da escola pÚblica paranaense 2009 · assim, será apresentada uma breve retrospectiva histórica...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
1
O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE CIÊNCIAS – CONTRIBUIÇÕES
DA ABORDAGEM HISTÓRICA
Maria Luiza Vettorazzi dos Santos1
Hilário Lewandowski2
RESUMO:
O presente estudo teve como sujeitos os professores de Ciências do Colégio Estadual Alberto de Carvalho, situado no Município de Prudentópolis – PR, que contribuíram com o relato de suas práticas docentes no sentido de evidenciar os pontos favoráveis da abordagem histórica no processo de ensino-aprendizagem de Ciências. O entendimento histórico deve ser considerado, portanto, como um dos suportes às novas dimensões da ciência e do ensino desta disciplina a fim de que a mesma não se torne fragmentária, manipulativa e puramente instrumental. Diante disso, o presente artigo tem como objetivo apresentar os aspectos históricos que envolvem a disciplina de Ciências através de uma pesquisa bibliográfica e exploratória. São considerados aqui, os momentos históricos pelos quais atravessou o ensino de Ciências no Brasil e no mundo. Através dos resultados obtidos, percebe-se que os professores concordam com a importância da abordagem histórica nas aulas de Ciências, mas nem sempre a utilizam seja por falta de embasamento ou pela ausência deste tópico no Projeto Político Pedagógico escolar. Palavras-chave: abordagem histórica, ensino de Ciências, processo de ensino-aprendizagem.
ABSTRACT
The present study had as citizens the teachers of Sciences of the Alberto de
Carvalho school, situated in the City of Prudentópolis-PR, they have contributed with
the story of its practical in the direction to evidence the favorable points of the
historical boarding in the process of teach-learning of Sciences. The historical
agreement must be considered, therefore, as one of the supports to the new
dimensions of science and the education of this it disciplines so that the same one if
does not become fragmentary, manipulative and purely instrumental. The present
article has as objective to present the historical aspects that involve, the subject of
Sciences through a bibliographical and exploratory research. It has been considered
here, the historical moments for which crossed the education of Sciences in Brazil
and the world. Through the gotten results, one perceives that the teachers agree to the importance of the historical boarding to the lessons of Sciences, but nor always
they use it either due to basement or for the absence of this topic in the Project to
school Pedagogical Politician.
Word-key: historical boarding, education of Sciences, process of teach-learning.
1 Professora de ciências do Colégio Alberto de Carvalho - Prudentópolis –PR. Professora participante do PDE
2009- titulada - formada em ciências pela UEPG. 2 Professor Dr.Departamento de Engenharia Ambiental-UNICENTRO-PR
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1 INTRODUÇÃO
A ciência faz parte da gênese humana, pois desde os tempos primitivos, antes
mesmo da descoberta do fogo, o homem já se interessava pelos fenômenos
circundantes, reconhecendo neles a oportunidade de satisfazer suas necessidades
de sobrevivência. Segundo Chassot, (2004) na perspectiva de sua evolução
histórica, a ciência foi marcada por importantes processos, da mesma forma, o
ensino desta disciplina sofreu mudanças cuja investigação histórica não somente
abre espaço para compreensão daquilo que existe agora, mas também apresenta
um leque de possibilidades. O conhecimento da história da Ciência torna explícita a
visão do processo evolutivo do pensamento humano ao relacionar essa história com
as práticas sociais vivenciadas no cotidiano. Ela pode, sob essa ótica, segundo
Matthews (2005, p. 165), “humanizar o conhecimento científico e aproximá-lo dos
interesses pessoais, éticos, culturais e políticos da comunidade”.
Ao abordar este assunto como tema ou como disciplina no ensino de ciências,
o professor poderá tornar suas aulas mais significativas, desafiadoras e reflexivas,
levando o educando a desenvolver uma consciência crítica. Além disso, a História da
Disciplina de Ciências pode ser um lugar onde o professor busca inspiração para
definir conteúdos essenciais, seqüências de conteúdos, metodologias, em fim,
refletir sobre sua ação pedagógica.
O convívio com educadores e a prática diária, tem demonstrado que a falta de
discussão e reflexão sobre a História da Disciplina de Ciências tem deixado uma
lacuna no processo de ensino aprendizagem, principalmente quando se tem por
objetivo formar cidadãos. Neste sentido, contribui o fato dos textos de História da
Ciência disponíveis para consulta, dificilmente se adaptarem às necessidades
específicas do ensino na escola fundamental, talvez porque não reúnam
simultaneamente, de modo sintético e numa linguagem acessível, os diferentes
aspectos que o professor pretende discutir em sala de aula. Somado a questão
bibliográfica este fato de que a maioria dos professores encontra dificuldades em
incorporar em sua prática pedagógica os objetivos e fins pedagógicos da História da
Disciplina de Ciências.
Diante do exposto e levando em consideração os vários fatores que
contribuem e travam a realização de um trabalho mais produtivo, onde se explore
todo a contribuição pedagógica que esta disciplina contém, o presente trabalho
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busca dar subsídios a prática pedagógica do ensino de ciências a partir de sua
abordagem histórica como forma de torná-la mais autêntica e significativa.
O presente trabalho leva em consideração os princípios político-pedagógicos
da SEED sendo norteado pelas Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná. O
desenvolvimento tomará como base o método de pesquisa bibliográfica, que
segundo Lakatos e Marconi (1987, p. 66), trata-se do levantamento, seleção e
documentação da bibliografia já publicada sobre o assunto. O projeto será
implementado no Colégio Estadual Alberto de Carvalho, no município de
Prudentópolis – PR com todos os professores de Ciências da referida escola.
2 PRIMEIRAS CONTRIBUIÇÕES PARA A HISTÓRIA DA DISCIPLINA DE
CIÊNCIAS
Uma das primeiras proposições para se ensinar Ciências numa perspectiva
histórica foi empreendida por Francis Bacon, no século XVII. Nas origens da Ciência
moderna, Bacon reclamava que: “nunca nenhuma ciência foi ensinada seguindo o
caminho de sua elaboração”. (PEREIRA, 2002 citado por MERTON, 1984, p. 267).
Bacon queria criar um ensino de Ciências fundamentado sobre a história das
Ciências.
Ao considerar a ciência como um elemento do universo cultural, deve-se levar
em conta que ela possui uma história. A produção do conhecimento científico está
relacionada com os diversos momentos históricos do seu surgimento, durante os
quais recebe influências das instâncias econômicas, políticas, sociais, religiosas,
entre outras; e exerce, simultaneamente, sobre elas, a sua influência.
A abordagem histórica do ensino de Ciências permite perceber que a ciência
é construída por homens e mulheres, sujeitando-se a conjunturas temporais, sociais
e políticas. Oferece, ainda, a visão de que o conhecimento científico interfere no
avanço tecnológico e, conseqüentemente, no meio físico e social em que os
cientistas se encontram inseridos. No contexto histórico da produção desse
conhecimento científico, é possível localizar a discussão acerca das interações e
contradições entre ciência, tecnologia e sociedade.
Dessa forma, apenas uma perspectiva epistemológica abrangente sobre o
processo de ensino-aprendizagem de Ciências permite a compreensão dos
complexos fatores que determinaram alterações profundas no significado da escola
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e do ensino das Ciências. Tais transformações não podem ser integralmente
compreendidas, se isoladas do contexto em que se inserem.
O ensino de Ciências tem sido questionado, repensado e refletido em
simpósios, congressos, encontros, livros, teses, artigos e discussões entre
professores e profissionais da área durante vários anos.
É impossível interpretar a situação atual ou mobilizar transformações que
possam vir a se efetivar, sem considerar os vários aspectos do sistema educacional,
da escola e de seus determinantes e como estes influem no currículo.
Assim, será apresentada uma breve retrospectiva histórica do ensino de
Ciências, seguindo uma ordem cronológica, pela qual se pretende assinalar
aspectos de um processo evolutivo em que muitos elementos vão se somando, a
cada época.
Segundo Nardi (2005), foi no final da década de 40 e início da década de 50
que começaram a surgir, no Brasil, ações significativas sobre o ensino de Ciências.
Nesse período, surge o IBECC – Instituto Brasileiro de Educação Ciência e Cultura,
apontado pelo autor como um dos marcos importantes na constituição do ensino de
Ciências, ao implantar, no país, diversos projetos nessa área.
Barra e Lorenz (1986), ao estudarem a produção de materiais didáticos, no
Brasil, apontam que o IBECC, a FUNBEC – Fundação para o Desenvolvimento do
Ensino de Ciências, e o PREMEN – Projeto Nacional para a Melhoria de Ensino de
Ciências foram de fundamental importância no desenvolvimento do movimento
curricular ocorrido no país entre os anos de 1950 e 1980. Segundo estes autores,
desde a instituição do ensino público secundário no Brasil, em 1838, até o período
anterior a 1950, os livros utilizados no Brasil “refletiam o que havia de melhor no
pensamento europeu sobre o ensino de ciências” e “não só estabeleciam os
conteúdos a serem ensinados como influíam também na metodologia empregada
pelos professores em sala de aula”.
Esse quadro muda a partir de 1946, com a instalação do IBECC, quando as
instituições nacionais tomaram liderança no desenvolvimento dos materiais didáticos
na área do ensino de Ciências. A instalação do IBECC proporcionou a implantação
de projetos de apoio a atividades escolares, como feiras de ciências, museus e
clubes de Ciências, pesquisas e treinamento de professores.
O período de 1950 a 1960, refletindo a situação do mundo ocidental após a
Segunda Guerra Mundial, foi decisivo para a consolidação do ensino de Ciências. O
processo de industrialização e de desenvolvimento científico e tecnológico que
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marcaram a década não poderia deixar de engendrar manifestações no Currículo
escolar.
Krasilchik (1987, p. 11) salienta que em 1959, iniciou-se um movimento de
renovação do ensino de ciências, motivado pelo progresso científico soviético,
especialmente simbolizado pelo lançamento do Sputnik, em 1957. Esse sucesso
técnico-científico, na percepção de muitos cientistas, colocou a União Soviética em
primeiro lugar na corrida espacial. O resultado foi que alguns educadores de países
ocidentais passaram a questionar, seriamente, o ensino científico desenvolvido em
suas escolas, em virtude da aparente superioridade soviética na área das ciências.
Organizações internacionais patrocinaram encontros para debates e estudos sobre o
ensino das ciências e, principalmente, sobre a necessidade de elaborar novos textos
para diminuir a distância entre os países ocidentais e a União Soviética. A partir
destes encontros, segundo Nardi (2005), resultaram grandes projetos curriculares,
com a produção de materiais didáticos inovadores, tais como: Biological Science
Curriculum Study (BSCS), Physical Science Curriculum Study (PSSC), Project
Harvard Physics, Chem Study e Chemical Bond Approach (CBA). Na Inglaterra, a
Fundação Nuffield também financiou projetos para o ensino de ciências. Esses
projetos foram a resposta dada pelos Estados Unidos e pela Inglaterra à suposta
superioridade do ensino científico nas escolas secundárias soviéticas.
Krasilchik (1980) assinala a importância da implantação, em 1961, da nova
Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que revogou a obrigatoriedade de adoção
dos programas oficiais e proporcionou maior liberdade às escolas, na escolha dos
conteúdos a serem desenvolvidos. Assim, “o IBECC cumpriu o programa de
atividades estipulado pela Fundação Ford graças às modificações ocorridas no
sistema brasileiro de ensino no início da década de 60”.
A nova lei apresentou ao IBECC uma excelente oportunidade de introduzir,
nas escolas brasileiras, os materiais já adotados em outros países. Esses materiais
foram elaborados com base no conceito de ciências como um processo de
investigação e não só como um corpo de conhecimentos devidamente organizados.
Apoiado, assim, em sua tentativa de utilizar o livro didático como meio de
transformar e renovar o ensino de ciências, a partir da modificação do
comportamento de professores e alunos em sala de aula, o Instituto promoveu a
tradução e adaptação dos novos projetos americanos, subvencionados pela
Fundação Ford. A efetivação de tal compromisso, no entanto, foi dificultada pelo fato
de os editores brasileiros, sem garantia de venda, manifestarem pouco interesse na
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publicação desses materiais. Para solucionar tal impasse, o IBECC firmou um
convênio com a Universidade de Brasília, visando à publicação dos textos traduzidos
e adaptados pelo Instituto. O convênio foi firmado com o auxílio da United Agency
for International Development (USAID), que se comprometeu a financiar os 36.000
primeiros exemplares publicados. O acordo estipulou, ainda, as bases financeiras do
convênio: 10% dos royalties seriam destinados ao IBECC, que, por sua vez,
atribuiria a metade, ou seja, 5%, aos autores, a título de pagamento pelos direitos
autorais (MAYBURY, 1975, apud BARRA e LORENZ, 1984, p. 1973).
Os projetos curriculares para o ensino de Ciências alteraram os programas da
disciplina nos Estados Unidos e, posteriormente, acarretaram modificações em
países europeus e em outras regiões influenciadas por estas metrópoles culturais.
Essas idéias chegaram ao Brasil sob a forma de diversos currículos para o
ensino de Ciências, como o BSCS (Biological Sciences Curriculm Study) e IPS
(Introduction to Physical Sciences), que foram traduzidos e adaptados pelo IBECC
(Instituto Brasileiro de Educação Ciência e Cultura) e influenciaram diretamente o
trabalho dos Centros de treinamento para professores de Ciências.
Em 1958, foi organizado pelos matemáticos dos Estados Unidos o SMSG
(School Mathematics Study Group). Em 1959, membros da American Chemical
Society encontraram-se com Glenn Seaborg, prêmio Nobel de Química, e pediram a
ele que organizasse o desenvolvimento de um moderno curso de Química para a
escola secundária. Em resposta a essas atividades, o Comitê de Educação da AIBS
(American Institute of Biological Sciences) e o seu diretor, Hiden Cox, deram
atenção preponderante ao papel que o instituto deveria desempenhar na elaboração
de um programa educacional para as Ciências biológicas, do qual resultou o BSCS
(Biological Science Curriculum Study).
Através dos tempos, o ensino de Ciências vem sendo afetado pelas reformas
curriculares ocorridas em países como os Estados Unidos, a partir de trabalhos
como o de Jerome Bruner, da Universidade de Harvard, que publicou, em 1960:
“The Process of Education”, um livro de pouco mais de 90 páginas, que deu margem
a intensas discussões e ao desenvolvimento das idéias que determinaram a reforma
do ensino de Ciências nos Estados Unidos.
No período que compreende 1960 e 1970, muitos acontecimentos marcaram
o ensino de Ciências na esfera mundial. Uma das mais importantes transformações
ocorridas a partir dos anos sessenta, na estrutura curricular do ensino de Ciências,
deveu-se às novas conjunturas políticas e sociais que se desenvolviam naquela
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época, desencadeadas, principalmente, pela Guerra Fria.
Nesse período, os grandes projetos passaram a incorporar mais um objetivo,
como aponta Krasilchik (1987, p. 9):
Permitir a vivência do método científico como necessário à formação do cidadão, não se restringindo mais apenas à preparação do futuro cientista. Esta nova postura marca uma diferença fundamental em relação às etapas anteriores. Começava-se assim, a se pensar na democratização do ensino destinado ao homem comum, que tinha que conviver com o produto da Ciência e da tecnologia e do qual se requeria conhecimento, não apenas como especialista, mas também como futuro político, profissional liberal, operário e cidadão.
Sob essa ótica, o objetivo do processo passa a ser o homem comum, que
precisa estar habilitado a tomar decisões e resolver os problemas cotidianos
ocasionados pela sua vivência em sociedade; exercendo, assim, a cidadania de
modo efetivo.
Nesse período, segundo Fracalanza (1993), os primeiros projetos curriculares
surgidos nos anos 60 atingiram o seu auge e passaram a inspirar mudanças que
influenciaram não só o ensino de Ciências, mas a educação de um modo geral.
Instituições internacionais, como a UNESCO, organizaram planos de ação da
seguinte forma: intensificaram seus programas destinados a estimular a melhoria do
ensino de Ciências no nível pré-universitário, em países em desenvolvimento.
Na composição das organizações destinadas a elaborar projetos curriculares,
formaram-se grupos temporários de cientistas e professores secundários que,
sediados, não raro, em Universidades ou Institutos de Pesquisas, preparavam um
conjunto de materiais, visando à melhoria do ensino de Ciências.
Além da produção de materiais para ensino, atividades acadêmicas ligadas
aos cursos de graduação e de pós-graduação em ensino de Ciências eram incluídas
em seus programas.
A partir dos programas iniciais, os organizadores dos projetos curriculares
passaram a diversificar suas atividades, elaborando recursos que implementassem o
ensino de maneira significativa. Todavia, segundo Krasilchik (1987), verificou-se que
apenas a produção de material de laboratório diversificado não seria o suficiente
para a transformação e melhoria do ensino de Ciências. Houve, então, nesse
período, uma intensificação dos cursos de atualização e treinamento de professores.
O desenvolvimento da psicologia cognitivista tornou esse período significativo
à evolução do ensino, pois, com a publicação da obra de Bruner: O Processo de
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Educação (resultado de estudos realizados em 1959) analisaram-se temas como: “a
seqüência de um currículo para o ensino, a motivação para o aprendizado, o papel
da intuição no aprendizado e raciocínio e processos cognitivos no aprendizado”.
(BRUNER, 1963, p. 7)
Concomitantemente, começou a despontar uma segunda geração de projetos
em países igualmente preocupados com a melhoria do ensino de Ciências. Tratava-
se de um grupo dotado de uma base cultural e de um sistema educacional que não
se ajustavam ao programa norte-americano, porque iam contra a disseminação das
relações de subordinação – entre indivíduos, classes sociais, regiões e nações – e a
manutenção das relações de poder existentes, que sempre nortearam o ensino,
através das ideologias hegemônicas.
No período de 1970 a 1980, o mundo continuava agitado pelos
acontecimentos de ordem sócio-econômica, tendo, como um dos sintomas mais
nítidos do processo, a crise energética.
O objetivo de fazer com que os alunos discutissem também as implicações
sociais do desenvolvimento científico, passou a constituir a nova ênfase dos projetos
curriculares, evidenciando a influência dos problemas sociais, que se intensificaram
na década de setenta e determinaram um novo momento de expansão das metas do
ensino de Ciências.
A questão das agressões ambientais decorrentes da industrialização
desenfreada resultou no interesse pela educação ambiental, pela análise de valores,
e, em conseqüência, no reconhecimento de que a Ciência não é neutra. Passou-se,
então, a questionar os fins da educação de um modo geral e, em decorrência, da
educação científica especificamente.
No período de 1980 a 1985, a crise econômica e social afetou a maioria dos
países subdesenvolvidos, acarretando desdobramentos educacionais, como aponta
Krasilchik ( 1987, p. 21): “as transformações sociais impõem à escola, cada vez mais
funções que lhe vão sendo superpostas, sobrecarregando-a a ponto de dispor cada
vez menos de meios e materiais, o que afeta principalmente as condições de
trabalho dos professores”.
Com o pretexto de restituir à escola a sua qualidade, começam a ocorrer
manifestações e reformas, em sua maioria, de origem governamental. Dentre elas, a
mais notável foi à reforma francesa de 1985 que, de acordo com seu autor,
Chevenement, admite que: “no centro da competição econômica internacional está o
combate de cada nação para dominar a mutação tecnológica com a qual todos nos
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confrontamos”. (CHEVENEMENT, 1985, p. 8, citado por KRASILCHIK, 1987, p. 21).
Alguns temas são constantes nas propostas para a melhoria do ensino de
Ciências nesse período, tais como as relações entre indústria e agricultura, ciência e
tecnologia. Não se descarta a educação ambiental e a educação para a saúde, cujas
conexões com esses temas básicos são bastante claras e, portanto, merecem a
atenção dos educadores. No entanto, nem sempre o tratamento de tais temas foge à
conotação ingênua e puramente naturalista de observação da fauna, da flora e dos
fatores abióticos. Em alguns momentos, toma lugar um estudo desarticulado do
exame das causas econômicas e das conseqüências do uso indiscriminado do
ambiente nas atividades industriais e agrícolas.
A par dessas concepções, desenvolvem-se novos instrumentos, tais como
jogos e o uso dos computadores no ensino, visando promover a busca de soluções
para a melhoria do mesmo e abrir espaço para a pesquisa e a implementação de
novas metodologias.
Neste início do século XXI, as iniciativas para o alcance da melhoria do
ensino têm aparecido na forma de diversos estudos que, contemplando as antigas
conquistas, procuram mapear novos caminhos para a consecução de um ensino de
Ciências mais conectado com as novas demandas do mundo contemporâneo, bem
como com as necessidades e interesses dos educandos, candidatos ao exercício
efetivo da cidadania. Dentre esses, destaca-se a importância de relacionar,
diretamente, os conhecimentos teóricos e práticos, ministrados nas aulas de
Ciências.
Neste contexto, Tavares (2005) destaca um cenário em que aulas e práticas
de laboratório são quase ausentes do dia a dia do educando. Há uma excessiva
preocupação com receitas para soluções de problemas que fogem de um contexto
real, calcado no cotidiano do estudante, mas que norteiam os processos de seleção
para ingresso no ensino superior; resultando conseqüências ao ensino, de tal forma
que Santos (1999), em obra citada por Teixeira (2003), relata:
Tudo se passa como se fazer ciência fosse algo desconectado da realidade, como se o saber científico não tivesse raízes em meios sociais e ideológicos, como se a produção científica nunca respondesse a motivações sócio-políticas e/ou instrumentais, como se não contemplasse temas da atualidade, como se não tivesse utilidade social ou essa utilidade se restringisse a uma porta de acesso a estudos posteriores.
Sabe-se que muitos esforços ainda deverão ser empreendidos e
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compreende-se que essa não constitui uma tarefa fácil, mas há que se acreditar na
utopia e tentar transformá-la em realidade, porque além da necessidade de manter
os pés no chão, só uma consciência faz a diferença: a consciência de que ousar é
preciso.
2.1 CONTEXTUALIZANDO O ENSINO DE CIÊNCIAS NO BRASIL
No Brasil, os currículos da área de Ciências sofreram intensas modificações
nas últimas décadas, exemplificando um significativo movimento educacional nos
diversos níveis de escolaridade. Tais modificações não poderiam deixar de ser
reflexos dos acontecimentos sócio-econômicos, históricos e políticos que imperaram,
mundialmente, nesses períodos. Dessa forma, tratar-se-á, aqui, da contextualização
do ensino de ciências no Brasil, concomitantemente com os períodos de mudanças
significativas ocorridas no restante do mundo.
No período de 1950 a 1960, a situação brasileira representa o que ocorreu em
países periféricos, profundamente atingidos pela Segunda Guerra Mundial. Essa
situação acarretou, ao cenário educacional, propostas de transformação oriundas do
manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), cujas idéias eram analisadas
para a discussão do projeto de lei sobre “Diretrizes e Bases da Educação Nacional”.
Segundo Krasilchik (1986), esta lei revogava a obrigatoriedade de adoção dos
programa oficiais, possibilitando maior liberdade às escolas na escolha dos
conteúdos.
Uma das mudanças pretendidas era substituir os chamados métodos
tradicionais por uma metodologia mais ativa, que não estivesse presa às técnicas
de:
Verbalização, aulas teóricas em que o professor explana o conteúdo, reforça as características positivas da ciência e da tecnologia, ignorando as negativas; conteúdo baseado na ciência clássica e estável do século XIX, com base em livros didáticos estrangeiros (europeus) e em relatos de experiências neles contidos, com eventuais demonstrações em sala, sempre para confirmar a teoria exposta. (DELIZOICOV e ANGOTTI, 1991, p. 25).
O ensino tradicional visava, desde a escola primária, capacitar o estudante a
prosseguir seus estudos, até sua formação no terceiro grau. Destacava-se, neste
período, o prestígio social e mesmo salarial das professoras primárias que, além de
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receberem bons salários, contribuíam com a sociedade e sua humanização,
orientando os educandos a produzirem conhecimentos significativos e facilitando a
formação das crianças, sobretudo das classes privilegiadas.
Já nessa época, um dos maiores objetivos visados era proporcionar maior
liberdade e autonomia aos alunos, para que se transformassem em agentes ativos
do processo de apropriação do conhecimento.
Krasilchik (1987, p. 7) aponta algumas das modificações para a
transformação do ensino e a extinção da passividade que até então caracterizava o
mesmo:
A expansão do conhecimento científico, ocorrida durante a guerra, não tinha sido incorporada pelos currículos escolares. Grandes descobertas nas áreas de química, física e biologia permaneciam distante dos alunos das escolas primária e média que, nas classes, aprendiam muitas informações já obsoletas. A inclusão, no currículo, do que havia de mais moderno na Ciência, para melhorar a qualidade do ensino ministrado a estudantes que ingressariam nas Universidades, tornara-se urgente, pois possibilitaria a formação de profissionais capazes de contribuir para o desenvolvimento industrial, científico e tecnológico. A finalidade básica da renovação era, portanto, formar uma elite que deveria ser melhor instruída a partir dos primeiros passos de sua escolarização.
As mudanças curriculares incluíam a substituição dos métodos expositivos pelos chamados métodos ativos, dentre os quais tinha preponderância o laboratório. As aulas práticas deveriam propiciar atividades que motivassem e auxiliassem os alunos na compreensão de conceitos.
A partir do final da década de 50, surgem novas tendências, paralelamente a
uma expansão da rede pública de ensino, determinada pela crise decorrente da
mudança do modelo político-econômico, condicionada por fortes influências
externas. Os reflexos mais marcantes deste período são os chamados “projetos de
ensino de Ciências” (DELIZOICOV e ANGOTTI, 1991).
A maioria das atividades sugeridas nesses projetos de ensino objetivava
transmitir informações de uma forma mais eficiente do que a simples exposição ou
leitura de texto. Os projetos tentavam suprir as deficiências de formação e o
desconhecimento dos docentes com relação às novas técnicas de ensino, por meio
do próprio material.
Para atender às necessidades de mudança, foram introduzidos, numa
primeira etapa, projetos americanos como o Introductory Physical Science (IPS), o
Physical Science Study Committ (PSSC), de Física, o Chemical Bond Approach
(CBA), de Química, e o Biological Science Curriculum Study (BSCS), de Biologia.
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Criaram-se, então, centros de treinamento e formação em serviço. Como a
adequação daqueles projetos estrangeiros ao Brasil era difícil, porque não
correspondiam à realidade nacional, passaram a ser produzidas, aqui, algumas
propostas voltadas ao ensino de Ciências, a partir da década de 60. Esses projetos
nacionais tiveram repercussão até meados da década de 70, período, este, que
corresponde à implementação do modelo de desenvolvimento dependente
estabelecido no país, privilegiando o capital nacional e internacional.
Três foram as principais tendências do ensino de Ciências nesse período:
Tecnicista: baseada em concepções oriundas do Behaveorismo (psicologia comportamentalista); caracterizou-se pelo uso da instrução programada, análise de tarefas, ensino por módulos, auto-instrutivos, com ênfase na avaliação, e pela aplicação de testes que procuram indicar mudanças de comportamento ao longo dos estudos;
Escola-Novista: com preocupação excessiva em ensinar o método científico e uso de uma abordagem “psicológica” dos conteúdos, resultando não raro no esvaziamento destes. Valorizava em demasiada as atividades experimentais, enfatizando o chamado “método da redescoberta” cuja concepção envolvia uma sucessão de atividades com alunos de maneira que estes imitassem o trabalho dos cientistas. Esta concepção e sua prática induziram muitos professores a correlacionar e mesmo identificar, inadvertidamente, métodos científicos e metodologias do ensino de Ciências;
Ciência Integrada: através de uma suposta integração entre as Ciências Naturais (que se ocupam de distintos objetos de investigação, cada uma com suas especificidades, e são portanto não integráveis) e excluindo as Ciências Sociais, chega quase ao esvaziamento completo dos conteúdos. Isto porque firma-se na proposta de que o professor de Ciências precisa saber quase que unicamente usar os materiais instrucionais, não necessitando ter conhecimento seguro e relativamente profundo do conteúdo a ser ensinado. Esta tendência se refletiu (e ainda se mantém presente) em muitos cursos de formação de professores de Ciências criados em todo o país a partir da implantação das chamadas licenciaturas curtas, disseminadas por um grande número de escolas privadas. (DELIZOICOV e ANGOTTI, 1991, p. 26).
Estas tendências contribuíram para uma visão de Ciência desprovida de
consciência crítica, pois não privilegiavam a reflexão e a discussão dos conteúdos e,
sim, apenas a sua transmissão por parte do professor e sua aquisição por parte do
aluno.
Após o período que compreendeu a década de cinqüenta à década de
sessenta, outras tendências se delinearam, marcando significativamente a história
da educação de um modo geral, e, particularmente, a prática pedagógica do ensino
de Ciências.
Segundo Krasilchik (1986), no período de 1960 a 1970 foram criados no
Brasil, seis Centros de Ciências por iniciativa do Ministério da Educação e Cultura.
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Esses centros foram adaptados aos diferentes contextos em que foram
estabelecidos. Em Minas Gerais, na Bahia, em Pernambuco e em São Paulo,
ficaram situados nas Universidades, mantendo fortes vínculos com a comunidade
acadêmica, apesar de servirem aos sistemas educacionais e realizarem programas
conjuntos com as Secretarias da Educação. No Rio de Janeiro e no Rio Grande do
Sul, os centros de Ciências fazem parte do sistema estadual de ensino e estão
inseridos em fundações de recursos humanos.
O desenvolvimento industrial e a propagação da Guerra Fria, no início da
década de 60, proporcionaram significativas modificações na estrutura curricular do
ensino da disciplina de Ciências, devido às transformações políticas, econômicas e
sociais que sucederam essa época.
Os projetos passaram a serem adotados como forma de permitir ao educando
vivenciar o método científico, como um conhecimento necessário à atuação cidadã;
não meramente restrito à formação de cientistas. Assim, o Brasil passou a viver um
período de liberalização política, durante o qual diversos segmentos culturais
participavam de um “grande projeto nacional” (KRASILCHIK, 1987, p. 15).
O uso dos projetos justificou-se porque se passou a considerar que, apenas
recorrendo a materiais diversificados e enriquecedores, o processo de ensino-
aprendizagem poderia se tornar eficiente. Ou seja, o uso mecanicista de livros e
conhecimentos científicos abstratos, na prática, não tinha valor, se estes não
pudessem ser compreendidos e aplicados pelos educandos, em sua vivência e
atuação social.
Assim sendo, “as equipes que formavam os primeiros projetos curriculares
cedo chegaram à conclusão de que os textos e materiais tinham que ser revistos
permanentemente, o que correspondia à necessidade de se manter grupos também
permanentes que executassem esse trabalho”. (KRASILCHIK, 1987, p. 12)
Nesse contexto, os projetos curriculares eram planejados de acordo com os
objetivos pré-estabelecidos de seus colaboradores, em uma fase denominada de
experimental. Posteriormente difundidos e aplicados, podiam ser revistos e
reelaborados sempre que necessário. Necessitava-se, então, da efetivação de um
trabalho constante junto aos sistemas educacionais e docentes.
Em 1961 foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
Lei nº 4.024 de 21 de dezembro, que, dentre outras propostas, alterava o currículo
de Ciências, ampliando seu escopo. A disciplina Iniciação a Ciência foi incluída
desde a 5ª série do Ensino Fundamental e a carga horária das disciplinas científicas,
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como Física, Química e Biologia, aumentou.
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961, o cenário escolar era,
então, dominado pelo ensino tradicional, ainda que esforços de renovação
estivessem em processo de desenvolvimento. Aos professores cabia a transmissão
de conhecimentos acumulados pela humanidade, por meio de aulas expositivas, e,
aos alunos, a reprodução das informações. Ou seja, no ambiente escolar, o
conhecimento científico era considerado um saber neutro, isento, e a verdade
científica, tida como inquestionável.
A qualidade do curso era definida pela quantidade de conteúdos trabalhados.
O principal recurso de estudo e avaliação era o questionário, ao qual os estudantes
deveriam responder, detendo-se às idéias apresentadas em aula ou no livro didático
escolhido pelo professor.
As propostas para a renovação do ensino de Ciências Naturais orientavam-
se, então, pela necessidade de o currículo responder ao avanço do conhecimento
científico e das demandas pedagógicas geradas por influência do movimento
denominado Escola Nova.
Essa tendência deslocou o eixo da questão pedagógica dos aspectos
puramente lógicos para aspectos psicológicos, valorizando-se a participação ativa
do estudante no processo de aprendizagem. Objetivos preponderantemente
informativos deram lugar a objetivos também formativos. As atividades práticas
passaram a representar importante elemento para a compreensão ativa de
conceitos, mesmo que sua implementação prática tenha sido difícil, em escala
nacional.
Os projetos americanos traduzidos e adaptados ao Brasil pelo IBECC
passaram a ser usados nos cursos colegiais brasileiros em face à liberdade de
programação e à transferência de parte da responsabilidade de normatização do
ensino aos sistemas estaduais. O IBECC, que liderava o movimento, começou a
elaborar o Projeto de Iniciação à Ciência, para atender à nova legislação. O objeto
de maior ênfase nesse projeto não era o conteúdo, mas a investigação, a
observação e a elucidação de problemas, refletindo uma nova fase, onde se
buscava apresentar ao ensino de Ciências um só objetivo: o conhecimento. Neste
período, introduziram-se as aulas práticas, com o intuito de promover a pesquisa, a
participação e a descoberta.
Com a reestruturação política do país, em 1964, o sistema educacional
brasileiro passou por nova transformação. O regime militar pressupunha modernizar
15
e desenvolver o país e, nesse contexto, o ensino de Ciências passou a ser
valorizado como contribuinte à formação de mão-de-obra qualificada, intenção que
se efetivou com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 5692, promulgada em
1971.
Grandes movimentos estudantis ocorreram, por volta de 1968, em prol da
transformação do ensino universitário no Brasil, reivindicando a ampliação do
número de vagas disponibilizadas aos estudantes. Movimentos que resultaram na
expansão indisciplinada da rede privada de ensino superior – que até então era
limitado às Universidades Públicas – ocasionando a proliferação de profissionais
mal-preparados para o exercício de suas atividades educacionais, oriundos de
instituições privadas que não possuíam o respaldo necessário para a capacitação
profissional qualificada.
Conforme Krasilchik (1986), também as escolas primárias e secundárias
sofriam um processo de crescimento, deixando de ser um espaço restrito a poucos
privilegiados, uma vez que o exame de admissão para o curso ginasial havia sido
abolido.
O período que abrange a década de 1970 a 1980 é caracterizado, no Brasil,
pela promulgação da Lei nº 5692/71, que afetou profundamente vários aspectos do
sistema educacional. O principal pressuposto para a escola secundária era, agora,
preparar o futuro trabalhador para exercer de maneira competente a cidadania,
cumprindo um papel específico na sociedade, a fim de atender às demandas do
desenvolvimento.
Para que esse objetivo fosse atingido, o currículo precisou ser alterado por
disciplinas chamadas instrumentais ou profissionalizantes. Estas preparavam o
estudante para o ingresso na profissão escolhida, o que determinou a fragmentação
e o esfacelamento das disciplinas relacionadas a Ciências, sem que houvesse um
correspondente benefício na formação profissional.
Durante a década de 80, no entanto, o ensino de Ciências Naturais revelou o
que muitos professores já tinham percebido: que a experimentação, sem uma
atitude investigativa mais ampla, não garante a aprendizagem dos conhecimentos
científicos.
O modelo desenvolvimentista, mundialmente hegemônico na segunda
metade do século, caracterizou-se pelo incentivo à industrialização acelerada,
ignorando-se os custos sociais e ambientais desse desenvolvimento. Em
conseqüência, problemas sociais e ambientais, associados às novas formas de
16
produção, passaram a ser realidade reconhecida em todos os países, inclusive no
Brasil. Os problemas relativos ao meio ambiente e à saúde passaram a constar dos
currículos de Ciências Naturais, mesmo que abordados em diferentes níveis de
profundidade.
A tendência do ensino de ciências, conhecida, desde os anos 80, como
Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), que já se esboçara anteriormente e que é
importante até os dias de hoje, apresentava-se como uma resposta àquela
problemática. No âmbito da pedagogia geral, as discussões sobre as relações entre
educação e sociedade associaram-se às tendências progressistas. No Brasil,
referidas tendências organizaram-se em correntes importantes, que influenciaram o
ensino de Ciências Naturais, em paralelo à CTS, enfatizando conteúdos socialmente
relevantes e processos de discussão coletiva acerca de temas e problemas de
significado e importância reais.
Questionou-se tanto a abordagem quanto a organização dos conteúdos,
identificando-se a necessidade de um ensino com caráter também interdisciplinar,
que integrasse os diferentes conteúdos; o que tem representado importante desafio
para a didática da área.
Especialmente a partir dos anos 80, o ensino das Ciências Naturais
aproximou-se das Ciências Humanas e Sociais, reforçando a percepção da Ciência
como construção humana, e não como verdade natural. Renova-se, por
conseguinte, a importância da História e da Filosofia da Ciência no processo
educacional.
Desde então, também o processo de apropriação do conhecimento científico
pelo estudante passou a ser a tônica da discussão do aprendizado. Este novo
enfoque desenvolveu-se, especialmente, a partir de pesquisas, realizadas desde a
década anterior, que comprovaram que os estudantes possuíam idéias, muitas
vezes bastante elaboradas, sobre os fenômenos naturais e tecnológicos, assim
como sobre suas relações com os conceitos científicos.
Esse quadro foi se alterando com as manifestações das Sociedades Brasileira
de Física, Química e Matemática, e da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC), contra a Resolução nº 30/74, a qual estabelece o Currículo Mínimo
de curso de ciências – habilitação em Biologia (licenciatura) para as funções de
professor de 3º grau, de biologia no 2º grau e ciências no 1º grau. Tais
manifestações representaram um marco, não só no que diz respeito ao ensino de
Ciências, mas no processo de redemocratização educacional no país, pois
17
passaram a determinar os conteúdos e a duração a serem observados na
organização do curso de Licenciatura em Ciências. Esta resolução também
dispunha de considerações que determinavam o principal objetivo do ensino: “as
disciplinas cientificas devem servir para formar o indivíduo com espírito crítico e
capacidade de refletir e especular sobre o que vê”. (KRASILCHIK, 1987, p. 19).
O processo ensino-aprendizagem passou, então, a ser fundamentado não
apenas no mero repasse e assimilação de conceitos e conteúdos pragmáticos,
geralmente contidos em livros ou manuais. Aos poucos, foi-se abandonando o
modelo em que os conhecimentos eram transmitidos pelo professor, assimilados
pelo educando e reapresentados em provas escritas, sob a forma de questionários.
A preocupação de desenvolver atividades práticas começou a ter presença
marcante nos projetos de ensino e nos cursos de formação de professores, a partir
dos quais foram criados ricos materiais didáticos, com base na nova tendência. O
objetivo fundamental do ensino de Ciências Naturais passou a ser dar condições
para o aluno vivenciar o que se denominava método científico, ou seja, a partir de
observações, levantar hipóteses, testá-las, refutá-las e abandoná-las, quando fosse
o caso, trabalhando de forma a redescobrir conhecimentos.
Nas últimas décadas, o conhecimento científico experimentou grandes
avanços nas dimensões de comprovação teórica e aplicação prática. Paralelamente,
o ensino de Ciências passou a ser considerado campo de investigação, tendo
alcançado conquistas para o tratamento didático de novos conteúdos e métodos.
Nas salas de aula, essas repercussões são ainda bastante tímidas. Percebe-se,
principalmente nos países menos desenvolvidos, incluindo o Brasil, um atraso
significativo em relação ao tratamento do conhecimento contemporâneo nos
currículos escolares, em todos os níveis de ensino.
Até a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961,
ministravam-se aulas de Ciências Naturais apenas nas duas últimas séries do antigo
curso ginasial. Essa lei estendeu a obrigatoriedade do ensino da disciplina a todas
as séries ginasiais, mas apenas a partir de 1971, com a Lei nº 5.692/71, a disciplina
de Ciências passou a ter caráter obrigatório nas oito séries do primeiro grau.
Os conhecimentos dos estudantes, que anteriormente não eram levados em
conta no contexto escolar, passaram a ser objeto de particular atenção e
recomendações. A História da Ciência tem sido útil nessa proposta de ensino, pois o
conhecimento das teorias do passado pode ajudar a compreender as concepções
18
dos estudantes do presente, além de também constituir conteúdo relevante do
aprendizado.
Além da formação inicial consistente do professor, é preciso considerar um
investimento educativo contínuo e sistemático para que o professor se desenvolva
como profissional. A formação não pode ser tratada como um acúmulo de cursos e
técnicas, mas, sim, como um processo reflexivo e crítico sobre a prática educativa.
O professor deve ter o conhecimento de várias teorias, suportes teóricos e
metodológicos que forneçam os subsídios necessários para a compreensão e a
análise dos vários aspectos ou dimensões desse conhecimento, quais sejam:
conteúdo, objetivos e planejamento. Estes fatores devem emergir de uma realidade,
cabendo ao professor conhecer o ambiente em que trabalha, sua cultura, sua
linguagem, seus valores e os recursos do meio, para, posteriormente, criar sua
metodologia. Só assim é possível que contribua para educar os seus alunos, através
da influência de sua personalidade, estabelecendo com eles uma ligação afetiva,
percebendo suas necessidades e características individuais e seu desenvolvimento
físico, emocional, intelectual e social.
As concepções pedagógicas e metodologias do professor devem ser
articuladas pela compreensão e interpretação da realidade na qual os educandos se
encontram inseridos. As atividades de ensino devem estar fundamentadas na
tentativa de desenvolver pesquisas escolares e executar trabalhos que apóiem e se
destinem à reflexão da prática diária. Tais preocupações devem estar presentes no
planejamento de aulas e no desenvolvimento do currículo da escola, contribuindo,
ainda, para a atualização profissional.
Propõe-se que, através de novas formas de pensar e compreender o
conhecimento cientifico, se torne possível ajudar as pessoas a terem melhores
condições de vida, criando novas perspectivas de educação cientifica, onde a
linguagem seja vista como mediação para a construção de novas formas de se
pensar a produção de conhecimentos científicos, sobretudo na atual sociedade.
É indiscutível a importância da ciência e da tecnologia para o
desenvolvimento econômico e social de um país. É preciso reconhecer que entre os
condicionantes desse desenvolvimento estão uma educação científica de qualidade
nas escolas; a formação de profissionais qualificados; a existência de universidades
e instituições de pesquisa consolidadas; a integração entre a produção científica e
tecnológica e a produção industrial; a busca de solução dos graves problemas
sociais e das desigualdades.
19
.Outra importante questão a ser considerada, segundo a UNESCO, é a
formação que os professores de Ciências recebem no Brasil. Estudos mostram que
essa formação é muito teórica, compartimentada, desarticulada da prática e da
realidade dos alunos. Assim, os professores têm muita dificuldade em transformar a
sala de aula e criar oportunidades de aprendizagem interessantes e motivadas para
o estudo de Ciências.
Na escola brasileira, o ensino de Ciências tem sido tradicionalmente livresco e
descontextualizado, levando o aluno a decorar, sem compreender os conceitos e a
aplicabilidade do que é estudado. Assim, as ciências são desenvolvidas sem relação
com o cotidiano e poucos alunos se sentem atraídos por elas. A maioria se
aborrece, acha o ensino de ciências difícil e perde o entusiasmo. Em outras
palavras, a escola não está preparada para promover um ambiente estimulante de
educação científica e tecnológica.
Neste sentido, o ensino de Ciências é fundamental não só para a população ter a
capacidade de desfrutar dos conhecimentos científicos e tecnológicos, mas para despertar
vocações, a fim de criar estes conhecimentos. O ensino de Ciências é fundamental para a
plena realização do ser humano e a sua integração social. Continuar aceitando que grande
parte da população não receba formação científica e tecnológica de qualidade agravará as
desigualdades do país e significará seu atraso no mundo globalizado. Investir para constituir
uma população cientificamente preparada é cultivar para receber de volta cidadania e
produção das condições de vida de todo o povo.
3 DESENVOLVIMENTO DO PROJETO
O principal objetivo deste trabalho é o desenvolvimento da consciência de que
a educação em suas relações com a ciência pressupõe uma análise constante de
seus fundamentos históricos em termos de desenvolvimento curricular e formação
de professores, assim como a exploração de novas formas de incrementar o
processo de ensino-aprendizagem.
O entendimento histórico deve ser considerado, portanto, como um dos
suportes às novas dimensões da ciência e do ensino desta disciplina a fim de que a
mesma não se torne fragmentária, manipulativa e puramente instrumental. “A
historicidade da ciência está ligada não somente ao conhecimento científico, mas
também às técnicas pelas quais esse conhecimento é produzido”. (KNELLER, 1980).
20
Em sua opinião, o estudo epistemológico da Ciência pode contribuir para a produção
de novos conceitos e para o aprimoramento de técnicas capazes de promover a
evolução do pensamento científico.
A pesquisa tem abordagem qualitativa e foi realizada no Colégio Estadual
Alberto de Carvalho, no município de Prudentópolis, com todos os professores de
Ciências da referida escola, pertencentes à Rede Estadual de Educação, do Núcleo
Regional de Irati.
Buscando atingir os objetivos propostos, traçamos a seguinte estratégia de
ação:
1- Reunião com o diretor e a equipe pedagógica, deixando-os ciente do
trabalho a ser realizado.
2- Na semana pedagógica, no início de fevereiro de 2010, o projeto de
implementação foi apresentado a toda comunidade escolar: diretor, equipe
pedagógica, professores e todos os demais funcionários da escola, que tiveram a
oportunidade de esclarecer todas as dúvidas relacionadas ao projeto.
3- Os professores de ciências foram convidados a participar do projeto.
Todos se dispuseram prontamente em contribuir com o que fosse necessário e
tomaram conhecimento dos trabalhos a serem executados.
4 - Realização de um levantamento bibliográfico para buscar subsídios
teóricos metodológicos, através da literatura específica sobre a História do ensino da
disciplina de Ciências, em livros, revistas, jornais, boletins, monografias, teses,
dissertações;
5 - Reunião, observação e diálogo com os professores de Ciências no
sentido de identificar a concepção, conhecimentos prévios, dificuldades e dúvidas,
buscando a implementação do projeto no Colégio Estadual Alberto de Carvalho, no
município de Prudentópolis – PR;
6- Em abril de 2010, os professores receberam o questionário, ao qual
denominamos de pré-teste, sendo utilizado como instrumento investigativo, onde 6
professores participaram, todos atuando no Ensino Fundamental. O questionário
apresenta as seguintes questões:
- Qual a sua formação?
- Há quanto tempo leciona a disciplina de ciências?
- Na sua formação docente como foi realizada a abordagem histórica da
disciplina de ciências?
21
- Você concorda que o conhecimento histórico da disciplina de Ciências pode
contribuir para uma prática pedagógica mais significativa. Por quê?
- Que estratégias de ação pedagógica você mobiliza para incorporar o
contexto histórico da disciplina de ciências em sua prática?
- Você já realizou alguma atividade em que o conhecimento histórico da
disciplina de Ciências tenha contribuído para a construção de subjetividades e de
maior sentido para os estudantes no que diz respeito à aprendizagem dos conteúdos
e/ou conceitos científicos?
- Qual a sua opinião de educador em relação à abordagem histórica no
processo de ensino-aprendizagem da disciplina de ciências?
7 - Estudo em conjunto sobre a História da disciplina de Ciências. Pesquisa
orientada com auxílio da Internet, livros, artigos, revistas, fazendo uma análise crítica
sobre os conteúdos pesquisados e atrelando-os a conhecimentos científicos e ao
senso comum permitindo assim a construção de novos conhecimentos;
8- Apresentação do material didático: artigo com o título “Currículo de
Ciências: Reflexões Sob uma perspectiva Histórico-cultural”. Este serviu de subsídio
teórico para o estudo em questão.
9- Socialização dos resultados através da produção do presente artigo.
.
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
Utilizou-se como instrumento para a coleta de dados, a entrevista com os
professores que fizeram parte deste estudo. Na análise dos dados buscou dar voz e
vez aos professores envolvidos no projeto e para tal, os mesmos foram identificados
como:
- Professor 1;
- Professor 2;
- Professor 3;
- Professor 4;
- Professor 5;
- Professor 6.
Nesta parte do trabalho serão apresentados os resultados alcançados através
do questionário, conversas informais e encontros com os professores envolvidos.
22
As respostas obtidas com a entrevista serviram de suporte para algumas
constatações importantes em relação à abordagem histórica no processo de ensino-
aprendizagem de Ciências.
Todos os professores são formados em ciências biológicas ou biologia com
licenciatura plena. Quando perguntamos aos professores o porquê de optarem pelo
curso de Ciências Biológicas ou Biologia, foram obtidas as seguintes respostas:
Professor 1- “Idealismo”.
Professor 2- “Porque é um curso prático e que está comprometido com a
sociedade. Tem grande papel para a melhoria da qualidade de vida da população”.
Professor 3 – “Porque eu queria fazer um curso que pudesse fazer algo para
ajudar a melhorar a vida das pessoas”.
Professor 4- “Sempre tive vontade de ser professor de ciências”.
Professor 5- “ Quando fiz o vestibular era o que se enquadrava mais perto da
área de saúde, que era o que eu queria”.
Professor 6 – “ Minha mãe e meu pai eram professores e eu sempre achei
que era isso que deveria fazer”.
As respostas dos professores revelam uma concepção de Ciência enquanto
atividade de transformação social, uma atividade que perpassa todas as dimensões
da existência humana na sociedade. Compreendem, desta maneira, que a
sociedade é afetada pelas relações da Ciência com a cultura e com os problemas
éticos e filosóficos. Assim, entende-se que a proposta do ensino de Ciências deve
refletir sobre a vasta abrangência da mesma em todos os segmentos sociais, como
enfatizado nas Diretrizes Curriculares Estadual para o ensino de Ciências:
Esse processo explica a complexidade do ensino de Ciências, pois a cada momento nos deparamos com novas produções científicas, veiculadas pela mídia, o que configura novas demandas para a disciplina. No entanto, a transposição didática desses novos saberes na escola está condicionada a um conjunto de fatores que compõem a cultura escolar (...). Dessa forma, a disciplina de Ciências não pode ser vista como uma obrigatoriedade de aspectos relativos ao conhecimento científico, mas sim como uma disciplina que possibilita espaços efetivos de discussão e reflexão a respeito de uma identidade científica, ética, cultural, enfim, uma disciplina que instrumentalize o aluno para compreender e intervir no mundo de forma consciente. (DCE‟s, 2008).
Sob essa ótica, o ensino de Ciências e, conseqüentemente a formação
docente, é posta frente ao desafio de oportunizar aos alunos, noções e conceitos
que favoreçam uma leitura crítica de fatos e fenômenos relacionados à vida, a
cultura, a produção científica e a sociedade.
23
Durante a aplicação do pré-teste foi possível perceber que o tempo de serviço
dos professores envolvidos variava entre 3 e 25 anos. Essa diferença de anos de
atuação no magistério mostrou-se importante para o desenvolvimento dos trabalhos,
onde foi observada uma troca de experiências.
Num primeiro momento, perguntou-se aos professores como foi realizada, na
sua formação docente a abordagem histórica da disciplina de Ciências.
Todos os professores entrevistados afirmaram que durante a sua formação
acadêmica não houve inferência aos aspectos históricos da disciplina:
Professor 1: “Não houve abordagem, não tivemos uso da disciplina.
Professor 2: “No meu curso de Ciências Biológicas praticamente não tivemos
esta abordagem. Estudamos o método científico e como deve ser abordado em ala
de aula, mas brevemente. A utilização de atividades práticas deve ser aplicada no
dia a dia”.
Professor 3: “Alguns conceitos foram abordados nas disciplinas de
Fundamentos da Educação, Metodologia e Prática de Ensino de Biologia e Estrutura
e Funcionamento da Educação Básica”.
Professor 4: “Não”.
Professor 5: “Durante minha formação, havia uma disciplina “História e
Filosofia da Ciência”, entretanto os conteúdos era mais voltado a filosofia, deixando
uma grande falha sobre a História da Ciência”.
Professor 6: “Não houve abordagem da referida disciplina”.
Esse é um ponto que, certamente, reflete de maneira negativa na prática
pedagógica docente. Na avaliação de Garrido e Carvalho (1995) os cursos de
formação de professores, tanto àqueles destinados à sua preparação, como aqueles
voltados para a sua atualização, vêm sendo considerados insatisfatórios.
Concorda-se com Nunes (2001), no sentido de que é preciso repensar a
formação dos educandos e enfatizar “a temática do saber docente e a busca de uma
base de conhecimentos para os professores, considerando os saberes da
experiência”, ou seja, destacar o valor do saber historicamente acumulado desse
profissional, interligando a formação e atuação profissional.
A segunda questão destinada aos professores participantes foi sobre sua
concordância de que o conhecimento histórico da disciplina de Ciências pode
contribuir para uma prática pedagógica mais significativa.
24
Todos concordam que a abordagem histórica promove uma melhor
compreensão do objeto de estudo dessa disciplina e sua relação com as grandes
descobertas que redimensionaram a história da humanidade:
Professor 1: “Sim. Porque através da história tivemos um conhecimento
melhor da disciplina e facilita a compreensão”.
Professor 2: “Sim, pois assim saberemos como as metodologias já utilizadas
são aplicadas e seus efeitos na aprendizagem dos alunos. Devemos levar em
consideração todas as mudanças ocorridas na história das ciências e abordá-las em
sala de aula quando for o caso”.
Professor 3: “Sim, pois o conhecimento histórico da disciplina possibilita um
melhor entendimento da evolução do pensamento humano”.
Professor 4: “Sim. Pois o contexto histórico pode melhorar o conhecimento
do aluno, além de facilitar na abordagem de outros temas”.
Professor 5: “Sim, pois promoverá uma melhor compreensão dos conceitos
científicos e da metodologia da ciência, à compreensão da natureza da ciência,
também proporcionará a ligação do desenvolvimento do pensamento individual com
o desenvolvimento das idéias científicas”.
Professor 6: “Sim. Acho que é importante devido passar adiante e não deixar
no esquecimento fatos que culminaram em grandes descobertas, no
aperfeiçoamento das técnicas, desse modo ampliando conhecimentos, que podem
tornar mais transparentes os grandes avanços da ciência moderna”.
Em consonância com esse pensamento as DCE‟s (2008, p. 40) abordam que:
O estabelecimento de uma nova identidade para a disciplina de Ciências requer repensar os fundamentos teóricos-metodológicos que sustentam o processo ensino-aprendizagem: a reorganização dos conteúdos científicos escolares a partir da história da ciência e da tradição escolar; os encaminhamentos metodológicos e a utilização de abordagens e a utilização de abordagens, estratégias e recursos pedagógicos/tecnológicos.
Nesse sentido, refletir sobre a ciência implica em considerá-la como uma
construção coletiva produzida por grupos de pesquisadores e instituições num
determinado contexto histórico, num cenário sócio-econômico, tecnológico, cultural,
religioso, ético e político, é necessário determiná-la no tempo e no contexto das
realizações humanas, que também são historicamente determinadas.
A terceira pergunta referiu-se às estratégias de ação pedagógica mobilizadas
para incorporar o contexto histórico da disciplina de Ciências em sua prática.
25
Apenas dois professores afirmaram mobilizar algum tipo de estratégia para
abordar historicamente a disciplina de Ciências na sala de aula: pesquisas e/ou
vídeos que ilustrem esse aspecto. Os demais afirmaram que não utilizam nenhum
tipo de metodologia ou recurso que de inferência à abordagem histórica, pois,
segundo eles o livro didático não apresenta nada neste sentido:
Professor 1: “Através de pesquisas em livros, que são muito poucos procuro
incorporar o contexto histórico, mas não temos um material adequado, só faço em
pequena parte”.
Professor 2: “Sempre procuro não deixar as aulas somente expositivas, mas
sim de atividades em que eles visualizem o conteúdo de forma mais clara. A
utilização de vídeos e esquemas é uma forma interessante de adicionar melhorias
no sistema de ensino aprendizagem”.
Professor 3: “Leitura de textos do próprio livro didático ou de outras fontes”.
Professor 4: “Nenhuma, pois não consta história da ciência no PTD e nem
nos livros didáticos utilizados”.
Professor 5: “Eu realmente não incorporo muito o contexto da história em
minhas aulas, mas acredito que isso é possível com : exploração de relatos da vida
e trabalho de alguns cientistas, comparação de diferentes teorias explicativas,
apresentação e discussão de controvérsias históricas, visando desenvolver aos
alunos compreensão mais adequada da natureza da ciência, bem como a
importância que as comunidades científicas tem na produção de suas teorias”.
Professor 6: não respondeu.
Percebe-se que os professores preocupam-se em vencer os conteúdos do
livro didático sem associá-los à realidade histórica em que os mesmos são
produzidos.
Para Krasilchik (1996, p. 78), os professores devem não só se manter
informados sobre o progresso da Ciência e Tecnologia como também estar prontos
para discutir os seus significados.
O cidadão „alfabetizado em Ciência‟ não pode ignorar o papel fundamental da Ciência, da Tecnologia e da história na sociedade contemporânea. Para tanto, além de conhecer os produtos e processos tanto da Ciência como da Tecnologia, é fundamental analisar o seu papel como instituição social.
Porém, o professor não pode estar sozinho nessa busca por melhores
condições do ensino de Ciências. Ele deve ser amparado pelas diversas esferas que
compõem a educação, as quais, de acordo com Krasilchik (1987), devem
26
desenvolver programas de treinamento que incluam aspectos substantivos de
formação, que instrumentalizem os professores a dar um tratamento mais relevante
ao objeto de ensino. Tais objetivos podem ser alcançados através de uma
transmissão efetiva, que supere o “didatismo” e que atente para a apropriação de
um conhecimento baseado na reflexão, um conhecimento que, aliado à realidade
concreta, contribua para a transformação da sociedade e para a igualdade de
condições a todos os sujeitos que dela fazem parte.
Na opinião dos professores pesquisados a abordagem histórica no processo
de ensino-aprendizagem de Ciências é importante porque auxilia o aluno na
compreensão de como se deu a construção do conhecimento a ele transmitido, mas,
por falta de preparo e materiais que subsidiem sua prática, acabam não trabalhando
nada sobre o assunto em suas aulas. Quando perguntou-se sobre a opinião dos
mesmos em relação à abordagem histórica no processo de ensino-aprendizagem de
ciências, obteve-se as presentes respostas:
Professor 1: “É necessário primeiro termos uma preparação para depois
aplicarmos em sala de aula, pois sem material o preparo vai ficando sempre de
lado”.
Professor 2: “É relevante, pois assim conseguimos enxergar os problemas
educacionais do presente, com base no que houve no passado”.
Professor 3: “É importante fazer uma abordagem histórica do processo de
ensino-aprendizagem, pois ajuda o aluno a entender como se deu a construção do
conhecimento que é transmitido à ele”.
Professor 4: “Apesar de não trabalhar acho importante tendo em vista que
trata-se de um assunto interessante e bom trabalhar”.
Professor 5: “Acredito que seja de grande importância visto que o
conhecimento científico está em evolução permanente, ou seja, conhecimento
inacabado, e que se incorporado no processo de ensino-aprendizagem, promoverá a
reflexão, questionamento e formação de novos saberes indispensáveis”.
Professor 6: “Minha opinião é favorável, justificando essa opinião é de
fundamental importância saber de onde vem os avanços tecnológicos, desse modo
se torna mais interessante a aprendizagem científica, já que historicamente tudo se
relaciona”.
Os professores estão conscientes de que o estudo epistemológico da
ciência pode contribuir para a produção de novos conceitos e para o aprimoramento
de técnicas capazes de promover a evolução do pensamento científico, mas
27
concordam que é necessário, primeiramente, que se invista mais na formação
continuada dos professores para que os mesmos sejam capazes de utilizar mais
significativamente toda a abrangência de conhecimentos que envolve a disciplina de
Ciências.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o processo de reflexão e execução podemos concluir que os
professores de ciências desconhecem a história da disciplina, porém estão dispostos
a buscar novos conhecimentos e aperfeiçoamento para melhorar o processo ensino-
aprendizagem.
A construção da cidadania exige a inserção crítica, ativa e participativa do
sujeito, numa sociedade em que o conhecimento científico e tecnológico é cada vez
mais valorizado, pois cada nova produção científica engendra novas demandas para
o ensino desta disciplina.
No entanto, uma compreensão ingênua sobre o conhecimento científico tem
levado o ensino de Ciências a priorizar uma aprendizagem baseada apenas no
acúmulo de informações estáticas e desarticuladas da realidade prática/ cotidiana
dos educandos. Assim sendo, sem o intercâmbio da realidade concreta com o
conhecimento historicamente sistematizado e elaborado, o ensino de Ciências se
torna artificial e incapaz de alcançar seus objetivos.
Reafirma-se, aqui, a importância de articular o conhecimento científico com
a realidade e a historicidade, pois este terá mais significado para o educando se
adquirir materialidade e aplicabilidade em sua vida prática. Mobilizando o
conhecimento científico aprendido, o sujeito será capaz de enriquecer e ampliar o
leque de relações que estabelece com o meio social, transformando, assim, os
conteúdos e conceitos científicos em aliados na resolução de problemas e nas
situações cotidianas.
Conforme Krasilchik (1987), as mudanças sociais ocorridas no decorrer da
história alteram significativamente o papel da escola, tornando-a um instrumento de
divulgação do modelo social vigente em face do desenvolvimento científico e
tecnológico.
Em nossa sociedade, a escola pública, na Educação Básica (Educação
Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), tem como função social formar o
28
cidadão. Para isso, é indispensável socializar o saber sistematizado, historicamente
acumulado, como patrimônio universal da humanidade, fazendo com que esse seja
criticamente apropriado pelos estudantes, que já trazem consigo o saber popular, o
saber da comunidade em que vivem e atuam. A interligação e a apropriação desses
saberes pelos estudantes e pela comunidade local representam um elemento
decisivo para o processo de democratização da própria sociedade. .
Dessa forma, busca-se promover a ruptura daquilo que está posto como
verdade universal e absoluta, de maneira a provocar mudanças na vida individual do
aluno, no grupo e na sociedade como um todo. Para que isso aconteça, é
fundamental a participação ativa dos alunos no processo educacional, decidindo o
que fazer, como fazer e por que fazer desta e não de outras maneiras, ponderando
sobre estas escolhas e experimentando as conseqüências delas. Apresenta-se,
assim, uma possibilidade de levá-los a perceber as relações entre o conhecimento
adquirido e a realidade circundante, bem como de se descobrirem enquanto agentes
participantes do processo de produção-apropriação do saber científico.
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