sertraduzida como valor adicionado ou valor excedente. Uma vez que no traduo literal de Mehrwert, o uso de mais-valia teria de ser justificadoteoricamente. Essa tarefa impossvel, pois, como valia nada significa nessecontexto, no h como justificar mais-valia do ponto de vista terico pelasimples anteposio do advrbio. Ademais, alm de ser uma traduo ilcita, aexpresso mais-valia converte uma categoria de simples compreenso emalgo enigmtico, quase uma coisa. Produo capitalista, como se viu, produode valor, e produo de valor tem de ser produo crescente. Portanto, produocapitalista , por definio, produo de mais-valor. Em sntese, nesta edio dosGrundrisse adotou-se mais-valor porque, alm de ser a traduo literal deMehrwert, contribui para esclarecer o contedo da categoria.

    A reviso tcnica e a uniformizao do trabalho dos tradutores exigiu umaconstante troca de informaes, comparaes e correes. A verso emportugus dos Grundrisse representa a consolidao de um processo de trabalhoque envolveu inmeras pessoas, desde os tradutores at os responsveis pelaedio da Boitempo, incluindo os colegas que apoiaram de diversas maneiras oprojeto, e aos quais gostaria de deixar aqui registrados os meus sincerosagradecimentos: em primeiro lugar aos outros tradutores, particularmente aoNlio Schneider, sempre disponvel para dirimir dvidas; aos colegas e amigos daUniversidade Federal Fluminense (UFF) Joo Leonardo Medeiros e VirgniaFontes, pelo apoio e pelas discusses sobre aspectos tericos da traduo; aocolega e amigo, tambm da UFF, Victor Hugo Klagsbrunn, pela consultas sobreexpresses em alemo; a Rodrigo Moerbeck, pelas sugestes de organizao dotexto; a Marcello Musto, pelos esclarecimentos relativos edio da MEGA.Agradeo, igualmente, o apoio da Boitempo, de sua editora Ivana Jinkings, daeditora-adjunta Bibiana Leme e da responsvel pelo trabalho de preparao detexto Mariana Tavares.

  • [a] Belo Horizonte, Autntica, 2010. (N. E.)

    [1] Karl Marx, Prefcio, Para a crtica da economia poltica, cit., 3.

    [b] Karl Marx, Crtica da filosofia do direito de Hegel Introduo, em Crticada filosofia do direito de Hegel (So Paulo, Boitempo, 2005). (N. E.)

    [2] Karl Marx, Prefcio, Para a crtica da economia poltica, cit., 4.

    [3] Karl Marx, [Prefcio (do Caderno III)], Manuscritos econmico-filosficos(So Paulo, Boitempo, 2004), p. 19.

    [c] Karl Marx, Sobre a questo judaica (So Paulo, Boitempo, 2010); Karl Marx,Crtica da filosofia do direito de Hegel Introduo, em Crtica da filosofia dodireito de Hegel, cit.; Karl Marx, Glosas crticas ao artigo O rei da Prssia e areforma social. De um prussiano, em Lutas de classes na Alemanha (So Paulo,Boitempo, 2010); Karl Marx, Manuscritos econmico-filosficos, cit.; Karl Marx eFriedrich Engels, A sagrada famlia (So Paulo, Boitempo, 2003); Karl Marx, AdFeuerbach, em Karl Marx e Friedrich Engels, A ideologia alem (So Paulo,Boitempo, 2007); Karl Marx, Misria da filosofia (So Paulo, Expresso Popular,2009); Karl Marx, Trabalho assalariado e capital & Salrio, preo e lucro (SoPaulo, Expresso Popular, 2006); Karl Marx, Manifesto Comunista (So Paulo,Boitempo, 1998). (N. E.)

    [4] Karl Marx, Marx-Engels Collected Works (MECW), v. 1, 1835-1843 (NovaYork, International Publishers, 1975), p. 11.

    [5]Marcello Musto, The formation of Marxs critique of political economy: fromthe studies of 1843 to the Grundrisse, Socialism and Democracy, v. 24, n. 2, jul.2010, p. 70, nota. 11.

    [6] Ibidem, p. 99.

    [7] MEGA-2, IV/2 a 7.

    [8] Karl Marx, Prefcio, Para a crtica da economia poltica, cit., 7.

    [9] MECW, v. 10, 1849-1851 (Nova York, International Publishers, 1978), p. 135.

    [10] MEGA-2 IV/7.

    [11] Marcello Musto, The formation of Marxs critique of political economy,cit., p. 82.

    [12] Ibidem, p. 85.

    [d] So Paulo, Boitempo, 2011. (N. E.)

    [13] Marcello Musto, The formation of Marxs critique of political economy,cit., p. 87.

    [14] MEGA IV/12.

    [15] Karl Marx, Prefcio segunda edio alem, em O capital (So Paulo,Nova Cultural, 1996).

    [16] Maximilien Rubel, Les cahiers dtude de Marx, International Review ofSocial History, v. 2, n. 3, 1957, p. 392-420.

  • [17] MECW, v. 40, 1856-1859 (Nova York, International Publishers, 1983), p. 353-5.

    [18]Martin Nicolaus, The unknown Marx, New Left Review, n. 48, v. I, mar.-abr. 1968, p. 43.

    [19] Moishe Postone, Rethinking Capital in light of the Grundrisse, em MarcelloMusto (org.), Karl Marxs Grundrisse: foundations of the critique of politicaleconomy 150 years later (Londres/Nova York, Routledge, 2008), p. 120-37.

    [20] Idem, Foreword, em ibidem, p. xxiii.

    [21] Nessa carta a Lassalle, acima citada, Marx declara que j detm o materialpara preparar o manuscrito, sendo o atraso devido sua preocupao com aforma. Pode-se assumir, portanto, que a essa altura ele considerava o processo deinvestigao substancialmente completo. Com relao forma de exposio,essa carta mostra que o seu otimismo no importa se por razes muito diversas era infundado. MECW, v. 40, cit., p. 354.

    [22] Karl Marx, Prefcio, Para a crtica da economia poltica, cit., 3.

    [23]Carta de Marx para Engels, janeiro de 1858. MECW, v. 40, cit., p. 248.

    [24]Grundrisse, p. 758 desta edio.

    [25]Grundrisse, p. 102-3 desta edio.

    [26] MEGA-2 II/Apparat, p. 776.

    [27] G. Lukcs, Zur Ontologie des gesellschaftlichen Seins (Darmstadt,Luchterhand, 1986), p. 10 [ed. bras.: Para uma ontologia do ser social, So Paulo,Boitempo, no prelo].

    [28]Grundrisse, p. 589-91 desta edio.

  • MANUSCRITOS ECONMICOSDE 1857-1858

  • Bastiat e CareyBastiat. Harmonies conomiques.

    2. ed. Paris, 1851.

    PrlogofA histria da economia poltica moderna termina, com Ricardo e Sismondi polos antitticos em que um fala ingls e o outro, francs , exatamentecomo comea no final do sculo XVII, com Petty e Boisguillebert. Aliteratura poltico-econmica posterior se perde seja em compndioseclticos, sincrticos, como a obra de J. St. Mill, seja na elaboraoaprofundada de reas particulares, como A history of prices [Uma histria dos

    preos], de Tooke[1]

    , e, em geral, os escritos ingleses mais recentes sobre acirculao a nica rea em que foram feitas descobertas efetivamentenovas, pois a literatura sobre a colonizao, a propriedade fundiria (emsuas diferentes formas), a populao etc. s se distingue da mais a ntiga pelamaior riqueza de material , seja na reproduo de antigas controvrsiaseconmicas para um pblico mais amplo e na resoluo prtica de

    problemas cotidianos, como os escritos sobre o |

    livre comrcioi eprotecionismoi, seja, por fim, em elucubraes tendenciosas sobre asorientaes clssicas, uma relao em que esto, por exemplo, de Chalmers aMalthus e de Glich a Sismondi, e, em certo aspecto, de McCulloch eSenior, em suas primeiras obras, a Ricardo. Trata-se de uma literaturatotalmente de epgonos, de reproduo, de maior refinamento da forma, deapropriao mais extensa do material, de nfase, de popularizao, desntese, de elaborao dos detalhes, sem fases de desenvolvimento decisivase distintivas; por um lado, registro inventrio, por outro, crescimento dodetalhe.

    As nicas excees, aparentemente, so os escritos de Carey, o ianque, e

    de Bastiat, o francs, mas o ltimo admite que se baseia no primeiro[2]

    .Ambos compreendem que a oposio economia poltica socialismo ecomunismo tem seu pressuposto terico nas obras da prpria Economiaclssica, especialmente em Ricardo, que tem de ser considerado suaexpresso ltima e mais perfeita. Por essa razo, ambos consideramnecessrio atacar, como equvoco, a expresso terica que a sociedadeburguesa ganhou historicamente na Economia moderna, e provar aharmonia das relaes de produo ali onde os economistas clssicosingenuamente retratavam seu antagonismo. O ambiente nacional a partir

  • do qual ambos escrevem, apesar de totalmente diferente, inclusivecontraditrio, impele-os aos mesmos esforos. Carey o nico economistaoriginal dentre os norte-americanos. Pertence a um pas em que a sociedadeburguesa no se desenvolveu sobre a base do feudalismo, mas comeou apartir de si mesma; em que a sociedade burguesa no aparece como oresultado remanescente de um movimento secular, mas como o ponto departida de um novo movimento; em que o Estado, em contraste com todasas formaes nacionais anteriores, desde o incio esteve subordinado sociedade burguesa e sua produo e jamais pde ter a pretenso de serum fim em si mesmo; enfim, em um pas em que a prpria sociedadeburguesa, combinando as foras produtivas de um velho mundo com oimenso terreno natural de um novo, desenvolveu-se em dimenses eliberdade de movimento at ento desconhecidas e suplantou em muitotodo trabalho anterior no domnio das foras naturais; e onde, enfim, osantagonismos da prpria sociedade burguesa aparecem unicamente comomomentos evanescentes. O que poderia ser mais natural do que as relaesde produo nas quais esse imenso novo mundo se desenvolveu de maneirato rpida, to surpreendente e afortunada serem consideradas, por Carey,como as relaes normais e eternas da produo e do intercmbio sociais,relaes que, na Europa, em especial na Inglaterra, que para ele naverdade a Europa, eram simplesmente inibidas e prejudicadas pelasbarreiras herdadas do perodo feudal, o que poderia ser mais natural que taisrelaes s lhe parecessem vistas, reproduzidas ou generalizadas de maneiradistorcida ou falsificada pelos economistas ingleses porque eles confundiamas distores contingentes daquelas relaes com seu carter imanente?Relaes americanas contra relaes inglesas: a isso se reduz sua crtica dateoria inglesa da propriedade fundiria, do salrio, da populao, dosantagonismos de classes etc. Na Inglaterra, a sociedade burguesa no existede forma pura, correspondente ao seu conceito, adequada a si mesma.Como os conceitos dos economistas ingleses da sociedade burguesapoderiam ser a expresso verdadeira e cristalina de uma realidade que elesno conheciam? Para Carey, o efeito perturbador de influncias tradicionaissobre as relaes naturais da sociedade burguesa, influncias que noemergiam de seu prprio seio, reduz-se em ltima instncia influncia doEstado sobre a sociedade burguesa, a suas intervenes e ingerncias. Osalrio, por exemplo, cresce naturalmente com a produtividade do trabalho.Se achamos que a realidade no corresponde a essa lei, temos unicamentede abstrair a influncia do governo, impostos, monoplios etc., seja noHindusto, seja na Inglaterra. As relaes burguesas consideradas em simesmas, i.e., aps a deduo das influncias do Estado, sempre confirmarode fato as leis harmnicas da economia burguesa. Naturalmente, Carey no

    investiga em que medida essas prprias influncias estatais, |

    dvida pblica,impostosi etc., tm origem nas relaes burguesas e, por conseguinte, naInglaterra, por exemplo, de modo algum aparecem como resultados dofeudalismo, mas de sua dissoluo e superao, e na prpria Amrica do

  • Norte cresce o poder do governo central com a centralizao do capital.Desse modo, enquanto Carey confronta os economistas ingleses com a maiorpotncia da sociedade burguesa na Amrica do Norte, Bastiat confronta ossocialistas franceses com a menor potncia da sociedade burguesa naFrana. Vocs creem que se revoltam contra as leis da sociedade burguesaem um pas em que jamais se permitiu que essas leis se realizassem! Vocs asconhecem unicamente na atrofiada forma francesa, e consideram sua formaimanente o que somente sua deformao nacional francesa. Vejam aInglaterra. Aqui em nosso pas preciso libertar a sociedade burguesa dosgrilhes que lhe ps o Estado. Vocs desejam multiplicar esses grilhes.Primeiro desenvolvam as relaes burguesas em sua forma pura e depoispodemos conversar novamente. (Nesse caso Bastiat tem razo, uma vez quena Frana, em virtude de sua configurao social peculiar, muito do quepassa por socialismo , na Inglaterra, economia poltica.)

    Carey, cujo ponto de partida a emancipao da sociedade burguesa doEstado na Amrica do Norte, termina, entretanto, com o postulado dainterveno do Estado para que o desenvolvimento puro das relaesburguesas, como de fato ocorreu na Amrica do Norte, no seja perturbadopor influncias exteriores. Ele protecionista, ao passo que Bastiat livre-cambista. A harmonia das leis econmicas aparece em todo o mundo comodesarmonia, e os primeiros indcios dessa desarmonia surpreendem Careyinclusive nos Estados Unidos. De onde vem esse estranho fenmeno? Careyo explica a partir da influncia destrutiva da Inglaterra sobre o mercadomundial com sua ambio ao monoplio industrial. Originalmente, asrelaes inglesas foram distorcidas no interior do pas pelas falsas teorias deseus economistas. Atualmente, como poder dominante do mercadomundial, a Inglaterra distorce a harmonia das relaes econmicas em todosos pases do mundo. Essa uma desarmonia real, de maneira nenhumabaseada meramente na concepo subjetiva dos economistas. O que a Rssia politicamente para Urquhart, a Inglaterra economicamente para Carey.A harmonia das relaes econmicas, para Carey, baseia-se na cooperaoharmnica de cidade e campo, de indstria e agricultura. Essa harmoniafundamental, que a Inglaterra dissolveu em seu interior, ela destri por meiode sua concorrncia no mercado mundial e, assim, o elemento destrutivoda harmonia universal. S as protees aduaneiras o bloqueio nacional fora podem constituir uma defesa contra a fora destrutiva da grande

    indstria inglesa. Consequentemente, o ltimo refgio das |

    harmoniaseconmicasf o Estado, que antes fora estigmatizado como o nicoperturbador dessas harmonias. De um lado, Carey expressa aqui outra vez odesenvolvimento nacional particular dos Estados Unidos, sua oposio econcorrncia com a Inglaterra. E o faz de forma ingnua, recomendando aosEstados Unidos destruir o industrialismo propagado pela Inglaterradesenvolvendo-se mais rpido por meio de protees aduaneiras.Abstraindo dessa ingenuidade, com Carey a harmonia das relaes deproduo burguesas termina com a mais completa desarmonia dessas

  • relaes ali onde se apresentam no terreno mais grandioso, o mercadomundial, no desenvolvimento mais grandioso de relaes entre naesprodutoras. Todas as relaes que lhe parecem harmnicas no interior dedeterminadas fronteiras nacionais ou, inclusive, na forma abstrata derelaes universais da sociedade burguesa concentrao do capital, divisodo trabalho, assalariado etc. , parecem-lhe desarmnicas ali onde seapresentam em sua forma mais desenvolvida em sua forma de mercadomundial , como as formas internas que produzem o domnio da Inglaterrasobre o mercado mundial e que, como efeitos destrutivos, so aconsequncia desse domnio. harmnico quando, no interior de um pas, aproduo patriarcal d lugar produo industrial, e o processo dedissoluo que acompanha esse desenvolvimento apreendidoexclusivamente por seu aspecto positivo. Mas se torna desarmnico quandoa grande indstria inglesa dissolve a produo nacional estrangeirapatriarcal, pequeno-burguesa ou outras formas que se encontrem emestgios inferiores. Para ele, a concentrao do capital no interior de um pase o efeito dissolvente dessa concentrao s tm aspectos positivos. Mas desarmnico o monoplio do capital concentrado ingls com seus efeitosdissolventes sobre os pequenos capitais nacionais de outros povos. O queCarey no compreendeu que essas desarmonias do mercado mundial sounicamente as expresses adequadas ltimas das desarmonias que [so]fixadas nas categorias econmicas como relaes fixas ou que tm umaexistncia local em menor escala. No surpreende que, por outro lado, eleesquea o contedo positivo desses processos de dissoluo o nicoaspecto que examina das categorias econmicas em sua forma abstrata oudas relaes reais no interior de determinados pases, das quais as categoriasso abstradas em sua manifestao plena no mercado mundial. Por isso,onde as relaes econmicas se apresentam a ele em sua verdade, i.e., emsua realidade universal, Carey passa de seu otimismo por princpio para umpessimismo exasperado e denunciante. Essa contradio constitui aoriginalidade de seus escritos e lhes confere seu significado. Ele [norte-]americano tanto em sua afirmao da harmonia no interior da sociedadeburguesa quanto na afirmao da desarmonia das mesmas relaes em suaconfigurao de mercado mundial. Em Bastiat, no h nada disso. Aharmonia dessas relaes um alm que comea justamente ali ondeterminam as fronteiras francesas, um alm que existe na Inglaterra e naAmrica [do Norte]. simplesmente a forma ideal, imaginria, das relaesanglo-americanas no francesas, e no a forma real que o confronta em seuprprio territrio. Portanto, como em Bastiat a harmonia no resulta demodo algum da riqueza da experincia vivida, mas antes o produtoafetado de uma reflexo frgil, ligeira e contraditria, o nico momento derealidade nele a exigncia de que o Estado francs renuncie a suasfronteiras econmicas. Carey v as contradies das relaes econmicas tologo elas aparecem como relaes inglesas no mercado mundial. Bastiat, quesimplesmente imagina a harmonia, s comea a ver a sua realizao ali ondetermina a Frana e onde concorrem entre si, liberadas da superviso do

  • Estado, todas as partes constitutivas da sociedade burguesa nacionalmenteseparadas. No entanto, inclusive essa sua ltima harmonia e o pressupostode todas as suas harmonias imaginrias anteriores um simples postulado,que deve ser realizado pela legislao de livre comrcio.

    Por essa razo, se Carey, independentemente do valor cientfico de suasinvestigaes, ao menos possui o mrito de expressar em forma abstrata asgrandes relaes americanas e, inclusive, em oposio ao velho mundo, onico pano de fundo real em Bastiat seria a pequenez das relaesfrancesas, que, por todo lado, metem o nariz em suas harmonias. Todavia, omrito suprfluo, pois as relaes de um pas to antigo sosuficientemente conhecidas e o que menos precisam de tal desvionegativo para serem conhecidas. Em consequncia, Carey rico em

    pesquisas, por assim dizer, bona fide[a]

    na cincia econmica, como aspesquisas sobre crdito, renda etc. Bastiat se ocupa unicamente com

    parfrases gratificantes de pesquisas inconclusivas: |

    a hipocrisia docontentamentof. A universalidade de Carey a universalidade ianque. Paraele, Frana e China esto igualmente prximas. Ele sempre o homem quevive tanto no litoral do oceano Pacfico como no do Atlntico. Auniversalidade de Bastiat fazer vista grossa para todos os pases. Comogenuno ianque, Carey absorve de todos os lados o abundante material que ovelho mundo lhe oferece, no para identificar a alma imanente dessematerial e, desse modo, reconhecer-lhe o direito da vida particular, maspara elabor-lo como evidncias mortas, como material indiferente para seuspropsitos, para suas proposies abstradas desde seu ponto de vistaianque. Da seu perambular por todos os pases, sua estatstica massiva eacrtica, sua erudio de catlogo. Bastiat oferece, ao contrrio, uma histriafantstica, com abstraes ora na forma de raciocnio, ora na forma depresumidos acontecimentos que, todavia, no ocorreram nunca em lugarnenhum, da mesma forma que o telogo trata o pecado ora como lei daessncia humana, ora como a histria do pecado original. Por conseguinte,ambos so igualmente anistricos e anti-histricos. No entanto, o momentoanistrico de Carey o princpio histrico atual da Amrica do Norte, aopasso que o elemento anistrico em Bastiat mera reminiscncia da modafrancesa de generalizao do sculo XVIII. Carey, portanto, informe edifuso, Bastiat, afetado e lgico do ponto de vista formal. O mximo queconsegue Bastiat so lugares-comuns expressos de maneira paradoxal,

    polidos |

    em facetasf. Em Carey, algumas teses gerais so antecipadas emforma axiomtica. Elas vm seguidas de um material informe, a compilaocomo prova a matria de suas teses no de modo nenhum elaborada. EmBastiat, o nico material abstraindo de alguns exemplos locais ou defenmenos ingleses normais dispostos de maneira fantstica consiste s dasteses gerais dos economistas. A principal anttese de Carey Ricardo, emsntese, os modernos economistas ingleses; a de Bastiat, os socialistas

  • franceses[3]

    .

    XIV) |

    Dos salriosf

    As principais teses de Bastiat so as seguintes[4]

    : todos os homens aspiram a

    uma fixidez no rendimento, a uma |

    renda fixaf. {Autntico exemplo francs:1) Todo homem quer ser funcionrio pblico ou fazer de seu filho um

    funcionrio pblico. (Ver p. 371[b]

    .)} O salrio uma forma fixa deremunerao (p. 376) e, portanto, uma forma muito aperfeioada de

    associao, em cuja forma originria predomina o aleatrio[5]

    , porquanto

    |

    todos os associadosf esto sujeitos |

    a todos os riscos do

    empreendimentof[6]

    . {Se o capital assume o risco por conta prpria, aremunerao do trabalho se fixa sob o nome de salriof. Se o trabalho desejaassumir para si as boas e ms consequncias, a remunerao do capital sedestaca e se fixa sob o nome de juros (p. 382).} (Sobre essa associao, verainda p. 382-3.) Todavia, se originalmente predomina o aleatrio na|

    condio do trabalhadorf, a estabilidade no assalariado ainda no est

    suficientemente assegurada. um |

    degrau intermedirio que separa o

    aleatrio da estabilidadef[7]

    . Esse ltimo nvel alcanado mediante |

    apoupana, nos dias de trabalho, do que satisfaz s necessidades dos dias develhice e de doenaf (p. 388). O ltimo nvel desenvolve-se por meio das

    |

    sociedades mtuas de segurof (idem) e, em ltima instncia, pelo

    |

    fundo de penso dos trabalhadoresf[8]

    (p. 393). (Da mesma forma que o serhumano partiu da necessidade de se converter em funcionrio pblico, eletermina com a satisfao de receber uma penso.)

    Ad. 1. Suponha que tudo o que Bastiat diz sobre a fixidez do salrio seja

    correto. O fato de que o salrio seja subsumido s |

    rendas fixasi no nospermite conhecer o verdadeiro carter do salrio, sua determinaocaracterstica. Seria destacada uma das relaes do salrio relao que eletem em comum com outras fontes de renda. Nada mais. Certamente, isso jseria algo para o advogado que pretende defender as vantagens dosalariado. Entretanto, no seria nada para o economista que desejacompreender a peculiaridade dessa relao em toda a sua extenso. Fixaruma determinao unilateral de uma relao, de uma forma econmica, epanegiriz-la em comparao com a determinao inversa: essa prticaordinria de advogado e apologista caracteriza o raciocinantef Bastiat.Portanto, em lugar de salrio, suponha: fixidez do rendimento. No boa a

  • fixidez do rendimento? Todo mundo no adora poder contar com o seguro?

    Especialmente todo francs pequeno-burgus e mesquinho? |

    O homemsempre necessitadof? A servido foi defendida do mesmo modo, e talvezcom mais razo. O oposto poderia ser tambm afirmado, e tem sidoafirmado. Suponha o salrio igual no fixidez, i.e., avano para alm decerto ponto. Quem no prefere avanar em lugar de ficar parado? Pode-sedizer que m, portanto, uma relao que torna possvel um progressus ininfinitum burgus? Naturalmente, o prprio Bastiat em outro lugar considerao salrio como no fixidez. De que outra maneira, seno pela no fixidez,pela flutuao, poderia ser possvel ao trabalhador deixar de trabalhar,

    tornar-se capitalista, como deseja Bastiat[9]

    ? Por conseguinte, o salariado bom porque fixidez; ele bom porque no fixidez; bom porque no nem uma coisa nem outra, mas tanto uma quanto a outra. Que relao no boa quando reduzida a uma determinao unilateral, e esta ltima considerada como posio, no como negao? Todo palavrrioraciocinante, toda apologtica, toda sofistaria pequeno-burguesa repousasobre tal abstrao.

    Depois desse comentrio preliminar geral, chegamos verdadeiraconstruo de Bastiat. Seja dito ainda, de passagem, que seu arrendatriof

    de Landes[10]

    , o tipo que rene em sua pessoa a infelicidade do trabalhadorassalariado com o azar do pequeno capitalista, de fato poderia se sentir feliz

    se recebesse salrio fixo. A |

    histria descritiva e filosficaf de

    Proudhon[11]

    dificilmente chega ao nvel da de seu adversrio Bastiat. forma originria de associao, em que todos os associadosf compartem osriscos do acaso, segue-se a forma em que a remunerao do trabalhador fixada, associao de nvel superior e voluntariamente integrada por ambasas partes. No desejamos chamar a ateno aqui para a genialidade queprimeiro pressupe, de um lado, um capitalista e, de outro, um trabalhador,para em seguida fazer surgir do acordo entre ambos a relao entre capital etrabalho assalariado.

    A forma de associao em que o trabalhador est exposto a todos os riscosdo negcio em que todos os produtores esto igualmente expostos a taisriscos e que imediatamente precede o salrio, em que a remunerao dotrabalho ganha fixidez e torna-se estvel, da mesma forma que a tese

    precede a anttese o estado, como ouvimos de Bastiat[12]

    , em que apesca, a caa e o pastoreio constituem as formas sociais e produtivasdominantes. Primeiro, o pescador, o caador e o pastor nmades e, emseguida, o trabalhador assalariado. Onde e quando se deu essa transiohistrica do estado semisselvagem para o moderno? No mximo, no charivari.Na histria efetiva, o trabalho assalariado resulta da dissoluo daescravido e da servido ou do declnio da propriedade comunal, como sedeu entre povos orientais e eslavos e, em sua forma adequada que faz

  • poca, forma que abarca toda a existncia social do trabalho, procede dadestruio da economia das corporaes, do sistema estamental, do trabalhonatural e da renda em espcie, da indstria operando como atividade ruralacessria, da pequena economia rural ainda de carter feudal etc. Em todasessas transies histricas efetivas o trabalho assalariado aparece comodissoluo, como destruio de relaes em que o trabalho era fixado emtodos os aspectos, em seu rendimento, seu contedo, sua localizao, suaextenso etc. Portanto, como negao da fixidez do trabalho e de sua

    remunerao. A transio direta do fetiche do africano ao |

    ser supremof deVoltaire, ou do equipamento de caa de um selvagem norte-americano aocapital do Banco da Inglaterra, no to grosseiramente avessa histriaquanto a transio do pescador de Bastiat ao trabalhador assalariado. (Almdisso, em todos esses desenvolvimentos no h nenhuma evidncia demodificaes intencionais resultantes de acordo recproco.) Inteiramentedigna dessa construo histrica em que Bastiat ilude a si mesmo com suaabstrao superficial sob a forma de um evento a sntese em que as|

    sociedades mtuasi inglesas e as caixas de poupana aparecem como altima palavra do salariado e a superao de todas as antinomias sociais.

    Historicamente, portanto, o carter de no fixidez do salariado o opostoda construo de Bastiat. No entanto, como ele chegou, afinal, construoda fixidez como a determinao do salariado que tudo compensa? E comochegou a pretender apresentar historicamente o salariado nessadeterminabilidade como forma superior de remunerao, da remuneraodo trabalho em outras formas de sociedade ou de associao?

    Todos os economistas, to logo discutem a relao existente entre capitale trabalho assalariado, entre lucro e salrio, e demonstram ao trabalhadorque ele no tem nenhum direito a participar das oportunidades do lucro,enfim, desejam tranquiliz-lo sobre seu papel subordinado perante ocapitalista, sublinham que ele, em contraste com o capitalista, possui certa

    fixidez da renda mais ou menos independente das |

    grandes aventurasi docapital. Exatamente como Dom Quixote consola Sancho Pana [com a ideia]de que, embora certamente leve todas as surras, ao menos no precisa servalente. Portanto, uma determinao que os economistas atribuem aosalariado em contraposio ao lucro, Bastiat converte em uma determinaodo salariado em contraposio s formas antigas do trabalho e em umprogresso na remunerao do trabalho em comparao com as relaes maisantigas. Um lugar-comum que se apresenta na dada relao, e que consolaum polo contra o outro, retirado dessa relao pelo sr. Bastiat e convertidoem fundamento histrico de sua gnese. Na relao entre salrio e lucro,entre trabalho assalariado e capital, dizem os economistas, a vantagem dafixidez corresponde ao salrio. O sr. Bastiat afirma que a fixidez, i.e., um dospolos na relao entre salrio e lucro, constitui o fundamento histrico dagnese do salariado (ou a vantagem que corresponde ao salrio no emoposio ao lucro, mas s formas anteriores de remunerao do trabalho) e,

  • portanto, tambm do lucro, logo, de toda a relao. Em suas mos, porconseguinte, um lugar-comum sobre um aspecto da relao entre salrio elucro converte-se no fundamento histrico da inteira relao. Isso se dporque ele est continuamente atormentado pela reflexo sobre o socialismo,que, ento, sonhado em toda parte como a primeira forma da associao. Oque constitui um exemplo da importncia que assumem, nas mos deBastiat, os lugares-comuns apologticos correntes que acompanham asanlises econmicas.

    Para retornar aos economistas. Em que consiste essa fixidez do salrio? Osalrio inalteravelmente fixo? Isso contradiria inteiramente a lei dademanda e oferta, o fundamento da determinao do salrio. Nenhumeconomista nega as oscilaes, a elevao e a queda do salrio. Ou o salrio independente das crises? Ou das mquinas, que tornam suprfluo otrabalho assalariado? Ou das divises do trabalho, que o deslocam? Afirmartudo isso seria heterodoxo, e no se afirma. O que se quer dizer que, emmdia, o salrio realiza um nvel mdio aproximado, i.e., o mnimo do salriopara toda a classe to detestado por Bastiat, e que tem lugar uma certacontinuidade mdia do trabalho; por exemplo, o salrio pode manter-semesmo em casos em que o lucro diminui ou momentaneamente desaparecepor completo. Ora, o que significa isso seno que, pressuposto o trabalhoassalariado como a forma dominante do trabalho e o fundamento daproduo, a classe trabalhadora vive do salrio, e que o trabalhadorindividual em mdia possui a fixidez de trabalhar por salrio? Em outraspalavras, tautologia. Onde capital e trabalho assalariado a relao deproduo dominante, h a continuidade mdia do trabalho assalariado, logo,fixidez do salrio para o trabalhador. Onde existe o trabalho assalariado,existe a fixidez. E isso considerado por Bastiat o seu atributo que tudocompensa. Em adio, o fato de que no estado social em que o capital estdesenvolvido a produo social, no geral, mais regular, mais contnua, maisvariada logo, tambm a renda para os que nela se ocupam mais fixa do que ali onde o capital, ou seja, a produo, no se desenvolveu a essenvel outra tautologia contida no prprio conceito de capital e de umaproduo nele baseada. Em outras palavras: quem nega que a existnciauniversal do trabalho assalariado pressupe um desenvolvimento maiselevado das foras produtivas em relao aos estgios anteriores ao trabalhoassalariado? E como ocorreria aos socialistas formular exigncias superiores seno pressupusessem esse desenvolvimento superior das foras produtivassociais promovido pelo trabalho assalariado? Na verdade, taldesenvolvimento o pressuposto de suas exigncias.

    Nota: a primeira forma em que o salrio se apresenta de modogeneralizado o soldo militar, que aparece com o declnio dos exrcitosnacionais e das milcias de cidados. De incio, o soldo era pago aos prprioscidados. Logo em seguida, foram substitudos por mercenrios, que noprecisavam ser cidados.

    2) ( impossvel prosseguir com esse nonsense. |

    Portanto, ns deixamos de lado

  • o sr. Bastiati.)

    [1]Thomas Tooke, A history of prices, and of the state of the circulation (Londres,Longman, Orme, Brown, Green and Longmans, 1838-57, 6 v.). Em junho de1857, pouco antes da redao do esboo sobre Bastiat e Carey, Marx estudoue extratou o tomo 6 da obra de Thomas Tooke e William Newmarch, Ahistory of prices, and of the state of the circulation, during the nine years 1848-1856(Londres, Longman, Orme, Brown, Green and Longmans, 1857, v. 6).[2] Frdric Bastiat, Harmonies conomiques (2. ed., Paris, Guillaumin, 1851),

    p. 364, nota do editor: [Bastiat] props-se |

    como declarou, a se basearprincipalmente nos trabalhos de M. Carey, da Filadlfia, para combater ateoria de Ricardof.[a] Autnticas, de boa-f. (N. T.)

    [3] A parte inferior da quarta pgina do manuscrito est em branco.

    Provavelmente Marx pretendia, aps o |

    Prlogof que ocupa asprimeiras trs pginas e a parte superior da quarta pgina do manuscrito econtm uma descrio geral das ideias de Frdric Bastiat e de HenryCharles Carey , caracterizar com mais detalhe o livro de Bastiat, Harmoniesconomiques, cit.[4] Trata-se do captulo 14 da segunda edio do livro de Frdric Bastiat,Harmonies conomiques, cit. No total, a segunda edio contm 25 captulos.[b] Os nmeros de pginas indicados no pargrafo so referncias de Marxao livro de Bastiat. (N. T.)[5] Em Frdric Bastiat, Harmonies conomiques, cit., p. 379.[6] Ibidem, p. 380.[7] Ibidem, p. 384.

    [8]Segundo Bastiat, os |

    fundos de penso dos trabalhadoresf devem serformados a partir dos recursos dos prprios trabalhadores; somente assimeles podem assegurar o grau adequado da estabilidade (Frdric Bastiat,Harmonies conomiques, cit., p. 395).

    [9] Ibidem, p. 402: |

    A elevao dos salrios [...] facilita a poupana e atransformao do assalariado em capitalistaf.

  • [10] Ibidem, p. 378-9 e 388.[11]Pierre-Joseph Proudhon, Systme des contradictions conomiques ouPhilosophie de la misre (Paris, Guillaumin, 1846) [ed. bras.: Sistema dascontradies econmicas ou Filosofia da misria, So Paulo, cone, 2003].[12] Frdric Bastiat, Harmonies conomiques, cit., p. 379-82.

  • Sumrio[1]

    A. Introduo[I. Produo, consumo, distribuio, troca (circulao)]

    1. A produo em geral2. A relao geral entre produo, distribuio, troca e

    consumo3. O mtodo da economia poltica4. Meios (foras) de produo e relaes de produo,

    relaes de produo e relaes de intercmbio etc.

  • A. Introduo[I. Produo, consumo, distribuio, troca (circulao)]

    1) A produo em geral) O objeto nesse caso , primeiramente, a produo material.

    Indivduos produzindo em sociedade por isso, o ponto de partida ,naturalmente, a produo dos indivduos socialmente determinada. Ocaador e o pescador, singulares e isolados, pelos quais comeam Smith e

    Ricardo[2]

    , pertencem s iluses desprovidas de fantasia das robinsonadasdo sculo XVIII, iluses que de forma alguma expressam, como imaginam oshistoriadores da cultura, simplesmente uma reao ao excesso derefinamento e um retorno a uma vida natural mal-entendida. Da mesma

    maneira que o |

    contrato socialf de Rousseau, que pelo contrato pe emrelao e conexo sujeitos por natureza independentes, no est fundadoem tal naturalismo. Essa a aparncia, apenas a aparncia esttica daspequenas e grandes robinsonadas. Trata-se, ao contrrio, da antecipao da

    sociedade burguesa[3]

    , que se preparou desde o sculo XVI e que, nosculo XVIII, deu largos passos para sua maturidade. Nessa sociedade dalivre concorrncia, o indivduo aparece desprendido dos laos naturais etc.que, em pocas histricas anteriores, o faziam um acessrio de umconglomerado humano determinado e limitado. Aos profetas do sculoXVIII, sobre cujos ombros Smith e Ricardo ainda se apoiam inteiramente, talindivduo do sculo XVIII produto, por um lado, da dissoluo das formasfeudais de sociedade e, por outro, das novas foras produtivasdesenvolvidas desde o sculo XVI aparece como um ideal cuja existnciaestaria no passado. No como um resultado histrico, mas como ponto departida da histria. Visto que o indivduo natural, conforme suarepresentao da natureza humana, no se origina na histria, mas postopela natureza. At o momento essa tem sido uma iluso comum a toda novapoca. Steuart, que em muitos aspectos contrasta com o sculo XVIII e,como aristocrata, mantm-se mais no terreno histrico, evitou essaingenuidade.

    Quanto mais fundo voltamos na histria, mais o indivduo, e por issotambm o indivduo que produz, aparece como dependente, como membrode um todo maior: de incio, e de maneira totalmente natural, na famlia ena famlia ampliada em tribo [Stamm]; mais tarde, nas diversas formas decomunidade resultantes do conflito e da fuso das tribos. Somente no sculo

  • XVIII, com a sociedade burguesa, as diversas formas de conexo socialconfrontam o indivduo como simples meio para seus fins privados, comonecessidade exterior. Mas a poca que produz esse ponto de vista, o pontode vista do indivduo isolado, justamente a poca das relaes sociais(universais desde esse ponto de vista) mais desenvolvidas at o presente. O

    ser humano , no sentido mais literal, um zVon politikn[4]

    , no apenasum animal social, mas tambm um animal que somente pode isolar-se emsociedade. A produo do singular isolado fora da sociedade um casoexcepcional que decerto pode muito bem ocorrer a um civilizado, jpotencialmente dotado das capacidades da sociedade, por acaso perdido naselva to absurda quanto o desenvolvimento da linguagem semindivduos vivendo juntos e falando uns com os outros. No necessrioestender-se sobre isso. No seria preciso mencionar essa questo, que tinhasentido e razo de ser entre as pessoas do sculo XVIII, no fosse o disparateseriamente reintroduzido no centro da mais moderna economia por Bastiat,

    Carey[5]

    , Proudhon etc. Para Proudhon, entre outros, naturalmentecmodo produzir uma explicao histrico-filosfica da origem de umarelao econmica, cuja gnese histrica ignora, com a mitologia de queAdo ou Prometeu esbarrou na ideia pronta e acabada, que foi ento

    introduzida etc.[6]

    No h nada mais tediosamente rido do que as

    fantasias do locus communis[a]

    .Por isso, quando se fala de produo, sempre se est falando de

    produo em um determinado estgio de desenvolvimento social daproduo de indivduos sociais. Desse modo, poderia parecer que, parapoder falar em produo em geral, deveramos seja seguir o processohistrico de desenvolvimento em suas distintas fases, seja declarar porantecipao que consideramos uma determinada poca histrica, porexemplo, a moderna produo burguesa, que de fato o nosso verdadeirotema. No entanto, todas as pocas da produo tm certas caractersticasem comum, determinaes em comum. A produo em geral uma abstrao,mas uma abstrao razovel, na medida em que efetivamente destaca e fixao elemento comum, poupando-nos assim da repetio. Entretanto, esseUniversal, ou o comum isolado por comparao, ele prprio algomultiplamente articulado, cindido em diferentes determinaes. Algumasdeterminaes pertencem a todas as pocas; outras so comuns apenas aalgumas. [Certas] determinaes sero comuns poca mais moderna e mais antiga. Nenhuma produo seria concebvel sem elas; todavia, se aslnguas mais desenvolvidas tm leis e determinaes em comum com asmenos desenvolvidas, a diferena desse universal e comum precisamenteo que constitui seu desenvolvimento. As determinaes que valem para aproduo em geral tm de ser corretamente isoladas de maneira que, almda unidade decorrente do fato de que o sujeito, a humanidade, e o objeto,a natureza, so os mesmos , no seja esquecida a diferena essencial. Em tal

  • esquecimento repousa, por exemplo, toda a sabedoria dos economistasmodernos que demonstram a eternidade e a harmonia das relaes sociaisexistentes. Por exemplo: nenhuma produo possvel sem um instrumentode produo, mesmo sendo este instrumento apenas a mo. Nenhumaproduo possvel sem trabalho passado, acumulado, mesmo sendo estetrabalho apenas a destreza acumulada e concentrada na mo do selvagempelo exerccio repetido. O capital, entre outras coisas, tambm instrumentode produo, tambm trabalho passado, objetivado [objektivierte]. Logo, ocapital uma relao natural, universal e eterna; quer dizer, quando deixode fora justamente o especfico, o que faz do instrumento de produo,do trabalho acumulado, capital. Por essa razo, toda a histria das relaesde produo aparece em Carey, por exemplo, como uma maliciosafalsificao provocada pelos governos.

    Se no h produo em geral, tambm no h igualmente produouniversal. A produo sempre um ramo particular da produo porexemplo, agricultura, pecuria, manufatura etc. ou uma totalidade. Mas aeconomia poltica no tecnologia. Desenvolver em outro lugar (mais tarde)a relao das determinaes universais da produo, em um estgio socialdado, com as formas particulares de produo. Finalmente, a produotambm no somente produo particular. Ao contrrio, sempre umcerto corpo social, um sujeito social em atividade em uma totalidade maiorou menor de ramos de produo. Do mesmo modo, a relao que aapresentao cientfica tem com o movimento real [reellen] ainda no vemao caso nesse ponto. Produo em geral. Ramos particulares de produo.Totalidade da produo.

    moda fazer preceder a Economia de uma parte geral e justamente a

    que figura sob o ttulo Produo (ver, por exemplo, J. St. Mill[7]

    ) , na qualso tratadas as condies gerais de toda produo. Essa parte geral consiste oudeve supostamente consistir: 1) das condies sem as quais a produo no possvel. Isso significa, de fato, nada mais do que indicar os momentosessenciais de toda produo. Mas se reduz de fato, como veremos, aalgumas determinaes muito simples convertidas em banais tautologias; 2)das condies que, em maior ou menor grau, fomentam a produo, como,por exemplo, o estado progressivo ou estagnante da sociedade de Adam

    Smith[8]

    . Para conferir significado cientfico a isso, que em Smith tinha seuvalor como sntesef, seriam necessrias investigaes sobre os perodos dosgraus de produtividade no desenvolvimento dos povos singulares umainvestigao que ultrapassa os limites prprios do tema, mas que, na medidaem que faz parte dele, deve ser inserida no desenvolvimento daconcorrncia, acumulao etc. Na verso geral, a resposta resume-se proposio geral de que um povo industrial alcana o auge de sua produo

    justamente no momento mesmo em que est em seu auge histrico. |

    Defatoi. Um povo est em seu auge industrial na medida em que, para ele, o

  • essencial no somente o ganho, mas o ganhar. Nesse caso, os ianquesi [so]superiores aos ingleses. Ou ento: na medida em que, por exemplo, certaspredisposies raciais, certos climas, certas condies naturais, comoproximidade do litoral, fecundidade do solo etc., so mais favorveis produo do que outras. O que acaba na tautologia de que a riqueza criadacom maior facilidade medida que seus elementos objetivos e subjetivosesto disponveis em maior grau.

    Para os economistas, entretanto, no s isso que efetivamente importanessa parte geral. Mais do que isso, a produo deve ser representada veja,por exemplo, Mill , diferena da distribuio etc., como enquadrada emleis naturais eternas, independentes da histria, oportunidade em que asrelaes burguesas so furtivamente contrabandeadas como irrevogveis leis

    naturais da sociedade in abstracto[b]

    . Esse o objetivo mais ou menosconsciente de todo o procedimento. Na distribuio, em troca, a

    humanidade deve ter se permitidof de fato toda espcie de arbtrio[9]

    .Abstraindo completamente dessa grosseira disjuno entre produo edistribuio e da sua relao efetiva, deve ser desde logo evidente que, pormais que possa ser diversa a distribuio em diferentes graus de sociedade,deve ser possvel tambm nesse caso, assim como o foi para a produo,destacar as determinaes em comum e, da mesma forma, confundir ouextinguir todas as diferenas histricas em leis humanas gerais. Por exemplo, oescravo, o servo e o trabalhador assalariado, todos recebem uma certaquantidade de alimentos que os permitem existir como escravos, servos etrabalhadores assalariados. O conquistador, que vive do tributo, ou ofuncionrio, que vive do imposto, ou o proprietrio fundirio, que vive darenda, ou o monge, que vive da esmola, ou o levita, que vive do dzimo,todos recebem uma cota da produo social determinada por leis diferentesdas que determinam a cota dos escravos etc. Os dois pontos fundamentaisque os economistas colocam sob essa rubrica so: 1) propriedade; 2) suaproteo pela justia, polcia etc. Ao que se deve responder muitobrevemente:

    Ad. 1. Toda produo apropriao da natureza pelo indivduo nointerior de e mediada por uma determinada forma de sociedade. Nessesentido, uma tautologia afirmar que propriedade (apropriao) umacondio da produo. risvel, entretanto, dar um salto da para umaforma determinada de propriedade, por exemplo, para a propriedadeprivada. (O que, alm disso, presumiria da mesma maneira uma formaantittica, a no propriedade, como condio.) A histria mostra, pelocontrrio, a propriedade comunal (por exemplo, entre os hindus, os eslavos,os antigos celtas etc.) como a forma original, uma forma que cumpre por umlongo perodo um papel significativo sob a figura de propriedade comunal.Est totalmente fora de questo aqui indagar se a riqueza se desenvolveriamelhor sob essa ou aquela forma de propriedade. Mas dizer que a produoe, por conseguinte, a sociedade so impossveis onde no existe qualquer

  • forma [de] propriedade uma tautologia. Uma apropriao que no se

    apropria de nada uma contradictio in subjecto[c]

    .Ad. 2. Salvaguardar o adquirido etc. Quando tais trivialidades so

    reduzidas ao seu efetivo contedo, expressam mais do que sabem seuspregadores. A saber, que toda forma de produo forja suas prprias relaesjurdicas, forma de governo etc. A insipincia e o desentendimentoconsistem precisamente em relacionar casualmente o que organicamenteconectado, em reduzi-lo a uma mera conexo da reflexo. Os economistasburgueses tm em mente apenas que se produz melhor com a polciamoderna do que, por exemplo, com o direito do mais forte. S esquecem queo direito do mais forte tambm um direito, e que o direito do mais fortesubsiste sob outra forma em seu estado de direito.

    Quando as condies sociais correspondentes a determinados estgios daproduo comeam a se formar, ou quando desaparecem, ocorremnaturalmente perturbaes na produo, muito embora com grau e efeitodistintos.

    Para resumir: para todos os estgios da produo h determinaescomuns que so fixadas pelo pensamento como determinaes universais;mas as assim chamadas condies universais de toda produo nada mais sodo que esses momentos abstratos, com os quais nenhum estgio histricoefetivo da produo pode ser compreendido.

    2) A relao geral entre produo, distribuio, troca econsumo

    Antes de entrar em uma anlise ulterior da produo, necessrioconsiderar as distintas rubricas que os economistas colocam ao seu lado.

    A representao superficial claramente perceptvel: na produo, osmembros da sociedade apropriam (elaboram, configuram) os produtos danatureza s necessidades humanas; a distribuio determina a proporoem que o indivduo singular participa desses produtos; a troca o prov dosprodutos particulares nos quais deseja converter a cota que lhe coube peladistribuio; no consumo, finalmente, os produtos devm objetos dodesfrute, da apropriao individual. A produo cria os objetoscorrespondentes s necessidades; a distribuio os reparte segundo leissociais; a troca reparte outra vez o j repartido, segundo a necessidadesingular; finalmente, no consumo, o produto sai desse movimento socia