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DA COMPETÊNCIA E DA LEGITIMIDADE NA FORMAÇÃO DO PROCESSO EXECUTIVO Daniela Courtes Lutzky * Resumo: Ao propor uma ação executiva o advogado terá que saber, primeiramente, que tipo de título executivo tem em mãos – se judicial ou extrajudicial – para, na seqüência, saber onde deverá ser proposta referida ação. Outrossim, para evitar uma extinção do processo, terá o mandatário, ainda, de saber em nome de quem poderá ser proposta a demanda, ou seja, quem tem a legitimidade para figurar no pólo ativo (credor), e quem deverá constar no pólo passivo (devedor). Esses aspectos serão analisados no artigo que artigo que se segue. Palavras-chave: Processo executivo; competência; legitimidade. INTRODUÇÃO O presente artigo versa sobre a competência e a legitimidade na formação do processo executivo. Analisar-se-á dois dos importantes requisitos da petição inicial da execução, quais sejam: competência r legitimidade. Por se tratar de tema por demais vasto e debatido, traz-se à baila a mais relevante doutrina acerca do assunto, e os posicionamentos explicitadores das controvérsias existentes. Certamente não se intenta uma análise exaustiva do tema, objetiva-se, outrossim, auxiliar o lidador do Direito no * Mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, professora da PUC/RS, do Centro Universitário Ritter dos Reis, da Escola da Defensoria, da Escola Forum, do Centro Preparatório para Concursos e advogada.

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DA COMPETÊNCIA E DA LEGITIMIDADE NA

FORMAÇÃO DO PROCESSO EXECUTIVO

Daniela Courtes Lutzky*

Resumo: Ao propor uma ação executiva o advogado terá que saber, primeiramente, que tipo de título executivo tem em mãos – se judicial ou extrajudicial – para, na seqüência, saber onde deverá ser proposta referida ação. Outrossim, para evitar uma extinção do processo, terá o mandatário, ainda, de saber em nome de quem poderá ser proposta a demanda, ou seja, quem tem a legitimidade para figurar no pólo ativo (credor), e quem deverá constar no pólo passivo (devedor). Esses aspectos serão analisados no artigo que artigo que se segue. Palavras-chave: Processo executivo; competência; legitimidade.

INTRODUÇÃO

O presente artigo versa sobre a competência e a legitimidade na formação do processo executivo. Analisar-se-á dois dos importantes requisitos da petição inicial da execução, quais sejam: competência r legitimidade.

Por se tratar de tema por demais vasto e debatido, traz-se à baila a mais relevante doutrina acerca do assunto, e os posicionamentos explicitadores das controvérsias existentes.

Certamente não se intenta uma análise exaustiva do tema, objetiva-se, outrossim, auxiliar o lidador do Direito no

* Mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do

Rio Grande do Sul, professora da PUC/RS, do Centro Universitário Ritter dos Reis, da Escola da Defensoria, da Escola Forum, do Centro Preparatório para Concursos e advogada.

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sentido de dar a ele condições de manuseio de uma execução diante das suas mais variadas nuances.

1. Considerações Prévias

O artigo 262 do CPC, que retrata o princípio do dispositivo, diz que o processo civil deve começar por iniciativa da parte, mas se desenvolver por impulso oficial; já o artigo 614 do CPC diz que cumpre ao credor, ao requerer a execução, pedir a citação do devedor e instruir a petição inicial; percebe-se, assim, que o princípio do dispositivo, na execução, manda que o credor a requeira; não havendo, portanto, execução de ofício.

2. Requisitos da Petição Inicial da Execução

Além dos requisitos do art. 282 do CPC, são, também, requisitos da inicial da execução: a competência, a legitimidade, a causa de pedir, o pedido, o valor da causa, a citação, etc. Sobre eles e suas subdivisões que se tratará a seguir.

2.1 Competência

Competência, de acordo com os ensinamentos de

Carnelutti, é a medida da jurisdição1. Segundo Araken de Assis2 a competência representa

pressuposto processual subjetivo, referente ao juízo, não alcançando a pessoa do magistrado, referindo-se, apenas, à capacidade concreta de certo juiz prover sobre atos executivos. 1 Discordando dessa afirmativa, Araken acompanhado de Arthur Anselmo de

Castro, Fernando Luso Soares, dentre outros (2001, p. 89) salienta que, “na realidade, o poder exercitado por cada órgão timbra pela mesma qualidade e quantidade, ou seja, não se distingue pelas suas medidas, embora certo juízo só conheça de determinadas lides”.

2 2001, p. 88.

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Apesar de não caber neste momento adentrar mais profundamente no tema da competência como instituto jurídico geral – CPC, arts. 86 a 124-, certo é que à execução igualmente se aplica a divisão em competência absoluta e relativa.

José de Castro3 afirma que as regras gerais (arts. 86 a 124) aplicam-se à execução, subsidiariamente à por título judicial (art. 575) e com exclusividade à por título extrajudicial, quanto à competência.

Necessário e oportuno, então, recordar que a competência absoluta é instituída considerando o interesse de todos, e competência relativa4, instituída considerando o interesse das partes; sendo que é a forma de controle o diferenciador, pois na absoluta é possível e necessário o controle de ofício, pelo juiz, e, subsidiariamente, pelo executado, ao passo que a relativa depende de exceção do réu, sob pena de se considerar como prorrogada.

Araken de Assis bem lembra que5 são relativas as competências territorial, que diz respeito primordialmente ao domicílio, à natureza do bem e ao lugar da situação; em razão do valor (estabelecida, conforme o art. 91 do CPC, nas leis de organização judiciária); e da situação do imóvel, nas hipóteses estritas do art. 95 do CPC; de outra banda, são absolutas as

3 1983, p. 22. 4 A competência relativa admite eleição de foro; entretanto, esse pode ser

desconsiderado nos contratos de adesão, como vem ocorrendo nos contratos bancários. Ex: Todos os contratos bancários do Bradesco tem foro único, qual seja, o de Osasco, em São Paulo; não obstante, considerando a dificuldade de acesso à Justiça que essa regra causaria, o foro de eleição dos contratos bancários, que são títulos executivos, podem ser desconsiderados, mediante manifestação da parte. Desta forma, tendo sido o contrato com o Bradesco assinado em Porto Alegre, por exemplo, basta alegar a dificuldade de litigar com o Bradesco em Osasco, para o foro de eleição ser desconsiderado. Lembra-se, ainda, que não se pode indicar o foro, a lide se dará no foro supletivamente aplicado, isto é, aquele que seria usado caso não houvesse eleição de foro.

5 2001, p. 91.

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competências em razão da matéria, da pessoa e da função (ou hierárquica) e da situação do imóvel (na maioria dos casos).

Araken6, referindo Milton Paulo de Carvalho, ainda afirma que originam-se efeitos dessas espécies diferenciadas de competência, que se aplicam ao processo executivo; pois, enquanto a competência absoluta é improrrogável (art. 111), se conhece de ofício (art. 113) e a qualquer tempo, e sua desobediência implica nulidade absoluta dos atos decisórios (art. 113, § 2º); já a decretação da incompetência relativa supõe iniciativa da parte (arts. 112 e 742), através da exceção (arts. 307 a 311), prorroga-se pela inércia do interessado (art. 114) e comporta eleição de foro (art.111, § 2ª parte, do CPC).

Milhomens7, por seu turno, aduz que no interesse público e no interesse das partes, atende-se ora à matéria da causa, ora ao seu valor, ora à condição das pessoas interessadas na causa, ora ao lugar em que está situado o bem objeto da demanda, ora ao nexo que une as duas ou mais causas para, limitando o poder jurisdicional, determinar a competência dos juízes e, partindo disso tudo, é que se chega ao conceito de competência, qual seja, o poder de conhecer de determinada causa para processá-la e julgá-la, ou só processá-la, ou julgá-la.

Dinamarco8 alude que são quatro os problemas que precisam ser resolvidos até que se encontre, em cada caso concreto, o juiz competente; ou seja, numa ordem aproximada de sucessão lógica, eles estão assim dispostos: a) competência de jurisdição, ou seja: qual Justiça é competente? b) competência vertical, ou seja: é competente o órgão de jurisdição superior ou inferior? c) competência de foro, ou seja: ao juiz de que lugar compete o feito? d) competência de juízo, ou seja: entre os diversos juízes de mesmo lugar, aos de que espécie toca a competência? Por fim, depois de percorrido esse iter, chega-se à determinação do órgão judiciário competente.

6 2001, p. 91. 7 1991. 8 1998, p. 201.

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Depois de se recordar brevemente a existência das regras gerais de competência, passa-se à competência no processo de execução.

2.1.1 Competência na execução fundada em título judicial

Milhomens9 resumiu o artigo 57510 do CPC afirmando que a execução fundada em título judicial processa-se em geral perante o órgão que proferiu a sentença exeqüenda, ou o acórdão exeqüendo (art. 575), nos próprios autos, nos autos suplementares ou por carta de sentença (art. 589), pelas vantagens de aí se concentrarem as provas (economia processual); o inciso III é conseqüência do art. 1.09811, segundo o qual ‘é competente para a homologação do laudo arbitral o juiz a que originariamente tocar o julgamento da causa’; e, o ‘juízo cível competente’, do inciso IV, é aquele a que, por distribuição, for destinado o julgamento da causa.

Cândido Dinamarco12, citando Liebman13, aduz que competente para a execução por título judicial é, em um primeiro momento e, via de regra, o órgão judiciário que tiver conhecido originariamente do processo de conhecimento de onde vem o título executivo (judex executionis est ille, qui competenter tulit sententiam); sendo esse, simplificadamente, o significado dos incisos I a III do art. 575 do CPC, os quais, repudiando sistemas contidos em outras legislações, facilitam notavelmente a questão,

9 1991, p. 113. 10 Art. 575 do CPC: “ A execução, fundada em título judicial, processar-se-á

perante: I – os tribunais superiores, nas causas de sua competência originária; II – o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição; III – o juízo que homologou a sentença arbitral; IV – o juízo cível competente, quando o título executivo for a sentença penal

condenatória” 11 Atualmente revogado. 12 1998, p. 205. 13 Processo de Execução, 1980 (notas de Joaquim Munhoz de Mello).

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com a competência funcional do juiz que antes já apreciou o caso.

Em resumo, afirma Liebman14 que a execução deve ocorrer perante o juiz que conheceu a controvérsia em primeira ou única instância, quer tenha sido a sentença confirmada, quer tenha sido revogada no todo ou em parte em instância superior; outrossim, mencionando Chiovenda, Liebman continua e ressalta que esta competência é funcional, uma vez que fixada em atenção às funções exercidas pelo juiz no processo anterior, sendo, portanto, improrrogável mesmo na hipótese de mudança de domicílio do executado.

Excepcionando a regra de competência estabelecida no inciso I do art. 575, tem-se a lição de Dinamarco15. De acordo com ele, a competência funcional do juiz da cognição abrange as execuções fundadas nas sentenças condenatórias civis previstas no inc. I do art. 584 do CPC, assim como as homologatórias de laudo arbitral ou de atos autocompositivos no processo de conhecimento (transação, reconhecimento do pedido); entretanto, dos títulos judiciais arrolados no art. 584 do CPC, consideram-se fora da regra de competência aqui considerada as execuções de sentença estrangeira homologada, de adjudicação de quinhão hereditário ou de sentença penal condenatória, salientando, ainda, que as condenações proferidas em processo de pequenas causas, que inicialmente não conduziam a execução no próprio Juizado (LPC, art. 40), agora estão na competência funcional deste (art. 40, red. Lei n. 8.640/93).

No tocante à sentença estrangeira, sabido é que cabe ao STF sua homologação (CF, art. 102, I, h); não obstante, verdade também é que cabe ao juízes federais de primeiro grau (CF, art. 109, X) a execução destas sentenças; ou seja, a competência executiva, neste caso, a despeito do inciso I do art. 575, que é norma infraconstitucional, respeita preceitos constitucionais e passa ao encargo dos juízes federais.

14 Processo de Execução, 1946, p. 99. 15 1998, p. 206.

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Ressalta-se, ademais, que a competência de foro regula-se pelas disposições da própria Constituição e do CPC; assim, não sendo parte a União ou qualquer uma das outras entidades elencadas no art. 109, inc. I, da Carta Magna, prevalece o estabelecido no Código de Processo, isto é, domicílio do executado, forum rei sitae, etc.

Araken16 citando Dinamarco e Carlos Alberto Carmona, respectivamente, explicita que uma vez vencido o juízo de delibação, que interna a sentença estrangeira e lhe outorga força executiva, por meio do exequatur, a execução deste título competirá ao juízo federal de primeiro grau, territorialmente competente, nos termos do art. 109, X, da CF/88; outrossim, idêntica é a competência para executar a sentença arbitral, após homologação do STF (art. 36 da Lei n. 9.037/95).

Já no que diz respeito ao processo executivo fundado em adjudicação de quinhão hereditário, será ele de competência do próprio juiz da partilha, pois este juiz, além de melhor conhecer as peculiaridades da causa, também já exerceu poderes de sujeição sobre o inventariante, herdeiros, sucessores á título universal e sobre o patrimônio em partilha.

Especificamente quanto ao inciso I17: execução perante os tribunais superiores, nas causas de sua competência18

Como o inciso I fala em tribunais superiores, salienta-se, em primeiro lugar, que Pontes de Miranda19 afirmou que “Vale

16 2001, p. 100. 17 “Não significa isso, no entanto, que deva ser o mesmo juiz da sentença

exeqüenda aquele que acompanha o feito, ainda que promovido, removido ou aposentado. O juízo é que permanece o mesmo, competindo ao magistrado que dele estiver à testa proferir decisão” – RT, 268:244.

18 “Entende-se que, mesmo que o devedor a ser executado tenha mudado de domicílio, encontrando-se em foro diferente do da causa, ou seus bens estejam em outra comarca, ainda assim a competência para a execução continua sendo do juízo que julgou a ação de conhecimento, por isso que se trata de competência absoluta” – Orlando de Souza, 1987, p. 36.

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para os Tribunais de Justiça o que se disse quanto ao Supremo Tribunal Federal e quaisquer outros tribunais”; ou seja, mencionado inciso diz respeito tanto a tribunais superiores quanto a tribunais de segundo grau.

Há causas que, como a ação rescisória, iniciam no Tribunal; neste caso, como refere o inciso I, será este Tribunal o competente para a execução; vê-se, portanto, que somente os pronunciamentos nas causas de competência originária do Tribunal são abarcados pelo inciso I do art. 575.

Sobre o tema Dinamarco20 menciona que os tribunais só têm competência executiva quando perante eles originariamente fluiu o processo cognitivo; o fato de terem julgado o feito em grau de recurso não desloca para eles essa competência, que continua sendo do juiz a quo21.

Frisa-se, à guisa de curiosidade, que o art. 102, I, “m”, da CF/88 diz: “Compete ao STF, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe a execução de sentença nas causas de sua competência originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais”; permite, então, que o ministro relator delegue atos executivos para um órgão de 1º grau competente, segundo o domicílio do executado; entretanto, como a Carta Magna não menciona para qual juízo poderá haver a delegação, ficará ela ao alvedrio do ministro.

Sobre a delegação de funções Dinamarco22, embasado em lições de Pontes de Miranda, manifestou-se comentando que a competência não pode, em princípio, ser delegada, até porque

19 Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 9, p. 159. 20 1998, p. 205. 21 “Em regra, é competente para a execução, com base em título executivo

judicial, o juiz da causa, aquele perante quem correu a ação, pouco importando que sua sentença, na superior instância, tenha sido revogada no todo ou em parte; e, como a competência se refere ao cargo, ao juízo, e não à pessoa do juiz, se este tiver sido promovido, removido ou aposentado, seu substituto legal na comarca, ao tempo da execução da sentença, será o competente para esta execução” – Orlando de Souza, 1987, p. 35.

22 1998.

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essa é uma regra inerente ao próprio exercício da jurisdição e emana do próprio sistema constitucional, que só em via excepcional admite a delegação. De outra banda, a própria Constituição permite algum temperamento à proibição de delegar funções executivas (art. 102, I, m): o Supremo Tribunal poderá delegá-las a juiz de primeiro grau, mediante carta de ordem, entendendo-se que o mesmo farão também os outros tribunais (STJ, TRF, TJ,TA). Explicitando mais acerca do inciso II: execução perante o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição

Este inciso regula a execução das sentenças homologatórias de transação e conciliação (art. 584, III, 2ª parte) e a do formal ou certidão de partilha (art. 585, V).

Ensina Araken23 que o julgamento do recurso, que porventura venha a ser interposto contra a sentença ou a decisão, cujo provimento ou desprovimento substituirá, no todo ou em parte, a resolução de primeiro grau, não interfere com a regra de competência; aliás, nem a simples interposição do recurso, naqueles casos em que ele não inibe a eficácia do pronunciamento judicial (v.g., apelação contra sentença proferida em ação de alimentos: art. 520, I), acarretará conseqüências no assunto.

Há entendimentos, todavia, de que esta regra está equivocada e acaba por gerar situações de difícil solução. Araken24 exemplifica: “ À vítima do ilícito absoluto, ocorrido em acidente de trânsito, interessa propor a ação condenatória no seu domicílio (art. 100, parágrafo único, do CPC); mas, propondo aí a ação reparatória, iludida pelo benefício, encontrará ulteriores dificuldades na execução, porque os bens aptos à satisfação do crédito se situam, com boa dose de probabilidade, em foro diverso, provavelmente no domicílio do

23 2001, p. 97. 24 2001, p. 98.

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executado, local em que as pessoas adquirem seus bens. Nesta contingência, a vítima suportará as despesas e os sacrifícios da execução por carta (art. 658 do CPC). E não lhe servirá de consolo, então, a simplificação do problema de competência”.

Acerca do inciso III: execução perante o juízo que homologou a sentença arbitral25

A sentença oriunda do juízo arbitral, apesar de hipótese

rara no Brasil, quando condenatória, dá ao interessado um título judicial, de acordo com o art. 584, III, do CPC.

Araken26 bem lembra que é em vão que se procurará o juízo que homologou a sentença arbitral, pois o árbitro não homologa, ele julga; ademais, o árbitro não tem competência executiva, seja pela índole do procedimento, seja porque, proferida a sentença arbitral, dá-se por finda a arbitragem (art. 29, 1ª parte, da Lei n. 9.307/96). Desta forma, a nova leitura que se pode dar ao inciso III do art. 575, é que a execução se processará perante a autoridade judiciária competente, segundo as regras do procedimento.

Inciso IV: execução de sentença penal condenatória perante o juízo cível competente27

Curial ressaltar, primeiramente, que antes de mais nada,

o art. 575, IV, cuida da competência da ação de liquidação, uma vez que o efeito extrapenal anexo da sentença condenatória penal padece de inexorável liquidez28.

25 A expressão sentença arbitral está empregada impropriamente, correto seria

laudo arbitral. 26 2001, p. 99. 27 “A sentença penal condenatória que, de conformidade com a lei processual

civil, constitui título executivo judicial, deverá constar de certidão do escrivão do crime, em inteiro teor e com a declaração de haver transitado em julgado” – Orlando de Souza, 1987, p.38.

28 Araken de Assis, Eficácia Civil da Sentença Penal, n. 15.1.2, pp.92- 95.

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Milhomens29 afirma que o “juízo cível competente” é aquele a que, por distribuição, for destinado o julgamento da causa.

O juízo civil competente é o do lugar do crime, isto é, é o forum comisso delictio – art. 100, V, “a”, do CPC; de outra banda, em sendo o caso de acidente de trânsito o título poderá ser liquidado e executado no foro do domicílio da vítima ou de seus herdeiros (art. 100, parágrafo único do CPC).

A sentença penal condenatória é título executivo civil30, isto é, tem sua execução no juízo civil e não no crime, a menos que os juízos se confundam, como ocorre nas pequenas comarcas. Vê-se, então, que acaba por não interessar de qual Justiça o título é oriundo, pois há um tipo de separação da origem do título para o local da sua execução. Exemplo: sentença penal criada pela Justiça Federal será executada na Justiça Comum, pois além de sua competência ser residual, foge do elenco de hipóteses do art. 109 da CF/88.

Orlando de Souza31 bem lembra que faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito; outrossim, não obstante a existência de uma sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta, quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.

Não impedem, ainda, a propositura da ação civil: o despacho de arquivamento do inquérito, a decisão que julgar extinta a punibilidade, nem a sentença absolutória que decidir

29 1991, p. 113. 30 De acordo com o artigo 63 e seg. do CPP, transitada em julgado a sentença

penal condenatória, podem promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros; ademais, a ação poderá ser proposta contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil.

31 1987.

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que o fato imputado não constitui crime32.

2.1.2 Competência na execução fundada em título extrajudicial

O art. 57633 do CPC significa que à execução embasada com título extrajudicial se aplicam as regras do processo de conhecimento, variando a competência de acordo com o título, a despeito de, via de regra, a execução se dar no foro de cumprimento da obrigação.

Desta forma, como na execução de título extrajudicial ainda não houve a interferência de nenhum órgão do Judiciário, o juízo competente será aquele previsto pelas regras gerais da competência, como já referido, aplicando-se, assim, as regras da competência internacional (arts. 88 a 90 do CPC), e as da competência interna (arts. 91 a 94 do CPC).

Consoante Araken34, a matéria acerca da execução dos títulos executivos extrajudiciais se organiza pela combinação do enunciado do art. 576 com cada um dos títulos previstos no art. 585; implicando, igualmente, remissão às inúmeras leis extravagantes que disciplinam os documentos heterogêneos elencados no art. 585.

Cândido Dinamarco35 comentando o assunto recorda que por certo quando a execução se apóia em título extrajudicial, sem, portanto, ter havido um processo cognitivo-condenatório, perdem todo o suporte e não têm como se aplicar as normas da competência funcional; trata-se, então, de litígio proposto originalmente em juízo e o processo em que ele se vincula haverá

32 Em sendo pobre o titular do direito à reparação do dano, a execução da

sentença condenatória será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.

33 Art. 576 do CPC: “ A execução, fundada em título executivo extrajudicial, será processada perante o juízo competente ,na conformidade do disposto no Livro I, Título IV, Capítulos II e III”.

34 2001, p. 101. 35 1998, p. 216.

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de ser atribuído à competência de um juiz, segundo as regras comuns36.

Orlando de Souza37 bem refere que se deve ter em vista a diferença, pois, via de regra, quem vai executar um título judicial já tem na própria sentença a ser executada a indicação do juízo competente, o endereçamento certo, justamente por isso que, em se tratando de execução fundada em título judicial, a competência se apresenta clara, funcional e, portanto, absoluta; por outro lado, quando se trata de título executivo extrajudicial, para a execução do qual não há regras especiais quanto à competência, afirma o Código de Processo que o juízo competente será o que o Livro I, Título IV, Capítulos II e III indicar, tal qual para as ações do processo de conhecimento.

Humberto Theodoro Júnior38, por seu turno, aduz que além do critério geral de competência do foro do domicílio do devedor, tem relevância, também, as normas dos arts. 110 e 100, IV, “d”, do CPC, onde se estabeleceu a prevalência do foro de eleição e do lugar de pagamento sempre que tais previsões constem do título a ser executado.

Para Humberto Theodoro Júnior39 a ordem de preferência para determinação da competência, em execução de título extrajudicial, é a seguinte: 1) foro de eleição; 2) lugar de pagamento; 3) domicílio do devedor.40

Já Wilard Villar41 assevera que devem ser observadas as regras atinentes ao domicílio do réu, ao local do pagamento

36 A respeito de execução cambial, hipotecária e fiscal – Dinamarco, Execução

Civil, 1998, p. 222 e seg. 37 1987, p. 39. 38 1989, p. 83. 39 1989, p.82. 40 Nos títulos extrajudiciais prevalece o foro de eleição sobre qualquer outro,

norma reforçada pela Súmula 335 do STF: “ É válida a cláusula de eleição do foro para os processos oriundos do contrato”. – José Antônio de Castro, 1983, p. 24.

41 1975, p. 57.

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previsto no título ou do foro de eleição, desde que estipulado por escrito, ou ainda a situação da coisa42.

Reproduz-se43, agora, alguns dos títulos executivos extrajudiciais e suas respectivas competências:

- Letra de câmbio e promissória: é competente o foro do lugar do pagamento (art. 100, IV, “d”), mas nada impede que seja proposta no domicílio do réu, quando movida a execução contra algum coobrigado.

- Debênture: executa-se a debênture no lugar do pagamento. Porém, existindo garantia real, incide o art. 95, 1ª parte, e se respeitará o foro da situação da coisa.

- Duplicata: aplica-se o art. 17 da Lei n. 5.474/68 na execução da duplicata: competente se mostra o foro da praça de pagamento, ou o do domicílio do comprador; e, no caso de ação regressiva, a dos sacadores, dos endossantes e respectivos avalistas.

- Cheque: executar-se-á o cheque no lugar do pagamento que é o indicado ao lado do nome do sacado (art. 2º, I, da Lei n. 7.357/85), onde consta o endereço do banco, e só na omissão deste dado deriva para o domicílio do emitente. Via de regra, então, se foi emitido um cheque em São Leopoldo, mas a conta é em Porto Alegre, o cheque será pago em Porto Alegre.

- Instrumento particular e público de confissão de dívida e transações referendadas: a execução dos títulos previstos no art. 585, II, se realizará no lugar do cumprimento da obrigação (art. 100, IV, “d”), ou, na sua falta, o do domicílio do executado.

- Cauções pessoal e real: execução de hipoteca se realiza, em conformidade ao disposto no art. 95, 1ª parte, do CPC no forum rei sitae - a hipoteca constitui direito real44, ex vi do art. 674, IX, do CC de 1917, e real é a ação nela fundada; mas, não

42 Acredita-se que o autor apenas tenha mencionado acerca dos foros, sem,

entretanto, colocá-los em ordem de preferência. 43 Araken de Assis, 2001, p. 101. 44 Apesar da discordância de Liebman – Processo de execução, n.º 86, pp. 86-

91.

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sendo mencionado no art. 95, 2ª parte, lícito ao credor optar pelo foro do domicílio do devedor. Idêntico foro é competente na execução de penhor e de anticrese. De seu turno, a caução pessoal segue a regra geral do lugar do cumprimento da obrigação.

- Contrato de seguro: é competente, para a execução do contrato de seguro, o foro do lugar do cumprimento ou, na sua falta, o da sede do segurador, e o da agência ou sucursal (art. 100, IV, “b”).

- Rendas imobiliárias e encargo de condomínio: o art. 58, II, da Lei n. 8.245/91 estabelece o foro da situação da coisa para ações de despejo e correlatadas, mas nada dispõe sobre execução fundada no contrato de locação. Por conseguinte, competente será o lugar de cumprimento da obrigação (art. 100, IV, “d”), inclusive quanto aos encargos de condomínio e, na sua falta, o do domicílio do réu.

- A enfiteuse é direito real (art. 674, I, do CC), e, portanto, ostentará natureza real a respectiva execução, aplicando-se o art. 95, 1ª parte, do CPC: processar-se-á no foro da situação da coisa.

- Decisão de aprovação de custas, emolumentos e honorários: a execução deste crédito, tipicamente pessoal, processar-se-á no lugar do cumprimento da obrigação, que é o do processo que o originou.

2.1.3 Competência na execução coletiva

Dinamarco45 assevera que a insolvência civil, espécie de execução coletiva que é, segue as regras de competência até então vistas, apenas com algumas regras específicas.

Em nível Constitucional o art. 109, I, exclui as falências da competência da Justiça Federal mesmo quando União, autarquias ou empresas públicas federais sejam parte; assim, um raciocínio analógico demonstra que a insolvência igualmente não 45 1998, p. 230.

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é da competência da Justiça Federal. Para Dinamarco, a única diferença fundamental entre falência e insolvência é o fato de, na insolvência, o devedor ser um não-comerciante.

Continuando seu raciocínio, o retro mencionado doutrinador lembra que a falência indica o foro competente (art. 7º da Lei de Falências), e que a declaração de insolvência postulada pelo próprio devedor ou seu espólio tem como foro o do domicílio do devedor, de acordo com o art. 760 do CPC.

Já no tocante ao pedido de insolvência aforado pelo credor, tudo leva a crer que é o domicílio do devedor o foro competente. Primeiro, porque esse é o foro comum (CPC, arts. 94 e 598) e, em não havendo disposição em contrário ele deverá prevalecer sobre os demais; segundo, porque se nele se instaura o processo de insolvência requerido pelo devedor, não há motivos para tratamentos díspares; terceiro, porque é no seu domicílio que ordinariamente o devedor não-comerciante tem o seu centro de atividades e seus bens; e, por fim, também em nome do princípio da economia processual.

Então, depois de determinado o foro competente, as regras de organização judiciária dirão qual o juízo competente para as insolvências requeridas com título executivo judicial ou extrajudicial. Salienta-se, por oportuno e necessário, que o processo de insolvência não é uma continuação da execução singular infrutífera, é um processo autônomo.

Ainda, à guisa de curiosidade, menciona-se que a jurisprudência vem afastando a aplicação da regra da universalidade do juízo nos casos referentes à insolvência; razões não há que determinem essa vis attractiva, pois a insolvência não tem a mesma repercussão econômica e social de uma falência.

Por fim, recorda-se que o art. 92 do CPC reserva à competência exclusiva do juiz de direito o processo de insolvência; isto é, somente juízes de carreira, após o estágio probatório é que terão competência para ela.

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2.1.4 Competência nos processos incidentais, concurso de preferências e modificações da competência

Diz o art. 598 do CPC que são aplicadas subsidiariamente à execução as disposições que regem o processo de conhecimento; consequentemente, o teor dos artigos 102 a 109 (das modificações da competência – continência e conexão) e 111 (competências absoluta e relativa) são aplicáveis à execução.

Curial sobre a competência nos processos incidentais é que o art. 108 do CPC afirma que a ação acessória será proposta perante o juiz competente para a ação principal; assim o juízo da execução atrai a oposição do devedor (art. 736); os embargos de terceiro (art. 1.049); as cautelares incidentais (art. 800, 1ª parte); a ação reivindicatória do bem penhorado movida pelo verus dominus; e a ação anulatória do título46.

No que diz respeito à insolvência, o art. 762, § 1º, CPC, cuida da remessa das execuções individuais ao juízo da execução coletiva, excepcionando, entretanto, a execução fiscal que é indiferente aos juízos universais (art. 5º da Lei n. 6.380/80).

No tocante ao concurso de preferências o art. 613 do CPC ensina que caso recaia mais de uma penhora sobre os mesmos bens, cada credor conservará o seu título de preferência.

Sabido é que um bem pode ser penhorado mais de uma vez; então, em havendo mais de uma penhora sobre o mesmo bem, qual será o juízo competente? Por exemplo, há duas penhoras, do credor A, efetuada em 15.04.02 e a do credor B, efetivada em 16.04.02. Qual o juízo competente? Será o de A, ou seja, o da primeira penhora. E se B for um credor trabalhista isto alterará a competência? Não, continuará sendo competente o juízo da primeira penhora.

Nota-se que é o bem penhorado – critério objetivo –, em decorrência da multiplicidade de penhoras sobre ele, que acaba

46 Araken de Assis, 2001, p. 103.

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por motivar a reunião dos processos; tal reunião se dará no juízo que primeiro efetuou a penhora ou pré-penhora47 (CPC, art. 653).

Como visto, nem mesmo a execução trabalhista sobrepõe-se a esta regra; assim, apesar de o crédito trabalhista ter privilégios, competente será o juízo da primeira penhora.

Araken48, mencionando Dall’Agnol Jr. aduz que qualquer credor penhorante poderá pleitear a reunião; aliás, o próprio órgão judiciário, quando ciente da primeira penhora e sendo isto possível, remeterá, ex officio, a execução ao juízo competente. Deste ato caberá agravo.

Ainda, a respeito da modificação da competência, sugere-se leitura atenta dos arts. 102 a 109 do CPC.

Conclui-se, desta forma, que sem dúvida as regras de competência estabelecidas para os casos recém mencionados, além de prudentes, vêm para evitar tumultos e inseguranças não só ao cidadão (credor), mas, e principalmente, à administração da Justiça.

2.1.5 Controle de competência

De acordo com o que já foi mencionado a respeito da

competência absoluta e relativa sabe-se que a incompetência absoluta deve ser declarada de ofício, ao passo que a incompetência relativa deve ser excepcionada sob pena de prorrogação; o Código de Processo Civil, entretanto, no

47 O juízo da primeira penhora permanece competente no caso de intervenção

da União, de suas autarquias ou empresas públicas – 2ª Seção do STJ, CC n. 1.246 – PR, de 13.03.91, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo, DJU de 08.04.91, p. 3.863. Da mesma forma, a intervenção de empresa pública federal, titular de garantia federal, não importa o deslocamento do processo para a Justiça Federal – 2ª Seção do STJ, CC n. 2.295 – PR, de 11.12.91, Rel. Min. Athos Gusmão Carneiro, RJSTJ, 4 (31)/ 93. Araken de Assis, 2001,p. 314.

48 2001, p.314.

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concernente à execução, não é claro o suficiente a respeito do assunto, dedicando a ele dois artigos: 741, VII e 74249.

Nas palavras de Araken50: “ Tratando-se de competência absoluta, o juiz a controlará de ofício, conforme resulta do art. 113 do CPC. Ao invés, cuidando-se de competência relativa, como as que regem a execução fundada em sentença penal, e, de modo genérico, a baseada em título extrajudicial, o deslocamento deverá ser pleiteado através da adequada exceção (art. 112), sob pena de prorrogação (art. 114). Em hipótese alguma o juiz declinará de ofício o processo em caso de incompetência relativa (Súmula 59 do STJ)”.

Apesar do inciso VII do art. 741 não mencionar qual a incompetência que está tratando, se absoluta ou relativa, certo é que o devedor poderá embargar, nos próprios autos, alegando, também, incompetência absoluta.

Afinal, como interpretar os artigos acima expostos? Caso o devedor só tenha incompetência relativa para

alegar, deverá fazê-lo nos embargos – art.741, VII; se, além da incompetência relativa tiver outras matérias como o pagamento, por exemplo, deverá excepcionar a incompetência e embargar as demais, como o pagamento – art. 74251; o advérbio “juntamente” constante do artigo 742, significa que, apesar de a exceção necessitar peça autônoma, será ela proposta no mesmo prazo dos embargos, ou seja, nos 10 dias.

49 Diz o art. 741, VII: “Na execução fundada em título judicial, os embargos só

poderão versar sobre: VII – incompetência do juízo da execução, bem como suspeição ou impedimento do juiz”.

Já o art. 742 refere que: “ Será oferecida, juntamente com os embargos, a exceção de incompetência do juízo, bem como a de suspeição ou de impedimento do juiz”.

50 2001, p. 92. 51 “ O art. 741, VII, se explica com exegese diversa. Toda vez que a única

alegação disponível do executado for matéria de exceção – incompetência, suspeição, impedimento -, o executado, ao invés de excepcionar juntamente com os embargos (art. 742), poderá torná-la objeto de embargos”. Araken, 2001, p. 94.

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Assim, por exemplo, em o executado excepcionando no 5º dia do seu prazo, suspende-se a execução e o prazo para ele embargar que é de mais 5 dias, pois conta-se de onde parou52. A suspensão é um efeito natural da execução – arts. 265, III e 306, ambos do CPC.

A respeito da alegação de incompetência absoluta traz-se à baila os ensinamentos de Araken53. De acordo com o seu entendimento, inobstante o controle oficioso, subsidiariamente cabe às partes alegar a incompetência absoluta. No que diz respeito à execução, o devedor poderá fazê-lo nos próprios autos, por meio do expediente que se designa de objeção da executividade, ou através de embargos, até porque preclusão não há, não obstante o executado responda pelas despesas do retardamento (art. 267, § 3º, 2ª parte), o que poderá lhe ser muito gravoso, a exemplo da repetição da publicação do edital de arrematação. Ademais, de acordo com o art. 113,§ 2º, os atos decisórios proferidos pelo juiz absolutamente incompetente se mostram nulos. Salienta o autor, no entanto, que o processo executivo, que não ignora resoluções do juiz (v. g., a anulação da penhora, porque impenhorável o bem), é composto, basicamente, de atos executivos, a exemplo da transferência coativa do bem penhorado (art. 694, caput), e que, portanto, igualmente e principalmente eles, devem ser considerados nulos, uma vez que até repugna ao direito preservar a arrematação realizada por juízo incompetente54.

52 Em sentido contrário decidiu a 4ª Turma do STJ: “A exceção de

incompetência, no processo de execução, deve ser apresentada simultaneamente com o ajuizamento dos embargos. Apresentada em momento anterior, não tem o condão de suspender o prazo para o oferecimento daqueles”. Resp. 112.977 – MG, de 22.10.97, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU de 14.11.97, p. 61.224.

53 2001, p. 92. 54 Em sentido contrário, Alberto Camiña Moreira, Defesa sem Embargos do

Executado, n. 17.1.2.4, p. 75.

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2.2 Legitimidade

Consoante Araken55 “o que entre nós se designa de legitimidade56 (legitimatio ad causam), e é classificado entre as condições da ação, na verdade pressupõe juízo de correspondência entre a parte, figurante do processo, e os titulares da relação material. Ao invés, o pressuposto processual se contenta com a capacidade para conduzir o processo, abstendo-se de apurar se quem alega a condição de credor ostenta, realmente, tal condição do ponto de vista material”.

José Carlos Barbosa Moreira57, por seu turno, diz que denomina-se legitimação a coincidência entre a situação jurídica de uma pessoa, tal como resulta da postulação feita perante o Judiciário, e a situação legitimante prevista na lei para a posição processual que a essa pessoa se atribui, ou que ela intenta assumir. No mesmo sentido, processo de contraditório regularmente instaurado equivale a processo com partes legítimas.

2.2.1 Noções gerais legitimidade ordinária

Ocorre quando a pessoa que vai à juízo é titular do

direito material. Ex. A bate no carro de B e B, titular do direito, ajuíza ação de reparação de dano contra A. “ Diz-se ordinária a legitimidade do credor e devedor figurantes no título, porque são eles os sujeitos da relação jurídica substancial litigiosa e a eles diretamente interessa o resultado do processo de execução, a beneficiar ou não, em medida menor ou maior, o patrimônio de

55 2001, p. 38. 56 Consoante Theodoro Jr. “ ...além de ser parte legítima, por figurar no título

como credor, ou por tê-lo legalmente sucedido, para manejar o processo de execução o interessado terá ainda que: a) ser capaz, ou estar representado de acordo com a lei civil pelo pai, tutor ou curador; b) outorgar mandato a advogado” 1989, p.37.

57 RT, 1969, p. 10.

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um deles em detrimento do patrimônio de outro”58. Assevera Dinamarco59 que como normalmente a

legitimidade para o processo de conhecimento pertence aos titulares da relação jurídica litigiosa, obtendo estes a sentença de mérito, nada mais natural, então, que os primeiros e mais freqüentes legitimados para a execução por título judicial sejam aqueles entre os quais se produziu referido título, ocorrendo, ainda, o mesmo quanto aos títulos extrajudiciais que, via de regra, apoiam-se em negócio celebrado entre dois ou mais sujeitos, sendo legitimados aqueles que do negócio participaram60.

A legitimidade ordinária subdivide-se em: a) Originária: quando o titular do direito é a mesma pessoa para quem o direito nasceu. No exemplo acima é o B. Dinamarco fala em legitimidade primária e diz que ela é a mesma legitimidade que tiveram para participar da criação do título executivo61; b) Superveniente: se B, por exemplo, não pudesse exercer seu direito e passasse ele para outra pessoa, pois os direitos são sucessíveis. B pode ceder o direito para C, esse direito de C é superveniente. No entendimento de Dinamarco existem pessoas diretamente vinculadas por direitos e obrigações próprias a serem objeto da execução e que, portanto, poderão legitimamente ser parte aqui, embora não hajam tomado parte na formação do título executivo. Trata-se, na verdade, de legitimados ordinários, pois são titulares dos interesses materiais em conflito; no entanto, não 58 Dinamarco, 1998, p. 425. 59 1998, p. 425. 60 É isso que dispõem, em primeiro lugar entre outras hipóteses, os arts. 566, I e

567, I, ao dizer que têm legitimidade ativa para a execução “ o credor a quem a lei confere título executivo” e “ o devedor, reconhecido como tal no título executivo”. Dinamarco, 1998, p. 425.

61 “ Se título judicial, é a mesma legitimidade que tiveram para o processo de conhecimento em que o título foi gerado; se extrajudicial, é a mesma que lhes permitiu realizar o ato de regulação dos próprios interesses, ao qual a lei acresce a eficácia executiva (cambiais, etc.). Em ambas as hipóteses, a legitimidade primária é quase sempre indicada facilmente, na prática, pelo próprio título executivo (v. arts. 566 e 568 CPC)”. Dinamarco, 1998, p. 427.

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são primários, uma vez que não figuram como credor ou devedor no título executivo. Para essas hipóteses, será apropriada a denominação legitimidade ordinária independente62.

São exemplos de legitimados ordinários supervenientes ou independentes: o ofendido com legitimidade ativa para o processo executivo pelo dano sofrido com o crime, o particular que vem a juízo na condição de lesado, para a “liquidação” e execução de sentença genérica referente a direitos individuais homogêneos, o sub-rogado ou sucessor de qualquer das partes do processo condenatório ou dos sujeitos da obrigação indicada em título extrajudicial, o fiador judicial que não foi parte no processo anterior, não foi condenado, não figura no título executivo, mas em virtude da garantia prestada nos autos tornou-se devedor também, com legitimidade passiva à execução, etc.63.

Há, também, a Legitimidade Extraordinária; ou seja, aquela de quem vai à juízo postular, em nome próprio, direito alheio (CPC, art. 6º), a pessoa em juízo não é o titular original do direito material. Ex: O Ministério Público pode propor a execução de uma sentença penal condenatória quando a vítima do ilícito for pobre, mas o MP não é o titular do direito material, tanto, que no momento de o devedor pagar – se houver dinheiro – o dinheiro vai para a vítima, que é o titular do direito invocado.

A legitimidade extraordinária subdivide-se em autônoma e subordinada. Consoante Dinamarco64, no campo da legitimidade extraordinária, manifestam-se in executivis, tanto quanto com referência ao processo de conhecimento, situações que legitimam à qualidade de parte principal e situações que legitimam à qualidade de mero assistente, sendo que referidas hipóteses não são idênticas pela intensidade de poderes que o legislador quis dar aos titulares das diversas situações legitimantes, os quais serão, conforme o caso, legitimados autônomos ou subordinados. Têm elas em comum a

62 Dinamarco, 1998, p. 427. 63 Dinamarco, 1998, p. 428. 64 1998, p. 436.

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circunstância de se tratar sempre de situações referentes a pessoas que não são sujeitos das relações jurídicas substanciais sub judice, mas cuja participação no contraditório o legislador admite.

A autônoma65 ocorre quando o substituto vai à juízo em nome próprio e sozinho. Ex: MP vai à juízo em nome próprio. Ela subdivide-se, por sua vez, em: 1) Concorrente: quando o substituto ou o substituído podem ir, tanto um quanto outro, separadamente, e ao mesmo tempo, à juízo. No exemplo citado tanto o MP pode executar a sentença penal condenatória, quanto a própria vítima, se o MP não o fizer, poderá fazê-lo; ou seja, é ou um, ou outro66; 2) Exclusiva: quando apenas o substituto pode ir à juízo. Exemplo é o agente fiduciário das debêntures. O debenturista (dono do crédito) não pode ir à juízo, ainda que queira; isto é, ele não pode executar, sozinho, todas as debêntures, apenas o agente fiduciário, que é o titular do crédito, é que agirá sozinho, pelo debenturista e em nome dele.

Dinamarco67, embasado em Barbosa Moreira aduz que a legitimidade extraordinária autônoma será exclusiva, se, em conseqüência dela, perder o titular da relação jurídica substancial a qualidade de ser parte; e concorrente, na hipótese contrária; curial salientar, no entanto, que ambas as espécies têm sido

65 Acerca da legitimação extraordinária autônoma, diz José Carlos Barbosa

Moreira (RT, vol. 404, p. 10) que: “Nela o contraditório tem-se como regularmente instaurado com a só presença, no processo, do legitimado extraordinário”.

66 “ Inovação extraordinariamente peculiar foi trazida ao direito brasileiro pelo CDC, cujo art. 97 legitima à execução o Ministério Público e outras entidades (v. art. 82). Essa legitimidade é em si mesma concorrente, dada a pluralidade das entidades legitimadas, e também concorrente com a dos sujeitos titulares de direitos individuais homogêneos. Cada um destes é autorizado a promover a execução da sentença coletiva na medida do seu direito lesado, conforme resultar da ‘liquidação’ realizada. Às entidades relacionadas no art. 82 cabe legitimidade para a chamada ‘liquidação coletiva’, em que são substitutas processuais dos lesados, assim como para a execução em prol do fundo instituído em lei (art. 100, caput e par.)”. Dinamarco, 1998, p. 439.

67 1998, p. 438.

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tratadas pela doutrina dominante como de ‘substituição processual’, expressão que, no entanto, já pretendeu limitar apenas à designação da legitimidade extraordinária exclusiva.

Por fim, a legitimidade extraordinária subordinada é aquela onde, por exemplo, há a presença de um assistente68. Desta forma, se um terceiro é titular de relação jurídica conexa ou dependente da situação de uma das partes, ele pode ingressar no processo para, ao lado dela, procurar evitar que tenha este um resultado que indiretamente o atinja (CPC, art. 50). Em outras palavras, ele é legitimado a participar do contraditório perante o juiz, com quase todos os poderes, faculdades, deveres, ônus, que as partes principais. Não sendo titular do interesse substancial em juízo, é legitimado extraordinário; não figurando como parte principal, mas simplesmente aderindo à pretensão ou à resistência de uma das partes, sem os principais poderes dispositivos, é legitimado subordinado69.

Em suma, quando a situação legitimante corresponde com a situação levada à juízo, diz-se ordinária contrapondo-se à extraordinária. Na primeira a regra concreta que emanar da sentença incidirá diretamente sobre a esfera jurídica do próprio legitimado, na segunda, o provimento judicial incidirá diretamente sobre a esfera jurídica de pessoa (s) outra (s), conquanto possa, por via indireta atingir a esfera do legitimado. Em outras palavras, o legitimado ordinário encontrará na sentença o regramento da sua própria situação, ao passo que o legitimado extraordinário estará diante de regramento para situação alheia que, talvez, repercuta na sua70.

68 Seja ele simples ou litisconsorcial. 69 Dinamarco, 1998, p. 441. 70 José Carlos Barbosa Moreira, RT, vol. 404, 1969, p. 10. Referido autor (p.

13/14) ainda tenta fazer uma sistematização das relações entre legitimado ordinário e extraordinário, quando figurarem juntos, em posições paralelas, no processo: “Se o processo se instaurou por iniciativa (ou em face) do legitimado ordinário, e só depois intervém o extraordinário, a relação que se estabelece entre aquele e este é relação de parte principal a parte acessória. Autor, ou réu, é o legitimado ordinário; o extraordinário será assistente do

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2.2.2 Parte e terceiro

Quer-se saber aqui, quem pede e a quem é pedida a execução. Parte, a grosso modo, é todo aquele que figura no processo, e não apenas o autor e o réu; já terceiro é todo aquele que não é parte, isto é, quem não figure, a qualquer título, no processo. Coisa completamente diferente é se saber quem é parte legítima, para se fazer essa afirmação faz-se necessário um juízo positivo entre a pessoa que figura no processo e aquela que a lei autoriza a figurar no processo.

Para Araken71 a concepção clássica72 de parte é a que afirma que: “autor (exequente, credor) é quem pede a tutela

autor ou do réu. Se, ao contrário, figurava no processo, ab initio, só o legitimado extraordinário, e depois intervém, podendo fazê-lo, o ordinário, cumpre distinguir: ou a lei deslocou a situação legitimamente ativa ou passiva, fazendo que ela deixe de coincidir com a situação jurídica objeto do Juízo, e neste caso parte principal continua a ser apenas o legitimado extraordinário, enquanto o ordinário assume posição de parte acessória, isto é, de assistente; ou a lei simplesmente estendeu a eficácia legitimante a outra situação subjetiva além da que constitui o objeto do Juízo, e nesta hipótese a relação que se forma é a de litisconsórcio: legitimado ordinário e legitimado extraordinário tornam-se co-autores ou co-réus”. Na seqüência, Barbosa Moreira atenta para o fato de que, via de regra, a posição que compete a alguém no processo não deve depender do momento em que começa a participação dele, mas das relações entre a sua situação subjetivamente considerada, e a que se apresentou em juízo; assim, por exemplo, se no processo instaurado por um legitimado ordinário intervém outro legitimado igualmente ordinário (que poderia ter proposto ou contestado a ação desde o seu início) a posição dele será de co-autor ou co-réu, isto é, litisconsorte ativo ou passivo, jamais a de assistente. Aliás, continua sendo de litisconsórcio a relação que se estabelece entre dois ou mais legitimados extraordinários, quando a situação legitimante, diversa da levada à juízo, é comum a mais de uma pessoa, ou há uma gama de situações legitimantes com a mesma característica.

71 2001, p. 37. 72 “ Os autores clássicos encaravam o conceito de partes tendo em vista a

relação de direito material: autor seria designação atribuída ao credor quando postulava em juízo; réu, o nome pelo qual se designava o devedor. Esta vinculação do conceito de parte à relação de direito material deduzida no processo não resiste à análise crítica: se a ação de cobrança é julgada

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jurídica do Estado, e réu (executado, devedor) é aquele perante quem esta tutela é pedida”.

Mister ter-se em mente quem é parte, pois sobre os bens da parte legitimada e passiva é que recairá a execução.

A respeito do tema Goldschimidt73 assim explicita:

A la ejecución forzosa sólo está sometido el patrimonio del deudor. Ahora bien, para que la ejecución, en cuanto procedimiento, pueda llevarse a cabo con toda energía y rapidez, sólo se examina – prima facie – la pertenencia al patrimonio del deudor de las cosas sobre las que la misma há de tener lugar, de suerte que el ejecutor se limita a comprobar que las cosas están en poder del deudor, si son muebles (§ 808); cuando son inmuebles, el juez no hace generalmente otra cosa que comprobar que las cosas están inscritas en el Registro a nombre del deudor o que las posee en nombre próprio; y si se trata de derechos, basta a veces con la afirmación simple del acreedor de que el derecho corresponde al deudor, por lo que no es extraño que la ejecución alcance alguna vez a cosas extrañas al deudor y pertencientes a terceros. El tercero puede oponerse entonces a esta inmisión obrando como actor ejercitante de la acción de terceria u oposición a la ejecución (§ 771). Esta es la defensa que el § 771 de la Ley concede a los terceros, los cuales no pueden ejercitar otras acciones por lesiones a la propriedad.

Pontes de Miranda74 afirmou serem as partes “os pólos

ativo e passivo da relação jurídica processual em ângulo”.

‘improcedente’, v. g., porque a dívida já fora anteriormente paga, então, já não existia a relação de direito material, nem credor nem devedor; e todavia o processo, com autor e réu, desenvolveu-se normal e validamente até a sentença de mérito”. Athos Gusmão Carneiro, 1994, p. 4. No mesmo sentido Araken fazendo referência a Calmon de Passos: “ a falta de legitimidade jamais impede a ação executiva, ou qualquer outra, pois não constitui empecilho à formação do processo”. Araken de Assis, 2001, p. 39.

73 1936, p. 590. 74 Comentários ao Código de Processo Civil, 1974, t. 1, p. 237.

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Chiovenda75, por seu turno, considerou parte “aquele que demanda em seu próprio nome a atuação de uma vontade da lei, e aquele em face de quem essa atuação é demandada”.

Doutrinas atuais, não obstante, vêm buscando o conceito de parte apenas no processo, não na relação substancial deduzida em juízo; neste sentido, Leo Rosenberg76 entende que “partes no processo civil são as pessoas que solicitam e contra as quais se solicita, em nome próprio, a tutela jurídica do Estado”. Moacyr Amaral dos Santos77 aduz que “partes, no sentido processual, são as pessoas que pedem, ou em face das quais se pede, em nome próprio, a tutela jurisdicional”.

Já no que diz respeito ao conceito de terceiro, traz-se a lição de Athos Gusmão Carneiro78. De acordo com ele, no plano do direito material, se examinarmos, v. g., um contrato de compra e venda, terceiro será todo aquele que não for nem o comprador, nem o vendedor, nem interveniente no mesmo negócio jurídico; já no plano do direito processual, o conceito de terceiro terá igualmente de ser encontrado por negação. Suposta uma relação jurídica processual pendente entre A, como autor, e B, como réu, apresentam-se como terceiros C, D, E, etc., ou seja, todos os que não forem partes (nem coadjuvantes de parte) no processo pendente.

Ademais, legitimado para os embargos do devedor, é a parte, ao passo que legitimado para os embargos de terceiro, é o terceiro; então, apesar de não caber esmiuçar tal assunto neste momento, a correta noção acerca de um e outro é de enorme importância79.

75 Instituições de direito processual civil, vol. 2, n. 214. 76 1955, n.39, p. 211. 77 Primeiras linhas..., 1980, n. 275. 78 1994, p. 7. 79 “Tratava-se de execução hipotecária, controvertida a condição de parte do

terceiro dador da hipoteca. Ora, morrendo o devedor sem deixar bens e herdeiros, não há sucessão em dívida, e, naturalmente, a execução há de prosseguir para realizar o crédito do exequente, garantido pela hipoteca, o que só é possível contra o terceiro hipotecante. Na verdade, deixou ele de figurar

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Ressalta-se, ainda, por oportuno e necessário, que afora a assistência, nenhuma das modalidades de intervenção de terceiros é admissível na execução, pois incompatíveis com a função executiva.

Sobre o tema afirma Araken80 que a função do processo executivo desautoriza, a despeito do silêncio do Código, a admissibilidade dessas figuras na execução; entretanto, solução diversa talvez se ofereça no tocante aos embargos, ação que se desenvolve em processo de conhecimento.

2.2.3 Litisconsórcio

É admitido na execução, tanto o litisconsórcio ativo,

quanto o passivo; isto é, poderá haver ou pluralidades de autores, ou de réus81.

A regra geral é que o litisconsórcio na execução – de título judicial ou extrajudicial - seja facultativo, dificilmente ocorrerá situação que exija um litisconsórcio necessário. Neste sentido, afirma Araken82, a necessidade de participação de todos os credores, pleiteando execução, e de todos os devedores comuns, exceto se o patrimônio de um deles não bastar à satisfação do crédito, e a de uniformidade do resultado final do procedimento, como deflui do regime imposto à tal espécie de litisconsórcio no art. 47 do CPC, parece improvável83.

como terceiro, pois não há execução sem executado. Por isso, a 4ª Turma do STJ reconheceu a legitimidade passiva do terceiro – relativamente à dívida – hipotecante” – Resp. 7.230 – RS, de 03.09.1991, Rel. Min. Barros Monteiro, DJU de 30.09.91, p. 13.489. Araken, 2001, p. 43.

80 2001, p. 45. 81 Wilard Villar concorda afirmando que nada impede o litisconsórcio

facultativo – de obrigações indivisíveis - na execução, mas refere ele que o litisconsórcio não pode ser necessário mesmo que na ação de conhecimento ele existisse, pois entende ele que na execução qualquer um dos antigos litisconsortes necessários é parte legítima para requerê-la. 1975, p. 49.

82 Araken de Assis, 2001, p. 44. 83 Respeitando, por certo, o entendimento exposto, não se concorda que todo o

litisconsórcio necessário tenha que, necessariamente, revelar um mesmo

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Ainda Araken84 menciona que, apesar de raras, há exceções onde se faz necessário, na execução, o litisconsórcio obrigatório; quais sejam: na execução movida por ou contra o espólio, haja visto o disposto no art. 12, § 1º, do CPC; na insolvência voluntária, em que todos os credores são citados (art. 759, do CPC); de outro lado, como caso de aparente litisconsórcio necessário: a intimação do cônjuge na expropriação imobiliária (art. 669, parágrafo único do CPC) que, a despeito de opiniões em contrário, constitui caso de integração da capacidade processual.

Não deixando para trás a lição de Dinamarco sobre o tema, referido doutrinador alerta que 85 tanto no processo de conhecimento gerador da sentença condenatória, como na formação do título executivo extrajudicial, poderá ter tomado parte um só sujeito ativo e um passivo, ou uma pluralidade deles; ademais, nem sempre a superveniência de legitimados ordinários independentes suprime a legitimidade do legitimado primário, como se dá, v. g., no caso do fiador judicial. Em ambas as hipóteses está aberto caminho para a formação de litisconsórcio no processo executivo, com a legitimidade concorrente de mais de um sujeito para o pólo ativo ou para o passivo. Curial lembrar, ainda, que os litisconsortes, ordinariamente facultativos e em raríssimos casos necessários, serão assim, como co-titulares de relações jurídicas substanciais em jogo, legitimados ordinários ao processo executivo; então, quando todos tiverem sido partes no processo de conhecimento, ou quando o título for extrajudicial e houver mais de um obrigado, todos eles serão legitimados ordinários primários ad causam passivos, sem necessariedade do litisconsórcio, nada impedindo, no entanto, a que entre os co-legitimados ordinários figure algum legitimado independente

resultado para todos os nele envolvidos. Assim, por exemplo, o litisconsórcio necessário da ação de usucapião poderá ser simples (comum), isto é, com decisões diferentes para os envolvidos.

84 2001, p. 44. 85 1998, p. 432.

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(não primário). Theodoro Jr86., por seu turno, afirma que é uniforme o

entendimento de que não há litisconsórcio necessário no processo de execução, seja fundado em título judicial, seja em título extrajudicial (mesmo sendo múltipla a titularidade do crédito, com ou sem solidariedade ativa, a cada credor será sempre lícita a execução da parte que lhe toque); poderão os credores, entretanto, cobrar a totalidade da dívida em litisconsórcio facultativo, mas não estarão obrigatoriamente vinculados à execução única. Um caso excepcional de litisconsórcio necessário é o do concurso universal do devedor insolvente pois ‘na execução do devedor insolvente, os diversos credores são partes principais87’.

Ressalta-se, ainda, por necessário, que a falta de citação de um dos litisconsortes não chega a engessar a execução, podendo ela ter sua continuidade com os demais citados.

2.2.4 Classificação da legitimidade

Para Chiovenda88: “ A pessoa ou pessoas que, de acordo

com a declaração, devem receber a prestação e as que devem realizá-la, têm, respectivamente, a legitimação ativa e passiva na ação executória. E assim as pessoas que as sucedem; nem a nossa lei exige, como a alemã, que provem a legitimação num procedimento especial antes da entrega da via executória”.

2.2.5 Legitimidade ativa

86 1989, p. 38. 87 José Alberto dos Reis apud Theodoro Jr., 1989, p. 38. 88 Instituições..., 1969, p. 329.

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Liebman89 assim refere acerca da legitimidade ativa90: Legitimação (ou legitimidade ad causam) é a qualidade da pessoa que pode promover ou contra a qual se pode promover a execução, sendo que a legitimidade ativa é a titularidade da ação executória. O título executório simplifica bastante as questões que poderiam surgir com respeito à legitimação ativa, porque contém a indicação da pessoa, em cujo benefício a execução deve ser feita e que por isso está autorizada a requerê-la: é o vencedor na ação, ou seja, aquele em cujo favor foi pronunciada a sentença condenatória. A ação executória cabe também aos sucessores do vencedor, a título universal ou singular, pois entrando em lugar dele lhe sucedem também na titularidade da ação (o Código especifica o sub-rogado, o cessionário e o sucessor a título universal ou singular).

Pondera Liebman, ainda, que em caso de falência do legitimado, a execução poderá ser promovida pelo síndico, caso de morte, pelo inventariante, salvo quando dativo, ou pelo curador, se a herança for vacante ou jacente, salientando, outrossim, que terceiros, mesmo interessados, não podem promover a execução, mas, se o exequente negligenciar a execução já iniciada, o Código Civil permite ao fiador ou abonador promover-lhe o andamento. Terceiro também é o advogado do vencedor e por isso não pode promover a execução91 nem pelas custas que ele tiver pago, nem pelos

89 Processo de execução, 1946, p. 149/150. 90 Diz o art. 566 do CPC: “ Podem promover a execução forçada90: I – o credor a quem a lei confere título executivo; II – o Ministério Público, nos casos prescritos em lei”. Afirma o art. 567 do CPC: “ Podem também promover a execução, ou nela

prosseguir: I – o espólio, os herdeiros ou os sucessores do credor, sempre que, que por

morte deste, lhes for transmitido o direito resultante do título executivo; II – o cessionário, quando o direito resultante do título executivo lhe foi

transferido por ato entre vivos; III – o sub-rogado, nos casos de sub-rogação legal ou convencional”.

91 Após o pronunciamento de Liebman veio a Lei n. 4.215/63, art. 99, que dispõe sobre o Estatuto da Ordem dos Advogados e que permitiu,

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honorários a que tiver sido condenado o réu. Em ambos os casos a condenação é proferida em favor da parte e não do advogado; este continua sendo credor do vencedor, não do vencido.

A legitimidade deriva, ora do negócio jurídico, ora da própria lei, percebendo-se, outrossim, que em determinadas hipóteses é legitimado aquele que também é o titular do direito, já em outras, quem defende direito ou interesse de terceira pessoa; ou seja, a legitimação ora nasce com o próprio negócio ou quando concretiza a situação que a lei previu abstratamente (ex: o credor, a quem a lei confere o título executivo), ora sobrevém (ex: os herdeiros ou sucessores do credor)92. Artigo 566, inciso I: poderá promover a execução o credor a quem a lei confere título executivo93

Ricardo Gama94 sintetiza o conteúdo do inciso I

afirmando que “o credor a quem a lei confere título executivo” naturalmente é a hipótese mais ocorrente de legitimidade

expressamente, o direito do advogado de executar seus honorários, desde que previstos na sentença. De acordo com Theodoro Jr. “ excepcionalmente pode a lei admitir modificação ou substituição da figura do credor, sem que o título reflita diretamente a mutação. É o que ocorre, por exemplo, no caso da Lei n. 4.215/63, que legitima o advogado a executar, em nome próprio, a sentença proferida em favor do seu constituinte, na parte que condenou o adversário ao ressarcimento dos gastos de honorários advocatícios (art. 99)” – 1989, p. 37. Hoje, o art. 23 da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da OAB), caso de legitimidade extraordinária, diz que: “ Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor”.

92 Paulo Furtado, 1991, p. 62. 93 Trata-se de legitimidade ordinária primária ou originária, pois o próprio

credor é o titular do crédito; ademais, note-se a diferença desta regra do 566,I, para a regra do 568, I: na primeira credor é aquele a quem a lei confere o título, já na segunda (legitimidade ordinária primária passiva) devedor será aquele reconhecido como tal no título; isto é, o nome do devedor deverá constar explicitamente no título.

94 2000, p. 26.

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ordinária. Como o título judicial ou extrajudicial traz a qualificação daquele que tem o crédito em seu favor, para constatar a legitimidade ativa no ato de promover a execução de uma sentença condenatória, por exemplo, basta colher a qualificação da pessoa indicada na sentença, ou melhor, o autor do processo cognitivo vai figurar como credor na execução; já por outro lado, no título extrajudicial, é parte legítima o beneficiário no cheque, o credor pignoratício no penhor, o senhorio direto na enfiteuse, etc.

O termo “ a quem a lei confere título executivo” significa que qualquer pessoa, seja ela natural ou jurídica, como também o ente revestido de personalidade processual e titular de alegado crédito, tem legitimidade ordinária primária, pois, afinal, tem seu nome designado no título executivo95. Vê-se, assim, que confrontando as partes e o título executivo tem-se por solucionado, na execução, o problema da legitimidade96.

Legitimado ativo é o beneficiado pela sentença, seja ele a parte principal e originária, o litisconsorte ou o terceiro que, a exemplo do denunciante, beneficiou-se do provimento judicial97.

Bem lembra Araken98 que a regra de que a legitimidade ativa ordinária resulta do título judicial requer temperamentos em três casos, quais sejam: a) o art. 68 do CPP confere execução da sentença penal condenatória (art. 584, I) ao ofendido pelo ilícito penal, por ser ele o verdadeiro titular do crédito; b) o advogado

95 Araken embasado em Alcides de Mendonça, 2001, p. 48. 96 Wilard Villar assevera que “ o problema da legitimação ativa é facilitado pela

existência do título executivo. A sentença se refere expressamente ao vencedor da ação, que é assim legitimado. O Estado somente procede aos atos executórios a pedido daquele que está legitimado para propô-la, como, aliás, faz no processo de conhecimento. Essa legitimação ordinária ou primária tem-na, portanto, o credor a quem a lei confere o título executivo”. 1975, p. 49.

97 Milhomens refere que legitimados ativos diretos e originários são o credor – titular do direito material expresso no título (legitimatio ad causam) e do direito processual a promover a execução (legitimatio ad processum), e o MP, agindo ele de acordo com os arts. 81 a 95 do CPC. – 1991, p. 89.

98 2001, p. 49.

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pelos honorários de sucumbência que, consoante o art. 23 da Lei n. 8.906/94, lhe pertencem99; c) a vítima de danos individualmente sofridos (art. 91 da Lei n. 8.078/90) tem o direito de executar a decisão coletiva proferida pelo juiz (art. 82, caput, da Lei n. 8.078/90).

No tocante ao título extrajudicial100 cabe aqui, mais uma vez, a lição de Araken de Assis101 que afirma que a legitimação ativa atende aquele para o qual se constituiu o crédito, por decorrência do acordo de vontades posto na origem do documento. E, nos títulos de crédito, ao seu portador, conforme acentua o art. 55, 2ª parte, do CPC português, caso de adaptação da regra geral de que o título designa o titular do crédito; outrossim, é executiva, e a legitimidade é ativa ordinária primária, a ação do co-avalista contra os demais garantes, não obstante, extraordinariamente, se legitima o fiador, nos termos do art. 1.498 do CC, para executar o título judicial ou extrajudicial, em caso de inércia do credor. Mas o maior exemplo de legitimidade extraordinária, autônoma e exclusiva, é a do agente fiduciário (trustee), a teor do art. 68, § 3º, da Lei n. 6.404/76, que executará as debêntures no caso de inadimplemento.

Acrescendo-se ao que já foi dito, Theodoro Jr.102 ainda afirma que, no título judicial, credor ou exequente será o vencedor da causa, como tal apontado na sentença. E, no título extrajudicial, será a pessoa em favor de quem se contraiu a obrigação.

99 3ª Turma do STJ, Resp. 58.137 – 0 – RS, de 17.04.95, Rel. Min. Waldemar

Zveiter, RJSTJ, 8 (79)/202. 100 “ O titular do título extrajudicial (art. 585) só poderá ser considerado

verdadeiramente credor, se não houver embargos ou, os havendo, forem rejeitados. Ocorrendo um desses casos será considerado vencedor e, aí sim, credor de fato e de direito. Antes era considerado credor unicamente para o efeito de ter possibilidade de iniciar a execução”. – José Antônio de Castro, 1983, p.4.

101 Araken de Assis, 2001, p. 49. 102 1989, p. 37.

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Art. 566, inciso II: poderá promover a execução o Ministério Público, nos casos previstos em lei103

Como o Ministério Público pode ser o autor da ação

condenatória (art. 81 do CPC), casos há onde ele é o legitimado ordinário104 primário. Estes casos são, de acordo com Araken105, os seguintes:

1º) o art. 38, § 2º, da Lei n. 6.766/79 permite ao MP propor ação face ao loteador, visando a sua condenação na obrigação de fazer a regularização do loteamento;

2º) o art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81 autoriza o MP a propor ação indenizatória, objetivando o ressarcimento dos danos decorrentes de lesão ao meio ambiente;

3º) o art. 9º, caput, do Dec. n. 83.540/79 também autoriza ao parquet demandar indenização no caso de danos originados pela poluição de óleo;

4º) o art. 5º, caput, 1ª parte, da Lei n. 7.347/85 cuida da ação civil pública, em que há abundantes sentenças condenatórias;

5º) o art. 82, I, da Lei n. 8.078/90 outorgou legitimidade ao MP para demandar em defesa de interesses difusos e coletivos, que, pelo disposto no art. 83, poderá ocorrer mediante ação condenatória;

103 Entende-se tratar de legitimidade extraordinária, autônoma e concorrente. 104 Ricardo Gama afirma ser o Ministério Público legitimado extraordinário,

pois, mesmo em não sendo ele o credor, a lei lhe confere legitimidade para executar a sentença; entretanto, igualmente observa Gama, que acaso o autor da ação civil pública, por exemplo, fosse o MP, que a execução deveria ser promovida por ele, mas caindo para a hipótese de legitimação ordinária do inciso I. 2000, p. 26.

105 2001, p. 50.

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6º) o art. 688, I, do CPP prevê a execução, movida pelo MP, da pena pecuniária imposta ao condenado em processo criminal.

Em continuidade refere Araken que “ em relação ao processo de conhecimento, que originará o título, a legitimidade do MP poderá ser ordinária ou extraordinária, conforme acontece, respectivamente, quando defende em juízo interesses difusos e coletivos de um lado, e individuais, de outro. No entanto, a execução é autônoma, e, quanto a ela, porque vencedor da ação, sua legitimidade se afigura ordinária primária”.

Há, entretanto, situações onde, a despeito do MP não ter participado do processo de conhecimento, a lei lhe confere legitimidade extraordinária para executar o título judicial; nestes casos, o MP atua como substituto processual (pleiteia em nome próprio, direito alheio). Por exemplo, o art. 16 da Lei n. 4.717/65, fixa o termo de sessenta dias após o qual, não promovendo a execução seu autor ou qualquer outro cidadão, o MP adquire o dever de executar a sentença de procedência prolatada em ação popular.106

De outra banda, e de acordo com o art. 567107, casos existem onde fatos supervenientes à criação do crédito dão titularidade ao exequente de modo ordinário; atente-se, ainda, para o fato de a disposição do art. 567 não ser numerus clausus, pois há outros casos de legitimidade ativa para a execução, v.g., o cidadão que não foi parte na ação popular poderá executá-la. Observe-se os incisos do art. 567.

Sobre o tema Theodoro Jr.108 comenta que o art. 567 do novo Código de Processo Civil completa o elenco das pessoas legitimadas ativamente para a execução forçada, arrolando os 106 Araken de Assis, 2001 p. 51. 107 Consoante Theodoro Jr. “ No art. 567, acha-se especificada a legitimação

derivada ou superveniente, que corresponde às situações formadas posteriormente à criação do título e que se verificam nas hipóteses de sucessão tanto mortis causa como inter vivos”. 1989, p. 36.

108 1989, p. 40.

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casos em que estranhos à formação do título executivo tornaram-se posteriormente, sucessores do credor, assumindo, por isso, a posição que lhe competia no vínculo obrigacional primitivo; ademais, a modificação subjetiva da lide, em tais hipóteses, tanto pode ocorrer antes como depois de iniciada a execução forçada, e os fatores determinantes da sucessão tanto podem ser causa mortis como inter vivos, sendo, ainda, indiferente que o título executivo transmitido seja judicial ou extrajudicial. Salienta, ainda, Theodoro Jr. que sempre que o pretendente a promover a execução não for o que figura na posição de credor no título executivo, para legitimar-se como exequente terá de comprovar, ao ingressar em juízo, que é o ‘legítimo sucessor de quem o título designa credor’109.

Art. 567110, inciso I: podem também promover a execução ou nela prosseguir o espólio111, os herdeiros ou os sucessores112 do credor113

Primeiro ponto a ponderar é que o espólio, herdeiros e

sucessores114 podem executar ou prosseguir na execução sempre que o crédito for transmissível; ou seja, em sendo o crédito intransmissível ter-se-á a extinção da execução.

109 José Alberto dos Reis apud Theodoro Jr., 1989, p. 40. 110 Legitimação extraordinária, segundo Wilard Villar, 1975, p. 50. Entende-se,

todavia, tratar-se de legitimidade ordinária, superveniente, mortis causa. 111 Espólio, além de designar a sucessão aberta, até a partilha dos bens, é

também entendido como patrimônio deixado pelo falecido, enquanto não ultimada a partilha entre os sucessores.

112 Onde está escrito “sucessor” leia-se “legatários”, pois é assim que faz sentido.

113 Caso de legitimação ordinária derivada para Ricardo Gama, 2000, p. 27. 114 “Quer seja por título extrajudicial, quer por título judicial, os sucessores

referidos no art. 567 não figuram no título, mas a lei lhes dá a faculdade de intentar a execução ou prosseguir nela. Os sucessores deverão, naturalmente, provar essa qualidade” – José Antônio de Castro, 1983, p. 4.

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Theodoro Jr115 bem lembra que representado, normalmente, pelo inventariante, ou excepcionalmente, pela totalidade dos herdeiros, é natural que o espólio possa promover a execução forçada, ou nela prosseguir, se já iniciada em vida pelo de cujus, pois o direito de ação também integra a universalidade que compõe a herança, enquanto sucessão aberta.

A legitimidade do espólio116 vai até a partilha e, em não havendo habilitados à sucessão, após a partilha, extingue-se a execução; outrossim, uma vez inerte o inventariante117, os herdeiros, conjunta ou individualmente, passam a ter legitimidade para executar.

Vê-se, então, que após a partilha a legitimidade é dos herdeiros, ainda que exista um inventariante dativo (art. 12, § 1º, do CPC).

Ricardo Gama118 assevera que o espólio é um ente sem personalidade jurídica, mas com capacidade de ser parte, ele representa o de cujus (antes de efetivada a partilha, tem-se o espólio do falecido); outrossim, o espólio é representado pelo inventariante, tendo os herdeiros e legatários como litisconsortes facultativos. Contudo, se o inventariante for dativo, exclui-se este e a todos os herdeiros e sucessores do falecido é dada a legitimidade ativa; assim, acaso o inventariante não proponha a execução, o herdeiro poderá fazê-lo. Por fim, em ocorrendo a partilha, o herdeiro ou legatário que for contemplado com o título

115 1989, p. 41. 116 Consoante Wilard Villar, o espólio é representado em juízo pelo

inventariante e, no caso de o crédito já haver sido adjudicado aos herdeiros em comum, após o encerramento do processo de inventário, cabe a todos os herdeiros propor a execução, ou a um só deles se crédito solidário. 1975, p. 50.

117 Consoante Theodoro Jr. se o inventariante não cuidar de executar o crédito do espólio entende ele, como Pontes de Miranda, “que a representação da herança pelo inventariante é legitimação da comunidade de interesses; não tira os herdeiros a sua qualidade de partes”. Portanto, “ se o inventariante se recusar a propor a ação em nome do espólio, qualquer herdeiro pode propô-la”. 1989, p. 41.

118 2000, p. 27.

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executivo assume a legitimidade ativa de forma exclusiva, lembrando, ainda, que a viúva-meeira não é sucessora e, sim, titular de direito, podendo, por isso, promover a execução ou nela prosseguir.

Araken119 assim menciona: “ O art. 567, I, prevê a sucessão ‘causa mortis’ a título universal ou singular. Em princípio, a legitimidade do sucessor brota da partilha – antes, como visto, se legitima o espólio – mas é preciso distinguir o sucessor universal do singular: aquele, como sucede ‘ipso iure’ ao credor na qualidade de herdeiro testamentário, recebendo toda a herança ou parte ideal dela, auferirá tratamento idêntico ao herdeiro; o último, entretanto, por força de sua condição de legatário, tem direito a bem determinado da herança e, se for o crédito a executar, primeiro precisa obter sua transferência dos herdeiros”.

A despeito do até então mencionado, certo é que o título, por si só, não é o bastante para comprovar a legitimidade, imprescindível, também, é a juntada ou da certidão de inventariança, ou do formal e da certidão de partilha120.

Ainda, Wilard Villar121 aduz que em havendo transmissão do crédito constante do título executivo a sucessor, a este caberá fazer a prova da sua legitimação; se por ato causa mortis, deverá juntar a prova do documento ou outro documento que o habilite a receber aquele crédito, não necessitando aguardar o término do inventário para proceder à execução, salvo se houver ação para anular esse legado, caso em que a ação deverá ser proposta pelo inventariante para resguardar os direitos do credor, aguardando-se o término daquela ação para a distribuição do produto e pagamento ou não do legado.

119Araken de Assis comungando pensamento com Theodoro Jr,

(Comentários...); 2001, p. 53. 120 Araken de Assis, 2001, p. 53. 121 1975, p. 50.

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Frisa-se, por fim, um esquecimento do legislador, bem comentado por Theodoro Jr.122. Diz ele que o Código omitiu-se quanto à situação da massa falida, do condomínio e da herança jacente ou vacante, no processo executivo, limitando-se a arrolar o ‘espólio’ como universalidade capaz de promover e sofrer a execução forçada; no entanto, é certo que a massa falida, o condomínio e a herança jacente ou vacante, como massas necessárias que são e que se equiparam ao espólio, podem, igualmente, figurar na relação processual da execução, e em isso ocorrendo, suas representações caberão, respectivamente, ao síndico (art. 12, III), ao administrador ou síndico (art. 12; IX) e ao curador (art. 12, IV).

Art. 567, inciso II: podem também promover a execução ou nela prosseguir o cessionário123

Consoante Chiovenda124 o cessionário de um crédito não

pode pleitear a execução senão depois de haver notificado a cessão ao devedor, pois a cessão de um crédito declarado num título executório transfere a ação executória, desde que acompanhada da entrega do título; também assim, a cessão da cambial vencida mediante endosso e entrega do título transfere, por conseqüência, a ação executória (art. 24 da Lei cambial de 14 de dezembro de 1933).

Theodoro Jr.125, por seu turno, recorda que em matéria de cessão de crédito, estando pendente a relação processual, não existe obrigação para o cessionário de assumir o lugar do exequente-cedente, há, apenas, uma faculdade, que se não exercitada, fará com que a execução prossiga com o primitivo credor, que passará a funcionar como substituto processual

122 1989, p. 46. 123 Entende-se como caso de legitimidade ordinária, superveniente, inter vivos. 124 Instituições..., 1969, p. 329. 125 1989, p. 44.

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(defendendo direito alheio, mas apenas com legitimatio ad processum).

Trata o inciso II, por óbvio, de legitimidade superveniente e inter vivos. Ademais, via de regra os créditos podem ser cedidos, exceção feita aos que a lei proíbe a cessão, como os previdenciários; aos personalíssimos, como alimentos; e aqueles que, por convenção da parte não podem ser cedidos.

Repete-se, por necessário, que cabe ao cessionário exibir o instrumento de cessão126 para efetivar-se como legitimado no processo; e, à guisa de comentário aduz-se que “o cedente pode ter reservado a ação correspondente ao crédito (cessão qualificada), remanescendo legitimado à demanda executória”127.

Ricardo Gama128 comentando o assunto pondera que a cessão aqui tem o sentido de alienação, a qual deve ser entendida como todo e qualquer meio de transferir o crédito por ato inter vivos, sem olvidar que dentre os títulos de crédito, a transferência pode ocorrer pelo endosso ou pela cessão civil (a letra de câmbio, por exemplo, endossada depois do protesto por falta de pagamento tem efeito de cessão civil e, não, como poderia se pensar, de endosso - art. 20 da LUG- sendo que o cessionário pode propor a execução ou com ela prosseguir). Caso a execução já esteja em curso, o cessionário deverá somente dar ciência ao executado da existência do ato que lhe transferiu o direito creditício; ao contrário da exigência do processo de conhecimento (art. 42, § 1º, CPC), não há necessidade de consentimento do devedor para a continuidade da execução.

Salienta, ainda, referido autor, que a transferência do título há de ser escrita, materializando-se em documento público ou particular, o qual deve ser juntado para fazer prova da

126 Consoante Wilard Villar, “ quando a transmissão do crédito, que resulta de

título executivo for transferida a terceira pessoa por ato entre vivos, esta deve juntar o documento que prove a sua legitimação para a execução”.1975, p. 50.

127 Araken de Assis, 2001, p. 54. 128 2000, p. 28.

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qualidade de cessionário, e que mesmo que se trate de título de crédito, para efeitos de legitimação, a alienação pode ocorrer fora do corpo da cártula.

Art. 567, inciso III: podem também promover a execução ou nela prosseguir o sub-rogado

Sub-roga-se no direito de outrem aquele que liquida a dívida deste; afora isso, a legitimidade conferida pelo inciso III do 567 pode ser tanto a derivada da sub-rogação legal (art. 985 do CC), como da convencional (art. 986 do CC).

Demonstrando o sub-rogado a validade, eficácia e existência da sub-rogação poderá ele propor ou prosseguir na execução; não obstante, não fica o sub-rogado obrigado a intervir no processo, pois pode ocorrer de o credor originário prosseguir executando, desde que, claro, como legitimado extraordinário autônomo concorrente.

Wilard Villar129 diz que no caso de cessão é preciso considerar que a sub-rogação não vale em relação ao devedor se não lhe foi notificada, não obstante, tem-se por notificado o devedor que em escrito público ou particular se declarou ciente dela, não esquecendo que juntando a prova da sub-rogação legal ou convencional, o credor pode prosseguir na execução contra o devedor.

De acordo com os ensinamentos de Ricardo Gama130 esta legitimidade ordinária derivada traz o terceiro cumprindo com a obrigação perante o credor e, num segundo momento, voltando-se contra o devedor para recuperar o montante despendido (por exemplo: o fiador que paga a dívida de seu afiançado-executado poderá voltar-se contra este nos mesmos autos); ademais, na sub-

129 1975, p. 51. 130 2000, p. 29.

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rogação convencional, o credor transfere ao terceiro pagante todos os seus direitos ou o terceiro empresta ao devedor a quantia que precisa para solver a dívida, sob a condição expressa de ficar sub-rogado nos direitos do credor satisfeito. No primeiro caso de sub-rogação convencional, o art. 987 do CC o equipara à uma cessão de direitos (mas há de se referir que não é todo o terceiro que paga a dívida e sub-roga-se nos direitos do credor); outrossim, além dos citados termos da sub-rogação convencional existem as sub-rogações legais: caso do credor que paga a dívida de devedor comum ao credor, a quem competia direito de preferência; caso do adquirente do imóvel hipotecado, o qual paga ao credor hipotecário; caso do terceiro interessado que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no total ou em parte. 2.2.6 Legitimidade passiva

Afirma-se, de início, que o art. 568131 do CPC não

contém um rol taxativo, permitindo, portanto, a inclusão, por exemplo, da massa falida, do condomínio e da herança jacente como legitimados passivos de uma execução132.

131 Diz o art. 568 do CPC: “ São sujeitos passivos na execução: I – o devedor, reconhecido como tal no título executivo; II – o espólio, os herdeiros ou os sucessores do devedor; III – o novo devedor, que assumiu, com o consentimento do credor, a

obrigação resultante do título executivo; IV – o fiador judicial; V – o responsável tributário, assim definido na legislação própria”. 132 Paulo Furtado (1991, p. 67), a semelhança do que disse acerca da

legitimação ativa, lembra que: “como na legitimação ativa, esta deriva, ora do negócio jurídico, ora da própria lei. E assim, também, ora tem legitimação passiva quem participou da relação jurídica originária, portanto, titular do interesse em conflito (ex: devedor), ora a tem quem, não sendo titular originário, legitimou-se posteriormente (ex: os sucessores dos devedor). O executado será aquele que se obrigou ou é considerado responsável pela satisfação do direito reconhecido pela sentença, ou da obrigação, a que a lei confere eficácia de título executivo”. Prossegue, ainda, o autor, afirmando que, por incompatibilidade procedimental, é inadmissível, na execução, a intervenção de terceiros sob a forma de denunciação da lide ou de

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Outrossim, necessita-se perceber um desdobramento da obrigação em dois elementos distintos: a) um de caráter pessoal, que é a dívida (schuld), e b) outro de caráter patrimonial, que é a responsabilidade (haftung) e que se traduz na sujeição do patrimônio a sofrer a sanção civil133.

Ainda, à guisa de curiosidade, frisa-se que existe uma profunda diferença de natureza jurídica entre a relação que vincula o devedor ao credor (que é de direito material) e a relação que sujeita o responsável ao juízo de execução (que é de direito processual). Enquanto na primeira existe obrigação, na segunda há sujeição134.

Liebman135, por seu turno, assegura que sujeito passivo da execução, ou seja, responsável executoriamente é o vencido, contra quem a condenação foi proferida, mas em caso de falecimento tomam seu lugar os herdeiros que são seus sucessores universais. Curial mencionar, também, que em caso de ação real a coisa pode ser perseguida nas mãos de qualquer terceiro que a tenha recebido depois de intentada a ação, pois o título pelo qual a recebeu é evidentemente defeituoso: frusta-se assim a malícia do sucumbente, qui doli mali desiit possider na vã esperança de subtrair a coisa à execução, encontra-se aqui a aplicação do princípio de que os fatos que ocorrem durante o processo não podem prejudicar a posição do autor.

Segundo o autor, vencido pode ser, também, o chamado à autoria, se veio a juízo e a causa prosseguiu com ele, bem como o nomeado à autoria136; ademais, a lei admite que a sentença seja

chamamento ao processo – (ac. un. da 4ª Câm. do 1º TACivSP, de 15.6.77, no Ag. 234.491, Rel. Juiz José Gonçalves Santana, RT, 504:173.

133 Theodoro Jr. – 1989, p. 49. 134 Theodoro Jr. embasado em Carnelutti, 1989, p. 50. 135 1946, p. 151/153. 136 “ Nos casos de nomeação à autoria (arts. 62 e 63), de denunciação à lide (art.

70, I, II e III), bem como nos de chamamento ao processo (art. 77 e seg.), assumindo ou não a posição no processo, são legitimados para sofrer a execução. Em todos esses casos, assumindo ou não a posição no processo, os efeitos da sentença a eles se estendem, e respondem como legitimados

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executada contra o fiador judicial, ou seja aquele que prestou fiança nos autos, pois ocorre a seu respeito extensão da eficácia do título executório, de tal forma que ele se torna responsável em igualdade de condições com o condenado, por uma dívida deste; a lei lhe permite, porém, quando executado, nomear à penhora bens desembargados do devedor, o que representa forma de exercício do benefício excussionis ou de ordem, mas, no silêncio da lei, é de se excluir esta situação para o fiador convencional, o qual deverá ser condenado pessoalmente para poder ser executado. O legitimado passivamente responde com todos os seus bens, mesmo quando em poder de terceiro, excetuando-se apenas aqueles que a lei declarar impenhoráveis.

José de Castro137, por seu turno, afirma que o art. 568 aponta os legitimados passivos em dois grupos: a) os devedores originários (devedor e seus sucessores: herdeiros, cessionários e legatários); e b) os obrigados por terem assumido a responsabilidade daqueles (novo devedor e fiador judicial). Não obstante, assevera ele, forçoso reconhecer que o sujeito passivo da execução é um só, qual seja, o devedor. Os outros obrigados nada mais são do que um desdobramento da figura do devedor.

Theodoro Jr.138, de outra banda, pondera que dentro da sistemática do Código, a legitimação passiva pode ser dividida em três categorias distintas: devedores originários, segundo o relação obrigacional de direito substancial: devedores definidos pelo próprio título; sucessores do devedor originário: espólio, herdeiros ou sucessores, bem como o ‘novo devedor’; apenas responsáveis (e não obrigados pela dívida): o fiador judicial e o responsável tributário, sendo que os sucessores a título universal, praticamente ocupam o mesmo lugar do devedor primitivo e com ele se confundem na qualidade jurídica.

passivos”. – Wilard Villar, 1975, p. 52. No mesmo sentido a posição de Theodoro Jr – 1989, p. 51.

137 1983, p. 8. 138 1989, p. 48.

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Art. 568, I: legitimidade passiva do devedor

Trata-se de legitimidade ordinária primária; ademais, diferentemente do que ocorre nos títulos judiciais onde, com exceção dos casos em que perde o autor, o réu suportará o ônus da derrota, nos extrajudiciais a pessoa física ou jurídica assume, voluntariamente ou ex vi legis, a obrigação.

Nas palavras de Araken139:

Deverá o provimento judicial condenar, explicitamente, o vencido. Contra o sujeito do processo que não figura ‘condenado’, na parte dispositiva do ato (art. 485,III), não há pretensão a executar. O litisconsorte alheio à conciliação, cujo efeito se limita aos transatores, é parte ilegítima na demanda executória, por exemplo. E poderá ocorrer sucumbência recíproca, provocando a simultânea condenação de autores e réus. Finalmente, rememore-se que a intervenção de terceiro, que assim se tornou parte, às vezes acarreta sua condenação. É o caso de denunciado, conforme explícita previsão do art. 76 do CPC.

Ricardo Gama140, no mesmo sentido, afirma que neste

caso de legitimidade passiva originária ordinária, o devedor desponta como ocupante do pólo que opõe o exequente. Como o título executivo pode ser judicial ou extrajudicial, o devedor pode ser o vencido no processo de cognição ou aquele que o título extrajudicial indicar como devedor. E continua ele asseverando que na execução de título extrajudicial, o executado pode ser o endossante ou o avalista nos títulos de crédito, o emitente do cheque, o sacado na letra de câmbio ou na duplicata, o locatário no contrato de locação, o inscrito na dívida ativa, a sociedade anônima que emitiu a debênture. Tratando-se de devedores solidários, o credor pode executar todos conjuntamente, somente

139 2001, p. 55. 140 2000, p. 30.

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um deles ou quantos e quais preferir, conforme lhe parecer mais conveniente. A conveniência do credor na escolha do devedor a ser executado domina as obrigações autônomas, como ocorre nos títulos de crédito com os avalistas e endossantes.

Art. 568, II: legitimidade passiva do espólio, herdeiros e sucessores do devedor

É caso de legitimidade passiva ordinária superveniente141

do espólio, herdeiros e legatários; desta forma, o art. 568,II e o art. 4º, III e IV, da Lei n. 6.830/80 são aplicados quando, após a criação do título, o devedor morre. De outra banda, em ocorrendo o falecimento do devedor durante o desenrolar do processo, seguirá ele seu curso normalmente, promovendo-se, apenas, a habilitação dos sucessores, em sendo isso possível.

Falecendo o devedor após a formação do título, mas antes do ajuizamento da execução, a demanda será dirigida contra o espólio ou contra todos os herdeiros142 (art. 12, § 1º, do CPC), até a partilha; pois, após a partilha se demanda houver, será ela direcionada aos herdeiros e sucessores (art. 597, 2ª parte, do CPCP), não se fazendo necessária nenhuma habilitação especial.

Goldschimidt143 ponderando o assunto diz que:

Si la ejecución hubiere comenzado antes de la sucesión contra el causante, no hay nada que se oponga a la continuación de la misma en el caudal hereditario. Si en

141 Consoante Araken de Assis. 142 “É importante distinguir para os efeitos da lei, entre herdeiro e sucessor.

Limita-se a responsabilidade de cada qual ás forças da herança, quer dizer, à medida econômica do quinhão hereditário ou legado, após a partilha. A responsabilidade compete ao espólio até a partilha, abrindo-se ao credor a alternativa de postular o adimplemento da dívida no juízo do inventário, mediante o procedimento adequado (arts. 1.017 a 1.021 do CPC)” – Araken de Assis, 2001, p. 56.

143 1936, p. 599.

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algún caso de ejecución fuere necesaria la presencia del deudor y la herencia careciere de representante, el Tribunal de ejecución, a petición del acreedor, nombra al herdero un representante interino (legal). Hay que estimar que la herencia está sin representar cuando aun no se aceptado, es dudosa la aceptación o no se conocen los herderos, a menos que en tales casos haya nombrado administrador o exista ejecutor testamentario encargado de la administración. Si la ejecución no hubiere comenzado al tiempo de la sucesión, mientras el herdero no haya aceptado la herencia no podrá trabarse ejecución en sus bienes personales por una obligación de la herencia, ni tampoco ejecutar en esta una obligación del herdero. Estas limitaciones se han de hacer valer por el heredero frente al acreedor de la herencia, mediante reposición, y por el administrador de la herencia frente al acreedor del heredero mediante oposición. El heredero puede también, ya que para los efectos de los §§ 1922 y 1942 BGB, goza de legitimación, interponer la oposición contra su próprio acreedor en beneficio de la herencia.

Nas palavras de Ricardo Gama144 o fim da vida do

devedor pode dar-se depois da constituição do título executivo, mas, antes ou depois de proposta a execução. Antes da partilha, a execução deve ser proposta contra o espólio, observada a exceção do inventariante dativo; ou seja, como o inventariante representa o espólio em juízo e existe restrições vedando a participação do inventariante dativo, a execução deve ser proposta contra os herdeiros.

Bem lembra o autor, no entanto, que ao invés da execução, o credor pode optar pela abertura do inventário ou, caso este já esteja sendo processado, pela habilitação de seu crédito para recebimento no inventário. Depois da partilha, o credor fará uso da execução contra os herdeiros, os quais

144 2000, p. 32.

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responderão com a força da herança145 (art. 597 do CPC c/c art. 1.796 do CC). Estando em curso a execução, os sucessores necessitarão da habilitação para assumir o seu pólo passivo, e como requisito para assumir o pólo passivo da execução, o herdeiro deve apresentar prova do óbito e de seu grau de parentesco.

Ainda Ricardo Gama146 assevera que com a sucessão inter vivos147, que pode ser verificada quando ocorre a fusão, incorporação e cisão de empresas, aplicam-se estas regras de legitimidade passiva também à pessoa jurídica que se encontra nessa condição.

Art. 568, III: legitimidade passiva do novo devedor

Esta legitimidade originária e ordinária é uma cessão de dívida: o devedor cede a sua dívida, um terceiro a assume e o credor apresenta a sua concordância148.

Para que o novo devedor seja parte legítima da execução, necessário se faz que o credor consinta149 com a cessão do débito para outra pessoa pagá-lo; em não ocorrendo a concordância do

145Consoante Orlando de Souza “ como o herdeiro não responde por encargos

superiores às forças da herança, a execução não poderá ultrapassar o limite da herança que couber a cada herdeiro; não alcança seus bens particulares e terá de ser requerida contra todos os herdeiros, estabelecendo-se, assim, o litisconsórcio passivo necessário; isso se já foi feita a partilha no inventário” – 1987, p. 28.

146 2000, p. 31. 147 “A sucessão pode ser tanto a título universal (causa mortis) como a título

singular (inter vivos). (...) Quando a título singular, por ato inter vivos, na força dessa sucessão responde também o sucessor” – Wilard Villar, 1975, p. 52.

148 Ricardo Gama, 2000, p. 32. 149 A anuência do credor significa a possibilidade de exoneração do primitivo

devedor. Consoante Theodoro Jr. “ faltando este (consentimento do credor), qualquer ajuste do devedor com terceiro, visando transmitir-lhe a dívida, será tido como res inter alios acta, sem qualquer eficácia perante o titular do crédito e sem qualquer efeito em relação à legitimidade das partes para a execução forçada” – Theodoro Jr. – 1989, p. 53.

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credor no sentido de outro devedor pagar a dívida, será o novo devedor parte ilegítima da execução. Admite-se, outrossim, a assunção pura e simples da dívida por parte do cedido (credor), ou seja, aceitação tácita150 do credor por meio da aceitação dos atos praticados pelo novo devedor.

Cabe aqui a ponderação de Theodoro Jr.151 Segundo ele, uma vez satisfeito o pressuposto do assentimento do credor, a assunção da dívida poderá ocorrer sob três situações distintas: com exoneração do primitivo devedor e com seu consentimento (novação por ‘delegação’); com exoneração do primitivo devedor, mas sem o seu consentimento (novação por ‘expromissão’); por assunção pura e simples da dívida pelo novo devedor, sem excluir a responsabilidade do devedor primitivo, que, de par com o assunto, continua vinculado à obrigação, caso em que não se pode falar em novação. Ressalta-se, ainda, que em todas as três circunstâncias, o credor, ao iniciar a execução, terá de, além da exibição do título executivo, comprovar a assunção da dívida pelo ‘novo devedor’.

Vê-se, portanto, que cabe ao credor a prova de legitimidade do executado, por meio da exibição do instrumento da cessão. Nas palavras de José de Castro152 “o credor que tiver de executar o novo devedor deverá apresentar, com a inicial, o título executivo e comprovar que o novo devedor assumiu a dívida”.

Art. 568, IV: legitimidade passiva do fiador judicial

Introduzindo o assunto traz-se o pensamento de

Theodoro Jr.153 Referido autor sustenta que a caução é o meio

150 De acordo com Wilard Villar, não valerá o consentimento tácito do credor

para com o novo devedor. – 1975, p. 53. Orlando de Souza, por seu turno, igualmente entende que o consentimento precisa ser expresso no respectivo documento – 1987, p.28.

151 1989, p. 54. 152 1983, p. 9. 153 1989, p. 55.

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jurídico de garantir o cumprimento de determinada obrigação, podendo ela ser real ou fidejussória. Real é a representada pela hipoteca, penhor, etc.; a fidejussória é a garantia pessoal representada pela fiança e pelo aval. A fiança, por sua vez, pode ser convencional ou judicial, conforme provenha de contrato ou ato processual. Considera-se, portanto, fiador judicial aquele que presta, no curso do processo, garantia pessoal ao cumprimento da obrigação de uma das partes, conforme o disposto nos arts. 826 e seguintes do Código. São exemplos de fiança judicial os casos dos arts. 602, § 2º, 690, 695, 925, 940 e 1.166, entre outros. O fiador judicial responde pela execução sem ser o obrigado pela dívida e a execução contra ele não depende de figurar o seu nome na sentença condenatória.

Mister, ainda, a síntese de Ricardo Gama154 sobre o tema. Gama entende que a fiança é uma espécie de garantia real ou pessoal, na qual um direito real (hipoteca, penhor...) ou uma pessoa (aval, fiança...) garante o cumprimento de obrigação de outrem. Segundo ele são três as espécies de fiança: contratual, legal e judicial. Incluindo o fiador judicial, todos contam com o benefício de ordem, segundo o qual o fiador só pode ser compelido a cumprir a obrigação do devedor depois que for demonstrada a impossibilidade deste; de outra banda, não conta com o benefício de ordem o fiador que dele renunciou, pois se obrigou como devedor principal ou devedor solidário. Para exercer este benefício quando for executado, o fiador vai nomear bens do devedor à penhora155.

Bem lembra Araken que o adjetivo “judicial” restringe o inciso IV a uma só espécie de fiança; qual seja, a judicial156; não obstante, há quem defenda que igualmente o fiador civil e o legal

154 2000, p. 33. 155 De acordo com Ricardo Gama trata-se de legitimidade extraordinária –

2000, p. 33. 156 Wilard Villar assevera que só o fiador judicial poderá ser legitimado passivo

da execução; fiador convencional, civil ou comercial, estão excluídos da execução, salvo se chamados ao processo, caso em que comparecerão ao processo como devedor principal.- 1975, p. 53.

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são partes passivas legítimas de uma execução pelo fato de a lei prever título executivo também contra eles - art. 585, III do CPC que menciona que são títulos executivos extrajudiciais os contratos de caução.

Do exposto percebe-se que fiança judicial é a garantia que terceiro presta, por termo nos autos, beneficiando uma das partes (em sentido amplo) do processo; vê-se, portanto, que interessa aqui a natureza da obrigação garantida, e não o negócio em si.

É direito do fiador judicial embargar a execução, levantar as mesmas objeções e exceções que cabem ao devedor, promover o andamento da execução se o credor a estiver retardando; outrossim, pagando o fiador a dívida, poderá ele executar o afiançado nos autos do mesmo processo de execução (art. 595, par. único, do CPC).

Salienta-se, ainda, que na fiança judicial prestada para garantia de obrigação incerta e ilíquida, o fiador judicial será citado para o processo de liquidação.

Wilard Villar157 afirma que o fiador comercial não pode ser executado sem ser chamado ao processo; outrossim, quando executado, não pode alegar benefício da excussão por ser fiador solidário (art. 258 do Código Comercial). Diferentemente, Theodoro Jr.158 entende que ao fiador, seja o convencional ou judicial, é assegurado o benefício de ordem, isto é, a faculdade de nomear à penhora bens livres e desembaraçados do devedor.

Art. 568, V: legitimidade passiva do responsável tributário

Trata-se de uma legitimidade extraordinária159 – pois o legitimado ordinário primário é o contribuinte160 -, percebida nos arts. 568, V do CPC e art. 4º, V, da Lei n. 6.830/80.

157 1975, p. 53. 158 1989, p. 55. 159 O responsável pode, ou excluir o contribuinte do pólo passivo, ou assumir

um caráter supletivo no cumprimento da obrigação.

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Traz-se à baila ensinamentos do tributarista Hugo de Brito Machado161:

A palavra responsabilidade liga-se à idéia de ter alguém de responder pelo descumprimento de um dever jurídico. Responsabilidade e dever jurídico não se confundem. A responsabilidade está ligada ao descumprimento do dever, isto é, à não-prestação. È a sujeição de alguém à sanção. Tal sujeição geralmente é de quem tem o dever jurídico, mas pode ser atribuída a quem não o tem. No Direito Tributário a palavra responsabilidade tem um sentido amplo e outro estrito. Em sentido amplo, é a submissão de determinada pessoa, contribuinte ou não, ao direito do fisco de exigir a prestação da obrigação tributária. Essa responsabilidade vincula qualquer dos sujeitos passivos da relação obrigacional tributária. Em sentido estrito, é a submissão, em virtude de disposição legal expressa, de determinada pessoa que não é contribuinte, mas está vinculada ao fato gerador da obrigação tributária, ao direito do fisco de exigir a prestação respectiva. No CTN, a expressão responsabilidade tributária é empregada em sentido e amplo nos arts. 123, 128, 136 e 138, entre outros. Mas também é usada em sentido restrito, especialmente quando o Código refere-se ao responsável como sujeito passivo diverso do contribuinte (art. 121, II). Com efeito, denomina-se responsável o sujeito passivo da obrigação tributária que, sem revestir a condição de contribuinte, vale dizer, sem ter relação pessoal e direta com o fato gerador respectivo, tem seu vínculo com a obrigação decorrente de dispositivo expresso da lei.

160 Contribuinte é aquele que tem relação pessoal e direta com o fato gerador do

tributo; ao passo que responsável tributário é aquele que, mesmo não sendo o contribuinte está vinculado ao fato gerador, obrigando-se por força da lei. – art. 121, par. ún., I e II do CTN.

161 1998, p. 108.

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Essa responsabilidade há de ser atribuída a quem tenha relação com o fato gerador, isto é, a pessoa vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação ( CTN, art. 128). Não uma vinculação pessoal e direta, pois em assim sendo configurada está a condição de contribuinte. Mas é indispensável uma relação, uma vinculação, com o fato gerador para que alguém seja considerado responsável, vale dizer, sujeito passivo indireto.

Afora o já mencionado, José de Castro162 recorda que a

caracterização de quem será o responsável tributário e mais a certeza, liquidez e exigibilidade da dívida, serão feitos, anteriormente à execução, em processo administrativo, pois, embora os privilégios fazendários – exacerbados ao máximo – o título, no caso a certidão da Dívida Ativa, deverá vir aos autos, com a inicial, com todos os requisitos formais preenchidos, inclusive com o nome do devedor ou do co-responsável tributário ou sucessor contratual ou por confissão expressa, no acertamento anterior na fase administrativa, para que se cumpra o art. 2º, § 5º, I, da Lei n. 6.830/80.

Curial, ainda, analisar as duas modalidades da responsabilidade tributária163. A responsabilidade tributária que engloba todas as figuras de sujeição passiva indireta, pode ocorrer sob duas modalidades principais:

I – a transferência, que é a passagem da sujeição passiva para outra pessoa, em virtude de um fato posterior ao nascimento da obrigação contra o obrigado direto; comporta três hipóteses: a) solidariedade, quando, havendo simultaneamente mais de um devedor, o que paga o total adquire a condição de obrigado indireto quanto à parte que caberia aos demais; b) sucessão, quando, desaparecendo o devedor por morte, falência ou cessação do negócio, a obrigação passa para seus herdeiros ou

162 1983, p. 10. 163 Theodoro Jr.(1989, p. 59) citando Rubens Gomes de Souza “Sujeito passivo

das taxas”.

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continuadores; c) responsabilidade, quando a lei põe a cargo de um terceiro a obrigação não satisfeita pelo obrigado direto; e

II – a ‘substituição’, que é a hipótese em que independentemente de fato novo posterior ao nascimento da obrigação, a lei já define a esta como surgindo desde logo contra pessoa diversa da que seria o obrigado direto, isto é, contra pessoa outra que aquele que auferiu vantagem econômica do ato, fato ou negócio tributado.

Mister trazer, a título de ilustração, que é condição da execução forçada do crédito tributário a sua regular inscrição em dívida ativa na repartição competente, em nome do contribuinte e dos co-responsáveis; outrossim, não se pode deixar de mencionar que a Fazenda Pública tem o privilégio de atribuir certeza a seus créditos mediante o procedimento administrativo de inscrição da dívida ativa; certeza esta que, entretanto, só surge quando o crédito fazendário está definitivamente inscrito, com rigor formal, em nome do contribuinte e dos eventuais co-responsáveis tributários.

Pondera-se, também, que o confere liquidez e certeza à certidão de dívida ativa é a presunção de regularidade do procedimento administrativo que lhe serviu de base; se referido procedimento for falho, ausente ou nulo, nula também será a certidão. Ademais, em tendo a Fazenda Pública inscrito a dívida apenas contra a pessoa jurídica, carece de título executivo contra a pessoa física do sócio ou gestor, por exemplo. Desta forma, a jurisprudência que antes admitia a penhora de bens do sócio mesmo em se tratando de execução fiscal promovida contra sociedade por quotas de responsabilidade limitada, em casos de dissolução irregular ou abuso de gestão, não mais tem respaldo frente a vigência da Lei n. 6.830/80.164

Araken165 ainda cita como legitimados passivos as pessoas elencadas no art. 592166 do CPC que trata da responsabilidade patrimonial.

164 Theodoro Jr., 1989, p. 61 e 63. 165 2001, p. 61/62; assim como Liebman.

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Frisa-se, por fim, que a certidão de dívida ativa pode até ser emendada para que a execução tenha início contra o responsável tributário (art. 2º, § 8º, Lei n. 6.830/80).

2.2.7 Intervenção do Ministério Público

Na execução, o MP intervirá, como custus legis, nos

casos do art. 82167, sob as penas do art. 84 e 246, todos do CPC. A hipótese que mais causa polêmica é a do inciso III do

art. 82, no que diz respeito ao “interesse público”. Salienta-se que o simples interesse patrimonial da União, Estados ou Municípios e suas autarquias não evidencia, por si só, o interesse público168; justamente por isto o MP não intervém, obrigatoriamente, na execução fiscal169.

166 Diz o art. 592: “ Ficam sujeitos à execução os bens: I – do sucessor a título singular, tratando-se de execução de sentença

proferida em ação fundada em direito real; II – dos sócios, nos termos da lei; III – do devedor, quando em poder de terceiros; IV – do cônjuge, nos casos em que os seus bens próprios, reservados ou de

sua meação respondem pela dívida; V – alienados ou gravados com ônus real em fraude de execução”. 167 Diz o art. 82: “ Compete ao MP intervir: I – nas causas em que há interesse de incapazes; II – nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela,

curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposição de última vontade; III – nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte”.

O art. 84, por seu turno, afirma que: “ Quando a lei considerar obrigatória a intervenção do MP, a parte promover-lhe-á a intimação sob pena de nulidade do processo”.

Por fim, o art. 246 refere que “ É nulo o processo, quando o MP não for intimado a acompanhar o feito em que deva intervir”.

168 Nesse sentido a decisão da 1ª Turma do STF, RE. n. 96.899, RTJ 133/345. 169 Nesse sentido a decisão da 2ª Turma do STF RE n. 52.318, DJU 5112/94, p.

33551.

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Ademais, a existência da hipótese de intervenção, ou não, é passível de controle do Judiciário.170

Quanto à intervenção do MP “em todas as demais causas em que há interesse público, evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte”, pondera Luís Antônio de Andrade171 que essa generalização, vaga e imprecisa, mostra-se perigosa, tendo-se em vista outro princípio adotado pelo Código, segundo o qual ‘é nulo o processo, quando o MP não foi intimado a acompanhar o feito em que deva intervir’ (art. 246); entretanto, caso fosse a enumeração feita em numerus clausus objetivos, nada haveria a observar, só que deixar sem limites definidos o que se deva entender, no caso, por ‘interesse público’, conceito que tem dado margem a tantas e a tão acirradas polêmicas, é que não parece razoável.

Incongruência seria ter o MP um poder geral de agir, ou seja, poder ele demandar – como substituto processual, ou como representante ou procurador – e não poder promover a execução. Conclui-se, assim, que nos casos onde o MP é legitimado a intervir como parte (CPC, art. 81), com a função de propor a ação, é também legitimado ordinário originário para propor a execução; e não tendo ele participação no processo de conhecimento, poderá promover a execução como legitimado extraordinário, quando a lei assim prever.

CONCLUSÃO

O manejo da execução requer cuidados especiais que

justifiquem a movimentação do Judiciário; no entanto, o credor, ao mesmo tempo em que tem o direito de receber o que lhe é devido, igualmente tem o dever de se valer, correta e adequadamente, da Justiça, a fim de evitar desperdício processual e monetário.

170 Nesse sentido a decisão da 3ª Turma do STJ, REsp. n. 6.872, DJU 28.03.94, p. 6312. 171 Citado por Orlando de Souza, 1987, p. 24.

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Pretendeu-se expor, à luz da doutrina, os principais pontos e referências dos temas ligados à competência e legitimidade do processo executivo, conteúdo que permite ao lidador do Direito verdadeira noção do que se lhe será exigido conhecer para propositura e resposta a uma ação executiva.

Espera-se que a matéria aqui transcrita possa elucidar e auxiliar a compreensão do assunto, haja vista as mais variadas nuances que o estudo permite. Por fim, certo é que a formação do processo executivo está consagrado no Código de Processo Civil e é tema de insubstituível importância e significado.

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