dados de copyright dragão... · esse era outro motivo pelo qual teri e geoff adoravam o verão,...
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Copyright©GeorgeR.R.Martin1980Copyrightilustrações©LuisRoyo2014Todososdireitosreservados.Traduçãoparaalínguaportuguesa©TextoEditoresLtda.,2014Títulooriginal:TheIceDragon
Preparaçãodetexto:MarianaCasettoRevisão:MaríliaCourbassierParisProjetográficoeCapa:Retina78Ilustrações:LuisRoyoConversãoeBook :Hondana
DadosInternacionaisdeCatalogaçãonaPublicação(CIP)AngélicaIlacquaCRB-8/7057
Martin,GeorgeR.R.ODragãodeGelo/GeorgeR.R.Martin;ilustraçõesdeLuisRoyo;traduçãodeGabrielOlivaBrum.–SãoPaulo:LeYa,2014.128p.il.
ISBN9788544100912Títulooriginal:TheIceDragon
1.Ficçãofantásticaamericana2.Literaturainfanto-juvenil.I.Martin,GeorgeR.R.II.Royo,LuisIII.Brum,GabrielOliva
14-0700 CDD–813
Índicesparacatálogosistemático:1.Ficçãofantásticaamericana
2014TextoEditoresLtda.[UmaeditoradoGrupoLeYa]RuaDesembargadorPauloPassaláqua,8601248-010–Pacaembu–SãoPaulo–SPwww.leya.com.br
PARAPHIPPS,
quepensouprimeironisso,
comtodoomeuamor.
ÍndiceCapaCAPÍTULOUM:CRIANÇADOINVERNOCAPÍTULODOIS:SEGREDOSNANEVECAPÍTULOTRÊS:OFRIOCRESCENTECAPÍTULOQUATRO:FOGONONORTECAPÍTULOCINCO:CINZASCAPÍTULOSEIS:FUGINDODOFOGOCAPÍTULOSETE:FÚRIAFRIACAPÍTULOOITO:PRIMAVERA
CAPÍTULOUM
CRIANÇADOINVERNO
ADARAgostavado invernomaisdoque tudo, poisquandoomundoesfriava, odragãodegelo
aparecia.
Elanuncatevemuitacertezaseeraofrioquetraziaodragãodegeloouodragãodegeloquetraziao
frio.
EsseeraotipodeperguntaquecostumavaatormentarseuirmãoGeoff,queeradoisanosmaisvelho
queelaedeumacuriosidadeinsaciável.MasAdaranãoseimportavacomtaiscoisas.Desdequeofrio,
aneveeodragãodegelochegassemnotempocerto,elaficavafeliz.
Sabiasemprequandoestavamparachegarporcausadoseuaniversário.Adaraeraumacriançado
inverno,nascidaduranteofriomaisintensodequealguémpodiaselembrar,atémesmoaVelhaLaura,
quevivianafazendavizinhaelembrava-sedecoisasquehaviamacontecidoantesdequequalqueroutra
pessoativessenascido.Aspessoasaindafalavamsobreaquelefrio.Adaraasouviafrequentemente.
Tambémfalavamsobreoutrascoisas.Diziamqueforaaintensidadedaquelefrioterrívelquematara
a suamãe, entrando sorrateiramente durante a longa noite de trabalho de parto, passando pela grande
fogueiraqueopaideAdaraacenderaeesgueirando-seporbaixodoscobertoresquecobriamoleitode
nascimento.DiziamtambémqueofriohaviaentradoemAdaranoútero,quesuapeleeraazul-clarae
geladaaotoquequandonasceuequejamaishaviaseaquecidoapóstodosessesanos.Oinvernoatocara,
deixaranelasuamarcaetomaraagarotaparasi.
ÉverdadequeAdarasemprefoiumacriançadiferente.Eraumagarotinhamuitosériaqueraramente
seinteressavaembrincarcomasoutrascrianças.Aspessoasdiziamqueelaerabonita,masdeumjeito
estranhoedistante,comsuapeleclara,cabeloloiroegrandesolhosazul-claros.Elasorria,masnãocom
frequência.Ninguém,jamais,avirachorar.Certavez,quandotinhacincoanos,elapisaraemumprego
enfiadoemumatábuaescondidasobummontedeneve,eopregoatravessaraoseupé,masmesmoassim
Adaranãochorounemgritou.Agarotasoltouopéevoltoucaminhandoparacasa,deixandoumrastrode
sanguenaneve,e,aochegarlá,disseapenas:
—Pai,memachuquei.
Osemburramentos,asirritaçõeseaslágrimasdeumainfânciacomumnãoeramparaela.
AtémesmoasuafamíliasabiaqueAdaraeradiferente.Seupaieraumhomemimensoebruscocomo
um urso, e não era de muitos amigos. Mas um sorriso sempre lhe surgia no rosto quando Geoff o
importunavacomperguntas, eeleeracheiodeabraçosegargalhadasparaTeri, a irmãmaisvelhade
Adara,queeraloira,sardentaeflertavadescaradamentecomtodososgarotosdaredondeza.Devezem
quandoele tambémabraçavaAdara,mas somenteduranteos longos invernos.Porém,nessasocasiões
nãohaviasorrisos.Eleapenaspassavaosbraçosaoredordelaeapertavaopequenocorpocontraoseu
com toda sua força, soluçava profundamente e lágrimas grandes e molhadas escorriam por suas
bochechasvermelhas.Opainuncaaabraçavaduranteosverões.Duranteosverõeseleestavaocupado
demais.
Todosficavamocupadosduranteoverão,excetoAdara.Geoff trabalhavacomopainoscampose
faziaperguntasintermináveissobreissoeaquilo,aprendendotudooqueumfazendeirotinhadesaber.
Quandonãoestavatrabalhando,corriacomosamigosatéorio,embuscadeaventuras.Tericuidavada
casa e cozinhava, e de vez em quando trabalhava na estalagem da encruzilhada durante a estação
movimentada.Afilhadoestalajadeiroerasuaamigaeofilhomaisnovodeleeramaisdoqueumamigo,
eTerisemprevoltavadandorisinhosecheiadefofocasenotíciasdeviajantes,soldadosemensageiros
dorei.
ParaTerieGeoff,osverõeseramamelhorépocadoanoeambos ficavamocupadosdemaispara
Adara.
Opaideleseraomaisocupadodetodos.Milcoisasprecisavamserfeitastodososdias.Eleasfazia,
e encontrava outrasmil. Ele trabalhava do amanhecer ao anoitecer. Seusmúsculos ficavam rígidos e
definidosnoverão,eeleexalavaumfortecheirodesuorquandovoltavadoscampostodasasnoites,mas
semprevoltavasorrindo.Apósojantar,sentava-secomGeoff,contava-lhehistóriaserespondiaàssuas
perguntas,ouensinavaaTericoisasqueelanãosabiasobrecozinhar,ouiaatéaestalagem.Eleeraum
verdadeirohomemdoverão.
Opaijamaisbebiaduranteoverão,excetoporumataçadevinhodevezemquandoparacelebraras
visitasdeseuirmão.
EsseeraoutromotivopeloqualTerieGeoffadoravamoverão,quandoomundoficavaverde,quente
efervilhandodevida.EraapenasnoverãoqueTioHal,oirmãomaisnovodeseupai,vinhavisitá-los.
Haleraumcavaleirodedragãoaserviçodorei,eraumhomemaltoeesguiocomfeiçãonobre.
Dragõesnãosuportamofrio.Então,quandooinvernochegava,Halesuaalavoavamparaosul.Mas
ele retornava a cada verão, brilhante no uniforme verde e dourado do rei, a caminho dos campos de
batalhaaonorteeaoestedeondeAdaraesuafamíliaviviam.Aguerravinhasendotravadadurantetoda
avidadeAdara.
Halsempretraziapresentesquandochegavadosul:brinquedosdacidadedorei,joiasdecristalede
ouro,docesesempreumagarrafadealgumvinhocaroquedividiacomoirmão.ElesorriaparaTeri,
fazendo-acorarcomseuselogios,eentretinhaGeoffcomhistóriasdeguerra,castelosedragões.Quanto
aAdara,Halcostumavatentarganharumsorrisodelacompresentes,gracejoseabraços.Eramrarasas
vezesquetinhasucesso.
Apesar da boa índole do tio,Adara não gostava deHal.Quando ele estava lá, significava que o
invernoestavadistante.
Além disso, houve uma noite, quando ela tinha apenas quatro anos, em que pensaram que Adara
estavadormindoeelaosouviuconversandoenquantobebiamvinho.
—Umacoisinhaséria—disseHal.—Vocêprecisasermaisgentilcomela,John.Nãopodepôra
culpanelapeloqueaconteceu.
—Nãoposso?—respondeuopai,avozarrastadaporcausadovinho.—Não,achoquenão.Masé
difícil.ElaseparececomBeth,masnãopossuinemumpoucodocalordela.Oinvernoestánela,você
sabe.SemprequeatocosintoofrioemelembroquefoiporelaqueBethtevedemorrer.
—Vocêatratacomfrieza.Nãoaamacomoamaosoutros.
Adaraselembravadomodocomoopairiunaquelemomento.
—Amá-la?Ah,Hal.Euaamomaisdoquetudo,minhafilhinhadoinverno.Maselanuncaretribuiu
esseamor.Nãohánadanelaparamim,ouparavocê,ouparaqualquerumdenós.Éumagarotinhatão
fria.—Eentãoelecomeçouachorar,mesmosendoverãoeHalestandoaliaoseulado.Adaraescutou
tudo de sua cama e desejou queHal voasse embora. Ela não entendia bem tudo o que escutara, não
naquelaépoca,masselembroumaistardee,então,compreendeu.
Adaranãochorou.Nãochorouaosquatroanos,quandoouviuaquilo,ouaosseis,quandofinalmente
compreendeu.Halpartiualgunsdiasdepois,eGeoffeTeriacenaramanimadosparaelequandosuaala
passouporeleslánoalto,trintagrandesdragõesemformaçãoorgulhosacontraocéudeverão.Adara
observouacenacomasmãozinhasabaixadasaoladodocorpo.
CAPÍTULODOIS
SEGREDOSNANEVE
OSSORRISOSdeAdaraeramdeumareservasecreta,eelaosgastavaapenasno inverno.Mal
podia esperar que seu aniversário chegasse, e, com ele, o frio. Pois no inverno ela era uma
criançaespecial.
Ela soube disso desde muito pequena, ao brincar com outras crianças na neve. O frio nunca a
incomodoudomodocomoincomodavaGeoff,Terieseusamigos.Adaracomfrequênciaficavasozinha
foradecasaporhorasdepoisqueosoutroshaviamfugidoàprocuradecaloroucorridoatéacasada
VelhaLauraparatomarasopaquentedelegumesqueelagostavadeprepararparaascrianças.Adara
encontravaumlugarsecretonocantomaisafastadodoscampos,umlugardiferenteacadainverno,elá
construíaumcasteloaltoebranco,alisandoanevecomasmãozinhassemluvas,moldando-aemtorrese
ameias,comoaquelasnocastelodoreinacidade,sobreasquaisHalcostumavafalar.Agarotaquebrava
pingentesdegelodosgalhosmaisbaixosdasárvoreseosusavacomocoruchéus,espigõeseguaritas,
enfileirando-osportodaavoltadocastelo.E,geralmente,nomeiodoinverno,ocorriaumdegelobrevee
umcongelamentorepentino,fazendocomque,danoiteparaodia,oseucastelodenevesetransformasse
emgelo,tãoduroeresistentequantoelaimaginavaqueeramoscastelosdeverdade.Durantetodosos
invernos a garota construía os seus castelos, e ninguém jamais descobriu o que ela fazia. Porém, a
primaverasemprechegava,assimcomoumdegeloquenãoeraseguidodeumcongelamento;entãotodos
osparapeitosemuralhasderretiam,eAdaracomeçavaacontardenovoosdiasatéoseuaniversário.
Seuscastelosdeinvernoraramenteficavamvazios.Comaprimeirageadadoano,oslagartosdegelo
saíam serpenteando das tocas e os campos ficavam tomados pelas criaturinhas azuis, correndo de um
ladoparaooutro,parecendomaltocaraneveaodeslizaremporela.Todasascriançasbrincavamcom
oslagartosdegelo.Masasoutraseramdesajeitadasecruéis,epartiamosfrágeisanimaizinhosemdois,
quebrando-os entre os dedos damesma forma que quebravam um pingente de gelo que pendia de um
telhado.AtémesmoGeoff, que era bondoso demais para fazer algo assim, às vezes ficava curioso e
seguravaoslagartosportempodemaisemsuastentativasdeexaminá-los,eocalordesuasmãosfazia
comquederretessem,queimasseme,porfim,morressem.
As mãos de Adara eram frias e gentis, e ela podia segurar os lagartos o quanto quisesse sem
machucá-los, o que sempre deixava Geoff fazendo beicinho e perguntas irritadas. Às vezes a garota
deitavananevefriaeúmidaedeixavaoslagartosandaremsobreela,deleitando-secomotoquesuave
dospésdosanimaizinhosenquantodeslizavamporseurosto.Àsvezeselaescondiaoslagartosdegelo
noscabelosenquantoiafazersuastarefas,emborativessecuidadodenuncalevá-losparadentrodecasa,
onde o calor do fogo osmataria. Adara sempre reunia os restos de comida da refeição da família e
levava-osatéolugarsecretoondeseucasteloestavasendoconstruído,espalhando-osporlá.Assim,os
castelos que ela erguia estavam repletos de reis e cortesãos todo o inverno; criaturinhas peludas que
vinhamdafloresta,pássarosinvernaiscomplumagembrancaecentenasemaiscentenasdelagartosde
geloquesecontorciamesedebatiam,frios,ligeirosegordos.Adaragostavamaisdoslagartosdegelo
doquedequalquerumdosanimaisqueafamíliajátiveraaolongodosanos.
Porém,eraodragãodegeloqueelaamava.
Nãosabiaquandoovirapelaprimeiravez.Paraela,eracomoseelesempretivessefeitopartede
suavida, umavisãoqueocorriano augedo inverno, cortandoo céugélido comasas serenas e azuis.
Dragões de gelo eram raros,mesmo naquela época, e sempre que um era avistado todas as crianças
apontavame ficavamespantadas, enquantoosmaisvelhosmurmuravame sacudiama cabeça.Quando
dragõesdegeloapareciamsobreafacedaTerra,erasinaldeuminvernolongoesevero.Umdragãode
geloforaavistadovoandocontraaluananoiteemqueAdaranascera,diziamaspessoas,eforavistoa
cada invernodesdeentão.Esses invernosforamrealmentemuito intensos,eaprimaverachegavacada
vezmais tarde todos os anos.Assim, as pessoas acendiam fogueiras, rezavam e esperavammanter o
dragãodegeloafastado,eomedotomavacontadeAdara.
Contudo,issonuncafuncionava.Odragãodegeloretornavatodososanos.Adarasabiaqueelevinha
porela.
Odragãodegeloeragrande,quaseduasvezesmaiordoqueosescamososdragõesdeguerraverdes
queHaleseuscompanheirosmontavam.Adaraouvira lendassobredragõesselvagensmaioresdoque
montanhas,masjamaishaviavistoalgum.OdragãodeHaleragrandeobastante,semdúvidacincovezes
otamanhodeumcavalo,maserapequenocomparadoaodragãodegelo,alémdefeio.
Odragãodegeloeradeumbrancocristalino,daqueletomdebrancotãointensoefrioqueeraquase
azul.Eracobertodegeada,demodoque,quandosemovia, suapelesepartiaecrepitava, talcomoa
crostadenevecrepitasobasbotasdeumhomem,eflocosdegeadasesoltavam.
Seusolhoseramclaros,profundosegélidos.
Suasasaseramimensas,comoasdemorcegos,edeumazul-clarotranslúcido.Adarapodiaveras
nuvensatravésdelas,emuitasvezesaluaeasestrelas,quandoodragãovoavapeloscéusemcírculos
congelados.Seusdenteserampingentesdegelo,dispostosemumafileira tripla, lançasserrilhadasde
comprimentodesigual,brancoscontraamandíbulaazul-escura.
Quandoodragãodegelobatiaasasas,osventosfriossopravameaneverodopiavaeprecipitava-se,
e o mundo parecia encolher e estremecer. Às vezes, quando uma porta se abria no frio do inverno,
empurradaporumalufadadevento,odonodacasacorriaparatrancá-laedizia:
—Háumdragãodegelovoandoporperto.
E quando o dragão de gelo abria a bocarra e exalava, não era fogo que saía, o fedor sulfuroso e
ardentededragõesmenores.Osoprododragãodegeloerafrio.
Gelose formavaquandoelesoprava.Ocalordesaparecia.Fogueirasbruxuleavameapagavam-se,
abafadaspelofrio.Árvoreseramcongeladasatésuasalmasbrandasesecretas,eseusgalhostornavam-
se frágeis e quebravam sob o próprio peso. Animais azulavam, lamuriavam-se e morriam, de olhos
esbugalhadosecomapelecobertadegeada.
Odragãodegelosopravaamortenomundo.Morte,quietudeefrio.MasAdaranãotinhamedo.Ela
eraumacriançadoinverno,eodragãodegeloeraoseusegredo.
Elaoviranocéumilharesdevezes.Equandotinhaquatroanos,elaoviunosolo.
Adaraestavaconstruindoseucastelodeneveeodragãoapareceu,pousandopertodela,navastidão
doscamposcobertosdeneve.Todososlagartosdegelofugiram.Adarasimplesmenteficounomesmo
lugar.Odragãodegeloolhouparaelapordezlongasbatidasdecoração,antesdetornaralevantarvoo.
Oventouivouaoredordagarotaenquantoodragãobatiaasasasparaseelevar,masAdarasentiu-se
estranhamenteradiante.
Eleregressoumaistardenaqueleinverno,eAdaraotocou.Apeledodragãoeramuitofria.Agarota
tirouas luvasmesmoassim.Nãoseriacorretodeoutromodo.Ela tinhaumpoucode receiodequeo
dragãoqueimasseederretesseaoseutoque,masissonãoaconteceu.Dealgumaforma,Adarasabiaque
odragãodegeloeramuitomaissensívelaocalor,atémesmomaissensívelqueoslagartosdegelo.Mas
elaeraespecial,acriançadoinverno,fria.Elaoacaricioue,porfim,deuumbeijoemsuaasa,fazendo
seuslábiosdoerem.Eraoinvernodoseuquartoaniversário,oanoemqueelatocouodragãodegelo.
CAPÍTULOTRÊS
OFRIOCRESCENTE
O INVERNO do seu quinto aniversário foi o ano em que ela cavalgou o dragão de gelo pela
primeiravez.
AcriaturamaisumavezencontrouAdaratrabalhandoemumcastelodiferente,emumlugardiferente
noscampos,sozinhacomosempre.Agarotaoobservouchegar,correuatéodragãoquandoelepousoue
oabraçoucomforça.AquelehaviasidooverãoemqueelaouviuseupaiconversandocomHal.
Elespermaneceramjuntosporlongosminutosatéque,porfim,lembrando-sedeHal,Adaraesticoua
mãozinhaedeuumpuxãona asadodragão.Odragãobateu suasgrandes asasumavez e estendeu-as
contra a neve, e Adara subiu correndo para passar os braços ao redor do pescoço branco e frio da
criatura.
Juntos,pelaprimeiravez,elesvoaram.
Ela não tinha arreios ou um chicote, como os cavaleiros de dragões do rei usavam. De vez em
quando,obaterdasasasameaçavafazê-lasesoltardeondeestavaseagarrandoeafriezadacarnedo
dragão infiltrava-seemsuasroupas,machucavaedeixavadormentesuacarne infantil.MasAdaranão
tinhamedo.
Sobrevoaramafazendadeseupai,eelaavistouGeoffbempequenoláembaixo,sobressaltadoecom
medo, e soube que o garoto não podia vê-la. Isso a fez dar uma gargalhada gélida e tilintante, uma
gargalhadatãonítidaefrescaquantooardeinverno.
Sobrevoaramaestalagemdaencruzilhada,deondeváriaspessoassaíramparavê-lospassar.
Sobrevoaramafloresta,todabranca,verdeesilenciosa.
Voaramaltonocéu,tãoaltoqueAdaranãoconseguiasequerverochãoláembaixo,eelapensouter
vislumbradooutrodragãodegelobemaolonge,maselenãoeratãograndequantooseu.
Voaramamaiorpartedodia,e,finalmente,odragãodescreveuumgrandecírculonocéuedesceuem
umaespiral,planandocomsuasasasrígidasecintilantes.EledeixouAdaranocampoondeaencontrara,
logoapósocrepúsculo.
Seupaiaencontrouali echorouaovê-la, abraçando-acom todaa força.Adaranãocompreendeu
aquilo, nempor que recebeu uma surra dele ao chegarem em casa. Porém, quando ela eGeoff foram
colocadosnacama,elaoouviusairdesuacamaeaproximar-sedadelanapontadospés.
—Vocêperdeuacoisatoda—disseele.—Apareceuumdragãodegeloqueassustoutodomundo.
Opaiachouqueeletinhacomidovocê.
Adarasorriuparasimesmanaescuridão,masnadadisse.
Agarotavoounodragãodegelomaisquatrovezesnaqueleinvernoeemtodososinvernosdepois
daquele.Acadaanoelavoavamaisecommaiorfrequênciadoquenoanoanterior,eodragãodegelo
eravistomaisseguidamentenocéuacimadesuafazenda.
Cadainvernoeramaislongoefriodoqueoanterior.
Acadaanoodegeloocorriamaistarde.
Àsvezes, havia pedaços de terra, ondeo dragãode gelo se deitara para descansar, que pareciam
jamaisdegelartotalmente.MuitosefalounaaldeiaduranteosextoanodeAdara,eumamensagemfoi
enviadaaorei.Jamaishouveresposta.
—Dragõesdegelosãoumproblema—disseHalnaqueleverão,quandovisitouafazenda.—Não
são como dragões de verdade, você sabe. Não se pode domá-los ou treiná-los. Há histórias sobre
aquelesquetentarameforamencontradoscongeladoscomochicoteeosarreiosnasmãos.Ouvifalarde
pessoasqueperderammãosoudedossódetocaremumdeles.Geladura.Sim,umproblema.
—Entãoporqueoreinãofazalgumacoisa?—perguntouseupai.—Mandamosumamensagem.A
nãoserquematemosouespantemosafera,dentrodeumoudoisanosnãoteremosmaisumaestaçãode
plantio.
Haldeuumsorrisosombrio.
—Oreitemoutraspreocupações.Aguerraestáindomal,vocêsabe.Elesavançamacadaverãoe
possuemduasvezesmaiscavaleirosdedragãodoquenós.Estoulhedizendo,John,acoisaestáfeialá
emcima.Algumanonãovouvoltar.Oreidificilmentepodeabrirmãodehomensparairematrásdeum
dragãodegelo.—Eleriu.—Alémdisso,nãocreioquealguémjátenhamatadoumadaquelascoisas.
Talvez devêssemos simplesmente deixar que o inimigo capture esta província inteira. Então seria o
dragãodegelodele.
Maselenãoseria,pensouAdaraenquantoescutava.Nãoimportavaquereigovernasseaterra,aquele
sempreseriaodragãodegelodela.
CAPÍTULOQUATRO
FOGONONORTE
HAL PARTIU, o verão ficoumais intenso e depois abrandou. Adara contava os dias até o seu
aniversário.Halapareceumaisumavezantesdaprimeirafriagem,levandoseudragãofeiopara
osulparapassaroinverno.
Contudo,suaalapareciamenorquandosurgiuvoandosobreaflorestanaqueleoutono.Suavisitafoimais
brevedoquedecostumeeterminoucomumabrigaruidosaentreeleeopaideAdara.
—Elesnãovãosedeslocarduranteo inverno—disseHal.—O terrenono invernoé traiçoeiro
demais,enãoarriscarãoumavançosemcavaleirosdedragãoparalhesdarcoberturadoalto.Mascoma
chegadadaprimaveranão seremoscapazesdedetê-los.O rei pode aténão tentar fazer isso.Vendaa
fazendaagora,enquantoaindapodeconseguirumbompreço.Vocêpodecompraroutropedaçodeterra
nosul.
—Estaéaminhaterra—disseopaideAdara.—Nasciaqui.Vocêtambém,emborapareçaterse
esquecidodisso.Nossospaisestãoenterradosaqui.EBeth também.Queroserenterradoao ladodela
quandoeumefor.
—Vocêirámaiscedodoquegostariasenãomeouvir—disseHal,irritado.—Nãosejaestúpido,
John.Euseioqueaterrasignificaparavocê,maselanãovaleasuavida.—Elecontinuouinsistindo,
mas John não seria convencido. Terminaram a noite xingando um ao outro, e Hal partiu no meio da
madrugada,batendoaportaàssuascostasaosair.
Adara,escutandoadiscussão,tomouumadecisão.Nãoimportavaoqueseupaifariaoudeixariade
fazer.Elaficaria.SeAdarasemudasse,odragãodegelonãosaberiaondeencontrá-laquandooinverno
chegasse,eseelafossemuitoparaosul,odragãojamaispoderiairatrásdela.
Odragão,noentanto,veioatrásdeAdara,logoapósosétimoaniversáriodagarota.Aqueleinverno
foi omais frio de todos. Ela voava com tanta frequência e para tão longe quemal tinha tempo para
trabalharemseucastelodegelo.
Halapareceudenovonaprimavera.Haviaapenasumadúziadedragõesemsuaalaeelenãotrouxe
presentesnaqueleano.EleeopaideAdaradiscutirammaisumavez.Halgritou,imploroueameaçou,
masJohnestavairredutível.Porfim,Halpartiurumoaoscamposdebatalha.
Aquelefoioanoemqueasfileirasdoreiseromperam,lánonorte,pertodealgumacidadecomum
nomelongoqueAdaranãoconseguiapronunciar.
Terifoiaprimeiraaouvirsobreisso.Certanoite,elavoltoudaestalagemruborizadaeagitada.
—Apareceuummensageiroacaminhoparaverorei—contouaeles.—Oinimigovenceualguma
batalhagrandeeestáindopedirreforços.Dissequeonossoexércitoestárecuando.
Opaidelesfranziuatesta,fazendosurgirrugasdepreocupação.
—Eledissealgumacoisasobreoscavaleirosdedragãodorei?—Comousemdiscussões,Halera
dafamília.
—Euperguntei—disseTeri.—Eledissequeoscavaleirosdedragãosãoaretaguarda.Atarefa
deleséatacarequeimar,atrasaroinimigoenquantonossoexércitobateemretiradaemsegurança.Oh,
esperoqueTioHalestejabem!
—Halvaimostrarparaeles—disseGeoff.—EleeSúlfurvãoqueimartodoseles.
Opaidelessorriu.
—Hal semprepôdecuidarde simesmo.Dequalquer forma,nãohámaisnadaquenóspossamos
fazer.Teri,seapareceremmaismensageiros,pergunteaelescomoandamascoisas.
Ela assentiu, mas, mesmo preocupada, não conseguia disfarçar sua agitação. Era tudo muito
emocionante.
Nas semanas seguintes, a emoção desapareceu à medida que as pessoas da região começaram a
compreenderamagnitudedodesastre.Aestradadoreificavacadavezmaismovimentada,todootráfego
seguia de norte a sul e todos os viajantes estavam vestidos de verde e dourado. Em princípio, os
soldadosmarchavamemcolunasdisciplinadas,conduzidasporoficiaisdeelmosdourados,mas,mesmo
assim,nãoeramlámuitoinstigantes.Ascolunasmarchavamaumpassocansado,osuniformesestavam
imundoserasgados,easespadas,piquesemachadosqueossoldadoscarregavamestavamdenteadose
muitas vezes manchados. Alguns homens haviam perdido suas armas; mancavam às cegas, de mãos
vazias. E as fileiras de feridos que vinham atrás das colunas geralmente erammais longas do que as
própriascolunas.Adaraficouparadanabeiradaestradaeobservouenquantoelespassavam.Elaviuum
homemsemolhos apoiandoumhomemcomapenasumaperna, conformeosdois andavam juntos.Viu
homenssempernas,ousembraços,ousemambos.Viuumhomemcomacabeçaabertaporummachado
e muitos homens cobertos de sangue seco e sujeira, homens que gemiam baixo em suas gargantas
enquantocaminhavam.Elasentiuomaucheirodehomenscomcorposhorrivelmenteverdeseinchados.
Umdelesmorreuefoiabandonadonabeiradaestrada.Adaracontouaopai,eeleealgunsdoshomens
daaldeiaforamatéocorpoparaenterrá-lo.
OqueAdaramaisviuforamhomensqueimados.Haviadezenasdelesemcadacolunaquepassava,
homenscujaspelesestavamenegrecidas,cauterizadasecaindo,quehaviamperdidoumbraço,ouuma
pernaoumetadedorostoparaosoproquentedeumdragão.Terilhescontouoqueosoficiaisdisseram
quandopararamnaestalagemparabeberoudescansar:oinimigotinhamuitos,muitosdragões.
CAPÍTULOCINCO
CINZAS
DURANTEquaseummêsascolunaspassaram,maisdelasacadadia.AtémesmoaVelhaLaura
admitiu que jamais vira tanto movimento na estrada. De tempos em tempos um mensageiro
solitário cavalgava contra a corrente, galopando para o norte, mas sempre sozinho. Depois de um
período,todossouberamquenãohaveriareforços.
Um oficial em uma das últimas colunas aconselhou as pessoas da região a pegarem tudo o que
pudessemcarregaremudarem-separaosul.
—Elesestãovindo—advertiuele.Algunsderamouvidosaele,eporumasemanaaestrada,defato,
ficourepletaderefugiadosdascidadesmaisaonorte.Algunscontavamhistóriasassustadoras.Quando
partiram,maismoradoreslocaisforamcomeles.
Porém,amaioriaficou.ErampessoascomoopaideAdara—aterraestavaemseusangue.
Aúltimaforçaorganizadaadesceraestradafoiumatropaesfarrapadadecavalaria,homensmagros
comoesqueletosmontandocavaloscomapelecoladaemvoltadascostelas.Passaramatodavelocidade
duranteanoite,suasmontariasofegandoeespumando,eoúnicoapararfoiumjovemoficialpálido,que
deteveseucavaloporummomentoegritou:
—Vão,vão!Elesestãoqueimandotudo!—Eentãopartiuatrásdosseushomens.
Os poucos soldados que vieram depois estavam sozinhos ou em pequenos grupos. Nem sempre
usavamaestrada,enãopagavampelascoisasquelevavam.
Eentãoninguémmaispassouavir.Aestradaficoudeserta.
Oestalajadeirodiziaquepodiasentirocheirodascinzasquandooventosopravadonorte.Elepegou
suafamíliaefoiparaosul.Teriestavaperturbada.Geoffestavadeolhosarregalados,ansiosoesóum
pouquinhoassustado.Elefaziamilperguntassobreo inimigoepraticavaparaserumguerreiro.Opai
deles continuou com suas tarefas, ocupado como sempre.Comou semguerra, ele tinha plantações no
campo. No entanto, sorria menos do que de costume, começou a beber, Adara o via com frequência
olhandoparaocéuenquantotrabalhava.
Adaravagavasozinhapeloscampos,brincavasozinhanocalorúmidodoverãoetentavapensaronde
seesconderiaseopaitentasselevá-losembora.
Osúltimosaapareceremforamoscavaleirosdedragãodorei,ecomelesvinhaHal.
Haviaapenasquatrodeles.Adaraavistouoprimeiroefoicontaraopai.Eelecolocouumamãono
ombrodagarotaejuntosobservaram-nopassar,umsolitáriodragãoverdecomumaaparênciavagamente
extenuada.Nãoparouparaeles.
Dois dias depois, surgiram três dragões que voavam juntos, e um deles separou-se dos outros e
desceuemcírculosatéafazenda,enquantoosoutrosdoisseguiamparaosul.
TioHalestavamagroetaciturno,comumaspectoamarelento.Seudragãopareciadoente.Haviaum
corrimento em seus olhos e uma das asas havia sido parcialmente queimada, demodo que a criatura
voavadeumjeitodesengonçadoepesado,commuitadificuldade.
—Agoravocêpartirá?—perguntouHalaoirmão,nafrentedetodasascrianças.
—Não.Nadamudou.
Halpraguejou.
—Elesestarãoaquiemtrêsdias.Seuscavaleirosdedragãopodemestaraquiaindaantes.
—Pai,estoucommedo—disseTeri.
Eleolhouparaafilha,viuomedodela,hesitoue,porfim,voltou-separaoirmão.
—Vouficar.Massepuder,gostariaquevocêlevasseascrianças.
AgorafoiavezdeHalhesitar.Pensouporummomentoeentãosacudiuacabeça.
—Nãoposso,John.Eulevariadebomgradoecomalegria,sefossepossível.Masnãoé.Súlfurestá
ferido.Malconseguemecarregar.Seeulevassealgumpesoextra, talvezjamaisconseguiríamosirem
frente.
Tericomeçouachorar.
—Sintomuito,querida—disseHalaela.—Sintomesmo.—Elecerrouospunhos,impotente.
—Terijáéquaseadulta—disseopaideles.—Seopesodelaédemais,entãoleveumdosoutros
dois.
Osirmãosseentreolharam,odesesperoemseusolhos.Halestremeceu.
—Adara—disseeleporfim.—Elaépequenaeleve.—Eleforçouumarisada.—Elamalpesa
algumacoisa.LevareiAdara.Vocêspeguemcavalos,ouumacarroça,ouvãoapé.Masprecisamir.
—Veremos—disseopai,evasivo.—LeveAdaraeamantenhaasalvopornós.
—Sim—concordouHal.Virou-see sorriuparaagarota.—Venha, criança.TioHalvai levá-la
paraumpasseionoSúlfur.
Adaraolhoumuitoseriamenteparaele.
—Não—disseela.Virou-se,saiupelaportaecomeçouacorrer.
Eles foram atrás dela, é claro—Hal, seu pai e atémesmoGeoff. Porém, seu pai perdeu tempo
parado na porta, gritando a ela para que voltasse. Quando começou a correr, ele era pesado e
desajeitado, enquanto Adara era realmente pequena e leve e tinha pés ligeiros. Hal e Geoff
permaneceram no encalço dela pormais tempo,masHal estava fraco e Geoff logo perdeu o fôlego,
emborativessedisparadoatéchegarpertodelaporalgunsmomentos.QuandoAdarachegouaocampode
trigomaispróximo,ostrêsjáhaviamficadobemparatrás.Elalogodesapareceuporentreotrigoeeles
procuraram em vão durante horas, enquanto a garota seguia um caminho com cuidado em direção à
floresta.
Ao cair do crepúsculo, eles trouxeram lanternas e tochas e continuaram a busca. De tempos em
tempos ela ouvia seu pai praguejando ou Hal chamando o seu nome. Adara permaneceu no alto dos
galhosdocarvalhoquehaviaescaladoesorriuparaasluzesenquantoelesvasculhavamoscamposde
umladoparaooutro.Agarotaporfimcaiunosono,sonhandocomachegadadoinvernoeperguntando-
secomoviveriaatéoseuaniversário.Aindaestavabemlonge.
CAPÍTULOSEIS
FUGINDODOFOGO
OAMANHECERadespertou;o
amanhecereumbarulhonocéu.
Adarabocejou,piscoueouviudenovoobarulho.Elasubiuatéogalhomaisaltodaárvore,tãoalto
quantopodiaaguentá-la,eafastouasfolhas.
Haviadragõesnocéu.
Ela jamaishaviavisto feras comoaquelas.Suasescamaseramescuras e cobertasde fuligem,não
verdescomoasdodragãoqueHalmontava.Umeracordeferrugem,umdotomdesanguesecoeoutro
eratãopretoquantocarvão.Todostinhamolhoscomobrasasincandescentes,dasnarinassaíavapor,eas
caudasseagitavamdeumladoparaooutroenquantobatiamasasasescurasecoriáceasnoar.Odragão
cordeferrugemabriuabocaerugiu,eaflorestaestremeceuaoseudesafio,eatémesmoogalhoque
sustentavaAdarabalançouumpouco.Odragãonegro tambémfezumbarulhoe,quandoabriuaboca,
disparouumjatodechamas,todolaranjaeazul,tocandonasárvoresabaixo.Folhasmurcharameficaram
enegrecidas,ecomeçouasubirfumaçadoslugaresqueosoprododragãohaviaatingido.Odragãocor
desanguevoavalogoacima,suasasasestalandoeseretesando,abocameioaberta.Entreseusdentes
amareladosAdaraviu fuligeme cinzas, eoventoprovocadopor suapassagemera como fogoe lixa,
ásperoeirritantecontraapeledagarota.Elafezumacareta.
No dorso dos dragões estavam montados homens com chicotes e lanças, em uniformes negros e
laranjas,osrostosocultosatrásdeelmosescuros.Ocavaleirododragãocordeferrugemgesticuloucom
alança,apontandoparaasconstruçõesdafazendadooutroladodoscampos.Adaraolhou.
Halsubiaparairdeencontroaeles.Seudragãoverdeeratãograndequantoosdeles,mas,dealgum
modo, parecia pequeno a Adara enquanto ela o observava ascender da fazenda. Foi possível ver a
gravidadedosferimentosdodragãoquandoeleestendeuasasascompletamente;apontadaasadireita
estava carbonizada, e a criatura se inclinava bastante para o lado ao voar.No dorso do dragão,Hal
pareciaumdossoldadinhosdebrinquedoqueeletrouxeraparaossobrinhoscomopresenteanosantes.
Oscavaleirosdedragãoinimigossesepararameavançaramsobreeleportrêslados.Halviuoque
estavamfazendo.Tentouvirar,jogar-sedefrentecontraodragãonegroefugirdosoutrosdois.Agitavao
chicote com fúria edesespero.Seudragãoverdeabriu abocae rugiuumdesafio,mas suachamaera
pálidaecurtaenãoalcançouoinimigo.
Osoutrosnãocuspiramfogodeimediato.Então,aumsinal,todososdragõessopraramcomoumsó.
Halfoienvolvidoemchamas.SeudragãosoltouumuivoagudodedoreAdaraviuqueoanimalestava
queimando,queotioestavaqueimando—todosestavamqueimando,feraemestre.Tombaramcomforça
nosoloeficaramfumegandoemmeioaotrigodopaideAdara.
Oarestavarepletodecinzas.
Adaraesticouopescoçoparaaoutradireçãoeviuumacolunadefumaçaseerguendodooutrolado
daflorestaedorio.AquelaeraafazendaondeaVelhaLauraviviacomosnetosebisnetos.
Quandovoltouaolharparaolocaldabatalha,ostrêsdragõesescurosestavamvoandoemcírculos
cadavezmaisbaixossobreasuafazenda.Pousaram,umporum.Elaobservouoprimeirodoscavaleiros
desmontareandardespreocupadoatéaporta.
Agarotaestavaassustadaeconfusa,esótinhaseteanos,afinaldecontas.Oarpesadodoverãoera
um fardo para ela, enchia-a de uma sensação de desamparo e aumentava todos os seusmedos. Então
Adara fez a única coisa que sabia, sem pensar, uma coisa que lhe vinha naturalmente. Ela desceu da
árvore e correu. Correu pelos campos e pela floresta, para longe da fazenda, de sua família e dos
dragões,paralongedetudo.Correuatésuaspernaslatejaremdedor,seguindonadireçãodorio.Correu
atéolugarmaisfrioqueconhecia,atéascavernasprofundasabaixodasribanceirasdorio,paraoabrigo
gélido,aescuridãoeasegurança.
Elá,nofrio,elaseescondeu.Adaraeraumacriançadoinverno,eofrionãoaincomodava.Porém,
enquantoseescondia,elatremeu.
OdiasetornounoiteeAdaranãodeixouacaverna.
Tentoudormir,masseussonhosestavamrepletosdedragõesincandescentes.
Encolheu-se deitada na escuridão e tentou contar quantos dias faltavam até o seu aniversário. As
cavernaseramagradavelmentefrescas;Adarapodiaquaseimaginarquenãoeraverão,queerainverno,
oupertodoinverno.Logoseudragãodegeloviriaatrásdelaeelacavalgariaemseudorsodevoltaà
terradesempre-inverno,ondegrandescastelosdegeloecatedraisdenevepermaneciameternamenteem
camposbrancossemfim,etudooquehaviaeratranquilidadeesilêncio.
Deitada ali, quase parecia inverno. A caverna parecia ficar cada vez mais fria. Adara sentia-se
segura.Elacochilouporummomento.Quandodespertou,estavaaindamaisfrio.Umacamadagélidae
brancacobriaasparedesdacaverna,eagarotaestavasentadaemumleitodegelo.Adaralevantou-sede
um pulo e olhou para a entrada da caverna, tomada pela luz pálida da alvorada. Um frio gelado lhe
acariciou.Masvinhadoladodefora,domundodoverão,nãodasprofundezasdacaverna.
Eladeuumgritinhodealegriaesubiucorrendoasrochascobertasdegelo.
Láfora,odragãodegeloestavaasuaespera.
Acriatura soprara sobreaágua,eagorao rioestavacongelado,oupelomenospartedeleestava,
emborafossepossívelverqueogeloderretiadepressaàmedidaqueosoldoverãoseerguia.Soprara
sobreavegetaçãoaolongodasmargens,arelvatãoaltaquantoAdara,eagoraasfolhasestavambrancas
equebradiças.Quandoodragãodegelomoveuasasas,arelvasepartiuaomeioecaiu,comosetivesse
sidoceifadacomumafoice.
OsolhosgélidosdodragãoencontraramosdeAdara,agarotacorreuatéeleeoescaloupelaasa,e
entãooenvolveucomosbraços.Elasabiaquetinhadeseapressar.Odragãodegelopareciamenordo
queelajamaisvira,eelacompreendeuoqueocalordoverãoestavalhecausando.
—Depressa,dragão—sussurrouela.—Leve-meembora,leve-meparaaterradesempre-inverno.
Nuncamaisvamosvoltar aqui, nunca.Vouconstruirparavocêomelhor castelode todos, cuidareide
vocêevoareicomvocêtodososdias.Apenasleve-meembora,dragão,leve-meparacasacomvocê.
Odragãodegeloouviuecompreendeu.Asvastasasastranslúcidasforamdesdobradasecomeçaram
a bater, e ventos árticos e penetrantes uivaram através dos campos do verão.Eles alçaramvoo. Para
longedacaverna.Paralongedorio.Acimadafloresta.Cadavezmaisalto.Odragãodegelovirou-se
paraonorte.Adaraviude relancea fazendadopai,maseramuitopequenae ficavacadavezmenor.
Deramascostasaelaevoaram.
EntãoumsomchegouaosouvidosdeAdara.Umsomimpossível,umsomqueerabaixodemaiseque
estavalongedemaisparaqueelapudesseentender,aindamaissobreasbatidasdasasasdodragãode
gelo.Maselaouviumesmoassim.Ouviuseupaigritar.
Lágrimasquentesescorrerampelorostodagarota,e,aocaíremnodorsododragãodegelo,deixaram
marcasdequeimaduraemmeioàgeada.Derepente,ofriosobsuasmãoscomeçouamachucá-lae,ao
retirarumadelas,Adaraviuamarcaquesuamãofizeranopescoçododragão.Elaestavacommedo,
mascontinuouasesegurar.
—Dêavolta—sussurrou.—Oh,porfavor,dragão.Leve-medevolta.
Elanãopodiaverosolhosdodragãodegelo,mas sabiaqueaparência teriam.Acriaturaabriua
bocaeexpeliuumacolunabranco-azulada,umjatolongoefrioquepairounoar.Nãofezbarulhoalgum;
dragõesdegelosãosilenciosos.Porém,emsuamenteAdaraouviuaintensidadedopesardodragão.
—Porfavor—sussurroueladenovo.—Ajude-me.—Suavozerabaixaefraca.
Odragãodegelodeuavolta.
CAPÍTULOSETE
FÚRIAFRIA
OS TRÊS DRAGÕES escuros estavam do lado de fora do celeiro quando Adara retornou,
deleitando-se com as carcaças queimadas e enegrecidas dos animais de seu pai. Um dos
cavaleirosdedragãoestavaparadopertodeles,apoiadonalançaecutucandooseudragãodetemposem
tempos.
Eleergueuacabeçaquandoumarajadadeventofriosurgiucortandooscampos,gritoualgoecorreu
paraodragãonegro.AferaarrancouumúltimopedaçodecarnedocavalodopaideAdara,engoliu-oe
levantouvoo,relutante.Ocavaleiroestalouochicote.
Adaraviuaportadacasadafazendaseescancarar.Osoutrosdoiscavaleiroscorreramparaforaaté
osseusdragões.
Odragãonegro rugiu e cuspiu seu fogonadireçãodagarota.Adara sentiuo calor escaldante eo
dragãodegeloestremeceuquandoaschamasroçaramsuabarriga.Entãoesticouolongopescoço,fixou
os terríveisolhosvaziosno inimigoeabriuamandíbulacobertadegeada.Osopro saiudomeiodos
dentesgélidos,umsopropálidoefrio.
Tocouaasaesquerdadodragãonegrocomocarvãoabaixodeles,eaferasombriasoltouumgrito
agudo de dor.Quando tornou a bater as asas, a asa coberta de geada se quebrou em duas.Dragão e
cavaleirocomeçaramacair.
Odragãodegelosoproudenovo.
Osinimigosestavamcongeladosemortosantesdeatingiremosolo.
Odragãocordeferrugemestavavoandonadireçãodeles,assimcomoodragãocordesanguecom
seucavaleirodetorsonu.OsouvidosdeAdaraforampreenchidoscomosrugidosfuriososdasbestas,e
elapôdesentirosoproquentedelesàsuavoltaeveroaroscilarcomocaloresentirofedordeenxofre.
Duaslongasespadasdefogosecruzaramemplenoar,masnenhumatocouodragãodegelo,embora
eletivessesecontraídocomocaloresoltasseáguacomochuvasemprequebatiaasasas.
Odragãocordesanguevooupertodemaiseosoprododragãodegeloatingiuocavaleiro.Seutorso
nuficouazuldiantedosolhosdeAdara,eaumidadesecondensousobreeleporummomento,cobrindo-
o com geada. O homem gritou, morreu e caiu da montaria, embora o arreio tenha ficado para trás,
congeladonopescoçododragão.Odragãodegeloseaproximoudaoutrafera,asasasgritandoacanção
secretado inverno,eumarajadadechamaschocou-secomumade frio.Odragãodegeloestremeceu
maisumavezesecontorceuparalonge,pingando.Ooutrodragãomorreu.
Porém,oúltimocavaleiroestavaatrásdelesagora,oinimigodearmaduracompletasobreodragão
cujasescamaseramdocastanhodaferrugem.Adaragritouenessemomentoofogoenvolveuaasado
dragãodegelo.Ofogodesapareceudeimediato,masaasadesapareceucomele,derretida,destruída.
Aasaremanescentedodragãodegelobatiafrenéticapararetardaraqueda,masacriaturaveioao
chão com um estrondo terrível. Suas pernas se quebraram sob o corpo, e a asa se quebrou em dois
lugares.O impacto da aterrissagem arremessouAdara de cima do dorso do dragão.Ela caiu na terra
maciadocampo,roloueselevantoucomesforço,machucada,masinteira.
Odragãodegelopareciamuitopequenoagora,muitoquebrado.Olongopescoçoafundoucansadono
solo,eacabeçapousouentreotrigo.
O cavaleiro de dragão inimigomergulhava rapidamente, berrando em triunfo.Os olhos do dragão
ardiam.Ohomembrandiualançaegritou.
OdragãodegeloergueudolorosamenteacabeçamaisumavezeemitiuoúnicosomqueAdarajáo
ouviuemitir:umterrívelgritoagudocheiodemelancolia,comoosomqueoventonortefazquandose
moveaoredordastorreseameiasdocastelobrancoquepermanecevazionaterradesempre-inverno.
Quando o grito se dissipou, o dragão de gelo enviou frio ao mundo pela última vez: uma longa
torrentedefriobranco-azuladaefumegante,cheiadeneveequietude,eofimdetodososseresvivosdo
frio.O cavaleiro de dragão vooudireto contra ela, ainda brandindo o chicote e a lança.Adara o viu
desabar.
Entãoelaestavacorrendoparalongedoscampos,devoltaparacasaeparasuafamília,correndoo
maisrápidoquepodia,correndo,ofegandoechorandootempotodocomoumacriançadeseteanos.
Adaranãosabiaoquefazer,masencontrouTeri,cujaslágrimasaessaalturajáhaviamsecado,eelas
soltaramGeoff,eentãodesamarraramoseupai.Tericuidoudeleelimpouseusferimentos.Quandoele
abriuosolhoseviuAdara,sorriu.Elaoabraçoucommuitaforçaechorouporele.
Ànoiteopaidissequeestavabemparaviajar.Partiramabrigadospelastrevasetomaramaestrada
doreiparaosul.
AfamíliadeAdaranãofezperguntasnaocasião,naquelashorasdeescuridãoemedo.Contudo,mais
tarde,quandoestavamasalvonosul,surgiramperguntasintermináveis.Adaralhesrespondeudamelhor
formaqueconseguiu.Porém,nenhumdelesjamaisacreditounela,excetoGeoff,eeledeixouissodelado
quandoficoumaisvelho.Elatinhaapenasseteanos,afinaldecontas,enãocompreendiaquedragõesde
gelonuncasãovistosnoverãoenãopodemserdomadosoucavalgados.
Alémdisso,quandodeixaramacasaaquelanoite,nãohaviadragãodegeloparaservisto.Apenasos
imensoscorpossombriosdetrêsdragõesdeguerraeoscorposmenoresdetrêscavaleirosdedragões,
vestidosdenegroelaranja.Eumlagoquenuncaestiveraláantes,umlagopequenoecalmo,cujaágua
eramuitogelada.Deramavoltanelecomcuidado,indonadireçãodaestrada.
CAPÍTULOOITO
PRIMAVERA
OPAIdeAdara trabalhouparaoutrofazendeirodurante trêsanosnosul.Poupavaoquepodia,e
pareciafeliz.
—Halsefoi,assimcomoaminhaterra—diziaaAdara—,eficotristeporisso.Masestátudobem.
Tenhominha filha de volta.— Pois o inverno a deixara agora, e a garota sorria e gargalhava e até
choravacomoasoutrasgarotinhas.
Trêsanosdepoisquehaviamfugido,oexércitodoreiderrotouoinimigoemumagrandebatalhaem
queosdragõesdo rei incendiaramacapital estrangeira.Napazque se seguiu, asprovínciasdonorte
mais umavez trocaramde governante.Teri recuperara o ânimo e se casara comum jovemmercador,
permanecendonosul.GeoffeAdaravoltaramcomopaiparaafazenda.
Quandochegouaprimeirageada, todososlagartosdegeloapareceram,comosempretinhamfeito.
Adara os observou com um sorriso no rosto, lembrando-se de como as coisas haviam sido.Mas não
tentoutocá-los.Eramcoisinhasfriasefrágeis,eocalordesuasmãosiriamachucá-los.
—OAUTOR—
GEORGER. R.MARTIN é o autor internacional best-seller da aclamada sérieAsCrônicas deGelo e Fogo. Martin ganhou múltiplosprêmios de ficção científica, incluindo quatro Hugos, dois Nebulas, o Bram Stoker Award, o Locus Award, o World Fantasy Award, oDaedelus Award, o Balrog Award e o Daikon (o Hugo japonês).Martin, que atualmente mora em Santa Fé, NovoMéxico, é um ávidoentusiastadeHistória,umdedicadocolecionadordeminiaturasdecavaleiroseumsériofãdefutebolamericano.
—OILUSTRADOR—
LUISROYOéumartistaespanholconhecidoporsuasexuberantesilustraçõesdefantasia.Temsuascoletâneasdeartepublicadasemmaisde trinta livros, além de já ter tido sua obra exposta em grandes exposições emBarcelona,Madri,Milão, NovaYork e São Peterburgo.Conheçamaissobreoartistanositewww.luisroyo.com(eminglês).
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