da prestação de garantias por sociedades comerciais a dívidas de outras entidades

Upload: vania-furtado

Post on 17-Jul-2015

317 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Sociedades Comerciais

TRANSCRIPT

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    1/39

    DA PRESTAC;Ao DE GARANTIAS PORSOCIEDADES COMERCIAIS A DivIDAS DEOUTRAS ENTIDADES

    Por Dr. Pedro de Albuquerque (*)

    I - Intreducao

    I - Em artigo intitulado A vinculaciio das sociedades comer-cia is por garantia de dividas de terceiro in Revista da ordem dosAdvogados, ana 55 - II, Lisboa, Dezembro de 1995, sustentamosa tese segundo a qual as sociedades comerciais ficavam vinculadaspelos actos praticados pelos respectivos administradores ou geren-tes derrtro dos poderes de representacao que a lei formalmente lhesconfere. Isto mesmo no caso de poderes de administracao subja-centes a pratica do acto que responsabiliza a sociedade se poderemencontrar, de facto, condicionados pela necessidade de verificacaode determinados requisitos, cuja sindicancia nao devera em princi-pio caber a quem contrata com 0ente colectivo mas, antes, aos titu-lares dos respectivos orgaos. Entre tais actos encontra-se a presta-~ao de garantias a dividas de terceiros quando a prestacao dagarantia for justificada, pel a sociedade garante, atraves da invoca-~ao da existencia de urn interesse social na pratica do acto(artigo 6. n.? 3 do esC) . Por nao ter meios para sindicar a exis-tencia, ou nao, do interesse invocado pela sociedade, 0 beneficia-

    ( ') Assistente da Faculdade de Direito de Lisboa.

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    2/39

    70 PEDRO DE ALBUQUERQUE

    rio da garantia deveria poder bastar-se com a justificacao que the eapresentada pelos membros do orgao de representacao do entecolectivo, 0 qual ja nao se podera desvincular da garantia pres-tada e).

    No essencial a nossa construcao baseou-se nos seguintesargumentos ou consideracoes:

    1) A interpretacao das normas obedece a urn proposito tran-sitivo. Para alem disso, ela tern por objecto formulacoes concebi-das de forma geral e abstracta ou, em parte, sintetizadas em figu-ras ou conceitos. 0 processo herrneneutico que the vai dirigidodeve compreender uma fase determinativa, dirigida ao apuramentodo senti do e ambito das referidas formulacoes. Semelhante faseprincipia, ao menos de urn ponto de vista logico e), por uma inda-gac;ao de caracter filologico, Contudo, 0estudo e analise das pala-vras de uma norma, apenas, levam a determinacao daquilo que nelae textual mente dito. 0 valor facial apurado pelo interprete podenao corresponder da forma mais fiel ou perfeita ao pensamentosubjacente a forrnulacao, E mesmo na eventualidade de se verifi-car uma tal correspondencia toma-se necessario indaga-la: tanto acorrespondencia como a nao correspondencia constituem resulta-dos a apurar, nao pressupostos a aceitar. Na determinacao do sen-tido de uma norma mostra-se indispensavel a descoberta dasrazoes inerentes ao pensamento legislativo. Nao basta a conclusaosegundo a qual a letra da lei se revela suficientemente ampla paracompreender no seu ambito 0caso que nela se pretende enquadrar.

    2) A ratio de uma norma depende directamente da proble-matica que a gerou. Conforme demonstrado por Viehweg, subja-cente as palavras utilizadas pela ciencia do direito ou recebidaspelo legislador cabe uma topica oculta de caracter material em vir-tude da qual apenas a partir dos problemas e atraves dos proble-mas podem ser compreendidas; elas nao possuem qualquer valorabsoluto.

    (I) ExcePl

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    3/39

    DAPRESTAr:;AODEGARANTIAS POR SOCIEDADES COMERCIAIS 71

    3) Apenas a consideracao funcional das necessidades mate-riais que the correspondem toma possfvel a determinacao do sen-tido de urn conceito ou norma. Isto numa conclusao ditada naoapenas pela natureza das regras jurfdicas como, alern disso, expres-samente consagrada pelo legislador portugues, ao postergar for-malmente 0 literalismo exegetico, e ao impor ao interprete a obri-gacao de se nao confinar a letra da lei e de atentar nos criteriosmeta-literais enunciados no artigo 9. do C6digo Civil.4) E , naturalmente, a luz das consideracoes acabadas dereferir que se deve tentar determinar 0 sentido das disposicoeslegais nas quais se fixa 0 ambito de vinculacao das sociedadescomerciais, e em particular da responsabilidade pelas garantiasoferecidas em beneffcio de terceiros. Nao se afigura suficiente aconstatacao - por urn lado - de que os artigos 260. e 409. doCSC apenas obrigam a sociedade por actos ultra vires quando taisactos caibam dentro dos poderes conferidos por lei aos gerentes ouadministradores e - por outro - a afirmacao segundo a qual aprestacao de garantias e considerada contraria ao fim da sociedade,salvo se existir justificado interesse proprio da sociedade garanteou se se tratar de sociedade em relacao de domfnio ou de grupo(artigo 6. n." 3 do CSC). E necessario verificar quer as razoes ecircunstancialismo que conduziram a adopcao ou consagracao dasregras acabadas de citar quer 0modo como elas se articulam comoutras -normas directamente relevantes para 0 assunto objecto danossa analise. S6 assim se dara cumprimento ao disposto no n. 1do artigo 9.do C6digo Civil, preceito por forca do qual 0processohermeneutico deve procurar a reconstrucao do pensamento legisla-tivo tendo sobretudo em consideraciio a unidade do sistema juri-dico, as circunsttincias em que a lei foi elaborada e as condiciiesespecificas do tempo em que e aplicada.5) Ao impor ao hermeneuta a necessidade de tomar emdevida conta a unidade do sistema jurfdico e as circunstancias emque a lei foi elaborada, 0 legislador portugues remete-nos directa-mente para 0 artigo 9. da I." Directiva comunitaria em materia desociedades (3). Este ultimo preceito e bern claro ao estabelecer, de

    (3 ) Para alem de ser directarnente irnposta pelo artigo 9.0do C6digo Civil, ao esta-belecer a necessidade de se tornar ern consideracao a unidade do sistema juridico bem

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    4/39

    72 PEDRO DE ALBUQUERQUE

    forma vinculativa para os estados membros, a regra segundo a quIos actos praticados pelos orgaos das sociedades dentro dos poderesque a lei lhes confere ou permite conferir vinculam a sociedade,mesmo quando estranhos ao objecto social. A Iuz deste preceitoCornunitario - chamado a depor, repita-se, por corninacao doartigo 9. do Codigo Civil- a limitacao da responsabilidade dassociedades, constante dos artigos 260. e 409. do CSC, por actosdos respectivos administradores ou gerentes, nao pode deixar deser entendida em sentido restrito. A sociedade so nao ficara vincu-lada, pelo resultado da actuacao dos seus orgaos, de forma directaou indirecta. Nao basta, assim, uma proibicao relativa para libertara sociedade dos compromissos assumidos pelos gerentes ou admi-nistradores. E necessaria uma proibicao legal absoluta.6) Para alem de ser a iinica que se compatibiliza com a pri-meira parte do n.? I do artigo 9. da I." Directiva comunitaria emmateria de sociedades, a tese acabada de enunciar - segundo aqual os actos praticados pelos orgaos sociais, dentro dos poderesque a lei Ihes confere (condicional ou incondicionalmente) vincu-lam sempre a sociedade, desde que esta invoque 0 preenchimentodas condicoes ou requisitos dos quais depende a efectiva conces-sao de tais poderes - ela e tambern a iinica que se adapta it reali-dade a disciplinar. Conforme lembra a proposito 0Professor VAZSERRA (4), pelas suas caracteristicas do direito das sociedadescomerciais - marcado pela necessidade de tutela do trafego juri-dico, do credito e dos terceiros - exigir-se das entidades que con-tratam com as sociedades uma investigacao pormenorizada doobjecto ou do interesse social afigura-se algo de despropositado.A administracao ou gerencia, e para empregar uma vez mais aspalavras do Professor VAZ SERRA, ao celebrar, em nome da

    como a s c ir cu ns ta nc ia s d e e la bo ra ciio d o le i , a obrigatoriedade de articulacao dos preceitosdo esc, relatives a vinculacao das sociedades comerciais, a necessidade de ponderacao doartigo 9.0 da I." Directiva comun it a ri a r es u lt ar ia em qualquer caso do s tradicionais ensinamen-tos da doutrina em materia de interpretacao da lei e normas juridicas em geral. Na verdade, osautores tern apregoado, ja de Mlonga data, 0 facto de toda a fonte se integrar numa ordem, detoda a fonte s er u rn modo de expressiio dessa ordem juridica e social global Cfr. , po r todos, Oli-ve ir a Asc en s ao , 0 direito. lntroduaio e teoria geral. 9. " ed., Coimbra, 1995, p. 395.

    (4) Vaz Serra, AnotaftlO ao Acordiio do S.T.J. de 11 de Marco de 1969, in Revistade LegislQ{'tlo e Jurisprudencia, ana 103, p. 271.

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    5/39

    DA PREST A

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    6/39

    74 PEDRO DE ALBUQUERQUE

    centes ao artigo 6. do CSC. A ratio deste preceito nao faz senaoconfirmar a interpretacao obtida atraves da conjugacao com 0textodas normas comunitarias relativas a vinculacao das sociedades poractos dos seus orgaos.

    8) No caso especifico das garantias dadas por sociedadesem favor de terceiros verifica-se nao existir, na nossa lei, qualquerproibicao absoluta de prestacao dessas mesmas garantias. Na ver-dade, 0 artigo 6. n." 3 do CSC nao impede sempre - e em qual-quer caso - a prestacao de garantias, por sociedades, em favor deoutras entidades. Ao contrario, e verificados determinados requisi-tos - a justificacao pelo interesse social ou a existencia de umarecao de grupo ou de domfnio - a garantia de divida alheias eexpressamente consentida. 0 poder de dar garantias em beneffciode outros e , pois, urn daqueles poderes que a lei confere ou permiteconferir as sociedades comerciais. A conjugacao, imposta peloartigo 9. do Codigo Civil, do artigo 6. n." 3 do CSC com 0 dis-posto no n.? I do artigo 9. da primeira directiva comunitaria, berncomo a ponderacao da ratio do artigo 6. impoern assim como con-clusao: as sociedades nao poderao deixar de ficar vinculadas pelasgarantias indevidamente oferecidas pelos respectivos orgaos-mas justividadas atraves do protesto de urn interesse social na pres-ta~ao de tais garantias. Uma vez que 0 respectivo destinatario naotern meios para confirmar se 0interesse social invocado pela soc ie-dade para justificar a prestacao de uma garantia em favor de outraentidade, qualquer entendimento susceptivel de permitir ao entecolectivo desvincular-se do acto por ele praticado, atraves dademonstracao da efectiva inexistencia do referido interesse, toma-ria meramente quimerica a possibilidade concedida pelo artigo 6.n.? 3 do CSC, 0 qual acabaria por nao ter qualquer aplicacao pra-tica. Tratar-se-ia, no fundo, de fazer recair sobre 0 destinatario dagarantia 0 encargo de julgar algo que ele nao tern possibilidadematerial para apreciar. Saber se urn acto corresponde, ou nao, aointeresse social postula urn conhecimento dos negocios da socie-dade apenas alcancavel pelos respectivos orgaos, nao por urn ter-ceiro estranho ao ente colectivo. E que 0 interesse social devedeterminar-se em funcao dos fins da sociedade. Sustentar a neces-sidade de pessoas estranhas it sociedade realizarem urn controle demerito sobre uma deliberacao social, em virtude da qual se decide

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    7/39

    DA PREST AC;Ao DE GARANTIAS POR SOCIEDADES COMERClAIS 75

    oferecer determinada garantia, envolveria a aceitacao da possibili-dade de os terceiros se substitufrem as sociedades na determinacaodos objectivos por ela a alcancar, Como isso nao e possfvel, a vin-gar uma interpretacao favoravel a possibilidade de os entes colec-tivos se desvincularem de uma garantia prestada em favor de outraentidade, atraves da demonstracao da inconsistencia do interessepara 0 efeito invocado perante 0 destinatario, 0 resultado seria ape-nas urn: as entidades a quem as garantias se destinariam iriam recu-sar, de forma sistematica, a sua aceitacao e a consequente celebra-~ao de qualquer negocio ao abrigo das faculdades e da autonomiaconferida pelo n.? 3 do artigo 6. do CSC.9) A propria possibilidade de apreciacao judicial da consis-tencia do interesse invocado pelos orgaos da sociedade, para justi-ficar a concessao da garantia em favor de outra entidade, deveentender-se por prec1udida. A apreciacao jurisdicional so sera pos-sivel quando a sociedade prove que 0 destinatario da garantiaconhecia, ou nao podia deixar de conhecer, a circunstancia de asociedade nao possuir, na verdade, qualquer interesse em assegu-rar 0 cumprimento da divida do terceiro.

    II - A tese por nos proposta lancava ja algumas raizes nadoutrina e jurisprudencia anterior a entrada em vigor do Codigodas Sociedades Comerciais (8). Ela esta igualmente, e a nosso ver,expressa ou implicita em significativo sector da doutrina posteriorao referido Codigo (9). Recentemente uma posicao - se porven-(') V., por exernplo, e entre outros, Ferrer Correia, Sociedades Ficticias e Uni-

    pessoais, Coirnbra, 1948, pp. 85 e ss., autor que, na ausencia de texto legal expresso, pro-curava responsabilizar - ora pelo interesse contratual positivo ora, tao so, pelo interessecontratual negativo, consoante os casos - as sociedades cornerciais por actos praticadosna base de urna realidade falsarnente representada, fazendo apelo as regras gerais do nego-cio jurfdieo e a ideia segundo a qual os aetos dirigidos ao exterior, pelos titulares dosorgaos de administracao e representacao de urn ente colectivo, correspondern a notifica-~Oes nas quais os destinatarios devern poder confiar; ld., Poderes de representacdo.Objecto da sociedade comercial prosseguida em desacordo com 0pacto social, in Colee-tdnea de Jurisprudencia, 1986, Ano XI, t. I, pp. 7 e ss., e Vaz Serra, Anotaciio ..., inRevista ..., ana 103, p. 271.

    (9 ) Assirn pode cfr., a titulo rneramente indicativo, Goncalves Pereira, Objectosocial e vinculaaio da sociedade, in Revista do Notariado, Ano VII, 27, 1987, pp. 75, 85e 98, autor que chega a afirrnar A limitacdo da capacidade da sociedade pelo seu objecto

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    8/39

    76 PEDRO DE ALBUQUERQUE

    tura nao totalmente - ao menos parcialmente identica ou coinci-dente com a nossa foi defendida pelo Professor MENEZES COR-DEIRO ('0).

    ou I im - 0 sublinhado e nosso - aplica-se no plano das re laciies internas, ou seja, nasrelaciies dos 6rgaos tkl sociedade para com esta. ( ... ) Esta disposiciio - a do artigo 6.0n." 4 - consagrou a tendencia dominante na doutrina portuguesa ( ... ). de dar relevtin-cia aos interesses de terceiros de boa-fe que contratam com II sociedade, em face do inte-resse desta de se ndo vincular para alem do respective objecto social. A celeridade e segu-ranra do trdfico juridico e a dificuldade de conhecimento do objecto da sociedade porparte de terceiros assim 0 impoe; e. embora de forma menos explfcita, Pedro RomanoMartinez e Pedro Fuzeta da Ponte. Garantias de cumprimento, Coimbra, 1994. pp. 41 e42. Veja-se igualmente 0Acordiio da Relactio de Lisboa de 4 de Julho de 1991 in Colee-tdnea de Jurisprudencia, 1991. XVI, t. IV. pp. 167 e ss .. No caso objecto do aresto agoracitado, uma sociedade tornou-se fiadora de uma outra, Tendo a segunda incumprido 0debito garantido pela primeira foi esta accionada pela beneficiaria da garantia. Embora osfactos que se encontravam na base do litfgio fossem parcial mente anteriores ao Codigo dasSociedades ()t ribunal considerou poder ( . .. ) inclusivamente, entender-se serem interpre-tativas as normas constantes dos n. as I e 2 do artigo 260.0 do CSC, este ultimo na redac-rao do LJL 280187, de 8.6. por isso aplicdveis retroactivamente. 0mesmo vale para associedades anonimas, para as identicas disposicoe s do artigo 409.0 II.'" 1 e 2 doCSC. pelo que a fianca vincula a sociedade garante. E nlio foi outra a doutrina expressapelo Acordiio do Supremo Tribunal de Justice de 27 de Janeiro de 1993. in Colect iinea deJurisprudencia. ano I, T. I. 1993. pp. 81 e ss .. Nessa sentenca -e apesar das ligeirasduvidas (sic) manifestadas quanto ao caracter interpretativo do artigo 260.0 do CSC - 0Supremo entendeu, quando chamado a apreciar em recurso 0 caso anteriormente decididopela Relacao , no Acordao citado supra nesta nota, e portanto re lativo a urn caso anter ior itentrada em vigor do actual CSC. tornar como referencia 0 normative desse Codigo. Nessabase, 0 tribunal decidiu que a fianca dada por uma sociedade para garantir dfvida alheiaera para ela vinculativa. Sao as seguintes as palavras do Acordao: A este respeito, parece--110 .1 ' importante uma express iio aduzida pelo legislador de 1986 ... provar que 0 terceiro... ndo podia ignorar atentas as circunstiincias, que 0 acto praticado tuio respeitava ... N.I i: que com esta expressdo 0 acento tonico e posto, nGO na pessoa do terceiro, mas nas cir-cunsuincia em que 0 acto e praticado: e em funciio destas que 0 terceiro, seja ele quemfor, tern ou nGO de conhecer 0 abuso de poderes de representacdo por parte dos gerentese administradores. E bem se compreende que assim seja, pois bem pode acontecer que umacto dos administradores que nada tern aver. aparentemente, com 0objecto social. sejaditado por fundadas raziies de gestdo, ou ate de sobrevivencia, da sociedade; e essas, tuioestd qualquer terceiro em condicoes de as conhecer.

    ('0) Cfr. Menezes Cordeiro. Da responsabilidade civil dos administradores dassociedades comerciais, Lisboa, 1996, p. 370 e nota 131 onde se Ie ..A partida, 0ambitodos poderes de representaciio estaria delimitado pelo da propria administraciio. A tutelada confianca levou 0legislador a estabelecer um esquema inverso: quando. no uso formalde poderes de representaciio, 0 administrador ultrapasse 0 que the caberia, a imputaciiofunciona: artigo 6.014 '... niio limitam a capacidade da sociedade' (af irrnaeao estaseguida de uma remissao para 0 nosso estudo A vinculaciio ..., in Revista ... , ano 55-

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    9/39

    DA PREST Af;Ao DE GARANTIAS POR SOCIEDADES COMERCIAIS 77

    A verdade, porem, e que as nossas teses foram objecto de,aparentemente, pesados e severos reparos num estudo, igualmenterecente, e inteiramente dedicado a impugnacao da tese por nos per-filhada (11). No fundo os argumentos esgrimidos contra os pontosde vista por nos formulados podem sintetizar-se da seguinte forma:

    1) Se se atender, nao aos enunciados puramente teoricos nosquais se desdobram, mas as regulamentacoes de direito positivosubjacentes as varias correntes que procuram resolver 0 problemada vinculacao das sociedades, nao existe uma diferenca tao cavadaquanto se poderia pensar entre a doutrina dos actos ultra vires e asteses inspiradas na teoria da ilimitacao da vinculacao das socieda-des comerciais (12).

    2) 0 artigo 6.0 n.? 4, do esc representa 0resultado da adap-tacao do nosso direito as exigencias do artigo 9.0 1 da primeiraDirectiva comunitaria em materia de sociedades (13). Nos termosdesse preceito as clausulas contratuais e as deliberacoes socia isque fixem a sociedade determinado objecto ou proibam a prdtica-III. pp. 689 e ss.) e p. 523, na qual 0autor escreve categor icamente A jurisprudencia quemais tem ponderado a tema (do erro de gestae subentenda-se) - a italiana - niio efavo-ravel a uma apreciaciio, pelos tribunais, do merito do gestiio. Na verdade, os tr ibunalsruio estdo apetrechados para proceder a tais exames ( ... > para acrescentar em nota Deresto, 0 tipo de gestiio a por em prdtica, en valve opcoes que . 1 ' 6 os socios podem fazer( . .. [,

    (") Assim Osorio de Castro, Da prestaciio de garantias por sociedades a dividasde outras entidades, in Revista da Ordem dos Advogados, Lisboa, 1996. Ano 56. II.566 ess., num balance que 0 i1ustre autor nao parece considerar destruido pela concessao por elefeita (cf r. p . 587) , segundo a qual perante 0actual cenario legislativo Os t e rc e iro s podem( ... ) confiar em que os orgiios do sociedade tem 0 maximo de poderes de que podem abs-tractamente (au legalmente) ser dotados. Recorde-se apenas, e de passagem, 0 dispostono artigo 405.0 n. " 2 do CSC ao estabelecer 0 conselho de administradio tem exclusivose plenos poderes de representaciio da sociedade. 0exacto alcance do sentido deste pre-ceito sera iluminado quando estudarmos adiante a questao que consiste em saber se os arti-gos 160.0 do Codigo Civil e 6.0 n.? I do CSC consagram ou nao 0 princfpio da limitacaoda capacidade, ou se se quiser da incapacidade, dos entes colectivos em funcao da espe-cialidade do fim. V. Infra. Para ja limitamo-nos a remeter para Cardoso Guedes, A l im it a-riio dos poderes dos administradores das sociedades anonimas, in Revista de Dire ito eEconomia, 1987, ano XIII, pp. 149 e ss., apesar de, com 0devido respeito, nao compart i-ciparmos na aceitacao de todos os pressupostos nos quais 0 autor faz assentar as suas tesesrelativamente 11vinculacao das sociedades por actos ultra vires.

    ('2) Osorio de Castro, Da prestaciio .... in Revista ... Ano 56, II, p. 567.( 1 3 ) Idem. p. 572.

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    10/39

    78 PEDRO DE ALBUQUERQUE

    de certos actos niio limitam a capacidade da sociedade. Osorgaos da sociedade rem 0dever de nao praticar actos proibidos ouque estejam para alem do objecto, mas isso nao leva a considerartais actos como situados fora da capacidade da sociedade.

    Quanto aos poderes de representacao dos gerentes adrninis-tradores ou directores, ha que distinguir entre a Iirnitacao resultantedo objecto assinalado a sociedade no respectivo pacto, de umabanda, e as Iimitacoes consagradas noutras disposicoes estatutariase/ou decorrentes de deliberacoes dos socios, de outra banda (14).

    As Iimitacoes desta ultima ordem nao beliscam os poderes derepresentacao dos gerentes e administradores (consistiriam emmeras restricoes aos poderes de gestae) - nesse senti do deporiaem termos decisivos (sic) urn argumento a contrario tirado dosartigos 260. n.? 2 e 409. n." 2 do esc, conjugado com 0artigo 9. n.? 2 da primeira Directiva cornunitaria - enquanto aclausula do contrato de sociedade relativa ao objecto cerceia efec-tivamente tais poderes (,5). Nao obstante esta ultima restricao, a leiestabelece, em sintonia com os ditames cornunitarios, a regrasegundo a qual 0desrespeito pela limitacao dos poderes de repre-sentacao decorrente do objecto social apenas podera ser oposta aterceiros que de tal desrespeito estivessem cientes ou nao pudes-sem, atentas as circunstancias, ignora-lo,

    3) A sociedade tern, portanto, capacidade para praticar actosque excedam 0objecto social, embora os administradores e direc-tores nao tenham poderes bastantes para os realizar em sua repre-sentacao. E porque se trata de urn caso de falta de poderes de repre-sentacao e nao de incapacidade, que tais actos sao simplesmenteineficazes relativamente a sociedade e, por outra via, se concebe aratificacao pelos socios, mediante deliberacao expressa outacita (16).

    4) 0problema da prestacao de garantias pelas sociedades euma questao de capacidade nao de representacao ou de poderes derepresentacao (17).0 onus da alegacao e da prova da existencia do

    ( 1 4 ) Idem, p. 573.(,5) Idem, ibidem.(,6) Idem, ibidem.( 1 7 ) Idem, passim, maxirne pp. 566, 573 e 575 e ss.

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    11/39

    DA PREST AC;Ao DE GARANTIAS POR SOCIEDADES COMERCIAlS 79

    interesse, no qual se suporta a garantia, competiria a parte interes-sada na respectiva validade. Por conseguinte, urn eventual nonliquet redundara em desfavor desta ultima. Semelhante entendi-mento extrair-se-ia, com toda a evidencia (sic), de umamuito facilarticulacao entre 0 n.? I e n.? 3 do artigo 6. do esc ('8). E que, ao

    ( IX) Evidencia, clareza e faeilidade que, se bern se depreende de quanta escreveOsorio de Castro, Da prestaciio . .. . in Revista .... Ano 56, II, p. 566, apenas teria sido per-turbada pelo nosso estudo A vinculaci io . .. . in Revista .... ano 55-III, pp. 689 e ss. Seja--nos, todavia, eonsentido lembrar, e a titulo simplesmente indicativo, quer a doutrinadefendida por Goncalves Pereira , Objecto social . .. . in Revista .... Ano VII, 27, pp. 75, 84e 85 e 98 e 99; quer a jur isprudencia do (cfr. supra nota (9 Acordd da Relaciio de Lis-boa de 4 de Julho de 1991 in Colectiinea de Jurisprudencia, 1991, XVI, t. IV, pp. 167 ess., onde 0 tribunal eonsidera, sem qualquer margem para d u v i d a s , e fazendo apelo 1 1legis-lacao aetualmente em vigor (no caso 0 artigo 260. do CSC), que uma sociedade nao sepode desvineular de uma garantia indevidamente dada a divida de outra entidade; e doAcordiio do Supremo Tribunal de Justica de 27 de Janeiro de 1993, in Colectdnea deJurisprudencia, ano I, T. I, 1993, pp. 81 e ss., onde, perante 0mesmo caso, 0 Supremosegue sem grandes alteracoes a tese da Relacao, Na literatura jurfdica ale r na v., a tituloexemplificativo, e de entre a interrninavel bibliografia existente sobre 0 tema, quantoescreve, Lutter, Kolner Kommentar zum AKtG, 2.' edicao, Colonia, Berlim, Bona, Muni-que, 1988, 1-75, cornentario ao 57, anotacao 75, pp. 661 e 662, 0qual, a prop6sito daprestacao de garantias por uma soeiedade a favor dos respeetivos socios, e depois de afir-mar que os membros do Yorsturul tern a obrigacao de zelar pela Freistellung (0 termo naoe de facil traducao: nos dicionarios apareee a prop6sito desta palavra, entre outras: quita-cao, d ispensa, isencao, exoneracao, f ranquia, liber tacao, isencao, iso lamento; por seu turnoo verbo freistellen e traduzido por : deixar ao arbf tr io de , de ixar 1 1eseolha (de alguern) , dei-xar alguern livre de fazer algo, dar alternativa) da sociedade, escreve Der dritte (Gliiubi-ger) ist normalerweise hiervon nicht betroffen, insoweit gelten die allgemeinen Regeln,wonach sich lnnenbeziehung zwischen Schuldner und Sicherungsgeber dem Sicherungs-nehmer gegeniiber nicht auswirken (siehe dazu BGH AG 1981, 227; OLG Dusseldorf AG1980,273,274) und der Dritte allein auf die Vertretungsmacht des Vorst. verlassen kann.Auf diesem Hintergrund ergeben sich dann auch die Schranken: hat der Dritte um dieBegiinstigung seines Schuldners und dessen Aktiondrseigenschaft gewuj3t oder hat er esgro .f3[ahrliissig nicht gewufit. mu.f3er sich also die Pflichtverletzung des Vorst. bei seinerYertretungshundlung zurechnen lassen (Miflbrauch der Vertretungsmacht; dazu BGHZ.50. 112), so kann sich die AG ausnahmsweise ihm gegenuber auf die Nichtigkeit des siche-rungsgeschdftes berufen (quer dizer, ao tereeiro (eredor) nlio diz respeito a Freistellungda sociedade, pelo que quanto a ele valem as regras gerais, segundo as quais a relacaointerna entre devedor e dador da garantia nao produz efeitos externos face ao tomador dagarantia (BGH AG 1981, 227; OLG Dusseldorf AG 1980, 273, 274) e 0terceiro pode eon-fiar exclusivamente no poder de representacao do Vorstand. Desta base ou fundarnentoresultam tambem as limitacoes: teve 0 tereeiro conhecimento do favorecimento do seudevedor e da sua qualidade ou atributo de accionista, ou apenas nao 0 teve devido a negli-gencia grosseira, entao deve eontar com 0 lesao de deveres pelo Yorstand, atraves da suaactuacao representativa (abuso de poder de representacao) e, portanto, a AG podeexeepcionalmente, e face a ele, apelar para a nulidade do neg6cio de garantia).

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    12/39

    80 PEDRO DE ALBUQUERQUE

    qualificar expressamente as garantias a dividas de terceiros comocontraries ao tim da sociedade, 0 n.? 3 do artigo 6. do CSC querrnanifestamente confiar a disciplina da materia ao precedente n. I,situando, portanto, 0problema no ambito da capacidade da socie-dade e nao ja no dos poderes de representacao dos orgaos sociais.5) Contra a visao referida no mimero anterior, segundo aqual 0 problema da prestacao de garantias a dfvidas de terceirosconsistiria num problema de capacidade das sociedades, seriainfrutffero sustentar que 0n. I do artigo 6. nao do CSC nao con-sagra 0 princfpio da especialidade do fim. Tratar-se-ia mesmo deurn caminho sem qualquer cabimento (sic) (19). Urn possfvel argu-mento extraido do artigo 6. n.? 4, no sentido de se afirmar a inser-~ao no ambito da esfera de capacidade da sociedade de direitos eobrigacoes situados para alern dos necessaries ou convenientes aprossecucao do seu tim, nao procederia. Na verdade - e nao obs-tante a circunstancia de no referido preceito 0 legislador expressa-mente estender a capacidade das sociedades aos actos situados forado objecto social e portanto (dir-se-a) alheios ao tim da sociedade- nao poderia sequer pretender-se seriamente (sic) que, perante 0desejo de se rejeitar 0 princfpio da especialidade do fim e de sereconhecer aos entes colectivos comerciais uma capacidade ilimi-tada, se enveredasse, depois, por uma reproducao, no artigo 6.0,n.? J do CSC - com praticamente todos os Efes e Erres eO) - dodisposto no artigo 160. do Codigo Civil, justamente inspiradopela doutrina inversa (2').6) Perante uma reconhecida oposicao (22) entre os n.OS1 e 4do artigo 6. do CSC, a concepcao que nos defendemos - para

    ('.) Osorio de Castro, Da prestaciio . .. . in Revista .... ano 56. II, pp. 576 e 577.('tI) A expressao e de Osorio de Castro.(") Osorio de Castro, Da prestacdo . .. . in Revista ... ano 56, II, p. 577.(22 ) Para que nao surjam duvidas, acerca da afirmacao P O f n6s feita segundo a qual

    05000de Castro, Da p re st ac ii o . .. . in R e vi st a . .. , ano 56, II, p. 577, sustenta, de facto, exis-tir uma oposicao entre 0 n.? 4 e 0 n." I do artigo 6.0 do CSC, transcrevemos as palavrasdo ilustre autor, 0qual, depois de afirmar que 0n." I do artigo 6.0 do CSC consagra 0prin-cfpio da especialidade, escreve: m as n do e sta rd , a ssim , a a dm itir- se u ma c on tra dic iio in sa -navel entre os n.' J e 4 do art . 6.0 do esc, visto que daquele primeiro preceito se di; ques e a fe re a capacidade do s oc ie da de p ela b ito la do teoria ultra vires, quando 0 n.o 4 expres-samente a br an ge n a c ap ac id ad e das sociedades os actos ultra vires? A opos ic ii o entre asduas proposicoes, assim formuladas, e certamente indiscutivel.

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    13/39

    DA PREST AC;"AODE GARANTIAS POR SOCIEDADES COMERCIAIS 81

    . poder sustentar a pertinencia da teoria da ilimitacao da vinculacaodas sociedades comerciais - teria de sacrificar de forma integralo n." 1 do artigo 6. deixando apenas de pe 0 n.? 4. Isto em claraviolacao de uma regra de sa herrneneutica e 4).

    7) A via a privilegiar na resolucao da ausencia de sobrepo-sicdo ( 24) entre 0 n.? 4 e 0 n.? 1 do artigo 6. do CSC deve noentanto ser outra bern diferente daquela que nos terfamos escolhido("5). E que, na opiniao dos nossos crfticos, afinal! (. ..) niio ha pordireitas contas, contradic/io alguma entre 0 11. leo fl. 4, nemsequer parcial, pela singela raziio de que 0 11 . I niio consagraefectivamente 0 principio da especialidade do fim com 0 signifi-cado que este reveste a face do art. J 60. do C. Cv. a saber, como alcance que a actividade juridica ndo pode ultrapassar os limi-tes do escopo que lhes e assinalado pelos estatutos (6). Nao seria,no dizer de OSORIO DE CASTRO, por acaso que 0art. 6., n.? 1do CSC se refere a direitos e obrigacoes necessaries ou conve-nientes a prossecucao do fim da sociedade e nao dos finscomo reza 0 art. 160. do Codigo Civil (27).

    e ') Os6rio de Castro , Da prestaciio . .. . in Revista .... ann 56, II, pp. 577 e 578.(24) A expressao e uma vez mais de Osorio de Castro, Da prestaciio .... in

    Revista . .. , ano 56, II, p. 578 que escreve: Se niio hci d uvida de que o n," 1 do art. 6.0 deveser interpretado em conjugactio com 0 disposto no n." 4. ndo e menos exacto que niio hdinteira sobreposiciio entre ambos os comandos, de tal modo que fosse lic ito afirmar queo ultimo excepciona a primeiro sem deixar rasto.C ') Ver-se ja adiante (infra) como, na verdade, a via pela qual nos optamos nadatern a ver com 0 sentido que lhe e imputado por Osorio de Castro, Da prestuciio . .. . inRevista .... ann 56, II, pp. 565 e S5., maxime p. 576 e 55., e nota (17).

    (26) Osorio de Castro, Da prestaciio .... in Revita .... ano 56, I I, p. 578, renegando,assim, de urn s6 passo, nao so a contrdicao ou desarmonia por ele anteriormente desco-berta (cfr. supra nota O J entre 0 n." 1.0 e 4.0 do CSC, como tambern a proximidade, porele igualmente apontada, entre 0 artigo 160.0 do Codigo Civil e 0 artigo 6. n." I do CSc.Proximidade esta determinada, nas palavras, do ilustre autor pelo facto de se reproduzir,(... ) no art. 6. a do esc com praticamente todos os efes e erres, 0disposto no art. 160.0do CCV. ( ... )> > e que permitiria, alias, concluir a favor da tese segundo a qual 0 legisladornao poderia ter consagrado no CSC uma teoria contraria 11da especialidade do f im. lssoseria na verdade, e no dizer de Os6rio de Castro, incompatfvel com a similitude de redac-~ao (com praticamente todos as efes e erres repita-se) entre 0 preceito do C6digo Civileo preceito do CSC.

    (27) Os6rio de Castro, Da prestaciio .... in Revista ... , ann 56, II, p. 578.

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    14/39

    8 2 PEDRO DE ALBUQUERQUE

    o fim em causa no n. I do artigo 6. do CSC seria 0 fimJucrativo - 0mesmo para todas as sociedades - e nao 0 objectoou fim imediato variavel de caso para caso. Ambos os fins -desempenho de uma actividade produtiva e realizacao de lucros-sao referidos no art. 980. do C6digo Civil. Porem, 0 fim aludidopelo art. 6., n." I nao poderia ser 0 fim mediato ou 0 objecto.A esse reportar-se-ia 0n. 4 que precisamente nao 0 arvoraria emfactor restritivo da capacidade. Sobraria, nao obstante, 0fim medi-ato 0 qual nao tern a ver com 0 objecto social. Seria esse, portanto,o visado pelo n. I do artigo 6. do CSc, com observancia de umaperfeita harmonia entre n.? 1 e n.? 4 do artigo 6. do CSC (28) .Donde que, como principio, se devessem considerar nulos os actosde natureza praticados por uma sociedade, em consequencia defalta de capacidade jurfdica (29).8) 0exacto alcance do artigo 6. n. 1 seria iluminado pelodisposto no artigo 6. n. 2, ao ressalvar a capacidade da socie-dade para a pratica de liberalidades que possam ser considera-das usuais, segundo as circunstdncias da epoca e as condicoes dapropria sociedade. A relacao entre 0n.? 1. 0 e 2. do artigo 6. doCSC seria a mesma que intercede entre 0 n." 1 e 2 do artigo 940.do C6digo Civil eO): As liberalidades praticadas pelas sociedadesnao sao contrarias ao fim da sociedade [, ..) porque Jalta nelas 0espfrito de liberalidade, pelo que justamente tuio sdo doaciies eniio colidem, pois, com 0 escopo lucrativo da sociedade (31) .9) A consideracao do n.3 do artigo 6. do CSC viria secun-dar a ideia agora expressa e veiculada pelos n." 1 e 2: 0n. 1esti-pularia a regra de que siio contrdrios ao Jim social todos os nego-cios gratuitos; todavia a inexistencia de um espirito deliberalidade, ou 0 facto de a sociedade agir por motivos ndoaltruisticos mas interessados intervem como Jacto impeditivo daincapacidade cominada pelo n. 1 e 2). Tudo a demonstrar a ideiade que 0 artigo 6. n.? 3 s6 teria em vista a prestacao de garantias

    ( 2 K ) Idem. p. 579.( 2 ' 1 ) Idem, ibidem.eO ) No escrito de Osorio de Castro, Da pretaciio ..., in Revista ... , ano 56, II,

    p. 579, refere-se por gralha, certamente de composicao, 0artigo 980.0C ') Osorio de Castro, Da prestaciio ..., in Revista..., ano 56, II, p. 579.(2) Idem, pp, 579 e 578.

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    15/39

    DA PRESTA~AO DE GARANTIAS PORSOCIEDADESCOMERCIAIS 83

    a dfvidas de terceiros efectuada a titulo gratuito. Se a sociedadereceber uma contrapartida e 0 neg6cio for, por conseguinte, one-roso a conformidade com 0fim social estaria ipso facto (sic) garan-tida e 3). Faltando a contrapartida, entao sim, seria caso para inda-gar se nao havera porventura urn interesse economico alheio aoconteiido do acto e 4).

    10) Tudo a demonstrar como a pratica de negocios gratuitoscom fins desinteressados contende com a capacidade das socieda-des, nao com a representacao C 5). Noutros termos, as sociedadessofreriam de uma incapacidade de gozo absoluta C 6) para a reali-zacao de negocios nao onerosos, os quais seriam nulos.

    11) Pelo facto de existir uma proibicao absoluta para a rea-lizacao ou celebracao de actos de natureza gratuita, nao poderia 0terceiro de boa-fe beneficiar da proteccao concedida peloartigo 281.0 do Codigo Civil. Este artigo estabelece, na verdade, aregra de acordo com a qual nos casos em que 0 fim de urn negociojurfdico se afigura contrario a lei ou a ordem publica ou ofensivodos bons costumes, 0 referido negocio so sera nulo quando 0 fimfor comum a ambas as partes. Seria todavia (. ..J singular que issosucedesse onde 0 defeito interno do neg6cio advem de a posiciioou condiciio pessoal de uma das partes ser tal que a lei lhe proibeem absoluto a prdtica do negocio em causa (37).

    (") Idem. p. 580.(- '4) Idem. ibidem. e nota (828), onde se acrescenta: A nosso ver, intercedendouma relaciio de dominio ou de grupo entre as sociedades garante e garantida. a lei pre-

    sume juris et de jure a existencia de umjustificado interesse proprio. Note-se, porem, quea sociedade garante ha-de necessariamente ser a sociedade dominante ou directora-sendo 0caso inverso, niio vemos raziiopara que a existencia se presuma. Por outra via.a prestaciio gratuita de garantia a divida de qualquer socio (mesmo tratando-se de socie-dade dominante), ainda que situada dentro da capacidade da sociedade, sera semprenula, por violaciio do principio do proibiciio da restituiciio das entradas.

    (,5) Osorio de Castro, Da prestacdo ..., in Revista ..., ano 56, II , passim, e desig-nadamente, p. 582.

    (,6) A adjec tivacao e de Osorio de Castro, Da prestaciio... , in Revista..., ano 56, II,p. 582, 0qual estrai dela, de resto, importantfssimas consequencias ao nfvel da solucao juri-dica a dar a questiio da proteccao de terceiros que ignoravam ter determinado acto natrurezagratuita e, por isso, desconheciam a circunstancia de 0 acto se poder eventualmente (0con-dicional e obviamente nos so; na tese de Osor io de Castro existe sempre contrar iedade entreurn acto gratuito e 0 tim da sociedade) ter por contrario ao tim da sociedade.

    ('7) Osorio de Castro, Da prestaciio ..., in Revista ..., ano 56, II, p. 583, 0 qualacrescenta de seguida Este ponto e decisivo.

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    16/39

    84 PEDRO DE ALBUQUERQUE

    J 2) A solucao exposta entender-se-ia com facilidade. Numcaso - 0 da realizacao de actos sem fins lucrativos - a pro-pria lei ( ... ) diz existir incapacidade e no outro - 0 da pratica deactos alheios ao objecto social, mas com prop6sitos lucrativos -apenas falta de poderes de representaciio (38). No tocante aosactos ultra vires, mas conformes com 0 interesse lucrativo, os inte-resses da contraparte de boa-fe opor-se-iam apenas aos da socie-dade e dos s6cios, pelo que seria razoavel que a querela fosse diri-mida em favor dos primeiros C 9). Quanto aos actos desinteressados,porern, avultariam outros interesses - maxirne dos credoressociais - e nao se veria porque haveria de correr por conta dosseus titulares 0risco de uma actuacao indevida dos gerentes, adrni-nistradores ou directores da sociedade (40).13) A nao ser assim, bastaria ao beneficiario de uma garan-tia dada dfvida de terceira entidade aceita-Ia, recusando cuidado-samente quaisquer esclarecimentos (sic) (41).14) A doutrina dos actos ultra vires filia-se na necessidadede promover a rapidez e a seguranca do trafico rnercantil, cujafluencia seria fortemente prejudicada caso se impusesse ou tor-nasse obrigat6ria uma investigacao pormenorizada da conformi-dade dos neg6cios com os estatutos. Os prop6sitos em causa naose fariam sentir com a mesma acuidade tratando-se de neg6ciosgratuitos. Por isso, a doutrina dos actos ultra vires nao daria cober-tura aos casos de prestacao, nao remuneradas ou onerosas, degarantias por sociedades a dfvidas de outras entidades.13) 0 argumento segundo 0 qual obrigar 0 beneficiario dagarantia - dada por uma sociedade, a dfvida de uma terceira enti-dade - a certificar-se da existencia de urn interesse social, viriacriar uma irremovfvel suspeita sobre esse acto - dado nao existi-rem meios ao dispor do terceiro para se substituir it sociedade navaloracao do seu interesse - careceria de qualquer fundamento.Mesmo que se criasse, realmente, uma suspeita sobre a prestacaode garantias por parte das sociedades comerciais nao haveriamossa de monta it actividade mercantil: Efectivamente, a prestaciio

    eO) Idem, ibidem.(,9) Idem, ibidem.(40) Idem, ibidem.(41) Idem, ibidem.

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    17/39

    DA PRESTA

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    18/39

    86 PEDRO DE ALBUQUERQUE

    ceiro, e ultimo, lugar, porquanto a proibicao de prestar garantiasnao mas sim relativa seria absoluta. Na verdade, 0artigo 6.0 n.? 3proibiria de forma absoluta a prestacao de garantias gratuitas adividas de entidades com as quais a sociedade nao esteja em rela-~ao de domfnio ou de grupo.16) Quanto a dificuldade posta pela circunstancia de se naoafigurar exigivel a realizacao, por parte de quem contrata com asociedade, de urn controle de merito sobre uma deliberacao social,substituindo-se a sociedade na determinacao dos objectivos por elaa alcancar - imiscuindo-se, com isso, no que tipicamente cabe naesfera de julgamento da sociedade - ela nao corresponderia,senao, a urn falso problema. Em primeiro lugar, urgiria constatar 0facto de a exigencia de urn justificado interesse pr6prio ser postapor lei, pelo que nem os terceiros nem os tribunais podem virar--lhes costas (46). Nao haveria mesmo volta nenhuma a dar quanto aeste aspecto (47) . Mas mais. Ao admitir que 0 ente colectivo naofica vinculado se a contraparte sabia, ou nao podia ignorar, a cir-cunstancia de ao acto controverso nao se encontrar subjacente urnjustifiado interesse pr6prio (48), a nossa tese nao passaria no exame(,' '' ) Os6rio de Castro Da prestaciio . .. . in Revista .... ann 56, II, p. 588.(47) Assirn Os6rio de Castro Da prestaciio . .. . in Revista .... ann 56, II. p. 588.( , ' 1 < ) Os6rio de Castro Da prestaciio . .. . in Revista ... ann 56. II. pp. 588 e 589,

    imputa-nos a tese segundo a qual seria de adrnitir que a sociedade se desvinculasse se aconlraparte sabia que niio subjazia it prestacao da garantia urn justificado interesse pr6-prio: A propria tese ora em exame ve-seforcada a aceitar que a sociedade niiofica vin-culada se provar que a contraparte sabia que ndo subjazia a prestacdo da garantia um'justif icado interesse proprio' (.. . J Assim como niio poderd deixar de ser facultadorecurso as viasjudicia is. para deminuir eventuais controversias, acabando afinal por secair na "apreciaciio jurisdicional" alegadamente inadmissivel. A verdade, porern, e quesernelhante afirmacao nunca foi por nos feita; nunca nos referirnos it possibilidade de asociedade se desvincular com base na circunstancia de a contraparte saber que it garantianao subjazia umjustificado interesse proprio. Limitamo-nos a referir sernelhante possi-bilidade aos casos de terceiros de ma-fe, de terceiros que conheciam a irregularidade doacto. de terceiros que conheciam ou nao podiarn deixar de conhecer a circunstancia de 0acto controverso nao respeitar it sociedade. Para que nao fiquern duvidas transcrevemosquanto afirmamos no nosso estudo, A vinculaciio ... in Revista ... ann 55. III.p. 709: Ape-nos na eventualidade de 0 terceiro se encontrar de male poderd a sociedade desvincular--se do acto levado a cabo pelos seus administradores ou gerentes. Mas mesmo semelhantedesvinculaciio depende do observancia de um requisito impasto por lei: ser a sociedade afazer prova de que 0 terceiro conhecia a irregularidade do acto (artigos 260.0 n.o 2 e409.0 do e s C ) . ( . . . J . A apreciaciio judicial fica limitada as hipoteses em que as socieda-

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    19/39

    DA PREST AC;Ao DE GARANTIAS POR SOCIEDADES COMERClAIS 87

    da crftica, Na verdade, afastar a vinculacao da sociedade no casode 0 terceiro conhecer, ou dever conhecer, a ausencia de liga~aoentre a garantia e a sociedade implica: a) a obrigatoriedade de 0terceiro se interrogar se a garantia se encontrava ou nao subjacenteurn interesse social; b) a possibilidade, alegadamente inadrnissfvel,de os tribunais apreciarem a existencia ou nao de urn interessesocial ( 49 ) eO ). A diferenca entre a nossa tese e a de OS6RIO DECASTRO, estariam, assim, e nas palavras deste, apenas no facto den6s pormos a cargo da sociedade 06nus da alegacao e da prova dainvalidade da garantia enquanto 0 ilustre e distinto autor faz recairsobre quem sustenta a validade da garantia a prova dessa mesmavalidade C ' ) .

    17) De qualquer forma, a verdade e que 0artigo 6.0, n.? 3 doCSC nao postularia nenhuma apreciacao jurisdicional demerito (52). Admitir a possibilidade de uma apreciacao de merito dadecisao de uma assembleia geral seria reconhecer-se (...) ao juiza possibilidade de controlar a ponderaciio de interesses efectuadapor uma maio ria qualificada dos socios e de lhes impor a decisiioque ele tenha por economicamente mais ajustada, () que redundanuma especie de judializacdo da actividade societdria que niio

    des afectadas pela prdtica de um acto ultra vires pedem aos orgaos dejurisdiciio parase pronunciarem, fazendo, ao mesmo tempo, prova de que 0 terceiro conhecia, ou ndopodia desconhecer, a circunstiincia de 0 acto niio respeitar a sociedade. A diferencaseria pouco importante, ou mesmo irrelevante, se a modificacao da forma, operada peloilustre jurista, na o fosse tomada para servir de alicerce a conclusoes, com 0 devido res-peito, ilegitimas. Para uma completa referencia a este assunto. Cfr., infra.

    (49) Nesse sentido v. 0 passo de Osorio de Castro transcrito na nota anterior.eO ) Ate porque, recorde-se, (... ) a exigencia de umjustificado interesse social e

    posta por lei, pelo que nem os terceiros nem os tribunais podem virar-lhe as costas. Ndocremos que haja volta que possa dar-se. Cfr., Osorio de Castro Da prestaciio ... , inRevista... , ano 56, II, pp. 588 e 589.e ') Osorio de Castro Da prestacdo ..., in Revista..., ano 56, II, pp. 589 e 590, deacordo com quem (... ) a diferenca estd apenas em que nos pomos a cargo do terceiro 0onus da alegacdo e da prova de que 0 interesse existe, enquanto outros fazem recair 0onus inverso sobre quem invoca a nulidade.e 2) Assim Osorio de Castro Da prestacdo ..., in Revista..., ano 56, II, pp. 589 e590, nao obstante a constata .. ao por ele feita, pouco antes, segundo a qual (... ) a exigen-cia de urnjustificado interesse proprio e posta por lei,pelo que nem os terceiros nem ostribunais [hepodem virar costas.

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    20/39

    8 8 PEDRO DE ALBUQUERQUE

    pode ser coisa boa. Julgamos, por isso, que deverd valer na mate-ria uma regra homologa da chamada business judgement rule(segundo a qual as decisiies do orgiio de direcciio siio judicial-mente insindicaveis se adoptadas por directores agindo convicta-mente no interesse da sociedade, de forma desinteresada e conve-nientemente informada), exigindo-se tdo somente que os socios( ... ) tenham sido animados pelo escopo de fomentar 0 interessesocial, e niio por motivos extra-sociais. Sendo assim para as deli-beracoes dos s6cios, seria, igualmente, assim para as deliberacoesdos 6rgaos de adrninistracao e representacao - e, por conseguinte,para 0 problema suscitado pelo artigo 6. n.? 3 do CSC: consis-tindo a prestacdo de garantias num acto de gestdo societaria seraate por maio ria de raziio que 0controlo judicial niio ha-de versarsobre 0 merito economico da decisiio. Desta forma 0 justificadointeresse proprio supord apenas que 0 mobil dos gerentes admi-nistradores ou directores, ao presta rem a garantia, tenha sido 0desatisfazer certo interesse economico da sociedade e ndo 0 de pro-porcionar uma vantagem ao credor (em si e por si). 0 acto seravalido ou nulo consoante esta vantagem liver sido queridaenquanto meio para atingir certo interesse economico da socie-dade - tal como os proprios gerentes e administradores 0 tiveremdefinido, de forma judicialmente insindicdvel= ou antes como umfim em si mesmo, ou como via para atingir outro objectivo invio.

    III - Se procurarmos agora, reduzir aos seus postuladosbasicos os varies argumentos invocados contra a tese por nosdefendida - e de acordo com a qual as sociedades comerciaisficam vinculadas pelos actos dos respectivos administradores ougerentes, dentro das competencias que a lei Ihes atribui, ou permiteatribuir, e, designadamente, pelas garantias por eles indevidamenteoferecidas para garantir dfvidas de terceirasentidades - verifica-mos serem eles tres: a) 0 artigo 160. do Codigo Civil e 0 artigo 6.n. 1 do CSC comerciais definem 0 ambito da capacidade de gozodas sociedades; b) as sociedades sofrem de uma incapacidade degozo absoluta para a pratica de actos de natureza gratuita, entre osquais se encontra a prestacao de garatias nao remuneradas; c) 0fimprevisto no artigo 6. n. 1 do CSC e tao so, e exclusivamente, aobtencao de lucros. Tudo a levar a conclusao segundo a qual, na

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    21/39

    DAPRESTA

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    22/39

    90 PEDRO DE ALBUQUERQUE

    dade ter estado prirneiro confundida na categoria da capaci-dade (55). Suponha-se, por exernplo, a venda de coisa alheia e logose afirrnava estar 0 vfcio do acto na falta de capacidade do autorpara vender a coisa.A verdade, porem, e que a explicacao era erronea (56). A capa-cidade e urna categoria generalizadora, a qual nos indica se 0sujeito pode praticar actos de deterrninado tipo (57). Na hipotese ernreferencia, nao se contesta a circunstancia de 0 sujeito poder erngeral vender. Debate-se, sim, e se Ihe e perrnitido vender aquelacoisa. A capacidade esta integra C 8 ). Aquilo de que 0 sujeito carecee do poder de dispor de deterrninado objecto. A deficiencia e rela-tiva, tern urn caracter relacional transportando-nos para latitudesbern diversas .das ocupadas pela nocao capacidade C 9).Esta revisao da problematica da capacidade ern geral, e a daspessoas colectivas ern particular, foi, nas suas relacoes corn 0con-ceito de legitimidade, objecto de urna irnportante revisao. Iniciou--a 0 Professor OLIVEIRA ASCENSAo (f,(), a cuja voz se juntou,

    exclusivamente na perspectiva ou a luz da nocao de capacidade, terem seguido a lic;:aodoProfessor Manuel de Andrade, Teoria Geral da relactio juridica, Coimbra, 1960, I,p. 124,quando este afirma que a restricao da capacidade das pessoas colectivas deve ser enten-dida em termos menos gravosos do que a primeira vista poderia parecer. Sao suas asseguintes palavras: A esta doutrina dd-se 0 nome de principia da especialidade,corresponde-lhe 110 dire ito ing/es a ultra vires theory, segundo a qual. tambem a activi-dade juridica das pessoas colectivas ndo pode ultrapassar os limites do escopo que lhes eassinalado pelos estatutos. Tal restricdo ha-de ser entendida em termos hdbeis, e destemodo resultard menos grave do que ii primeira vista pode parecer. No mesmo sentidov., por todos, Mota Pinto, Teoria geral do direi to civi l, 3.' ed., actualizada, Coimbra, 1985,p.318.

    (55) Cfr. Oliveira Ascensao, Teoria geral do direito civil, Lisboa, 1992, III, p. 69,que justamente escreve; A materia da legitimidade esteve primeiro confundida na cate-goria da capacidade.

    ('I Assim, e expressamente, Oliveira Ascensao, Teoria ... , III, p. 70.(57) Cfr.Oliveira Ascensao, Teoria ... , III. p. 70.(5") Idem. ibidem.(59) Idem. ibidem.(60) A este respeito cfr. Oliveira Ascensao, As actuais coordenadas do instituto da

    indignidade sucessoria, separata de 0 Direito, Lisboa, 1970. pp. 14 e ss.; Id. TeoriaGeral.:., I. (1991), pp. 70 e 71, 235 e ss., III, 68 e ss.; e Id. Direito comercial, IV, Socie-dades Comerciais, Lisboa, 1993, vol. IV, pp. 47 I (1996) pp. 140 e 141,267 e ss., numaorientac;:aoque abriu caminho na doutrina portuguesa.

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    23/39

    DA PREST A

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    24/39

    92 PEDRO DE ALBUQUERQUE

    ontol6gica. Ficam ainda exclufdos, e para empregar as palavras doProfessor OLIVEIRA ASCENSAo (65), direitos como os de uso ehabitacao destinados a satisfacao de necessidades pessoais dosseus titulares (66).IV - Alern destas restricoes genericas, ligadas a natureza daspessoas colectivas, a lei pode estabelecer outras particulares para

    as pessoas colectivas ou certas categorias delas (67).Fora destes dois tipos de Iimitacoes (...) funciona 0princi-pio amplo do artigo 160.11.: a capacidade das pessoas colecti-vas abrange todos os direitos e obrigaciies necessdrios ou conve-nientes a prossecuciio dos seus fins (68).

    V - A exacta compreensao do normativo legal obriga a urnbreve esclarecimento.Na ausencia de uma disposicao como a do artigo 160. doCodigo Civil, e face ao disposto no artigo 67. tambem ele do refe-rido diploma, poderia eventualmente entender-se que as pessoascolectivas caberia a generalidade das situacoes juridicas, sem seafigurarem necessarias mais delirnitacoes (69): Uma fundaciiopoderia comerciar e uma sociedade comercial poderia desenvol-ver accoes culturais CO).A verdade, e que a posicao no direito portugues tern sido tra-dicionalmente a oposta. Fala-se no princfpio da especialidade, e acapacidade seria a adequada a realizacao dos fins sociais, numaorientacao aparentemente consagrada pelo artigo 160. do CodigoCivil. Todavia, e como evidenciou 0 Professor OLIVEIRAASCENSAo (1'), este preceito delimita 0 ambito de actuacao dassociedades em termos tais que pouco, ou nada, tern a ver com acapacidade de direito. Transcrevemos, para maior clareza, as paIa-

    (M) Idem, ibidem.("") Oliveira Ascensao, Teoria I. (1991), p. 233 e (1996), p. 262.('7) Oliveira Ascensao, Teoria , I,(1991) P. 234 e (1996), p. 262.( O K ) Idem, ibidem.("9) Idem, ibidem.(,0) Idem, ibidem.('I) Oliveira Ascensao, Teoria..., I, (1991) pp. 234 e 235 e I (1996) p. 267.

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    25/39

    DA PRESTA(:AO DE GARANTIAS POR SOCIEDADES COMERCIAIS 93

    vras do insigne Mestre a este respeito (72): 0 artigo 160./1 pre-tende consagrar 0 principio da especialidade. Fa-lo, porem, emtermos muito amplos, pois admite todas as situacoes juridicas quesejam convenientes a prossecuciio dos fins da pessoa. Entiio pra-ticamente tudo passa a ser possivel. Uma sociedade anonima podepraticar beneficiencia para melhorar a sua imagem, e uma asso-ciaciio desportiva pode praticar actos de comercio para aumentaro seu patrimonio.Toda esta materia tem muita imporuincia ( ... ) mas niio ternpraticamente nada a que ver com a capacidade de direito.A limitacdo pelo jim niio significa uma limitaciio pela capaci-dade: ou s o 0 significara em hipoteses extremas, quando a prosse-cucdo do jim for incompativel com a titularidade de certas situaciiesjuridicas. A eventual anomalia residira no desvio em relaciio ao jim,e ndo na incapacidade, pois a pessoa colectiva pode praticar aetasdaquela categoria e ser titular dos direitos derivados. 0 que niiopode i f praticd-los de maneira a afastar-se dos seus fins C~) .

    Verifica-se, pois, como a questao deve ser transformada.A materia disciplinada no artigo 160. n. 1 do Codigo Civi I nao tern- ou nao tera no essencial - a ver com a capacidade das pessoascolectivas, ela relaciona-se sim com a respectiva vinculacao (14).

    VI - Quanto se acaba de dizer, a proposito do sentido a atri-buir ao artigo 160. n.? 1 do Codigo Civil, permite enfrentar facil-mente a observacao feita por OSORIO DE CASTRO, segundo 0

    (72) Oliveira Ascensao, Teoria... , 1(1991) e (1996) p. 267, pp. 234.(") Ao que 0Professor Oliveira Ascensao acrescenta na col. de 1991 da Teoria ... ,

    I, p. 236 Assim diremos que a pessoa colectiva tem capacidade generica e ruio especi-fica, ruio obstante a vastidiio das limitacoes constantes do art. 160.0/2, para escreverdepois na ed. de 1996. I. p. 268 Em conclusiio 0principio da especialidade nada tem aver com a capacidade de direito em qualquer das suas manifestacoes.('4) Assim, tambern, Pedro Pais de Vasconcelos. Teoria Geral..., pp. 109 e 110,0qual escreve expressamente, e depois de manifestar a sua adesao as posicoes expressas namateria pelo Professor Oliveira Ascensao: A problemdtica da especialidade, nas pessoascolectivas, niio deve colocar-se ao nivel da capacidade de gozo, nem ao nivel dos seusactos isoladamente considerados. 0regime do artigo J 60.0 do Codigo Civil tem a ver como objecto social da pessoa colectiva, e portanto com a actividade que esta se propiiedesenvolver e que funda 0 seu reconhecimento como pessoa juridica. Deslocada a ques-tao para 0dominio das actividades, ela transporta-se para a problemdtica do desvio dofim. 0desvio doJim constitui Jundamento para a dissoluciio e extincdo da pessoas colecti-

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    26/39

    94 PEDRO DE ALBUQUERQUE

    qual seria descabido sustentar-se que 0 n.? 1 do artigo 6. doesc nao estabeleceria urn principio de incapacidade (15), por-quanto se assirn fosse 0 legislador nao teria reproduzido (... )com praticamente todos Efes e Erres 0disposto no artigo J 60.

    vas. como se extrai do artigos 182.. n. 2. al. b) e 192. n. 2 al. b) do Codigo Civil. quantorepectivamente as associaciies e as fundacoes, e do artigo 142.. 11. 1 al. d) do Codigodas Sociedades Comerciais. As pessoas colectivas que adoptem uma actividade diferentedo seu objecto social. em termos tais que 0 seu Jim real deixe de coincidir com 0 seufimestatutdrio, devem ser extintas. Porem, considerar nulos todos e cada urn dos acto juridi -cos que a pessoa colectiva prat ique e que niio sejam necessarios nem convenientes a pros-. lecu~ao do seu objecto social seria totalmente inadequado a vida de relacdo e gerador deuma insustentdvel inseguranca 110 trafego juridico ( ... J . Onerar os terceiros que contra-tam com apessoa colectiva no quotidiano ( ... J com 0 risco da eventual decluracdo de nuli -dade dos actos da pessoa colectiva com fundamento exclusivo na sua desnecessidade ouinconveniencia a prossecuaio do interesse social. seria de uma injustice violenta e juri-dicamente insuportdvel. ( ... ) Com este enquadramento, a questiio acaba por se transfor-mar: deixa de ter a ver com a capacidade das pessoas colectivus, maxime com a sua capa-cidade de gazo ou capacidade de dire ito. e passa a ter a ver com a respectiva vinculaciio.e ~ ) Na opiniao do autor, 0 n." I do artigo 6. do CSC conteria uma norma vir-tual (0 termo e de Osorio de Castro), obtida atraves da utilizacao de urn argumento a con-trario, a qual definiria 0 ambito da incapacidade de gozo dos actos contraries ao fim dasociedade. Cfr., Osorio de Castro, Da prestaciio .. .. in Revista . .. , ano 56, II, p. 577, nota(20). Lembre-se, todavia, a proposito, 0 facto de apenas ser legftimo fazer interpretacaoenunciativa, com base no argumento a contra rio. ou perante casos de explicita excepcio-nalidade da disposicao tomada em consideracao ou frente a situacoes de excepcionalidadeformal determinada por algum tipo de autolirnitacao da disposicao em analise a determi-nado drculo de situacoes. Sublinhe-se, tambem, a circunstancia de rnesmo no caso de aformula legal proclamar, aparentemente, 0 respective caracter excepcional, razoes ponde-rosas, tiradas do regime legal, podem levar a excluir a possibilidade de utilizacao do argu-mento a contrario, Nestes termos, nao surpreende 0 facto de grande parte dos cultores dafilosofia do direito terem chegado a conclusoes, ou negativas, ou muito restritivas, acercada valia 16gicado argumento a contrario. Cfr. Oliveira Ascensao, 0direito ... , p. 464). Nocaso em apreco, e mesmo na eventualidade de 0 artigo 160. n." I do Codigo Civil e 6.n. I do CSC se afigurarem normas excepcionais - 0 que se admite sem conceder-haveria certamente boas razoes para nao as aplicar a contrario. A verdade, porern, e quese afigura extremamente duvidoso considerar quaisquer das disposicoes em questao comonormas excepcionais. Na verdade elas parecem nao ser senao simples manifestacoes daregra segundo a qual as pessoas colectivas tern, tal como as pessoas singulares, uma capa-cidade generica - apenas limitada pela respectiva natureza - e nao especffica (v., Oli-veira Ascensao, Teoria ... , I, p. 236; e Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria ... , p. J08). Outroentendirnento poderia, de resto, colidir com 0 artigo 12.0n." 2 da Constituicao da Repu-blica Portuguesa no qual se dispoe muito c1aramente: as pessoas colectivas gozam dosdireitos e estiio sujeitas aos deveres compativeis com a sua natureza. Teme-se, pois, ecom 0devido respeito, que a consideracao do artigo 6.0 n. I como norma excpecional nao

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    27/39

    DA PRESTA > (6); preceito do qual decorreria, justamente, anulidade por incapacidade de gozo dos actos contraries aos fins dasociedade.

    A verdade, porem, e que. conforme vimos - e paraempregaras palavras do Professor OLIVEIRA ASCENSAo. depois retoma-das pelo Professor PEDRO PAIS DE VASCONCELOS - 0artigo 160. n. 1 do C6digo Civil (...) niio tem praticamentenada a que ver com a capacidade de direito. A limitaciio pelo Jimndo significa uma limitaciio pela capacidade: ou s6 0 significardem hipoteses extremas (... ) > > . Afigura-se, assirn, a nosso ver, e como devido respeito, ilegftima qualquer tentativa para descobrir noartigo 6. n. 1do CSC uma norma virtual na qual se estatuiria umaesfera de incapacidade de gozo para as sociedades.

    Mas, se 0artigo 160. n. I do C6digo Civil nao permite fun-dar ou, sequer, servir de alicerce a conclusao de acordo com a qualo artigo 6. n. I do CSC conteria uma regra virtual donderesultaria a nulidade, por incapacidade de gozo, dos actos contra-rios ao fim da sociedade sera que 0 artigo 6. n.? I do CSC naodefine, por si s6, e sem necessidade de qualquer apoio, urn precisoambito de incapacidade das sociedades comerciais? Julgamos quenao. Tern, a nos so ver, razao OSORIO DE CASTRO quandoafirma que 0artigo 6. n. ? I do CSC reproduz quase ipsis verbis 0artigo 160. n. ? 1 do C6digo Civil (17). Tal como este ultimo pre-ceito, tam bern 0artigo 6. n. I do CSC con tern a afirmacao posi-tiva da capacidade de gozo ou de direito das sociedades (18). Daquinao se segue, todavia, a conclusao segundo a qual 0 referido pre-ceito permitiria definir, igualmente, a incapacidade de gozo das

    possa senao assentar numa perfeita tautologia - tira-se do artigo 6. n.? I do CSC a ideiasegundo a qual ele definiria 0ambito de incapacidade das sociedades cornerciais, quandosemelhante artigo a ser considerado exeepcional teria de 0 ser justamente na base da regravirtual da ineapaeidade (em termos genericos, e a prop6sito do vieio de raciocfnio, fre-quentemente, subjaeente 11utilizacao do argumento a contra rio v., Oliveira Ascensao, 0direito ... , p.466).

    (16) Osorio de Castro, Da prestacdo , in Revista ... , ano 56, II, p. 577.(77) Osorio de Castro, Da prestaciio , in Revista ... , ano 56, II, p. 577. Comoexpressao da comunis opinio, v., no mesmo sentido, Oliveira Ascensao, Direito ... IV,

    p.48.(8) Cfr. Oliveira Ascensao, Direito .... IV, p. 48.

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    28/39

    96 P ED RO D E A LB UQ UER QU E

    sociedades. Uma coisa e afinnar que os actos praticados em obe-diencia aos fins ou fim da sociedade cabem dentro da respectivacapacidade. Outra, bern diversa, consiste em sustentar a nulidadepor incapacidade de gozo dos actos eventualmente contraries aoreferido tim ou fins.

    VII - Fora da capacidade das sociedades comerciais estaraocertamente, e a semelhanca do verificado com os demais entescolectivos, todas as situacoes juridicas reportadas, por natureza, apersonalidade singular e humana (9). Mas mesmo aqui as delimi-tacoes devem fazer-se com cuidado. Mesmo entre os direitos depersonalidade pode haver hipoteses cornpatfveis (com eventuaisadaptacoes) com a personalidade colectiva (80).

    Para alern deste dominio dos direitos de personalidade, oudaquele outro constituido por restricoes normativas expressascaracterizadas pela sua generalidade (81), vigora a regra da capaci-dade generica da pessoa colectiva, nao a da capacidade especf-fica (82).

    A doutrina nacional tern falado, e certo, no principio daespecialidade da capacidade das pessoas colectivas tambem aproposito das sociedades comerciais. E, em abstracto, este prin-cfpio encerra a sua dose de verdade. Contudo, ele carece de ope-racionalidade para servir de fundamento a uma eventual demar-cacao da capacidade das pessoas colectivas. 0 artigo 160.0 tern,conforme demonstrado pelo Professor OLIVEIRA ASCENSAo,

    C'I) Oliveira Ascensao, Direito IV, p. 48.( 8 < 1 ) Oliveira Ascensao, Teoria I. 1991. pp. 322 e ss e I (1996) 263 e SS.; Id.

    Direito .... IV , p. 48.(") Oliveira Ascensao, Direito .... IV. p. 48 e 49. A alusao it generalidade da res-tri~lio.e a exclusao do nosso ambito das restricoes caracterizadas por uma referencia con-

    creta. designadamente it situacao da sociedade, constitui urn aspecto importante ao qualdedicaremos a nossa atencao urn pouco mais adiante. V.. infra.

    ("2) Neste sentido, Cfr. Oliveira Ascensao, Teoria . .. , 1(1991), p. 234 e 236, e I(1996) p. 262 autor segundo 0 qual (... J funciona 0 principio amplo do an. 160./1: acapacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos necessarios ou convenientesa prossecuciio dos seus fins ( . .. J Assim ( ... J diremos que tambem a pessoa colectiva temcapacidade generica, e niio especifica, niio obstante a vastidiio das limitaciies constantesdo art igo 160./2.

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    29/39

    DAPRESTAf;Ao DEGARANTIAS POR SOClEDADES COMERCIAIS 97

    uma amplitude tal que, fora das excepcoes do respectivo n.? 2 ,dificilmente permite delimitar ou identificar tipos de situacoesjuridicas das quais as pessoas colectivas nao possam ser titula-res (83). Ora, 0 mesmo acontece em relaciio a s sociedadescomerdais. Tirando 0que e excluido por natureza ou disposidiode lei, praticamente todas as situaciies se podem apresentarcomo necessdrias ou convenientes, em concreto, a prossecuciiodosJins das sociedades, e portanto enquadradas na sua capaci-dade de direito.A grande determinaciio e de cardcter estrutural-finalista, eassenta no art. 980.0 do Codigo Civil. Por ai se pode determinarum Jim mediato e um Jim imediato das sociedades. Mas niio sepodem identificar situaciiesjuridicas que ja em abstracto niiopos-sam caber na capacidade de direito das sociedades.

    (") Transcrevemos, uma vez mais, 0pensamento do insigne Mestre: A temdticuda capacidade das sociedades comerciais e muito complexa.a art. 160. do Codigo Civil estabelece para as pessoas colectivas um principiaamplo de capacidade. Tem todos os direitos e obrigacoes necessarios ou convenientes iiprossecuciio dos seus fins. Exceptuam-se apenas os vedados por lei ou que sejam insepa-rdveis da personalidade singular.

    Esta demarcaciio e retomada quase ipsis verbis pelo artigo 6.// do Codigo dasSociedades Comerciais. E a capacidade de dire ito (ou de gozo} que esta aqui em causa.

    Estiio excluidas pois as situacoes juridicus que pOl' natureza se reportam d perso-nalidade singular. Mas mesmo entiio a delimitacdo tem de fazer-se com cautela. Mesmoentre os direitos de personalidade, pode haver situacoes que ndo sejam incompativeis coma personalidade colectiva.

    Hd ainda as restricoes estabelecidas pOI' lei. Siio aquelas cujo fundamento niio seencontra na natureza, mas em concreto preceito normativo e acrescenta (...) nesteultimo caso, niio estamos ( ... ) pensando em restriciies individuais. Consideramos apenasas restriciies normativas, caracterizadas pela sua generalidade.

    A este proposito, surge a incidencia do chamado principia da especialidade.Afirma-se que as pessoas colectivas sao criadas para a prossecuciio de fins deter-minados; enquanto as pessoas singulares podem dirigir-se a todas a categorias de finsimaginaveis. Assim, as fundaciies esuio limitadas afins de interesse social (art. 188. 1 / doCodigo Civil) enquanto que nenhum limite se estabelece para as pessoas fisicas.

    A afirmaciio em abstracto e verdadeira. Mas ndo e muito operacional, quandoatraves dela se procura demarcar a capacidade das pessoas colectivas. a art. /60. terntal generalidade que dificilmente permite identif icar tipos de situacoes juridicus de que aspessoas colectivas sejam excluidas, fora das excepcoes do n:" 2 Cfr. Oliveira Ascensao,Direito ... , IV, pp. 47 e ss ..

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    30/39

    98 PE DR O D E A LB UQ UE RQ UE

    VIII - Em suma, 0 artigo 6.0 n." 1 nao faz mais do que 0artigo 160.0n.? Ido C6digo Civil. Ele afinna a ideia segundo aqual a capacidade de gozo das sociedades comerciais compreendetodos os direitos e obrigacoes convenientes ou necessaries a pros-secucao dos seus fins. Cala, todavia, qualquer referencia a umahipotetica incapacidade, a qual nao pode ser retirada a contra riopor razoes diversas. Entre elas conta-se 0 facto de semelhanteforma de interpretacao enunciativa se ajustar mal ao disposto noartigo 12.0 n.? 2 daConstituicao onde - a proposito dos princfpiosconstitucionais gerais relativos aos direitos e deveres fundamentias- se diz - sob a epfgrafe Principia da universalidade - Aspessoas colectivas gozam dos direitos e estiio sujeitas aos deverescompativeis com a sua natureza ( 8 4 ) .

    III - 0 artigo 6.0 0.0 1 do esc e a questao da delimltaeao acapacidade das sociedades comerciais em funcao do timlucrativo1-Resolvida - a favor do primeiro tenno da altemativa -a questao que consistia em saber se as sociedades comerciais pos-suem uma capacidade generica ou ao inves limitada, resta agoraabordar urn outro problema. Nao obstante esta capacidade generica

    ( > < 4 ) Nao tern pois, e ao contrario do pretendido por Osorio de Castro Da presta-{do.... in Revi st a . .. . ano 56, II, p.577, nada de estranho 0 facto de termos reconhecido (cfr.o nosso estudo, A vinculacdo .... in Revista .... ano 55. III, p. 696) a circunstancia de 0artigo 6. n.? 1 se afigurar semelhante ao artigo 160.0do C6digo Civil. e de nele se contera regra fundamental em materia de capacidade das sociedades comerciais. A estranheza sopode ser sentida por quem nao considerar sequer a significativa e justa revisao operadanesta materia da capacidade das sociedades, essencialmente pela mao do Professor Oli-veira Ascensao. E que, a regra consagrada no artigo 6.0n." 1do CSC nao e senao, refira--se a da capacidade generics das sociedades comerciais - e nao qualquer principio de vir-tual incapacidade - numa interpretacao confortada, de resto - e se isso fosse necessario- pela necessidade de se aproximar 0preceito em analise com 0 principia da universa-l idade de direitos e obrig~Oes, consagrado no artigo 12.0 n." 2 da Constituicao, A esteultimo respeito, e, por conseguinte, acerca da importancia do artigo 12.0 n.? 2 da Consti-tui~ao para a tematica da capacidade da s pessoas colectivas - mais concretarnente para aafirm~o da ideia de uma capacidade de gozo generica dos ente colectivos -. V.PedroPais de Vasconcelos, Teoria.... p. 108.

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    31/39

    DA PRESTAC;Ao DEGARANTIAS POR SOCIEDADESCOMERCIAIS 99

    nao devera, apesar de tudo, considerar-se, como julga OSORIODE CASTRO, situados (85) para alem da referida capacidade osactos de naturza gratuita praticados pelos orgaos de gestae e repre-sentacao das sociedades comerciais? E que, no dizer do ilustreautor, 0 artigo 6. n.? 1 do CSC fixaria a capacidade das socieda-des mercantis em funcao de urn tim lucrativo. Por isso, fora doreferido fim a regra seria a da proibicao de actuacao das socieda-des comerciais: elas careceriam de uma incapacidade de gozoabsoluta para a pratica de liberalidades.E a seguinte a construcao de OSORIO DE CASTRO.

    Quando se diz (como sucede no artigo 6. n." 4 do CSC) que,em regra, a sociedade fica vinculada pelos actos dos adrninistrado-res ou gerentes estranhos ao objecto social, estar-se-ia a pressupora capacidade jurfdica do ente colectivo para se vincular, e, por con-seguinte, a afirmar a ideia segundo a qual capacidade nao esta limi-tada pelo objecto (86). Se, num segundo momento, se identificasseo objecto social com 0 fim em sentido tecnico seriamos levados aconcluir como a regra do artigo 6. n. 4 do CSC estabeleceria umacapacidade geral cujos limites seriam definidos apenas pela natu-reza dos entes colectivos. Porern, como 0 n. ? 1 do artigo em refe-rencia consagraria justamente a regra inversa (a da especialidadedo fim) assistir-se-ia, assim, a uma contradicao insanavel entre osn.'" I e 4 do artigo 6. 0CSC: a norma virtualmente (87) contida non. ? 1 limitaria a capacidade de gozo das sociedades comerciais emfuncao do fim; a do n.? 4. torna-la-ia irrestrita. 0 legislador naopode, porern, ter consagrado solucoes absurdas (artigo 9. doC6digo Civil). Desta forma, nao restaria outra solucao senao a deprocurar urn senti do para 0 fim referido pelo artigo 6. n. ? 1 doCSC 0 qual, sendo capaz de salvar a regra da incapacidade nelesupostamente contida, fosse diverso da realidade designada pelosfins mencionados no artigo 160. do C6digo Civil. Isso

    ("5) Os6rio de Castro, Da prestaciio ... , in Revista .... ano 56, II, pp. 576 55.,maxime 578.

    ("6) Os6rio de Castro, Da prestaciio .... in Revista .... ano 56, II, pp. 576. Cfr.,igualmente, Cardoso Guedes, A limitadio .... in Revista .... ano Xlll, p. 130,em cujo ensi-namento se baseia Osorio de Castro.

    ("7) Norma, repita-se, que Os6rio de Castro extrai de uma interpretacao, a contra-rio do artigo 6. n." I do CSc. A este respeito cfr. supra, nota (7).

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    32/39

    10 0 PEDRO DE ALBUQUERQUE

    conseguir-se-ia identificando 0 fim aludido no artigo 6. n.O) doCSC com 0 fim lucrativo. Transcrevemos as palavras de OSORIODE CASTRO: ... 0 n. ] niio consagra efectivamente 0principiada especialidade do fim com 0 significado que este reveste a facedo art. ]60.0 do CCv - e que eo correspondente ao enunciado daultra vires theory - a saber, com 0 alcance e que a actividadejurfdica ndo pode ultrapassar os limites do escopo que the e assi-nalado pelos estatutos.Niio e por acaso que 0 art. 6.0 n." ] do CSC se refere a direi-los e obrigaciies necessdrios ou convenientes a prossecucdo dofim e niio dos fins como reza 0 art. ]60. do CCiv. E que fimem causa eo fim mediato da sociedade - que e um s6 e 0mesmopara todas - e niio objecto ou fim mediato, que pode ser multiplee varia de caso para caso.

    Esta distinciio entre fim e objecto (ou entre fim mediato e ime-diato) e conhecida: 0objecto (ou fim imediato) e 0 ramo ou ramosde actividade a desenvolver pela empresa societdria, ao passo queo fim (media to) e a obtenciio de lucros atraves dessa actividade ea sua reparticiio entre socios. Ambos os fins - desempenho deuma actividade produtiva e realizaaio de lucros - silo referidosno art. 980.0 do Codigo Civil, relativo a nociio do contrato desociedade.o fim a que alude 0art. 6.0 11 .0 ] - repisa-se niio pode ser 0fim imediato ou 0objecto. jd que a esse se reporta 0n: " 4, que pre-cisamente 0 niio arvora em factor restritivo da capacidade dasociedade. Sobra, po rem, 0fim mediato, que ndo tem a ver com 0objecto social, e e esse portanto, que se deve considerar visadopelo n." l,por essa via se garantindo uma harmonia perfeita entreambas as disposiciies. Donde que, como principio, se devam con-siderar nulos os actos de natureza niio lucrativa praticados poruma sociedade, em consequencia da falta de capacidade juridica.

    II - A verdade porern, e que, tal como ensinado pela dou-trina (88), 0 fim lucrativo so ganha relevo pelo facto de surgir comoo resultado do fim imediato. 0 fim lucrativo a que se refere 0

    ("") Assim, Oliveira Ascensao, Direito ..., IV, pp. 23 e ss.

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    33/39

    DA PRESTAC;A.O DE GARANTlAS POR SOCIEDADES COMERCIAIS 101

    artigo 980. do Codigo Civil supoe uma empresa, sendo a ordena-~ao a empresa 0 criterio decisivo da personificacao (89). Afigura--se, pois, e com 0devido respeito, err6neo considerar como fimde uma sociedade 0 lucro (90).

    Conforme lembra a proposito 0 Professor OLIVEIRAASCENSAo: 0Jim da sociedade e complexo, e 0 desempenho deuma actividade produtiva, susceptivel de gerar lucros que possamser repartidos. 0acento deve recair sobre a primeira finalidade,pois e esta que justifica a disciplina e tutela das sociedades. Afun-rao produtiva representa a funciio social. que tao relevante e nademarcacdo do regime das sociedades. E por haver este interesseeconomico que se preve e permite a obtencdo dos lucros, que dou-tra maneira repugnariam ou desinteressariam a ordem juridica:recorde-se 0 regime do jogo ou da aposta. Nestes termos, e se emteoria se pode distinguir, como 0 tern feito a doutrina comercia-lista, entre urn fim mediato e urn fim imediato, ja nao parece pos-sivel erigir - como faz OSORIO DE CASTRO - 0 fim mediatoem criterio delimitador da capacidade de gozo das sociedadescomerciais. Isto pelo simples facto de ser 0 objecto imediato arazao de ser da atribuicao da personalidade juridica colectiva, naoo mediato (91).

    III -, A propria doutrina que se na baseia na tese segundo aqual 0artigo 6. n.? 1 do CSC se referiria ao fim lucrativo condena,de forma violenta, a suposta opcao do legislador de pretender lirni-tar a capacidade das sociedades em funcao do lucro. E em termostais que a referida orientacao, fica a nosso ver definitivamente

    ("") Idem. p. 23.( 9 < ) Assirn V., tambern, Oliveira Ascensao, Direito .... IV, p. 24, que escreve:

    (... ) ni io nos parece correcto afirmar que 0jim da sociedade eo lucro.(91) Em sentido equivalente v. Oliveira Ascensao, Direito .... IV, pp. 24, 25 e 50,para quem Tirando 0 que e excluido por natureza ou disposictio de lei . praticamente

    todas as situacties juridicas se podem apresentar como prossecuct io dos fins da s socieda-des. e portanto enquadradas na sua capacidade de dire ito.

    A grande determinacdo e de cardcter est rutura-finalista. e assenta no art. 980.0 doCodigo Civil. Por ai se pode delimitar um jim mediato e um jim imediato das sociedades.Mas niio se podem identificar situaciies juridicas que jd em abstracto niio possam caberna capacidade de direito das sociedades.

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    34/39

    10 2 PE DR O D E A LB UQ UE RQ UE

    comprometida. De facto, e depois, de sustentar a ideia de que C6digo das Sociedades Comerciais delimitaria a capacidade dassociedades, exclusivamente, em funcao de urn eventual escopo oufim lucrativo, CARDOSO GUEDES (92), afirma: (...) parecelicito concluir que a soluciio encontrada pelo legislador portuguese criticdvel sob diversos aspectos.

    ( ... ) se 0 legislador pretendia consagrar um principo da espe-cialidade do Jim diferente do estabelecido para as associacoes efundaciies, ndo deveria ter pura e simplesmente copiado 0art. 160.odo Cod. Civ. (... )

    ( ... ) Vimos (... ) que toda a historia e desenvolvimento do prin-cipio da especialidade se estruturou em volta do escopo estatutd-rio, ou seja, do Jim especifico. Vtmos tambem que 0fundamentodesse facto tem a ver com a propria raziio de ser daquele princi-pio, e, portanto, concluimos que 0 interesse so existe referido aoescopo estatutdrio.o nosso legislador subordinou a faculdade da sociedade sevincular juridicamente a um escopo generico e, por isso, a raziiode ser do art. 6., 1 dificilmente se pode ligar a um interessepublico (quando muito 0 de que a sociedade produza a maiorquantidade de lucros possiveis para 0 estado arrecadar a maiorquantidade de impastos], que sempre seria tenue de mais para jus-tificar a soluciio da nulidade dos actos niio compreendidos na refe-rida norma. Sendo assim parece que os interesses a proteger siiooutros que ndo os publicos.

    Uma vez que 0 interesse dos socios parece ruio ter aqui qual-quer relevdncia, a norma so pode estar lei para proteger os inte-resses dos credores da sociedade. Com efeito, so a estes interessa,de forma imediata, que a sociedade ruio pratique actos que a dei-xem sem contrapartidas. Mas tambem neste caso a soluciio conti-nua a ser criticavel pois que, alem de existirem outros meios, deeficdcia comprovada, que permitem atingir este objectivo (impug-naiiio pauliana, perda do beneficio do prazo, arresto, ineficdciarelativa ao acto, no caso de falencia ou insolvencia) a nulidadecontinua algo excess iva tendo em conta 0 risco criado, niio pare-

    ~2) Cardoso Guedes, A limitacdo .... in Revista .... ano XIII, pp. 139e SS., maxime14 1 e 142 .

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    35/39

    DA PREST AC;A.ODE GARANTIAS POR SOCIEDADES COMERClAlS 103

    cendo necessaria recorrer a uma soluciio tiio drastica como esta.Em todo 0 caso, porem, ainda que se considerasse esta sanciiocomo adequada ao objectivo de proteger os interesses dos credo-res, a ( ... ) nulidade seria fundada niio numa eventual falta decapacidade da sociedade mas por ser contra rio a lei (art. 294.0doCCiv).o que fica dito e tiio mais grave quanto e certo que nos ficaa impressiio que 0 legislador partiu do n," J do artigo 6.0 para os11 . ' " 2 e 3, isto e , da ideia de que a sociedade niio pode praticaractos contrarios ao escopo lucrativo retirou-se que actos que con-sistam em puras liberalidades ou numa prestaciio de garantiasreais ou pessoais devem ser nulos (artigo 294.0). Ora. a nulidadee uma reaccdo da ordem juridica que tem. como resultado ultimo.uma limitaciio da liberdade contratual so justificada nos casos emque os interesses a proteger assim 0exijam niio podendo, portanto,o legislador prescrever esta s an ci io s emp re que the aprouver: Nocaso presente esta sanciio e perfeitamente gratuita pois tuio estdoem causa interesses publicos nem falta qualquer elemento essen-cial do negocio; por outras palavras, os actos siio nulos porque alei assim 0 estabelece, sem que se vislumbre qual 0 requisito devalidade aqui ausente.Para concluir este ponto temos entiio de afirmar que a solu-rao do artigo 6.0 n." J. 2 e 3 foi infe l iz tendo em conta os vdriosaspectos aqui evidenciados. Pensamos ter essa soluciio partido deum deficiente entendimento do principio da especialidade, ou, pelomenos, de uma atitude precipitada do legislador que ira conduzira solucoes injustas de dificil resoluciio.Ou seja, e nas proprias palavras do seu principal defensor, atese, segundo a qual 0 artigo 6.0 n.? 1 circunsereveria a actuacaodas sociedades eomereiais aos aetos direetamente voeacionadospara a prossecucao de lueros, seria eontrariada quer pelos dados denatureza historica, quer pelos dados de natureza sistematica, aosquais 0 interprete deve atender para fixar 0 sentido de uma regra.Do ponto de vista dos interesses a defender nao haveria para elaqualquer apoio. Ela afigura-se gratuita,infeliz, deficiente,precipitada e injusta. Tudo a eontrariar clara e frontalmente 0disposto no artigo 9.0do Codigo Civil, designadamente 0dispostono n." 3. Ao estabeleeer a necessidade de 0 interprete presumir ter

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    36/39

    10 4 PEDRO DE ALBUQUERQUE

    o legislador consagrado as solucoes mais acertadas e sabido expri-mir 0 respectivo pensamento nos termos mais adequados este pre-ceito condena, em nosso entender, de forma inequfvoca, a tese per-filhada por OSORIO DE CASTRO. E que, nas proprias palavrasde CARDOSO GUEDES, em cujo ensinamento se apoia OSORIODE CASTRO, ela nao se louvaria em nenhum dos elementos deinterpretacao a atender pelo interprete. A tinica ancora estarianuma alegada necessidade de conciliar 0 disposto no n. Icom 0estatufdo no n. ? 4, ambos do artigo 6. do CSC. Presentes as con-sideracoes de CARDOSO GUEDES, e born de ver como a solucao,para garantir a harmonizacao entre os dois preceitos, nao pode pas-sar por uma simples reconducao do n. I ao fim lucrativo e do n.4ao objecto social ou escopo estatutario.Como compatibilizar, entao, os dois ruirneros do artigo 6. doCSC? A resposta nao levanta, em nosso entender qualquer dificul-dade. Isto por duas razoes. Em primeiro lugar porque, conformehouve ja oportunidade de se demonstrar, nem 0 n. I do artigo160., nem 0 n.? I do artigo 6. do CSC, consagram qualquer regraa partir da qual se poderia definir uma incapacidade de gozo dosentes colectivos (93): eles limitam-se a afirmar, positivamente, acapacidade das colectividades para serem titulares de direitos eestarem adstritas as obrigacoes necessarias a prossecucao dos res-pectivos fins (9 4) - nao se afigurando, a nosso ver, legitime qual-quer tipo de interpretacao enunciativa baseada no argumento a con-trario. Em segundo lugar, porque nada no n. ? 4 do artigo 6. doCSC, permite falar num alargamento de capacidade das sociedades.o problema at disciplinado respeita, exclusivamente, a vinculacaodas sociedades, nao a capacidade ("). Prova-o 0 facto de a socie-

    (q~) Cfr., supra e bibliografia ai citada.(" ') E uma vez mais por nao considerar, sequer, a plausibilidade deste justo ensi-namento, corolario da revisao de conceitos operada pela doutrina nesta materia, que OsO-rio de Castro, Da prestacdo . .. . in Revista .... ano 56, II, p. 577, afirma que tese - POf nosdefendida -. segundo a qual as sociedades fieam vinculadas por todos os actos praticadosdentro das competencias, directa ou indirectarnente, conferidas POf lei, conduz a urn sacri-ffcio do n." I do art igo 6. do CSC.

    ("5) Conforme refere a prop6sito Oliveira Ascensao, Direito .... IV, p. 53cornpreende-se a referencia feita pelo artigo 6. n." 4 do CSC a capacidade. Pretende-seexc1uir a consequencia que resultaria de uma eventual incapacidade. Mas a verdade e queninguem pensaria em tal.

  • 5/14/2018 Da prestao de garantias por sociedades comerciais a dvidas de outras entidades

    37/39

    DA PRESTAc;:Ao DEGARANTIAS POR SOCIEDADESCOMERCIAIS 105

    dade se poder desvincular se 0 terceiro sabia, ou nao podia ignorar,que a actuacao da sociedade era ultra vires. Nao M. pois, qualquercontradicao detectavel entre 0n. leo n. 4 do artigo 6. do CSC.

    Qual entao a razao para 0 facto. sublinhado por OS6RIO DECASTRO (96), de num preceito (0 artigo 160. n.? 1 do C6digoCivil) a lei utilizar a expressao fins e noutro (0 artigo 6. n.? Ido CSC) preferir a palavra fim. A resposta e simples. No CodigoCivil, 0 legislador refere-se as pessoas colectivas no plural;enquanto no Codigo das Sociedades Comerciais se reporta asociedade no singular. Por isso, e em concordancia gramatical,aparece num diploma a palavra fins, enquanto, no outro, se usao termo fim. Em ambos os casos esta, contudo, em causa amesma realidade.

    IV- Da incapacidade das sociedades comerciais para a pro-tica de liberalidades. Da qualiflcacao da prestacao degarantias a divida de outras entidades como acto gra-tuito1- Assente que tanto 0 artigo 160. n.? 1 do Codigo Civil

    como 0 artigo 6. n.? I do CSC se Iimitam a afirmar positivamentea capacidade das sociedades para a pratica de determinados actos- sem se afigurar possivel extrair deles qualquer princfpio opera-tivo de incapacidade - a conclusao para aquela outra questao queconsiste em saber se as sociedades comerciais dispoern, ou nao, decapacidade para a realizacao de liberalidades