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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Produção Didático-Pedagógica Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7 Cadernos PDE VOLUME I I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Produção Didático-Pedagógica

Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE

VOLU

ME I

I

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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE

ÁREA DE LÍNGUA PORTUGUESA

DONETE SIMONI ROSSO

PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA:

UNIDADE DIDÁTICA

MARECHAL CÂNDIDO RONDON 2010

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DONETE SIMONI ROSSO

UNIDADE DIDÁTICA

LITERATURA INFANTIL: A TRANSGRESSÃO EMANCIPATÓRIA D OS

CONTOS DE FADAS REINVENTADOS

Produção didático-pedagógica _ Unidade Didática _ apresentada à Coordenação do Programa de Desenvolvimento Educacional da Educação do Paraná, em convênio com a Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, como requisito parcial para o desenvolvimento das atividades propostas para o biênio 2009/2010.

Orientadora: Profª. Drª. Roselene de Fátima Coito

MARECHAL CÂNDIDO RONDON 2010

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1- IDENTIFICAÇÃO

1.1- PROFESSOR PDE: Donete Simoni Rosso 1.2- ÁREA: Língua Portuguesa 1.3- NRE: Foz do Iguaçu 1.4- PROFESSOR-ORIENTADOR: Roselene de Fátima Coito 1.5- IES: UNIOESTE 1.6- ESCOLA DE IMPLEMETAÇÃO: Escola Estadual Olavo Bilac – Ensino

Fundamental – Medianeira – PR.

1.7- PÚBLICO ALVO: alunos de 5ª séries (A e B)

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INTRODUÇÃO

Este material foi elaborado para orientar o desenvolvimento do trabalho

com a literatura infantil, especificamente com contos de fadas reinventados.

Destina-se aos professores do Ensino Fundamental e contém fundamentação

teórica sobre os temas abordados e sugestões de atividades para serem

desenvolvidas com os alunos de 5ª série a partir de livros de três livros de

literatura infantil: História meio ao contrário, de Ana Maria Machado, A fada que

tinha idéias, de Fernanda Lopes de Almeida e Chapeuzinho Amarelo, de Chico

Buarque.

As atividades propostas estarão voltadas à leitura como “produção de

sentidos”, levando em conta o enfoque teórico da Análise do Discurso,

valorizando e analisando a história de leitura dos alunos, o contexto de produção,

a ideologia, relações de força, além da intertextualidade e a polissemia e outros

aspectos. Tais atividades farão parte da implementação do Projeto de

Intervenção Pedagógica na Escola: Literatura Infantil: A transgressão

emancipatória dos Contos de Fadas reinventados.

BASE TEÓRICA GERAL

Partindo da base teórica da Análise do Discurso, ler é produzir sentidos, e

estes são produzidos na relação entre sujeitos :

O leitor não interage com o texto ( relação sujeito/objeto) mas com outro(s) sujeito(s). A relação, (...) sempre se dá entre homens, são relações sociais; eu acrescentaria, históricas, ainda que ( ou porque) mediadas por objetos ( como o texto). Ficar na ‘objetualidade’ do texto, no entanto, é fixar-se na mediação, absolutizando-a, perdendo a historicidade dele, logo, sua significância. (ORLANDI, 1988, p. 9)

Quanto à linguagem, é vista como “ação sobre a natureza e ação

concertada com o homem (...) como trabalho, como produção”, pois “tomar a

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palavra é um ato social com todas as suas implicações: conflitos,

reconhecimentos, relações de poder, constituição de identidade, etc.” ( ORLANDI,

1988, p. 17), o que passa não só pelo psíquico e social, mas também pelo

domínio da ideologia. E ainda:

As palavras mudam de sentido segundo as posições daqueles que as empregam. Elas tiram seu sentido dessas posições, isto é, em relação às formações ideológicas nas quais essas posições se inscrevem. (ORLANDI, 1988. p.58).

O texto, como forma de articulação da linguagem e como lugar onde o

discurso se materializa, não é visto como uma unidade de sentido pré-

estabelecido, já que os sentidos não se inscrevem nele, mas nos sujeitos

determinados por contextos sócio-históricos que para ele produzem sentido(s).

Sem o leitor, os textos não possuem sentidos por si só. Então, não é o texto que

determina a leitura, mas o leitor. Logo, a leitura é produzida:

Leitura é o momento crítico da constituição do texto, o momento privilegiado do processo de interação verbal, uma vez que é nele que se desencadeia o processo de significação. No momento em que se realiza o processo da leitura, se configura o espaço da discursividade em que se instaura um modo de significação específico. (ORLANDI, 1988, p. 38).

E se a leitura é produzida, é preciso pensar nas condições de produção

dessa leitura: Os sujeitos nela envolvidos (autor e leitor), o contexto histórico-

social, a ideologia, as relações de força (o lugar social dos interlocutores ), os

diferentes tipos de discurso, a distinção entre leitura parafrástica (que procura

repetir o que o autor disse) e a polissêmica ( que atribui novos e múltiplos

sentidos ao texto) , a incompletude do texto, da qual deriva outros aspectos como

o implícito (aquilo que não está dito, mas está significando) e a intertextualidade

(a relação de sentidos entre textos existentes, possíveis ou imaginários e até no

mesmo texto), e as antecipações ( situar-se no lugar do ouvinte a partir do seu

próprio lugar de locutor) .

Outro fator importante a se considerar, nessa perspectiva, é que “toda

leitura tem sua história” (ORLANDI, 1988) ou seja, o sentido de um texto é

variável de acordo com as condições em que lhe foi (foram) atribuído(s) sentido(s).

As condições sociais, históricas e ideológicas, as relações de intertextualidade e a

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história de leitura do leitor são variantes que podem influenciar a constituição da

história de leitura do leitor.

Para levar a “história de leitura” dos alunos em consideração, o momento

histórico de sua produção, e os sentidos vários que as imagens e textos

podem assumir, propõem-se as atividades abaixo, focando como tema,

inicialmente, os contos de fadas tradicionais:

ATIVIDADES para os alunos

1- Observe as imagens seguintes1 e pense: a que universo elas nos remetem?

Que características possui esse universo? A que fase de sua vida estão

relacionadas? Que sentimentos despertam em você?

Figura 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 2- Você já deve ter ouvido ou lido muitos contos de fadas. Consegue descobrir a

qual conto tradicional cada estrofe abaixo se refere2?

1 A fonte das gravuras encontra-se nas Referências bibliográficas. Estas e outras imagens que se referem aos contos tradicionais poderão ser mostradas aos alunos na TV pendrive, o que gerará comentários/análises sobre o universo dos contos de fadas. O objetivo é levar os alunos a pensarem sobre o assunto: o enredo, caracterização dos personagens, o ambiente, a maniqueísmo, etc. e com isso envolvê-los na análise crítica que se pretende a seguir com a análise de contos reinventados. 2 Esta atividade foi adaptada e ampliada a partir de sugestões do livro didático de Língua Portuguesa Lendo e Interferindo , 5ª série, de FRASCOLLA, FÈR e PAES, Moderna, 1999.

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a) Uma terrível madrasta, querendo grande vingança, lança um fei tiço

tremendo em uma pobre criança. Quando crescesse, a princesa muito

sofreria. E, coitada, ficaria para sempre adormecid a.

Nome do Conto:_____________________________________ _____

b) Pobre daquele patinho! Como sofreu, o coitado! Entr e seus lindos

irmãos, era feio e desprezado. Por ser muito diferente, foi expulso do

quintal. E quem o pobre encontrava, queria lhe faz er mal.

Nome do Conto:________________________________ __________

c) Este nosso soldadinho, mesmo de uma perna só, er a muito elegante,

não inspirava dó. Bem no meio dos brinquedos enc ontrou a sua sina.

Uma doce namorada, encantadora bailarina.

Nome do Conto:_____________________________________ ______

d) Tinha a pele muito branca, era verdadeiramente bela. Para seu amigo

espelho a mais linda era ela. A madrasta, com invej a, quis dela se livrar,

mas, por sorte, os sete anões apareceram para ajud ar.

Nome do Conto:_____________________________________ ______

e) A princesa muito bela, longas tranças possuía, p resa numa alta torre,

Jogava-as pela janela por onde o príncipe subia.

Nome do conto:_____________________________________ _____

f) O caminho da floresta a menina escolheu com gr ande alegria . Visitar a

avó doente era tudo que queria. Um desconhecido cru el planejou tantas

maldades que só o caçador pôs fim para sua felicida de.

Nome do conto:_____________________________________ _______

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2- Após essas atividades, procure se lembrar de outros contos de fadas e

relacione alguns elementos que eles têm em comum: personagens, enredo,

cenário, etc. Troque suas idéias com os colegas e escreva um pequeno texto

sobre isso.

PARA SABER MAIS SOBRE O ASSUNTO

Os Contos de Fadas, enquanto narrativa destinada ao público infantil,

surgiram na Europa durante a Idade Moderna e têm por fonte a tradição oral,

provavelmente as narrativas primordiais que ficaram registradas na memória dos

povos e foram transmitidas através dos tempos. Essas histórias traziam fortes

doses de adultério, canibalismo e mortes. Eram contadas para adultos em

reuniões sociais, na sala de fiar, nos campos onde os mesmos se reuniam.

A origem popular dos contos fica visível pelo fato de que os heróis das

narrativas estão em situação de inferioridade no meio em que vivem e somente

com auxílio de elementos mágicos conseguem superar essa condição.

Séculos mais tarde, os escritores Charles Perrault (1628-1703), na França,

Wilhelm (1786 – 1859) e Jacob (1785 – 1863) Grimm, na Alemanha, começaram

a recolher contos de fadas tradicionais e os transcreveram, visando ao público

adulto, inicialmente. Depois, Andersen também criou seus próprios contos.

Mas, a passagem da oralidade ao texto escrito para crianças é assinalada

pela inclusão da moralidade. Trechos foram sendo suprimidos ou modificados

para não amedrontar ou chocar o pequeno leitor burguês , a quem passaram a

se destinar.

A noção da família nuclear, que surge com a ascensão da burguesia no

século XVIII, passa a valorizar a infância, enquanto etapa que merece a atenção

dos educadores por ser uma fase existencial propícia à aquisição de hábitos e

formação moral do futuro adulto. A literatura infantil, associada à escola, colabora

nessa tarefa, fato que justifica o caráter pedagógico de que se reveste neste

período inicial.

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ATIVIDADE DE PESQUISA para os alunos

3- No laboratório de informática da escola, pesquise mais sobre os primeiros

escritores e/ou compiladores de contos de fadas: Perrault e Irmãos Grimm e

Andersen. Há muita coisa interessante para saber a respeito deles, da época em

que viveram e das histórias que escreveram e/ou compilaram da oralidade:

E ATUALMENTE, AINDA SE ESCREVE CONTOS DE FADAS?

Há contos de fadas no mundo inteiro. As histórias se modificaram, estão

em constante renovação, mas nunca deixaram de encantar crianças, jovens e

adultos. As fantasias perpassam além do tempo e conquistam a todos.

Atualmente, há histórias baseadas nos contos tradicionais que, com muita

originalidade, partem da estrutura conhecida para subverter e questionar a

realidade e seus valores, ou seja, retomam a estrutura tradicional para alcançar

a inversão de seu efeito.

Primeiramente, contradizem as expectativas do leitor em relação a um

padrão consagrado pelo uso e também, em vez de patrocinar a afirmação de uma

ordem estabelecida, na qual os privilégios e o saber cabem aos adultos,

promovem a perspectiva dos jovens, rebeldes e inconformados em relação à

arbitrariedade dos mais velhos, produzindo um determinado questionamento do

poder e sua possível modificação.

A solução mágica também é discutida. A magia passa a ser uma forma de

fantasia, usada de forma lúdica, não como escapismo ou única solução possível

para o problema apresentado, como acontecia nos contos tradicionais.

[O mágico, o maravilhoso] não aparece no texto como algo diferenciado, como um milagre, que pode ser assustador, na medida em que coloca o indivíduo diante do sobre-humano, mas é percebido como natural [...]. Percebido como constitutivo do real, adquirindo assim naturalidade, ele possibilita uma ruptura com os constrangimentos espaço-temporais, de modo que as personagens podem assumir um caráter simbólico. (ZILBERMAN, 2003, P. 136).

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Elementos de inclinação fantástica podem exercer funções não alcançadas

no verismo absoluto, segundo Zilberman (2003), pois colocam as causas reais

dos problemas vividos pelas personagens, já que o recurso ao maravilhoso

supera as barreiras impostas por sua representação espaço-temporal, fazendo

com que a criança colabore no desempenho do papel transformador, com isso

desenvolvendo também sua atividade criadora, devido à identificação do leitor

com a personagem que rompe os limites impostos pela sociedade repressora, e

ainda por adotar um ponto de vista representativo do ângulo infantil.

É nessa medida que a fantasia, que orienta o emprego de personagens e recursos fantásticos no interior do texto, assume grande proeminência na literatura infantil [ atual], e, não sendo meramente compensatória ( e nesse sentido, regressiva) exerce função emancipadora. ( ZILBERMAN, 2003, P. 202).

O maniqueísmo, que caracteriza os contos de fadas tradicionais e divide

as personagens em boas e más, fortes ou fracas, belas ou feias dá lugar a

personagens mais complexos, com sentimentos e características contraditórias.

A sequência da narrativa também é modificada e a voz narradora dá

importância ao leitor, concedendo-lhe espaços antes negados. Esse tipo de

narrativa pertence à tendência do “maravilhoso satírico”, segundo Coelho ( 1991) ,

pois utiliza elementos literários do passado, ou situações familiares, facilmente

reconhecíveis, para denunciá-las como superadas, transformado-as em ridículas.

O humor também faz parte dessa tendência, percebido através de jogos

semânticos, comparações satírico-críticas, situações cômicas e inesperadas, etc.

E os personagens, elementos ativos dentro do enredo, para Coelho (1991),

já não são basicamente tipos ( que desempenham funções no grupo social a que

pertencem: rei, rainha, sábio ) e quando estes aparecem é através de uma

perspectiva satírica ou crítica. Os personagens caracteres (representando

comportamento ético ou espiritual: o mentiroso, o generoso, etc.), tendem a ser

substituídos por individualidades, sem a dimensão de superioridade, nem rótulos

de bons ou maus, representam o ser humano em toda sua complexidade,

geralmente questionadores e não mais fechados num perfil preconcebido,

trazendo em si a ambivalência de valores, agora relativizados.

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Por muito tempo, a literatura infantil caracterizou-se pela exclusividade da

fala do narrador, geralmente a voz adulta. Agora, outra característica importante a

ser mencionada, nesse novo tipo de narrativa, é a voz narradora que se mostra

cada vez mais familiar e consciente da presença do leitor. Tanto na 1ª pessoa ou

na 3ª, revela o desejo de comunicação e também a consciência da importância do

leitor, concedendo a este, finalmente, a participação que lhe é de direito.

Para Khéde (1990), o papel do personagem é fundamental para que o

texto literário para crianças e jovens alcance status de Literatura. Isso porque tal

literatura deve buscar a comunicação com o leitor mirim através de sua profunda

identificação com os personagens.

O enfraquecimento do poder autoritário do narrador e a força dada ao crescimento dos múltiplos pontos de vista dos personagens implicarão a identificação do leitor com o universo ficcional, numa perspectiva de liberdade, e não de imposição ou de sedução por parte de um doador despótico. (KHÉDE, 1990, p. 14).

Ainda, segundo a autora, um dos estatutos da literariedade do texto

artístico “está na possibilidade de apresentar ao leitor uma obra pluralista onde o

confronto de visões de mundo ou de ideologias seja transmitido pelas múltiplas

vozes dos personagens”. (KHÉDE, 1990, p.14).

ATIVIDADES ORAIS para os alunos

4- Você já leu algum conto de fada “diferente”? Qual? Consegue lembrar-se da

história? Se quiser, conte-a para seus colegas.

5- Há vários filmes que abordam esse tema também. Você já os assistiu? Qual?

Foi interessante? O que achou?

ESTRATÉGIA DE LEITURA

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Isabel Solé, em Estratégias de Leitura (1998), traz alguns

encaminhamentos para nortear o trabalho com a leitura em sala de aula,

principalmente nas séries iniciais. Tentar-se-á, nesta Unidade Didática, aliar esses

encaminhamentos à base teórica anteriormente apresentada.

O termo “Leitura compartilhada”, muito utilizado pela autora, vem em

substituição ao termo “leitura dirigida”. Este novo termo prevê maior participação

de aluno no processo de leitura e compreensão, pois, progressivamente, o aluno

assumirá a responsabilidade desse processo, dividindo-a com o professor. E

então não mais responderá apenas as perguntas do professor no final da leitura,

mas participará de sua formulação antes, durante e no final.

ANTES DA LEITURA (atividades orais)

Motivação/objetivo : Explicar aos alunos o que será lido, por que e como será

feita a leitura.

Abordagem de conhecimento ou experiências prévias e previsão de

hipótese: (a partir do título, ilustrações, etc.). Por Exemplo: Ana Maria Machado

escreveu um livro chamado História Meio ao contrário. Sobre o que você imagina

que esse livro vai tratar? Quais serão os personagens? Por que é “ao contrário”?

DURANTE A LEITURA

Ao término de cada parte e/ou capítulo ( 3 ou 4 páginas) , recapitular e

verificar se as hipóteses levantadas à princípio se confirmam ou não, e se novas

hipóteses podem ser formuladas a partir dos dados que a história for

apresentando. Por exemplo, indagar aos alunos: O que vai acontecer agora?

Como o problema será resolvido? Quem vai resolvê-lo? Etc.

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SOBRE O VOCABULÁRIO:

Após a leitura, poder-se-á trabalhar com o vocabulário, sempre de forma

contextualizada, de forma que o próprio aluno deduza o significado de palavras

que mereçam mais atenção ou aproxime-se dele por dedução. Recorrer ao

dicionário se for preciso, mas somente após esgotadas as tentativas citadas

anteriormente.

APÓS A LEITURA

Recapitulação oral da história completa, identificando os fatos

fundamentais da história. Isso poderá apresentar certa subjetividade, que deverá

ser valorizada, pois cada aluno dará aos fatos significados próprios, uma vez que

a história de leitura de cada um é singular, bem como o conhecimento de mundo,

contexto social e ideologia. Ao final, propor uma produção escrita.

TRABALHANDO COM OS CONTOS DE FADAS REINVENTADOS

Agora, partiremos para o trabalho com os contos de fadas reinventados

selecionados para leitura e análise: Uma história meio ao contrário, de Ana Maria

Machado, A fada que tinha idéias, de Fernanda Lopes de Almeida e

Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque. Essa escolha se justifica pela

perspectiva diferenciada apresentada em cada obra no que se refere à busca

de alternativas frente aos conflitos: coletiva, individual e psicológica,

respectivamente, e ainda por , reconhecidamente, fugirem do aspecto

pedagógico e utilitarista e alcançarem o estatuto de Arte, provocando emoções,

divertindo, e até podendo modificar a consciência de mundo do leitor.

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HISTÓRIA MEIO AO CONTRÁRIO, DE ANA MARIA MACHADO

Considerações sobre a autora e obra

Com habilidade incomparável no trato com as múltiplas linguagens _ das

imagens, da cultura e das relações humanas _ Ana Maria Machado realizou uma

obra que culminou com prêmios inúmeros, dentro e fora do Brasil, coroados pelo

Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da literatura infantil mundial em

2000 e pela entrada solene na Academia Brasileira de Letras em 2003.

Ela traz para seus livros o perfil feminino, o respeito pela pluralidade

cultural, a paisagem de diferentes lugares, os conflitos da sexualidade, o jogo com

a musicalidade da língua portuguesa, temas pouco presentes na literatura infantil

que a precedeu.

Especificamente, dentre as obras de Ana Maria machado, História meio ao

contrário, lançada na década de 70, ganhadora do Prêmio Jabuti em 1978, será

tomada como ponto de partida para esta Unidade Didática.

Esse livro traz, já no título, a idéia essencial fortemente consolidada no

decorrer da narrativa que é de ir contra ao estabelecido, recusando o que é

imposto, questionando valores, costumes e práticas que atravessam anos e se

consolidam como verdades.

História meio ao contrário tem como cenário uma pequena aldeia da época

medieval, com reis príncipes e princesas, assim como todas as histórias de fadas

tradicionais. Mas começa pelo fim: “ E então eles se casaram e tiveram uma filha

linda como um raio de sol e viveram felizes para sempre” e termina no começo:

“ Era uma vez...” e é no intervalo dessa inversão cronológica que tantas outras

inversões se apóiam.

No castelo dessa aldeia vive o rei e a família real. Em volta, há um

pequeno vilarejo, onde moram os camponeses. Tudo está “feliz para sempre” até

que um dia o rei percebe que sua cidade, diariamente, é atacada por um monstro

enorme e terrível que faz desaparecer o dia. O monstro, na verdade, é a noite,

mas isso fica implícito na história... o leitor deve construir esse sentido.

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Por nunca ter saído do castelo ( pois vive distante do povo e de sua

realidade _ qualquer semelhança com chefes de Estado e políticos não é mera

coincidência ), o rei desconhece esse fenômeno, que é o anoitecer. Então,

resolve acabar com o monstro, oferecendo a filha em casamento ao príncipe que

fizesse isso para ele. Os aldeões, que sabiam da importância do “monstro” para a

sobrevivência de todos, convocam a ajuda do gigante que está “deitado

eternamente” _ numa intertextualidade com o Hino Nacional Brasileiro.

Colocando lado a lado elementos de origem tão díspar como os contos de fadas e o hinário pátrio e submetendo ambos ao mesmo procedimento de reescrita paródica, História meio ao contrário representa outra forma de diálogo entre literatura infantil contemporânea com suas fontes mais remotas. ( LAJOLO: ZILBERMAN, 1999, p. 157).

Assim, é o povo – e não o príncipe, herói estereotipado _ com a ajuda do

gigante, quem resolve o problema, o que dá à história certa conotação política,

ao valorizar a luta coletiva para resolução dos problemas também coletivos. E o

príncipe também não se casa com a princesa, enamora-se da pastora e vira

vaqueiro. A princesa decide “fazer sua própria história” e vai conhecer outras

terras, outros reinos... E não é uma história ultrapassada, embora escrita há mais

de 30 anos. A universalidade de seu tema é indiscutível.

Fica à mostra, pela construção dos personagens e do enredo e pelo

maniqueísmo desfeito a consciência crítica e o engajamento político que a

literatura pode assumir. Em pleno regime militar, essa obra assume um baluarte

de resistência e contraposição cultural, rompendo paradigmas, questionando,

criticando, propondo novas soluções para antigos problemas, possibilitando

autonomia e dizendo um basta à submissão e obediência passiva.

Para alcançar seus objetivos nessa época de repressão à cultura, a autora recorre às figuras de linguagem, ao humor, à ironia, à polissemia, deixando sempre um duplo sentido por detrás de sua história. A transgressão é operada em diferentes níveis, tanto no da linguagem, como na construção narrativa. ( CUNHA; MICHELLI, s/p).

Segundo Zilberman (2003), História Meio ao Contrário, traz o rompimento

de diferentes dicotomias, próprias dos contos de fadas tradicionais, com os quais

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trava muitos sentidos de intertextualidade, e que o aluno será levado a perceber

através das atividades e análises propostas:

� Etária: os jovens têm mais sabedoria que os velhos;

� Política: o povo toma a iniciativa para solucionar seu problema,

contrariando a ordem do rei;

� Ideológica: não se proclama a superioridade do homem sobre a

natureza;

� Social: rompem-se paradigmas de classes sociais: o príncipe

enamora-se da pastora, a princesa transforma-se em personagem

itinerante, lugar antes ocupado pelo príncipe;

� Ética: não está pré-definido o lugar do Bem e do Mal. Cada um deve

verificar a procedência e a validade desses conceitos.

INTERPRETAÇÃO/COMPREENSÃO

ATIVIDADES para os alunos sobre História meio ao co ntrário (à luz da

Análise do Discurso)

A leitura do livro será feita de forma “partilhada” 3 , oralmente, pela

professora e/ou alunos, uma vez que a biblioteca dispõe de 30 exemplares dessa

obra. Seguirá os passos descritos anteriormente e após a leitura as questões a

seguir serão propostas:

6- Para compreender melhor a história, responda:

a) O título traz uma pista sobre o desenrolar da história. Que pista é essa? Ela se

confirma no decorrer da narrativa? Por quê?

b) Que situação/conflito desencadeia o desenrolar dos fatos? Como é solucionada

(o)? Aparecem elementos mágicos para auxiliar? Explique:

3 Esse termo remete à obra de Isabel Solé, Estratégias de Leitura , já citada anteriormente.

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c) Por quem o príncipe se enamora? Isso era comum nos contos tradicionais? O

que essa “transgressão” pode denotar?

d) Que características de personalidade demonstra a princesa, ao afirmar “minha

história quem faz sou eu” ? Como eram as princesas dos contos tradicionais? Por

quê?

e) E como é o rei? Por que era assim? Em que se parece e em que se diferencia

dos reis das histórias tradicionais?

f) Há claramente personagens “bons” e “maus” na história? O que se pode

concluir sobre isso?

g) Quem, na verdade, acaba sendo o “herói” da história? Por quê?

j) E quanto ao monstro? Quem era na verdade? Era mesmo um monstro? E o

olho do monstro, o que/como era? Faça um desenho para representá-lo do modo

como você o imagina. Capriche. Os desenhos irão para o mural da escola:

k) Após as discussões feitas, complete o quadro abaixo comparando essa história

com os contos tradicionais conhecidos:

ENTREVISTA/PESQUISA para os alunos, visando saber/conhecer o contexto de

produção da história, um dos fatores que a Análise do Discurso considera como

imprescindíveis para a produção dos sentidos:

SEMELHANÇAS DIFERENÇAS

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7- Essa história foi publicada pela primeira vez na década de 70. Entreviste

seus pais ou alguém mais velho, ou pesquise em livros e revistas ou ainda na

web as características político-sociais e valores importantes dessa época: Siga

esse roteiro:

a) Quem governava o país nessa época? Como pode ser caracterizado essa

forma de governo?

b) Havia liberdade para se escrever, discutir abertamente os problemas sociais do

país, para criticar ou questionar ?

c) O que poderia acontecer com aqueles que iam contra, criticavam,

questionavam o poder estabelecido?

d) O que se pensava sobre: Obediência, Civismo, luta por direitos como igualdade

e justiça e outros...?

e) Diante dos resultados da pesquisa e/ou entrevista, responda: Quais as

possíveis intenções da escritora ao escrever essa história?

INTERTEXTUALIDADE

Segundo Orlandi, em Discurso e Leitura (1988), há relações de sentidos

que se estabelecem entre o que um texto diz e o que ele não diz, e entre o que

ele diz e outros textos dizem. A intertextualidade é, pois, essa relação de um texto

com outros textos, “ existentes, possíveis ou imaginários”.

Por isso, “os sentidos que podem ser lidos, então, em um texto não estão

necessariamente ali, nele. O(s) sentido(s) de um texto passa(m) pela relação com

outros textos”, porque “saber ler é saber o que o texto diz e o que ele não diz,

mas o constitui significativamente”. ( ORLANDI,1988, p.11).

Para Carvalhal, a intertextualidade está carregada de ”intenções”:

A repetição (de um texto por outro, de um fragmento em um texto, etc.) nunca é inocente. Nem a colagem nem a alusão e, muito menos, a paródia. Toda repetição

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está carregada de uma intencionalidade certa: quer dar continuidade ou quer modificar, quer subverter, enfim, quer atuar com relação ao texto antecessor. A verdade é que a repetição, quando acontece, sacode a poeira do texto anterior, atualiza-o, renova-o e (por que não dizê-lo?) o re-inventa. (CARVALHAL, 2001, p. 53-54).

Para José Luiz Fiorin ( 1999, p. 30) “ a intertextualidade é o processo de

incorporação de um texto em outro, seja para reproduzir o sentido incorporado,

seja para transformá-lo”. E pode haver três processos distintos de

intertextualidade, segundo tal autor: a citação, a alusão e a estilização.

A citação, segundo Fiorin “ pode confirmar ou alterar o sentido do texto

citado” (1999, p. 30). Em textos artísticos estas confirmações ou alusões não são

tão explícitas como em textos onde a fonte aparece ao pé da página. Como

exemplo, menciona o poema “Satélite” de Manuel Bandeira que cita elementos de

“Plenilúnio” de Raimundo Correia.

O segundo processo de relação intertextual é a alusão. Nesse processo

Não se citam as palavras ( todas ou quase todas) mas reproduzem-se as construções sintáticas em que certas figuras são substituídas por outras, sendo que todas mantêm relações hiperonímicas com o mesmo hiperônimo ou são figurativizações do mesmo tema. ( FIORIN, 1999, p. 31).

Os dois primeiros versos da “Canção do Exílio” de Murilo Mendes aludem

aos dois primeiros versos da “Canção do Exílio” de Gonçalves Dias, por exemplo,

embora o sentido construído seja o oposto do original. Não celebra a pátria e sim

a ironiza de maneira crítica e realista.

A estilização, por sua vez, “é a reprodução do conjunto de procedimentos

do ‘discurso de outrem’, isto é, do estilo de outrem”. Por “estilo” deve-se entender

“o conjunto das recorrências tanto no plano da expressão quanto no plano do

conteúdo ( manifestado, é claro) que reproduzem um efeito de sentido de

individualização”. ( FIORIN, 1999, p. 31).

Em Macunaíma, quando Mario de Andrade escreve a “carta pras

Icamiabas”, acontece uma estilização com função polêmica, estilizando um texto

à moda de Rui Barbosa ou Olavo Bilac, ridicularizando a literatura brasileira do

período anterior ao Modernismo.

Pode-se dizer, então, que em História meio ao contrário há

intertextualidade com os contos tradicionais baseada no processo de estilização.

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A autora também escreve uma história partindo do modelo “conto de fadas”, mas

o subverte, ridiculariza, “ sacode a poeira”, renovando-o... Assim, os sentidos

construídos com a leitura desse livro seriam diferentes ( ou nem existiriam) se

essa história não estivesse ligada a histórias anteriores, se não fosse uma

reinvenção/transgressão de um modelo clássico consagrado.

ATIVIDADES para os alunos sobre intertextualidade

8- Que relações de sentidos este texto estabelece com outros textos ( contos

tradicionais ou outros textos que você conhece)?

9- Leia os trechos abaixo retirados de História meio ao contrário. Procure

perceber a que outro texto eles fazem referência:

OBS: Nesta atividade, por ser um pouco complexa para alunos de 5ª série, é

interessante deixar que o aluno formule hipóteses de resposta, que um vá

completando o sentido das hipóteses levantadas pelos colegas, até perceber a

relação com o Hino Nacional Brasileiro e os vários sentidos que essa relação

intertextual pode assumir. Se for necessário, o professor pode dar pistas,

direcionando, mas nunca respondendo de pronto, antes das tentativas dos alunos.

“... Mas alguém já viu o gigante acordado? Ele pass a o tempo

todo deitado, esse Gigante adormecido.

_ É mesmo... Deitado eternamente...”

“Fo ram todos para os montes. E foi até divertido, um p asseio

bonito pelos risonhos lindos campos cheios de vida. ”

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POLISSEMIA

O processo polissêmico, sendo o oposto do processo parafrástico, é o

responsável pelo fato de haver sempre sentidos diferentes, múltiplos e inovadores,

inerentes à linguagem, segundo Orlandi (1988). E é na distinção desses dois

processos que pode se perceber a criatividade e a produtividade.

A produtividade se dá pela obtenção de elementos variados através de operações que são sempre as mesmas, que incidem recorrentemente e que, procuram manter o dizível no mesmo espaço do que já está instituído ( o legítimo, a paráfrase); É a criatividade que instaura o diferente na linguagem na medida em que o uso pode romper com o processo de produção dominante de sentidos, e, na tensão da relação com o contexto histórico-social, pode criar novas formas, novos sentidos. Pode realizar uma ruptura, um deslocamento em relação ao dizível. ( ORLANDI, 1988, p. 20).

E, por proporcionar novos sentidos, realizando essa ruptura com o

“processo de produção dominante dos sentidos”, História meio ao contrário, assim

como os outros livros infantis aqui analisados merecem uma análise detalhada, já

que são ricamente polissêmicos.

A paráfrase, por não proporcionar diferentes interpretações e sentidos, por

muito tempo teve espaço privilegiado no trabalho com a linguagem nas escolas.

Em períodos em que “pensar” era considerado perigoso, repetir passivamente a

versão oficial e “literal” das leituras e fatos era a única opção permitida. E as

escolas_ com raras exceções_ também colaboravam para que tal imposição se

fortalecesse e se consolidasse. Contudo, a polissemia passou a ser objeto de

reflexão nas últimas décadas quando novas teorias sobre leitura ( como a Análise

do Discurso, por exemplo) passaram a ser estudadas .

A partir daí, um novo e importante conceito passou a ser observado e

questionado: a “literalidade”4. Deve-se levar em conta, que “todos os sentidos

são de direito sentidos possíveis e, e, certas condições de produção, há de fato

dominância de um sentido sem por isso se perder a relação com os outros

(implícitos)”.

4 A Análise do Discurso questiona a existência de um sentido nuclear, mais importante hierarquicamente ( literal) em relação aos outros. “Não há um centro e suas margens, há só margens” ( ORLANDI, 1988, p. 20), de modo que todos os sentidos são de direito sentidos possíveis.

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Historicamente é que ocorre a sedimentação de processos de significação,

institucionalizando o sentido dominante, que se torna ‘literal’. Considerar a

literalidade como um processo neutro já não é mais possível, pois “a história dos

sentidos cristalizados é a história do jogo de poder na/da linguagem”. ( ORLANDI,

1988, p. 20-21) e ter consciência desse “jogo” altera os sentidos dados às leituras.

Nessa perspectiva, Orlandi sugere que se evite as petrificações das

leituras e as leituras censórias, autoritárias, típicas de um sistema reprodutor

(reducionismo lingüístico), devendo a escola possibilitar ao aluno realizar novas

leituras, tanto quanto possível, o que, por sua vez, prescinde uma organização

curricular capaz de provocá-lo a trabalhar a sua própria “história de leitura”, o

que, de certa forma, pretende-se com as atividades aqui propostas.

Como consequência, os reducionismos “social e pedagógico” serão

evitados, pois então a escola não mais irá propor como única maneira de leitura

o modo da classe média ler, bem como não mais acreditará em soluções

unicamente pedagógicas, desvinculadas do seu caráter sócio-histórico para

resolver a questão da leitura.

Correia5 (2000) por sua vez, define, grosso modo, palavras homônimas

“como sendo aquelas que apresentam a mesma forma (fonética e gráfica), mas

que têm dois significados diferentes não relacionáveis entre si” e uma palavra

polissêmica “quando apresenta vários significados (mais do que um), sendo

possível estabelecer uma relação entre esses vários significados”.

Apesar da simplicidade desses conceitos, muitas vezes não se sabe ao

certo distinguir entre homonímia e polissemia, tanto que Perini (apud Cunha e

Michelli)6 argumenta que “a polissemia não é um defeito das línguas, mas sim

uma propriedade fundamental das línguas humanas”. Seria, segundo o autor,

“impraticável dar um nome separado a cada “coisa”. Ao encontrarmos um objeto

novo, tentamos imediatamente “reconhecê-lo”, encaixando-o em alguma categoria

já existente na memória (e na língua). “A polissemia confere às línguas humanas

a flexibilidade de que elas precisam para exprimirem todos os inúmeros aspectos

da realidade”. 5 CORREIA, Margarita, no artigo Homonímia e Polissemia: contributos para delimitaçã o de conceitos , 2000. 6 CUNHA, Antonio Sérgio Cavalcante da (UERJ); MICHELLI, Regina Silva (UERJ - UNISUAM) no artigo: A polissemia e a intertextualidade em História meio ao contrário, de Ana Maria Machado.

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Cunha e Michelli, sobre a linguagem primorosa de Ana Maria Machado e

sobre as construções polissêmicas presentes em História meio ao contrário,

observam:

Dominando os artifícios lingüístico-literários, Ana Maria Machado brinca com a língua, trapaceando-a, no dizer de Roland Barthes (1979:16). Instaura o riso no viés da sutileza, do deslize de significados, na maioria das vezes para um único significante. A obra aponta para um diálogo intertextual com a tradição dos contos de fadas, operacionalizando uma subversão na estrutura narrativa (afinal, é uma história meio ao contrário) e na linguagem utilizada, surpreendendo o leitor. (CUNHA; MICHELLI).

Os mesmos autores destacam que entre os recursos lingüísticos usados

pela autora para criar humor na história, destacam-se os usos da polissemia, de

parônimos e da oposição vocábulo formal versus vocábulo fonológico.

Um dos exemplos do uso de expressões polissêmicas constitui-se da

palavra “grilo”, ora usada com o sentido denotativo de inseto ( quando o ministro

refere-se ao canto dos grilos) e depois com o sentido de preocupações ( quando

o rei entende que o ministro está “enchendo sua cabeça de grilos). Outro

exemplo é a expressão “ir tomar banho” que pode ser duplamente interpretada:

com o sentido literal de banhar-se ou com o sentido de irritação perante algo.

O uso da oposição vocábulo formal versus vocábulo fonológico acontece

no seguinte trecho, com os vocábulos acorda e a corda:

...Toda a população da aldeia e dos campos gritando:

_ Acorda! Acorda! Acorda! [o gigante] Acabou perguntando:

_ Que corda é essa que vocês tanto pedem? Peguem logo a corda e me deixem dormir... ( MACHADO, 2005, p. 28).

E para exemplificar o uso de parônimos _ “ palavras ou seqüência de

palavras de sentido diferente, mas como forma relativamente parecida”_ os

autores lembram que a história traz não um Príncipe Encantado, mas um

Príncipe Encantador. Esse trocadilho evidencia que esse novo príncipe pode ser

mais ativo, “que age no processo de sedução”, pois é encantador, e não

submisso e passivo como o “encantado” dos contos tradicionais.

Outro aspecto importante é que na história, as palavras real/realmente

aparecem mais de cinquenta vezes e o seu emprego é profundamente irônico.

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Se, por um lado o item real tem ligações semânticas e morfológicas com o item

‘rei’, por outro, também as tem com ‘realidade’. A ironia está exatamente aí, no

emprego de um item lexical que pode ser interpretado de duas maneiras distintas

com efeitos completamente diferentes.

Ainda no que se refere à linguagem, em Trança de Histórias: A criação

literária de Ana Maria Machado (2004), Pereira salienta o trabalho cuidadoso e

sério da autora, bem como a preocupação em desliteratizar a literatura infantil,

dando ao discurso um tom coloquial, mas sem empobrecê-lo ou barateá-lo.

Os personagens de Ana Maria Machado são muitas vezes, atraídos pela linguagem no que possa apresentar de lúdico ou poético, o que explica o aparecimento do trocadilho, da paródia, do nonsense nas histórias. Esses recursos propiciam uma auto-referência do código que, desnudando-se a si mesmo, discute o provisório da significação e, consequentemente, a sua incessante procura, que só ao homem diz respeito. Os fenômenos tanto da polissemia quanto da homonímia ajudam-nos a perceber tal procedimento, sendo bastante significativos em sua obra. ( PEREIRA; ANTUNES, 2004, p. 140).

Pereira ressalta ainda que o resultado desse trabalho cuidadoso com a

linguagem é intrigante e garante a cumplicidade do leitor . “Não há armadilhas. As

intenções são claras e transparentes, sobretudo porque se respeita a índole da

língua, mesmo com inovações ou transgressões”. ( PEREIRA; ANTUNES, 2004, p.

141).

No livro Esta força estranha: Trajetória de uma autora ( 2006), ao referir-se

à linguagem de seus livros, a própria Ana Maria Machado salienta que procura

aliar a inovação com a tradição da língua, o que gera o efeito original que

conhecemos:

Trata-se de buscar uma linguagem brasileira e acessível, oralizante quando for o caso, mas ao mesmo tempo correta e exata, sem barateamento nem empobrecimento, sem medo de recorrer ao inesgotável manancial léxico e sintático que nos deixaram os autores portugueses e brasileiros de tantos séculos de uma riquíssima literatura. Um grande desafio consciente. ( MACHADO, 2006, p. 55).

E esse “desafio consciente” foi majestosamente encarado pela escritora. O

resultado pode ser visto e conferido na riqueza de seus livros, tanto no enredo _

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sempre riquíssimo e surpreendente_ como na linguagem: inovadora, polissêmica,

original, mas sem deixar de ser culta.

ATIVIDADES para os alunos sobre polissemia

10- Considere os seguintes trechos e perceba o jogo de palavras e significados:

11- palavras/significados:feitos pela autora e explique-os:

a) Esses jogos com a linguagem e significados geram efeitos de humor? Por quê?

b) Cite as diferentes interpretações de cada termo polissêmico dos trechos acima:

c) Agora, atente para o trecho seguinte:

“Toda a população da aldeia e dos campos gritando:

_ Acorda! Acorda! Acorda!

Acabou perguntando:

_ Que corda é essa que vocês tanto pedem? Peguem logo a corda e me

deixem dormir...”.

“Com tantos reais músicos tocando, nunca sentiram a mudança do canto

dos pássaros pelo dos grilos.

_ Grilo ? Que é isso? Já não chegam minhas preocupações, e você ainda

vem me encher a cabeça de grilos ?”

“ [a rainha] disse para Vossa Majestade vir logo to mar seu real banho,

que a real banheira já está cheia e a real água vai acabar esfriando”.

“ ... a real comida já vai para a real mesa e está realmente deliciosa.”

“ Diga à Rainha para ela ir tomar banho , se faz questão de aproveitar essa

água”.

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c) Quais possíveis significados as palavras “real”/”realmente”, tantas vezes

repetidas no decorrer da história ( mais de cinquenta vezes) , podem assumir?

HORA DE ESCREVER

11- Que tal criar você também uma História Meio ao contrário? Seja criativo (a) e

subverta o enredo de um conto tradicional que você conheça. Crie novas

situações, novos conflitos, novos cenários. Depois leia sua história para a turma

e ouça a história dos colegas.

OBS: Para que não se torne exaustiva, a leitura dos textos poderá ser feita no

início da aula, por vários dias, até que todos tenham lido sua história.

PESQUISA E LEITURA

12- Ana Maria Machado é uma grande escritora. Pesquise na biblioteca outros

livros que ela escreveu e leia-os na aula de leitura e/ou em casa. Depois conte

uma história para um colega e ouça a história que ele vai lhe contar.

A FADA QUE TINHA IDEIAS, DE FERNANDA LOPES DE ALMEI DA

Considerações sobre autora e obra

Fernanda Lopes de Almeida consagrou-se como escritora de livros infantis

de qualidade estética inquestionável. Conquistou o carinho dos pequenos leitores

graças ao seu jeito inovador de ver o mundo, de combater, em seus livros, as

opiniões “emboloradas” e a preguiça de pensar, de criar, de ser criativo.... e para

isso usou personagens cheios de idéias, como Clara luz. Com mais de 30 anos

( lançado em 1971), A fada que tinha ideias é uma história atual, já que seu

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assunto não se esgotou, pois é universal: a luta da criatividade contra a

submissão passiva às normas.

Sandroni7 lembra que o livro foi lançado quando o país vivia um dos mais

duros períodos do regime militar, com severa censura exercida pelo governo e

que mesmo assim A fada que tinha ideias escapou das garras da repressão e

tornou-se um marco na história da narrativa infantil brasileira por abordar com

coragem o tema da liberdade de expressão, representando uma alegoria sobre a

resistência à ditadura militar que submetia corações e mentes, despertando a

esperança em um futuro de liberdade

Tomando como base as ponderações de Zilberman ( 2003), pode-se dizer

que as características emancipatórias dessa obra são discerníveis a partir do

título; o universo é fantástico, pois os personagens são fadas, e dentre elas

destaca-se uma que “tinha idéias”, fugindo dos padrões convencionais de fadas

bonachonas e de papel secundário, que apenas auxiliavam o herói ou heroína.

Clara Luz chama a atenção por seu temperamento original, que segue

suas inclinações mais espontâneas e rejeita o que lhe parece autoritário e

ultrapassado ( neste caso representado pelo livro das fadas, a que suas

companheiras obedeciam cegamente).

E devido às atitudes “revolucionárias” ela desencadeia uma autêntica

“crise de Estado” quando suas ideias _ manifestações de liberdade e

espontaneidade_ invadem o palácio da Rainha, fonte de repressão e

autoritarismo. O confronto entre as duas, nos capítulos finais, representa a

oposição entre o velho e o novo, a autoridade e a liberdade, o medo ( de quem

vive preso a favores e regalias proporcionados pelo poder, como as

Conselheiras) e a coragem de quem sabe que tem ideias próprias. Nessa parte

pode-se perceber uma intertextualidade com Alice no país das maravilhas, de

Lewis Carrol, no encontro da menina Alice com a Rainha de Copas.

Ao contrário dos contos de fadas tradicionais em que os obstáculos são

vencidos pela ajuda externa, nessa história, o grande impedimento_ a Fada

Rainha _ é enfrentado através de recursos humanos e não com auxílio da magia.

É através das ideias que Clara luz consegue convencer a rainha a superar o

sistema ultrapassado e a atualizar-se. Embora a luta _ e a vitória _ sejam

7 Laura Sandroni é critica literária e escreveu o posfácio do livro A fada que tinha ideias , 2006.

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individuais ( não houve luta/empenho coletivo na resolução do conflito, somente

Clara Luz fez a diferença), o desfecho sugere que é possível vencer o poder

quando o desafio é feito com inteligência.

Magalhães (1987, p. 141) ressalta que apesar de modificar o

comportamento do grupo, a personagem não muda a modalidade social e política

vigente, contudo sinaliza que é através das ideias que isso pode ocorrer:

Embora a conclusão da história não apresente o status revogado, apenas adaptado às exigências de modificação, o livro enfatiza a importância da inquietação e da independência de ideias como fator de modificação da sociedade.

Zilberman (2003) ao avaliar a obra, também tece considerações

importantes sobre aspectos como o uso de elementos fantásticos e a crítica ao

modelo social:

Colocando questões centrais relativas à vida da criança e solidarizando-se com a ótica desta última, o que sai valorizado é o mundo infantil enquanto simboliza manifestação do novo, do livre e do criativo. Por sua vez, é pela presença do elemento fantástico que a imaginação adquire vida ( como a chuva colorida ou a ampliação dos horizontes), exercendo a representatividade esperada; igualmente, torna-se possível o acesso da criança aos mecanismos que manipulam o poder, visualizando o exercício da autoridade, desde seus sintomas aparentes _ a velhice, a rabugice_ até suas singularidades mais obscuras, como o parasitismo da Conselheiras e o servilismo das Damas de Honra.( ZILBERMAN, 2003, p.203).

Contudo, Zilberman ainda pondera que o âmbito escolhido por Fernanda

Lopes de Almeida em A fada que tinha ideias restringe-se praticamente ao lar e à

escola e por isso não estão integrados no relato aspectos da realidade masculina,

como o trabalho e o relacionamento com a mulher. A única família completa é a

do Sr. Relâmpago, mas esse parece um velho aposentado, sem muita atuação no

meio social, resultando na supremacia do mundo e dos horizontes femininos ao

longo do livro.

Essa restrição, porém, não diminui o valor da obra, considerada um

clássico da literatura infantil. Pelo contrário, há de se valorizar a fuga da

exemplaridade, a originalidade do enredo, o caráter inovador de representar o

mundo infantil e seus conflitos , a estimulação da criatividade, o pioneirismo da

personagem Clara Luz , classificada por Coelho (1991), como personagem

Individualidade: criatura cheia de energia vital, anticonvencional, enigmática...

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“que enfatiza o questionamento da vida e do homem, seja quanto às convenções

já superadas, seja quanto ao mistério de viver”.

ATIVIDADES para os alunos sobre A Fada que tinha i deias

A leitura do livro será feita pela professora, dois capítulos por dia. Seguirá

os mesmos critérios citados anteriormente, baseados em Estratégias de Leitura,

de Isabel Solé.

13- Após a leitura, as seguintes atividades serão p ropostas:

a) Complete o quadro abaixo, analisando Clara Luz e as fadas das histórias

tradicionais:

Aparência : fazer ilustração também

Atitudes

INTERPRETAÇÃO/COMPREENSÃO

b) Inventar suas próprias mágicas era o que Clara Luz mais queria. O que a

impedia de inventá-las?

FADAS TRADICIONAIS CLARA LUZ

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c) E você? Gosta de inventar coisas? O quê? Há algo que te impeça de

inventar, de expor sua criatividade?

d) Na época em que o livro foi escrito ( 1971) não havia “liberdade de

expressão” , como vimos anteriormente. Então, o que essa história pode

significar?

e) Qual a invenção de Clara luz você achou mais interessante? Por quê?

Faça um desenho representado essa invenção ( para expor no mural da

sala).

f) Que motivos levaram Clara luz a “desobedecer” as ordens da Rainha? Isso

teve conseqüências? Quais?

g) Em que situações a “desobediência” pode ser necessária e trazer

conseqüências positivas? E o contrário também pode ocorrer? Em que

situações?

h) As Fadas Conselheiras não questionavam as ordens da Rainha. Por quê?

i) Como era a Rainha? Quais atitudes dela você considerou erradas? Por

quê? Como deve ser uma Rainha na sua opinião?

j) Essa história foi escrita na mesma época de História meio ao Contrário,

que já analisamos e discutimos. O que elas têm em comum? Quais as

possíveis intenções da autora ao escrevê-la?

k) Há situações engraçadas na história? Quais, na sua opinião?

l) Enfim, as ideias de Clara luz tiveram êxito e levaram a Rainha a rever seus

métodos. A partir disso, o que podemos denotar sobre o “poder” das ideias?

14- Que sentidos polissêmicos/diferentes podem assumir tais fatos/expressões

que aparecem na história:

a) As fadas velhas não queriam saber de

“inventar mágicas novas”:

b) Só “obedeciam ao velho livro de magia”:

c) O livro de magia estava “embolorado”:

Figura 5

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d) Clara Luz pretendia escrever um livro sobre

“horizontes novos”:

e) Enxergar “além do horizonte”:

f) “Abrir os horizontes”:

Figura 6

HORA DE ESCREVER

15- Se você fosse Clara Luz e fosse inventar uma mágica bem original, qual seria?

Que tipo de ingredientes seriam usados? Escreva para depois mostrar para seus

colegas. Pode ilustrar também.

MOMENTO DA DRAMATIZAÇÃO

16- Em grupos de seis alunos, transforme a história A fada que tinha ideias em

uma dramatização. Pode usar fantoches, teatro de sombras, mímica... O texto

terá de ser reescrito e adaptado para ser dramatizado, os papéis deverão ser

distribuídos para os alunos do grupo, ensaiado e depois apresentado para a

turma no dia marcado.

CHAPEUZINHO AMARELO, DE CHICO BUARQUE

Considerações sobre o autor e obra

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Chico Buarque é o nome artístico de Francisco Buarque de Hollanda,

músico, dramaturgo e escritor. Sua trajetória e militância política nos anos de

ditadura são amplamente conhecidas, pois foi um artista muito ativo na crítica e

na luta pela democratização do Brasil.

Suas músicas, desde A banda, com a qual venceu o Festival de Música

Popular Brasileira de 1966, tiveram grande conotação política, com críticas e

questionamentos quanto aos aspectos sociais, econômicos e culturais da época,

o que mais tarde chegou a levá-lo ao exílio e posteriormente a adotar o

pseudônimo de Julinho da Adelaide, sendo a forma encontrada para driblar a

censura. Sua carreira literária é composta de vários livros de sucesso, inclusive

foi ganhador do Prêmio Jabuti, pelo livro Budapeste, lançado em 2004.

Seu único livro destinado ao público infantil é Chapeuzinho Amarelo, de

1979. A desmistificação do medo é a tônica principal da narrativa, além da

(des)caracterização dos personagens-símbolos, assim como o aspecto lúdico

criado pelo “jogo” de palavras e os efeitos de sentido criados a partir desse “jogo”

e ainda o ritmo assumido pela narrativa que se torna uma verdadeira “poesia”.

Chapeuzinho Amarelo, amarelada de medo, tinha medo de tudo,

principalmente do lobo. Mas, ao enfrentar o seu medo de frente (o que faz o lobo

virar bolo) acaba impondo-se perante ele e dominando-o. O lobo, de forte e

dominador passa a fraco e submisso. Chapeuzinho, por sua vez, deixa de lado a

fragilidade e descobre sua força. A solução para o conflito _ neste caso a

superação do medo, representado pelo lobo _ não se dá de forma coletiva nem

individual, como nas histórias anteriores, mas no plano psicológico.

Essa é uma das muitas versões de Chapeuzinho Vermelho, de Charles

Perrault, o conto de fadas mais parodiado de todos. Sobre o discurso existente

nos contos tradicionais, Bonotto8 ressalta:

O discurso que existe na história de Chapeuzinho Vermelho, como a conhecemos de Perrault, foi parafraseado pelos Irmãos Grimm, uma vez que a formação ideológica em que ambas as versões se inscrevem praticamente não se modificam, apesar de estarem separadas por quase dois séculos. Mas como esta é uma história cujas origens se perdem nas narrativas orais em um tempo anterior a

8 BONOTTO, Martha E.K. Kling, no artigo Chapeuzinho Amarelo: um novo sentido para uma velha história, 2003.

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Perrault e Grimm e suas múltiplas reescrituras continuam acontecendo até hoje, é interessante notar como a grande maioria delas apresenta um discurso parafrástico, mantendo o sentido instaurado naquelas antigas versões. Assim chamam atenção aquelas versões em que se pode verificar a instauração de um sentido novo. (BONOTTO, 2003,p.56).

E esse sentido novo é percebido em Chapeuzinho Amarelo, pois as

tradicionais posições-sujeito do Lobo e de Chapeuzinho sofrem uma reversão

total em função da mudança de sentido do medo, alcançando o que Orlandi (1987)

chama de discurso lúdico, havendo reversibilidade dos sentidos dominantes,

resultando na polissemia, uma vez que não há manutenção do sentido instituído,

nem repetição e paráfrase.

Segundo Coito (1996), Chico Buarque “soube ser original ao desmistificar o

medo sem vulgarizar o mito ao se utilizar do jogo de palavras e ideias” (p. 65) e

que ao “brincar” com as palavras, o autor sugere que enfrentar o medo é uma

forma de libertação.

[essa história] possui a virtude catártica muito mais evidente do que no clássico, já que na versão moderna, a libertação não fica no nível da imaginação da personagem principal; ao agir, a protagonista cria uma situação em que há uma inversão de papéis; o terror foi abolido e a piedade, por parte do leitor, volta-se para o pretenso vilão que é despersonalizado com certo humor.(COITO, 1996, p. 66).

O uso lúdico da linguagem é outro fator a ser considerado nessa história,

pois colabora na construção dos sentidos. Em forma de narrativa-poema,

apresenta rimas que dão um ritmo agradável à leitura. Outras “brincadeiras”

semânticas são feitas com palavras de trás para frente, criando novos sentidos,

como por exemplo, lo-bo/bo-lo, Jacoru ( coruja), Gãodra ( dragão), xabru ( bruxa),

etc. A repetição ( “ aquele medo do medo do medo, do medo”), além de enfatizar

a idéia pretendida, também cria um efeito artístico interessante.

ATIVIDADES para os alunos sobre Chapeuzinho Amarel o

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Novamente a leitura seguirá os passos descritos em Estratégias de leitura,

de Isabel Solé.

INTERPRETAÇÃO/COMPREENSÃO

17- Após a leitura, as atividades a seguir serão re alizadas:

a) Comparando a história Chapeuzinho Vermelho, de Perrault, com

Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque, complete o quadro:

b) A história trata basicamente de que tema? Explique:

c) Que conotação/sentido a cor Amarela assume na história?

d) Em que momentos você “amarela”?

e) Qual era o principal “problema” de Chapeuzinho Amarelo? Esse problema

foi resolvido? Como? Por quem?

f) E o lobo? Por que perdeu a coragem e ficou com medo de Chapeuzinho?

g) Você acha que falando sobre os nossos medos e enfrentando-os podemos

lidar melhor com eles? Justifique sua resposta:

h) Quais são seus maiores medos? É possível enfrentá-los? De que forma?

i) Quanto ao estilo da narrativa, ( o jeito com que o autor escreve), o que

você percebeu? É um texto como os outros ou há diferenças? Quais?

j) Copie da história as palavras que rimam e pense em mais duas para rimar

com elas: Ex: azedo/medo: segredo/dedo

k) O autor brincou com as palavras invertendo a ordem das sílabas: Copie as

palavras em que isso acorreu:

SEMELHANÇAS DIFERENÇAS

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l) Agora, vamos listar os medos de todos os colegas da turma ( resposta da

questão “h”) e vamos brincar com as palavras, invertendo suas sílabas,

formando novos vocábulos, como o autor fez:

Ex: fantasma: Matasfan ou Tasmafan

Escuro: Curoes ou Rocues, etc...

LEITURA/PESQUISA

18- No laboratório de informática, pesquise sobre o autor dessa história, ouça

algumas de suas músicas, leia sobre a vida dele. Há muita coisa interessante

para descobrir.

19- Na biblioteca, busque livros que tragam diferentes versões de Chapeuzinho

Vermelho. Depois você irá contar o que leu aos colegas e ouvir as histórias deles.

Assim ficará sabendo de muitas versões da mesma história, porém com

diferentes enredos.

HORA DE ESCREVER

20- Agora é sua vez de inventar uma versão bem criativa para essa história. Pode

envolver diferentes personagens, inventar novas situações, em diferentes

ambientes... Depois de ler para os colegas, sua história ( ou outra produzida no

decorrer da implementação do projeto) será transformada num livro que ficará na

biblioteca para ser lido pelos outros alunos da escola. Capriche.

OBS: Com essa atividade se pretenderá minimizar a condição da criança de

“receptora” passiva de bens culturais como frisou Perroti (1982)9, e evidenciar

sua capacidade de também os produzir de forma criativa e competente, a partir

de seus próprios pontos de vista.

9 PERROTI, Edmir. A criança e a produção cultural. In: ZILBEMAN, Regina (org.). A produção cultural para crianças , 1982.

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Figura 4: Acesso em 12/02/2010 http://t0.gstatic.com/images?q=tbn:5W1E_vcRHvxJfM:http://galeota.files.wordpres

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Figura 6: Acesso em 21/04/2010

http://t2.gstatic.com/images?q=tbn:QWXeErYI2oTy-

M:http://www.finalsports.com.br/03/blog_serginho/wp-

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