da obrigatoriedade de adesão ao serviço público de caixa ... · presume-se que foi feita na data...

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36 TOC 148 GABINETE DE ESTUDOS Da obrigatoriedade de adesão ao serviço público de caixa postal eletrónica N o primeiro quadrimestre do ano em curso, com um zelo porventura excessivo, mas que tem de sublinhar-se, muitos contribuintes portugueses foram re- correntemente ‘convidados’ por ór- gãos da Autoridade Tributária e Adu- aneira (AT), desde o diretor-geral ao chefe do seu serviço de Finanças, a proceder à abertura da caixa postal eletrónica, a fim de para aí passa- rem a ser endereçadas, presume-se, as comunicações que lhes devam ser efetuadas no âmbito e com fun- damento tributário, quer tenham a natureza de notificação quer tenham a natureza de citação e, porventura, outro tipo de correspondência. Pes- soalmente, se não nos enganámos no inventário adrede organizado, fomos por nove vezes em comunicação vir- tual e uma vez em comunicação em suporte de papel, lembrados do dever de «aderir» ao serviço de notifica- ções eletrónicas, com fundamento em que, desde janeiro de 2012, a Au- toridade Tributária e Aduaneira pas- sara a fazer notificações eletrónicas, esse meio de notificação tinha pas- sado a ser obrigatório para todos os sujeitos passivos do IRC e do IVA e o artigo 19.º da Lei Geral Tributária ha- via sido alterado no sentido de a caixa postal eletrónica passar a integrar o domicílio fiscal dos contribuintes. Não temos por hábito consciente vio- lar a lei em geral e a lei fiscal em parti- cular. Porém, talvez por deformação profissional, tentamos, na medida em que as nossas capacidades no-lo permitem, compreender o como e o porquê de ter de a cumprir, sobretu- do quando, como no caso, considera- mos estar perante uma lei intrusiva, invasiva da esfera de privacidade dos cidadãos, na sua dimensão de con- tribuintes ou de sujeitos passivos de impostos ou de outras obrigações tri- butárias. Com efeito, como antes se referiu, o legislador decidiu, por ato legislativo que se reconhece caber nas suas competências, que a cai- xa postal eletrónica passará a fazer parte, o mesmo é dizer que passará a integrar, «será constitutiva» do seu domicílio fiscal. Esta imposição le- gislativa vem acrescentar ao domicí- lio fiscal, desde sempre configurado como um lugar exclusivamente físico e material, principalmente em res- peitando a pessoas singulares, uma inusitada e nunca sonhada dimen- são de imaterialidade que o coloca ao nível de uma espécie de «para- deiro», como que transpondo para o homem uma propriedade, a da om- nipresença, que até há pouco tempo se julgava exclusiva de Deus, e sobre cujas próprias consequências gerais o Direito muito pouco tem avançado, nomeadamente em termos de positi- vação. 1 Com a caixa postal eletrónica, os contribuintes passam, como Deus, a estar em toda a parte, ainda que, ao contrário dele, não sejam imensos! Caixa postal eletrónica: há demasiadas dúvidas para que alguém adira, conscientemente, sem esclarecimentos ou disposições legislativas, a um serviço público que supostamente é de adesão obrigatória. Por Manuel Faustino* | Artigo recebido em julho de 2012

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GABINETE DE ESTUDOS

Da obrigatoriedade de adesão ao serviço público de caixa postal

eletrónica

N o primeiro quadrimestre do ano em curso, com um zelo porventura excessivo, mas

que tem de sublinhar-se, muitos contribuintes portugueses foram re-correntemente ‘convidados’ por ór-gãos da Autoridade Tributária e Adu-aneira (AT), desde o diretor-geral ao chefe do seu serviço de Finanças, a proceder à abertura da caixa postal eletrónica, a fim de para aí passa-rem a ser endereçadas, presume-se, as comunicações que lhes devam ser efetuadas no âmbito e com fun-damento tributário, quer tenham a natureza de notificação quer tenham a natureza de citação e, porventura, outro tipo de correspondência. Pes-soalmente, se não nos enganámos no inventário adrede organizado, fomos por nove vezes em comunicação vir-tual e uma vez em comunicação em suporte de papel, lembrados do dever de «aderir» ao serviço de notifica-ções eletrónicas, com fundamento

em que, desde janeiro de 2012, a Au-toridade Tributária e Aduaneira pas-sara a fazer notificações eletrónicas, esse meio de notificação tinha pas-sado a ser obrigatório para todos os sujeitos passivos do IRC e do IVA e o artigo 19.º da Lei Geral Tributária ha-via sido alterado no sentido de a caixa postal eletrónica passar a integrar o domicílio fiscal dos contribuintes.Não temos por hábito consciente vio-lar a lei em geral e a lei fiscal em parti-cular. Porém, talvez por deformação profissional, tentamos, na medida em que as nossas capacidades no-lo permitem, compreender o como e o porquê de ter de a cumprir, sobretu-do quando, como no caso, considera-mos estar perante uma lei intrusiva, invasiva da esfera de privacidade dos cidadãos, na sua dimensão de con-tribuintes ou de sujeitos passivos de impostos ou de outras obrigações tri-butárias. Com efeito, como antes se referiu, o legislador decidiu, por ato

legislativo que se reconhece caber nas suas competências, que a cai-xa postal eletrónica passará a fazer parte, o mesmo é dizer que passará a integrar, «será constitutiva» do seu domicílio fiscal. Esta imposição le-gislativa vem acrescentar ao domicí-lio fiscal, desde sempre configurado como um lugar exclusivamente físico e material, principalmente em res-peitando a pessoas singulares, uma inusitada e nunca sonhada dimen-são de imaterialidade que o coloca ao nível de uma espécie de «para-deiro», como que transpondo para o homem uma propriedade, a da om-nipresença, que até há pouco tempo se julgava exclusiva de Deus, e sobre cujas próprias consequências gerais o Direito muito pouco tem avançado, nomeadamente em termos de positi-vação.1 Com a caixa postal eletrónica, os contribuintes passam, como Deus, a estar em toda a parte, ainda que, ao contrário dele, não sejam imensos!

Caixa postal eletrónica: há demasiadas dúvidas para que alguém adira, conscientemente,

sem esclarecimentos ou disposições legislativas, a um serviço público que supostamente é de

adesão obrigatória.

Por Manuel Faustino* | Artigo recebido em julho de 2012

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Considerámos, pois, que a aderir à caixa postal eletrónica, o devería-mos fazer de uma forma consciente e informada. Tentámos, pois, pelo menos, e em nosso critério, com a diligência de um bonus pater familiae, saber e conhecer sobre o regime ju-rídico do «serviço público de caixa postal eletrónica» a que a lei fiscal, segundo se nos afigura, subordina a agregação ou integração constitutiva daquela ao domicílio fiscal da pes-soa. Fizemo-lo, obviamente, como se reconhecerá, e do que se não du-vidará, por honestas e aceitáveis ra-zões de certeza e segurança jurídicas, ou, em linguagem mais popular que pedimos seja relevada, para ficar-mos a «saber as linhas com que nos cosemos». Antecipamos que não te-mos prazer nenhum em ter chegado, nesta matéria, às conclusões a que chegámos, nomeadamente porque, em caso algum, somos contrários à evolução dos métodos e procedimen-

tos de atuação da AT e, muito me-nos, nos opomos à utilização das novas tecnologias e à potencia-ção da eficácia e da eficiência da sua ação. Tudo isto, porém, num quadro de legalidade e de regras jurídicas o mais possível simples e inteligíveis, transparentes e que garantam, de modo equilibrado, o cumprimento dos deveres, mas também o exercício dos direitos associados, sobretudo tratando--se, como se trata, de matérias que, além de se situarem ao nível da esfera da privacidade da pes-soa humana, interferem igual-mente com a dimensão garantís-tica do regime jurídico tributário.

As notificações eletrónicas

na lei tributária: antecedentes

O primeiro enquadramento jurídico-tributário da notifica-ção eletrónica - Foi no Código de Procedimento e de Processo

Tributário (CPPT) que, pela pri-meira vez, constaram disposi-ções relativas à suscetibilidade de serem efetuadas «notifica-ções eletrónicas», ou seja, no-tificações através de meios ele-trónicos. Nos termos do n.º 8 do artigo 38.º do CPPT, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, «8 — As notifica-ções referidas nos n.ºs 3 e 4 do presente artigo poderão ser efe-tuadas, nos termos do número anterior, por telefax ou via in-ternet, quando a administração tributária tenha conhecimento da caixa de correio eletrónico ou número de telefax do noti-ficando e possa posteriormente confirmar o conteúdo da men-sagem e o momento em que foi enviada». Ao mesmo tempo, os n.ºs 6 e 7 do artigo 39.º do mesmo diploma, dispunham: «6 — Quando a notificação for

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efetuada por telefax ou via Internet, presume-se que foi feita na data de emissão, servindo de prova, respe-tivamente, a cópia do aviso de onde conste a menção de que a mensagem foi enviada com sucesso, bem como a data, hora e número de telefax do recetor ou o extrato da mensagem efetuado pelo funcionário, o qual será incluído no processo. 7 - A pre-sunção referida no número anterior poderá ser ilidida por informação do operador sobre o conteúdo e data da emissão.»Desconhecendo-se o que tem acon-tecido à utilização do telefax como instrumento ou via de notificação de contribuintes, esta primeira referência legislativa tributária à suscetibilidade de serem efetua-das notificações através de caixa de correio eletrónico peca, desde logo, pela sua estanquidade, pois omite qualquer referência à lei do documento eletrónico e da assina-tura eletrónica, já então em vigor na ordem jurídica interna. Por ou-tro lado, é objetivamente limitati-va, uma vez que restringe a utiliza-ção da internet às notificações não abrangidas pelo n.º 1 do artigo 38.º do CPPT, ou seja, àquelas que não devam ser obrigatoriamente efetu-adas por carta registada com aviso de receção e às relativas a liquida-ções de impostos periódicos, feitas nos prazos previstos na lei. Poste-riormente, e por força da redação dada ao n.º 3 do artigo 38.º do CPPT pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de de-zembro, a lei passou a prever que poderiam também ser notificadas nos termos do n.º 8 do mesmo pre-ceito as liquidações que resultassem de declarações de contribuintes ou de correções à matéria coletável que tivessem sido objeto de notificação para efeitos tributários. Pessoal-mente, e não obstante termos dado

conhecimento à AT de uma caixa pessoal de correio eletrónico, nun-ca para ela foi remetida qualquer daquelas referidas notificações que continuaram a ser feitas em supor-te de papel e cumprindo razoavel-mente2 as restantes formalidades legais. De onde se pode concluir que não é o e-mail que muitos contri-buintes disponibilizaram à Admi-nistração Tributária e Aduaneira, e que ela mantém em base de dados, ignorando-se se para o efeito dis-põe ou não de autorização da enti-dade competente, uma vez que não conhecemos qualquer norma que imponha o fornecimento de e-mail para efeitos tributários3, a «caixa de correio eletrónico» agora em causa para efeitos de receção de notifica-ções eletrónicas.

Alterações preconizadas pela

Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro

A Lei n.º 67-A/2007, de 31 de de-zembro, reequacionou, ao nível do artigo 38.º do CPPT, a modalidade das notificações eletrónicas. Com efeito, eliminou do n.º 8 a referência à notificação «pela internet, quan-do a administração fiscal tenha conhecimento da caixa do correio eletrónico», e acrescentou ao pre-ceito os n.ºs 9 e 10, dispondo, res-petivamente: «9 – As notificações referidas no presente artigo podem, ainda, ser efetuadas por transmis-são eletrónica de dados, nos termos a definir por portaria do Ministro das Finanças»; «10 – As notifica-ções efetuadas nos termos do nú-mero anterior equivalem, consoan-te os casos, à remessa por via postal registada ou por via postal regista-da com aviso de receção, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto.» Percebe-se, assim, que a Lei n.º 67-A/2007 tenha deixado

inalterado o artigo 39.º do CPPT, mormente no que dizia respeito aos formalismos relativos às no-tificações. É que tais formalismos decorriam diretamente da norma para que o n.º 10 do artigo 38.º do CPPT passava a remeter, ou seja, do n.º 3 do artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, que não reservava para o recetor das notificações uma atitude meramente passiva, como decorre da sua previsão legal: «A comunicação do documento eletró-nico, ao qual seja aposta assinatura eletrónica qualificada, por meio de telecomunicações que assegure a efetiva receção equivale à remessa por via postal registada e, se a rece-ção for comprovada por mensagem de confirmação dirigida ao reme-tente pelo destinatário que revista idêntica forma, equivale à remessa por via postal registada com aviso de receção». Em relação ao anterior, este novo regime:− Alargava o âmbito da notificação por transmissão eletrónica de da-dos a todas as notificações previstas no artigo 38.º do CPPT;− Mantinha-se a transmissão ele-trónica de dados como um meio de notificação facultativo;− Baseava-se, jurídica e operacio-nalmente, no regime do documento eletrónico e da assinatura eletró-nica, consagrado no Decreto-Lei n.º 290-D/99, sendo, neste sentido, compreensivo, e exigindo, para as notificações por via postal regista-da que, além da assinatura eletró-nica qualificada a apor no docu-mento de notificação, existisse uma mensagem de confirmação do des-tinatário para o remetente, em caso de notificação registada com aviso de receção;− Remetia-se ainda para uma Por-taria do ministro das Finanças a regulamentação a que obedeceriam

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as notificações eletrónicas em ma-téria tributária, sendo então razo-ável supor-se que seriam opera-cionalizadas no âmbito do sistema informático da própria administra-ção tributária.

As alterações introduzidas

pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril

Mais de dois anos se passaram sem que se voltasse a ouvir falar em no-tificações eletrónicas. Em vão se esperou, durante esse período, pela Portaria do ministro das Finan-ças, por um lado e, por outro, pelo anúncio do suporte (interno ou ex-terno) que iria ser utilizado para o efeito. Surgem na Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, a lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2010, mais alterações legislativas com o exclusivo objetivo de esvaziarem os obstáculos jurídicos que se opu-nham ao processo em curso, abran-gendo agora os artigos 38.º e 39.º do CPPT.Assim, ao nível do artigo 38.º do CPPT:− O n.º 9 que, como vimos, dispu-nha: «9 – As notificações referidas no presente artigo podem, ainda, ser efetuadas por transmissão ele-trónica de dados, nos termos a de-finir por portaria do ministro das Finanças» foi alterado, passando a dispor: «9 – As notificações refe-

ridas no presente artigo podem ser efetuadas por transmissão eletró-nica de dados, que equivalem, con-soante os casos, à remessa por via postal registada ou por via postal registada com aviso de receção»;− E o n.º 10 que dispunha: «10 – As notificações efetuadas nos termos do número anterior equivalem, conso-ante os casos, à remessa por via pos-tal registada ou por via postal regis-tada com aviso de receção, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto» foi pura e simplesmente re-vogado.Veja-se, pois, e denuncie-se, para todos os efeitos, a forma aparente-mente «hábil» de que o legislador lança mãos para conseguir os seus intentos sem dar muito nas vistas4: no n.º 9 elimina, em primeiro lugar, a referência à Portaria do ministro das Finanças. É aceitável tal elimi-nação, se o modelo e o suporte das notificações eletrónicas passarem a ser um modelo comum a outras notificações não tributárias e um suporte externo à administração tributária e que, portanto, tenha já as suas regras definidas. Fica-nos, porém, uma sensação de incom-pletude ao ler-se a norma e a locu-ção «consoante os casos». Mas que casos são esses? Ora, essa locução constava do n.º 10 e o «consoante os

A repetição da notificação por via eletrónica tem alguma

justificação substantiva, aporta alguma mais-valia

ao procedimento, uma vez que, materialmente,

a notificação inicial não se extraviou (...)?

casos» ligava-se, na construção do texto legal revogado, à expres-são «de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto». Com a revogação do n.º 10, a remissão para esta norma deixa, natural-mente, de operar-se! Então, para que serve a locução «consoante os casos», qual o seu objetivo, que ratio tem no n.º 9? Se tivermos em con-sideração o elemento histórico de interpretação da lei e por muito que custo aos literalistas da lei, o «con-soante os casos» não pode deixar de continuar a referir-se ao n.º 3 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto, a única norma do ordenamento jurídico que opera tal distinção! Parece-nos absolu-tamente óbvio! E o legislador fiscal andou mal, muito mal, ao tentar pregar esta rasteira e ao abrir mais um alçapão fiscal5!No artigo 39.º avançou-se igual-mente no caminho do facilitismo para a administração fiscal, sem qualquer respeito pelas garantias dos contribuintes. Foram, pois, intercalados os atuais n.ºs 9 e 10 do preceito, com a seguinte redação originária:− «9 – As notificações efetuadas por transmissão eletrónica de dados consideram-se feitas no momento em que o destinatário aceda à caixa postal eletrónica»;− «10 – Em caso de ausência de acesso à caixa postal eletrónica, deve ser efetuada nova transmis-são eletrónica de dados, no prazo de 15 dias seguintes ao respetivo conhecimento por parte do serviço que tenha procedido à emissão da notificação, aplicando-se com as necessárias adaptações a presunção prevista no n.º 6, caso, no prazo de 10 dias, se verifique de novo o não acesso à caixa postal eletrónica.»

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Também estas alterações confir-mam, designadamente pelo dis-posto no n.º 9, a posição, no míni-mo dúbia, do legislador quanto ao estado de espírito e à pureza de in-tenção com que procedeu às mo-dificações que aqui se analisam. Com efeito, como se compagina a locução «consoante os casos» do n.º 9 do artigo 38.º, com esta presunção – sim, porque de pre-sunção, e de mera presunção juris tantum, ou seja, elidível, se tra-ta – de que a notificação se con-sidera feita no momento em que o destinatário acede à caixa postal eletrónica? Então, em se tratando de notificação que deva ser feita por registo com aviso de receção, a notificação não se consideraria apenas efetuada quando o des-tinatário enviasse a mensagem de confirmação ao remetente? Já o disposto no n.º 10 prestava-se, naturalmente, às mais diversas manipulações, fosse por parte dos contribuintes, fosse por parte dos próprios serviços, podendo aqui gerar-se situações da mais perigo-sa desigualdade. E a exegese des-tas normas levanta as mais funda-das dúvidas. A começar no que se deve entender por «aceder»: basta «abrir» a caixa postal eletrónica ou «aceder» inclui, necessaria-mente, «abrir» o documento en-viado pela AT? E se o acesso à cai-xa postal eletrónica for feito por pessoa diversa do contribuinte a quem a notificação foi endereça-da? A repetição da notificação por via eletrónica tem alguma justifi-cação substantiva, aporta alguma mais-valia ao procedimento, uma vez que, materialmente, a notifi-cação inicial não se extraviou e se encontra «depositada» na caixa postal eletrónica do seu destina-tário?

O remate para golo com a Lei

n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro

Foi com a entrada em vigor, ocor-rida em 1 de janeiro de 2012, da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, a lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2012, que a AT se con-siderou legitimada, certamente por considerar ter um quadro legal com-pleto de suporte, a afirmar publica-mente que passaria a notificar um alargado conjunto de contribuintes através da caixa postal eletrónica. E a agir em conformidade. Na verda-de, aquela lei, tendo ainda aditado dois importantes números ao artigo 38.º do CPPT, alterou, substancial-mente, o artigo 19.º da Lei Geral Tri-butária, relativo ao domicílio fiscal. Vejamos tais alterações.Ao artigo 38.º do CPPT foram adi-tados os n.ºs 11 e 12, com a seguinte redação:− «11 - Quando se refiram a atos praticados por meios eletrónicos pelo dirigente máximo do serviço, as notificações efetuadas por trans-missão eletrónica de dados são au-tenticadas com assinatura eletróni-ca avançada certificada nos termos previstos pelo Sistema de Certifica-ção Eletrónica do Estado – Infraes-trutura de Chaves Públicas». − «12 - A administração fiscal dis-ponibiliza no seu serviço na Inter-

net os documentos eletrónicos de notificação e citação a cada sujeito passivo». O aditado n.º 11 parece, em primeiro lugar, jogar com o sentido e âmbi-to da expressão «dirigente máximo do serviço». Desde logo, porque, no plano exclusivamente admi-nistrativo, a expressão «dirigente máximo do serviço» parece dever entender-se, de harmonia com o disposto no artigo 51.º do Decreto--Lei n.º 135/99, de 22 de abril, como reportando-se exclusivamente ao diretor geral da AT.6 Porém, no quadro e objetivo com que tal re-ferência é efetuada, tal subsunção afigura-se demasiado estreita. Na verdade, como garantir a integri-dade e, sobretudo, conferir auten-ticidade, às notificações efetuadas por transmissão eletrónica de dados se todas elas não forem autenticadas com assinatura eletrónica avança-da certificada, seja qual for o siste-ma de certificação que venha a ser utilizado? Por que razão apenas a notificação dos atos praticados pelo diretor geral, e ainda dentro destes apenas os praticados por meios ele-trónicos7 devem conter assinatura certificada nos termos previstos pelo Sistema de Certificação Eletró-nica do Estado – Infraestrutura de Chaves Públicas?

Foi com a entrada em vigor, ocorrida em 1 de janeiro de 2012, da

Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, (...) que a AT

se considerou legitimada, certamente por considerar

ter um quadro legal completo de suporte.

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A segunda questão que este número 11 suscita é a de saber se o documen-to de suporte à notificação eletró-nica continua ou não subordinado à Lei do Documento Eletrónico e à Lei da Assinatura Eletrónica. Sendo certo que a grande maioria dos atos notificados aos contribuintes não são praticados, por não serem da competência, nem sequer originá-ria, do «dirigente máximo do ser-viço» da AT e, dentro destes, mui-tos não serem praticados por meios eletrónicos, a lei é excessivamente minimalista e, em nome da trans-parência, do rigor, e da certeza e se-gurança jurídicas deveria expres-sar-se de outra forma. É o mínimo que aqui podemos sugerir.O n.º 12 consagra outra subtil me-dida mas, neste caso, e parado-xalmente, destinada a esvaziar a «notificação eletrónica», embora sempre em sentido favorável à AT. É o que se chama «jogar nos tabu-leiros todos». Com efeito, não con-figura nenhum «facilitar de vida» para o contribuinte, por muito que nos venham dizer o contrário, dis-ponibilizar no serviço da internet os dados relativos às notificações e citações. Por uma razão simples: é que a notificação é, em regra, uma condição de eficácia, e não de va-lidade, do ato notificado. Ora, em quantos mais locais o ato estiver publicitado, maior é a probabilida-de de ele chegar ao conhecimento do seu destinatário e, consequen-temente, produzir a eficácia dese-jada. E tudo num sistema que a AT comanda, quer no plano legislativo quer no plano operacional. Nos termos da redação dada ao n.º 2 do artigo 19.º da Lei Geral Tributária pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de de-zembro, o domicílio fiscal do sujeito passivo passou a integrar «a caixa eletrónica postal, nos termos pre-

vistos no serviço público de caixa postal eletrónica». E aqui temos, por um lado, um estranho e qua-se absurdo acrescento ao domicí-lio fiscal8, cujos efeitos espaciais tivemos já oportunidade de referir e, por outro, a remissão para o su-porte, jurídico e operacional, do instrumento pelo qual o legislador optou, talvez para acrescentar valor aos CTT tendo em vista a sua pri-vatização próxima futura uma vez que, ao que parece, tal serviço não tinha tido grande aderência, para fazer notificações eletrónicas aos contribuintes sujeitos a tributos, taxas e execuções que corram ter-mos na AT.

Razão de ordem

Aqui chegados, impõe-se um «ponto de situação». Com efeito, não fizemos senão, até agora, um porventura longo, mas necessá-rio, excurso sobre a tortuosa via legis que nos conduziu ao quadro jurídico tributário em vigor sobre a notificação tributária eletrónica. Julgamos poder afirmar que con-cluímos com segurança que esse quadro jurídico tributário assenta, ou tem por pressuposto, dois pilares legislativos que não constam das leis tributárias: o pilar legislativo relativo ao documento eletrónico e à assinatura eletrónica, por um lado, e o pilar legislativo respeitan-te ao serviço público de caixa postal eletrónica, por outro. E a questão que de imediato se suscita e que va-mos a seguir dilucidar é esta: pode o legislador tributário remeter, em matéria de notificações eletrónicas, sem mais, para estes pilares legisla-tivos? Por outras palavras: estes pi-lares legislativos encontram-se em condições de suportar, sem proba-bilidades de ruírem, o «tabuleiro da ponte» das notificações tributárias

eletrónicas? Ou, como tantas ou-tras leis deste País, estamos perante «capelas imperfeitas», inacabadas, incompletas, e cuja convocação torna frágil e periclitante o edifí-cio que com base nelas se pretende construir?

O regime jurídico dos documentos

eletrónicos e da assinatura eletrónica

Numa das comunicações virtuais que recebemos da AT a convidar--nos para aderirmos à caixa postal eletrónica escrevia-se o seguinte:«O sistema Via CTT integra-se no âmbito do serviço público postal e garante a integridade e a con-fidencialidade dos documentos, utilizando certificados digitais de autenticação, em obediência ao dis-posto no Decreto-Lei n.º 290-D/99 (itálico nosso). Esta garantia cons-ta expressamente da legislação que regula a Caixa Postal Eletrónica e que assegura que só os CTT nela de-positam as notificações, citações e outras comunicações enviadas pela AT.»Não obstante a referência ao Decre-to-Lei n.º 290-D/99 não constar, por exemplo, do folheto explicati-vo sobre as notificações eletrónicas publicado no sítio da AT, a verdade é que este diploma é indissociável desta matéria, não apenas pelos an-tecedentes legislativos do quadro legal em vigor como, pelo que se viu, pela sua imanência ao disposto no atual n.º 9 do artigo 38.º do CPPT. Refira-se que este diploma, que transpõe para o ordenamento jurí-dico português a Diretiva 1999/93/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro, rela-tiva a um quadro legal comunitário para a assinatura eletrónica e regu-la a validade, eficácia e valor pro-batório do documento eletrónico, a assinatura eletrónica e a ativida-

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de das entidades certificadoras em território nacional, se encontra em vigor e não foi objeto de qualquer medida legislativa revogatória. E este diploma, com as alterações que entretanto lhe foram introduzidas, continua a ser a «trave mestra» de todo o edifício legislativo que diga respeito à validade, eficácia e valor probatório dos documentos eletró-nicos e à assinatura eletrónica. É que a notificação tributária eletró-nica não pode deixar de ser efetu-ada por documento eletrónico9 na aceção legal, isto é, um documento elaborado mediante processamento eletrónico de dados, ao qual é apos-ta uma assinatura eletrónica.E apor uma assinatura eletrónica não é algo de simples ou simplista. Nos termos do artigo 2.º do referido Decreto-Lei, existem três moda-lidades de assinatura eletrónica: a assinatura eletrónica; a assinatura eletrónica avançada e a assinatura digital. Ora, nos termos do artigo 7.º do mencionado diploma, ape-nas a aposição de uma «assinatura eletrónica qualificada» a um docu-mento eletrónico equivale à assina-tura autógrafa dos documentos com forma escrita10 sobre suporte de pa-pel e cria a presunção de que:− A pessoa que apôs a assinatura eletrónica qualificada é o titular desta ou é representante, com po-deres bastantes, da pessoa coleti-va titular da assinatura eletrónica qualificada;− A assinatura eletrónica foi aposta com a intenção de assinar o docu-mento eletrónico;− O documento eletrónico não so-freu alteração desde que lhe foi aposta a assinatura eletrónica qua-lificada.E o que é uma assinatura eletrónica qualificada? Recorrendo de novo ao artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 290-

D/99, ficamos a saber que a assina-tura digital11 ou outra modalidade de assinatura eletrónica avançada que satisfaça exigências de segu-rança idênticas às da assinatura digital baseadas num certificado qualificado e criadas através de um dispositivo seguro de criação de as-sinaturas. Ora, desde logo, face ao exposto, a mera referência a «assi-natura eletrónica certificada avan-çada» constante do n.º 11 do artigo 38.º do CPPT parece não satisfazer a exigência legal acabada de refe-rir, que é mais rigorosa. Para que a assinatura eletrónica seja equi-valente à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita e o documento possa valer como docu-mento particular assinado, ela tem de revestir uma modalidade de as-sinatura eletrónica avançada idên-tica, ou que satisfaça exigências de segurança idênticas às da assina-tura digital. E aqui nos defronta-mos com mais uma perplexidade. O citado n.º 11 do artigo 38.º do CPPT refere-se ao Sistema de Certifica-ção Eletrónica do Estado – Infraes-trutura de Chaves Públicas, criado pelo Decreto-Lei n.º 116-A/2006, de 16 de junho, ao qual o Decreto-Lei n.º 290-D/99 é, com as necessárias adaptações, aplicável. Nesse diplo-ma, e logo no artigo 1.º, com o poder absolutista que vem cada vez mais caracterizando o Estado, se dispõe: «1 – É criado o Sistema de Certifica-ção Eletrónica do Estado – Infraes-trutura de Chaves Públicas, adian-te designado abreviadamente por SCEE, destinado a estabelecer uma estrutura de confiança eletrónica, de forma que as entidades certifi-cadoras que lhe estão subordinadas disponibilizem serviços que garan-tam:a) A realização de transações ele-trónicas seguras;

b) A autenticação forte;c) Assinaturas eletrónicas de tran-sações ou informações e documen-tos eletrónicos, assegurando a sua autoria, integridade, não repúdio e confidencialidade».Ora, qualquer semelhança da ter-minologia usada neste preceito com a constante do Decreto-Lei n.º 290-D/99 é, quando não havia qualquer necessidade, mera coincidência! Então em que ficamos? Uma noti-ficação tributária eletrónica tem ou não que ter aposta uma «assinatura eletrónica qualificada» nos termos em que esta é definida no Decreto--Lei n.º 290-D/99? Para nós, clara-mente tem! Porque o que é ou não é uma «autenticação forte», legal-mente não se sabe. E está em causa matéria que integra o quadro das garantias dos contribuintes, onde não convém andar ao sabor de in-terpretações peregrinas e, não raro, «interessadas».Em segundo lugar, coloca-se a questão de saber se, constando da notificação mais do que um docu-mento que exige assinaturas, como, por exemplo, um ofício a notificar um Relatório da Inspeção Tributá-ria, que assinatura ou assinaturas devem ser eletronicamente apostas no(s) documento(s): basta no ofício de notificação? Ou também o rela-tório tem de ter assinaturas eletró-nicas? E, neste caso, apenas a do dirigente que sanciona o relatório? Ou as assinaturas de todos quantos nele intervieram? Se assim não for, isto é, se não forem apostas assina-turas eletrónicas de todos, como se garante, nos termos da lei, que não houve alteração do documento na sua «viagem virtual»? Por último, em qualquer caso este tipo e modalidade de assinatura exige um par de chaves assimétri-cas, sendo certo que a do «utente»

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será sempre uma chave pública. Confessamos a nossa ignorância sobre esta matéria. Mas interroga-mo-nos sobre se a «chave pública» de todos os dirigentes e técnicos da AT é igual, se cada um tem a sua e como é que se conhece ou se, afinal, a chave é, tão só, o simples «aces-so», certamente mediante uma password, à caixa postal eletrónica e logo ali, sem mais prolegómenos, se abrem os documentos e do seu conteúdo se toma, sem outros for-malismos, conhecimento.Cabe, a final, e porque não a con-sideramos despicienda, uma refe-rência, ainda que repetida ao artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, que, sem mais comentários, nos li-mitamos nesta sede a transcrever, considerando-o, ainda, aplicável às notificações tributárias eletrónicas, em razão da distinção que nele se faz, e o CPPT não excecionou para as notificações tributárias eletróni-cas, entre notificações que devem ser feitas por carta meramente re-gistada, ou por carta registada com aviso de receção:«Artigo 6.ºComunicação de documento eletró-nico1 – O documento eletrónico co-municado por um meio de teleco-municações considera-se enviado

e recebido pelo destinatário se for transmitido para o endereço eletró-nico definido por acordo das partes e neste for recebido.2 – São oponíveis entre as partes e a terceiros a data e a hora da cria-ção, da expedição ou da receção de um documento eletrónico que con-tenha uma validação cronológica emitida por uma entidade certifi-cadora.3 – A comunicação eletrónica do documento eletrónico, ao qual seja aposta assinatura eletrónica quali-ficada, por meio de telecomunica-ções que assegure a efetiva receção equivale à remessa por via postal registada e, se a receção for con-firmada por mensagem de confir-mação dirigida ao remetente pelo destinatário que revista idêntica forma, equivale à remessa por via postal registada com aviso de rece-ção.4 – Os dados e documentos comu-nicados por meio de telecomuni-cações consideram-se em poder do remetente até à receção pelo desti-natário.5 – Os operadores que assegurem a comunicação de documentos eletrónicos por meio de teleco-municações não podem tomar co-nhecimento do seu conteúdo, nem duplicá-los por qualquer meio ou

ceder a terceiros qualquer infor-mação, ainda que resumida ou por extrato, sobre a existência ou con-teúdo desses documentos, salvo quando se trate de informação que, pela sua natureza ou por indicação expressa do seu remetente, se des-tine a ser tornada pública.»Cabe, apenas, para finalizar o tema, referir o disposto no artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, relativo à sua regulamentação, nomeada-mente no que se refere às normas de caráter técnico e de segurança, que devia constar de decreto regu-lamentar, a adotar no prazo de 150 dias, não foi até agora cumprido.12

O que nos deixa fundadas dúvidas sobre se este «pilar legislativo», objetivamente uma obra legislativa inacabada, pode servir de suporte jurídico ao tabuleiro da ponte das notificações tributárias eletrónicas, sendo certo que aquele não é, nem de perto nem de longe, ao nível dos artigos 38.º e 39.º do CPPT, um regi-me completo.

O regime jurídico do serviço

público de caixa postal eletrónica

Foram de molde a causar grande preocupação as informações ob-tidas no folheto informativo sobre as notificações eletrónicas editado no sítio da AT. Ali somos informa-dos de que a notificação eletrónica consiste numa notificação gerada em formato digital (PDF)13 e envia-da por transmissão eletrónica de dados. Nada que não se soubesse já. Mas quando se diz, a seguir, que o envio das notificações, por via ele-trónica, está regulado no artigo 38.º e seguintes do CPPT a informação é, no mínimo, incompleta e induz em erro o contribuinte, como tudo o que antes se expôs torna óbvio.A surpresa aumenta com a pergunta e resposta que se seguem:

Do nosso ponto de vista (…), , tem de considerar-se

inaplicável (...) o disposto no n.º 2 do artigo 19.º da LGT

e, consequentemente, inválidas todas as sugestões e

recomendações que nos foram dirigidas pela AT (…).

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«O que é a caixa postal eletrónica? A Caixa Postal Eletrónica (CPE) é um serviço que permite receber correio em formato digital, com valor legal, respeitando as carac-terísticas definidas no n.º 1 do art.º 3.º da Lei do Comércio Eletrónico (Decreto-Lei n.º 7/2004, de 7 de ja-neiro), que garante a integridade e a confidencialidade do seu correio. Este serviço está concessionado aos CTT (Serviço ViaCTT).A ViaCTT é uma caixa postal eletró-nica que funciona como um recetá-culo de correio digital. Os CTT ape-nas colocam na CPE documentos de entidades previamente autorizadas (subscritas) pelos cidadãos ou em-presas.»Ora, ao chamar-se à colação a Lei do Comércio Eletrónico, a dúvida legítima instala-se: a que propósito se invoca tal diploma? Nada melhor do que ir ver a norma referida. Con-sultámos, como se impunha, o n.º 1 do artigo 3.º do referido Decre-to-Lei n.º 7/2004. Reconfirmámos a consulta. Não obstante, tal norma, que inicia o capítulo relativo aos «prestadores de serviços», dispõe nos termos seguintes:«Artigo 3.ºPrincípio da liberdade de exercício1 - Entende-se por «serviço da so-ciedade da informação» qualquer serviço prestado à distância por via eletrónica, mediante remuneração ou pelo menos no âmbito de uma atividade económica na sequência de pedido individual do destinatá-rio.»Com o devido respeito, e salvo me-lhor entendimento, que tem esta norma a ver com um pressuposta-mente existente regime jurídico do serviço público de caixa de correio eletrónico a não ser deixar antever o seu eventual futuro pagamento (sendo agora oferecido gratuita-

mente, nada garante que continue a sê-lo daqui a um ano ou dois…)14?Constando a seguir a informação de que se tratava de uma adesão ao serviço «ViaCTT» acedemos ao respetivo sítio virtual para aí verifi-carmos se encontrávamos informa-ção adicional que satisfizesse, não a nossa mórbida curiosidade, mas o nosso direito à informação, quer como «consumidores» de serviços eletrónicos quer, sobretudo, como contribuinte. Mas ali não consegui-mos obter nenhuma referência legal à criação de tal serviço, admitindo, porém, sem problemas, que tal re-sultado se deva à minha inépcia em pesquisa, nomeadamente no sítio dos CTT a que outras vezes, e por outros motivos, já recorri, de resto com os mesmos resultados.15

Como, porém, não somos de desis-tir facilmente e o Google ainda não tinha sido testado, a ele recorremos, como se fosse a última instância. E resultou! A intuição inicial esta-va correta e lá cheguei ao Decreto--Lei n.º 112/2006, de 9 de junho16, em cujo sumário pode, desde logo, ler-se: «Altera as bases gerais da concessão do serviço postal univer-sal, aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 448/99, de 4 de novembro, e cria o serviço público de caixa postal ele-trónica.»Eureka! Porém, e ao contrário do que possa supor-se, ficámos mais intranquilos: não sendo suposto que, ao nível da Autoridade Tribu-tária e Aduaneira se ignorasse este diploma, porquê a quase omissão no folheto oficial explicativo, como a omissão integral nas comunica-ções que me foram enviadas, de qualquer referência à sua existên-cia? Receio? De quê?Analisemos, então, o diploma em causa. Começando pelo preâmbulo, aproveitando o facto de este ser um

dos poucos diplomas que ainda têm tão preciosa introdução, logo ali se pode ler, à guisa de justificação: «O presente decreto-lei vem, pois, alterar as bases da concessão do serviço postal universal e prever o cometimento à entidade concessio-nária de um novo serviço público, a caixa postal eletrónica, com valor legal no domínio da comunicação entre o Estado, incluindo os tribu-nais, os serviços e organismos que integram a Autoridade direta, indi-reta ou autónoma do Estado e as en-tidades administrativas indepen-dentes, por um lado, e os cidadãos e as empresas, por outro, designada-mente no campo dos procedimen-tos administrativos e dos processos judiciais, reservando e impondo à concessionária a conceção, cons-trução, implementação e aplicação do sistema em termos que assegu-rem os objetivos e padrões inerentes ao serviço público em causa. Embo-ra a essencialidade deste novo ser-viço público seja o tratamento e en-trega eletrónica de comunicações, é inequívoco que o mesmo se relacio-na em termos de complementarida-de e de subsidiariedade com o ser-viço postal de correspondência, já que, quando a entrega eletrónica se frustre, deverá, em certas circuns-tâncias, ser efetuado o imediato redirecionamento da comunicação em causa para o serviço postal de envio da correspondência. O facto de o serviço postal de envio de cor-respondência de um determinado peso e preço constituir atualmen-te um serviço reservado confere assim aos CTT características de infungibilidade na exploração do novo serviço público de caixa pos-tal eletrónica. A criação do serviço público de caixa postal eletrónica não irá acarretar quaisquer encar-gos financeiros, quer presentes ou

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futuros, para o Estado.»Desta introdução à criação do novo serviço público – e importa realçar que a caixa postal eletrónica de que estamos a falar é um serviço públi-co – se retira que ela visa, por um lado, e em primeira linha, estabele-cer um novo canal de comunicação, através da entrega eletrónica de co-municações, com força legal, entre o Estado e os cidadãos, nas mais va-riadas dimensões e, por outro, que é um serviço complementar e subsi-diário com o serviço postal de cor-respondência. Refere-se expressa-mente a este propósito que quando a entrega eletrónica se frustre, de-verá, «em certas circunstâncias», ser efetuado o imediato redirecio-namento da comunicação em cau-sa para o serviço postal de envio de correspondência. Por fim, deve re-alçar-se a perentoriedade da última frase transcrita sobre a gratuitidade do novo serviço para o Estado que dele se autoproclama, senão o úni-co, pelo menos o principal utente, o que nos suscita a fundada dúvida sobre quem suportará os custos do serviço no futuro.Já na parte dispositiva, o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 112/2006 acres-centou ao n.º 1 da Base II do Decre-to-Lei n.º 448/99, de 4 de novem-bro, que aprova as bases do serviço postal universal, a alínea d), com a seguinte redação:«d) A prestação do serviço público de caixa postal eletrónica não reserva-do, que permite aos aderentes a este serviço receber, por via eletrónica ou por via eletrónica e física, comunica-ções escritas ou outras provenientes dos serviços e organismos da Auto-ridade direta, indireta ou autónoma do Estado, bem como das entidades administrativas independentes e dos tribunais, incluindo, designadamen-te, citações e notificações no quadro

de procedimentos administrativos ou de processos judiciais, de qual-quer natureza, faturas, avisos de re-ceção, correspondência e publicida-de endereçada.»Mais adiante, porém, no n.º 2 da Base XI do mencionado Decreto--Lei, dispõe-se o seguinte:«2 – As obrigações específicas do concessionário no domínio do ser-viço da caixa postal eletrónica refe-rido na alínea d) do n.º 1 da base II que decorrem de especiais exigên-cias legais são objeto de regulamen-tação própria.»Note-se:- O legislador utilizou o verbo de-correr no presente do indicativo - «decorrem» -, não remetendo para uma análise discricionária com a forma verbal «decorram»; - A matéria das notificações e das citações tem, sem margem para qualquer juízo discordante, nome-adamente no CPPT, «especiais exi-gências legais»; donde, - A matéria relativa ao «serviço público de caixa postal eletrónica» não se basta com a mera definição que deste a seguir é dada no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 112/2006, e nada mais dela curando, implican-do, necessariamente, regulamen-tação própria.Ora, tal regulamentação própria, relativa pelo menos às obrigações específicas da concessionária, não existe: no desenvolvimento desta base jurídica não foi emitido, até agora, qualquer tipo de instru-mento legislativo ou regulamentar. Como não existe, e aqui plenamente e por maioria de razão se justifica, qualquer regulamentação pública relativa às normas de caráter téc-nico e de segurança do sistema que assegura a prestação do serviço. Es-tamos, pois, no domínio legislativo, perante outra «capela imperfeita».

E, finalmente, não podemos dei-xar de sublinhar que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 112/2006, «a sua aplicação não prejudica o dispos-to na lei relativamente à assinatu-ra eletrónica e à proteção de dados pessoais.» Isto é, mesmo a parca le-gislação existente sobre caixa pos-tal eletrónica não é uma «ilha ju-rídica», é um «diploma em rede» e é nesse contexto que tem de ser in-terpretado. Não bastam afirmações perentórias, dogmáticas, ex cathe-dra. O mesmo é dizer: não basta vencer, nomeadamente quando se age no exercício de poderes de au-toridade; convém convencer!

Serviço público de caixa postal

eletrónica?

Dos dados relativos à evolução do regime dos artigos 38.º e 39.º do CPPT, ao regime jurídico dos do-cumentos eletrónicos e à criação genérica e meramente embrionária do serviço público de caixa postal eletrónica que acabámos de expor, resultam, para nós, para responder à pergunta formulada em epígra-fe, dúvidas, mas também certezas. Com efeito:- A caixa postal eletrónica, nos termos da definição legal, permi-te receber, por via eletrónica, ou por via eletrónica e física, «comu-nicações escritas ou outras…». No silêncio da lei tributária a este pro-pósito, os contribuintes passarão a receber notificações escritas, mas, por exemplo, também mensagens audiovisuais de notificação? Se um contribuinte receber um vídeo com uma mensagem áudio de no-tificação, tal forma de notificação é válida17? A voz tem de ter algumas características especiais e a lin-guagem utilizada deve obedecer a algum critério específico? Imagi-

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ne-se, por exemplo, que a comuni-cação é feita em dialeto mirandês, que eu não sei (apesar de ser a se-gunda língua oficial nacional) ou, não tendo esse pergaminho, é feita oralmente no português retinto que se fala em certas zonas da Ilha de S. Miguel (excessivamente, e para de-sespero dos terceirenses, conhecido como «falar açoriano») e que, nou-tras guerras de bons idos tempos, levava frequentemente um amigo a meter-se com um autóctone dizen-do-lhe: «Hoje não tenho tradutor»?- No meu recetáculo postal de cor-respondência eu também ‘recebo’ correspondência não notificante e correspondência notificante. Ex-cetuado o espúrio e aberrante (por ser a antítese) caso da denominada, não se sabe igualmente com base em que legislação, notificação por registo simples18, impõe a lei pro-cedimento específicos em relação à correspondência notificante: desde ficarem no recetáculo avisos para levantar na estação dos CTT em caso de ausência, até a assinaturas di-versas em caso de presença do des-tinatário; e, caso a correspondência notificante não seja levantada até determinados prazos, estipulada se encontra a sua devolução à entida-de remetente. E tudo se passa com realidades físicas, palpáveis, em re-lação às quais se podem vir a invo-car um conjunto de anomalias entre os quais avulta, como mais grave, como se sabe, a própria falsidade! Na caixa postal eletrónica «tudo é mais fácil e cómodo». «Acede--se», na expressão do n.º 9 do arti-go 39.º do CPPT, e está-se notificado – não há burocracias, a assinatura do destinatário, como elemento de autenticidade, é dispensada e subs-tituída (presume-se) pela senha de acesso à referida caixa, não são precisas deslocações para levantar

o ‘objeto’! O que significa, do ponto de vista jurídico, «aceder»? «Se», «como», «quando» e «quem» ace-deu, são pormenores sem qualquer significado de facto e de direito? Como se comprova e quem tem de comprovar que depositou, que es-tava depositado e que acedeu são ninharias sem relevância?19 A dis-tinção entre notificação sem aviso de receção e notificação com aviso de receção, uma distinção do tempo das descobertas, velha e enrugada, deixou de ter cabimento nos tempos do pós-modernismo em curso, ape-sar de não excecionada legalmente, onde o princípio da fábula do lobo e do cordeiro nunca teve tanta atua-lidade: «o que se não foste tu foi o teu pai e se não foi o teu pai foi o teu avô?»-Naturalmente, também no artigo 39.º do CPPT (ou irá entender-se, por absurdo que se contém neste preceito, afinal, por modos ínvios, o regime jurídico do serviço público de caixa postal eletrónica?) o legis-lador é previdente para com a pro-verbial preguiça dos contribuintes relaxados e pouco dados a cuidados com as coisas fiscais: concede-lhes um prazo muito razoável e manda--os às malvas com a seguinte pre-visão normativa: se não acederem à caixa postal eletrónica durante 25 dias, consideram-se notificados no 25.º posterior ao «envio» da noti-ficação. Para sossego de todos, será esta uma presunção elidível ou uma presunção inilidível?- Portanto, é o artigo 39.º do CPPT, e não qualquer outro preceito ati-nente ao regime jurídico do serviço público de caixa postal eletrónica20

que me responde à questão de sa-ber quando é que fico «notificado»: quando acedo à minha caixa de correio eletrónico ou, se não aceder, presume-se que fico notificado no

25.º dia posterior ao envio da noti-ficação (n.ºs 9 e 10 do artigo 39.º do CPPT);- E ainda se fica a saber, em leitura atenta que, nos termos do n.º 2 do ar-tigo 4.º do Decreto-Lei n.º 112/2006, «a adesão ao serviço público de cai-xa postal eletrónica é voluntária, quer por parte dos expedidores quer por parte dos respetivos clientes», o que bem se compreende em home-nagem ao princípio da autonomia da vontade. Isto apesar de o serviço em causa ser um serviço público e o seu principal destino ser o de o Estado comunicar eletronicamente com os cidadãos, em várias dimensões da cidadania (nomeadamente, por exemplo, e para referir um exemplo nele expressamente referido, como partes em processo judicial). Pouco, porém, esse princípio da autonomia da vontade interessou ao legisla-dor fiscal. Este, mesmo para a parte instrumental, apenas conhece uma expressão: é obrigatório! Obrigato-riedade que se estende mesmo aos contribuintes de IRS, pessoas sin-gulares portanto, com o seu ren-dimento global ‘contaminado’ por uma parte, preponderante ou não, proveniente de atividades profis-sionais ou empresariais, conjugado com um critério de sujeição e en-quadramento em IVA! Infelizmente, nem todas as pessoas singulares são médicas, isentas de IVA…- Donde se conclui, pelo menos provisoriamente, que não existe, no ordenamento jurídico tributário nacional, algo que verdadeiramente se possa designar por regime jurí-dico do «serviço público de caixa postal eletrónica». O que nos pos-sibilita, como futuro eventual com-pulsivo consumidor deste serviço eletrónico específico, mas sobretu-do como contribuinte, considerar violar as garantias que legalmente

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estão consagradas em matéria de certeza e segurança jurídicas e de transparência, uma vez que não existem disposições legislativas que específica e nomeadamente:1) Disponham expressamente sobre a modalidade de assinatura eletró-nica qualificada que deve ser aposta no documento de notificação;2) Clarifiquem se as assinaturas constantes de todos os documentos notificados devem elas próprias ser assinaturas eletrónicas qualificadas;3) Clarifiquem o motivo pelo qual apenas se prevê a aposição de assi-natura eletrónica em documentos processados eletronicamente pelo «dirigente máximo do serviço», quando um vasto conjunto de atos com conteúdo tributário, que vão desde avaliações patrimoniais, a fixações de rendimento, a atos de liquidação e a decisões administra-tivas são da competência, não raro originária, de órgãos intermédios da AT;4) Regulamentem as normas de caráter técnico e de segurança do sistema informático que suporta a prestação do serviço;5) Assumam e garantam a distinção legal entre «notificação por carta registada» e «notificação por carta

registada com aviso de receção» e disciplinem as respetivas conse-quências;6) Disciplinem a o procedimento da notificação tributária eletrónica em todas as suas fases, com particular enfoque no plano da imodificabili-dade dos elementos respeitantes aos aspetos temporais da comunicação, sobre modos de recusa de receção das notificações e seus efeitos, so-bre obrigatoriedade de repetição da notificação, sobre a relevância de incidentes de natureza técnica que possam impedir o acesso, em tem-po útil, seja na perspetiva do notifi-cante, seja na perspetiva do notifi-cando, ao teor da notificação;7) Disciplinem os específicos de-veres do concessionário do serviço público e a sua relação com as ga-rantias do utente do serviço, seja enquanto consumidor de serviços eletrónicos, seja, primacialmente, enquanto contribuinte no quadro de um procedimento ou de um pro-cesso tributários;8) Disciplinem a reversibilidade da adesão, nomeadamente nas situ-ações em que os sujeitos passivos de IRS cessem as suas atividades profissionais ou empresariais e, por esse motivo, deixem de reunir

o pressuposto da ‘obrigatoriedade’ de aderirem ao sistema de notifi-cações eletrónicas, sendo manifes-tamente inócua a referência que a este aspeto é feita no folheto infor-mativo.

A concluir

São dúvidas a mais para que al-guém adira, conscientemente, sem esclarecimentos ou disposições le-gislativas, regulamentares ou ad-ministrativas adicionais que pos-sa considerar satisfatórios, a um serviço público que supostamente é de adesão obrigatória. Do nosso ponto de vista, e pelas razões ex-postas, dependendo a existência e o funcionamento do serviço públi-co de caixa postal eletrónica - de regulamentação específica ainda não publicada, tem de considerar--se inaplicável, até que essa regu-lamentação seja publicada e esteja em vigor, o disposto o n.º 2 do artigo 19.º da LGT e, consequentemente, inválidas todas as sugestões e re-comendações que nos foram dirigi-das pela AT e que invocaram, sem a fundamentarem, a obrigatoriedade da adesão a tal serviço.Não estando legalmente previsto, ao que julgamos, qualquer meio

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de suprir a não adesão voluntária do contribuinte ao serviço público de caixa postal eletrónica, incor-remos, supomos , apenas no ris-co, por este ato de incumprimento consciente, de nos ser levantado um auto de notícia e de nos ser aplica-da uma coima a fixar entre o mí-nimo de 150 euros e o máximo de 3 750 euros, como as comunicações da AT também, pedagogicamen-te, se não esqueceram de lembrar. Restar-nos-á, então, recorrer para os tribunais do meu País que, acre-ditamos piamente, ainda aplicam o Direito, o que nem sempre significa, como se sabe, aplicar a lei.

*Membro do Gabinete

de Estudos da OTOC

Docente no ISG

Consultor fiscal

Notas1 Não existe qualquer referência a «imate-

rialidade» do tipo daquela a que me venho

referindo nos artigos 82.º a 88.º do Código

Civil que tratam do domicílio, cujo elemento

de conexão continua a ser sempre, e exclusi-

vamente, um local físico e geograficamente

determinado ou determinável (lugar da resi-

dência habitual, lugar do exercício da ativi-

dade, lugar do emprego público, etc.)2 Introduzimos aqui o advérbio de modo por-

que não consideramos aceitável, por parte da

AT, a utilização do denominado «registo sim-

ples» para a realização de notificações para as

quais a lei imponha a forma registada, com os

fundamentos que tivemos oportunidade de

enunciar e desenvolver no nosso estudo «Do

simples registo ao registo simples» in TOC,

Revista dos Técnicos Oficiais de Contas, ano

XI, n.º 125, agosto de 2010, pp. 21-25.3 Nesta administração pública dos nossos

dias, onde cada vez parece mais longe a velha

linha divisória entre direito público e direito

privado (no direito público, aquilo que não

é expressamente permitido é proibido; já no

direito privado, aquilo que não é expressa-

mente proibido é permitido), junta-se o me-

lhor dos «dois mundos», como se qualquer

mix, que em português deu mixórdia, fosse

admissível. E, assim, não raro nos confron-

tamos com «situações de facto» completa-

mente absurdas, como esta de nos serem so-

licitados elementos de natureza pessoal sem

qualquer norma de cobertura legal e, mais

ainda, com o facto de tais elementos serem

armazenados em poderosas bases de dados,

cuja utilização de todo nos escapa e que não

sabemos sequer a que tutela, ou tutelas, estão

sujeitas, se é que estão sujeitas a alguma. E o

cidadão contribuinte, que na lei não encontra

razão para tais procedimentos, nem conhece

quaisquer garantias sobre essa matéria – nem

sequer lhe é garantido se, uma vez fornecido

tal dado, alguma vez o pode remover! – é,

quando procura informar-se, simplesmente,

brindado com um arrogante silêncio. Expe-

rimente, quem duvidar, um qualquer ser-

viço de Finanças ou um qualquer call center.

Proclama-se, não obstante, o «avanço» desta

administração sobre qualquer outro estádio

anterior! Só na perspetiva em que cada vez

mais trata o cidadão como servo, na justa me-

dida em que o cidadão deixou de ser tratado

pelo seu nome e passou a ter como referência

um número!4 Não acredito em bruxas, pero que las hay, hay!5 A ser assim, como não poderá deixar de ser,

todas as notificações eletrónicas que devam

ser efetuadas por carta registada com avi-

so de receção podem qualificar-se de ilegais

porque deixou de se prever o mecanismo

através do qual o destinatário da carta envie

mensagem de confirmação ao remetente, que

a tal norma impõe.6 Órgão que, coadjuvado por 12 subdireto-

res gerais, a dirige – cfr. artigo 3.º, n.º 1, do

Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro.7 Admite-se que, por exemplo, a liquida-

ção do IRS, ato para cuja prática a lei defere

a competência à Direção-geral dos Impostos

(cfr. art.º 75.º do Código do IRS), seja ato da

competência do diretor geral da AT e seja um

ato praticado por meios eletrónicos. Já se têm

fundadas dúvidas de que a decisão sobre um

recurso hierárquico da competência do di-

retor geral seja um ato praticado por meios

eletrónicos. Então a assinatura certificada só

é obrigatória na notificação do ato de liquida-

ção e não na notificação da decisão do recur-

so? Que tipo de certificação de assinatura se

exige no segundo? E quando a competência

para a prática dos atos é do diretor de finan-

ças ou do chefe do serviço de finanças? Não é

exigível a certificação da respetiva assinatu-

ra? E o que acontece nos atos praticados por

delegação de competências do diretor geral:

a exigibilidade da certificação da assinatura

entende-se como aplicável apenas aos ca-

sos em que o ato é materialmente praticado

pelo diretor geral, ou também quando ele é

praticado pelo ente delegado? O que, por ou-

tro lado, seria um admirável paradoxo: a lei

impõe, ainda que em casos contados, a cer-

tificação da assinatura do diretor geral; mas

essa certificação nunca é necessária em casos

da competência do diretor de finanças (por

exemplo, determinação da matéria coletável

por métodos indiretos) ou do chefe de finan-

ças (atos praticados em processo de execução

fiscal)! Isto é um completo absurdo, como pa-

rece evidente.8 Aceitá-lo-íamos com maior naturalidade ao

domicílio profissional, por exemplo.9 O que, eventualmente, poderá não coincidir

com a mera receção de correio em formato

digital, como adiante melhor se verá, a pro-

pósito do regime do serviço público de caixa

postal eletrónica.10 Destes, em geral, se tratará nas notificações

tributárias eletrónicas, tendo, quando lhe for

aposta uma assinatura eletrónica qualificada,

a força probatória de documento particular

assinado nos termos do artigo 376.º do Código

Civil, como se dispõe no n.º 2 do artigo 3.º do

Decreto-Lei n.º 290-D/99. 11 Assinatura digital: modalidade de assina-

tura eletrónica avançada baseada em sistema

criptográfico assimétrico composto de um

algoritmo ou série de algoritmos, mediante

o qual é gerado um par de chaves assimétri-

cas exclusivas e interdependentes, uma das

quais privada e outra pública, e que permite

ao titular usar a chave privada para declarar

a autoria do documento eletrónico ao qual a

JULHO 2012 49

GABINETE DE ESTUDOS

assinatura é aposta e concordância com o seu

conteúdo e ao destinatário usar a chave pú-

blica para verificar se a assinatura foi criada

mediante o uso da correspondente chave pri-

vada e se o documento foi alterado depois de

aposta a assinatura (alínea d) do artigo 2.º do

Decreto-Lei n.º 290-D/99).12 Em nome do rigor deve sublinhar-se que,

não obstante a última alteração introduzi-

da ao diploma ser de 2009 (Decreto-Lei n.º

88/2009, de 9 de abril) segundo a fonte con-

sultada [Base DATAJURIS], a disposição do

n.º 1 do artigo 39.º que determina a publi-

cação, em decreto regulamentar, no prazo

de 150 dias (que se teriam contado, com boa

vontade, a partir da entrada em vigor do De-

creto-Lei n.º 62/2003, de 3 de abril), da regu-

lamentação do diploma, nomeadamente no

que se refere às normas de caráter técnico e

de segurança, continua por cumprir. Somos,

também em matéria legislativa, um País de

«capelas imperfeitas»!13 Socorrendo-nos da Wilkipédia, versão es-

panhola, encontramos a seguinte definição

para a extensão .pdf: «PDF (sigla del inglés

portable document format, formato de do-

cumento portátil) es un formato de almace-

namiento de documentos, de. Este formato

es de tipo compuesto (imagen vectorial,

mapa de bits y texto). Fue inicialmente de-

sarrollado por la empresa Adobe Systems,

oficialmente lanzado como un estándar

abierto el 1 de julio de 2008 y publicado por

la Organización Internacional de Estandari-

zación como ISO 32000-1». Ainda segundo

a mesma fonte, entre outras características,

um ficheiro com extensão .pdf «Puede ci-

frarse para proteger su contenido e incluso

firmarlo digitalmente».14 Note-se, aliás, que apenas «o procedimento

de criação da caixa postal eletrónica é gratui-

to, quer seja realizado através do Portal das

Finanças quer seja efetuado diretamente via

CTT», como pode ler-se em resposta a uma

outra pergunta formulada no mesmo folheto

informativo. Nada aí se refere quanto ao cus-

to da manutenção da caixa postal eletrónica

e, para sermos sinceros, não estamos a ver

os CTT vocacionados a prestarem gratuita-

mente ad aeternum um serviço como este que

corresponde a alguns milhões de euros de

receitas cessantes provenientes dos registos

postais que deixam de ser efetuados pela AT.

Irá este serviço reverter a posição de pagador

que sempre competiu a quem enviava a cor-

respondência (pois era ao expedidor que o

serviço era prestado) para o recebedor dela?15 A propósito, por exemplo, da base legal da

criação do regime do registo simples, a que já

aludi atrás (cfr. supra, Nota 2).16 Sim, ele é citado no mencionado folheto in-

formativo. Mas em resposta à oitava pergun-

ta, já no final da segunda página, quase en

passant, e continuando a dar-se muito mais

relevo à absurda repetição, em um parágra-

fo completo, da referência à Lei do Comércio

Eletrónico!17 Note-se que um vídeo não deixa de ser,

por esse facto, convertível num documento

em formato digital. Basta que também seja

possível apor-lhe uma assinatura eletrónica

qualificada. Quando muito, pode considerar-

-se um documento não suscetível de repre-

sentação escrita, caso em que apenas tem a

força probatória prevista no artigo 368.º do

Código Civil: as reproduções fotográficas ou

cinematográficas, os registos fonográficos e,

de um modo geral, quaisquer outras repro-

duções mecânicas de factos ou de coisas, fa-

zem prova plena dos factos e das coisas que

representam, se a parte contra quem os do-

cumentos são apresentados não impugnar a

sua exatidão.18 O que não é a mesma coisa que notificação

por simples registo. Esta é a modalidade de

notificação que se contrapõe à notificação por

registo com aviso de receção. O «simples re-

gisto» é uma absurda invenção dos CTT que,

relativamente a ele, «se compromete a intro-

duzi-lo no recetáculo postal do destinatá-

rio». Pois bem: não é esse o objeto do contrato

que cada utente dos CTT com estes estabelece

quando lhes confia, e paga para o efeito, um

objeto postal endereçado, seja ou não regis-

tado? Para mais pormenores, permito-me re-

meter para o meu escrito «Do Simples Registo

ao Registo Simples», in TOC, n.º 125, agosto

de 2010, pp. 21/24.

19 Curiosamente, o folheto informativo «pre-

ocupa-se» com esta questão nos seguintes

termos, no terceiro parágrafo em que res-

ponde à pergunta «Porquê o uso da «ViaCTT?

Não poderia ter sido criado um sistema dentro

da própria AT, que não envolvesse o recurso

aos CTT?» nos seguintes termos: «A utiliza-

ção do serviço prestado pelos CTT é também

justificada por questões de transparência.

Em situações de litigância é necessário ha-

ver uma entidade terceira, independente

da autoridade fiscal e do contribuinte, que

comprove a concretização da entrega da no-

tificação/citação, a abertura da caixa postal

eletrónica e a respetiva hora e data de notifi-

cação.» Na verdade, tudo isto está certo. Mas

não está em lei, nem em regulamento. Nome-

adamente o Regulamento do Serviço Público

dos Correios, aprovado pelo Decreto-Lei n.º

176/88, de 18 de maio, não foi objeto de qual-

quer alteração, e entendemos que deveria tê-

-lo sido, não apenas para acolher este novo

serviço, como também para, entre outras,

regular tais matérias.20 Que, como se viu pelo preâmbulo do de-

creto-lei que cria, ainda que de forma mera-

mente embrionária. tal serviço, até prevê que

é um serviço complementar e subsidiário do

serviço normal de correspondência postal e

que, portanto, poderia prever, em caso de fal-

ta de acesso ao recetáculo postal eletrónico, o

automático reenvio para o serviço normal de

correspondência.21 Creio que não «estarei em parte incerta»:

continuo a ter o meu domicílio fiscal, onde

deverei continuar a ser contactado pela AT em

todas as circunstâncias em que o deva ser. Não

passarei, portanto, a ser notificado por edi-

tais… eletrónicos! Este caso, embora aqui exis-

ta o pormenor, não despiciendo, de uma alte-

ração legislativa em minha modesta opinião

inócua, faz-me lembrar a «campanha do NIB»

nas declarações de IRS. Não conheço ninguém

que, não tendo ‘declarado’ o NIB, mesmo após

aquele desesperante interrogatório final no

exato momento de submeter a declaração, te-

nha deixado de receber o reembolso, se a ele

tiver direito. A AT, honra lhe seja feita, a maior

parte das vezes cumpre a Lei!