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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE

VOLU

ME I

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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS JOVENS NEGROS, MORADORES DE

SARANDI, SOBRE PRECONCEITOS E DISCRIMINAÇOES SOFRIDAS NO

MUNICÍPIO DE MARINGÁ.

Autor: Cleusa Batista1

Orientador: Walter Lúcio de Alencar Praxedes2

RESUMO

O presente trabalho visa discutir e combater a discriminação e o preconceito. Objetiva também chamar a atenção para tais questões, evidenciando as representações sociais, dando voz aos agentes que foram vítimas de preconceitos na cidade de Maringá. O projeto de intervenção pedagógica direcionou-se aos alunos matriculados no Ensino Médio do Colégio Estadual do Jardim Independência em Sarandi. Os alunos do referido estabelecimento já contam com uma boa discussão sobre o assunto realizada por professores de várias disciplinas de acordo com a Lei 10.639/2003. O que favoreceu o seu desenvolvimento, no apontamento de novos caminhos para combater atos de discriminação, não apenas dentro do estabelecimento escolar, como em seu ambiente de trabalho ou em tantas outras situações em que se fizer necessário. Assim, foram realizadas diversas atividades, como: exibição de filmes, leitura de textos, notícias de jornais e debates que contextualizem as questões sociais, fatos que caracterizam a discriminação racial e o preconceito.

PALAVRAS-CHAVE: Representações sociais; preconceito; discriminação; jovens negros de Sarandi.

1 Pós-graduada em Didática e Metodologia da Educação, Licenciada em Geografia UEM, Professora da Rede Estadual no Colégio Estadual do Jardim Independência.2 Doutor em Educação, Universidade Estadual de Maringá, Professor e Chefe Adjunto do Departamento de Ciências Sociais.

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SOCIAL REPRESENTATIONS OF BLACK YOUTH, SARANDI RESIDENTS ABOUT PREJUDICE AND DISCRIMINATION SUFFERED IN MARINGÁ CITY

Author: Cleusa Batista¹

Professor: Walter Lúcio de Alencar Praxedes²

ABSTRACT

This paper aims to discuss and tackle discrimination and prejudice. It also aims to draw attention to such questions, highlighting the social representations, giving voice to the agents who were victims of prejudice in Maringá city. The pedagogical intervention project was directed to pupils enrolled in Jardim Independência High School in Sarandi. The students from this school have already had a good discussion on the subject which was conducted by teachers from different subjects in accordance with the Law 10639/2003. This fact contributed to their development, pointing to new ways to combat discrimination acts, not only into the educational establishment, but also in the work environment or in many other situations where it becomes necessary. Thus, various activities were carried out such as watching movies, reading texts, newspaper reports and discussions that contextualize the social issues, facts that characterize the racial discrimination and prejudice.

KEYWORDS: Social representations; prejudice, discrimination, Sarandi’s black youth.

¹ Post-graduated in Curriculum and Methodology of Education, Degree in Geography at UEM, State Teacher Colégio Estadual do Jardim Independência – High School. ² Doctor in Education at Universidade Estadual de Maringá, Professor and Headmaster in Social Sciences Department.

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1 Introdução

O problema central que norteia esse projeto é investigar quais as

representações sociais que os jovens negros moradores de Sarandi, elaboram a

respeito dos preconceitos e atitudes discriminatórias sofridas no município de

Maringá.

Muitos brasileiros consideram o Brasil um país livre de preconceitos. Aqui não

há discriminação, segundo os órgãos públicos e os discursos da mídia. Sabemos

que esse discurso é totalmente falacioso porque, no dia a dia, o preconceito se

manifesta de diversas formas, deixando atrás de si marcas irreparáveis e muitos

traumas. Pessoas se calam por não acreditarem que atitudes preconceituosas

devam ser denunciadas e combatidas, pois sabem. que a impunidade é quase

absoluta. Afinal, tratam-se de crimes sociais de difícil comprovação e, portanto,

consideram que é melhor se calar e/ou, até mesmo, se submeter às situações que

vão contra os direitos de qualquer cidadão, independentemente de raça, cor ou

credo. Isso existe construído no imaginário social e faz com que a maioria das

pessoas veja com naturalidade esse tipo de ação. O nosso histórico é de um país

livre de qualquer forma de preconceito e, por isso mesmo, torna-se muito mais difícil

combater tais ações.

Como tratar essas questões tendo em vista o direito à cidadania? Como

trazer à tona tais discussões a fim de que nós, brasileiros, sejamos mais conscientes

dos nossos direitos e também das nossas obrigações? Afinal, pobreza e

marginalidade são sinônimos ou estigmas?

Assim, esse estudo visa combater a discriminação e o preconceito, chamando

a atenção para tais questões sociais. Com isso, espera-se evidenciar as

representações sociais e também dar voz aos agentes vitimados por preconceito na

cidade de Maringá, a partir de relatos orais coletados e também de entrevistas

semiestruturadas.

Como justificativa para o desenvolvimento desse projeto, em atendimento às

normas complementares das Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações

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Étnico-Raciais (2006, p.1), consideramos relevante a tematização dos preconceitos

e discriminações sofridas pelos jovens negros do município de Sarandi.

2 Desenvolvimento

2.1 Breve Histórico

O município de Sarandi possui uma área de 113.350 km2 dividido em zona

rural e urbana com 85 bairros. Localizado no norte do Paraná, a cerca de 410 km de

Curitiba, capital do Estado, é a vigésima segunda cidade paranaense em população

e a segunda maior da micro região 9, composta de 30 municípios.

A economia do município está baseada, principalmente, na prestação de

serviços e fornecimento da força de trabalho à cidade de Maringá - polo industrial e

comercial da região - atribuindo à Sarandi o título de cidade dormitório. Sem dúvida,

esse é um quadro econômico que, precisa ser (des) construído, pois ao mesmo

tempo em que trabalham os assalariados também consomem em Maringá, o que

significa uma redução nas possibilidades de arrecadação do município. Do ponto de

vista social, as conseqüências de baixa arrecadação somada à falta da política de

desenvolvimento econômico ao longo dos anos em Sarandi, têm refletido

drasticamente nas políticas públicas, afetando as áreas como as de saúde,

educação, habitação, trabalho, assistência social, segurança e outras. No entanto,

Maringá tem sido, reconhecidamente, elemento importante enquanto cidade polo no

sentido de atração de investimentos para a Região, bem como na sustentação

econômica através dos postos de trabalho ofertados à população dos municípios

vizinhos.

Fundado em maio de 1947, pela Companhia Melhoramentos Norte do

Paraná, fez parte de um amplo projeto de colonização do norte paranaense. Hoje,

Sarandi conta com 79.686 habitantes (dados IBGE), em sua grande maioria

população urbana. Detém o segundo maior índice de crescimento do Estado. A

economia do município está baseada na prestação de serviços e fornecimento de

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força de trabalho à cidade de Maringá, o que lhe atribuiu o título de cidade

dormitório. Tais fatos históricos, somados às questões financeiras e sociais, levaram

o município a ser discriminado pelos moradores do município de Maringá, tanto por

questões sociais, políticas e econômicas, quanto raciais. Uma notícia publicada no

jornal O Diário do Norte do Paraná, em dezembro de 2006, reforça tais

constatações, pois traz em manchete de capa: Denunciado preconceito contra

sarandienses e surge a necessidade de investigar e discutir quais os preconceitos e

discriminações que ocorrem em Maringá em relação aos jovens negros moradores

do município de Sarandi.

Como referencial teórico para o desenvolvimento desta pesquisa, optamos

pela teoria das representações sociais de Pierre Bourdieu. Para Pierre BOURDIEU

(2004), a realidade social é sempre resultado das relações sociais, ou seja, a forma

como nos relacionamos no nosso meio social é influenciada pela posição que

ocupamos nessa organização social. Assim, a forma de interagir é influenciada pela

posição social que ocupamos, o modo como nos relacionamos com as pessoas, a

maneira como olhamos o mundo a nossa volta e a visão que temos da realidade em

que estamos inseridos configuram as representações sociais que construímos, com

base no meio em que vivemos. As relações e representações sociais influenciam

nossas relações de forma geral.

Preconceito é uma opinião pré-estabelecida, que é imposta pelo meio, época e educação. Ele regula as relações de uma pessoa com a sociedade. Ao regular, ele permeia toda a sociedade, tornando-se uma espécie de mediador de todas as relações humanas. Ele pode ser definido, também como uma indisposição, um julgamento prévio, negativo, que se faz de pessoas estigmatizadas por estereótipos. (MUNANGA, p. 62).

Preconceito é o resultado de um esquema de representação que está em

nosso inconsciente. Nossa prática é condicionada pelas ideais que construímos.

Essas idéias são transmitidas pela família, sociedade em geral. O saber ou acreditar

é repassado. O habitus é resultado da interiorização das influências da sociedade.

As estruturas sociais influenciam nossas opções. A Discriminação Racial, segundo

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conceito estabelecido pelas Nações Unidas (Convenção da ONU/1966, sobre a

eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial),

Significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferências baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha como objeto ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, o gozo ou exercício, em condições de igualdade, os direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político, social ou cultural, ou em qualquer outro domínio de vida pública (Idem, Ibidem) (Munanga. Kabengel, p. 63).

Como justificativa para o desenvolvimento deste projeto, em atendimento às

normas complementares das Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações

Étnico-Raciais (2006, p.1), consideramos relevante a tematização dos preconceitos

e discriminações sofridas pelos jovens negros do município de Sarandi, uma vez

que:

A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por objetivo a divulgação e produção de conhecimentos, assim como de atitudes, posturas e valores que preparem os cidadãos para uma vida de fraternidade e partilha entre todos, sem as barreiras estabelecidas por séculos de preconceitos, estereótipos e discriminações que fecundaram o terreno para a dominação de um grupo racial sobre outro, de um povo sobre outro.

Para Pierre Bourdieu, o poder simbólico é um poder capaz de se impor como

legítimo, dissimulando a força que há em seu fundamento e só se exerce se for

reconhecido. Ao contrário da força nua, que age por uma eficácia mecânica, todo

poder verdadeiro age enquanto poder simbólico. A ordem torna-se eficiente porque

aqueles que a executam, com a colaboração objetiva de sua consciência ou de suas

disposições previamente organizadas e preparadas para tal, a reconhecem e crêem

nela, prestando-lhe obediência. Assim,

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O poder simbólico é, para Bourdieu, uma forma transformada, irreconhecível, transfigurada e legitimada das outras formas de poder. As leis de transformação que regem a transmutação de diferentes espécies de capital em capital simbólico e, em particular, o trabalho de dissimulação e transfiguração que assegura uma verdadeira transformação das relações de força, transformam essas forças em poder simbólico, capaz de produzir efeitos reais, sem gasto aparente de energia (Bourdieu, 1977, p.408-11).

Para entendermos as Relações Raciais no Brasil, segundo Oracy Nogueira:

Considera-se como preconceito racial uma disposição (ou atitude), desfavorável, culturalmente condicionada, em relação aos membros de uma população, aos quais se têm como estigmatizados, seja devido à aparência, seja devido a toda ou parte da ascendência étnica que se lhes atribui ou reconhece. Quando o preconceito de raça se exerce em relação à aparência, isto é, quando toma por pretexto para as suas manifestações, os traços físicos do individuo, a fisionomia, os gestos, o sotaque, diz-se que é de marca; quando basta a suposição de que o individuo descende de certo grupo étnico, para que sofra as conseqüências do preconceito, diz-se que é de origem. (Nogueira, Oracy).

Entendemos que no caso do Brasil o preconceito é de marca, pois não são

apenas os traços físicos que determinam a relação de discriminação, mas,

principalmente, a posição social, o que nos remete ao que Bordieu chama de capital

simbólico. Nossa posição social, o segmento social que representamos nos dá maior

ou menor prestígio. A visão de mundo é diferenciada de acordo com a posição que

ocupamos na sociedade em que vivemos. Ou seja, uma empregada doméstica não

tem a mesma visão de mundo que uma empresária, sendo assim, o capital simbólico

da empresária é superior ao da empregada doméstica. Enquanto que do ponto de

vista da empregada doméstica, a sua experiência de vida, a sua luta pela

sobrevivência tem um valor imensurável, pois se trata de uma construção de vida. É

bem possível que ela se coloque numa posição inferior à da empresária por conta

dos valores sociais que são praticados em nosso país, o que acaba gerando a

Violência Simbólica.

Assim, é uma forma bastante eficaz, por exemplo, de fortalecer na relação

homem e mulher a inferioridade feminina, quando a mulher precisa ser tratada com

muito cuidado, pois é frágil (mais fraca ou incapaz) podendo se quebrar facilmente.

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Também, numa relação entre empregado e empregador, quando este se diz

generoso e bondoso para com os seus empregados, destacando alguns benefícios

concedidos e fazendo tais empregados entenderem que não são merecedores, mas

que receberam por absoluta generosidade de seu empregador. Tal fato faz com que

esses trabalhadores se julguem inferiores e avaliem seu empregador como um ser

de nível superior, extremamente bondoso e generoso.

Pelo conjunto das proposições apresentadas, nota-se que o preconceito racial, em qualquer das duas modalidades mencionadas, é visto como um elemento cultural intimamente relacionado com o ethos social, isto é, com o modo de ser culturalmente condicionado que se manifesta nas relações inter-individuais, tanto através da etiqueta como de padrões menos explícitos de tratamento. Entre os padrões de comportamento relativos ao tratamento inter-racial, nas situações de acomodação, e os padrões de comportamento relativos ao tratamento inter-individual, em geral, tende a se desenvolver uma consistência interna, uma vez que uns e outros fazem parte integrante do ethos da respectiva sociedade. (Nogueira, p.11).

Para o professor Henrique Cunha JR,

[...] A pobreza urbana dos afrodescendentes como uma pobreza criada pelos sistemas políticos de longo prazo, uma situação produzida ao longo da história. A pobreza não é considerada como casual, como uma deficiência individual das pessoas ou das famílias, mas como um ato proposital de políticas públicas ao longo dos períodos históricos. A pobreza é produzida”. (2001, p.07).

O preconceito é continuamente incorporado e instituído na ordem das coisas,

pela realidade social que produz a dominação e confirma as representações sociais,

para se exercer e justificar. A dominação é, dessa forma, legitimada e se impõe,

trazendo consigo a violência simbólica. Embora quase invisível, é resultado de um

trabalho incessante de reprodução, “no qual contribuem agentes específicos

(instituições políticas, religiosas, escolas, família)”.

A violência simbólica encontra um campo fértil para exercer seu domínio na

classe menos provida de recursos e, consequentemente, oprimida devido às

relações de poder a que estão submetidas, uma vez que não possuem a

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consciência ou clareza da violência simbólica que sofrem, pois essa seria “invisível”

às suas próprias vítimas. Para BORDIEU:

A força simbólica é uma forma de poder que se exerce sobre os corpos, diretamente, e como o que por magia, sem qualquer coerção física; mas essa magia só atua com o apoio de pré-disposições colocadas, como molas propulsoras, na zona mais profunda dos corpos. (Bordieu, 2003, p.50)

Para que possamos contrapor esse poder, é necessário que tenhamos algum

conhecimento de como ele funciona e de que formas ou estratégias se utilizam para

dominar de forma tão sutil, mas eficiente, a mente das pessoas e influenciar ou até

mesmo direcionar o seu modo de viver e agir em sociedade.

Sabemos que o nosso papel, como educadores, é a formação do cidadão

completo, sabedor dos seus direitos e deveres. Para isso, é necessário que tenha

conhecimento dos seus deveres, e, principalmente, de seus direitos, pois no Brasil

costumam ser amplamente divulgados quais são os deveres do cidadão. Já os

direitos, ao contrário, são escamoteados, segredados, afim de que apenas um

pequeno grupo tenha conhecimento e não toda a população. Dessa forma, o saber

torna-se mais um instrumento de dominação política, social, cultural e ideológica.

Com esse trabalho objetivou-se reconhecer as desigualdades étnico-raciais e

uma postura crítica diante do “mito da democracia racial”. Discutir relações sociais.

Refletir sobre o que significa ser branco e negro no Brasil. Propor a releitura dos

processos históricos, considerando os conflitos e valorizando as formas de luta e

resistência de negros. Perceber o impacto do racismo e suas combinações com

outras formas de discriminação no currículo escolar. Estabelecer estratégias de

combate a atitudes preconceituosas e discriminatórias na sociedade e no espaço

escolar.

2.2 Políticas Afirmativas, algumas considerações.

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Atualmente, algumas mudanças têm sido observadas no campo das relações

raciais: transformações na visibilidade das atitudes discriminatórias, como também

das ações anti-racistas. A legislação, ainda com falhas, está sendo mais divulgada.

Os últimos governos, no âmbito federal, estiveram mais presentes no debate

e em ações sobre o tema, tornando mais difícil ocultar o racismo e a desigualdade

racial brasileira.

No entanto, as políticas públicas brasileiras têm se caracterizado por adotar

uma perspectiva social, com medidas re-distributivas ou assistenciais contra a

pobreza, valendo-se das concepções de igualdade.

As iniciativas no âmbito do Poder Público indicam um reconhecimento, ainda

muito tímido, da existência de um problema de discriminação racial, étnico, de

gênero e de restrições em relação aos portadores de deficiência física no país,

sinalizado através de algumas ações. Entretanto, estas ainda são muito

circunstanciais e políticas mais efetivas ainda não estão sendo implementadas.

A partir de 2001, foram aprovadas políticas de ação afirmativa para a

população negra por decisão do Poder Público, tendo como base o sistema de cotas

e a idéia da necessidade de representação desse setor nas diversas esferas da

sociedade.

Em setembro de 2001 foi assinada uma portaria que cria uma cota de 20%

para negros na estrutura institucional do Ministério e do INCRA, pelo Ministério do

Desenvolvimento Agrário, sendo que o mesmo deve acontecer nas empresas

terceirizadas, contratadas por esses órgãos.

Em dezembro de 2001, o Ministro da Justiça, assinou uma portaria que

determina a contratação, até o fim de 2002, de 20% de negros, 20% de mulheres e

5% de portadores de deficiências físicas para os cargos de assessoramento do

Ministério. O mesmo princípio será aplicado às empresas de prestação de serviços

para o órgão federal.

No campo do ensino superior, a primeira lei referente às cotas, foi aprovada

no Rio de Janeiro, em vigor a partir da seleção de 2002/2003. Através de lei

estadual foi estabelecido que 50% das vagas dos cursos de graduação das

universidades estaduais sejam destinados a alunos de escolas públicas

selecionados por meio do Sistema de Acompanhamento do Desempenho dos

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Estudantes do Ensino Médio – SADE. Concomitantemente, decorrente de lei

aprovada em 2002, a qual estabelece que as mesmas universidades destinem 40%

de suas vagas a candidatos negros e pardos.

3 Desenvolvimento

O processo de implementação foi direcionado por etapas, a saber.

Inicialmente, coleta de relatos com situações de preconceito ou de tratamento

diferenciado sofridas por alunos do segundo ano do Ensino Médio do Colégio

estadual do Jardim Independência – Ensino Fundamental e Médio na cidade de

Sarandi, Estado do Paraná. Esses depoimentos foram gravados. Em seguida, foram

feitas reuniões com os alunos para coleta e discussão de dados, tais reuniões foram

subdivididas em etapas, quais sejam:

a- Apresentação e discussão do tema do trabalho. Nessa primeira reunião fez-se

uma exposição do conteúdo e objetivo desse trabalho, os motivos que levaram ao

desenvolvimento dessa pesquisa.

b- Debates, apresentação de notícias de jornal que tratavam do assunto e coleta de

depoimentos.

c- Exibição de vídeo. Episódios da série Cidade de Deus, mostrando o dia a dia de

dois adolescentes negros, moradores na favela e suas relações sociais. Após a

exibição, foram coletados depoimentos sobre o filme, bem como experiências

pessoais.

d- Apresentação de um texto acadêmico sobre o assunto e elaboração de uma

produção de texto.

e- Correção dos textos e apresentação e discussão das opiniões e fatos

importantes que foram relacionados. Após as discussões foi proposta uma pergunta:

Como nós podemos influenciar para que isso não ocorra mais ou que postura tomar

diante de tais situações para que as mesmas não se repitam?

f- Elaboração de painel e documentário apresentados em sala de aula.

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4 Projeto em ação

Durante as reuniões para apresentação do projeto e explanação dos

objetivos, percebi uma boa receptividade por parte dos alunos e, também a

necessidade que os mesmos tinham de relatar suas experiências e opiniões, de

compartilhar fatos ocorridos não apenas com eles, mas com familiares e pessoas

que fazem parte de seu cotidiano. Foram contando e divulgando entre os colegas e

os relatos se avolumaram. Outras turmas, não apenas do Ensino Médio ou dá série

escolhida inicialmente. Inclusive de outros períodos também se envolveram,

relataram experiências e contribuíram de forma expressiva para o encaminhamento

das pesquisas e relatos.

Com relação à notícia do jornal o Diário, que foi o ponto de partida para

nossos debates, as opiniões eram diversas. Alguns alunos mostravam indignação,

outros ficavam alheios, muitos relatavam outros fatos parecidos que tinham

conhecimento, mas era notório que nenhum deles tinha noção de que tipo de atitude

tomar quando acontece esse tipo de situação. Ou seja, como se documentar,

denunciar, fazer valer os seus direitos de cidadão. Então, foi essa linha escolhida

para discussão, de que forma, com que atitudes podemos fazer a diferença em tais

situações, para que as mesmas não sejam recorrentes e, ainda pior, encaradas

como algo natural. E, desta forma, não contribuir, por meio de nosso silêncio, com a

legitimação desse processo de dominação tão danoso à formação dos nossos

discentes.

Colocamos como ponto inicial responder às seguintes questões:

1- Você já foi ou se sentiu discriminado, ou recebeu tratamento diferenciado no

município de Maringá por ser morador do município de Sarandi?

“O preconceito vem do lugar em que a pessoa mora, aparência física e classe social.

Um exemplo é a cidade de Sarandi que sofre tantos preconceitos. Todo ato de

criminalidade que ocorre nas cidades perto de Sarandi a culpa é jogada em quem?

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É claro, nos moradores de Sarandi, isso é preconceito e, não podemos admitir isso.

Sarandi não é mais e nem menos do que qualquer outra cidade, temos direitos e

deveres iguais, por isso, devemos valorizar o comércio de Sarandi, deixando de dar

lucro as empresas de Maringá fazendo nossas compras lá”. (Renata A. de

Alcântara).

“As pessoas que moram em outras cidades acham que as pessoas que moram em

Sarandi, são todas marginais, principalmente quando eles veem que a pessoa é de

pele escura. Sempre levamos a fama de que aqui é uma cadeia aberta, que todos

que moram aqui são favelados e trombadinhas. Todas as pessoas que moram em

outras cidades, tiram sarro de Sarandi” (Sergio de Freitas Junior).

2- É difícil mudar posturas e atitudes discriminatórias, por quê?

De acordo com os comentários de alguns alunos,

Nossa cidade sofre muito preconceito e discriminação, recebe nomes como

“Sarandiru”, Sarandópolis”, etc, e isso nos torna preconceituosos contra a nossa

própria condição de vida, o que nos leva a ter vergonha de dizer que somos de

Sarandi. Dessa forma, a situação só piora, porque ao invés de não nos

intimidarmos diante do preconceito, nos aliamos aos nossos opressores.

“... O racismo está mesmo até dentro de casa, com crianças e adultos que passam

de geração a geração. Os pais ensinam para os filhos desde pequenos que as

pessoas negras são as mais perigosas, que são ladrões, matam as pessoas e muito

mais”. (Karina Santos)

A cada novo encontro surgiam novidades, da família, do trabalho, ações e

fatos sociais que antes possivelmente passariam despercebidos. Esse envolvimento

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espontâneo gerou a necessidade da participação de outras disciplinas, com

diferentes formas de olhar tais questões e, com isso, enriquecer o processo.

“Em alguns momentos da minha vida sofri discriminação racial, mais na maioria das

vezes, o local onde mais aconteceu esse fato foi na escola. Lembro-me de quando

estudava na quinta série e uns amigos me chamaram de “nego da arapuca”,

“macaco” e “saci”. Naquele momento me senti diferente de outros alunos, sabendo

que tinha pessoas ali que me tratavam como se eu realmente fosse um animal ou

como se tivesse uma doença, só por ser negro. Não tenho vergonha da minha cor,

nunca tive, mas sempre me pergunto por que existem pessoas que julgam outras

apenas por serem negras? Será que ser Negro é pecado?

No ano de 2010, teve no colégio um trabalho sobre consciência negra, nesse

trabalho, deveria ser feito uma entrevista com pessoas negras, fui privilegiado com

as entrevistas que dei para alguns amigos. Esse trabalho me ajudou bastante

porque pude falar como eu me senti no momento em que as pessoas me julgavam

pela cor. Mas essa situação tem que mudar, pois a cor da pele jamais influencia no

caráter, no modo de ser ou viver. Meu nome é Michel Welington da Silva, sou negro

e vivo feliz independente da cor.”

Esse depoimento foi uma forma de registrar os anseios e expectativas de boa

parte dos alunos em relação ao tema abordado, muitos tinham urgência em falar,

compartilhar com o grupo sua opinião e experiência de vida.

“...De um ponto de vista inicial, ao falar em racismo, pensamos logo no preconceito

sofrido pelas pessoas de raça negra, ao longo dos anos. Mas, podemos perceber

que existe também o preconceito contra a posição social do indivíduo,

independentemente da cor de sua pele, ou seja, pessoas pobres, miseráveis

vivendo em condições desumanas, muitas vezes que não tem nem onde morar,

acabam optando por uma vida de crime, violência, drogas....Brancos e negros, todos

tem a mesma capacidade de matar!...”

(Gessica Bertolato)

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Uma forma de caracterizar a violência dos dias atuais e também desmistificar

o senso comum de que tais atos e a criminalidade sejam apenas característicos de

pessoas negras, mas sim de pobres e marginalizados de um modo geral.

Com a efetiva participação dos professores de Língua Portuguesa, História,

Artes, Inglês, Educação Física, e toda a Equipe Pedagógica o trabalho alcançou um

número significativo de alunos e nos proporcionou uma visão ampliada dessa

situação como moradores do município. Pessoas de diferentes classes sociais foram

entrevistadas e contribuíram com seu histórico e experiência de vida. Os alunos

formaram grupos e com as entrevistas semiestruturadas procuraram comerciantes,

funcionários públicos, seguranças, empregadas domésticas, professores, ex-

prefeito, a fim de coletarem dados e relatos que pudessem somar ao tema em

discussão.

Todas as entrevistas contribuíram para o crescimento de todos que

participaram da elaboração dos documentários, mas uma em especial enriqueceu

muito nosso trabalho, entrevista realizada com o ex-vereador e também ex-vice

prefeito de Sarandi, atualmente exercendo a função de professor de História. Os

fatos e experiências por ele relatados mostraram-nos que em algumas

circunstâncias o “ser negro” está acima de qualquer posição social ou política que se

venha ocupar. Esse fato já é suficiente para ser discriminado em ambientes sociais,

políticos e culturais, deixando claro o nosso regime ainda colonial e os séculos de

atraso cultural a que nos submetemos ao agirmos de forma preconceituosa e

discriminatória.

Após concluir as entrevistas os grupos se reuniram, discutiram a respeito do

material coletado e montaram vídeos que foram exibidos para toda a comunidade

escolar e convidados em data previamente agendada para as comemorações do

“Dia da Consciência Negra”.

Nesse evento foi exibido o filme: Amistad. A história remonta ao ano de 1839

e é baseada em fatos verídicos que ocorreram a bordo do navio La Amistad. O filme

relata a luta de um grupo de cidadãos africanos que foram capturados e

escravizados em território americano, desde a sua revolta até seu julgamento e

libertação.

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Através desta trama de forte conteúdo emocional, é possível conhecer as

condições de captura e transporte de escravos africanos para os trabalhos na

América do Norte, a máquina jurídica americana de meados do século XIX e o

nascimento dos primeiros movimentos e organização de ideias e medidas para a

aboliçãoão da escravatura naquele território.

Também foram apresentados alguns episódios da série Cidade dos Homens,

que é o título de uma série de teledramaturgia exibida pela Rede Globo durante

quatro temporadas, entre 15 de outubro de 2002 e 16 de dezembro de 2005. A série

ambientava-se nas favelas do Rio de Janeiro. Na trama, os dois protagonistas,

Acerola (Douglas Silva) e Laranjinha (Darlan Cunha), vivenciam dilemas próprios da

adolescência, tanto os universais quanto aqueles relativos aos problemas

específicos nas comunidades carentes do Rio de Janeiro. São temas recorrentes o

contraste entre ricos e pobres, a problemática do poder paralelo estabelecido pelo

tráfico de drogas, a violência urbana, dificuldades financeiras e a cultura das favelas.

Após a exibição dos episódios foram debatidas as seguintes questões com

todas as séries do Ensino Médio, o que fortaleceu o debate e também o desejo de

participar do projeto:

a- De que forma as situações de discriminação racial ou tratamento

diferenciado aparecem no filme, de forma natural, comum ou como se fosse algo

fora da realidade, absurdo?

b- Os dois garotos são de famílias humildes, classes trabalhadoras, mas recebem

tratamento diferenciado quando vão às lojas da cidade, por quê?

c- É possível estabelecermos comparações entre as situações de discriminação

relatadas no filme com as que ocorrem em nosso cotidiano?

Outra atividade muito importante para o desenvolvimento e sucesso do

projeto foi a apresentação de algumas peças teatrais, com a ajuda de professores

de disciplinas já citadas. Seguem alguns excertos dos textos utilizados para a

realização do teatro:

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Essa negra Fulô (adaptação de poesia de Jorge Mateus de Lima)

Essa poesia, sem dúvida uma das mais conhecidas do poeta modernista

alagoano, Jorge Mateus de Lima, que aborda o relacionamento entre o senhor

branco e sua escrava, uma questão fundamental na formação do povo brasileiro, foi

encenada por um grupo de alunos do Ensino Médio.

Ora, se deu que chegou(isso já faz muito tempo)No bangüê dum meu avôUma negra bonitinhaChamada negra Fulô.Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!Ó Fulo! Ó Fulo!(Era a fala da Sinhá)__Vai forrar a minha cama,Pentear os meus cabelos,Vem ajudar a tirarA minha roupa, Fulô!(De Nicola, José, 1998, p.186)

Menina Bonita do Laço de Fita (Ana Maria Machado)

O coelhinho branco quer ter uma filha pretinha como aquela menina do laço

de fita. mas ele não sabe como a menina herdou aquela cor.

Era uma vez uma menina linda, linda.

Os olhos pareciam duas azeitonas pretas brilhantes, os cabelos enroladinhos

e bem negros.

A pele era escura e lustrosa, que nem o pelo da pantera negra na chuva.

Ainda por cima, a mãe gostava de fazer trancinhas no cabelo dela e enfeitar com

laços de fita coloridas. Ela ficava parecendo uma princesa das terras da áfrica, ou

uma fada do Reino do Luar.

E, havia um coelho bem branquinho, com olhos vermelhos e focinho nervoso

sempre tremelicando. O coelho achava a menina à pessoa mais linda que ele tinha

visto na vida.

E pensava:

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- Ah, quando eu casar quero ter uma filha pretinha e linda que nem ela...

Por isso, um dia ele foi até a casa da menina e perguntou:

- Menina bonita do laço de fita, qual é o teu segredo para ser tão pretinha?

O Terrível Capitão do Mato (Luís Carlos Martins Pena)

Conta a história de um vizinho e de um jovem apaixonado que tentam tudo

para enganar um terrível capitão do mato que sai atrás de escravos fugidos,

deixando trancadas em casa sua mulher e filha. Trajetória de André Camarão, um

homem de instintos violentos que trancafiava sua mulher e a filha a sete chaves.

Depois encontra os algozes de sua possível desgraça: um disfarçado de negro e

outro que entram pelo telhado.

Graciliano Ramos e o Brasil dos anos 30".

Uma apresentação envolvendo a biografia de Graciliano Ramos, dados e

imagens sobre os problemas sociais da região Nordeste e do Brasil, dados e

imagens sobre o romance de 30 e suas principais características, e, finalmente,

dramatização de falas de Graciliano Ramos e seu primeiro contato com a Justiça, e,

para concluir, a dramatização de cenas do romance São Bernardo, enfatizando os

desmandos de Paulo Honório, sua prepotência de fazendeiro, cuja relação com os

empregados e amigos fundamentava-se na exploração e domínio.

Foram trabalhadas as letras e vídeos de algumas músicas, destacando

“Olhos Coloridos” (Sandra de Sá) que foi apresentada por dois grupos em versões

diferentes, para os períodos matutino e noturno, e acabou contagiando toda a escola

por conta dos ensaios. No dia da apresentação a escola toda já cantava e dançava

ao som da música. O grupo que apresentou no período matutino foi convidado a se

apresentar em outra escola do município, fazendo com que o interesse dos alunos

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em participar no desenvolvimento do projeto aumentasse e também sua autoestima

por se sentirem importantes e reconhecidos por sua criatividade e desempenho no

colégio. Os alunos do período noturno gravaram em vídeo e postaram em sites de

relacionamento na internet Imagem 251.mpg ,o que possibilitou o acesso a algumas

atividades por outras pessoas que não fizeram parte do projeto. Seguem alguns

trechos das músicas analisadas:

O racismo é burrice, mas o mais burro não é o racista.É o que pensa que o racismo não existeO pior cego é o que não quer ver...E de pai pra filho o racismo passaEm forma de piadas que teriam bem mais graçaSe não fosse o retrato da ignorânciaTransmitindo a discriminação desde a infância (Gabriel, o pensador. Cd: MTV ao vivo, 2003)

Nessa letra Gabriel fala do “mito da democracia racial”, denuncia a maneira

como esta concepção ideológica vem sendo transmitida à sociedade, difundindo o

“racismo à brasileira”, que se fundamenta na negação do preconceito e da

discriminação.

Olhos Coloridos – Sandra de SáCD: Sandra S. (2001)Composição: Macau...Você ri da minha roupaVocê ri do meu cabeloVocê ri da minha peleVocê ri do meu sorriso

Sorriso NegroDona Ivone Lara

Um sorriso negro, um abraço negro.Traz... FelicidadeNegro sem emprego, fica sem sossegoNegro é a raiz da liberdade.

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(Um sorriso negro...).

As atividades propostas após ouvir e cantar as músicas giraram em torno de

debates a respeito dos vídeos e da letra das canções. Saber o que eles realmente

consideram tratamento diferenciado e discriminação racial, ainda coletar e gravar

depoimentos e opiniões.

Também se analisou como o preconceito está incutido em nosso cotidiano. Às

vezes, de forma sutil, em outras, escancarado, no uso das palavras, xingamentos,

piadas e outros mais. Além disso, como está articulado às questões sociais e sua

hierarquia a fim de proporcionar a manutenção do poder à classe dominante,

preferencialmente, sem ser questionada.

Devido ao envolvimento de toda a comunidade escolar nos três períodos,

não foi possível apresentar todos os vídeos e documentários elaborados na semana

de novembro em que se comemora o dia da consciência negra. Muitos foram

apresentados apenas em algumas turmas após a data das apresentações gerais,

mais surtiram ótimo efeito e foram de muito boa qualidade. Concluir essa etapa de

apresentações foi fundamental para que os alunos se sentissem valorizados,

capazes e orgulhosos por participarem efetivamente desse trabalho, levantando sua

autoestima e incentivando-os a participar sempre. Vale destacar que todos os

alunos se envolveram de alguma forma e que em nenhum momento foi priorizada a

participação pela cor da pele, o que nos deu liberdade de trabalho.

Após as apresentações o debate continuou em sala de aula e pôde-se

constatar que a postura e os pensamentos já se mostravam de forma diferenciada.

Os alunos levantaram questões de discriminação não apenas racial, mas social, e

não só contra os negros, mas as infinitas formas de discriminar que presenciamos

no cotidiano escolar e na sociedade. Infelizmente, muitas vezes, tratamos como se

fosse algo comum ou apenas brincadeira. No entanto, na realidade, se trata de

brincadeiras maldosas, que deixam marcas profundas e retratam a nossa sociedade

arcaica e preconceituosa, em que um ser humano, para se autoafirmar, humilha

outras pessoas, ofende e desqualifica para se mostrar superior.

A última etapa do processo de implementação, consistia, após as discussões,

lançar a seguinte pergunta: Como nós podemos influenciar para que isso não ocorra

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mais ou que postura tomar diante de tais situações para que as mesmas não se

repitam?

As respostas vieram aos montes de forma pouco elaborada, sem muito tempo

para pensar, mas a proposta foi que refletíssemos sobre o assunto e depois

apresentássemos ideias a respeito. E várias foram as sugestões. Sabemos da

necessidade de nós, educadores, trabalharmos tais questões de sermos os

responsáveis em dar o pontapé inicial, orientar, trazer sugestões e também mostrar

as vias legais para que os atos de preconceito e discriminação sejam combatidos

independente de onde ocorram.

Segue alguns depoimentos de professores e pessoas da comunidade escolar

acerca da importância de se discutir o preconceito na escola.

“O preconceito vem do lugar em que a pessoa mora, aparência física e classe social.

Um exemplo é a cidade de Sarandi que sofre tantos preconceitos. Todo ato de

criminalidade que ocorre nas cidades perto de Sarandi são jogada a culpa em

quem? É claro, nos moradores de Sarandi, isso é preconceito e, não podemos

admitir isso. Sarandi não é mais e nem menos do que qualquer outra cidade, temos

direitos e deveres iguais, por isso, devemos valorizar o comércio de Sarandi,

deixando de dar lucro as empresas de Maringá fazendo nossas compras lá”.

(Renata A. de Alcântara).

“Estou farta das piadinhas sem graça, dos torceres de nariz, e, sobretudo da

interrupção nos diálogos com pessoas extremamente preconceituosas, pessoas que

só veem a minha cidade pela ótica apresentada pelos meios de comunicação de

massa. Sarandi não é a cidade do crime, da violência, do desemprego, das drogas...

O que há aqui também há em outras cidades, inclusive em Maringá. Estou farta!

Mas continuarei respondendo com muito orgulho quando questionarem onde moro:

‘Sou de Sarandi’!”

(Érica Antonia Caetano, ex aluna do Colégio Independência, atualmente mestranda em Estudos Literários na UEL).

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Acredito que o desenvolvimento de projetos que abordem a temática do preconceito,

ou “violência simbólica” e suas diversas formas de manifestação é imprescindível, se

pretendemos uma sociedade igualitária. Nesse sentido, os educadores,

comprometidos com a formação de alunos como futuros agentes de transformação

social, têm um papel fundamental. Assim, reconhecer a desigualdade é um passo

importante, para que a mesma não seja naturalizada. Também é necessário apontar

caminhos que permitam desvelar o preconceito e, ao mesmo tempo, combatê-lo.

Desta forma, o projeto implementado pela professora Cleusa Batista sobre esta

temática, se configura num destes caminhos em favor da luta contra toda forma de

discriminação. (Professora Edna Mariucio Aranha).

A participação efetiva dos alunos deixa clara a necessidade que os mesmos

têm de serem ouvidos, de expressar suas opiniões e também de questionar o que é

certo ou errado dentro dos parâmetros legais de cidadania. E, dessa forma, se

sentirem melhor preparados para agir e reagir conforme as situações e

necessidades se apresentam, em seu cotidiano.

5 Considerações finais

Foi extremamente gratificante realizar esse projeto, pois se trata de um tema

que me encanta e envolve. Os alunos tiveram uma receptividade muito boa o que

facilitou e muito para que as atividades propostas fossem realizadas a contento e

para que fossemos muito além do que foi proposto no projeto inicial.

Por se tratar de um tema que engloba toda a sociedade, sua formação

familiar, religiosa e social, sabemos que o assunto enfocado não apresentará

resultados imediatos, pois é necessário desconstruir alguns valores que estão no

imaginário popular e reconstruir valores básicos de igualdade, de convivência em

grupo de forma harmoniosa em busca do respeito mútuo a fim de que as mudanças

comecem a acontecer em nosso dia a dia.

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Avaliar o aluno nesse processo não é tarefa simples. O objeto principal é

fazer com que ele perceba como as relações sociais acontecem, como o processo

de dominação é legitimado e, principalmente, saber que nós, cidadãos brasileiros,

podemos e devemos mudar essa situação de dominador e dominado com base em

preconceitos e ideologias que apregoam ser uma raça superior à outra.

A melhor forma de avaliar se o processo ensino-aprendizagem ocorreu de

forma eficaz é continuar observando o histórico social desses jovens, suas posturas

diante dos fatos, como eles se veem na sociedade.

Trata-se de uma nova forma de olhar, uma outra atitude, dessa vez, crítica,

não apenas de acreditar em destino e ser conformista.

Ficou evidente a importância deste trabalho, por meio dos pedidos e

sugestões dos alunos quando foram questionados acerca da necessidade de

darmos continuidade ao processo nos próximos anos letivos. Obviamente, que

devemos considerar o tempo necessário para que cada um assimile de forma

natural e também possibilitar, aos alunos que ingressam em nossa comunidade

escolar, a participação no processo de conscientização, aprendizagem e formação

de novas bases de convivência. Ressaltando também que ao conseguirmos

estabelecer novas bases de convivência em comum acordo com a comunidade

escolar, muitos problemas que enfrentamos serão, se não solucionados,

amenizados, tais como brigas, provocações, bullying, e outras formas de violência.

Com relação à notícia que foi citada inicialmente, sobre uma denúncia

relatando uma situação de preconceito e discriminação sofrida por moradores de

Sarandi no município de Maringá, o processo está em trâmite e até ultimas

informações foi solicitado um acordo, por parte da representação da empresa, em

que as pessoas envolvidas receberiam uma determinada cifra por terem sido

expostas àquela situação vexatória e de calúnia. Porém, o acordo não foi

concretizado e o processo está em terceira e última instância de julgamento.

É muito importante acompanharmos o desenrolar dos fatos para que o

mesmo não se repita e também para que as pessoas estejam cientes da gravidade

de seus atos e das possíveis sansões a que se dispõem quando, de alguma forma,

dão a uma ou a um grupo de pessoas tratamento diferenciado e discriminatório,

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avaliando-as por sua aparência, ou seu lugar de origem, sem que qualquer ato que

desabone sua conduta tenha sido cometido.

Acredito que o projeto foi bastante proveitoso e útil para nossa escola, e abriu

novos caminhos e possibilidades para que todos exerçam sua cidadania de forma

soberana, sem temores e conscientes de seus deveres e direitos no ambiente

escolar favorecendo, assim, um relacionamento de igualdade e respeito mútuo.

6 Referências

BENTO, Silva Aparecida Maria. Cidadania em Preto e Branco Discutindo as

Relações Raciais, São Paulo: Ática, 1999.

MUNANGA, Kabengele. Superando o Racismo na Escola, Brasília, DF, Ministério

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2005.

NICOLA, José de. Língua, Literatura & Redação. Ed.rev. e ampl. São Paulo:

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NOGUEIRA, Oracy. Tanto preto quanto branco. Estudos de relações raciais. São

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PARANÁ. Diretrizes Curriculares de Geografia. Curitiba: SEED, 2008

PARANÁ. Deliberação 04/06, Normas Complementares às Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicas Raciais e para o

Ensino da História e Cultura Afrobrasileira e Africana. Curitiba: Conselho

estadual de Educação.

SANTOS, Milton. Metamorfose do Espaço Habitado. São Paulo: Hucitec, 1994.

UTSUNOMIYA, Elaine. Denunciado o preconceito contra sarandienses. O Diário

do Norte do Paraná: Maringá, 21 dez. 2006. PR 1.