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C AD . S AÚDE C OLET ., R IO DE J ANEIRO , 16 (3): 559 - 568, 2008 – 559 DANÇA DE SALÃO: REPERCUSSÕES NAS ATIVIDADES DE VIDA DIÁRIA Ba��r��m �a�: reper�ss�s �a�y a�v��es �f e�er�y pe�p�e Marcel Lima Cunha 1 , Fátima Luna Pinheiro Landim 2 , Maria de Fátima Caval- cante Lima 3 , Luiza Jane Eyre de Souza Vieira 4 , Rafael Barreto de Mesquita 5 , Patrícia Moreira Collares 6 RESUMO Trata�se de estudo descritivo objetivando: evidenciar os motivos que levam pessoas da terceira idade a praticar a dança de salão; conhecer, a partir dos discursos de pessoas da terceira idade, os efeitos da prática da dança de salão nas atividades de vida diária. Foi realizado numa escola de dança de salão conceituada em Fortaleza�CE, que trabalha com a terceira idade. Participaram da pesquisa treze (3) mulheres com idade mínima de 60 anos, praticantes da dança de salão. Para coleta de dados utilizou�se a entrevista estruturada focalizada gravada, durante o período de 05/05 a 05/06 de 2004. Constatou�se que a dança de salão é uma atividade física prazerosa e motivante, que auxilia pessoas a melhorar sua qualidade de vida e seu desempenho nas AVD’s, dando�lhes autonomia e prevenindo doenças causadas pela inatividade física. Os resultados sugerem que os indivíduos praticantes da dança de salão melhoraram os aspectos físicos, psíquicos e sociais, o que possibilita concluir que a prática da dança de salão tem preservado e melhorado as capacidades funcionais, a auto�estima e a socialização das pessoas da terceira idade, que é fundamental para a realização eficiente das tarefas vivenciais, facilitando o cotidiano dessas pessoas, que buscam permanentemente a emancipação. PALAVRAS-CHAVE Saúde do idoso, atividades cotidianas, atividades físicas, dança ABSTRACT This article refers to a descriptive study that aimed at: to investigate the reasons that make elderly people practice ballroom dancing; to know from those people’s speech the effects of the practice of the ballroom dancing in the daily activities of elderly people. It took place at an well appraised school of ballroom dancing in the city of Fortaleza, which works with people in advanced age. Thirteen women with minimum age of 60, who practice ballroom dancing participated regularly in the research. A structured, focalized and recorded interview was used to collect the data, during the period from 05/05 to 05/06 of 2004. It was verified that ballroom dancing is a Gra��a� em E�a�s�a pe�a U�vers��a�e �e �r�a�ea – UNI�R �r�a�ea �eará. 2 ��ra em E�ferma�em. �r�fess�ra �es�ra�e Sa�e �e�va e �rs�e E�ferma�em �a U�vers��a�e �e �r�a�ea – UNI�R. E�:. R�a �ésar �e�e�e �º. 90 a�ar�e�â�a. �E�: 60455-650 – E-ma�: ��a�a�m@ ya���.�m.�r �es�re em E�ferma�em. �r�fess�ra �rs�e E�ferma�em �a U�vers��a�e �e �r�a�ea – UNI�R. 4 ��ra em E�ferma�em. �r�fess�ra �es�ra�e Sa�e �e�va e �rs�e E�ferma�em �a U�vers��a�e �e �r�a�ea – UNI�R. 5 Gra��a�rs�e �s��erap�a �a U�vers��a�e �e �r�a�ea – UNI�R. 6 �es�ra�a em Sa�e �e�va �a UNI�R.

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C a d . S a ú d e C o l e t . , R i o d e J a n e i R o , 16 (3 ) : 559 - 568 , 2008 – 559

dança de Salão: RepeRCuSSõeS naS atividadeS de vida diáRia

Ba��r��m �a�����: reper��ss���s �� �a��y a���v���es �f e��er�y pe�p�e

Marcel Lima Cunha1, Fátima Luna Pinheiro Landim2, Maria de Fátima Caval-cante Lima3, Luiza Jane Eyre de Souza Vieira4, Rafael Barreto de Mesquita5, Patrícia Moreira Collares6

Resumo

Trata�se de estudo descritivo objetivando:evidenciar os motivos que levam pessoas da terceira idade a praticar a dança de salão; conhecer, a partir dos discursos de pessoas da terceira idade, os efeitos da prática da dança de salão nas atividades de vida diária. Foi realizado numa escola de dança de salão conceituada em Fortaleza�CE, que trabalha com a terceira idade. Participaram da pesquisa treze (��3) mulheres com idade mínima de 60 anos, praticantes da dança de salão. Para coleta de dados utilizou�se a entrevista estruturada focalizada gravada, durante o período de 05/05 a 05/06 de 2004. Constatou�se que a dança de salão é uma atividade física prazerosa e motivante, que auxilia pessoas a melhorar sua qualidade de vida e seu desempenho nas AVD’s, dando�lhes autonomia e prevenindo doenças causadas pela inatividade física. Os resultados sugerem que os indivíduos praticantes da dança de salão melhoraram os aspectos físicos, psíquicos e sociais, o que possibilita concluir que a prática da dança de salão tem preservado e melhorado as capacidades funcionais, a auto�estima e a socialização das pessoas da terceira idade, que é fundamental para a realização eficiente das tarefas vivenciais, facilitando o cotidiano dessas pessoas, que buscam permanentemente a emancipação.

PalavRas-chave

Saúde do idoso, atividades cotidianas, atividades físicas, dança

abstRact

This article refers to a descriptive study that aimed at: to investigate the reasons that make elderly people practice ballroom dancing; to know from those people’s speech the effects of the practice of the ballroom dancing in the daily activities of elderly people. It took place at an well appraised school of ballroom dancing in the city of Fortaleza, which works with people in advanced age. Thirteen women with minimum age of 60, who practice ballroom dancing participated regularly in the research. A structured, focalized and recorded interview was used to collect the data, during the period from 05/05 to 05/06 of 2004. It was verified that ballroom dancing is a

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pleasant and exciting physical activity, that aids people to improve their quality of life and their performance in daily activities, giving them autonomy, preventing diseases caused by sedentarism. It was concluded that individuals who practise ballroom dancing have had improved their physical, psychic and social aspects; what makes possible to infer that the practice of the ballroom dancing has been preserving and improving the functional capacities, the self�esteem and the socialization of aged people, which is fundamental for the efficient accomplishment of the everyday tasks of those, who permanently look for emancipation.

Key woRds

The senior’s health, elderly life daily activities, ballroom dancing

1. IntRodução

O tema do cuidado com o corpo, com respostas no estado de saúde geral dos grupos populacionais, vem merecendo atenção de importantes órgãos in�ternacionais (Organização Mundial de Saúde, Organização Panamericana de Saúde), nacionais (Ministérios da Saúde) e da sociedade civil. A Saúde Coletiva, bem como diversas outras disciplinas da área da saúde, vem somando produções nesse campo (Carvalho & Freitas, 2006).

Entretanto, considerando a literatura científica nacional, constata�se a escassez de trabalhos que abordem os significados atribuídos pelos idosos a qualquer uma das inúmeras modalidades de práticas com potencial revitalizador de sua saúde e qualidade de vida diária. Até o momento, o que se verifica são estudos que visam a mensurar atividades físicas realizadas no sentido de melhorar o condi�cionamento, tomando por base a população de adultos, sem distinção de idade (Carvalho & Freitas, 2006). Justificando a opção dos pesquisadores, Siqueira et al. (2008) apontam particularidades inerentes aos idosos que dificultam esse tipo de mensuração, tendo em foco grupos etários mais elevados. Esse artigo propõe uma discussão sobre a dança de salão como uma das modalidades de promoção de saúde, favorecendo as atividades de vida diária de pessoas na terceira idade. A pesquisa realizada teve por objetivos: evidenciar motivações para a procura voluntária de pessoas da terceira idade para a prática da dança de salão; e co�nhecer, a partir dos discursos dessas pessoas, os significados e benefícios trazidos para o desenvolvimento das atividades de vida diária.

Durante o envelhecimento do ser humano, alterações de ordem fisiológica, psicológica e social influenciam seu comportamento devido à diminuição de sua capacidade funcional própria da idade avançada e executar cada vez menos tarefas ou atividades, até que se instala a inatividade física.

Conhecida como retrogênese, essa fase caracteriza�se pela diminuição da capacidade de concentração do idoso, redução da mobilidade articular, retardo nos reflexos, diminuição progressiva da visão, tato menos apurado. Ao abordar

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o tema D’Alencar et al. (2006), Berleze (2002) e Matsudo (2000) dão ênfase aos efeitos psicossociais do fenômeno: baixa estima, solidão, apatia, insegurança e perda da motivação pelas atividades da vida diária (AVD’s).

Visando a encontrar atenuantes para o quadro, alguns estudiosos vêm dedican�do a essa população programas de atividades físicas que auxiliam na manutenção das AVD’s (Berleze, 2002; Matsudo, 2000; Katch & McArdle, ��996). Defendem os benefícios de uma vida mais ativa no sentido da manutenção da capacidade funcional e da autonomia física durante o envelhecimento. Na realidade da pessoa idosa, mais do que atividades com implicações nos sistemas cardiorrespiratório e muscular, faz�se necessário uma prática regular que responda por uma boa manutenção da capacidade funcional como um todo.

Embora não seja hábito mais comum em nossa sociedade, dentro da população idosa, Freitas et al. (2007) atestam um aumento em nossos dias – embora ainda não proporcionalmente suficiente, quando considerada a marcha demográfica – da busca pela prática de exercícios físicos. Esse fato é mais característico quando se observam os idosos inseridos em programas oficiais de promoção da saúde.

No cotidiano da rede básica de saúde, observam�se mudanças incentivadas pelo Ministério da Saúde quanto à inserção da prática de atividade física na rotina do idoso tendo como exemplo a Academia da Cidade, no Recife (PE), apontando a utilidade no combate ao sedentarismo na população (Siqueira et al., 2008).

De acordo com Freitas et al. (2007), o idoso vem desfrutando de oportunidades de participação em diversos programas/projetos de âmbito público, de valorização e de convívio social, voltados à promoção de saúde. A escolha de forma demo�crática dos exercícios físicos para uma população acarreta em motivo suficiente para sair do sedentarismo, buscando um estilo de vida para o bem�estar com qualidade positiva a cada ganho com o exercício físico.

De fato, em qualquer faixa etária pode�se fazer uso da atividade física com o intuito de melhorar o condicionamento geral e promover saúde. Entretanto, nos idosos essa necessidade é preeminente; inclusive pelo fato de induzir várias adaptações fisiológicas como: aumento da massa muscular; melhor controle da glicemia; redução do peso corporal e melhor perfil lipídico; melhor controle da pressão arterial em repouso; melhora da função pulmonar; melhora do equilíbrio e da marcha, repercutindo em uma diminuição do risco de quedas e fraturas (Mazo et al., 200��; Okuma, ��998).

Guiando�se por essa compreensão, ressalvem�se estudos que evidenciam a dança como atividade física que tem muito a contribuir com benefícios para as pessoas idosas. Para além das adaptações fisiológicas, destaquem�se benefícios como: conhecimento do corpo, prevenção dos eventos de isolamento e depressão, ampliação das oportunidades de interagir e socializar�se (Guimarães et al., 2003;

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Severo et al., 2000; Laban, ��990; Garaudy, ��980); maior colaboração e coopera�ção; contato com pessoas de interesses semelhantes, desenvolvimento e estímulo da capacidade criativa, melhora da auto�estima e da auto�imagem, diminuição do estresse nas atividades do dia�a�dia, aumento da capacidade de expressão e comunicação e resgate cultural (Severo et al., 2000).

Autores escrevem ainda que, por contribuir com a criatividade/expressividade e possuir uma riqueza de gestos e movimentos, a dança é uma atividade física muito bem aceita pelos idosos; além de fazer aflorar recordações “dos tempos de jovem” (Brikman, ��989; Garaudy, ��980). Existe também a vantagem de poder ser praticada de forma espontânea ou coreografada e em diversificados lugares como: clubes, igrejas, domicílios, centros de eventos; em uma relação formal ou informal.

2. método

Estudo descritivo (Marconi & Lakatos, 200��) desenvolvido em uma escola de dança de salão situada em um bairro nobre da cidade de Fortaleza, Ceará, Brasil. Trata�se de escola muito bem conceituada na cidade, que há vinte anos vem realizando atividades voltadas para o público da terceira idade.

Apesar de não haver restrição alguma ao acesso dos idosos do sexo masculino nas academias, ainda é pequena a parcela de homens que faz dança de salão. Por esse motivo, optou�se por trabalhar com informantes do sexo feminino, com maior representatividade na escola.

Participaram da pesquisa ��3 mulheres, 09 delas na faixa etária de 60 a 70 anos e 04 com pouco mais de 70, que praticavam a dança de salão regular�mente. Para o estabelecimento da idade mínima de participação levou�se em consideração o disposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS) acerca da definição de idoso: considera-se idoso todo indivíduo com 65 anos de idade, ou mais, que reside nos países desenvolvidos e com 60 anos, ou mais, os residentes em países em desenvolvimento.

Todas eram de cor parda e provenientes da classe média da sociedade forta�lezense. Apenas duas ainda possuíam esposos, seus parceiros de dança. Praticavam a religião católica, suas rendas provinham de pensões e/ou aposentadorias, e a inserção na comunidade, quando era o caso, se dava por meio de serviços volun�tários em Organizações Não�Governamentais. A técnica utilizada para coletar os dados foi entrevista semi�estruturada. Todas as entrevistas foram gravadas com consentimento das informantes.

Depois de transcritas na íntegra, várias leituras foram realizadas nas entrevistas para identificar temas recorrentes, convergência e divergências de falas, chegando, por fim, aos temas de análises (Marconi & Lakatos, 200��).

Os depoimentos tomados em recortes, bem como as descrições da realidade

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captada, constituíram material de análise e foram seguidos de interpretações subsidiadas por material bibliográfico atual e pertinente.

A proposta foi submetida à análise do Comitê de Ética da Universidade de Fortaleza – UNIFOR, tendo sido aprovada sua aplicação na íntegra, sob o parecer de número 262/2004, com o registro no comitê de número 04�203. A anuência de participação da pessoa informante foi registrada em Termo de Consentimento Pós�esclarecido, conforme disposto na Resolução ��96/96 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde (Brasil, ��996).

3. Resultados e dIscussões

Ao se buscar conhecer as motivações de um grupo de mulheres que elegeram voluntariamente a dança de salão como atividade a ser praticada diariamente, destacaram�se as seguintes respostas, por número de vezes que elas apareceram: “Para melhorar as relações social e afetiva” (09 vezes); “Para melhoria nas atividades diá-rias” (09 vezes); “Para deixar o sedentarismo” (08 vezes); “Para melhorar a saúde” (07 vezes); “Para melhorar o condicionamento físico” (07 vezes); “Porque eu gosto de dançar” (05 vezes).

Nas palavras de Severo et al. (2000), traduz�se a dança em um modo de viver saudável que transforma o cotidiano das idosas de maneira integral. Alguns depoimentos corroboram essa assertiva:

“Eu andava muito parada, muito sedentária. Quando comecei a dançar, fez muita diferença (...) com a dança me sinto muito disposta”; “A dança é uma terapia para o corpo e para a alma, aumenta a resistência física, melhora a coordenação motora. (...) acho que é muito importante o equilíbrio. Tudo isso melhora com a dança”; “Acho que melhora a parte física (...). A função respiratória melhorou bastante, meu colesterol baixou”.

Ainda apoiando�se nos depoimentos pode�se dizer que o estilo de vida ativo é uma “atitude de vida”, e não um privilégio da pouca idade. Nesse sentido, rompem�se as barreiras do medo e do preconceito e, substituindo, têm�se as forças curativas da parceria e da cumplicidade. Essas trazem conquistas significativas no que diz respeito aos progressos físicos num grupo de idosos, embora, conforme esclarecem D’Alencar et al. (2006), possam parecer lentos e pouco perceptíveis.

Defende�se a superação, portanto, das barreiras impostas por convenções mais preconceituosas acerca daquilo que seja “compatível”, em termos de atitude, com a idade cronológica (Okuma, ��998). De fato, um movimento a favor da promoção de pessoas da terceira idade passa pela mudança de atitude destas e da sociedade em geral diante do que se convencionou como “velhice”. Essa é, de acordo com

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Guimarães et al. (2003) e Severo et al. (2000), condição preponderante na saúde e bem�estar desse segmento populacional.

Sabe�se que o envelhecimento fisiológico varia de acordo com o modo que o indivíduo conduz toda a sua vida __ seus hábitos e seus vícios. A esse respeito, em vez de se considerar o declínio funcional efetivamente ocorrido nos idosos, talvez fosse necessário considerar um modelo mais complexo, no qual existe um ciclo vicioso em que as pessoas vão reduzindo a atividade física. Por outro lado, consi�dera�se que realizar um exercício físico não é só querer, ou mesmo poder, há que se ter boa vontade para persistir hora após hora, por dias intermináveis, em uma prática que assegure condicionamento físico constante e bom funcionamento do corpo. A particularidade de a prática da dança de salão se sobressair em relação às demais está, pois, no gosto por realizá�la. Nesse aspecto merecem destaque, além dos resultados físicos, os efeitos bioquímicos associados à experimentação do que seja “prazeroso”. Uma informante atesta: “Porque é um exercício prazeroso, não fica cansativo nem monótono”.

O sucesso de uma atividade física está em se poder associá�la ao lazer e ao prazer. Focando as AVD’s, mudanças consideráveis foram sugeridas como tendo relação com o acontecimento da dança de salão na vida das entrevistadas. É o que se constata lendo as falas a seguir: “Tinha dor nas pernas que me impedia de realizar tarefas como varrer a casa, lavar uma louça permanecendo muito tempo em pé ao lado da pia (...). Tudo passou”; “Cansava com facilidade. Não podia subir uma escada que já cansava, as pernas pesavam...”; “A coluna tá novinha. Voltei até a brincar com os netos. Antes a coluna não deixava, era dura e tudo doía”.

O significado da dança para o idoso, por tratar�se de atividade que leva o indivíduo a expressar�se por meio do corpo, extrapola para o campo mais subjetivo, promovendo prazer e auto�estima.

A esse respeito Severo et al. (2000) escrevem que as danças possuem um ele�mento social que a prática única de ginástica não possui, elas ampliam as chances de promover o encontro e favorecem os laços afetivos. A colaboração para com o sucesso do outro, durante uma dança, leva ao surgimento de um sentimento de utilidade com repercussões positivas na estima pessoal.

Dentre as ��3 entrevistadas, oito associaram a dança de salão à melhoria de seu estado psicológico. Constou�se serem mulheres que sofriam de severas crises de depressão, e que encontraram na dança um “sentido para seguir vivendo”. É exemplo de fala que sintetiza o sentimento experimentado: “Eu me sentia sem utili-dade... No fim da linha!”.

Parece ser uma tendência de a pessoa idosa ir buscar no grau de vida ativa que caracterizou sua juventude um parâmetro para avaliar o significado e a impotência de sua existência na atualidade. Ao agir assim, entregam�se mais facilmente ao

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declínio fisiológico e psicológico peculiar, muito ligado a um estilo de vida seden�tário (Kuwano & Silveira, 2002).

Entretanto, na companhia das colegas de turma, assim como na dos seus parceiros de dança, essas mulheres encontram cumplicidade e companheirismo. Também parecem ter (re)encontrado prazer em sair de casa, conhecer e falar com outras pessoas. “Tenho mais vontade de sair, encontrar outras pessoas...”, afirma uma das entrevistadas. “Eu fiz uma academia só pra aprender a dançar. Agora a gente vai é pras festas”, é o pronunciamento de outra.

Na medida em que o indivíduo na terceira idade (re)aprende a lidar com o seu corpo, aceitando as transformações que vão acontecendo e reconhecendo potenciais em sua nova condição (Berleze, 2002; Matsudo, 2000; Katch & McArdle, ��996), tudo o mais em seu comportamento diante dos desafios da vida diária parece poder ser redesenhado.

Estados psicossociais são, inclusive, afetados positivamente, trazendo confiança e satisfação por terem os idosos os anos que têm. D’Alencar et al. (2006) teste�munharam o processo de transformação vivenciado por um grupo de idosos. De acordo com os autores, eles saíram da restrição de seus lares e foram libertando�se da vergonha e dos preconceitos através da biodança.

A utilização da música e da dança desperta, assim, um vínculo/aceitação com o próprio corpo, fazendo aflorar suas experiências de vida por meio do lúdico e, com isso, promovendo o prazer, a criatividade, a integração, a capacidade de inovação e fornecendo novas motivações para a vida social: “A dança me ajudou muito a ter auto-estima. Sou mais alegre, comunicativa...”.

Para as informantes desse estudo o universo da música e da dança faz, ainda, aflorar sentimentos de “se gostar”, de poder “vibrar”, “fazer movimentos”, ser “mais alegre”, “mais leve”, “melhorar o astral”. As falas evidenciam este fato: “Dançar é se gostar, gostar das outras pessoas, é vibrar, é fazer movimentos... A dança me tornou outra pessoa, mais alegre, mais ativa e mais dinâmica”; “A dança me deixa mais leve, o astral melhora, eu me sinto mais elevada [...]. Posso estár meio sem graça, mas quando venho pra dança, já saio de outra maneira”.

Constatou�se que a dança pode entrar, ainda, na vida dos idosos como forma de permiti�los traduzir sentimentos, ansiedades, necessidades, interesses que atra�vessam toda uma existência sem serem explicitados. E que, deste modo, assume função amortecedora de estresse, quando é entendida como algo prazeroso de se fazer: “Eu adoro dançar!”.

Identificou�se declaração explícita de amor feita por informante ao ato de dançar: “Toda a vida eu fui apaixonada por música, por dança, por tudo que envolve a música”. Isso insinua ser a dança uma fonte de prazer, muito antes de ser encarada como atividade física. Por vezes, a possibilidade de realizar um desejo de algum modo cerceado: “Isto é só a realização de um sonho antigo...”, declara uma entrevistada.

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4. consIdeRações FInaIs

Nesse estudo evidenciou�se que a dança de salão promove modificações no comportamento e estado físico, fisiológico e emocional das pessoas pesquisadas. Pode�se afirmar, pois, que a dança, conduzida como atividade física prazerosa e motivante, vem auxiliando essas pessoas a melhorar seu desempenho nas AVD’s, dando�lhe autonomia e prevenindo, conseqüentemente, doenças causadas pela inatividade física.

Para além disto, os dados permitem inferir uma abertura de perspectivas para uma vida mais feliz e prazerosa, quando a experiência com a dança serve como amortecedor do estresse, ajudando a administrar preconceitos relativos ao ser envelhecido.

Movimentar�se auxiliado pela dança pode conduzir a pessoa idosa a um despertar interior, repercutindo em autoconhecimento necessário a uma atitude de confiança diante da vida; condição que também responde pela (re)socialização, na medida em que se ampliam as redes de relacionamento social.

Diante dos depoimentos, constata�se na dança uma estratégia em potencial para utilização dos profissionais da saúde, em especial os da saúde coletiva, que atuam no cuidado humano com vistas à promoção de atitudes positivas diante da vida.

R e f e R ê n C i a S b i b l i o g R á f i C a S

beRleze, g. Envelhecer com qualidade de vida. 2002. Disponível em: http://www.gnu.com.br/. Acesso em: 20 ago. 2002.

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Recebido em: 2��/08/2007Reapresentado em: 27/��0/2008

Aprovado em: 06/����/2008

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