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LUCAS DE ALMEIDA PEREIRA
CYBER BRASILIS: uma história dos planos nacionais de informática entre
1958 e 1974
São Paulo
2013
LUCAS DE ALMEIDA PEREIRA
CYBER BRASILIS: uma história dos planos nacionais
de informática entre 1958 e 1974
Projeto apresentado à Universidade Federal do
ABC - UFABC - para a obtenção de bolsa de
Pós-Doutorado (PNPD)
São Paulo
2013
Resumo
A informática constitui a principal revolução tecnológica das últimas décadas e seus
efeitos podem ser sentidos em praticamente todos os campos sociais. A despeito
desta presença maciça na sociedade, a historiografia tem dado apenas seus
primeiros passos quanto à consolidação da informática como um campo de
pesquisas importante, vinculado à história das ciências. Este projeto de pós-
doutorado tem por objetivo oferecer uma contribuição a este campo mediante a
análise dos projetos que o estado brasileiro desenvolveu acerca da informática entre
as décadas de 1960 e 1970 visando compreender neste trajeto o modo pelo qual o
Brasil adentrou no mundo digital.
Abstract
The informatics is a major technological revolution of recent decades and its effects
can be felt in almost all social fields. Despite this massive presence in society,
brazilian historiography has given only its first steps in the consolidation of
informatics as an important field of research, linked to the history of science. This
postdoctoral project aims to provide a contribution to this field by analyzing the
projects that the Brazilian state developed on the informatics between the 1960s and
1970s in order to understand the way in which Brazil entered the digital world.
Cyber Brasilis
A história ocupa entre as ciências humanas uma posição de profunda
ambiguidade. Constantemente assediada pelo tempo presente, a “ciência dos
homens no passado”, conforme a definição clássica de Marc Bloch (CF. BLOCH,
2002, 55) enfrentou uma série de transformações importantes, desde sua
consolidação, a partir do século XIX, como saber científico e produzido em
universidades. As transformações técnicas e teóricas sempre foram absorvidas
pelos agentes de Clio, mas, em contrapartida, sempre cobraram um preço caro dos
historiadores, que se distanciaram de uma História em direção a histórias1.
A relação com os computadores e o mundo virtual já não constitui exatamente
uma novidade aos olhos dos historiadores. Tomemos, neste sentido, os debates em
torno dos mass media e do uso do computador no ofício do historiador, oriundos da
década de 19702. Nesse primeiro momento de história digital a questão se dava em
torno da história serial, das possibilidades que os computadores à época ofereciam
em termos de quantificação de documentos.
Desde esse primeiro encontro os computadores tornaram-se ferramenta de
produção de pesquisa, de difusão de conhecimento. Atualmente é impossível
dissociar o uso de tecnologia digital do ofício do historiador. Cada artigo, cada tese é
produzida em computador, e possui modos específicos de edição e apresentação
formatadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Em relação à
divulgação das pesquisas a internet vem tornando-se gradativamente o principal
meio de difusão de teses e artigos. Assim, cada tese de doutorado impressa
apresenta também uma versão digital armazenada no site da instituição na qual foi
desenvolvida a pesquisa, bem como em bancos de dados virtuais como o Scielo3. Já
quanto aos artigos o efeito é ainda mais visível na medida em que diversos
periódicos, por questões de economia e praticidade, possuem além da organização
impressa uma versão on-line, em muitos casos as revistas são apenas digitais.
1 Essa distinção entre “História”, com maiúscula e no singular e “histórias”, minúsculo e no plural remete às
teses do historiador francês François Dosse em A história em migalhas (Cf. DOSSE, 1992). 2 Sobre a questão da computação e dos mass media em relação ao ofício do historiador ver LE GOFF, 1982
3 SciELO corresponde à abreviação de Scientific Electronic Library Online, biblioteca virtual idealizada pela
FAPESP com o objetivo de padronizar, armazenar e divulgar a produção científica digitalizada.
A rápida popularização da internet e aparelhos digitais, tais quais tablets,
smartphones, e de dispositivos de armazenamento de informação, CDs, DVDs, pen
drives etc. nos leva a refletir sobre a relação que a história e seus oficiais
estabelecem com esse veloz mundo virtual.
Contudo, embora seja usado de modo cada vez mais frequente como
ferramenta de produção e difusão de conhecimento, o mundo digital ainda encontra
poucas referências enquanto objeto de pesquisa. O fato de constituir uma tecnologia
relativamente recente e por demais maleável talvez ajude a explicar essa carência,
contudo, se observamos mais a fundo a história das tecnologias digitais notamos
que estas não constituem novidade. O computador não é exatamente uma
ferramenta nova, e sua história está intimamente atrelada ao desenvolvimento
científico do século XX. De acordo com Burke e Briggs,
Embora a história da tecnologia não seja o único elemento na história da mídia da segunda metade do século XX, os computadores devem vir em primeiro lugar em qualquer análise histórica, pois logo que deixaram de ser considerados simples máquinas de calcular ou úteis acessórios de escritório (...), eles passaram a fazer com que todos os tipos de serviços, e não somente os de comunicações, tomassem novas formas (BURKE; BRIGGS, 2006, p. 273)
Assim, longe de ser um fenômeno isolado, a história da tecnologia digital
encontra ramificações desde o século XVII, com a máquina de calcular criada pelo
filósofo Blaise Pascal em 1642 a Pascalina, de acordo com Heredia “La Pascalina
fue una máquina de sumar y restar construida por Blas Pascal en 1642. Podía
operar con números hasta de seis cifras. Su función primaria era la de operar con
sumas de dinero” (HEREDIA, 1982, p. 2). Três décadas depois, mais precisamente
em 1673 outro filósofo, Wilhelm Leibniz, construiu a primeira máquina calculadora
que executava as quatro operações aritméticas.
Desta forma, para compreender o que hoje é tido quase como natural, o
mundo operando em termos digitais, é fundamental seguir o procedimento que
Roger Chartier atribuiu ao filósofo Michel Foucault e romper com as evidências4,
4 “Depois de Foucault, torna-se claro, com efeito, que não se podem considerar esses „objetos
intelectuais‟ como „objetos naturais‟ em que apenas mudariam as modalidades históricas de
existência (...) Por detrás da permanência enganadora de um vocabulário que é o nosso, é
necessário reconhecer, não objetos, mas objetivações que constroem de cada vez uma forma original
(CHARTIER, 1988, p. 65).
afinal, os computadores e a internet não são apenas sistemas que fazem parte de
nosso cotidiano, mas possuem uma história que se ramifica com os processos da
revolução industrial e da crescente cientifização da sociedade. Constituem, além
disso, uma verdadeira rede de poder-saber, não apenas de difusão de
conhecimento, mas também de controle de informação. Como lembrou Figueiredo
“considerar apenas a utilidade dessa nova tecnologia no seu emprego às atividades
do historiador é pouco compreender a respeito do impacto que a informática
representa para a disciplina” (FIGUEIREDO, 1997, p. 594).
Delimitação do tema
Para sermos mais precisos em relação a nosso objeto é possível datar a
emergência dos computadores como os conhecemos hoje à década de 1950 e ao
contexto da guerra fria. Os primeiros computadores, fabricados como armas de
inteligência a serem utilizados na guerra, eram muito grandes, posto que
funcionavam por meio de válvulas. O primeiro passo em direção à miniaturização foi
o desenvolvimento dos transistores, condutores de impulsos que dariam origem aos
chips.
Até a década de 1970 os computadores mantiveram-se restritos a governos e
universidades e eram conhecidos como Mainframes 5 . Foi neste período que
começou a difusão do conceito de PC (Personal Computer), aparelhos compactos a
serem usados por pessoas físicas ou empresas para executar tarefas. A partir da
década de 1980 os PCs se popularizam, marcados pela queda do preço e do
aumento de capacidade de processamento, que se amplia de forma vertiginosa até
hoje.
Esses dispositivos físicos dos computadores sempre serviram como suporte
para formas particulares de linguagem. O modelo atual de computação não existiria
sem o desenvolvimento análogo de um modelo de linguagem conhecida como
“linguagem de programação”. De acordo com Fischer e Grodzinsky autores de “The
anatomy of programming languages” (FISCHER,1992), “Using a programming
language requires a mutual understanding between a person and a machine. This
5 Computadores de grande porte e com enorme capacidade de processamento. Mesmo com a criação dos PCs
os mainframes continuam representando uma estrutura vital no mundo digital, tendo em vista que são necessários pelo processamento de informação em grandes fluxos. Os servidores de internet são exemplos de mainframes atuais.
can be more dificult to achieve than understanding between people because
machines are so much more literal than human beings” (FISCHER, 1992, p. 8). Uma
linguagem de programação corresponde a uma forma análoga da linguagem
“natural”, possuindo os mesmos elementos (semântica, sintaxe, etc.), mas com um
grande desafio: associar a linguagem binária e literal da máquina à linguagem
complexa dos seres humanos. Desde o FORTRAN, primeiro projeto de linguagem
digital criado em 1954, passando por sistemas como o ADA, BASIC, COBOL,
PASCAL, a evolução do sistema de linguagem de processamento caminhou lado a
lado com os avanços mecânicos e digitais dos suportes necessários para trabalhar
com tais linguagens.
A despeito do fato de a informática contar com ao menos alguns séculos de
história é notável o fato da historiografia não tratá-la como um campo. Poderíamos
arrolar neste caso artigos de alguns historiadores consagrados como Robert
Darnton (DARNTON, 1999), Peter Burke (BURKE, 2004), e Roger Chartier
(CHARTIER, 1999), que trabalharam o digital de forma mais generalizada,
apresentando alguns problemas que os computadores trariam aos historiadores. No
Brasil podemos citar o livro pioneiro de Cléusio Fonseca Filho História da
computação (FILHO, 1999), cujo objetivo era apresentar de modo introdutório e
geral a história da informática, servindo de material introdutório para outros
pesquisadores interessados no assunto. Outros livros merecem destaque e embora
não tratem propriamente de história podem ser considerados referenciais
importantes para se criar uma historiografia da informática no Brasil. Neste caso
poderíamos citar A guerrilha tecnológica (DANTAS, 1988) de Vera Dantas e
Computadores brasileiros: industria, tecnologia e dependência (TIGRE, 1984) de
Paulo Bastos Tigre.
O presente projeto pretende trazer um uma análise da inserção da
computação moderna no Brasil enfatizando neste caso o ínterim entre as o final da
década de 1950 e meados da década de 1990. Tomaremos como marcos temporais
dois importantes eventos: a importação de um UNIVAC em 1958 pelo Departamento
de Águas e Esgotos de São Paulo e a criação da primeira empresa nacional de
informática, a Cobra Computadores.
Trata-se de um período fundamental para compreendermos não apenas a
indústria tecnológica atual, mas, fundamentalmente, os projetos nacionais para
ciências. A informática foi uma tecnologia de absorção relativamente rápida em
território brasileiro. Essa velocidade fica mais evidente se compararmos com outras
importantes revoluções tecnológicas anteriores: As primeiras máquinas a vapor; a
luz elétrica; o uso de combustíveis fósseis.
Já em relação à computação esse hiato foi muito menor. Em 1947
engenheiros da Bell produziram os primeiros transistores, componentes
fundamentais para a expansão da informática posto que permitiram a miniaturização
dos computadores, anteriormente valvulados. O primeiro modelo comercial fabricado
pela empresa norte-americana Sperry em 1953 pesava mais de uma tonelada o que
aumentava não apenas seus custos, mas sua logística para exportações. Em 1957,
apenas quatro anos depois do início da informática comercial, chegou ao Brasil o
primeiro computador valvulado, importado pelo governo do estado de São Paulo
com o propósito de organizar a distribuição de água para a capital.
Dois anos depois dessa aquisição ocorreu o primeiro plano governamental
para o uso de informática. Em 1958 Juscelino Kubistchek, influenciado por alguns de
seus analistas autorizou a criação de um grupo de trabalho cuja função foi estudar o
uso de máquinas de calcular tendo em vista o plano desenvolvimentista de
Kubitschek marcado pelo slogan “50 anos em 5”. Esse grupo se consolidou com a
formação do Grupo Executivo para Aplicação de Computadores Eletrônicos (Geace)
em 1959 que intermediou a importação de três computadores. Foram eles: um B205
da Burroughs para a PUC-RJ, um UNIVAC 1103 para o IBGE e um GAMA da Bull
para a Empresa de Listas Telefônicas. As ações do GEACE não se limitaram à
importações de produtos incluindo também ações de caráter científico como lembra
Vera Dantas: “O Geace promoveu, ainda, a realização, pela primeira vez no Brasil,
de um Simpósio sobre Computadores Eletrônicos, em abril de 1960, no auditório do
Ministério da Educação, no Rio.” (DANTAS, 1988, p. 19).
Logo, em comparação com as tecnologias citadas anteriormente percebemos
que os computadores se tornaram rapidamente uma questão de estratégia nacional,
tendo o governo brasileiro sido o principal fomentador dessa absorção, antes
mesmo da iniciativa privada.
Esse fomento inicial foi desacelerado por uma série de barreiras que
podemos enumerar: em primeiro lugar a própria barreira tecnológica. O Brasil
embora importasse algumas máquinas não tinha um parque industrial de eletrônica
suficientemente desenvolvido para a produção dos componentes de computadores.
Essa dificuldade tornou-se latente, por exemplo, em 1961 quando estudantes do ITA
tiveram de adaptar bit a bit os transistores de Zezinho o primeiro computador de
pesquisa produzido no Brasil.
A segunda barreira foi política. As políticas relativas à informática variaram de
acordo com o governo em exercício. Se Kubistchek (1956-1960) deu o fomento,
como vimos, para a criação do GEACE seu sucessor, Jânio Quadros (1960-1964)
dissolveu o grupo a punho próprio considerando que este havia esgotado suas
funções. Além disto, o golpe militar em 1964 instituiu várias mudanças significativas
neste panorama: a imigração de importantes cientistas, a autonomia dada ao CNPq,
e o interesse de forças armadas, em especial a Marinha e a Aeronáutica em contar
tecnologia bélica avançada.
Da década de 1970 em diante conhecemos a rápida expansão dos
computadores e a difusão de seu uso, como na automação bancária ocorrido na
década de 1980, o crescimento dos PCs em detrimento dos Mainframes, minis e
micros, e o início da internet comercial em meados da década de 1990.
Conhecer a história da informática, neste sentido, não compreende apenas
saciar curiosidade enciclopédica, mas, fundamentalmente, permite elaborar um
balanço da produção tecnológica brasileira nas últimas décadas, bem como analisar
de forma crítica a inserção do Brasil no mundo digital.
Objetivos
O objetivo deste projeto de pós-doutorado é adentrar neste contexto visando
compreender como se deu a rápida expansão da informática no Brasil e medir o
impacto deste novo campo sobre a produção tecnológica brasileira. De auxiliares de
projetos a elementos tecnológicos estratégicos de governança, nos propomos a
mapear as diversas políticas estatais para a informática entre as décadas de 1960 a
meados de 1995 apropriando-nos neste percurso da bibliografia disponível acerca
do tema, bem como na análise das diversas leis de informática promulgadas desde
então.
Objetivos específicos
- Elaborar um levantamento bibliográfico acerca da história da informática do Brasil
visando criar um corpus relevante para auxiliar outros pesquisadores interessados
no tema.
- Divulgar o trabalho através da publicação de artigos e da apresentação da
pesquisa em congressos. Dado o prazo inicial de um ano o objetivo é publicar ao
menos um artigo em periódico e participar de pelo menos dois congressos com
publicação nos anais.
- Gerar bibliografia sobre o tema por meio da aplicação de entrevistas
semiestruturadas com agentes ligados ao processo da informatização brasileira.
Metodologia
A pesquisa aqui apresentada possui três fontes primordiais: a primeira é a
revisão bibliográfica de textos disponíveis sobre o tema; o segundo eixo é a análise
de leis, decretos e artigos de jornais referentes à informática produzidos no escopo
temporal selecionado; o terceiro eixo será de entrevistas com indivíduos ligados à
consolidação da informática no Brasil. A análise desse conjunto permitirá
compreender o cenário político de cada ponto desta trajetória, bem como a maneira
que a informática foi encarada no país ao longo deste percurso. Seja como
ferramenta para a projeção dos planos de infraestrutura do governo com o GEACE
de Kubistchek, seja como campo chave para a expansão tecnológica e econômica
do país, a informática surge como campo privilegiado .
Em relação à bibliografia e aos textos de caráter jurídico utilizaremos uma
abordagem historiográfica buscando estabelecer relações qualitativas entre as
fontes levantadas. Não será nosso objetivo interpretá-las, mas compreender sua
lógica de produção. Quanto aos acervos de jornais e legislação, nosso objetivo será
buscar a representação (Cf. CHARTIER, 2002), que a imprensa brasileira realizava
dos computadores no período delimitado. Por fim, em relação às entrevistas será
utilizado o modelo de preparação, transcrição e análise da história oral conforme
Sebe Bom Meihy (2011).
Tendo em vista o prazo inicial da bolsa PNPD de um ano o foco dessa
pesquisa se dará nessas fontes historiográficas. Caso haja possibilidade de
expansão do prazo inicial seria possível também trabalhar com arquivos de algumas
empresas como a COBRA (atualmente prestadora de serviços de segurança para o
Banco do Brasil) e a IBM, que pautaram de modo decisivo essa história da
informática no Brasil.
Cronograma de execução
Primeiro Semestre
No primeiro semestre será reservado tempo para docência, conforme seja definido
pela área. As leituras e fichamentos desse semestre serão baseadas na pesquisa e
catalogação de bibliografia sobre a história da informática no Brasil, bem como das
legislações específicas sobre o tema. Período também para a confecção de um
artigo a ser publicado no segundo semestre.
Segundo semestre
No segundo semestre será mantido o tempo reservado para docência e encontros
com grupos de estudos da área. Será também momento de apresentar resultados
parciais da pesquisa em outras instituições por meio de participação em congressos
e publicação de artigos. Revisão e redação final da pesquisa.
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