da escola pÚblica paranaense 2009 · 1 as bandeiras eram expedições organizadas para ir ao...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO
SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO
DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL
CADERNO TEMÁTICO
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO:
Professor PDE: NESTOR LUIZ MORGAN
Área PDE: GESTÃO ESCOLAR/HISTÓRIA
NRE: Francisco Beltrão
Professor Orientador: Mestre Gilmar Fiorese.
IES vinculada: UNIOESTE – Francisco Beltrão.
Escola de Implementação: Colégio Estadual Mário de Andrade – E. Fund. e Médio,
com alunos de 7ª série.
Público Objeto da Intervenção: Alunos.
A) TEMA DE ESTUDO DO PROFESSOR PDE:
A ocupação da região de Guaíra no atual Estado do Paraná: o conflito entre os índios, os
jesuítas e os bandeirantes paulistas nos séculos XVI e XVII.
B) TÍTULO
Conflitos entre índios, jesuítas e os bandeirantes paulistas nos séculos XVI e XVII.
INTRODUÇÃO (JUSTIFICATIVA/ PROBLEMATIZAÇÃO)
O estudo de História do Paraná esta cada vez mais inserida no contexto e nos conteúdos
diários da escola publica. É importante aprofundarmos alguns aspectos, que ainda são
pouco conhecidos do publico. Dentro deste contexto, trabalhamos o tema “as missões
jesuíticas de Guaíra (séculos XVI e XVII), em um recorte histórico no contexto do
Paraná, buscando algumas das várias ramificações, ou possíveis causas e envolvimentos
que acabou culminando com a destruição completa dos nativos, dos nossos indígenas na
região de Guaíra. A ocupação da região de Guaíra no atual Estado do Paraná envolve de
maneira singular portugueses, espanhóis de um lado e de outro os nativos e os jesuítas.
É a cobiça do bandeirante de um lado e do outro o nativo com seu sistema de vida
totalmente voltado para uma cultura adversa da européia, acostumada ao trabalho de
exploração e de acumulo de capital.
Mesmo antes do descobrimento do Brasil, tratados e acordos, acabaram selando o futuro
de nossos nativos. O Contexto histórico do pré-descobrimento do Brasil, e em especial
de nossa região, esta com sua história muito ligada. Tratados e acordos políticos, como
o Tratado de Tordesilhas, acabaram ficando num segundo plano. Fica para nós a máxi-
ma do filósofo grego: a amizade é anterior a justiça. Pois os reinos de Portugal e de Es-
panha possuíam fortes vínculos consangüíneos, que acabam culminando com a União
Ibérica. Momento forte que vem refletir diretamente no aceleramento da destruição de
nossos nativos, como veremos ao longo de nossos textos.
Entender melhor a problemática do descobrimento do Brasil, colonização européia, ou a
invasão na América é uma questão bastante discutida. Neste recorte histórico na região
de Guaíra, Analisaremos o relacionamento pacífico em alguns momentos e violento e
depredador em outros entre europeus e nativos. Estudaremos a presença dos espanhóis
tidos como os primeiros invasores na região de Guaíra e posteriormente temos a
instalação das missões jesuíticas e finalmente a chegada dos portugueses provenientes
de São Vicente e da Vila de São Paulo os popularmente conhecidos como bandeirantes1. 1 As Bandeiras eram expedições organizadas para ir ao interior da colônia do Brasil. Os seus participantes eram conhecidos como bandeirantes. Havia três tipos de bandeiras: de exploração promovidas por órgãos governamentais, as bandeiras de caça e aprisionamento de índios e as bandeiras de busca de metais
2
Dentre as questões que nortearão as reflexões destacamos as seguintes: a) Qual a
relação entre o Tratado de Tordesilhas e a ocupação da região de Guaíra? b) A chegada
dos portugueses no Brasil foi um acidente ou uma viagem detalhadamente planejada? c)
Os jesuítas constituíram-se em mais um grupo de exploradores ou realmente assumiram
um compromisso com os nativos? d) Qual foi a posição dos jesuítas diante dos
genocídios covardia ou luta em defesa dos índios? e) A educação e vida nas missões se
caracterizavam como opressão e desrespeito, ou uma vida comunitária saudável? f)
Como era o relacionamento entre os jesuítas e os “feiticeiros” dos diversos grupos
indígenas da região de Guairá? g) Que fim levaram as missões e os jesuítas? h) Qual foi
a reação da Espanha diante das expedições dos bandeirantes para capturar os índios em
seu território?
http://www.google.com.br/#hl=pt-BR&source=hp&q=fotos+%C3%ADndios+amaz
%C3%B4nia&aq=0&aqi=g3&aql=&oq=fotos+
%C3%ADndios&gs_rfai=&fp=2fdbb4db882bc1dd (Fonte de pesquisa: internet Junho
2009)
preciosos.3
OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS
Ampliar os conhecimentos sobre História do Paraná, bem como criar novas
perspectivas de ensino a partir das fontes históricas pesquisadas.
Compreender o contexto histórico e apontar alguns dos motivos que
desencadearam os conflitos entre os europeus e indígenas nos séculos XVI e XVII.
Fazer uma revisão historiográfica do tema e dos materiais didáticos
disponíveis.
Buscar a melhoria da qualidade do ensino nas escolas públicas paranaenses, na
área de História.
Produzir material didático para facilitar o entendimento do tema em estudo.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA/REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Brasil: descobrimento minuciosamente planejado ou acidente de percurso?
Antes de
tratarmos do tema
propriamente, dito é
importante fazermos
uma retrospectiva
histórica e
avaliarmos algumas
situações já
existentes. Isto se
faz necessário, para
que possamos
entender melhor o
desenrolar dos
acontecimentos ao
longo de nossa
análise a respeito da
região e do tema em estudo.
4
Para entender melhor o conflito na região de Guaíra, devemos nos reportar ao
período anterior ao descobrimento, pois, em tese os problemas já estavam delineados.
No final do século XV os espanhóis já haviam feito acordos com os seus visinhos
europeus que posteriormente tornaram-se vizinhos na América, no caso os portugueses.
Assim nossa questão remete a três momentos, com uma ligação direta nos conflitos
travados entre os povos nativos, na região de Guaíra.
5
= I =
A assinatura do Tratado de Tordesilhas.
A Assinatura do Tratado de Tordesilhas se deu entre Portugal e Espanha.
Aconteceu antes de os portugueses se lançarem ao mar em busca da existência do
Brasil, pois sua existência era duvidosa para a época. Pouco depois da volta de
Colombo, das Américas, em maio de 1493, foi promulgada a Bula Inter Coetera, que
reconhecia ao Reino de Castela o domínio sobre todas as terras que se encontrassem
localizadas a 100 léguas a Oeste das ilhas dos Açores e Cabo Verde. Como nos informa
Divalte:
Portugal, sentindo-se prejudicado, não aceitou a bula papal e exigiu uma negociação direta. O resultado foi o Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494, em que os reinos ibéricos estabeleceram uma divisão do mundo. Segundo o tratado, terras e mares encontrados ou por encontrar (desde que não pertencessem a nenhum rei cristão) seriam divididas entre Espanha e Portugal. O meridiano que passa a 370 léguas a Oeste das ilhas de Cabo Verde foi tomado como linha divisória. As terras localizadas a Oeste pertenciam a Espanha, as do Leste a Portugal. (2003, p. 70)
As medições do Tratado, geravam discórdias, quanto a diferença entre a légua
portuguesa e a légua castelhana antiga. Segundo Maack:
Tomando-se por base a légua castelhana antiga, de 3 milhas = 5.572 m no sistema métrico, a linha de demarcação cai a uma distância de 2.061,6 Km, i. e . , medida do meridiano de Santo Antão. (...) Medindo-se, porém, a distância com a légua portuguesa de 3.000 braças a 2,20 m = 6.600 m do sistema métrico, vai se ter a linha demarcatória a 22º55’22”. Esta diferença de longitude se constituiu em constante motivo de disputa entre portugueses e espanhóis. (1981, p. 15).
6
= II =
Chagando ao Brasil em 1500.
Há muito que a discussão acadêmica e o revisionismo histórico têm procurado
mudar paradigmas, e rever fatos e conceitos a respeito de nossa história. Um dos fatos
mais marcantes e clássico é o do “Descobrimento do Brasil”. Para alguns houve o
descobrimento e foi por acaso, para outros foi uma invasão planejada. Reinhard Maack2
procurou demonstrar que a descoberta do Brasil foi algo premeditado, detalhado e um
projeto ambicioso elaborado com eficiência e precisão. A gigantesca, esquadra lusitana
que veio ao Brasil, era composta dos mais experientes navegadores que participaram
daquela missão.
Segundo Maack, D. Manoel reunindo sua maior esquadra composta de nove
naus3, três caravelas e a naveta de mantimentos constituindo uma gigantesca frota para a
época. Seus navegadores a maioria de origem nobre, ao todo eram mais de 1.500
homens, dos quais cerca de mil não mais retornaram. A corte lusitana não arriscaria
seus mais brilhantes navegadores em tamanho empreendimento se não houvesse a
certeza concreta, de seus objetivos serem atingidos. Ainda conforme Maack:
A história das pesquisas no Paraná inicia-se com a descoberta e tomada de posse, por Pedro Álvares Cabral em 22 de abril de 1500, da faixa litorânea brasileira entre 16º20’ e 17º00’ de latitude sul. (...) A viagem de Cabral e a tomada de posse da “Terra de Vera Cruz”, ou “Terra Sancte Cruzis sive Mondus Novus”. (...) O mapa de Bartolomeu Pareto, do ano de 1455, e o de Graciosus Benigcasa de 1482 são exemplos disso. (1981, p. 5, 6).
2 R. Maack, (1892 - 1969) nasceu na Alemanha e morreu no Brasil. Formado pelo Instituto de Geografia e Geologia da Universidade de Berlin. Aos 20 anos foi para a África, em 1923 fixou-se no Paraná, trabalhou no Museu Paranaense. Entre 1933/34 executou levantamentos itinerários nos vales do rio Ivaí e alto Paraná, até Guairá. Foi preso durante a II Guerra Mundial na Ilha Grande (Brasil). Em 1959 fez um estudo sobre o itinerário do explorador Ulrich Schmidl, através do Sul do Brasil no século XVI. Afirmava que o espaço geográfico não é estático. Estudou os paleoclimas da África e da América do Sul. Ocupou-se dos problemas da devastação das matas e do rompimento do equilíbrio natural. Analisou os relatos das viagens de descobrimento e exploração ocorridos entre os séculos XV ao XIX, baseando-se em relatos de navegadores e náufragos deste período. 3 Seis das 9 naus da frota de Cabral tinham cerca de 35 metros de comprimento (10 a mais que as caravelas), com capacidade para 180 tonéis. A nau-capitânea, aonde navegava Cabral podia receber 350 tonéis.
7
Marco português de desembarque no Brasil.
São Vicente (SP) - Foto: Beatriz Besson Morgan - 2001
Em suas pesquisas Maack, afirma que Fernão Dulmo4, tomou conhecimento do
Globo de Martin Behaim, publicado em 1492. O referido globo corresponde com
pequenas exceções ao mapa mundi do Cosmógrafo florentino Toscanelli do ano de
1474. Com base naqueles conhecimentos geográficos, Maack sustenta que:
As caravelas não precisavam mais do que 43 dias, normais de navegação para se atingir a costa Sul Americana. O resultado das viagens de Cristóvão Colombo havia rompido definitivamente o sigilo em que os portugueses haviam envolvido as suas viagens de navegação. Colombo inaugurou as expedições descobridoras espanholas. Consequência disto é que depois destas navegações o mundo foi dividido em duas áreas de influência através do Tratado de Tordesilhas. Os portugueses conseguiram finalmente, obter um deslocamento da linha demarcatória para Oeste, e as duas potências concorrentes, a lusitana e a castelhana, entraram em acordo em 7 de junho de 1494, no Tratado de Tordesilhas, conforme o qual a linha demarcatória passaria a 370 léguas do Cabo Verde. (1981, p. 14)
4 Existe uma carta de doação, emitida por D. João II a Fernão Dulmo da Terceira, no ano de 1486. Este Fernão Dulmo era na verdade Ferdinand van Olm, um dos flamengos que se haviam estabelecido nos Açores. Dulmo declarara ao monarca que se propunha "procurar e achar uma grande ilha ou ilhas ou terra firme. (Fonte de pesquisa: internet: http://ruipmartins.tripod.com/ilhasete.html em 20/10/2009)
8
O Cabo Verde era um ponto conhecido dos navegadores. O extremo da Ilha de
Cabo Verde de Santo Antão está a 17º10’ de latitude Norte e 25º12’25” a Oeste de
Greenwich. Maack, sustenta seus estudos e afirmações em pessoas que viveram a época
(século XVI), como o naufrago Hans Staden que viveu na costa do Brasil, entre a Ilha
do Desterro e São Vicente. Staden passou grande parte de sua vida de naufrago como
prisioneiro de uma tribo antropófaga, que esperavam o momento propício para realizar
o ritual de devorar seu prisioneiro.
A viagem de Cabral, contou com o que havia de mais moderno em termos de
navegação na época. Contou com uma seleção de navegadores, todos muito experientes
tais como: D. Henrique, Diego Cão, Sebastião Del Cano, Bartolomeu Dias, Pedro
Álvares Cabral e Fernão de Magalhães.
Sabia-se, no século XV, que nos meses de maio não ocorrem tempestades nas
zonas dos alísios e das calmarias. Cabral, em sua viagem rumo as Índias Orientais,
desviou o seu curso e seguiu a rota 16º57’ de latitude Sul até a costa do atual Brasil.
Chegou ao seu destino em 22/4/1500, exatamente 43 dias após ter partido de Portugal.
Uma viagem desta distância e com os recursos da época era prevista em 40 a 45 dias de
navegação. Cabral e sua equipe fizeram o percurso em 43 dias. Na sequência, sem perda
de tempo mandou uma nau comandada por Pero Vaz de Caminha, imediatamente de
volta a Portugal comunicando ao Rei D. João I, que haviam atingido os objetivos e na
sequência seguiu para as Índias. A viagem era longa e os navegadores lusitanos sabiam
que era preciso ganhar tempo, antes que os ventos mudassem.
9
= III =
A união das coroas ibéricas
Portugal e Espanha estiveram unidos de 1580 a 1640. Período em que o Rei de
Portugal deixou o trono livre por ocasião de sua morte5. Seu sobrinho da Espanha,
assumiu ambos os tronos. Foi o período chamado de União Ibérica. A ascensão ao trono
de forma indireta por parte da Espanha encontrou certa rejeição, por parte da nobreza
portuguesa, porém sem poder de reação acabou assimilando a situação.
No Brasil os bandeirantes paulistas apoiaram a atitude espanhola, conseguindo
a simpatia dos mesmos. Os colonizadores europeus que habitavam o Brasil foram
beneficiados, pois não havia mais a necessidade de respeitar o Tratado de Tordesilhas,
firmado em 1494. Com isto as nossas fronteiras foram expandidas, a começar pela
ocupação do atual Estado do Paraná.
Porém durante a União Ibérica, o Brasil sofreu ataques dos inimigos da
Espanha. O governo de Felipe II se caracterizou, no Brasil (que era colônia de Portugal
na época), por uma administração militar com fins defensivos, pela descentralização
colonial, pela expansão territorial e pela formação de novos núcleos urbanos. Tal
política facilitou a entrada dos bandeirantes na região de Guairá.
5 Com a morte do rei D. Sebastião em 1568, na falta de herdeiros, quem assume o trono foi seu tio avô, o cardeal dom Henrique, homem idoso que morreu pouco tempo depois em 1580. Felipe II da Espanha reivindicava para si o trono português, com o argumento que era casado com dona Maria, filha de dom João III de Portugal, avô de dom Sebastião. (Divalte, p. 101)
10
= IV =
As primeiras visitas no Paraná: Cabeza de Vaca e Schmidl.
Os colonizadores espanhóis foram os primeiros europeus a cruzarem a região do
atual Paraná, passando na região de Guaíra. Vejamos como Lazier retrata o fato:
Entre os vários europeus que passaram pelo atual território do Paraná no século XVI, principalmente rumo ao estuário do Prata, procurando ouro e prata, pois corria a lenda que existia muito na região, dois deles merecem destaque: Cabeza de Vaca e Ulrico Schmidl.- O Rei espanhol Carlos V, firmou uma capitulação com Dom Álvaro Nunes Cabeza de Vaca em março de 1541, dando a ele o título de Adelantado, Governador e capitão Geral das terras que por ele fossem adjudicadas à coroa na área do Rio da Prata. Foi também nomeado Capitão Geral com jurisdição na ilha de santa Catarina. Chegou na atual Florianópolis (então ilha dos Patos), com duas Naus e uma Caravela. Seu destino era Buenos Aires. Decidiu, porém ir a Assunção por terra. Foi um dos primeiros a atravessar o Paraná de Leste para Oeste. Saiu da atual cidade de Florianópolis dia 02 de novembro de 1541 e chegou em assunção no dia 11 de março de 1542. Neste período percorreu 1.600 km. Tudo foi registrado no diário escrito por Pedro Fernandes, secretário da expedição. É o primeiro documento escrito que fala do Paraná, é nossa certidão de nascimento. (2003, p. 21)
Há relatos que afirmam que Cabeza de Vaca tenha usado o caminho de Peabiru. Na
revista Cadernos da ilha número 2 encontramos:
Há autores, entre eles Júlio E. Moreira (Caminhos das Comarcas de Curitiba e
Paranaguá) que negam a existência do Peabiru. Mas o fato é que em 1555 o ex-governador do
Paraguai, Álvar 11unes Cabeza de Vaca, por exemplo, contava sua caminhada desde a ilha de
SC até Assunção usando “o caminho feito por estes índios, o Peabiru...”. (...) O tronco principal
catarinense, que ainda não foi devidamente estudado, iniciava-se provavelmente relatos que
constata que os Guaranis de Florianópolis, conheciam Potosi, nos Andes. Sabiam como
ir caminhando. São mais de 2000 km em linha reta. Naturalmente seguiam os acidentes
naturais, rios, colinas, planícies e as estrelas.
A descrição da região pode ser assim sintetizada nas páginas da obra Guaíra, de
Gregory e Schallenberger:
Nossa região vestia-se da exuberância da natureza
intacta:esvoaçavam moscas , mosquito, pirilampos e borboletas
multicores; grunhiam catetos, pacas, veados e antas; rosnavam 11
raposas, jaguatiricas, gatos do mato e onças; soava o musical das
juritis, periquitos; saracuras e araras; sapos, lontras, sucuris e jacarés
completavam os açores da natureza em festa. (2008. p.7)
Através do texto citado, podemos ter uma idéia do que era o dia a dia na região
em termos de alimentação, mas também alguns inimigos naturais que se encontravam.
Tratando-se da vegetação se faziam presentes, as perobas, marfins, ipês, cana fístula,
além das gramíneas, samambaias, cipós e taquaras.
A Fauna e a flora por se tratar de uma região de clima tropical, aonde há
abundância de chuvas, Gregory e Schalelemberger destacam:
Fauna e flora se situada em região tropical, de chuvas torrenciais,
formadoras de riachos, dos rios Piquiri e Paraná, ricos de peixes, como
o pati, pintado, jaú e dourado, tudo isto embalado ao estrondo de
águas - muitas águas - encimadas pelo rutilante arco-íris das Sete
Quedas. (Guaíra, p.7 e 8).
12
= V =
GUAIRACÁ: flechas e burdunas contra espadas e bacamartes.
A região de Guaíra está localizada entre o rio Paraná na vertente Oeste, o rio
Tiete e rio Anhambi ao Norte, o rio Iguaçu ao Sul e a Leste a linha estabelecida no
Tratado de Tordesilhas (7/7/1494).
Ilustração 1 Fonte depesquisa internet: http://pt.wikipedia.org/w/... (pesquisado em agosto de 2009)
Baseando-se em Lazier, Hartmann Schallemberger descreve sobre a região de
Guairá: Era uma região de bons solos, de abundantes rios6 e de clima propício para o
desenvolvimento de atividades agropecuárias, tendo boa distribuição de chuvas, com
6 A Bacia do rio Paraná abrange mais de 10% do atual território brasileiro e cobre parte dos estados de Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Paraná. (Guaíra, p.29)Juntamente com as nascentes dos rios Paraguai, Paraná e Uruguai formam a Bacia do Prata.Antropólogos nos registram a presença de população tribal tais como os Tupy, os Kaigang, os Gualachos, os Guayra, Guaná, e os Guayaki na região de Guaíra.
13
maior intensidade no verão, e uma temperatura média em torno de 23º. (apud, 1997, p.
174)
A região era ocupada por milhares de índios, que não foram respeitados pelos
invasores europeus, tanto espanhóis como os portugueses.
A violência praticada contra os índios foi fator gerador de união entre os
mesmos. Isto dificultou e retardou a ocupação da região por algum tempo. Foi neste
contexto que surgiu uma liderança nativa, o cacique Guairacá, que conseguiu congregar
as tribos, da região, dificultando a conquista por parte dos bandeirantes.
-
Família de nativos, na região que hoje pertence a Argentina.
–Foto: Arquivo particular prof. Nestor Luiz Morgan (janeiro 2010).
Nas palavras de Lazier temos:
Foi então que surgiu Guairacá como grande chefe, grande general guairenho, lançando a todos os quadrantes do país dos guaranis, o grito de guerra que havia de repercutir na história: – Co ivi aguerecó yara!7 .Enquanto o europeu apareceu em suas terras como hospede, teve acolhida generosa. Mas depois vieram outros europeus em tom de guerra. E as aldeias se movimentaram. Os povos do Paranapanema, do Tibagi, do Ivaí, do Piquiri e do Paraná, com seus chefes principais, combateram sob o comando em chefe do heróico guerreiro guarani. (2003, p.29)
7 Esta terra tem dono!14
Registros nos dão conta de que na época, só na região do Tibagiba (Tibagi),
existiam mais de 100.000 nativos. Os guaranis já haviam enfrentado os invasores antes
das ações de Guairacá. Em 1532 haviam enfrentado as tropas de Aleixo Garcia e
destruíram a expedição de Jorge Sedenho, nas proximidades de Sete Quedas. Com a
insistência do governo de Assunção em submeter os nativos através de expedições
militares a região do Rio Paraná e seus afluentes se tornou palco de sangrentas lutas
entre castelhanos e silvícolas. O lobo dos campos e das águas, como era também
chamado Guairacá, venceu cinco grandes expedições militares espanholas: Tropas de
Irala em 1554, Tropas de Nufo de Chaves em 1555, Tropas de Alonso Riquielme em
1561, Tropas de João de Garai em 1576, Tropas de Hernando Savedra em 1601. Foram
duras lutas contra as tentativas espanholas de ocupar a região, em que a liderança de
Guairacá, soube vencer com seus guerreiros.
Hernando Arias Savedra, governador do Paraguay, havia vencido os índios dos
pampas e do Grão Chaco, no Sul. Porém ao transpor o rio Paraná suas tropas foram
duramente combatidas pelos guerreiros de Guairacá. Demerval em História Geral do
Paraguay escreveu:
Então esmorecido por estas tentativas infrutuosas, que lhe custaram avultado número de soldados, Hernando Arias propôs a sua majestade renunciar a força das armas para submeter os índios, e tentar a sua conversão por meio de missionários que lhes levassem a palavra do evangelho. (apud Martins, 1940, p. 75)
Segundo historiadores, Guairacá foi um dos raros casos em que não se aliou,
para defender aos interesse de nenhum dos invasores. Defendeu a sua gente com as
próprias armas da mesma terra. Informações do Padre Torres nos dão conta de que na região
habitavam em torno de 400.000 almas, sem sacerdote. Em 1578 no Estuário da Prata, os Pe.
Franciscano Buena Ventura e Luís Bolaños fundaram margeando o rio Paraguay, as reduções de
Atira, Pitum, Ipane e Guarambaré. Em 1607 foi criada a província Jesuítica do Paraguay,
foi a partir daí que os inacianos assumiram efetivamente a evangelização dos índios sob
o comando do Pe. Jesuíta Lorenzano.
15
= VI =
A AÇÃO DOS JESUITAS.
No início de seus trabalhos os jesuítas tiveram o apoio da administração
colonial, que cedeu as terras, construiu casas e igrejas. Porém esta parceria durou muito
pouco. Talvez por uma visão equivocada que a coroa tinha dos jesuítas, ou por achar
que necessariamente os jesuítas estariam ao lado da exploração sem limites dos nativos.
Porém não foi o que aconteceu. Ao longo da história percebemos que os atritos entre os
jesuítas na defesa dos índios, gerava constantes conflitos com os colonos e os
conquistadores. A preocupação do colonizador e dos conquistandores europeus era
escravizar os nativos, já à igreja queria convertê-los ao cristianismo. Este trabalho se
dava, primeiro ambientando-se aos nativos, depois fazendo o trabalho missionário. É
importante observar que não há registros de punições, ou maus tratos pelos jesuítas.
Mesmo no relacionamento com os pajés, que geralmente eram conhecidos como
feiticeiros. Fator este que atraiam muitos nativos as missões, por que oferecia certa
segurança. O missionário Montoya em sua obra: Conquista Espiritual, relata casos de
conversão de vários pajés, que se tornaram grandes colaboradores. O governo espanhol
tinha que administrar os conflitos entre os encomendeiros8 e os jesuítas.
Os Jesuítas reuniam os índios em reduções para facilitar a catequese e evitar a
escravização dos nativos. A região de Guaíra foi escolhida para ser a instalação das
primeiras missões pela grande quantidade de índios existente.
As duas primeiras reduções no Guaíra foram as de Loreto e Santo Inácio,
instaladas nos anos de 1610 e 1611, nas margens do Rio Paranapanema. No início, o
trabalho foi muito difícil, pois os índios desconfiavam ser mais um instrumento de
dominação dos brancos, e também por causa da ação dos feiticeiros, Pajés9, que muitas
vezes contestavam a ação dos padres e ao mesmo tempo ameaçavam o seu poder. Entre
1622 e 1628 com a liderança do Pe. Antonio Ruyz Montoya foram criadas muitas
reduções. Há autores que falam em 13, já Reinhard Maack, em sua obra: Geografia
Física do Estado do Paraná, fala em 24 reduções, na região do Guaíra. Ao todo são 30
reduções, sendo 15 no Brasil, 8 na Argentina e 7 no Paraguai. À medida que aumentava
8 A encomienda, segundo Schallenberger, 2006, o descrito no livro “O Guairá e o espaço missioneiro, era uma instituição típica do feudalismo espanhol e resultou das guerras da reconquista, onde aos chefes militares era dado o título de governador das áreas que haviam ajudado a conquistar9 O pajé é o líder espiritual da tribo. Possuía poder de cura, de conversar com os espíritos, conhecia as plantas medicinais. Tinha muito prestígio e respeito entre os índios.
16
a densidade populacional nas missões, aumentavam os atritos com os encomendeiros,
colonos e com os famosos e cruéis bandeirantes. As incursões para aprisionar os índios
se intensificaram durante o domínio espanhol da União Ibérica (1580 a 1640). O fato de
a Holanda estar em guerra com a Espanha dificultava o tráfico de escravos proveniente
da áfrica, para abastecer os engenhos do Brasil. A grande quantidade de índios na região
serviu de opção aos bandeirantes para solucionar a falta de escravos.
Ruy Dias Malgarejo foi o 1º a fazer do rio Guabay ou Huybay (Rio Ivaí), os
primeiros pontos de abastecimento, e que em 1576 levou a fundação de Vila Rica do
Espírito Santo, na margem Sul. Patrulha militares espanholas e jesuítas passaram a
subir o rio Iguaçu, Piquiri, Paranapanema (Paraguario), e Tibagi passando a fundar
povoados denominados reduções.
Conforme Maack, em 1578/79 foram radicados só no distrito de Vila Rica
200.000 (duzentos mil) guaranis. Além de Vila Rica do Espírito Santo, entre 1610 e
1730 foram fundados 23 estações missionárias ou reduções. Segundo Maack, temos
conhecimentos e registros de:
1) Rio Paranapanema:
1- Loreto do Pirapó, (1610);
2- Santo Inácio, (1610 -1612);
3- São Pedro.
2) Rio Ivaí (Huybay):
4- Vila Rica do Espírito Santo;
5- Santo Antônio;
6- Jesus Maria;
7- Santa Ana;
8- Asiente de la Iglesia;
9- São João Evangelista;
10- São Roque.
3) No rio Corumbatay:
11- São Tomé;
12- Arcangeles.
4) No rio Piquiri:
17
13- Concepción;
14- São Pedro;
15- Los Angeles, (1624)
16- N. Sr. De Copacabana;
17- Timbó.
5) Rio Iguaçu
18- Cocepción.
6) No rio Tibagi:
19- São José;
20- São Francisco Xavier, (1622);
21- São Paulo;
22- Encarnação, (1625)
23- Santo Antônio
24- São Miguel (no rio dos Cavernos).
(1981, p.36)
18
Ruínas jesuíticas de Santo Inácio de Menir – Argentina. Foto Nestor Luiz Morgan (janeiro de 2010).
Nas palavras de Maack, no desenvolvimento e organização das reduções
jesuíticas, destaca-se o Padre Jesuíta Antônio Ruyz Montoya10, que além do plano
espiritual junto as missões, penetrou no plano político tendo como objetivo a fundação
de um Estado Teocrático. (1981, p. 37) Com certeza isto foi uma das grandes causas
que veio conflitar com os interesses portugueses e espanhóis na região.
São Paulo dista 16 léguas do litoral está fortificado com uma serra muito forte de
nome Panamá Piaçaba ou Paraná11. As terras são férteis e produzem milho, vinho, gado
10 Montoya nasceu em Lima (1582), filho de nobres espanhóis, seu pai era de Sevilha (Espanha). Em 1606 entrou na Companhia de Jesus, tornando-se Jesuíta e principal agente na formação das Missões na região de Guayrá. Morreu em Lima a 11 de abril de 1652. Foi velado em Lima e sepultado em Assunção.11 Paraná Piaçaba quer dizer: lugar onde se vê o Oceano.
19
e porcos que levam para o comércio pelas costas dos índios, mesmo que tenham filhos
para criar. Esta é a terra dos bandeirantes, como é conhecida até hoje. Montoya os
descreve brevemente:
Os moradores daquela vila são castelhanos, portugueses e italianos e
gente de outras nações. Passam de dois a três anos na caça de gente,
como se fossem bestas ou burros(...) Por vezes estiveram dez ou doze
anos, e ao voltarem acharam filhos novo, provenientes daqueles que
pensavam já ter morto e eles próprios tinham se casado com as suas
mulheres, mas trazendo também com eles os filhos que tinham
engendrado nas selvas.12 (1895, p. 125).
Maack, nos descreve as primeiras investidas dos bandeirantes na região:
Os paulistanos em 1607 com Manoel Preto e 1611 com Pero Vaz de
Barros, começaram periodicamente a invadir a província de Guaíra e
saquear as reduções dos índios, levando consigo os moradores como
escravos facilmente obtidos. Conhecidas são as bandeiras de Sebastião
Preto (1612), Henrique da Cunha Gago (1623), que atacaram as
aldeias de Jesus Maria e Santo Inácio no ano de 1618. (1981, p. 37)
Porém a crueldade ainda estava pela frente. Raposo Tavares, que destruiu o
Quilombo de Palmares, maior símbolo da resistência escravista em Alagoas, montou a
mais poderosa bandeira já registrada, no macabro cenário escravocrata do Brasil
Colonial. O poder de Raposo vinha de berço. O pai era o Capitão mor da Capitânia de
São Vicente. Segundo Maack:
12 Montoya aqui está falando dos bandeirantes. È bom lembrar que Montoya esteve pessoalmente na Vila de São Paulo. É também interessante ele destacar a presença de espanhóis e italianos na Vila já nesta época.
20
Durante a preparação da grandiosa bandeira, veio a São Paulo governador de Assunção, D. Luís Céspedes, negociar com os bandeirantes. No entanto ao invés de prevenir os jesuítas ele fez um pacto com os bandeirantes e impediu toda possibilidade de defesa por parte dos jesuítas, pois desarmou os índios de muitas reduções. Este fato esclarece bem à posição dos espanhóis com respeito ao tratado missionário dos jesuítas e os desejos portugueses com a província de Guaíra. (1981, p. 37).
Antônio Raposo Tavares partiu para Iguape com sua bandeira, composta de
3.000 (três mil) portugueses e 900 mamelucos, penetrou no planalto pelo rio Ribeira,
que desemboca em Iguape, litoral de São Paulo. Com um pouco de imaginação,
poderíamos descrever a sena dantesca de perto de 4.000 (quatro mil) homens armados,
andando pelos sertões em busca de caçada humana.
Em 1628 transpôs o rio Tibagi e destruiu, uma após outra, as localidades Santo Antônio, Encarnação, Los Angeles e outras aldeias. Uma parte da bandeira invadiu e destruiu 12 aldeamentos de índios no vale do Iguaçu. Com 20.000 índios capturados, em 1º de maio de 1629 Raposo Tavares voltou para São Paulo, aonde vende seus escravos. Os ataques principais seguintes, entretanto, foram dirigidos contra Vila Rica e Guaíra. Vila rica foi invadida em 1631 pela primeira vez e em 1632 definitivamente destruída. Dos 100.000 índios convertidos na zona da redução, 15.000 foram mortos, 60.000 vendidos como escravos em São Paulo. (Maack, p. 38)
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Índios Guarani, na região de Foz do Iguaçu, no Paraguai.Foto: Nestor Luiz Morgan. Maio de 2010.
Montoya, relata seu primeiro e cruel enfrentamento entre suas missões e esta
horda do maligno denominada de “bandeirantes”, no afã de nossos sentimentos, é disto
que podemos chamá-los no momento.
Entrou esta gente, pior que “alarbes13” em nossas reduções, matando e despojando altares. Fomo-nos com pressa três padres, rumo a seus ranchos e alojamentos, onde já tinham muita gente presa. Pedimos-lhes que nos devolvessem os que haviam cativado, pois não eram poucos os que possuíam acorrentes. –Como loucos frenéticos gritaram de imediatos: prendam-nos! Prendam-nos, pois são traidores! (...)dispararam os arcabuzes ferindo oito ou dez dos índios que nos acompanhavam. Morreu um deles ali mesmo(...) O Pe. Cristóvão de Mendoza saiu ferido de um flechaço. Ao pe. José Dómenech tomaram-no preso, (...) Diziam que não éramos sacerdotes, mas demônios, hereges, inimigos de Deus(...) – Pouco depois entraram a som de caixas e em ordem militar nas duas reduções, de Santo Antônio e São Miguel, destroçando índios a machadadas. Os pobres índios se refugiavam nas igrejas onde eles os matavam como no matadouro se matam vacas. (Montoya, p.125, 126).
13 Palavra usada na época, muitas vezes para designar os mamelucos. Alcunha que os portugueses deram aos mestiços no Brasil.
22
A crueldade não tinha limites, pois os que eles não podiam levar eram mortos ou queimados. Percorriam cerca de 300 léguas a pé até chegar a Vila de São Paulo. Os que morriam eram largados sem enterro. Segundo o Pe. Montoya usavam a prática de matar os feridos, ou mesmo velhos e crianças que estavam ao alcance, para que os que estavam cativos, não empreendessem fuga para se juntar aos que haviam ficado. Os padres Simão Masseta e Justo Mansilla acompanharam a dantesca caminhada de cerca de 300 léguas.
Tinham os padres consigo 5 índios que os ajudavam em seus pertences. De acordo com a desumanidade de sempre os paulistas lhos tiraram, obrigando assim aos padres que eles mesmos carregassem às costas. –Aos mortos que ficavam pelo caminho, não era possível enterrá-los... Tendo percorrido quase 300 léguas a pé, chegaram a Vila de São Paulo. Pedimos por justiça em vários pontos, mas é coisa de ficção usar aqui o nome de justiça. A tudo trapacearam as justiças e, já desesperados de qualquer remédio, voltaram eles pelo mesmo caminho , sendo acompanhados de assobios e burlas a seu respeito... (Montoya, p. 127 e 128).
O relacionamento entre os jesuítas e os bandeirantes era o pior possível. Não havia o mínimo de respeito por parte dos bandeirantes para com os nativos ou mesmo com os jesuítas. Os padres da Costa do Brasil que foram aprisionados pelos holandeses, ficaram espantados ante os excessos cometidos pelos paulistas, e confessam que aqueles nunca lhes fizeram qualquer desacato, mas muitas cortesias e grande humanidade, por vezes até regalos. E isto levando em conta que eram hereges e grandes inimigos da Companhia.
Por si só a escravidão é cruel, porém nunca faltavam requintes de crueldade nas incursões, e nos relatos de Montoya.
Fizeram com mão hostil, a entrada na Redução de São Francisco Xavier, povoado de muitos moradores(...) Em tais ocasiões não se deve opor resistência, or que usando de um alfanje14, cortam as cabeças, ou lhes abrem as entranhas, a fim de amedrontar aos demais. (1985, p. 130).
Com as crianças e as mulheres a crueldade também era ilimitada:
Assim um deles tomou uma mulher pelos cabelos, mas ela se defendia como homem, apesar e achar-se embaraçada com um filhinho seu de seis meses. Não podendo o traidor subjugá-la, arrebatou-lhe o filho e o levou consigo. Ainda não comia o menino, e por isso o padre foi pedi-lo (de volta) para que não morresse de fome. (...) Porém não queria dá-lo, em vez disso solicitou a mãe do petiz como prisioneira, a qual não parava de lamentar a sorte de seu filhinho. Até muito tarde esteve o padre procurando abrandar o coração bestial daquele tigre(...) Todos os que daqui nos foi possível fazer fugir, enviamo-los a Loreto e Santo Inácio, que eram os únicos que de treze povos não se haviam atingido. (Montoya, p. 131, 132)
14 Sabre de folha curta e larga.23
Após tentativas de negociação e viagens, os sete jesuítas existentes, entre eles
Montoya, organizaram uma grande fuga para não deixar os nativos de suas reduções
caírem nas mãos dos bandeirantes.
O restante dos índios sobreviventes fugiu com os jesuítas em 700 jangadas rio Ivaí e Paraná abaixo. Os bandeirantes paulistas os perseguiram continuamente, arrasando em 1638 finalmente também a “Ciudad Real de Guayrá”.
Essa fuga cerca de 12.000 índios em 700 jangadas, dirigidas por sete padres jesuítas, pelos rios Paranapanema e Paraná foi uma das mais extraordinárias epopéias da humanidade. Pode-se imaginar essa multidão descendo o rio perseguido pelos bandeirantes, tendo a sua frente inimigos, os encomendeiros espanhóis, enfrentando cachoeiras, rumo ao mar. “Parecia um dia do juízo”, afirmou o padre Montoya, um dos condutores desse extraordinário êxodo humano. (Lazier, p. 36)
Diante de tamanha destruição, os jesuítas resolvem promover a fuga em massa das missões de Loreto e Santo Inácio. Estas reduções já estavam bastante lotadas, por receber sobreviventes das demais missões, que já haviam sofrido os saques dos bandeirantes. Segundo Montoya, o Pe. Provincial Francisco 24asquez Trujillo, vendo todo aquele barbarismo, ordenou que secretamente dispuséssemos as coisas de tal maneira para fazermos a mudança. Promoveu-se então uma dantesca fuga pelo rio Paraná. O caminho escolhido para a grande fuga em massa foi via rio Paraná. Segundo Montoya:
Causava espanto verem-se, por toda aquela praia, ocupados os índios em fabricarem balsas(...) Andava a gente toda empenhada em baixar à praia seus objetos caseiros, sua metalonagem, suas avezinhas e demais criações(...) O ruído das ferramentas, a pressa e a confusão, davam a impressão de aproximar-se o juízo final. (...) Eis os sete sacerdotes recolhendo o Santíssimo Sacramento, as imagens, os olhos sagrados, os ornamentos, desenterrando os corpos de missionários insignes, que ali sepultados descansavam(...) Em suma desamparar igrejas tão lindas e suntuosas. (1985, p. 135, 136)
O aparato foi gigantesco, digno de uma epopéia, jamais vista na América, provavelmente. Um deslocamento humano sem precedentes. Nas palavras de Montoya que viveu o momento temos:
Fabricaram-se em tempo brevíssimo 700 balsas, sem contar as canoas soltas em quantidade, embarcaram-se nelas mais de 12.000 (doze mil) almas(...) Foram dois dias de viagem rio abaixo , quando nos alcançaram alguns índios que haviam ficado para trás(...) deles soubemos como aquele inimigo tão pernicioso ficou tomado de fúria ao ver-se burlado. (1985, p. 135)
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A fuga não foi nada fácil, do rio Paranapanema ao rio Ijuí, os obstáculos foram os mais assustadores possíveis. As corredeiras, as cachoeiras e os intransponíveis Salto Del Guayrá, estavam todos cruzando com o destino desta nação Guarany. Além de que os espanhóis estavam a espreita no célebre Salto Del Guayrá. Foi necessária muita negociação com os mesmos para ser possível a passagem da multidão.
Foi necessário abandonar as canoas devido à queda d´agua que formava redemoinhos, mesmo assim mandamos trezentas canoas que se estilhaçaram. Fizemos 25 léguas a pé, oito dias de viagem terrestre, para voltarmos outra vez ao mesmo rio(...) A fome, a peste, a diversidade de opiniões, causou uma confusão muito grande(...) Existe naquele rio um peixe chamado de cobra grande , que vimos tragarem homens inteiros e tornarem a vomitá-los da mesma forma, mas com os ossos quebrantados como se tivessem moído com pedras. (...) Afundou a embarcação em um redemoinho, onze crianças morreram, dois dias depois se juntaram os náufragos a comitiva. (Montoya, 139 a 141)
Porém também houve solidariedade por parte das missões que eles passaram mais ao Sul, nas palavras de Montoya: “sabida de nossa peregrinação, os padres vieram socorrer-nos, com canoas, que vinham vazias e voltavam carregadas de gente”. A preocupação com o futuro era constante, pois ao passarem por S. Ignácio de Loreto, já em território Argentino, e outras localidades povoadas aproveitaram para se abastecer.
Índios Guaranis, na região de Foz do Iguaçu, Paraguai. Foto: Nestor Luiz Morgan. Maio de 2010 ( – Ritual de dança para os turistas que visitam a região).
Vendemos os nossos livrinhos, batinas e mantos, ornamentos, cálices e alfaias de igreja, enviando tudo a cidade de assunção para
25
comprar sementes... nos providenciou o colégio que lá possuíamos o seu reitor o Pe. Diogo Alfaro. (...)ganhamos gado de um fidalgo mestre-de-campo, Manoel Cabral, possuía mais de 40 mil cabeças. (Montoya, p.143)
Aos olhos do Pe. Montoya, o sofrimento e a fome não passam despercebidos: Nas reduções de Loreto e Santo Inácio, matava-se no início de 12 a 14 vacas a cada dia. Dava-se disto uma a cada um uma porção tão pequena , que não bastava para mais que entreter a vida e dilatar a morte. Porém como a fome trás em sua esteira outros males piores, ele acrescenta: Sobreveio a peste, que em tais ocasiões nunca se faz tão amorosa. Os relatos nos dão conta que desta peste, “foram dadas mais de 2000 alminhas aos céus.
Foi em 1549 que chegaram as primeiras levas de padres jesuítas em “terras
americanas”. Foram 4 padres e dois irmãos, tendo como superior o padre jesuíta Manoel da Nóbrega. Tinham uma função de dar o atendimento espiritual, mas também junto ao litoral, atendia às necessidades de colaborar na instalação e fixação de núcleos populacionais, atendendo as determinações da corte. As missões da região de Guaíra, tiveram este triste e lamentável fim que acabamos de ver. Porém os “últimos estertores” das demais missões jesuíticas nas colônias portuguesas, aconteceram como nos descreve a autora Franzen:
Acompanhando o primeiro governador geral, Tomé de Souza, designado por D. João III, para reorganizar o governo da colônia. (...)Nóbrega instala uma pequena residência que servirá de abrigo para ele e seus companheiros. Nela, sua imediata preocupação será a criação de uma escola de ler, escrever e contar para os pequenos indígenas. (2003, p. 50, 51)
Assim começou esta epopéia que também protagonizou a história do Paraná com a região de Guaíra, a autora Franzem termina nos contando o fim das demais missões jesuíticas espalhadas nas colônias portuguesas:
Essa é a semente que, frutificando ao longo de 210 anos, permitirá a fundação de quinze colégios e seminários no Estado do Brasil e três no Estado do Maranhão, até que, em 1759, os jesuítas, por ordem do Marquês de Pombal, então poderoso ministro de D. José I, serão expulsos do império português. (2003, p. 51)
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EXPERIÊNCIA COMUNITÁRIA E VIDA NAS MISSÕES.
O modelo das missões se inspirava no próprio sistema de vida dos índios,
procurando harmonizar um aculturamento de ambos os lados. Segundo Schwad, na
obra de Lazier:
Na produção econômica, a estrutura fundamentou-se sobre o uso comum da propriedade e dos meios de trabalho. A propriedade particular nunca se concretizou em parte alguma nas reduções jesuíticas. Comprar, vender, alugar a mais modesta porção de terra, utilizar o trabalho do outro em benefício próprio, transformar o solo em instrumento de lucro, visando à exploração do homem pelo homem e tantas outras manifestações se mantiveram desconhecidas até o fim. Os meios de transportes básicos como a canoa e a carroça estavam também monopolizados pela comunidade. A abundância foi uma decorrência natural desse sistema social. (Lazier, p. 37)
Ruínas de Santo Inácio, Argentina. Foto: J. Galileu B. Morgan – Janeiro 2010
O fato de ser um jesuíta não garantia nenhum privilégio, quer seja junto as
missões, ou mesmo perante a nobreza presente em seu meio, os colonos. Segundo
Montoya:
Cheguei à redução de Nossa Senhora de Loreto com desejos de ver dois insignes homens, que eram o Pe. José e o Pe. Simão. Encontrei-os em extrema pobreza, mas ricos assim mesmo de contentes. Os remendos de suas roupas não faziam com que se
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distinguisse a matéria ou o pano principal. Os sapatos, havidos do Paraguai tinham-nos remendado com pedaços de pano, cortado das bordas de suas batinas. (...) Pão, vinho e sal não se tinham apreciado por muitos anos. Carne de caça chegávamos a ver alguma vez, pois nô-lo traziam de quando em quando na forma de um pedacinho de esmola. Eram a alimentação principal batata doce, banana, e raízes de mandioca. ( 1985, p. 48)
A utilização da propriedade e dos meios de produção em comum, não permitiu
o acumulo de bens de capital na mão de poucas pessoas, de uma classe assalariada, ou
algo desta natureza. Os próprios jesuítas entravam no setor de produção e trabalhavam
todo o tempo, partilhavam tudo, da abundância a miséria, quando ela chegava. Segundo
Lazier:
A propriedade comum possibilitava a sociedade indígena (nas missões), a organização da produção de acordo com as necessidades do grupo. Assim, poucas horas diárias de trabalho proviam o sustento de toda a comunidade. Schwad nos afirma que nesta base eles construíram uma sociedade singular com as características que lhes permitiam viver com fartura, harmonia, avançando técnica e humanamente. (2003, p. 37)
Dado a esta estrutura comunitária introduzida e mantida junto às reduções, a
intervenção externa era de pouca importância, ou mesmo desnecessária. A sociedade era
plenamente participativa, uma vez que era dona da sua própria organização social. A
partir destes elementos afloravam também os valores comunitários, como trabalho, em
comum, as festas religiosas, as procissões e outros. Isto propiciou ao índio um clima de
harmonia grupal, algo que ele já era afeito. As verdadeiras necessidades, também eram
satisfeitas. Todos possuíam o suficiente, deixando margens para o armazenamento e a
comercialização, cujos lucros eram revertidos em aquisições de bens para a comunidade
O jesuíta Montoya que vivenciou o período traz as seguintes afirmações sobre
o cotidiano das missões:
Tudo era colocado em comum: os bois para lavrar, as terras, embora houvesse um pequeno pedaço de terra individual para a subsistência, a colheita era depositada no celeiro em comum para alimentar os inválidos, os doentes, as viúvas, os órfãos e as crianças. Havia também as confrarias, tais como a de São Miguel Arcanjo, a que se admitiam homens de doze a trinta anos, já a confraria da mãe de Deus para a qual só entravam pessoas de maior idade, que se votavam ao serviço da Rainha dos Anjos. (1985, p. 22)
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A autora Franzen nos faz uma comparação entre as missões jesuítas e os aldeamentos. Nas reduções, havia um planejamento voltado para a sobrevivência coletiva. O Excedente era comercializado.
Uma diferença entre os aldeamentos e as reduções era a sua forma de sustentação. As reduções eram auto-suficientes graças a sua produção, desenvolvida na redução (algodão, a erva-mate, milho, cana-de-açúcar, tabaco, gado, produção de ferramentas, instrumentos musicais como: rebeca, violino, flauta(...). Os excedentes eram comercializados na América e na Europa. Nas aldeias os índios estavam bem mais expostos as doenças. Pode-se dizer que as aldeias foram um fracasso. Aldeias inteiras desapareciam por doenças, em contato com o homem branco. (Franzen, p. 39 e 40).
Os índios reduzidos (nas missões), que estavam afastados do homem branco puderam
ter um desenvolvimento próprio, sem estarem sujeitos ao pensamento e ao contágio de doenças,
como ocorria nos aldeamentos.
Montoya relata ainda a fertilidade das terras, no Paraguay e na região, sua
riqueza, destacando a produção de açúcar, mel, vinho o trigo, produtos da cultura
européia. Não deixa de destacar a alimentação nativa: a farinha de mandioca, que o
nativo estimava mais do que a farinha de trigo, milho, os frisoles, de uma infinidade de
espécies, frutas, as dezenas de abelhas silvestres com suas variedades peculiares de mel,
que muito se encontram pelos matos. Há praticantes de todos os ofícios. No tocante a
saúde e ao bem estar das pessoas nas reduções, havia uma preocupação singular,
pessoas eram preparadas e nomeadas para velarem pela saúde pública, e tratar dos
doentes, sempre sob a orientação de um jesuíta. Os jesuítas em suas visitas aos doentes,
sempre eram acompanhados destes aprendizes, no mínimo dois. Estes aprendizes
percorriam todas as manhãs as reduções e observavam se alguma moléstia se
manifestava, ou se alguém precisava de cuidados especiarias. Duas vezes ao dia o reitor
da missão recebia o relatório sobre os estados de saúde daqueles que se encontravam
enfermos, ou necessitando de atenção.
Segundo Montoya os missionários cultivavam todos os tipos de ervas
medicinais cujas propriedades conheciam e não só os índios, mas também dentre as
especiarias européias todas as que se adaptavam ao nosso clima.
29
= VII =
DA EDUCAÇÃO
A Educação e a civilização na colônia (1549-1759), seguiam um conjunto de
princípios e normas com o objetivo de orientar as ações e atitudes dos jesuítas em suas
atividades missionárias. Os colégios, jesuítas foram criados para atender a formação dos
jovens que entravam na companhia.
Estes colégios já haviam sido implantados na Índia (1543) e em 1548 em
Messina (Sicília), este fundado pelo próprio Inácio de Loyola, o fundador da
Companhia de Jesus. Com o tempo estes colégios se transformaram nas mais
importantes instituições de ensino para as elites católicas da Europa. Na América este
ensino não deixava nada a desejar a metrópole européia.
A qualidade do ensino no Brasil em especial nas academias e por ideologias
avessas a religião, era e ainda é constantemente atacada. Importante a observação da
autora Franzen:
A Vontade de difundir o ensino da escrita e de instruir os
grupos sociais critica a idéia de uma sociedade estática(...) São os
jesuítas que melhor denunciam as diferenças culturais entre a cidade e
o campo(...) Criticando a existência dos colégios somente nos
arcebispados(...) Os jesuítas sofriam ataques até mesmo dentro da
própria igreja por defenderem o ensino da escrita. (2003, p. 56)
Através da educação dos filhos se atingia as famílias na luta contra a superstição,
através de uma formação humanista e teológica. Estudava-se cerca de 5 horas por dia. O
currículo era dividido em dois níveis: médio e superior.
O currículo médio era representado pelo curso de humanidades. Este
que correspondia a um curso de escola média atual, desenvolvia-se
mediante o estudo da retórica, humanidade e gramática (em três
níveis: inferior, médio e superior). (Franzen, p. 52).
Quanto aos conteúdos em si eram administrado no curso superior: Filosofia,
artes, e teologia. No curso de Filosofia estudava-se lógica, introdução as ciências,
30
cosmologia, Física, ética metafísica, matemática e filosofia moral. Já o curso de
Teologia tinha duração de 4 anos e nele se estudava Filosofia Escolástica, Teologia
Moral, Sagrada Escritura e Hebreu. O direito canônico e a história eclesiástica, só
ocasionalmente foram estudados no século XVI.
Eram cinco horas de aula por dia, duas horas e meia pela manhã e duas horas e meia pela tarde. A metodologia implicava em diversos exercícios escolares, prelações, lições de cor nas quais a memorização era muito exigida, desafios/debates, composições em prosa e em verso, declamações, diálogos e as chamadas dominicais. Essas consistiam num ensaio de pregações, geralmente feitos aos domingos, no púlpito do refeitório. (...)Em atividades educacionais bem como na catequese dos índios, os padres utilizavam muito o teatro. (...)e a dança(...) (...)O estudo da língua indígena também era primordial. (Franzen, p. 53).
É importante observar que a educação era gratuita para todos. Índios ou filhos de colonos, nos três graus: popular, médio e superior. O modelo seguido era o da metrópole, aplicado no Real Colégio das Artes em Coimbra. É importante observara inda que Portugal e Espanha na época eram as duas maiores potências que tínhamos. Este fio padrão para todo o império português.
A maioria dos brasis só 31requentavam a catequese e o ensino rudimentar de ler e escrever. Apesar de serem considerados como “dotados de talentoso” por Anchieta(...) Tudo se vai em festas, folgar e cantar(...) As dificuldades encontradas pelos padres na educação dos meninos índios o dos filhos dos colonos seria uma conseqüência da falta de interesses do alunos. O difícil latim a repetida doutrina e a rígida disciplina não atraiam os alunos. (Franzen, p. 55).
Relatos de Montoya nos dão conta que os festejos eram ornamentados com o que
havia de mais fabuloso na fauna e na flora. Flores, frutos, ramagens, aves, animas de
estimação que não e eram poucos. Os índios não usavam os pequenos animais para
explorá-los, mas sim para seu lazer, e em especial das crianças. Até mesmo a fauna
aquática era utilizada na ornamentação dos cortejos. O teatro era explorado de muitas
formas.
Olhavam-se as crianças como pertencentes a comunidade, viviam com os pais
para que não se cortasse o fio das afeições naturais, mas a sua educação era um encargo
público.
31
- VIII
RELATOS DO COTIDIANO
Os índios possuíam seus caciques, o qual todos reconheciam a sua nobreza
herdada. Havia cacique que possuíam muitas mulheres, como nos conta Montoya:
conhecíamos caciques que possuíam quinze, vinte e até trinta mulheres. Porém, sempre
após a conversão eles passavam a ter uma única esposa. As esposas cujo marido falecia,
o irmão se tornava marido das mesmas. Eles possuíam muito respeito pela mãe e os
irmãos.
Segundo Montoya, nunca fizeram ofertas ao verdadeiro Deus. Tenho pra mim
que somente isto lhes sobrou da pregação do apóstolo São Tomé.15 (1985, p. 52).
Qualquer uma das esposas dando a luz, o marido jejuava por 15 dias, também
não caçava neste tempo. Neste tempo, se recolhiam, dependia disto a saúde do bebê.
Os cativos em guerra eram engordados, comida a vontade e mulheres, que
escolhia a gosto. Já estando gordo matam-no com grande solenidade e cerimônia.
Os hospedes e os que retornam, de viagens, são recebidos com grande pranto e
vozes.
As superstições dos feiticeiros baseiam-se nas adivinhações também usam o
canto das aves. Costumam enterrar objetos para matar a outrem, como por ex. restos de
sua comida, etc. O sapo também é muito usado nestes rituais.
Montoya também nos descreve certos comportamentos dos caciques:
Na missão de Loreto todos respeitavam muito o Cacique Maracanan.
Em Santo Inácio o Cacique Miguel Artiguaye que se vestia de padre,
celebrava as missas com uma torta de mandioca e vinho de milho, era
desonesto ao extremo, trocou de mulher. Andou pelas tribos da região
pedindo apoio para matar os padres , porém o Cacique Araraá muito
amigo dos padres, deu uma surra ao cacique Miguel, diante de seus
guerreiros. O cacique Miguel sai em disparada e vai até os jesuítas e
lhes pede perdão. Deus castigou a minha soberba... Defendei-me, pois
temo a morte, se bem que a mereço pelas minhas loucuras. – As
mulheres passaram a ser mais respeitadas. (1985, p. 61)
15 Havia uma crença de que São Tomé havia passado aqui pela América. Os nativo muitas vezes faziam algum tipo de referência, ou ligação com ele. Tanto é que os Jesuítas andavam sempre com uma cruz na mão, como uma espécie de cajado, que também servia para se identificarem, junto aos nativos.
32
Os nativos tinham notícia do dilúvio o qual chamavam de Iporum, e também
tiveram contato (a visita) de um homem branco em um passado um tanto distante. Na
revista Cadernos da Ilha16 encontramos em sua página 10, o seguinte relato:
Caminho de São Tomé – segundo essa versão, o Peabiru teria
sido aberto por S. Tomé, apóstolo de Cristo. Segundo Sérgio Buarque
de Holanda, a devoção suscitada pela descoberta deste Caminho de
Tomé na América no século XVI foi tal, que quase desbancou o de
Santiago de Compostela(...) A passagem de Tomé pelo Novo Mundo
foi mencionada por índios, padres e a autoridades e colonos do século
XVI. A Versão corrente é que um homem branco, barbudo, trajando
um camisolão sujo teria chegado ao litoral brasileiro andando sobre as
águas. Foi chamado de Sumé. Em sua peregrinação teria ido ao
Paraguai... Teria continuado até os Andes. Os pré-incas o chamam de
Kuniraya(...) Após um período no Peru, teria ido embora, também
“andando sobre as águas”.
Esta passagem de São Tomé por esta região, segundo os relatos, teriam
facilitado o trabalho dos religiosos. São Tome teria se apresentado carregando uma cruz
como uma espécie de cajado. Isto ficou sendo uma espécie de símbolo de união, pelos
causos contados pelos índios mais antigos, que um dia chegariam os amigos de São
Tomé nesta região. Os jesuítas adotaram o costume de sempre que andassem pelos
sertões, carregavam este símbolo.
16 Cadernos da Ilha, o fascinante caminho do Peabiru, nº 2 de 2004.33
= VIII =
Conclusão
Ao longo do presente trabalho foi possível perceber que o final do século XV e
início do século XVI, aconteceu um grande desenvolvimento na área das navegações,
com os europeus expandindo-se para o continente americano. O acumulo de
conhecimentos náuticos e as confirmações de conhecimentos antes suspeitos como a
rota marítima para as Índias, a superação das limitações com o aperfeiçoamento dos
instrumentos de navegações veio contribuir para as grande navegações. Portugal e
Espanha, detentores de grandes conhecimentos na área de navegação, já haviam firmado
acordos em que ambos se beneficiavam como foi o caso do Tratado de Tordesilhas.
A igreja através dos jesuítas, e o trabalho nas missões, participou do processo
de colonização e exploração das novas terras descobertas. Em tese sentiu-se traída pelos
desígnios, e com a violência praticada pelos portugueses e espanhóis contra os nativos.
Viu frustrado o seu trabalho de evangelização, quando os interesses econômicos
superaram os interesses religiosos e humanitários. O tráfico de índios, e a destruição
desenfreada, gananciosa, estúpida, levou ao desaparecimento de milhões de nativos.
Processo este que até hoje permanece, embora dissimulado e com novas roupagens.
Nas palavras do Gen. Muricy, em sua odisséia realizada no século XIX, na
região por ele denominada de “País dos jesuítas”, aonde existiu a lendária “República
Teocrática do Guaíra” poderíamos observar ainda:
Destruídas as reduções, perdida a sua população,
desapareceu a república teocrática, após uma vida efêmera. Seus
últimos habitantes – dez a doze mil, homens, mulheres e
crianças que puderam escapar à chacina e ao cativeiro,
embrenharam-se nas matas, com alguns padres que, por
caridade, não os quiseram abandonar e foram hominizar-se nas
Missões Uruguaias, após terríveis provas. (1975, p.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS
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http://pt.wikipedia.org/w/...http://www.brasilazul.com.br/peabiru.asphttp://caminhodopeabiru.com.br/http://blogdofavre.ig.com.br/2008/02/colombo ...
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Anexo I.
ESTRATÉGIA DE AÇÃO
Fazer uma revisão crítica do contexto histórico e dos fatos que marcaram os conflitos entre os europeus, jesuítas e indígenas nos séculos XVI e XVII na região de Guaíra no atual estado do Paraná. É o principal objetivo do processo de intervenção junto aos alunos de sétima série do Colégio Estadual Mário de Andrade de Francisco Beltrão. Para tanto a estratégia de ação acontece d seguinte forma:
- Apresentação da proposta a direção da escola e equipe pedagógica.- Apresentar a proposta aos alunos da sétima série, explicado que o projeto será
desenvolvido paralelamente aos demais conteúdos da disciplina de História. Trabalharemos paralelamente os conteúdos já desenvolvidos, dentro do planejamento anual da escola. Para tanto a Carga horária do desenvolvimento do projeto de intervenção será de uma hora aula/semanal, no período de agosto a dezembro. Para tanto organizaremos a metodologia de trabalho e pesquisa com os alunos através da divisão em equipes para se motivara a leitura, a pesquisa e aprofundamento dos conteúdos em questão.
Através da leitura, pesquisa e discussão das fontes bibliográficas, pretende-se motivar para que o aluno acesse as mais variadas fontes de conhecimento, introduzindo-se no universo da pesquisa histórica. Para tanto usaremos dos recursos disponíveis, tais como livros, revistas, internet, para produzir material didático e pedagógico sobre o tema. O conhecimento será socializado através das mais variadas formas possíveis, como debate, apresentação do conteúdo pesquisado, com imagens, cartazes, vídeos.
O processo de avaliação acontece ao longo de todo o trabalho, através do interesse e empenho dos alunos com a pesquisa, processamento do material conseguido, apresentações, exposições à medida que se vai realizando o trabalho, avançando na pesquisa.
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