da responsabilidade individual À responsabilidade … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo...

29
10196 DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE SOCIAL: REFLEXÕES SOBRE A CAUSALIDADE * THE INDIVIDUAL TOWARD SOCIAL LIABILIY: CONSIDERATIONS ABOUT CAUSE Fernanda Paes Leme Peyneau Rito RESUMO O presente estudo tem como objetivo principal provocar a reflexão acerca da conveniência e oportunidade de transição de um modelo calcado na responsabilidade individual para um modelo fundando na responsabilidade social. A fim de lograr atingir tal objetivo, procedeu-se a análise da evolução interpretativa do conceito de nexo causal, destacando a tendência observada no sentido de flexibilização do referido pressuposto da responsabilidade civil. Utilizou-se a metodologia civil-constitucional como paradigma interpretativo. Dentre as principais conclusões, destaca-se a necessidade de se construir parâmetros sólidos para assegurar tratamento justo a todos os envolvidos em situações que resultem em dano: vítima e ofensor aparente. PALAVRAS-CHAVES: RESPONSABILIDADE CIVIL; NEXO CAUSAL; SOLIDARIEDADE SOCIAL ABSTRACT The main objective of this study is to provoke reflection about the convenience and opportunity to transition from a trampled on individual liability for a model founded on social liability. It means, consider the importance of social solidarity in civil liability. To achieve that goal, we proceeded with the analysis of interpretation of the concept of causality, highlighting the trend towards relaxation of this assumption of liability. We used the civil-constitutional methodology as interpretive paradigm. Among the main findings highlight the need to build solid criteria to ensure fair treatment to all those involved in situations that result in damage: the apparent victim and offender. KEYWORDS: CIVIL LIABILITY; CAUSE; SOCIAL SOLIDARITY I. INTRODUÇÃO: * Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

Upload: truongminh

Post on 07-Feb-2019

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10196

DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE SOCIAL: REFLEXÕES SOBRE A CAUSALIDADE*

THE INDIVIDUAL TOWARD SOCIAL LIABILIY: CONSIDERATIONS ABOUT CAUSE

Fernanda Paes Leme Peyneau Rito

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo principal provocar a reflexão acerca da conveniência e oportunidade de transição de um modelo calcado na responsabilidade individual para um modelo fundando na responsabilidade social. A fim de lograr atingir tal objetivo, procedeu-se a análise da evolução interpretativa do conceito de nexo causal, destacando a tendência observada no sentido de flexibilização do referido pressuposto da responsabilidade civil. Utilizou-se a metodologia civil-constitucional como paradigma interpretativo. Dentre as principais conclusões, destaca-se a necessidade de se construir parâmetros sólidos para assegurar tratamento justo a todos os envolvidos em situações que resultem em dano: vítima e ofensor aparente.

PALAVRAS-CHAVES: RESPONSABILIDADE CIVIL; NEXO CAUSAL; SOLIDARIEDADE SOCIAL

ABSTRACT

The main objective of this study is to provoke reflection about the convenience and opportunity to transition from a trampled on individual liability for a model founded on social liability. It means, consider the importance of social solidarity in civil liability. To achieve that goal, we proceeded with the analysis of interpretation of the concept of causality, highlighting the trend towards relaxation of this assumption of liability. We used the civil-constitutional methodology as interpretive paradigm. Among the main findings highlight the need to build solid criteria to ensure fair treatment to all those involved in situations that result in damage: the apparent victim and offender.

KEYWORDS: CIVIL LIABILITY; CAUSE; SOCIAL SOLIDARITY

I. INTRODUÇÃO:

* Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

Page 2: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10197

Tradicionalmente, o instituto da responsabilidade civil condensa, ao mesmo tempo, seus elementos constitutivos e pressupostos de configuração, no tripé: culpa, dano e nexo causal. Assim, em tese, desde que presentes os pressupostos – culpa, nexo causal e dano – configurada está a obrigação de reparar. Contudo, a equação aparentemente simples, atualmente comporta soluções distintas e, por isso, questionáveis, já que suas variáveis centrais não apresentam um núcleo conceitual fechado, ao revés, percebe-se mudanças relevantes em seus significados que, conseqüentemente, alteram as soluções alcançadas.

Observa-se, que tais elementos e pressupostos vêm sendo, por vezes abandonados – como no caso (ocaso) da culpa, nas hipóteses de responsabilidade objetiva – e, por vezes mitigados, a exemplo do nexo causal que, em determinadas situações é flexibilizado. Sobre o contexto, Schreiber afirma:

“que o estágio atual da responsabilidade civil pode justamente ser descrito como um momento de erosão dos filtros tradicionais de reparação, isto é, de relativa perda de importância da prova da culpa e da prova do nexo causal como obstáculos ao ressarcimento dos danos na dinâmica das ações de ressarcimento” [1].

Em verdade, a aludida erosão dos filtros da responsabilidade civil é um reflexo das profundas transformações impostas ao ordenamento civilístico após a promulgação da Constituição de 1988, que inaugurou uma nova tábua axiológica de valores e objetivos, não só orientadores, mas, sobretudo, determinantes para a sua construção unitária[2]

Ao consagrar a pessoa humana como centro do ordenamento jurídico e a solidariedade social como objetivo fundamental, a Constituição da República impôs uma mudança de paradigma, sintetizado pela ruptura do modelo individualista-liberal em favor de um modelo solidarista. Em decorrência, ao instituto da responsabilidade civil, com o objetivo de assegurar a reparação mais ampla possível, passa a interessar mais o ofendido e o dano injustamente sofrido, do que o ofensor e sua culpa.

Lograr êxito em assegurar a reparação integral da vítima é tarefa complexa, mesmo quando presentes e incontestáveis a culpa, o nexo causal e o dano, já que não rara é a hipótese de insolvência do obrigado. Entretanto, mais difícil é equacionar as expectativas legítimas da vítima, em ter ressarcido um dano injustamente sofrido, com as do responsável aparente, em não se ver obrigado a compensar um dano ao qual não deu causa.

A fim de assegurar a reparação da vítima, jurisprudência e doutrina passam a tratar com menos rigor o nexo causal, seja pela mitigação e/ou relativização das excludentes de responsabilidade, seja pelo reconhecimento de uma causalidade alternativa, por exemplo.

A moderna perspectiva é correta, visto refletir a prevalência dos valores existenciais aos patrimoniais. Entretanto, com a mudança de foco do ofensor para a vítima, inspira preocupação a flexibilização do nexo causal, especialmente porque hoje, em nosso ordenamento, as hipóteses de responsabilização objetiva perdem muito o caráter de excepcionalidade, seja pelo quantitativo de hipóteses de responsabilidade objetiva, seja pela representatividade (valor relativo) das mesmas.

Page 3: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10198

Nesse contexto, se tradicionalmente se elencava como pressupostos da responsabilidade civil o dano, o nexo causal e a culpa, atualmente, como conseqüência do processo de desculpabilização e o incremento das hipóteses de responsabilidade objetiva, recai sobre o nexo causal a função de, uma vez verificado o dano, caracterizar ou não a responsabilidade. Duas são as possibilidades: reforçar o pressuposto, firmando-se a responsabilidade individual, ou, relativizá-lo, abrindo caminho para uma responsabilidade social. O meio termo, flexibilizar o nexo causal e manter a responsabilidade individual, tal como se tem verificado, parece uma solução tão injusta quanto deixar ao desamparo a vítima.

Assim, a questão a ser enfrentada no presente estudo pode ser resumida na seguinte indagação: O que é mais justo (ou injusto): o desamparo da vítima ou a responsabilização de um ou vários agentes que não deram, efetivamente, causa ao dano?

O objetivo mediato é analisar o nexo causal, mais especificamente a flexibilização deste face à sua primeira função de determinar a quem se deve atribuir um resultado danoso. A análise será exemplificativa em relação à (i) relativização das excludentes de responsabilidade; à (ii) teoria da causalidade alternativa: dano causado por membro indeterminado de um grupo; e, à (iii) presunção de causalidade.

Por fim, objetivo imediato é provocar a reflexão acerca da conveniência de transição de uma responsabilidade individual para uma responsabilidade social, com o intuito de responder a indagação acima descrita.

No que diz respeito ao afastamento da culpa e a conseqüente objetivação da responsabilidade civil, em doutrina já é afirmada tal transição. Bodin de Moraes[3] (2008, pg. 857) destaca que a evolução da responsabilidade civil em direção à objetivação deriva de uma mudança sócio-cultural fundada na atenção e no cuidado para com o lesado, concluindo que o fundamento ético-jurídico da responsabilidade objetiva encontra-se na Constituição e consiste no princípio da solidariedade social. No mesmo sentido, Orlando Gomes[4] utilizando a expressão “giro conceitual”, sintetiza essa mudança de perspectiva, no sentido de um afastamento do ato ilícito e concentração no dano injusto.

Resta, pois, perquirir a oportunidade e conveniência de tal transição no que tange ao nexo causal. Principalmente, deve-se buscar parâmetros que permitam maior sistematização e harmonização no tratamento do nexo causal, especialmente porque, o respeito a dignidade da pessoa e a solidariedade social são direitos e deveres de todos, não só da vítima. Assim, deve-se preocupar também com o responsável, sobretudo, quando só aparente, pelo dano causado.

II. FLEXIBILIZAÇÃO DO NEXO CAUSAL:

Responsabilidade civil, em apertada síntese, é o dever jurídico de reparar o dano provocado a outrem em decorrência da violação de um dever jurídico originário. Assim, só há que se falar em responsabilidade civil quando diante de uma situação em que o descumprimento de um dever jurídico implique em um dano.

Page 4: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10199

Cruz[5] afirma que o nexo causal cumpre uma dupla função na responsabilidade civil: “por um lado, permite determinar a quem se deve atribuir o resultado danoso, por outro, é indispensável na verificação da extensão do dano a se indenizar”.

Seguindo esta linha de proposição, a primeira função do nexo causal, objeto de análise no presente estudo, consiste em atribuir juridicamente o dano a quem deve por ele responder, o que significa individuar o dano, a fim de estabelecer o dever de indenizar.

Tepedino[6] consigna que no sistema dual de responsabilidade civil brasileiro, “o dever de reparar depende da presença do nexo causal entre o ato culposo ou a atividade objetivamente considerada, e o dano, a ser demonstrado, em princípio, por quem o alega”. Já a verificação do nexo causal, assim como dos demais pressupostos da responsabilidade civil, encontra-se, segundo a Lição de Monteiro Filho[7], no primeiro plano de investigação na responsabilidade civil. Aduz o referido professor:

Cavalieri[8] alerta que o nexo causal é a primeira questão a ser enfrentada na solução de qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva), deve-se apurar se o agente deu ou não causa ao resultado.

“Cuida-se, então, de saber quando um determinado resultado é imputável ao agente; que relação deve existir entre o dano e o fato para que este, sob a ótica do Direito, possa ser considerado causa daquele”.

Ocorre, entretanto que, a fim de assegurar a reparação integral da vítima, o nexo causal vem sendo tratado com menos rigor pelos tribunais e, em doutrina verifica-se teses defendendo certa flexibilização do nexo de causalidade.

A causalidade flexível, em linhas gerais, diz respeito a não adoção rígida de qualquer das teorias sobre a causalidade, o que leva, nas palavras de Schreiber[9], a um cenário de fluidez na aferição do nexo causal que, por seu turno, em conjunto com a desculpabilização, implica na erosão dos filtros da responsabilidade civil.

II.1. CAUSALIDADE FLEXÍVEL: PRESSUPOSTO.

Defende-se que o pressuposto da flexibilização do nexo causal consiste na adoção heterogênea e não uniforme das teorias de causalidade pelos tribunais, e, como conseqüência direta, a relativização/mitigação da primeira função do nexo causal.

Sobre o pressuposto, qual seja, a não adoção de uma teoria de causalidade específica, Schreiber, Tepedino e Cruz afirmam que no caso brasileiro, verifica-se uma posição eclética dos tribunais.

Cruz[10] ressalta “que os tribunais brasileiros não raras vezes confundem as teorias”. Schreiber[11] consigna que “a observação das decisões judiciais revela que as cortes têm empregado ora uma teoria, ora outra, sem que se possa definir sequer um padrão de julgamento a partir dos diversos precedentes emitidos em um determinado ordenamento”.

Page 5: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10200

Ambos concluem, citando Tepedino[12] , in verbis:

“que, para se entender o panorama da causalidade na jurisprudência brasileira, cumpre ter em linha de conta não as designações das teorias, não raro tratadas de modo eclético ou atécnico pelas cortes, mas a motivação que inspira as decisões”.

Os autores identificam a adoção da Teoria do Dano Direto e Imediato pelo Supremo Tribunal Federal, destacando, no entanto, inúmeros exemplos de utilização de outras teorias. A adoção da referida teoria, também denominada de Teoria da Causalidade Direta e Imediata ou Teoria da Interrupção do Nexo Causal, teve por base o artigo 1060 do Código Civil de 1916, que dispunha que “ainda que a inexecução resulte do dolo do vendedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato”.

A princípio, por esta teoria, os danos indiretos não eram indenizáveis. Entretanto, esta evolui para a subteoria da necessariedade da causa, que impõe o dever de reparar quando o dano é efeito necessário de certa causa, ou seja, conseqüência direta e necessária. Assim, os danos indiretos, desde que conseqüência direta da causa, passam a ser ressarcíveis.

Já o Superior Tribunal de Justiça, segundo Tepedino e Cruz, parece adotar a Teoria da Causalidade Adequada, segundo a qual, a causa de um evento é aquela mais apta, em abstrato, à produção do resultado. Ou seja, visa identificar na presença de mais de uma possível causa, a potencialmente apta a produzir o resultado.

Os autores supra mencionados apontam confusões na adoção de uma ou outra teoria, assim como exemplificam a utilização de mais de uma teoria na solução de um mesmo caso concreto. Nesse contexto, Schreiber adverte que:

“uma análise mais profunda, porém, demonstra que o caos reinante em matéria de nexo causal corresponde não a insistentes equívocos do nosso Poder Judiciário, mas a uma deliberada abordagem do problema da causalidade de modo a lhe assegurar uma solução, por assim dizer, flexível”[13].

Verifica-se, pois, uma tendência a flexibilização do nexo causal. A fim de assegurar o ressarcimento integral da vítima de um dano injusto, surgem novas teorias sobre a responsabilidade civil, mais precisamente, tendo em vista o escopo do presente estudo, abordagens recentes sobre o nexo causal, no sentido de flexibilizar o entendimento acerca da configuração do referido pressuposto. Chega-se, até, em alguns casos, a defender-se o dever de indenizar, mesmo quando ausente o nexo causal, em que pese lições consagradas em doutrina, como a de Caio Mário da Silva Pereira[14]:

III. RELATIVIZAÇÃO DA INTERRUPÇÃO DO NEXO CAUSAL:

Em regra, o agente só responde pelo que efetivamente causou, salvo as hipóteses de solidariedade e de responsabilização por fato de outrem. Temos, pois, que salvo as exceções legais, só há que se falar em responsabilizar alguém por um dano que tenha de fato provocado. Cumpre ao nexo causal, que pode ser entendido como o liame

Page 6: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10201

necessário entre a conduta e o resultado, no exercício de sua primeira função (vide seção II), individuar o responsável pela lesão.

O atuar do nexo causal nessa primeira função, entretanto, esbarra em uma primeira dificuldade quando, no caso concreto, fatores externos atravessam a cadeia causal entre o fato e o dano, já que, como adverte Cruz[15] “não há interrupção do nexo causal em todos os casos em que a primeira série causal, em curso na direção do efeito, encontra um segundo fato que provoca o dano”. Então, uma vez verificada a relação causal entre fato e o dano, deve-se perquirir a existência ou não de um fator externo, que inicie uma segunda série causal entre a primeira e o dano. Existindo essa segunda série causal deve-se verificar se a mesma teve o condão de interromper a primeira série ou se contribuiu com aquela para o resultado danoso.

Havendo pluralidade de causas, a investigação deve seguir os parâmetros propostos por Tepedino[16]. Inicialmente, deve-se verificar se as causas são sucessivas ou concausas concorrentes e concomitantes.

Se as causas forem sucessivas, não há que se falar em interrupção do nexo causal, desde que estabelecido o vínculo de necessariedade entre elas, já que apenas uma será diretamente responsável pelo dano. Solução diversa se dá quando as causas são concorrentes ou concomitantes, à medida que todas, como o nome bem indica, concorrem para o resultado danoso. Neste caso, em que pese também não se configurar a interrupção do nexo causal, deve-se estabelecer uma relação de preponderância entre as diversas causas e o dano delas resultante[17].

A interrupção do nexo causal, que segundo Cruz[18] é a exceção e não a regra, para que ocorra, é imprescindível o preenchimento de três requisitos. O primeiro diz respeito à existência de um nexo causal a ser interrompido já que só se pode interromper uma relação previamente existente. O segundo requisito consiste na independência entre os fatos, como, à medida que havendo vínculo de necessariedade entre ambos os fatos e o dano restará configurada uma espécie de concausa. Por fim, o terceiro requisito é que “o segundo fato tenha provocado o efeito independentemente do primeiro fato, de tal maneira que só a eficácia causal do segundo fato tenha operado o dano[19].

As eximentes de responsabilidade civil reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro são: i) fato exclusivo da vítima; ii) fato exclusivo de terceiro; e, iii) caso fortuito ou de força maior. As duas primeiras encontram-se positivadas no Código de Defesa do Consumidor, constituindo, ambas, causas excludentes do dever de indenizar do fornecedor, tanto para a responsabilidade pelo fato do produto (art. 12, § 3º, CDC), quanto para a responsabilidade pelo fato do serviço (art. 14, § 3º, CDC). Já o caso fortuito ou de força maior tem previsão expressa no art. 393 do Código Civil.

No que tange ao fato exclusivo da vítima e ao fato exclusivo de terceiro, doutrina e jurisprudência construíram o entendimento pacífico de que constituem também excludentes de responsabilidade nas relações paritárias – contratual e extracontratual – reguladas pelo Código Civil.

Tal construção interpretativa é, em verdade, decorrência lógica da dicção do artigo 186 do Código Civil, que determina que comete ilícito aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem. Do

Page 7: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10202

referido dispositivo são extraídos os pressupostos da responsabilidade civil: conduta culposa, dispensada nas hipóteses de responsabilidade objetiva; nexo causal e dano. Ocorre que, se o fato exclusivo da vítima ou de terceiro são hábeis a, simultaneamente, interromper a primeira relação causal estabelecida entre o primeiro fato e o dano e, estabelecer uma segunda relação, sendo esta última efetiva e autonomamente determinante para a configuração do dano, resta, pois exonerado de responsabilidade o agente que perpetrou o fato que ensejou a primeira relação causal, como supra mencionado.

Argumentação mais recente é proposta pela professora Cláudia Lima Marques[20], quando a mesma estabelece um possível diálogo das fontes entre Código Civil e Código de Defesa do Consumidor. Esclarece-se que a proposta da referida professora será aqui utilizado a contrario sensu, já que, em sua obra, o objetivo é justificar um tratamento desigual e privilegiado dos consumidores.

Em termos sintéticos, propõe a autora que o modelo brasileiro de coexistência do direito do consumidor e do Código Civil é sui generis, já que a opção legislativa foi a de um código para iguais e um código para diferentes. Neste modelo, segundo a autora, as duas leis podem dialogar, sendo que ao caso em contento, parece ser aplicável o diálogo sistemático de complementaridade e subsidiariedade, que se verifica na aplicação coordenada das duas leis, uma complementando a outra[21].

O que está a se defender, com intuito singular de propor uma nova justificativa, à medida que inexiste divergência doutrinária sobre o tema, é que se nas relações consumeristas, nas relações entre desiguais, o fato exclusivo da vítima e o fato exclusivo de terceiro são causas de exclusão da responsabilidade civil, nas relações paritárias mais ainda devem o ser.

Tepedino[22], ao enfrentar problemas suscitados pela coexistência de ambos os diplomas, conclui afirmando que “os confins interpretativos devem ser estabelecidos a partir não da topografia das definições legislativas, mas da diversidade axiológica dos bens jurídicos a que se pretende tutelar”.

Então, se nas relações desiguais reconhece-se as excludentes em desfavor dos vulneráveis, não reconhecê-las nas relações entre iguais seria a inclusão de uma desigualdade não permitida[23]. Por outro lado, não reconhecer o caso fortuito ou de força maior como eximente da responsabilidade do fornecedor seria fortalecer a idéia, ao nosso ver equivocada, de microssistemas, em detrimento de uma visão sistemática e unitária do ordenamento.

O caso fortuito ou de força maior está previsto como causa de exclusão da responsabilidade civil no artigo 393 do Código Civil de 2002, segundo o qual, quando da ocorrência de um fato necessário cujos efeitos não era possível evitar ou impedir, o devedor não responderá pelos prejuízos dele resultantes, exceto se tiver expressamente assumido tal responsabilidade.

Caio Mário Pereira[24] afirma que sendo, em regra, já que afastado apenas nas hipóteses de responsabilidade objetiva, a imputabilidade da falta, contratual ou extracontratual, pressuposto inseparável do dever de indenizar, faltando a possibilidade de imputação torna-se descabida a reparação. Assim, se o dano resultou, não por fato do

Page 8: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10203

responsável aparente, mas por fato estranho ao seu poder, não lhe cabe qualquer dever de indenizar.

Em que pese a falta de consenso acerca da definição de caso fortuito e de força maior, Cavalieri[25] sintetiza, afirmando que fala-se de um e outro quando se trata de acontecimento que escapa a toda diligência, inteiramente estranho à vontade do devedor da obrigação. E conclui que ambos excluem o nexo causal por constituírem causa estranha à conduta do agente aparente, ensejadora do dano, exceto quando por força de convenção (art. 393, CC), por força de lei ou quando se constituir em concausa.

Cruz assevera que o caso fortuito ou de força maior só serão hábeis a interromper o nexo causal se reunidas as seguintes características:

“(i) inevitabilidade: trata-se de um acontecimento ao qual não se pode resistir; (ii) imprevisibilidade: imprevisível para o homem médio (o juízo valorativo deve ser feito em abstrato); (iii) atualidade: o agente não se pode escusar com o evento futuro, que ainda não ocorreu; e, (iv) extraordinariedade: o fato deve fugir ao curso natural e ordinário”[26].

Doutrina e jurisprudência entendem que a eximente aplica-se a responsabilidade civil contratual e extracontratual, subjetiva e objetiva, apontando, no entanto, diferenças na sua incidência. Tal diferenciação, em verdade, já denota uma construção doutrinária e jurisprudencial no sentido de relativizar a excludente.

Neste diapasão, a teoria do fortuito interno surge relativizando a excludente em análise. Segundo essa teoria, nos casos de responsabilidade objetiva o nexo causal entre o fato e o dano somente é rompido se o evento superveniente for estranho tanto a primeira relação causal estabelecida, quanto à atividade normalmente desenvolvida pelo agente. Assim, somente o fortuito externo, ou seja, o “evento necessário e inevitável que se revela estranho à atividade do agente[27] é capaz de interromper o nexo causal.

O entendimento jurisprudencial tem sido no sentido de que por consistir o fortuito interno em risco ligado à atividade do agente responsável, não é suficiente para interromper o nexo causal. Em outros termos, sustenta-se que, quando o fortuito concorre com o risco inerente à atividade, em verdade, ele o potencializa, não sendo, por isso, hábil a excluir a responsabilidade.

Entretanto, a possibilidade apresenta-se muito ampla. Se não há consenso acerca do que efetivamente venha a ser o risco da atividade normalmente desenvolvida, como delimitar o que seja fortuito interno e externo? Abre-se, pois, uma brecha para a relativização da excludente, ampliada ainda mais pelo fato de que o fato exclusivo de terceiro também só é considerado capaz de interromper o nexo causal em hipóteses de responsabilidade objetiva, quando equiparado ao fortuito externo. Neste sentido, Schreiber afirma que:

“a invocação do fortuito interno não se baseia tanto em uma qualificação cientificamente rígida, porque tormentosa, de um acontecimento como externo ou interno à certa atividade. Nem mesmo a previsibilidade ou resistibilidade têm desempenhado nesta análise um papel tão decisivo. O juízo acerca da incidência ou não

Page 9: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10204

da figura do fortuito interno parece, antes, vinculado à lógica do risco e de sua imputação a certo sujeito que desenvolve uma atividade potencialmente lesiva”[28].

À teoria do fortuito interno, enquanto interpretação no sentido de relativização da causa de exoneração da responsabilidade soma-se a divergência doutrinária acerca da possibilidade de o caso fortuito e a força maior serem hábeis a afastar a responsabilidade do fornecedor. A discussão gira em torno da literalidade dos §§ 3º dos artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor, mais precisamente se o rol por eles introduzido é ou não exaustivo.

Entende-se não se tratar de numerus clausus, sendo o caso fortuito e a força maior aplicáveis às relações tuteladas pelo Código de Defesa do Consumidor, “pois são com ele inteiramente compatíveis”[29] e, em decorrência lógica da unidade do ordenamento jurídico, que impõe que a interpretação seja orientada pela axiologia dos bens jurídicos tutelados e não pela topografia das definições legislativas.

Uma vez aceita a aplicação da eximente nas relações consumeristas, a mesma sofre a influência da teoria do fortuito interno que, no caso, tem por fim “evitar a exclusão da responsabilidade do fornecedor por acontecimentos que, embora imprevisíveis e irresistíveis, se verificam anteriormente à colocação do produto no mercado”[30].

Análise jurisprudencial demonstra que a eximente representada pelo caso fortuito e a força maior em sua releitura a partir da teoria do fortuito interno acaba por ser confundida com a excludente do fato exclusivo de terceiro, isto porque, esta última só exclui a responsabilidade objetiva quando equiparado ao caso fortuito (externo).

Inicialmente, há que se destacar que o fato de terceiro pode-se equiparar ao estado de necessidade ou ao caso fortuito. Quando o fato de terceiro equipara-se ao estado de necessidade, não há que se aviltar exoneração de responsabilidade, salvo se o lesado for culpado pelo perigo, embora seja possível ação regressiva, como dispõe ao artigo 929 do Código Civil de 2002. Por outro lado, se o fato de terceiro for equiparado ao caso fortuito, há que se perquirir se a hipótese remonta ao fortuito interno ou ao fortuito externo, sendo certo que só este último tem o condão de interromper o nexo causal.

Nesse sentido, o verbete número 94 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro preceitua que: “cuidando-se de fortuito interno, o fato de terceiro não exclui o dever do fornecedor de indenizar. A justificativa para a súmula é a de que o fortuito interno não exclui a responsabilidade do fornecedor, porque faz parte do risco de sua atividade.

Schreiber[31] ilustra a flexibilização do nexo causal em decorrência da aplicação da teoria do fortuito interno que acaba por relativizar tanto o caso fortuito e de força maior quanto o fato exclusivo de terceiro, citando dois acórdãos proferidos em apelações cíveis pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. No primeiro, um assalto com roubo de bens mantidos em um cofre alugado foi considerado fortuito interno da atividade bancária, implicando na responsabilidade da instituição pelo ressarcimento do cliente[32]. No segundo foi entendido que a inscrição de suposto devedor no Sistema de Proteção ao Crédito em decorrência de abertura de crédito em seu nome (suposto devedor) por outrem a partir de documentação falsa, é fortuito interno[33].

Page 10: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10205

Sobre este segundo julgado, frisa-se que está em consonância com o entendimento predominante do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sendo inúmeros os julgados no mesmo sentido[34]. Ademais, o mesmo Tribunal de Justiça considera o estelionato fortuito interno nas relações consumeristas, restando, pois, a obrigação do fornecedor de indenizar sempre que, em decorrência daquele (estelionato, fato de terceiro) sobrevier dano.

A fim de ilustrar a dificuldade de diferenciar o caso fortuito e de força maior do fato exclusivo de terceiro, quando da utilização da teoria do fortuito interno e, também, das divergências interpretativas acerca da interrupção do nexo causal, seja pelo reconhecimento de uma ou de outra causa, merece análise mais aprofundada a controvérsia gerada em torno de um furto ocorrido em uma casa de espetáculos no Rio de Janeiro[35]. Ao caso ainda resta o deslinde, visto pender julgamento de recurso especial.

Conforme relatório da sentença, a parte autora requereu em juízo indenização por dano material em decorrência de furto de seu aparelho celular, de módica quantia em espécie e do canhoto do ingresso durante um show realizado nas dependências da ré. Em contestação, a parte ré sustentou a impossibilidade de inversão do ônus da prova, já que só a autora poderia comprovar que efetivamente esteve presente no show, preliminar inseparável para a própria apreciação dos fatos narrados. Durante a instrução probatória, não foi acostado nenhum documento que ao menos demonstrasse a compra do ingresso. A presença da autora no referido show foi provada por testemunha. Sustentou ainda a parte ré que, se efetivamente ocorreu o furto narrado, este seria fato exclusivo de terceiro, equiparável ao caso fortuito (fortuito externo), interrompendo, pois o nexo causal.

A decisão em primeira instância foi a de improcedência do pedido, visto ter sido “comprovada a adequação e eficiência dos serviços prestados pela ré, no evento em tela”. A autora apelou e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reformou a sentença, nos termos da ementa abaixo transcrita:

“Ação de responsabilidade civil. Dano moral e material. Furto de aparelho celular e de valor em dinheiro, cometido no interior da casa de espetáculos. Responsabilidade objetiva. Defeito na prestação do serviço, não se podendo falar em culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, posto que a casa de espetáculos deveria fornecer a devida segurança e proteger adequadamente seus clientes, que buscam tranqüilidade no desfrute do lazer proporcionado pelo estabelecimento. Fato previsível, ocorrido em ambiente de uso exclusivo dos freqüentadores. Havendo falha na segurança, surge a obrigação de indenizar, até porque se trata de dever lateral inerente ao contrato. Apelo parcialmente provido para condenar a empresa apelada a pagar indenização por danos materiais, não se podendo aceitar o pleito de danos morais decorrentes dos procedimentos de revista dos freqüentadores, realizado pelos prepostos da apelada, fato que não configura lesão moral”.

(TJRJ, Apelação Cível 2008.001.31539, Des. Celso Luiz de Matos Peres, j. 30/07/2008).

O caso em voga ilustra a divergência acerca do que consiste as excludentes de responsabilidade civil positivadas no ordenamento brasileiro, e, em decorrência, o que

Page 11: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10206

vem a ser o risco da atividade, permitindo a flexibilização da excludente fato exclusivo de terceiro.

A parte ré sustentou a exoneração de sua responsabilidade em decorrência do caso fortuito. Já o Ministério Público alegou que o rompimento do nexo causal decorreu de fato exclusivo da vítima, já que a mesma agiu sem a devida cautela em meio à multidão. O juízo a quo não explicitou a excludente de responsabilidade civil aplicável ao caso, afastando apenas o defeito na prestação do serviço. O relator, em voto seguido pelos demais desembargadores, identificou falha na prestação do serviço em virtude de o mesmo não ter fornecido a segurança esperada pelo consumidor, sendo tal falha corroborada pelo fato de existir segurança no local.

Resta, pois, a dúvida: se a casa de show não dispusesse de seguranças, seria o furto decorrente de caso fortuito, como sustentou a ré, de culpa exclusiva da vítima, como sustentou o parquet, de fato exclusivo de terceiro, ou, a falta de seguranças no local fortaleceria a tese de falha na prestação do serviço?

O fato exclusivo da vítima é a terceira causa de exclusão da responsabilidade civil prevista pelo ordenamento brasileiro, sendo disciplinada apenas no Código de Defesa do Consumidor. Frise-se que, assim como já foi defendido para o fato exclusivo de terceiro, doutrina e jurisprudência entendem ser a eximente também aplicável às hipóteses de responsabilidade das relações civis além daquelas que envolvam fornecedor, como não poderia deixar ser em observância a unidade harmônica do ordenamento. Ademais, é hábil a excluir até mesmo a responsabilidade objetiva, visto interromper o nexo causal.

O fato exclusivo da vítima se dá quando o dano decorre de ato ou fato exclusivo da própria vítima, sendo o responsável aparente mero instrumento do acidente. A título de ilustração, imagine o condutor de um veículo trafegando, dentro dos limites de velocidade e atendendo as demais exigências de diligência, por baixo de um viaduto quando é surpreendido por alguém que, instantes havia se jogado da parte superior desse mesmo viaduto e que vem a falecer não em decorrência da queda, mas sim do atropelamento. O motorista na situação hipotética narrada, em que pese ser o causador direto do dano, não pode ser responsabilizado, já que inexiste liame causal entre a sua conduta e o dano que, em verdade, resultou de fator externo atribuído exclusivamente a própria vítima.

Sobre a excludente em análise, duas questões surgem. A primeira relaciona-se com a possibilidade de interrupção do nexo causal no caso de culpa exclusiva de vítima menor de idade ou louca. Embora a discussão encontre sede doutrinária, com a devida venia, não merece prosperar, já que o arrazoado argumento é de que a menoridade e a insanidade não permitem a responsabilização do próprio menor ou louco, devido ao fato de que tais ações não são culposas.

Entretanto, o que importa para a interrupção do nexo causal não é a culpabilidade, mas sim, a ruptura do elo que liga a ação do responsável aparente ao resultado danoso. Sendo assim, se a ação do menor ou do louco for apta para tal, não há óbice em que seja afastada a responsabilidade do outro agente. Ou seja, a atuação de pessoas nessas condições pode ser eficiente para romper o nexo causal. Entretanto, conhecendo o estado de incapacidade do outro, deve ser redobrada a diligência e o cuidado.

Page 12: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10207

Corrobora a tese da irrelevância da culpabilidade para a interrupção do nexo causal, a previsão legal do caso fortuito ou de força maior como eximentes, já que não é possível atribuir culpa a quem quer que seja pelo dano resultante destas últimas.

A segunda questão que merece destaque diz respeito a concorrência de culpa. Esta, como a expressão bem indica, ocorre quando a vítima ou o terceiro, apesar de não ser o único causador do dano, concorre efetivamente para o resultado.

A concorrência de culpa, a princípio, não impede a interrupção do nexo causal, mas deve ser atenuante da responsabilidade do agente, ou seja, deve agir na segunda função do nexo causal.

A discussão ganha relevo nas relações de consumo visto o Código de Defesa do Consumidor não ter elencado a hipótese no rol das excludentes de responsabilidade. Assim, parte da doutrina, em face da literalidade dos artigos 12, parágrafo 3º e 14, parágrafo 3º considera irrelevante a concorrência de culpa. Por outro lado, há quem sustente que a concorrência deva ser causa de atenuação da responsabilidade, o que parece mais acertado.

Acerca da relativização do fato exclusivo da vítima como excludente de responsabilidade civil, Schreiber[36] alerta:

“não é raro que certos comportamentos por parte da vítima ou do terceiro, ainda que incompatíveis com os standards específicos de diligência, sejam considerados inclusos no risco do responsável ou imputáveis à sua esfera por alguma outra razão, a exemplo do que ocorre com o fortuito interno”.

A fim de ilustrar a relativização da excludente no sentido de flexibilização do nexo causal, o referido autor cita o conhecido caso do escorrega[37], no qual o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a culpa concorrente da vítima que, conforme já mencionado, não exclui a obrigação de indenizar, atuando somente na segunda função do nexo causal, ou seja, na quantificação do dano. A lide envolvia um jovem em viagem com amigos para um hotel fazenda, que, após uma confraternização subiu em um escorrega e mergulhou dentro da piscina. Ocorre que a piscina não tinha profundidade suficiente para comportar aquele mergulho específico e, conseqüentemente, o jovem sofreu danos à saúde.

Recentemente a interpretação acerca da configuração da culpa exclusiva da vítima gerou divergência no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro[38]. A controvérsia envolve uma instituição financeira, prestadora de serviço e uma pessoa jurídica, correntista da referida instituição.

A correntista solicitou uma antecipação de crédito sobre venda parcelada através do sistema VISANET, no valor de R$ 15.000,00, tendo sido, no entanto, creditado em sua conta corrente a quantia de R$ 34.000,00. Após verificar o engano da instituição financeira, no que tange ao valor depositado, a correntista solicitou o cancelamento da antecipação de crédito. Tal pedido de cancelamento gerou o estorno de todo o valor anteriormente depositado pela instituição financeira, como, acredita-se, não poderia ser diferente, já que o pedido foi de cancelamento e não de ratificação do depósito em

Page 13: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10208

congruência com o valor que havia sido solicitado. Conseqüentemente, alguns cheques da autora foram devolvidos, motivo pelo qual ela pleiteou a indenização.

O juízo a quo entendeu pela inexistência de quaisquer das causas que exonerariam o dever da instituição financeira de indenizar. Já o Tribunal de Justiça, em sede de apelação, reformou a sentença, reconhecendo a “quebra do nexo de causalidade pela ocorrência de culpa exclusiva do consumidor”. Em que pese a reforma da sentença, houve voto vencido, no qual foi afastada a culpa exclusiva da vítima e sequer cogitada a culpa concorrente.

Insta comentar um caso de atropelamento em linha férrea julgado em outubro do ano em curso pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro[39]. No caso em comento, a vítima, ao utilizar uma passagem clandestina construída pelos próprios moradores, foi atropelada, vindo a falecer. Os autores (companheira e filho do de cujus) ingressaram em juízo pleiteando indenização por danos morais e materiais, deduzindo que a responsabilidade da ré decorria do fato de não ter providenciado a reconstrução do muro, impedindo, pois, a utilização da passagem clandestina e, ou por não ter disposto de sinalização para evitar acidentes.

A sentença concluiu pela culpa exclusiva da vítima, que utilizou passagem clandestina em plena madrugada, mesmo havendo passarela de pedestres próxima ao local, julgando improcedentes os pedidos iniciais. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao contrário, reconheceu tão somente a culpa concorrente da vítima, não afastando, pois, a responsabilidade da ré. O voto do relator, seguido pelos demais, afastou a excludente de culpa exclusiva da vítima, ao, no mínimo, curioso argumento de que “acidente que vitimou o de cujus ocorreu de madrugada, permitindo-se concluir que a vítima não tenha tido percepção ou chance de evitar a colisão, fato que afasta a alegação de culpa exclusiva da vítima”. Ademais, concluiu pela falha nos serviços de fiscalização e vigilância, evocando a teoria do risco proveito, aduzindo: “A prestadora do serviço que tem vantagens com a atividade desenvolvida deve responder pelos efeitos prejudiciais que dela decorrem”.

IV. CAUSALIDADE ALTERNATIVA:

A teoria da causalidade alternativa surge como mais um instrumento de flexibilização do nexo causal, a fim de assegurar a reparação da vítima. Dada a complexidade da demonstração do nexo causal em determinadas situações e, com o objetivo de não deixar vítimas desassistidas, parte da doutrina e jurisprudência – ainda que timidamente – vêm defendendo a aplicação da teoria da causalidade alternativa[40]. Esta teoria propõe uma interpretação nova para o nexo causal em sua primeira função, ou seja, flexibiliza-se a individuação do lesante.

A primeira função do nexo causal, conforme já exposto, consiste em determinar a quem se deve atribuir o dano. Assim, a rigor, não sendo possível individuar o ofensor, não há que se falar em nexo causal, e, sem este último, a solução deve ser a irresponsabilidade. Neste contexto, questiona-se se é justo deixar a vítima desamparada quando, apesar de não se identificar o causador do dano, identifica-se o grupo ao qual ele faz parte. A

Page 14: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10209

pergunta então passa a ser a seguinte: o que é mais justo (ou injusto): o desamparo da vítima ou a responsabilização de vários agentes por um dano ao qual não deram causa?

Schreiber[41] afirma que a teoria da causalidade alternativa tem “sua origem na discussão sobre o tratamento a ser dado à causalidade em hipótese em que, embora seja possível identificar o grupo de cuja atuação adveio o dano, mostra-se impraticável a determinação precisa do seu causador”. Como exemplo, cita o acidente de caça, “em que um disparo atinge a vítima, sem que se possa determinar de que arma partiu o projétil”.

A referida teoria propugna a responsabilidade solidária de todo o grupo, ou seja, considera mais justa a reparação da vítima, do que injusta a condenação daqueles que não deram causa ao dano.

Cruz[42] apresenta uma resenha dos principais posicionamentos doutrinários acerca da teoria da causalidade alternativa. Em síntese, os argumentos contrários baseiam-se na impossibilidade de se configurar a responsabilidade, visto à inexistência de um de seus pressupostos, o nexo causal, e, conseqüentemente, restar de todo afastada a individuação do causador do dano. Por outro lado, os argumentos favoráveis sedimentam-se na construção de uma nova noção de causalidade. Neste sentido, fala-se da transformação da noção de causalidade real a fim de se admitir uma causalidade suposta. Frise-se que, mesmo reconhecendo ser a autoria do fato que resultou no dano desconhecida, defendem a não exoneração dos membros do grupo. Em outros termos, com a atenção voltada para a vítima, consideram menos injusto imputar a responsabilidade por um dano a quem não deu causa, do que deixar a vítima ao desamparo.

Defende-se aqui a tese da inadmissibilidade da responsabilização quando da impossibilidade de determinação do nexo causal entre a conduta e o dano por três ordens de argumentos: i) pela injustiça da solução que confere; ii) pelos reflexos negativos da adoção da causalidade alternativa nos grupos sociais; e, iii) pela impossibilidade de se impor solidariedade entre os membros do grupo.

Sob o primeiro argumento, entende-se que, responsabilizar quem não tenha efetivamente dado causa ao dano é solução tão injusta quanto deixar ao desamparo à vítima. Assim, salvo se esta vier a ser uma decisão de política legislativa, devidamente discutida e, posteriormente, positivada, não há que se admitir presunção de que a vítima mereça “maior justiça” do que o responsável aparente que, em última instância, acaba se tornando vítima do próprio julgado.

No que tange aos reflexos negativos da adoção da causalidade alternativa nos grupos sociais, insta questionar se esta solidariedade imposta não acabará por desagregar os próprios grupos sociais. Imaginemos a seguinte situação hipotética. Um grupo de amigos resolve se confraternizar, organizando uma reunião. Nenhum dos integrantes do grupo assume a responsabilidade pela mesma, ao contrário, entre todos são divididos igualmente os afazeres necessários para a realização da festa, que se dá em um ambiente público, um parque, por exemplo. Durante a confraternização, pessoa estranha ao grupo se aproxima, achando tratar-se de uma festa a qual tinha sido convidado. Este estranho sofre um acidente, devido ao fato de o piso estar molhado porque algum membro do grupo derramou alguma bebida. Este estranho, em decorrência da queda, fratura a sua

Page 15: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10210

perna esquerda, ficando impossibilitado de trabalhar por 30 dias, já que o mesmo era um trabalhador autônomo, motorista de táxi.

Indubitavelmente, gera consternação o fato de essa pessoa vir a ficar sem a sua renda mensal, o desamparo a vítima parece injusto. Por outro lado, não se sabe quem agiu com negligência. Não se trata de tentar proteger um dos membros do grupo, simplesmente não há como identificar o responsável. Se a opção for por responsabilizar todo o grupo e, mais ainda, se esta passar a ser a decisão reiterada dos tribunais, no mínimo, as pessoas irão ponderar com bastante atenção antes de se unirem em uma nova confraternização.

Por fim, o terceiro argumento baseia-se na literalidade do artigo 265 do Código Civil de 2002, que determina que “a solidariedade não se presume; resulta de lei ou da vontade das partes”. Não bastasse tal disposição, o Código Civil brasileiro não apresenta norma geral sobre o dano causado por membro indeterminado de um grupo. “A solidariedade consiste, portanto, em instituto excepcional, e, como toda exceção, não pode ser presumida”[43]. Logo, não tendo a lei estabelecido a solidariedade, salvo se os membros do grupo assim convencionarem, não há que se presumir a mesma, quiçá ser reconhecida pelo juízo.

A tentativa de se estabelecer a solidariedade entre os membros do grupo, responsabilizando todos pelo evento danoso decorre, também, da tentativa de interpretar extensivamente o artigo 942 do Código Civil de 2002, que prevê a responsabilidade solidária entre os co-autores de um ilícito. No entanto, a tese não merece prosperar porque a questão não envolve co-autoria, ao revés, resume-se a autoria desconhecida.

Caso notório acerca da construção jurisprudencial no sentido de estabelecer a solidariedade decorre da interpretação do artigo 1529 do Código de 1916 (artigo 938 do Código Civil de 2002). Neste caso, a literalidade do artigo permitia a solidariedade, porém, da análise dos casos concretos três orientações distintas emergiram.

Dispunha o artigo 1529 que “aquele que habitar uma casa, ou parte dela, responde pelo dano proveniente das coisas, que dela caírem ou forem lançadas em lugar indevido”. Três teses emergiram. A primeira homenageava a imprescindibilidade de determinação do nexo causal e refutava a possibilidade de condenação de todo o condomínio de apartamentos. Já a segunda tese, reconhecia a responsabilidade solidária dos condôminos, admitindo, no entanto excluir a responsabilidade daqueles moradores que habitassem casas de onde não poderia ter sido lançado o objeto. Por fim, a terceira tese, hoje prevalente, “atenta ao fato de que esta prova de nexo causal tornava, na prática, impossível a reparação”[44] pugnou por atribuir a responsabilidade ao condomínio como um todo, sendo eventual rateio matéria interna corporis.

Em suma, em que pese a falta de expressa previsão legal, há decisões que presumem a solidariedade dos integrantes do grupo a fim de não deixar a vítima desassistida. Neste sentido, citam-se dois acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, onde a referida teoria é expressamente adotada.

O primeiro, julgado em dezembro de 1991, declara:

Page 16: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10211

“Causalidade alternativa. Forma suposta de causalidade, inadmissível para efeitos penais, mas suficiente para a fixação da responsabilidade civil. Falta de prova suficiente de haver qualquer dos demandados, individualmente, golpeado a vítima de modo a concorrer efetivamente para causar-lhe a morte, fundamento da absolvição criminal, sem força, entretanto, para afastar a responsabilização civil, a cuja configuração basta a prova de integrarem os réus o grupo participante da briga durante a qual tais golpes foram desferidos. (...). Demonstração testemunhal suficiente desse pressuposto de participação, ainda que insuficiente para deslindar a exata forma e extensão da cota com que cada qual dos réus concorreu para o resultado lesivo.” (Apelação Cível no. 591047451, 6ª Câmara Cível, TJRS, Rel: Adroaldo Furtado Fabrício, julg. Em 10/12/1991)

O mesmo Tribunal, em 1995, adotou a teoria da causalidade alternativa em matéria de responsabilidade civil por acidente de automóveis, cuja ementa transcreve-se:

“Causalidade Alternativa. Mesmo que não se saiba quem foi o autor do dano, se há vários indivíduos que poderiam ser, todos estão obrigados a indenizar solidariamente. Culpa. A vítima, a quem não se pode atribuir qualquer culpa pelo acidente, não se pode exigir que descreva e prove minuciosamente a culpa de cada um dos motoristas”. (Apelação Cível no. 195116827, 5ª Câmara Cível, Tribunal de Alçada RS, Rel: Rui Portanova, julg. em 23/11/1995)

Ainda sobre a solidariedade, diferente ressalva deve ser feita em relação a solidariedade entre a cadeia de fornecedores de produtos e serviços, já que a mesma decorre de lei, especificamente, do parágrafo único do artigo 7º do Código de Defesa do Consumidor[45]. Neste caso, entende-se que a responsabilização solidária se dá somente quando houver mais de um fabricante para o produto ou mais de um causador do dano, verificado o nexo causal entre a conduta e o dano.

Em que pese concordar que a teoria da causalidade alternativa tem aplicação nas relações consumeristas em decorrência da responsabilidade extracontratual da cadeia de fornecedores, ressalta-se que a mesma deva ser empregada com cautela, tendo como premissa que, em que pese poder existir responsabilidade sem culpa, como nas hipóteses de responsabilidade objetiva, não pode existir sem nexo causal. Assim, se a toda evidência os danos foram advindos de vício de produto, por exemplo, não que se sustentar a responsabilidade daquele que apenas o comercializou. De mesma sorte, se trata-se de serviços coligados, deve-se perquirir qual foi efetivamente o serviço defeituoso.

V. PRESUNÇÃO DE CAUSALIDADE:

Sob o argumento de que a concepção de causa como condição necessária para a configuração da responsabilidade mostra-se como barreira à indenização de danos aos quais não se pode precisar, quer seja por sua própria natureza, ou por falta de conhecimento sobre os mecanismos de causação do resultado ou, ainda, seja pela impossibilidade de isolar e ponderar os múltiplos fatores que podem lhes dar ensejo, emergem, posicionamentos a favor da presunção de causalidade. Fala-se em reconstruir a noção de causalidade segundo um paradigma de probabilístico e até mesmo em

Page 17: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10212

reconhecer uma causalidade natural para certas hipóteses de dano, dentre elas, a do dano ambiental e a do dano à saúde derivado de suposto defeito do produto.

V.1. PRESUNÇÃO DE CAUSALIDADE NO DANO AMBIENTAL.

Insta aludir à hipótese de dano ambiental, que é exemplo apontado em doutrina, onde o nexo de causalidade pode ser presumido. Ou seja, não sendo possível demonstrar o nexo causal entre a conduta do agente e o dano, a probabilidade de que o agente tenha dado causa ao dano é suficiente para configurar a obrigação de indenizar. Em verdade, sendo o dano ambiental, na maioria das vezes, resultante de causas simultâneas, concorrentes e sucessivas, torna-se difícil individuar o lesante. Não bastasse, o dano, não raras vezes, não resulta imediatamente após a conduta do agente, ao revés, tem efeitos demorados, levando à pulverização da própria idéia de nexo causal.

Em mais este caso deve-se optar entre a reparação da vítima e a imposição do dever de compensar, independentemente do nexo causal. A opção tem sido no sentido de amparar a vítima. Contudo, será essa a melhor opção a longo prazo?

A responsabilidade por dano ambiental é objetiva. Os danos podem se perpetuar, já que os efeitos de um dano ambiental são progressivos e muitas vezes hábeis a ultrapassar gerações. Dito de outra forma, em matéria ambiental a dificuldade não está só em determinar o causador do dano, mas também, em determinar as vítimas e a duração do próprio dano. É, pois, uma situação na qual a autoria pode ser coletiva, assim como a vítima é a coletividade atual, quiçá futura, e o dano se protrai por prazo que não se pode precisar. Então, dadas essas características, deve-se ponderar se, efetivamente, a melhor solução é a presunção do nexo causal. De certo, que se estará assegurando a reparação, mas, pode-se estar onerando um agente por um dano tão longo quanto à sua própria existência e determinante dela.

V.2. PRESUNÇÃO DE CAUSALIDADE NOS DANOS À SAÚDE: BEBIDAS ALCOÓLICAS E TABACO.

Estudos técnicos apontam as bebidas alcoólicas e o tabaco como produtos inerentemente perigosos, por conterem riscos inafastáveis para as vítimas. Tais estudos baseiam-se em estatísticas que relacionam a incidência de determinadas doenças e/ou acidentes com o consumo de tais produtos. Entretanto, tais trabalhos científicos podem ser avocados tanto para fundamentar a responsabilidade dos fornecedores por danos que podem ter resultado do consumo dos produtos, quanto para afastar, à medida que tais estudos não demonstram cabalmente que a doença e/ou acidente é uma decorrência direta e imediata do consumo dos mesmos e, ao nosso ver, nem mesmo é uma conseqüência natural.

A questão nodal que se impõem sobre a responsabilidade civil das indústrias tabagistas e etílicas é a determinação do nexo causal entre o fornecimento do produto e o dano. A complexidade repousa no fato de que tais casos são precisamente caracterizados pela

Page 18: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10213

inexistência de conhecimento empírico, seguro e suficiente para a determinação da causalidade.

A questão é bastante controvertida, tanto em doutrina, quanto na jurisprudência, havendo entendimento em ambos os sentidos.

Entre aqueles que pretendem afastar a responsabilidade das indústrias, o principal fundamento é o da inexistência de nexo causal, seja pela avocação da culpa exclusiva da vítima, seja pela tentativa de demonstrar inexistência de defeito. Os argumentos baseiam-se na licitude da conduta, no conhecimento notório das possíveis conseqüências do consumo de tais produtos e no atendimento à regulamentação específica[46].

Por outro lado, os defensores da responsabilidade das indústrias, invariavelmente, sustentam teses no sentido da mitigação do pressuposto, sugerindo, por exemplo, juízos de probabilidade e alegando defeito por vício de informação e até mesmo no abuso de direito relacionado à publicidade. Nesse sentido, insta transcrever trecho do voto do Desembargador Odone Sanguine, relator na apelação cível número 70016845349/2006, julgada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em 12 de dezembro de 2007:

“Com a evolução e transformação da responsabilidade civil, notadamente no âmbito da moderna responsabilidade pelo produto, é necessário flexibilizar o conceito de nexo causal para considerar suficiente um elevado grau de probabilidade e para possibilitar uma maior proteção à vítima do dano injusto, garantindo-lhe o ressarcimento, nos casos em que a prova do nexo causal se torna muito difícil, permitindo assim, a efetivação do princípio da reparação integral”.

Controvertida também é a questão da boa-fé objetiva dos fornecedores e a autonomia existencial dos consumidores. Na defesa dos fornecedores sustenta-se a opção livre e consciente do consumidor, assim como a licitude da atividade e o atendimento das exigências legais no que diz respeito à publicidade. Cita-se mais uma vez decisão proferida em apelação cível pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, transcrevendo trechos do voto do relator:

“Contudo, não obstante o cigarro seja, de fato, um produto naturalmente associado a riscos para a saúde - periculosidade inerente, sua fabricação e comercialização são lícitas em todo o território nacional, não se podendo, portanto, concluir que a fabricação e a comercialização do produto tenham conseqüências no mundo jurídico. O mesmo ocorre com as bebidas alcoólicas. (...).

Ainda em relação à propaganda veiculada pela empresa ré, deve ser considerado ter ela cumprido seu dever de informação ao consumidor, a partir do momento em que foi a tanto compelida, o que se deu no ano de 1988 (...).

Ressalte-se que, sem existência de lei anterior não se pode falar em descumprimento de dever jurídico preexistente, visto que, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei (Princípio da Legalidade - artigo 5º, II, da Constituição Federal). (...)

Page 19: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10214

Mais uma vez é de se ressaltar que a atividade desenvolvida pela empresa ré é lícita, amplamente regulada pelo poder público, sendo certo que o simples fato de fabricar e comercializar o produto de periculosidade inerente não induz à ilegalidade de sua conduta. Se prevalecesse tal entendimento, como dito, a indústria de bebidas alcoólicas teria que indenizar a todos aqueles que desenvolvessem cirrose hepática.

(Apelação Cível no. 1.0596.04.019579-1/001, 18ª Câmara Cível, TJMG, Rel: Unias Silva, julg. Em 16/09/2008)

Diametralmente oposto é o entendimento daqueles que defendem a responsabilização das indústrias. Dentre esses, argumenta-se que o livre arbítrio ou assunção do risco por parte da vítima não constituem causa de exclusão da responsabilidade dos fornecedores de tais produtos, visto que as empresas não observam o princípio da boa-fé objetiva ao não alertarem adequadamente os consumidores acerca dos riscos inerentes ao consumo.

Assim, considerando que os riscos inerentes ao consumo de tais produtos não são considerados normais e previsíveis e que os deveres de segurança e informação são defeituosos, avocam o princípio do venire contra factum proprium, aludindo que se tem notícia de que pelo menos desde a década de 1950 as empresas de tabaco tinham conhecimento dos efeitos nocivos à saúde decorrentes do consumo de cigarros e omitiram informações a tal respeito, para afastar a culpa exclusiva da vítima. Nesse sentido, recorre-se ao acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

“2.1. LIVRE ARBÍTRIO, EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO E LICITUDE: O livre arbítrio não serve para afastar o dever de indenizar das companhias tabagistas pelas mesmas razões que não se presta para justificar a descriminalização das drogas. O homem precisa ser protegido de si mesmo, mormente porque lidamos com produtos que podem minar a capacidade de autodeterminação. No que tange ao exercício regular de um direito, como bem mencionou a Exma. Des. Mara Larsen Chechi, mister, nessa esfera, distinguir o abuso de direito do mau uso de uma liberdade. De fato, enquanto o exercício de prerrogativas conferidas, explicitamente, a uma pessoa, reveste-se de presunção de licitude, o exercício do amplo e vago poder de agir, decorrente de ausência de proibição legal, não confere senão uma frágil presunção de licitude do ato (omissivo ou comissivo) praticado. Destarte, como disse o Des. Coelho Braga, para que haja responsabilização civil, a conduta não precisa ser necessariamente ilícita, deve ser uma conduta que causa dano a outrem. O que está em jogo não é a natureza jurídica da conduta das empresas fabricantes de cigarro, mas sim os danos causados por essa conduta, seja ela lícita ou não. Ademais, não olvidemos de que estamos diante de uma relação de consumo, de forma que a responsabilização se dá independentemente da existência de culpa, na esteira do que preceitua o art. 12 do Código de Defesa do Consumidor. Tal norma tem o intuito de resguardar a integridade física e psíquica do consumidor.”

(Apelação Cível no. 70012335311, 9ª Câmara Cível, TJRS, Rel: Marilene Bonzanini Bernardi, julg. em 21/09/2005)

Na seção II.1, supra, defendeu-se a tese de que a não adoção de uma teoria de causalidade específica consiste em pressuposto para a flexibilização do nexo causal. Esta tese é corroborada pelo voto do Desembargador Odone Sanguine, relator na apelação cível anteriormente citada. A questão nuclear da lide consistia no

Page 20: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10215

reconhecimento ou não de nexo causal entre a morte do companheiro da autora e o consumo de tabaco. Tal questão foi exaustivamente apreciada pelo relator, que concluiu pela existência do nexo causal e concorrência de culpa da vítima e, conseqüentemente, pelo dever de indenizar, em voto seguido pelos demais.

A Desembargadora presidente Marilene Bonzanini Bernardi, em seu voto, destacou que o cerne do julgamento era a comprovação do nexo causal, concluindo que:

“O tabagismo, se não pode ser considerado causa exclusiva, e não o é, contribui de forma substancial para o surgimento da doença e seu agravamento, no mínimo fazendo com que prognósticos de sobrevida se esvaíssem com brumas. Tais circunstâncias, por si só, já impunham o reconhecimento da responsabilidade”.

A fim de estabelecer o nexo causal entre o dano morte e a conduta da ré – fabricação e/ou comercialização de tabaco –, o douto relator após criticar a teoria do dano direto e imediato ao argumento principal de que a mesma restringe demasiadamente o dever de indenizar, resultando “excessivo exigir que uma circunstância seja condição não só necessária, mas também suficiente de um dano, para que juridicamente possa ser considerada sua causa”, pugna pela adoção da teoria da causalidade adequada.

À teoria da causalidade adequada, como já descrito, para restar configurada a responsabilidade, basta a demonstração de que o dano é uma conseqüência natural e razoável do fato antecedente. Baseado em tal teoria foi declarado:

“Indubitavelmente há nexo de causalidade entre a fabricação ou fornecimento do cigarro pela empresa Souza Cruz S.A. e o hábito (vício) de fumar e a morte subseqüente da vítima Carlos Renato Carazai em decorrência de neoplasia pulmonar produzida pelo consumo diário de cigarros desde a adolescência e que perdurou por cerca de trinta e sete anos. À vítima cabe, em regra, a demonstração do nexo de causalidade, enquanto que a interrupção deve ser provada pelo suposto ofensor, agente da primeira série causal. Portanto, somente poderia ser aplicada a teoria da interrupção do nexo causal ou do dano direto e imediato se comprovada a total independência do segundo fato (v.g., histórico médico de doença que indicasse a concorrência de outros fatores de risco) em relação ao primeiro fato, no sentido de que o segundo fato não é conseqüência necessária do primeiro, de tal maneira que o primeiro fato não tenha favorecido (eficácia causal) o segundo fato e que só a eficácia deste tenha produzido o dano”.

Por fim, passa-se a análise dos fundamentos constantes na ação civil pública recentemente ajuizada pelo Ministério Público Federal[47] em face das cervejarias Ambev, Schincariol e Femsa, pedindo indenização da ordem de quase 3 bilhões de reais, abrangendo os danos causado em todo o território nacional, pelo aumento dos danos causados à saúde pelo consumo de cerveja e chope.

A referida ação civil pública foi baseada em inquérito civil e em diversas pesquisas acerca das conseqüências possíveis do consumo de bebidas alcoólicas e, nos termos da inicial, o fundamento da demanda consiste na tese de que as bebidas alcoólicas são responsáveis por inúmeros prejuízos à saúde, sendo que os produtos do tipo cerveja e chope destacam-se no mercado; que o investimento maciço por parte das demandadas em publicidade acarreta o aumento global e a precocidade de consumo de álcool pela

Page 21: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10216

sociedade, representando, pois, incremento do risco inerente do produto, concluindo no sentido de que:

“o investimento em publicidade pelas empresas-rés (conduta) acarretou (nexo causal) um incremento dos danos inerentes aos seus produtos alcoólicos (dano incrementado), daí seguindo-se o dever de indenizar na mesma proporção”.

No mérito, ao desenvolver a tese de que a publicidade é um mecanismo de incremento do risco, destacou como objetivo da ação, demonstrar que o aumento dos danos à saúde pública e individual do consumidor, decorre da decisão de investimento maciço em publicidade:

“Ora, o fundamento desta ação – como já ficou sobejamente comprovado anteriormente – baseia-se justamente na premissa de que a atividade publicitária das rés incrementa o risco inerente aos seus produtos (bebidas alcoólicas), potencializando os danos individuais e sociais advindos do consumo do álcool e com um agravante: essa conduta está voltada para o aumento de seus lucros, com total desprezo à saúde de seus consumidores e a toda a sociedade, que sofre reflexamente seus efeitos maléficos.

A hipótese dos autos encaixa-se, com perfeição, à teoria do risco criado preconizado no parágrafo único do art. 927, CC”.

A hipótese suscitada pela referida ação civil pública demonstra a tentativa de se flexibilizar o nexo causal, a fim de imputar o dever de indenizar. Hodiernamente, pode-se relacionar o consumo de bebidas alcoólicas à acidentes e até mesmo ao desenvolvimento de doenças específicas. No entanto, assim como ocorre com o tabagismo, inúmeros outros fatores também relacionam-se com o evento danoso, não sendo possível precisar de qual deles o dano efetivamente decorre, sendo igualmente impossível determinar preponderância, caso se vislumbrasse a possibilidade de concausas.

Não bastasse a impossibilidade de estabelecer o nexo causal, a questão é ainda mais tormentosa, visto envolver a autonomia existencial da própria vítima. A vítima consumiu o produto por decisão sua. Ainda que se possa argumentar que no passado tal decisão não fosse tomada a partir de um conhecimento pleno dos efeitos do produto, hoje em dia, não só a publicidade é bastante regulamentada, como é imposto o dever de alertar sobre o consumo moderado do produto. O argumento de que a publicidade, seja da bebida alcoólica, seja do tabaco, vincula-se sempre a sucesso profissional e felicidade, induzindo, pois, ao consumo, é frágil, porque a publicidade sobre medicamentos, vitaminas, colégios, produtos de higiene e de lavanderia, enfim, sobre a larga maioria dos produtos ofertados no mercado de consumo também são associados a sensações prazerosas.

VI. À GUISA DE CONCLUSÃO, BREVES REFLEXÕES SOBRE A FLEXIBILIZAÇÃO DO NEXO CAUSAL:

Ao se analisar a situação a partir da vítima, a flexibilização do nexo causal parece ser uma solução louvável, à medida que encontra respaldo no valor fundamental do

Page 22: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10217

ordenamento jurídico, que é a proteção da dignidade humana, além de concretizar a prevalência do valor existencial ao patrimonial.

Entretanto, não há que se sustentar a flexibilização do nexo causal, seja pela relativização das excludentes de responsabilidade civil, seja pela adoção da teoria da causalidade alternativa, dentre outras, sob o argumento de justiça e a qualquer custo. Primeiro, porque não leva a uma solução aceita consensualmente como justa, já que pode implicar em responsabilização de agentes que não deram causa ao dano. Segundo, porque a proteção da vítima a qualquer custo acarreta insegurança e vitimização social, além de poder gerar uma desagregação dos grupos sociais.

Então, por esses e outros motivos, acredita-se que a melhor forma de equacionar as expectativas envolvidas – de reparação, por parte da vítima, e de não responsabilização por dano a que não tenha dado causa, por parte do agente – é tratar a questão como política pública, fundada na solidariedade social e com o objetivo de proteger a dignidade humana. Dessa forma, deve-se discutir a diluição dos riscos como imperativo da solidariedade social.

Cruz[48] aponta três vantagens da aplicação da causalidade alternativa: “(i) não se deixa sem reparação o dano injustamente sofrido pela vítima; (ii) a reparação do prejuízo entre os membros do grupo torna a indenização menos onerosa, já que ela fica diluída entre os suspeitos; e, (iii) a condenação global evita eventual manobra do grupo para impossibilitar a identificação do autor. Os argumentos são verdadeiros e refletem tanto a preocupação com o dano injustamente sofrido, como a importância da diluição dos riscos. Assim, podem ser evocados a favor não da causalidade alternativa, mas sim, do tratamento da responsabilidade civil como política pública, seja pelo fomento a ampliação do sistema de seguro de responsabilidade civil, seja pela implementação de medidas de prevenção dos riscos.

Se a solidariedade social concretiza-se na transferência de foco da responsabilidade civil para o dano, evidenciado com a relativa perda de importância da culpa e do nexo causal, é verdade que essa mesma solidariedade social impõe, por um lado, a proteção daqueles que não deram causa ao dano face à possibilidade de uma condenação injusta, assim como a necessidade de diluição os riscos entre o conjunto de agentes que exerçam atividades potencialmente lesivas.

Essa diluição dos riscos pode ser perquirida de formas diversas, como pela implementação de políticas de prevenção dos riscos, como pela repartição dos mesmos em uma base mutuaria formada através de um seguro, sendo certo que as alternativas não são excludentes.

Assim, sob a égide de um seguro de responsabilidade civil, a vítima teria assegurada a reparação do dano, independentemente da prova de culpa ou do nexo causal, quando este fosse de difícil comprovação vis-à-vis o caso. O mutualismo, inerente à atividade securitária, diluiria o custo da reparação por toda a base mutuaria do sistema. Por fim, não haveria que se falar em eventual manobra para impossibilitar a identificação do autor, já que o ônus seria suportado pelo sistema.

Ressalta-se que defende-se a implementação de um sistema de seguros privados e não a ampliação do Sistema de Seguridade Social, já que este vem nas últimas décadas

Page 23: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10218

apresentando necessidades de financiamento crescentes. Não bastasse, a cobertura do mesmo é baixa, devido aos contornos do mercado de trabalho, sem contar com o teto de benefícios, fixado a priori, que, em um sem número de casos constituiria verdadeiro óbice a reparação integral da vítima, o que significa dizer que trocar-se-ia uma solução insatisfatória por outra igualmente.

Assim, acredita-se que a iniciativa privada esteja melhor preparada para a implementação do sistema por já contar com estrutura física e humana para tal. Ademais, a concorrência tenderia a diminuir o preço do próprio seguro. E, ainda, porque acredita-se que os recursos arrecadados com os prêmios devam ser capitalizados coletivamente, ao passo que a experiência do sistema de seguridade brasileiro funda-se no regime de repartição que, em uma primeira análise não mostra-se apropriado.

Outro argumento favorável diz respeito à experiência, ainda que tímida, do setor nos seguros obrigatórios. Além disso, o Código Civil de 2002 disciplina essa modalidade contratual para os seguros terrestres, além da legislação especial existente para outras modalidades. A título de ilustração, o artigo 788 do Código Civil, que trata dos seguros obrigatórios de responsabilidade civil, reflete, no seu caput, o processo de desculpabilização da responsabilidade civil, assim como a atenção voltada para o ressarcimento do dano injustamente sofrido pela vítima, ao determinar que “a indenização por sinistro será paga pelo segurador diretamente ao terceiro prejudicado”.

Certo que a transição de um modelo de responsabilidade individual para a responsabilidade social é caminho longo, a ser traçado com cautela. Analogamente, apesar de defender-se a securitização da responsabilidade civil, reconhece-se que a viabilidade de tal proposta depende de esforço de toda a sociedade, tanto para moldar esse sistema, como para efetivá-lo. Acredita-se que este seja um caminho, embora não o único, já que outras formas de diluição de riscos são possíveis.

À guisa de conclusão, o que se pretende com tal proposta é substituir uma responsabilidade individual por uma responsabilidade social, já que o problema da responsabilidade civil hoje diz respeito à atribuição do ônus reparatório, especialmente quando se torna difícil ou mesmo impossível individuar o lesante. Em verdade, mesmo quando é possível tal identificação, a responsabilidade individual não assegura o ressarcimento da vítima, já que não raras são as hipóteses de insolvência do réu.

Acredita-se, pois, ser necessário tratar a responsabilidade civil como política pública, implementando medidas de diluição dos riscos, seja através de programas de prevenção de danos, seja através de incentivos a repartição dos riscos através da atividade securitária. Dito de outra forma, defende-se a transição do modelo de responsabilidade individual para um modelo de responsabilidade social, no qual a solidariedade social se fará presente não só na proteção da vítima, como também na repartição do ônus.

VII. BIBLIOGRAFIA:

AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de, O princípio da igualdade e o direito das obrigações, in TEPEDINO, Gustavo e FACHIN, Luiz Edson (coord). O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas – Estudos em homenagem ao

Page 24: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10219

Professor RICARDO PEREIRA LIRA. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2008 p. 531 a 563.

BARBOZA, Heloisa Helena; BODIN DE MORAES, Maria Celina; TEPEDINO, Gustavo e outros. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. Vol. II, Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2006, pp. 5 a 23; e pp. 803-819;

BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos. A responsabilidade civil pelo dano ambiental no direito brasileiro e as lições do direito comparado. disponível em http://bdjur.stj.gov.br/dspace/bitstream/2011/8632/3/A_Responsabilidade_Civil.pdf. >. Consulta realizada em 25.09.2008.

BODIN DE MORAES, Maria Celina. Danos à pessoa humana. Uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

______. Risco, solidariedade e responsabilidade objetiva, in TEPEDINO, Gustavo e FACHIN, Luiz Edson (coord). O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas – Estudos em homenagem ao Professor RICARDO PEREIRA LIRA. Rio de Janeiro: Ed Renovar, 2008, p.847 a 881.

CASTRO, Leonardo. A ascensão da causalidade alternativa e a indústria tabagista. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1665, 22 jan. 2008. Disponível em:

HTTP://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10877. Acesso em: 21 nov. 2008.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

GOMES, Orlando. Tendências modernas na teoria da responsabilidade civil, in: DI FRANCESCO, José Roberto Pacheco (org.). Estudos em homenagem ao Professor Silvio Rodrigues. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 291-302.

MARQUES, Claudia Lima Marques, A chamada nova crise do contrato e o modelo do direito privado brasileiro: crise de confiança ou de crescimento do contrato? In Claudia Lima Marques (coord), A Nova Crise do Contrato – Estudos sobre a Nova Teoria Contratual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2007, p. 17-86.

MONTEIRO FILHO, Carlos Edson do Rêgo. Elementos de responsabilidade civil por dano moral. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2000.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: teoria geral das obrigações. v.2. 20 ed.. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2004.

PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1997.

Page 25: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10220

SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Ed. Atlas, 2007.

______. A responsabilidade civil como política pública. in: TEPEDINO, Gustavo e FACHIN, Luiz Edson (coord). O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas – Estudos em homenagem ao Professor RICARDO PEREIRA LIRA. Rio de Janeiro: Ed Renovar, 2008, p.743 a 755.

TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre o nexo de causalidade, in Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC, v. 6. Rio de Janeiro: Padma, abril/junho/2001, p. 3-19.

______. Código de Defesa do Consumidor, Código Civil e complexidade do ordenamento, in Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC, v. 22. Rio de Janeiro: Padma, 2005, Editorial.

______. O futuro da responsabilidade civil, in Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC, v. 24. Rio de Janeiro: Padma, 2004, Editorial.

______. Normas constitucionais e direito civil na construção unitária do ordenamento, in C. P. Souza Neto e D. Sarmento (coords.). A constitucionalização do direito. Fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, pp. 309-320.

TEPEDINO, Gustavo, SCHREIBER, Anderson. AZEVEDO, Álvaro Villaça (coord.). Código Civil Comentado: direito das obrigações: artigos 233 a 420, v. 4. São Paulo: ATLAS, 2008.

[1] SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Ed. Atlas, 2007.

[2] Sobre a construção unitária do ordenamento jurídico, ver TEPEDINO, Gustavo. Normas constitucionais e direito civil na construção unitária do ordenamento, in C.P. Souza Neto e D.Sarmento (coords). A constitucionalização do direito. Fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007, p. 309 – 320.

[3] BODIN DE MORAES, Maria Celina. Risco, solidariedade e responsabilidade objetiva, in TEPEDINO, Gustavo e FACHIN, Luiz Edson (coord). O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas – Estudos em homenagem ao Professor RICARDO PEREIRA LIRA. Rio de Janeiro: Ed Renovar, 2008, p.847 a 881.

[4] GOMES, Orlando. Tendências modernas na teoria da responsabilidade civil, in: DI FRANCESCO, José Roberto Pacheco (org.). Estudos em homenagem ao Professor Silvio Rodrigues. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 291-302.

Page 26: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10221

[5] Ob. Cit., pg. 22.

[6] TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre o nexo de causalidade, in Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC, v. 6. Rio de Janeiro: Padma, abril/junho/2001, p. 3-19., pg. 3

[7] “O primeiro plano envolve a demonstração dos pressupostos da responsabilidade (dano, nexo causal e culpa, quando não dispensada, nas hipóteses objetivas). De fato, diante de uma demanda reparatória, num primeiro momento, o objeto da perquirição do magistrado consiste em verificar a presença dos pressupostos caracterizadores do dever de indenizar. Nesse contexto, duas situações podem ocorrer: ou se comprovam os pressupostos, e assim dá-se origem à obrigação ressarcitória; ou esses não se fazem presentes, e não há que se tratar de reparação” (MONTEIRO FILHO, Carlos Edson do Rêgo. Elementos de responsabilidade civil por dano moral. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2000., pg. 124-245.)

[8] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006., pg. 70.

[9] Ob. Cit, pg. 5.

[10] Ob. Cit, pg. 122.

[11] Ob. Cit, pg. 59.

[12] Ob. Cit, pg. 9.

[13] Ob. Cit, pg. 61.

[14] “A obrigação de pagar a indenização respectiva tanto pode resultar da apuração de uma culpa contratual como aquiliana, e numa como noutra está subordinada a princípios comuns. (...). Em terceiro lugar, cumpre estabelecer uma relação de causalidade entre a antijuridicidade da ação e o dano causado. Não basta que o agente cometa um erro de conduta e que o queixoso aponte um prejuízo. Torna-se indispensável a sua interligação, de molde a assentar-se ter havido o dano porque o agente procedeu contra direito” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: teoria geral das obrigações. v.2. 20 ed.. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2004, pg. 334-335).

[15] Ob. Cit., pg. 158.

[16] Ob. Cit., pg. 14-19

[17] “Da análise da jurisprudência brasileira, conclui-se que, diante de uma pluralidade de causas, a investigação do magistrado realiza-se mediante três indagações: (1ª) Cuida-se de causas sucessivas (uma direta e as demais indiretas, que lhe deram causa) ou simultâneas (todas diretas e concorrentes)? Se todas as causas são diretas, evidenciando-se, pois, o vínculo de necessariedade de todas elas em relação ao dano, procedendo-se em seguida à valoração da preponderância, de modo a excluir algumas delas, ou à repartição do dever de indenizar entre os seus responsáveis, quando não se é possível estabelecer a preponderância. Em se tratando, ao revés, de causas sucessivas, pergunta-se: (2ª) há necessariedade entre o conjunto de causas e o evento danoso? Se a resposta

Page 27: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10222

for negativa, exclui-se o dever de indenizar. Se positiva, passa-se à terceira indagação (3ª), relativamente à preponderância ou equivalência de uma ou algumas causas indiretas. Em se tratando de pluralidade de causas necessárias (concorrentes ou sucessivas), a solução se desloca para o critério da preponderância das causas ou, considerando-as equivalentes, para a repartição do dever de reparar”. (TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre o nexo de causalidade, in Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC, v. 6. Rio de Janeiro: Padma, abril/junho/2001, p. 18-19.

[18] Ob. Cit, pg. 159.

[19] Cruz, ob.cit, pg.. 159.

[20] MARQUES, Claudia Lima Marques, A chamada nova crise do contrato e o modelo do direito privado brasileiro: crise de confiança ou de crescimento do contrato? In Claudia Lima Marques (coord), A Nova Crise do Contrato – Estudos sobre a Nova Teoria Contratual. SP: Ed. Revista dos Tribunais, 2007, p. 17-86.

[21] Marques, ob. Cit, pg. 61.

[22] TEPEDINO, Gustavo. Código de Defesa do Consumidor, Código Civil e complexidade do ordenamento, in Revista Trimestral de Direito Civil – RTDC, v. 22. Rio de Janeiro: Padma, 2005, Editorial.

[23] Partindo da premissa que o princípio da igualdade não é absoluto, Ruy Rosado destaca a desigualdade permitida, especialmente no direito obrigacional, onde o referido princípio pode ser substituído pelo princípio da proporcionalidade, segundo o qual a desigualdade não pode ir além do que a causa objetiva justifique. Como justificativa para a desigualdade permitida, afirma que “é preciso ponderar que os homens são iguais em dignidade, mas são desiguais no ser, no ter, no saber e no fazer.” (AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de, O princípio da igualdade e o direito das obrigações, in TEPEDINO, Gustavo e FACHIN, Luiz Edson (coord). O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas – Estudos em homenagem ao Professor RICARDO PEREIRA LIRA. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2008 p. 531 a 563.).

[24] Ob. Cit, pg. 345.

[25] Ob. Cit, pg. 91.

[26] Ob. Cit, pg. 197-198

[27] TEPEDINO, Gustavo, SCHREIBER, Anderson. AZEVEDO, Álvaro Villaça (coord.). Código Civil Comentado: direito das obrigações: artigos 233 a 420, v. 4. São Paulo: ATLAS, 2008, pg. 355.

[28] Ob. Cit, pg. 66

[29] Cruz, ob. cit, pg. 201.

[30] Ob. Cit, 2007, pg. 64.

Page 28: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10223

[31] Ob. Cit, 2007, pg. 65-66.

[32] “Relação consumerista. Aluguel de cofre. Depósito. Assalto. Caso fortuito. Inexistência. Hipótese de fortuito interno, caso em que o fato de terceiro não exime o fornecedor do dever de indenizar (...). (TJRJ, Apelação Cível 2005.001.03378, Des. Carlos Eduardo Passos, j. 20/04/2005.

[33] Responsabilidade civil. Dano Moral. Inscrição indevida em nome do autor nos cadastros dos serviços de proteção ao crédito. Contrato firmado por terceiro com uso de documento falso. Fortuito interno. Dever de indenizar (...)”. (TJRJ, Apelação Cível 2004.001.31220, Des. Fernando Cabral, j. 01/03/2005.

[34] No mesmo sentido: TJRJ, Apelação Cível 2008.001.49228, Des.Mônica Costa Di Piero, j. 30/09/2008; TJRJ, Apelação Cível 2008.001.47725, Des.Mônica Costa Di Piero, j. 29/09/2008; TJRJ, Apelação Cível 2008.001.52978, Des.Odete Knaack de Souza, j. 29/09/2008; TJRJ, Apelação Cível 2008.001.44569, Des.Letícia Sardas, j. 24/09/2008; TJRJ, Apelação Cível 2008.001.49009, Des.Elizabete Filizzola Lobo, j. 24/09/2008; TJRJ, Apelação Cível 2008.001.40113, Des.Leila Albuquerque, j. 23/09/2008; TJRJ, Apelação Cível 2008.001.45818, Des.Mauro Dickstein, j. 23/09/2008.

[35] Processo número 2006.209.004722-8.

[36] Ob. Cit, 2007, pg. 66-67.

[37] Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 287.849/SP, julgado em 17/04/2001, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar Jr.

[38] TJRJ, Apelação Cível 2008.001.37918, Des. Gabriel Zefiro, j. 14/10/2008.

[39] TJRJ, Apelação Cível 2008.001.54302, Des. Carlos Santos de Oliveira, j. 21/10/2008.

[40] CASTRO, Leonardo. A ascensão da causalidade alternativa e a indústria tabagista. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1665, 22 jan. 2008. Disponível em:

HTTP://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10877. Acesso em: 21 nov. 2008.

[41] Ob. Cit, 2007, pg. 70.

[42] Ob. Cit,, pg.287-305

[43] TEPEDINO e SCHREIBER, ob. Cit, pg. 112.

Page 29: DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL À RESPONSABILIDADE … · 2010-07-13 · qualquer caso envolvendo responsabilidade civil, já que, antes de perquirir a imputação (subjetiva ou objetiva),

10224

[44] SCHREIBER, 2007, ob. Cit, pg. 72.

[45] A solidariedade está prevista também nos artigos 18, 19 e 25 do Código de Defesa do Consumidor.

[46] Neste sentido: “AÇÃO ORDINÁRIA - REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS - PRESCRIÇÃO DO ART. 27 DO CDC - NÃO INCIDÊNCIA - REJEIÇÃO - EMPRESA FUMAGEIRA - TABAGISMO - PROPAGANDA ENGANOSA - DOENÇA PULMONAR - ACEITAÇÃO DO RISCO PELO FUMANTE - NEXO DE CAUSALIDADE NÃO COMPROVADO - PEDIDOS IMPROCEDENTES - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA - Não sendo a ação de indenização baseada em defeito ou erro do produto no instante de sua fabricação, mas sim, escudada no artigo 186, do Código Civil, não há que se falar em prescrição qüinqüenal, nos termos do art. 27, do Código de Defesa do Consumidor. Para surgir o dever de indenizar o dano alheio (responsabilidade civil) é mister que concorram três elementos: o dano suportado pela vítima, a conduta culposa do agente e o nexo causal entre os dois primeiros. Impossível se apresenta a pretensão do autor tendente a condenar a empresa fabricante de cigarros em danos materiais e morais, sob a imputação de ato ilícito, quando não comprovado o nexo causal entre a doença diagnosticada e o tabagismo”.

(Apelação Cível no. 1.0596.04.019579-1/001, 18ª Câmara Cível, TJMG, Rel: Unias Silva, julg. Em 16/09/2008)

[47] A íntegra da inicial está disponível em: http://www.prsp.mpf.gov.br/infoprdc/ACPCervejapub.pdf. Consulta em 28/11/2008.

[48] Ob cit, pg. 308-309.