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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Produção Didático-Pedagógica Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7 Cadernos PDE VOLUME I I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Produção Didático-Pedagógica

Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE

VOLU

ME I

I

EDMÉIA DE FÁTIMA ALVES BERGAMASCO

PRODUÇÃO DIDÁTICO - PEDAGÓGICO

MARINGÁ

2010

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL

ÁREA DE ATUAÇÃO: EDUCAÇÃO ESPECIAL

O SISTEMA SIGNWRITING: O APRENDIZADO DA ESCRITA DOS

SINAIS POR PROFESSORES DE SURDOS, SURDOS ADULTOS E

ACADÊMICOS OUVINTES DO ENSINO SUPERIOR

EDMÉIA DE FÁTIMA ALVES BERGAMASCO

MARINGÁ 2010

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL

Produção Didático-Pedagógica apresentada ao Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, sob a orientação da Profª. Drª. Tânia dos Santos Alvarez da Silva, do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá.

MARINGÁ 2010

SUMÁRIO

Introdução..............................................................................................................05

A função da língua escrita.....................................................................................06

A aquisição da língua escrita pela criança ouvinte...............................................07

A aquisição da língua escrita pela criança surda..................................................09

Sistema Signwriting...............................................................................................15

Exercícios..............................................................................................................34

Referência ............................................................................................................37

INTRODUÇÃO

Ao refletirmos sobre a educação como direito de todos e para todos, num

momento em que cada vez mais estudantes surdos tem acesso ao sistema

regular de ensino, se faz necessário ver a surdez com outros olhos. É possível

visualizar as conquistas da comunidade surda ao constatarmos a realidade em

torno das avaliações diferenciadas, da contratação de intérpretes em salas de

aula regulares que acolhem alunos surdos em processo de inclusão e das

tentativas de implementação de propostas de ensino do português escrito e aos

surdos usuários de LS.

Ao reconhecer LIBRAS como língua natural para o surdo, e considerando

que a estruturação do pensamento do usuário de Língua de Sinais ocorre por

meio dessa língua, se faz necessário refletir sobre a possibilidade de acesso ao

conhecimento por meio da escrita de sinais. Assim é preciso criar meios que

oportunizem ao aluno surdo ensino sistematizado desse Sistema de escrita.

Entendemos que uma educação bilíngüe que priorize o ensino da L1 é

condição determinante para se evitar a evasão, a desistência e o fracasso escolar

do sujeito surdo. Desse modo, o acesso e a permanência dos surdos no sistema

educacional brasileiro deve ser embasado em práticas pedagógicas com enfoque

na percepção visual e materiais didáticos que atendam as especificidades dos

sujeitos surdos e que utilize a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como primeira

língua.

Envolver os profissionais da educação que trabalham com surdos assim

como profissionais de outras áreas, no estudo e aprendizado da escrita dos

sinais, é de fundamental importância nesse momento. O conhecimento trará

contribuições para o aprimoramento do fazer pedagógico. Disponibilizar acesso

ao aprendizado dos conteúdos escolares através da escrita dos sinais será,

portanto um marco na conquista da comunidade surda e da educação como um

todo.

FUNÇÃO DA LÍNGUA ESCRITA

A linguagem desempenha importante papel na formação do pensamento,

pois é uma das manifestações da função simbólica. Além de trocas comunicativas

com o meio, a linguagem possibilita a apreensão de conceitos. ( Vygotsky, 1993)

A escrita como um recurso sofisticado de linguagem permite a reflexão, o

avanço e o aprimoramento constante das funções mentais superiores e é um

veículo do pensamento para o desenvolvimento social e cognitivo. O uso da

linguagem escrita se faz necessário na comunicação dos indivíduos. No registro a

história de uma nação, na transmissão do conhecimento e suas evoluções.

Comparada ao surgimento da oralidade, a escrita criada tardiamente pela

inteligência humana, permeia as práticas sociais da humanidade.

É importante ressaltar que enquanto manifestação formal a escrita é um

“bem social indispensável para o enfrentamento do cotidiano”, também

considerada como essencial para sobrevivência das pessoas no mundo

contemporâneo. Sua concretização social a conduz a um status mais elevado,

“chegando a simbolizar educação, desenvolvimento e poder” de um povo.

Adquirida em contexto formal, ou seja, na escola tem um caráter elitista como

bem cultural desejável. (MARCUSCHI, p 16, 17, 2010)

Em tempos de globalização a internet inaugura um novo estilo de

comunicação escrita dita “síncrona”, (em tempo real), uma comunicação que

constitui um gênero com texto misto de fala e escrita, um escrever chamado

“teclar,” marcando o surgimento de uma nova manifestação de escrita. Com

terminologias e expressões típicas a “escrita é usada nos contextos sociais

básicos da vida cotidiana das pessoas como na família, na escola, no trabalho, na

atividade intelectual, na vida burocrática, no lazer”. Dentro do contexto de cada

um surgem os gêneros textuais e formas comunicativas diferenciadas.

(MARCUSCHI, p 18, 19)

No desenvolvimento intelectual da criança, a escrita ocupa um lugar de

fundamental importância. Porém o que presenciamos nas escolas são crianças

desenhando letras e construindo palavras de forma mecânica. A prática

pedagógica não possui um procedimento científico efetivo para o ensino da

escrita. Considerada uma complicada habilidade motora ela ainda acontece

através de treinamento artificial e de imposição, que requer muita atenção e

esforços da criança, tornando-se uma atividade cansativa, pouco dinâmica e sem

nenhum atrativo, portanto morta.

“Uma linguagem viva na concepção do teórico é aquela que é utilizada plenamente pelo indivíduo, ou seja, é a linguagem compreendida em profundidade por seu usuário. Tal compreensão resulta, via de regra, de um processo interno de assimilações e acomodações sucessivas que permitem, por um lado, o conhecimento do objeto ou fato (significado) e, por outro o adequado estabelecimento da relação existente entre esse significado e seu significante. Em outros termos, uma compreensão efetiva da linguagem exige do usuário uma vinculação entre o objeto e o símbolo capaz de possibilitar a evocação mental do fato ou objeto. (SILVA, 2008, p 45).

Para a psicologia o domínio da escrita passa por um longo processo de

desenvolvimento das funções comportamentais complexas e para desenvolver

essa habilidade o caminho mais próximo será através da compreensão de toda a

história do desenvolvimento dos signos na criança.

A AQUISIÇÃO DA LÍNGUA ESCRITA PELA CRIANÇA OUVINTE

O processo da escrita para a criança ouvinte decorre do estabelecimento

de relações entre os sons da fala e seus correspondentes gráficos, os grafemas.

“Ao ser alfabetizada, a criança ouvinte passa a perceber a relação de similaridade entre a fala e a escrita de sua língua. Percebe que os sons de sua fala (os fonemas) que formam as palavras às quais utiliza para se comunicar oralmente entre demais usuários da mesma língua, podem ser mapeados e registrados graficamente, em forma de escrita”. (Silva, 2009 p.3-4)

Segundo VIGOTSKI (2007) ”O gesto é o signo visual inicial que contém a

futura escrita da criança”, e podem ser considerados como “a escrita elaborada no

ar”, e usados repetidamente acabam por representá-los no papel em um

momento posterior. “A diferença entre o desenho e a escrita se estabelece na

medida em que a criança deixa de empregar o desenho como um auxílio

mnemônico. Em contrapartida, ao utilizar intencionalmente o desenho como um

referente auxiliar a possibilidade de recordar, a criança se aproxima do emprego

da escrita simbólica padronizada” (SILVA, 2009, p 59).

Ao dramatizar uma situação, uma brincadeira, as crianças demonstram

através dos gestos o que num futuro próximo vão mostrar em seus desenhos.

Objetos e brinquedos utilizados podem ser facilmente transformados em gestos

representativos. Assim, bucha vegetal, abóbora menina, espigas de milho verde

transformam-se no plano da fantasia em bebês.

Os rabiscos infantis são os gestos reproduzidos no papel. Nas primeiras

manifestações de escrita pictográfica não existe, para a criança a preocupação de

registrar detalhes e sim de mostrar a idéia do objeto que está reproduzindo. Por

exemplo, casa = retângulo; bola = círculo.

H. Hetzer (apud Vygotsky, 2007, p 133) estudou o desenvolvimento da

representação simbólica dos objetos na brincadeira das crianças e advoga que, a

percepção simbólica no brinquedo é essencialmente uma forma particular de

linguagem num estágio precoce, atividade essa que leva diretamente à linguagem

escrita.

Com formas e finalidades distintas a linguagem escrita é amplamente

utilizada na comunicação, com fins informativos, educativos, recreativos, no

registro dos hábitos e costumes de uma nação permitindo a perpetuação da

cultura de um povo.

Para Luria (apud SILVA, 2008, p.52)

A escrita é uma das formas de manifestação da linguagem externa, sendo a outra a oralidade. A linguagem escrita pode ser produzida com formas e finalidades distintas, assumindo caráter comunicativo, informativo, narrativo, de registro e apresentação de idéias ou de desenvolvimento de raciocínios. Cada uma das formas de registro escrito possui características que lhe são próprias e a diferenciam das outras. No entanto, a despeito dessas diferenças identificáveis nas manifestações da escrita, todas as suas formas de uso são marcadamente distintas da estrutura presente na oralidade (tanto no diálogo quanto no monólogo)

Em sua tese de doutorado, FERNANDES (2003, p. 91) ancorada em

Vygotsky (1991) afirma “na pessoa ouvinte a linguagem oral exerce função de

mediar a internalização de aspectos da linguagem escrita servindo de base para

sua construção”. A pesquisadora ressalta ainda que a alfabetização de crianças

ouvintes acontece através de inúmeras estratégias que as conduzem a uma

relação de representação entre a escrita e a oralidade, dentre elas a leitura feita

em voz alta por outro sujeito com ênfase nas palavras, ou seja, mediando a

organização, fazendo com que a criança estabeleça a relação entre a linguagem

oral e a linguagem escrita.

Mesmo a despeito de a escrita e a fala serem processadas utilizando canais distintos, visão e audição, respectivamente, ambos os estímulos serão percebidos simultaneamente, sem maiores prejuízos para a apreensão de seu conteúdo pela criança. Ainda que, ao se deparar com o registro escrito, a criança não esteja diante dos elementos sonoros que esse registro está representando, será possível a mediação de alguém que possa recuperar este valor para ela. ( FERNANDES, 2003, p 92)

Ainda sobre essa questão Stumpf (2005 p.36) interpreta a “a alfabetização

como apenas o primeiro passo no exercício da leitura e da escrita, é a capacidade

mínima de ler e escrever em determinada língua”. E defende ainda que “o

letramento difere do simples ato de escrever porque pressupõe um entendimento

do uso apropriado dessas capacidades dentro de uma sociedade”.

A AQUISIÇÃO DA LÍNGUA ESCRITA PELA CRIANÇA SURDA

A linguagem escrita sempre foi e continua sendo um complicador no

desenvolvimento escolar dos sujeitos surdos, pois as mediações sociais e as

práticas pedagógicas até então voltadas ao ensino desse saber não dão conta de

uma alfabetização eficaz para surdos. É preciso considerar que também o ouvinte

enfrenta percalços nesse processo de apropriação da escrita. No entanto as

dificuldades de sujeitos surdos são amplamente conhecidas e indiscutivelmente

mais acentuadas. Contudo a criança surda assim como a criança ouvinte tem

competência para alcançar formas plenas de comunicação e uso da linguagem.

Entende-se como língua natural para o surdo, aquela que é adquirida

espontaneamente pelo contato entre seus usuários. Por esse entendimento a

Língua de Sinais deve ser a primeira língua do sujeito com surdez severa e

profunda. A segunda língua para sujeitos surdos é em geral, a língua pátria que é

adquirida, de forma intencional, sistematizada e não espontânea, em função da

privação sensorial auditiva. Essa segunda Língua deverá ser oportunizada nas

modalidades gráfica e oral. Isso porque o sujeito surdo requer para seu

desenvolvimento lingüístico e intelectual o contato freqüente com uma variedade

de experiências lingüísticas e comunicativas (GOES, 1996).

Para a criança surda esse processo requer o estabelecimento de relações

visuais de significação com a escrita, pois a mesma não consegue atribuir

significado aos sons e está, portanto, impedida de chegar ao domínio da escrita

pelo processo percorrido pela criança ouvinte.

Godlfeld (1997) defende que o surdo tem o direito de ser bilíngue, sendo

para ele, a Língua de sinais, a primeira Língua, em razão de sua natureza espaço

visual. Ou seja, uma Língua “natural” e, acessível ao surdo sem barreiras

sensoriais. Como segunda Língua, sugere a aquisição da língua majoritária do

país de origem do sujeito surdo, no caso do Brasil, a Língua Portuguesa.

Pesquisas demonstram diferentes formas na aplicação da filosofia bilíngue.

Uma delas seria pelo ensino da língua de sinais e da língua oral e, o aluno seria

alfabetizado na língua escrita oficial do país. Outra forma possível de

manifestação da filosofia bilíngue seria pelo ensino ao surdo, da língua de sinais e

da língua majoritária do país, apenas na modalidade escrita.

Observações de Góes (1996) em classes de alunos surdos em diferentes

idades e níveis escolares levou a pesquisadora a acreditar que as questões

relativas à aprendizagem de leitura e escrita são mais amplas e devem envolver

discussões de ordem conceitual e pensamento e linguagem. Segundo a autora

estudos sugerem que mesmo um longo período de escolarização da pessoa

surda não garante uso adequado de linguagem escrita.

A escrita alfabética não produz significado para a criança surda, uma vez

que nunca teve acesso ao mundo sonoro que possibilita o estabelecimento da

relação entre grafema e fonema. A criança surda organiza seus pensamentos em

língua de sinais. Cabe lembrar que as línguas de sinais são compostas pelos

níveis lingüísticos fonológicos: o morfológico, o sintático e o semântico.

“A construção de uma educação bilíngüe para alunos surdos, que para ela consiste em assumir o ensino do português na modalidade escrita como segunda língua, poderia representar uma estratégia para “[...] reverter práticas de exclusão, rejeição, preconceito e marginalização a que os surdos estiveram relegados, historicamente”. A autora sugere o ensino da língua portuguesa escrita para o surdo por meio de estratégias já conhecidas e empregadas no ensino de línguas estrangeiras para o ouvinte, mais pontualmente aquelas que privilegiam o aspecto visual. Na situação particular dos surdos, tais estratégias se apoiariam seguramente na língua de sinais” (FERNANDES, 2003 apud SILVA, 2008, p 18-19)

Quanto ao convívio social, sugere que aconteça preferencialmente no

grupo que tem cultura e língua própria, lugar onde as particularidades da língua

de sinais, a singularidade do pensar e agir sobreponham ao déficit biológico

(GOLDFELG, 1997).

A língua de sinais é uma língua natural, ou, dito de outro modo, uma língua

que não impõe ao surdo barreiras sensoriais. Assim, essa língua assegura ao

surdo, uma comunicação completa e integral. As línguas de sinais não são

universais. Cada país possui a própria língua de sinais que tem as influências da

cultura nacional, e as expressões são próprias de cada região

A condição ideal de desenvolvimento linguístico é o aprendizado em um

ambiente natural como o que se dá com a criança ouvinte que cresce

comunicando-se com seus pais e familiares, bem como com outras crianças e

adultos ouvintes. A maioria dos sujeitos surdos são filhos de pais ouvintes e sua

imersão na cultura surda se faz tardiamente. Num percentual bem menor, as

crianças surdas filhas de pais surdos, tem desde o nascimento acesso à língua de

sinais que no Brasil é denominada LIBRAS (língua brasileira de sinais). Aquelas

que conseguem iniciar precocemente o contato com a língua natural têm maior e

melhor possibilidade de comunicação e aprendizagem, pois através da língua a

criança desenvolve suas capacidades cognitivas, condição necessária ao seu

desenvolvimento pessoal.

Com o passar das décadas percebeu-se que as práticas pedagógicas

voltadas para a aquisição da linguagem oral e escrita ao invés de contribuir para a

integração e desenvolvimento da pessoa surda como era seu propósito, geraram

o crescimento das desigualdades já existentes entre as comunidades surdas e

ouvintes.

Se nos reportarmos a um passado muito recente vamos nos deparar com a

proibição da língua de sinais, atitude que dilacerou a língua e a cultura surda.

Atualmente se faz necessário a divulgação e o aprendizado da LIBRAS pelo

maior número de indivíduos comprometidos com o sujeito surdo que pudermos

atingir,como estratégias para a inclusão social dos surdos e ainda para evidenciar

o potencial do surdo que se revela nas línguas gestuais. O surdo possui uma

língua riquíssima, prova maior de sua existência são as suas características

próprias, seu conteúdo e sua situação sócio-histórica. LIBRAS é uma língua

espaço visual e a aquisição pela criança acontece naturalmente em contextos

naturais.

Brito apud Goldfeld (1997, p. 41-42) afirma que, se a criança surda não for

exposta à língua de sinais desde seus primeiros anos de vida sofrerá várias

consequências. São elas:

a) Este o surdo perde a oportunidade de usar a linguagem, se não a mais

importante, pelo menos um dos principais instrumentos para a solução de

tarefas que lhe apresentam no desenvolvimento da ação inteligente; b) O

surdo não há de recorrer ao planejamento para a solução de problemas; c)

Não supera a ação impulsiva; d) Não adquire independência da situação

visual concreta; e) Não controla seu próprio comportamento e o ambiente;

f) Não se socializa adequadamente.

Por não terem o domínio da língua de sinais os profissionais envolvidos na

educação de surdos em sua grande maioria num primeiro momento empregam o

português sinalizado. Essa prática é denominada como bimodal ou comunicação

total. A comunicação total ainda utilizada em muitas escolas públicas brasileiras

tende a obstaculizar ao sujeito surdo uma aprendizagem natural na aquisição de

língua de sinais. Isso porque, as expressões faciais e a fala são impossíveis de

serem utilizadas ao mesmo tempo, os sinais tornam-se distorcidos e a articulação

torna-se quase sempre errônea.

Reafirmando a importância do aprendizado da língua de sinais pelo aluno

surdo, Goldfeld (1997, p. 44), observa que:

[...] autores como Ciccone, Brito, Reis, Fernandes, afirmam que a criança surda, ao sofrer atraso de linguagem mesmo que aprenda uma língua tardiamente, terá como consequência deste atraso problemas emocionais, sociais e cognitivos. [...] explícita ou implicitamente mostram que estão utilizando um conceito de linguagem mais amplo, que abrange além da função comunicativa também a função de organização do pensamento, assumindo um papel essencial para o desenvolvimento cognitivo.

Na mesma direção, Vygotsky apud Goldfeld (1997, p. 65), afirma:

A formação de conceitos é resultado de uma atividade complexa, em que todas as funções intelectuais básicas tomam parte. No entanto, o processo não pode ser reduzido à associação, à atenção, à formação de imagens, à inferência ou às tendências determinantes. Todas são indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do signo, ou palavra, como meio pelo qual conduzimos nossas operações mentais, controlamos o seu curso e as canalizamos em direção à solução de problemas que enfrentamos.

O surdo precocemente imerso em ambiente de usuários de línguas de

sinais tem assegurado um desenvolvimento lingüístico e intelectual normais. Em

contrapartida, sujeitos surdos expostos tardiamente ao convívio de grupos,

comunidades, escolas onde o uso da LIBRAS é uma constante sofrerão perdas

irreparáveis em relação a aquisição conceitual tão necessária ao

desenvolvimento intelectual.

A criança surda que for exposta às duas línguas se beneficiará, sobretudo,

da influência da língua de sinais na constituição de sua consciência, sendo que a

língua oral e o convívio com a sociedade do país ao qual pertence, certamente,

também exercerão influência na constituição de alguns aspectos de seu

psiquismo / identidade.

Até a década de 1960 as línguas de sinais não eram entendidas como

línguas completas e autônomas equivalentes às línguas faladas. Essas línguas só

passaram a ser reconhecidas por lingüistas, professores e até mesmo por

pessoas surdas a partir da década de 1960 com a publicação do primeiro

dicionário da Língua de Sinais Americana.

A pesquisa em relação ao bilinguismo ganhou terreno no cenário mundial,

e no Brasil caminha a passos largos com a aprovação da LIBRAS (língua

Brasileira de sinais) sob a Lei Federal 10436/02 regulamentada pelo decreto nº

5.626/05 de 22/12/2005 e a obrigatoriedade de intérpretes nos locais públicos e

privados, nos concursos públicos, vestibulares, salas de aulas onde quer que

esteja um surdo lá estará um intérprete por ele requisitado.

O Paraná se antecipou à oficialização de LIBRAS em 11 de março de

1.998 sob a Lei nº. 12095 que no seu parágrafo único diz “Compreende-se como

Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) o meio de comunicação de natureza visual-

motora, com estrutura gramatical própria, oriunda de comunidades de pessoas

surdas. É a forma de expressão dos surdos e sua língua natural”. E no seu artigo

7º “Garante também o atendimento profissional do intérprete preferencialmente

ouvinte e instrutores preferencialmente surdos. O intérprete é o profissional

bilíngüe, que efetua comunicação entre surdo/ouvinte, surdo/surdo, surdo/surdo

cego e surdo cego/ouvinte”.

Sistema SignWriting

A escrita de uma língua propícia aos seus usuários o resgate do passado,

o registro do presente, a preservação e inovação da cultura nas gerações futuras.

A comunidade surda usuária de línguas de sinais, de diferentes países dispõe,

hoje, de um sistema de escrita específico para a sua língua. Trata-se de um

sistema gráfico para o registro de línguas gestuais. Em outros termos é um

sistema de escrita visual dos sinais, mundialmente conhecido como sistema

signwriting. Essa escrita permite registrar o pensamento do surdo na forma como

ele acontece, proporcionando grandes benefícios para o desenvolvimento

cognitivo, cultural e social da pessoa surda.

Historicamente o surdo apresenta dificuldades com a representação escrita

de Línguas Orais. Com o advento do Sistema Signwriting na representação

escrita da Língua de Sinais, vislumbra-se a possibilidade de uma relação positiva

do surdo com a escrita. Contudo entendemos que num primeiro momento a

apropriação efetiva da escrita de sinais está condicionada a capacitação dos

profissionais surdos e ouvintes por meio de estudos sistematizados, para que se

tornem capazes de socializar esses conhecimentos.

Foi lançado em 2001 o Dicionário Enciclopédico Trilingue da Língua de

Sinais Brasileira - LIBRAS - de Fernando César Capovilla e Walquiria Duarte

Raphael por meio do qual documentou-se uma língua versátil e poderosa com

gramática e léxico próprios. A grande novidade e contribuição do dicionário é a

sistematização e registro do sistema signwriting, no Brasil denominado, sistema

de escrita de sinais. Tal sistema põe fim à condição ágrafa da LIBRAS e abre, ao

surdo, novas perspectivas em relação ao domínio da escrita.

Nos textos que compõem a apresentação do dicionário, Valerie Sutton, a

criadora do sistema de escrita dos sinais, o signwriting, que é um sistema de

escrita visual direta de sinais, hoje usado em todo o mundo como um sistema de

escrita visual prático utilizado entre surdos, e entre surdos ouvintes, para a

comunicação escrita cotidiana, e também utilizado como um sistema de notação

linguística para o estudo científico comparativo das Línguas de Sinais por parte de

linguistas, é categórica ao afirmar que:

a equipe coordenada pelo Dr. Capovilla criou o primeiro dicionário do mundo a combinar sinais completos escritos em signwriting com ilustrações naturalísticas dos próprios sinais. Dicionários contribuem para a educação do mundo. Quando palavras ou sinais são listados num dicionário, isto ajuda a padronizar a língua que ele está documentando. Sem que oficialmente procurem fazê-lo, os dicionários tendem a estabelecer padrões de escrita. E cada novo dicionário é construído sobre as fundações do passado e, assim, constitui uma etapa num trabalho que nunca cessa. Do mesmo modo que as línguas continuam a evoluir e a transformar-se, assim também devem os compiladores de dicionários acompanhar as mudanças, com novas edições e novos dicionários para documentar tal evolução. [....] incorporou o sistema flexível Signwriting e, pela primeira vez na história, o empregou para registrar os belos sinais do Brasil, num esforço criador, corajoso e pioneiro. (SUTTON, in CAPOVILLA & RAPHAEL, 2001, p. 21).

Para Capovilla et al. (2008), a escrita visual direta dos sinais traz múltiplos

benefícios psicológicos e sociais para a criança surda permitindo que a mesma

tenha ganhos com as propriedades de sua língua materna para pensar,

comunicar-se e escrever em uma mesma língua, o que maximiza o

desenvolvimento lingüístico e intelectual.

Enquanto escrita, SignWriting é um sistema secundário de representação de informação , baseado no sistema primário que é a Língua de Sinais. Do mesmo modo como sistemas de escrita alfabéticos representam os fonemas de que se compõem as palavras das diversas línguas faladas, enquanto sistema de escrita visual direta, SignWriting representa os quiremas de que se compõem os sinais nas diversas Línguas de Sinais (CAPOVILLA, et al., 2008, p. 1494).

A americana Valerie Sutton em 1974 desenvolveu o Sistema Signwriting,

que registra uma gama enorme de movimentos não somente humano como

também de animais e insetos. Signwriting faz parte do Sistema de Escrita e

Notação de Movimentos que integra cinco diferentes registros como: 1-

coreografia de dança; 2- Línguas de Sinais; 3- mímicas e pantomimas clássicas;

4- ginástica-patinação e caratê; 5- fisioterapia, movimentos de animais e insetos.

Entendemos que a maior contribuição do Sistema de Notação de

movimentos criados por Sutton foi o registro gráfico das Línguas de Sinais. Essa

língua se diferencia em sua estrutura tridimensional, onde o sujeito surdo faz uso

de movimentos associados; de Expressão Facial, Expressão Corporal e

Configuração de Mãos e o Sistema Sutton cumpre o papel de registrá-lo

rigorosamente.

Acredita-se que essa ferramenta de registro e aperfeiçoamento da LS

SignWriting pode contribuir no desenvolvimento cognitivo,de pessoas surdas e

na produção cultural destes, o Signwriting foi classificado em cinco parâmetros

diferentes: Configuração de Mãos (CM), Ponto de Articulação (PA), Movimento

(M) Orientação (O) Expressão Facial e/ou Corporal.

CONFIGURAÇÃO DE MÃO

Três configurações de mão são básicas no Sistema Si gnwriting.

Mão espalmada e/ou plana: com

gráfico que lembra a figura de uma

casa.

Punho fechado: sua imagem visual

corresponde a uma figura geométrica.

Punho aberto: dedos unidos nas pontas

em forma de círculo.

Orientação da palma ponto de vista expressivo (visã o de frente)

Visão de frente plano parede (vertical)

Planos diferentes, significados diferentes. A orientação da palma da mão é

um indicativo para a leitura e escrita dos sinais. Evita distorção na compreensão

dos sinais, pois os mesmos realizados em planos diferentes transmitem

significados diferentes. A leitura dos sinais é sempre feita a partir da visão do

sinalizador.

A palma da mão vista de frente, o

símbolo representado estará sempre

em branco plano parede (vertical).

De lado e/ou perfil da mão na visão de

quem sinaliza, o símbolo será metade

preto e metade branco plano parede

(vertical).

O dorso (costa) voltado para pessoa

que sinaliza o símbolo representado

estará sempre em preto plano parede

(vertical).

Visão de cima paralela ao chão (horizontal)

Nestas configurações de mão existe um intervalo no símbolo para

diferenciar os registros dos sinais realizados no plano horizontal, dos realizados

no plano vertical.

Palma da mão, visão paralela ao chão

(horizontal) símbolo branco com

intervalo.

Perfil e/ou lado da mão, visão paralela

ao chão (horizontal) símbolo branco e

preto com intervalo.

Dorso e/ou costas da mão, visão

paralela ao chão (horizontal) símbolo

preto com intervalo

Configuração Básica de Mão

A partir da configuração básica cada dedo estendido cria-se nova configuração.

Punho Aberto visão parede (vertical).

Punho Aberto plano chão (horizontal).

Punho Fechado visão parede (vertical)

Punho Fechado plano chão (horizontal)

Mão Plana visão parede (vertical).

Mão Plana plano chão ( horizontal)

Movimentos:

Na sinalização os movimentos possuem duas configurações de setas, com

hastes duplas e simples, e a partir destas originam-se várias outras setas,

indicando desta forma o registro de movimentos circulares, para cima, para baixo,

para os lados para frente ou para trás.

As hastes duplas

indicam a visão de

frente ou plano

parede (vertical).

As hastes simples

indicam o plano do

chão (horizontal).

Para efeito de demonstração apresentamos na sequência modelos da

escrita signwriting produzida pelo programa SW-Edit, e em tipo manuscrito.

Fornecemos ainda a representação correspondente ao material escrito, por meio

dos sinais da LIBRAS destacados pelo material fotográfico.

Contatos :

Na LS os contatos são expressos através de diferentes símbolos como:

contato, pegar, entre, bater, escovar, esfregar.

Contato

morango

Pegar

carne

Entre

união

Bater

bater

Escovar

branco

Esfregar

saudade

Alfabeto manual

A B C D E

F G H I J

K L M N O

P Q R S T

U V W Y X

Z

Números-quantidade Números ordinais

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

ANIMAIS

passarinho

cachorro

cavalo

coelho

gato

FRUTAS

abacaxi

banana

laranja

maçã

morango

CORES

amarelo

branco

azul

preto

verde

vermelho

VAMOS TREINAR

Animal

Escrita de sinais

Copiar

passarinho

cobra

pato

boi

peixe

VAMOS TREINAR

Frutas

Escrita de sinais

Copiar

caju

uva

pêssego

abacate

Melão

Escreva o sinal das cores abaixo

Cores

Escrita de sinais

Copiar

vermelho

azul

roxo

verde

laraja

amarelo

Referências

CAPOVILLA, Fernando César; RAFHAEL, Walkiria Duarte, Dicionário enciclopédico ilustrado trilingue e língua de sinai s de M a Z. v. 2, 3ª. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2001.

FERNANDES, Sueli de Fátima. Educação bilíngüe para surdos: identidades, diferenças, contradições e mistérios . Curitiba, UFPR, 176 p. Tese (Doutorado) – Curso de pós-graduação em letras, setor de ciências humanas, letras e artes da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2003.

GÓES, M, Linguagem, Surdez e Educação . Campinas: Autores Associados, 1996.

GOLDFELD, Márcia, A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sócio-interacionista. 2ª. ed. Plexus, 1997.

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