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$osê de Carvalho Borres N.° 257 JÇotas mui sumárias acerca da Jíatalidade e ^Mortalidade infantil no íEôrto (1913-1922) ÍJese de doutoramento apresentada ã faculdade de ^Medicina do Sôrto imprensa Comercial 33, Jiua ia Conceição, 37 == Sôrto — 1926 =

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$osê de Carvalho Borres

N.° 2 5 7

JÇotas mui sumárias acerca da

Jíatalidade e ^Mortalidade

infantil no íEôrto (1913-1922)

ÍJese de doutoramento apresentada ã faculdade de ^Medicina do Sôrto

imprensa Comercial 33, Jiua ia Conceição, 37 == Sôrto — 1926 =

J{atalidade e ^Mortalidade Snfantil no Çkôrto

»

José de Carvalho Torres

N.° 2 5 7

J{otas mui sumárias acerca

da

Natalidade e JlíCortalidade

infantil no Çtôrto 0913—1922)

ETese de doutoramento apresentada à faculdade de Medicina do Sôrto

imprensa Gomercial 33, Jiua da Conceição, 37 = ãôrto — 1926 =

FACULDADE DE MEDICINA DO PORTO

DIRECTOR

Prof. Alfredo de Magalhães

SECRETÁRIO

Prof. Hernâni Bastos Monteiro

CORPO DOCENTE

P r o f e s s o r e s O r d i n á r i o s

H i S i e n e Prof. João Lopes da Silva Martins Júnior Patologia geral Prof. Alberto Pereira Pinto de Aguiar Patologia cirúrgica pr0{. Carlos Alberto de Lima Dermatologia e sifiligrafia . . . . Prof. Luis de Freitas Viegas Terapêutica geral Prof. José Alfredo Mendes de Magalhães Anatomia patológica Prof. António Joaquim de Sousa Júnior Clinica médica prof. Tiago Augusto de Almeida Anatomia descritiva Prof. Joaquim Alberto Pires de Lima Clínica cirúrgica . . . . . . . Prof. Álvaro Teixeira Bastos Psiquiatria prof. António de Sousa Magalhães Lemos Medicina legal Prof. Manuel Lourenço Gomes Histologia e embriologia . . . . Prof. Abel de Lima Salasar Pediatria prof. António de Almeida Garrett Patologia médica Prof. Alfredo da Rocha Pereira Bacteriologia e doenças infeccio-

s a s Prof. Carlos Faria Moreira Ramalhão Anatomia cirúrgica Prof. Hernâni Bastos Monteiro Clinica obstétrica Prof. Manuel António de Morais Frias Fisiologia geral e especial . . . . Vaga Farmacologia Vaga História de medicina e dentologia . Vaga

Professores Jubilados

Prof. Pedro Augusto bias

Prof. Augusto Henriques de Almeida Brandão

A Faculdade não responde pelas doutrinas expendidas na dissertação.

Art. 15.»§ a.» do Regulamento Privativo da Faculdade de Medicina do Porto, de 3 de Janeiro de 1920.

f-i saudosa memória

ae

J | l | leus j P a t :

|4 meus J meus Jlrmaos

7f-los metis víLon-díscípulos

l o ^x."10 (par.

lOt, Ijlemaai | . )arrosa

peto vosso auxilio

os meus agradecimentos

fio meu ilustre ^{.yresicíertle J e ijj ese

o ^flx.mo ($)nr. p r o f e s s o r

f ) r . ^ItfteJo de TfíagalRães

PREFÁCIO

Neste modesto trabalho que tem por fim satis­fazer uma lei, eu pretendo traçar em breves linhas um assunto que se prende duma maneira concreta com um acontecimento muito notável do Centená­rio da nossa Faculdade.

Quero referir-me à fundação da Maternidade, obra que tão calorosamente foi iniciada pelo nosso ilustre professor o Sr. Dr. Alfredo de Magalhães e da qual o povo do Porto, e mesmo de fora, soube compreender o alto valor filantrópico, cooperando para a criação dum estabelecimento que já devia existir há muito no Porto.

* * *

A simples análise das estatísticas mostram-nos como é assustadora a mortalidade nas primeiras

idades da vida, pois cerca de 25 °/0 dos indiví­duos morrem de tenra idade.

Do ligeiro estudo que fiz servindo-me das últi­mas estatísticas, aproveitando o decénio de 1913-22, eu poude concluir dama maneira evidente que nas causas de mortalidade infantil, especialmente até um ano, aquelas que mais predominam são as doenças do aparelho digestivo, debilidade congé­nita e do aparelho respiratório. Ora fácil é tirar a conclusão de que isto resulta duma má assis­tência, quer à grávida, quer ao recemnascido.

O Porto, cuja taxa de mortalidade é assusta­dora, pouco ou nada tem feito para fazer desa­parecer da realidade aquela afirmação do Sr. Dr. Ricardo Jorge, chamando-îhe cidade cemiterial.

Quereria neste momento ter a competência e o tempo preciso para poder tratar convenientemente

o assunto entre nós, infelizmente tão descurado, da higiene e assistência à mãe e ao filho.

Contudo, circunstâncias especiais obrigam-me a resumir bastante este estudo, um tanto contra minha vontade, pedindo ao Ex.mo Júri para enca­rar a minha tese não como um trabalho completo mas como uma simples formalidade da lei. Espero por isso a sua benevolência.

* * *

Ao Ex.™ Sr. Prof. Alfredo de Magalhães a quem prestamos o nosso preito de consideração tributamos ainda agradecimentos por se ter di­gnado presidir à minha tese.

Capítu lo I

Condições higiénicas do Porto. Variações demográficas. A Natalidade. A Mortalidade e o crescimento

Fisiplógieo. Análise dos números e conclu­

sões sobre o estado sanitário.

As quinze freguesias de que o Porto actualmente se compõe podem repartir-se em Porto periférico, compreendendo as de Lordelo, Foz, Aldoar, Ne-vogilde, Ramalde, Paranhos e Campanhã consti­tuindo por transição rural os arrabaldes do núcleo urbano, como tal mais saudáveis; e Porto central formado por oito freguesias: Sé, S. Nicolau, Mira­gaia, Vitória, Santo Ildefonso, Massarelos, Cedo­feita e Bomfim, dispostas em torno da primeira como atestando-lhe o núcleo gerador, na época em que ela foi o simples morro do Crasto.

Uma parte deste núcleo central é o Porto antigo e nele se destaca, por imunda e pitoresca, a casaria apinhada da Sé escalonando a vertente pelas tortuo-

24 J^atalidade e Mortalidade é

sas linhas das suas ruas, cuja largura raras vezes excede metro e meio com casas de três e quatro andares.

Em íngremes tortuosidades os becos lá seguem pela rampa do morro acima, não deixando quási nunca o sol evaporar a humidade do seu solo lama­cento, nem varrer o ar confinado por uma depura-dora e salutar nortada.

O Barredo é uma viva representação das con­dições de salubridade que a higiene condena em absoluto.

Quem nele penetra sente-se transportado a uma povoação marroquina onde os cuidados de limpeza são totalmente desconhecidos.

O ambiente exala uma fartum sni generis, pro­duto das fermentações pútridas operadas ao ar livre por todas as ruas, onde os ignaros habitantes lançam diariamente os seus resíduos domésticos. Isto revela um grande atrazo em questões de salubridade pú­blica. Os esgotos que por aí circulam acham-se atulhados, donde resulta um sub-solo de tal manei­ra infiltrado que lembra uma verdadeira fossa fixa.

Casas escuríssimas, infectas outras, é o que se observa; salvo uma ou outra habitação mais decente emergindo daquele lodaçal imundo onde os raios do sol nunca penetraram.

Extensas escadarias cobertas da escória mais sórdida e estreitos e lamacentos becos é o que o transeunte pode observar, quando revestido duma

Snfanlil no Sôrto 25

certa coragem tente ingressar naqueles recintos que nem os animais selvagens quereriam habitar, quanto mais Seres humanos.

E julgo ter dado um pálido reflexo dos bairros da Sé, S. Nicolau e Vitória que representando o Porto na sua fase mais original, são a reminiscên­cia do Porto primitivo.

Mas além destes bairros originais, outros há espalhados pelos diferentes pontos da cidade, em que as regras da boa higiene mal se observam; milhares de ilhas, verdadeiros antros de imundície, albergam mithares de indivíduos em péssimas con­dições de salubridade.

Entre outros podem servir de modelo os bairros das Eirinhas e de S. Vitor.

Contudo no Porto moderno, o Porto periférico como lhe chama Ricardo Jorge, as condições sani­tárias já são um pouco mais satisfatórias, melhores as ruas, habitações mais batidas pelo vento e pelo sol, onde há mais alegria e saúde entre o poder vivificante do arvoredo e as condições, se não per­feitas pelo menos satisfazendo em parte, do sanea­mento do sub-solo.

Apesar disso as condições higiénicas do Porto ainda deixam muito a desejar; as ruas compridas, estreitas e tortuosas são contrárias à boa ventilação das construções. Há ruas tais como Cedofeita, Al­mada e Bomjardim que, atendendo ao seu grande movimento, deveriam ser mais amplas.

26 ^fatalidade e ^ATor lai idade

Os pavimentos também concorrem de maneira notável para o valor higiénico da cidade: o maca­dam, que ainda se encontra em muitas ruas, tem o inconveniente de em dias de ventania levantar gran­des nuvens de poeiras que se tornam irritantes, arrastando em turbilhões os detritos que a incúria dos habitantes lançou na rua e que a acção do tempo dessecara.

Os grandes aguaceiros deslocam com facilidade a superfície dessas ruas que pela erosão vão entupir os esgotos e daí a estagnação das águas inquinadas, infiltrando os terrenos vizinhos que por via de regra possuem poços de que muitos habitantes utilizam as águas, atendendo à deficiência do fornecimento da Companhia; e por vezes, como já tive ocasião de observar, há quem por ignorância ou por prazer prefira essas águas assim inquinadas às da Compa­nhia porque dizem ser mais saborosas.

Voltando de novo aos pavimentos das ruas quero referir-me ao calcetamento por meio de paralelipi-pedos de granito, que são inconvenientes não só pela adjunção imperfeita, mas também por ser um piso incómodo para piões e pela torturante trepida­ção dos veículos.

A pavimentação da via pública que hoje se usa nas grandes cidades e que obedece a todos reque-sitos higiénicos é a keramit cuja resistência é notá­vel, mesmo superior à do granito.

O sub-solo fica completamente isolado evitan-

infantil no Stôrto 27

do-se a infiltração, ficando assim assegurado o saneamento das ruas que é muito importante na^ higiene duma cidade.

Porém, no Porto nada disto se observa infeliz­mente, sendo de observação corrente o cheiro pes­tilento que exalam as bocas de lobo especialmente no verão. A abundância de água é o melhor adju­vante da higiene duma cidade e o abastecimento do Porto é deficientíssimo.

Quem mais se ressente destas condições são as primeiras idades da vida; atesta-o a elevada mor­talidade infantil.

Conviria portanto regulamentar a construção das ilhas e o uso das águas dos poços. O coli-ba-cilo poluía aí normalmente chegando por vezes a atingir uma virulência notável.

O abastecimento pela água da Companhia fica muito aquém da média estabelecida pelos higienis­tas. Além disso a sua pureza tem diminuído muito, quer pela abundância de matérias orgânicas quer por micro-organismos. Esta poluição far-se há tal­vez pelas juntas dos canos condutores e pela falta de limpeza nos filtros. Contudo, é naturalmente muito boa relativamente às de outra origem ; não obstante isso acho de grande vantagem o uso obri­gatório de filtros particulares, como última medida de segurança contra as infecções que têm origem nas águas.

O verdadeiro sistema de esgotos construído há

28 yCaialiiaãe e Mortalidade

cerca de vinte anos não funciona ainda regular­mente.

Sob o ponto de vista meteorológico o Porto tem um clima de transição entre o continental e o marítimo, havendo por vezes variações bruscas de temperatura e pressão; e muito pronunciado o grau de humidade.

Ora estas bruscas variações meteorológicas re-fletem-se sobre a fisiologia dos habitantes, sendo de notar as doenças do aparelho respiratório que duma maneira notável concorrem para a grande mortalidade.

Não é só pela natalidade, é também pela emi­gração que a população citadina se exagera e se dilata a área da sua sede. Os agregados urbanos, quando há evolução progressiva aumentam de população por dois processos: pela reprodução dos próprios moradores e pela aquisição de moradores estranhos.

Ao primeiro chamaremos movimento fisiológico — aumento fisiológico quando há predomínio dos nascimentos sobre os óbitos.

O segundo é caraterizado pela atracção do nú­cleo urbano sobre as populações rurais.

Por estes dois grandes factores criam-se as aglomerações citadinas.

Movimento fisiológico

ânfantil no Stôrto 31

Os bairros antigos onde se acumula o maior número de habitantes, tendem a despovoar-se.

E isso é uma grande medida higiénica porque a aglomeração aliada à falta de limpeza são incom­patíveis com um bom estado sanitário.

Em todas as grandes cidades os núcleos do cen­tro tendem a despovoar-se, ao passo que os núcleos periféricos aumentam de população. As variações demográficas são positivas à periferia e negativas no centro.

E' isto uma lei de urbanização mundial nas cida­des antigas.

Há freguesias dentro da cidade em que o mo­vimento fisiológico é negativo ou quási insignifi­cante : assim, por exemplo em S. Nicolau e Ce­dofeita é muito pequeno, na Vitória é de tal forma negativo que em

1920 foi de —56 1921 » » —25 1922 » » —41

Pela observação dos gráficos podemos con­cluir que

1.°— As taxas de natalidade são sensivelmente superiores ao normal, ultrapassando sempre a mé­dia geral dum bom aumento de população. Devemos ter em linha de conta que no período de 1917-1920, duas grandes epidemias, o tifo exantemático e a

02 ^fatalidade e ^Mortalidade

pandemia gripal, fizeram baixar anormalmente a curva do movimento fisiológico e subir a curva da mortalidade.

2.° - As taxas de mortalidade infantil sâo ele­vadíssimas. Comparemo-los com as de algumas ci­dades estrangeiras.

Taxas de mortalidade infantil de 0—1 ano no Porto, no decénio de 1913-22

1913 21,93 «/o 1914 20,41 1915 23,39 1916 21,75 1917 21,16 1918 28,17 1919 24,41 1920 20,33 1921 17,63 1922 18,82

Donde podemos concluir que cerca de 22 0/o dos indivíduos nascidos morrem dentro de um ano.

Taxas de mortalidade infantil dalgumas cidades estrangeiras

Londres —1922 7,3

Paris -1920 9,78 1921 9,51

1913 1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920 1921 1922

35,72> NATAL

3 3 ^

IDAD£

32,75 32,27

2? sA 28,17

30,25

27,94

28,67

MORTAL DAOC 25,39 \ 2' INFAN1

21,93

IL I\ 3,22

20,+1 21,75 21,16

21,38

\ 2 ( ,33

17,63

18,82

Gráficos da natalidade e da mortalidade infantil

I

ãnfanlil no Sôrío 35

1922 9,10 1923 9 1924 8,82

Lyon -1921 13,99 1922 14,28 1923 10,86 1924 8,50

Strasburgo -1921 11 1922 9 1923 8,67 1924 6,65

Nova York -1922 7,5

Philadelphia -1922 8,1

Chicago -1922 8,50

Bruxelas -1921 14

Namur -1921 10

Liège -1921 10

Antuérpia -1921 11

Em conclusão podemos dizer que em qualquer cidade estrangeira a mortalidade infantil é muito in­ferior à do Porto, que neste decénio foi superior a 20.

Capi tu lo II

Mortalidade e mortinatalidade. Suas causas.

O estudo das causas de mortalidade infantil é importante e indispensável para se poder organizar de maneira verdadeiramente eficaz a protecção da infância.

«A primeira condição para actuar contra a morta­lidade infantil é estar prevenido do aumento desta no momento em que ela se manifesta» (Labeaume).

Aparelho digestivo

O gráfico tirado das estatísticas no decénio de 1913-22 mostra-nos que em média as doenças do aparelho digestivo causaram 43,31 °/o de mortes nos varões e 42,23 % nas fêmeas. Em segundo lugar predominam os óbitos por debilidade congénita com as taxas de 19,48 % de varões a 18,76 % de fêmeas; em terceiro lugar vem o aparelho respira-

38 ^fatalidade e Mortalidade

tório com uma média de 14,44 °/o de varões e 15,58 % de Fêmeas.

Cabe neste lugar dizer que apesar das taxas de mortalidade por doenças do aparelho respiratório não incluírem a tuberculose pulmonar, talvez uma grande parte seja devida à existência do bacilo de Koch no indivíduo.

Como factores que concorrem para a grande mortalidade pelas doenças do tubo digestivo colo­caremos em primeiro lugar o problema do aleita­mento e em segundo lugar o da intoxicação micro­biana.

O aleitamento completamente artificial nunca deve ser aconselhado como veremos no capítulo seguinte. Os acidentes do aleitamento artificial são essencialmente perturbações digestivas, que podem existir por três razões: superalimentação ou alimen­tação mal regulamentada, má digestão do leite de vaca e enfim a infecção microbiana.

As perturbações digestivas quando são agudas constituem as gastro-enterites das crianças de mama, quando são crónicas produzem facilmente a atrepsia.

E' até à idade de dois anos que as perturbações gastro-intestinais tem a sua maior frequência e gra­vidade. As condições especiais da digestão nas primeiras idades é um factor muito importante da mortalidade. O tubo digestivo está ainda pouco desenvolvido não podendo por isso elaborar con­venientemente o quilo. Os sucos gástricos são pouco

1913 1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920 1921 1922

100,02 103,3> I O S , ^

102,83

88,00 95,09

84,94

82,60 86,89

74,18

MOA)

MOfír

^ALIDA

WATAL

DE 5£

/t>AO£

RAL

45,64

> 3 6 77 28,90

21,93

MOfí

,26,52.

20,41 TAL/OÁ

29,31

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0£ Mi

_27,74

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26,95,,

21,16

/&>?? 2 4 ^ >

29^5*

55 s£V9

17,63

25,65

18,82

Gráficos da nado-mortalidade, da mortalidade geral

e da mortalidade infantil (O—1 ano)

ânfantil no Sôrto 41

activos, o ácido clorídrico livre existe em pouca quantidade impedindo assim o meio de ser suficien­temente bactericida. As funções dos órgãos anexos são também muito imperfeitas.

A digestão nas crianças de mama pôde dizer-se que se faz quási exclusivamente à custa dos fer­mentos contidos no leite materno. Por outro lado, as mucosas segregam substâncias altamente anti-fermentercíveis mantendo a antisepsia do tubo di­gestivo.

Para que a digestão do leite materno seja per­feita é preciso que êle seja de boa qualidade e tomado em quantidade e intervalos suficientes. Se o leite materno não fôr bom, ou se em vêz deste se utilizar o leite de vaca mal preparado, resultam daí perturbações do químismo intestinal modificando-se por sua vez o peristaltismo e a flora microbiana ; e eis estabelecido um estado patológico. A obstinação congénita, os calores do verão, o frio e a dentição predispõem para as infecções gastro-intestinais.

Marfan divide as gastro-enterites em quatro grupos :

1.° Dispépticas — resultando duma elaboração viciosa dos alimentos ingeridos, quer esta seja devida à superalimentação normal, quer à ingestão de alimentos impróprios.

2.° Infidosas — quando resultam da acção de micróbios ingeridos, ou introduzidos no tubo di­gestivo.

(

42 ^fatalidade e Mortalidade

3.° Tóxicas—quando devidas à acção de subs­tâncias tóxicas.

4.° Gastro-enterites secundárias -quando re­sultam doutras doenças.

É, contudo, difícil em presença de qualquer caso clinico, quando haja factores associados, descrimi­nar qual seria o primeiro agente mórbido e por isso saber qual o lugar que lhe cabe na classificação de Marfan.

Como consequência das doenças gastrointesti­nais temos de pensar na atrepsia. Resulta este es­tado de inanição duma má higiene alimentar; para a evitar nada mais há a fazer senão regulamentar a alimentação do recemnascido como veremos num outro capítulo.

D e b i l i d a d e c o n g é n i t a

Pelo que respeita à mortalidade por debilidade congénita, que ocupa o segundo lugar na nossa es­tatística, várias considerações temos a fazer. Pode­mos agrupar as causas da debilidade congénita em três grupos importantes, a saber:

Infecções Intoxicações

Auto-intoxicações Entre as infecções colocaremos em primeiro lu­

gar a sífilis hereditária que muitas vezes ataca o feto durante -a gestação, provocando os inúmeros

ânfanta no Sôrto 43

casos de nado-mortalidade. É a infecção luética que segundo alguns autores causa cerca de 50 °/o de mortes que sobrevêm durante os três últimos meses da gestação.

Ora a debilidade congénita, quando não é adqui­rida por falta dos elementos indispensáveis à vida, não é mais do que a continuação da vida intra-ute-rina dum sêr que as condições fisiológicas conde­naram desde o primeiro momento.

Depois da sífilis, várias outras infecções podem provocar a debilidade congénita tais como o palu­dismo e a tuberculose da mãe em avançado grau.

Entre as intoxicações colocaremos o alcoolismo em primeiro lugar e depois o saturnismo e o taba­gismo.

Como auto-intoxicações mencionaremos a albu­minuria, a cloro-anemia, a diabetes e a gota.

A debilidade congénita, a prematuridade, a mor-tinatalidade são na maioria dos casos a consequên­cia de doenças dos pais e do surmenage durante a gravidez.

As creanças nasceriam a termo e com um peso normal se a mãe tivesse podido tratar-se e repou­sar.

41 Jfatalidade e ^Mortalidade

A p a r e l h o r e s p i r a t ó r i o

E pelas doenças do aparelho respiratório que as estatísticas acusam em terceiro lugar a mortalidade infantil. O caracter excessivo do clima com gran­des variações de temperatura (7—19°) e o grau de humidade muito elevado (70-85) concorrem duma maneira notável para a elevada taxa de mortalidade infantil no Porto.

D i v e r s a s

A taxa de mortalidade por doenças cujo dia­gnóstico não ficou estabelecido, ocupa o quarto lu­gar no nosso quadro; e, não devemos esquecer que isso revela a grande dificuldade de fazer o diagnóstico nas doenças da infância. Muitas crian­ças morrem também sem assistência medica, quer por falta de recursos da família, quer por negligên­cia dos pais.

Ora é para a taxa de diversas que deve conver­gir a nossa atenção pelo que diz respeito à assis­tência infantil e que trataremos no capítulo III.

Entre as outras doenças cujas taxas médias são pouco elevadas, destacam-se pela grande influência que teem a tuberculose com 0,51 para fêmeas e 0,52 para varões e a meningite simples com 4,87 para varões e 4,79 para fêmeas.

Além disso temos uma elevada taxa de mortali-

Snfantil no Sôrto 45

dade pelas febres eruptivas com 2,30 de varões e 2,23 de fêmeas.

Duma maneira geral, podemos classificar, se­gundo Labeaume, os factores que influem na mor­talidade infantil, da seguinte forma:

I — A separação da mãe e da criança II — A supressão do aleitamento ao seio

III — A ignorância das mães e das amas IV — Influência do meio e das condições sociais V—Influência do clima VI — Influência das obras sociais.

Taxas de mortalidade por causas de morte (1913-22)

C a p í t u l o III

Protecção à mãe e assistência infantil.

Profilaxia e higiene infantis.

A mortalidade que sobrevêm durante as primei­ras semanas da vida resulta principalmente da pre­maturidade, da debilidade congénita, dos trauma­tismos obstétricos, das afecções hereditárias e em particular da sífilis.

As mesmas causas determinam a mortinatalidade. Os números da mortinatalidade e da mortalidade nas primeiras idades, mostram-nos a necessidade de lutar contra elas antes do nascimento, protegen­do a gravidez e favorecendo o parto em boas con­dições.

As consultas pre-natais, os refúgios para as mu­lher grávidas, enfim todas as medidas que assegu­ram o parto em boas condições e o descanço das parturientes tendem a diminuir a frequência da de­bilidade congénita e vícios de conformação. A debi­lidade congénita causou em Paris de 1915 a 1919

i

50 fatalidade e JUlortalidade

cerca de 28 °/o de mortes em crianças de menos de um ano. Ela é ai responsável de maior número de mortes que as gastro-enterites, que é de 23,20 °/o no mesmo período. Entre nós observa-se o contrá­rio no período de dez anos que estudamos.

O aleitamento materno, a instrução das mães e das amas e o abastecimento da cidade em leite de boa qualidade, permitem reduzir a mortalidade por gastro-enterite.

Sob o ponto de vista da profilaxia devemos ter em linha de conta os cuidados com a amamentação por amas marcenarias ; a sífilis e a tuberculose de­vem ser investigados com muito cuidado.

Na alimentação por leite de vaca é necessário conhecer-lhe a origem, saber se o animal será sau­dável, e investigar se será portador de doenças próprias, tais como a febre aftosa, cow-pox, ma mite tuberculosa. Daí poderão resultar infecções graves, que a criança contrai por via digestiva quando alimentada ao biberon.

*

Os cuidados e precauções relativos à alimenta­ção devem ser nas primeiras idades observadas com muito rigor; até aos oito meses a criança deve ser alimentada exclusivamente com leite.

As doenças gastro-intestinais agudas e crónicas,

Snfantil no Stôrto 51

chegando à atrepsia, resultam muitas vezes de erros ou desvios de alimentação.

As estatísticas da mortalidade mostram-nos que as consultas das crianças de peito, as gotas de leite, as creches, as escolas de mães, os institutos de puericultura salvaram em Paris muitas vidas de crianças.

A alimentação comporta regras diferentes segun­do a criança é alimentada ao seio (aleitamento natu­ral), ao biberon (aleitamento artificial) ou simulta­neamente ao seio e ao biberon (aleitamento mixto).

Geralmente é o leite da mãe o que mais convém à criança, e, além disso o aleitamento é muito útil à mãe pelo repouso em que ficam os ovários e o utero durante esse período.

Por outro lado, compreende-se que é muito me­nos fatigante amamentar a criança, do que ter o cuidado de vigiar a ama.

A deformação do corpo pelo aleitamento é uma pura fantasia.

A mulher cuidadosa nada perde da sua plástica pelo aleitamento, isso resulta em grande parte dos excessos de trabalho.

A mulher que amamenta deve continuar com os mesmos hábitos da vida que tinha anteriormente, devendo contudo cuidar da sua alimentação, pros crevendo os condimentos ou especiarias que alteram o paladar do leite.

Duma maneira geral a alimentação ao seio deve

52 ^fatalidade e Mortalidade

regulamentar-se da seguinte forma; atendendo a dois pontos importantes:

1.° o número e o intervalo das mamaduras, 2.° a quantidade de leite dado em cada mama-

dura. O leite da mulher é digerido mais depressa do

que o de vaca, contudo são precisas pelo menos duas horas e meia de intervalo para uma digestão perfeita. Durante a noite deve amamentar-se o me­nos vezes possível, para ao mesmo tempo descan-çar a mãe e o estômago da criança. A' medida que a criança vai crescendo as mamaduras devem ser mais abundantes e mais espaçadas, de maneira que número total em vinte e quatro horas seja de nove vezes ao princípio, de oito vezes ao segundo mês, de sete vezes ao quinto mês, e de seis vezes ulte­riormente.

A quantidade de leite que a criança absorve de cada vez pode ser regulada pelo peso da criança e pela sua abundância.

Maurel formulou uma lei pela qual «uma criança deve tomar em leite o décimo do seu peso» —esta quantidade deve ser considerada o limite mínimo.

Variot estabeleceu em '/? essa quantidade que talvez seja mais razoável.

Apert concluiu destas duas fórmulas que a quan­tidade de leite que a criança deve absorver diaria­mente para um bom desenvolvimento fisiológico deve ser igual a V«o do seu peso mais duzentos

Snfantil no Sôrto 53

gramas. Contudo estas prescrições impostas pela puericultura deixam muitas vezes de ser observadas na prática corrente, sem qualquer prejuízo da parte da criança.

*

O aleitamento animal nunca deve substituir o aleitamento natural, a não ser que a mãe não possa aleitar, ou fazer-se substituir por uma ama.

Circunstâncias há em que a mãe não pode ama­mentar o filho; tais como na agalactia, nas infecções dos seios, nas doenças agudas ou crónicas, sobre­tudo na tuberculose pulmonar avançada.

Nestas condições é preciso recorrer ao aleita­mento artificial que se faz por meio do biberon.

É preciso também que o leite conserve as suas propriedades nutritivas, eliminando previamente os agentes infectantes que possa conter. Para isso é conveniente submerê-lo a operações delicadas tais como :

1.° Tornar o leite de vaca idêntico ao da mulher pela adjunção de água e de açúcar (humanização).

Composição do leite de vaca Caseína 33 Açúcar 55 Manteiga 37

1 Sais 6

54 ^fatalidade e ^Mortalidade

Composição do leite de mulher

Caseína . . . . . . 16 Açúcar 65 Manteiga 35 Sais 2,5

Misturando duas partes de leite de vaca com uma parte de água assucarada a 10 %,

Obtemos a seguinte composição

Caseína 22 Açúcar 71 Manteiga 25 Sais 4

que se aproxima mais do leite da mulher. Pelo que diz respeito à humanização, esse pro­

cesso consiste em se tirar caseína, quer pela coa­gulação, quer pela centrifugação e ajuntar gordura pela adição de manteiga.

Segundo Budin não é preciso humanizar o leite alegando que os recem-nascidos e os prematuros suportam bem o leite puro.

Marfan, contudo, não é da mesma opinião, apre­sentando observações em que mostra crianças ama­mentadas desde o princípio com leite puro, e que são portadoras de uma dispepsia especial, a que êle chama dispepsia do leite de vaca, com obsti-

3nfantil no Stôrto 55

pação, obesidade, tumefacção do ventre e tendência a vómitos.

Daí a disposição a enterites, a infecções várias, ao raquitismo.

E notou mais que estas disposições desapareciam pelo uso de leite humanizado ou cortado.

No aleitamento misto já não é preciso preparar o leite.

2.° Esterilização. A esterilização pode fazer-se por vários pro­

cessos. Entre outros : a) Esterilização industrial, consistindo em aque­

cer o leite em recipientes herméticos a 108° durante dez minutos.

b) Esterilização caseira que pode ser pela ebu-bição ou pela soxhletização, consistindo a primeira no aquecimento a 101" durante cinco minutos, e a segunda no aquecimento a banho maria na água a ferver.

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Nas mulheres em que a secreção láctea é insu­ficiente, e as circunstâncias não permitem a aquisi­ção duma ama, deve recorrer-se ao aleitamento misto; a criança é alimentada primeiro com o leite materno e depois completa-se a quantidade neces­sária pelo leite de vaca, segundo as regras acima apontadas.

CONCLUSÕES

O exame das estatísticas e as observações que resultam deste estudo impõem ao médico, ao higie­nista e ao legislador, ordens imperiosas às quais eles têm o dever de obedecer na luta contra a mor­talidade infantil.

Se por um lado o problema da natalidade de­pende de factores sociais, morais e filosóficos ; o da mortalidade infantil está pendente do domínio mé-dico-legal c por conseguinte mais fácil de resolver.

Ela está à mercê das mães, cujo dever é guar­dar o filho e alimentá-lo ; à mercê das amas cuja ignorância e negligência é preciso vigiar.

Ela está à mercê dos legisladores que por um conjunto de leis estabelecidas podem criar o máxi­mo de protecção à mãe e ao filho.

Ela está ainda à mercê dos poderes públicos que podem assegurar, por meio de sábias medidas uma grande protecção a certas categorias de crian-

58 fatalidade e ^Mortalidade

ças, que nascidas em más condições sociais, ficam condenadas á morte.

Qualquer que seja a obra social tem a sua re­percussão sobre a mortalidade infantil

A investigação e o tratamento da sífilis des­conhecida e a instituição do tratamento dos pro-creadores, opôr-se há aos efeitos nefastos da sí­filis hereditária, e por conseguinte a protecção da infância.

O diagnóstico da tuberculose estabelecido a tempo permitirá tratar a mãe durante a gestação e a criança poderá desta forma fugir à contaminação sendo apartada a tempo do contacto infectante.

Tudo o que fizer a raça forte fará a criança mais resistente.

Evitar estes óbitos e reduzir a mortalidade infan­til é alimentar o Porto com as próprias Fontes de vida e de prosperidade que êle nos dá.

E' também o mais seguro meio de animar a natalidade, assegurando às mães que encontrarão todo o auxílio e toda a protecção a que tem direito.

As despesas em matéria de puericultura são sempre económicas, e é só por grande avareza que este preceito nos pode parecer falso.

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Na cidade do Porto a criação de tais obras é de urgente necessidade, pois, como mostram os gráfi-

ãnfantil no Sôrto 5!)

cos, sobe a taxa de mortinatalidade, desce a taxa de natalidade, e a de mortalidade infantil excede em valor as taxas de todos os países em que o pro­blema do crescimento da população tem sido con­siderado na sua fundamental importância para a na­ção.

No Porto, apesar de ser em categoria a segunda do país, nenhuma obra de assistência à criança existe de iniciativa oficial. E os estabelecimentos de iniciativa particular que existem, vegetam, vi­vendo de amigos, desemparados dum auxílio eficaz dos governo.?, incompletos na sua organização e, assim, produzindo resultados precários.

A Misericórdia, com a sua enfermaria de grávi­das em péssimas condições de higiene, e da mais comesinha comodidade para as doentes que a pro­curam, e que ali permanecem depois do parto du­rante um prazo demasiado breve para que lhe não advenham prejuízos de saúde, resultantes de uma alta prematura, a que o regulamento obriga numa simplória noção de economia.

As suas consultas externas reprimidas sempre por esse critério de gastar pouco, mal podendo efectivar qualquer coisa de utilidade para aqueles que o procuram.

O Dispensário do Porto, mal dotado de meios que permitam realizar a obra social que ao dispensá­rio é cometida, limita-se a uma consulta externa de

(JO fatalidade e Mortalidade

crianças, que, embora entregue em boas mãos, não produz em resultados um rendimento apreciável.

Os lactários municipais, valendo a uma limita­díssima parcela das crianças que da sua protecção teem necessidade, por vezes imperiosa e urgente. Além de que os cuidados de vigilância e preparação do leite fornecido não acompanha os aperfeiçoamen­tos que a sua técnica vai ganhando, para reduzir os inconvenientes sérios da alimentação artificial.

A criação da Maternidade é portanto uma neces­sidade que se impõe. A sua organização, deveria em meu entender fazer-se segundo o esquema se­guinte ;

a) Assistência à mulher grávida - Consulta para grávidas. Educação higiénica : regimen de alimentação e de trabalho, etc.

Assistência anti-venéra. Profilaxia dos acidentes sifíliticos e dos devidos a outras doenças venéreas.

Assistência às tuberculosas e tuberculi-záveis.

b) Assistência à mulher em trabalho de parto compreendendo as seguintes diferenciações:

Em trabalho normal Em distócia

Snfantil no Sôrto 61

Em estado de infecção Em trabalho de aborto Assistência durante o puerpério

c) Assistência ao filho-Dispensário de higiene infantil: vigilância médica das crianças, regi­men de amamentação, educação puericola das mães ;

d) Obra complementar de assistência aos filhos não reconhecidos e de quem as mães não possam encarregar-se.

Assim fica ligeiramente tracejada, a obra que eu penso ser duma urgência que não permite de­longas e duma necessidade colectiva, cujos bri­lhantes resultados não demorariam a revelar-se por uma maior vitalidade das criancinhas, cuja mortan-dande nos envergonha, pelo atrazo que traduz no nosso grau de civilização.

VISTO. PODE IMPRIMIR-SE.

Alfredo de Magalhães, Alfredo de Magalhães, Presidente. Director.

B I B L I O G R A F I A

LABEAUME—Higiene Sociale ou Primier Age—1926. RICARDO JORGE -Higiene e Demografia da Cidade

do Porto. FURTADO DE ANTAS Insalubridade do Porto -

(tese) 1902 MULON-Manuel Elémentaire de Puériculture, 1925. APERT Higiene de l'Enfance TABELAS DO MOVIMENTO FISIOLÓGICO DA POPU­

LAÇÃO-1913 a 1922. MEDICINE SOCIALE, Vol. XXXIII do Traité Patho­

logie Médicale e de Thérapeutique Appliquée —dirigido por Sergent, Ribadeu—Dumas e Babonneix.