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1 CURSO DE DIREITO PENAL – PARTE GERAL - Rogério Greco - CAPÍTULO 1 – NOTAS PRELIMINARES 1. INTRODUÇÃO Por que Direito Penal, e não Direito Criminal? O Brasil, desde que se tornou independente, só se utilizou da expressão Direito Criminal uma única vez: em seu Código Criminal do Império, de 1830. Em todos os outros Códigos passou a adotar a expressão Direito Penal. Conceito de Código Penal – é o conjunto de normas, condensadas num único diploma legal, que visam tanto a definir os crimes, proibindo ou impondo condutas, sob a ameaça de sanção para os imputáveis e medida de segurança para os inimputáveis, como também a criar normas de aplicação geral, dirigidas não só aos tipos incriminadores nele previstos, como a toda legislação penal extravagante, desde que esta não disponha expressamente de modo contrário. 2. FINALIDADE DO DIREITO PENAL A finalidade do Direito Penal é a proteção dos bens jurídicos mais importantes e necessários para a própria sobrevivência da sociedade. Para efetivar essa proteção utiliza-se da cominação, aplicação e execução da pena. A pena não é a finalidade do direito penal. É apenas um instrumento de coerção de que se vale para a proteção desses bens, valores e interesses mais significativos da sociedade. Não se admite, portanto, a criação de qualquer tipo penal incriminador onde não se consiga apontar, com precisão, o bem jurídico que por intermédio dele pretende-se proteger. 3. A SELEÇÃO DOS BENS JURÍDICO-PENAIS Quem faz a seleção dos bens jurídicos a serem defendidos pelo Direito Penal é o legislador. Mas este não está completamente livre em sua escolha. Os bens jurídicos eleitos como mais importantes vêm todos tratados na Constituição. É ela quem servirá de norte ao legislador, que não poderá ignorar nenhum dos valores superiores abrangidos pela mesma. Na verdade, a Constituição exerce um duplo papel: - orienta o legislador, elegendo valores considerados indispensáveis à manutenção da sociedade; - impede que o mesmo legislador, com uma suposta finalidade protetiva de bens, proíba ou imponha determinados comportamentos, violando direitos fundamentais atribuídos a toda pessoa humana (VISÃO GARANTISTA DO DIREITO PENAL)

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CURSO DE DIREITO PENAL – PARTE GERAL

- Rogério Greco -

CAPÍTULO 1 – NOTAS PRELIMINARES 1. INTRODUÇÃO Por que Direito Penal, e não Direito Criminal? O Brasil, desde que se tornou independente, só se utilizou da expressão Direito Criminal uma única vez: em seu Código Criminal do Império, de 1830. Em todos os outros Códigos passou a adotar a expressão Direito Penal. Conceito de Código Penal – é o conjunto de normas, condensadas num único diploma legal, que visam tanto a definir os crimes, proibindo ou impondo condutas, sob a ameaça de sanção para os imputáveis e medida de segurança para os inimputáveis, como também a criar normas de aplicação geral, dirigidas não só aos tipos incriminadores nele previstos, como a toda legislação penal extravagante, desde que esta não disponha expressamente de modo contrário. 2. FINALIDADE DO DIREITO PENAL A finalidade do Direito Penal é a proteção dos bens jurídicos mais importantes e necessários para a própria sobrevivência da sociedade. Para efetivar essa proteção utiliza-se da cominação, aplicação e execução da pena. A pena não é a finalidade do direito penal. É apenas um instrumento de coerção de que se vale para a proteção desses bens, valores e interesses mais significativos da sociedade. Não se admite, portanto, a criação de qualquer tipo penal incriminador onde não se consiga apontar, com precisão, o bem jurídico que por intermédio dele pretende-se proteger. 3. A SELEÇÃO DOS BENS JURÍDICO-PENAIS Quem faz a seleção dos bens jurídicos a serem defendidos pelo Direito Penal é o legislador. Mas este não está completamente livre em sua escolha. Os bens jurídicos eleitos como mais importantes vêm todos tratados na Constituição. É ela quem servirá de norte ao legislador, que não poderá ignorar nenhum dos valores superiores abrangidos pela mesma. Na verdade, a Constituição exerce um duplo papel:

- orienta o legislador, elegendo valores considerados indispensáveis à manutenção da sociedade;

- impede que o mesmo legislador, com uma suposta finalidade protetiva de bens, proíba ou imponha determinados comportamentos, violando direitos fundamentais atribuídos a toda pessoa humana (VISÃO GARANTISTA DO DIREITO PENAL)

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4. CÓDIGOS PENAIS DO BRASIL Antes de 1822, ao Brasil colonial eram impostos os diplomas legais vigorantes na então metrópole, ou seja, vigoravam no país as Ordenações Afonsinas, seguidas pelas Manoelinas e pelas Filipinas. Após a República, os seguintes Códigos surgiram:

1) Código Criminal do Império do Brasil – 1830; 2) Código Penal dos Estados Unidos do Brasil – 1890; 3) Consolidação das Leis Penais – 1932; 4) Código Penal – 1940, cuja parte especial, com algumas alterações, voga até hoje; 5) Código Penal – 1969, que teve uma vacatio legis de aproximadamente nove anos, e foi

revogado sem nunca ter entrado em vigor; 6) Código Penal – 1984, que revogou tão somente a parte geral do Código de 1940.

Assim, o nosso atual Código possui uma parte geral (arts. 1o a 120), que reporta a 1984, e uma parte especial (arts. 121 a 361), que reporta a 1940 com alterações. 5. DIREITO PENAL OBJETIVO E DIREITO PENAL SUBJETIVO Direito Penal objetivo – é o conjunto de normas editadas pelo Estado, definindo crimes e contravenções, isto é, impondo ou proibindo determinadas condutas sob a ameaça de sanção ou medida de segurança, bem como todas as outras que cuidem de questões de natureza penal, estejam ou não codificadas. Direito Penal subjetivo – é a possibilidade que tem o Estado de criar e fazer cumprir suas normas, executando as decisões condenatórias proferidas pelo Judiciário. É O PRÓPRIO IUS PUNIENDI. Mesmo nos crimes de ação penal privada, o Estado não transfere o seu ius puniendi ao particular. O que este detém é o ius persequendi ou o ius accusationis, ou seja, o direito de vir a juízo e pleitear a condenação de seu agressor, e não o direito de executar, por si só a sentença condenatória. 6. MODELO PENAL GARANTISTA DE LUIGI FERRAJOLI De acordo com a doutrina de NORBERTO BOBBIO, nem todas as normas ocupam um mesmo patamar dentro do ordenamento jurídico. Há normas superiores e normas inferiores. E há também uma norma que é superior a todas as demais, e confere-lhes legitimidade e coesão dentro do ordenamento. A esta norma superior o autor denominou NORMA FUNDAMENTAL. FERRAJOLI parte desse raciocínio para desenvolver seu modelo penal garantista. A Constituição é a lei maior, a lei suprema que não pode ser mitigada pela legislação inferior. Ela nos garante uma série de direitos, tidos por fundamentais, que não podem ser maculados. Assim, o legislador não poderá proibir ou impor determinados comportamentos, sob a ameaça de uma sanção penal, se o fundamento de validade de todas as leis, que é a Constituição, não nos impedir de praticar o ato ou não nos compelir a fazer aquilo que o legislador nos está impondo. Para Ferrajoli, “o garantismo – entendido no sentido do ESTADO CONSTITUCIONAL DE DIREITO, isto é, aquele conjunto de vínculos e de regras racionais impostos a todos os poderes na tutela dos direitos de todos, representa o único remédio para os poderes selvagens”. O autor distingue as garantias em duas grandes classes: as garantias primárias e as garantias secundárias:

- garantias primárias – limites e vínculos normativos – ou seja, as proibições e obrigações, formais e substanciais, impostos na tutela dos direitos, ao exercício de qualquer poder;

- garantias secundárias – diversas formas de reparação – a anulabilidade dos atos inválidos e a responsabilidade pelos atos ilícitos – subseqüentes às violações das garantias primárias.

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Para o garantismo de Ferrajoli, o juiz não é um mero aplicador da lei, um mero executor da vontade do legislador ordinário. Ele é, antes de mais nada, o guardião de nossos direitos fundamentais.

6.1. Dez axiomas do garantismo penal

São dez máximas que dão suporte a todo raciocínio do garantismo penal:

1) nulla poena sine crimine – somente será possível a aplicação de pena quando houver, efetivamente, a prática de determinada infração penal;

2) nullum crimen sine lege – a infração penal deverá sempre estar expressamente prevista

na lei penal;

3) nulla lex (poenalis) sine necessitate - a lei penal somente poderá proibir ou impor determinados comportamentos, sob a ameaça de sanção, se houver absoluta necessidade de proteger determinados bens, tidos como fundamentais ao nosso convívio em sociedade, (direito penal mínimo);

4) nulla necessitas sine injuria – as condutas tipificadas na lei penal devem,

obrigatoriamente, ultrapassar a sua pessoa, isto é, não poderão se restringir à sua esfera pessoa, à sua intimidade, ou ao seu particular modo de ser, somente havendo possibilidade de proibição de comportamentos quando estes vierem a atingir bens de terceiros;

5) nulla injuria sine actione – as condutas tipificadas só podem ser exteriorizadas mediante

a ação do agente, ou omissão, quando previsto em lei;

6) nulla actio sine culpa – somente as ações culpáveis podem ser reprovadas;

7) nulla culpa sine judicio – é necessário adoção de um sistema nitidamente acusatório, com a presença de um juiz imparcial e competente para o julgamento da causa;

8) nullum judicium sine accusatione – o juiz que julga não pode ser responsável pela

acusação;

9) nulla accusatio sine probatione – fica a cargo do acusador todo o ônus probatório, que não poderá ser transferido para o acusado da prática de determinada infração penal;

10) nulla accusatio sine defensione – deve ser assegurada ao acusado a ampla defesa,

com todos os recursos a ela inerentes.

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CAPÍTULO 2 – FONTES DO DIREITO PENAL 1. CONCEITO Ao termo FONTE, na ciência jurídica, deve ser atribuído duplo sentido: num primeiro, a significação de “sujeito” do qual emanam as normas jurídicas (fontes de produção ou fontes materiais); num segundo, o modo ou o meio pelo qual a vontade jurídica se manifesta (fontes de conhecimento ou fontes formais). 2. ESPÉCIES De acordo com a classificação apresentada, podemos assim distinguir as espécies de fontes:

a) fontes de produção – o Estado é a única fonte de produção do Direito Penal. O artigo 22 da CF/88, em seu inciso I, dispõe que “compete privativamente à União legislar sobre direito penal”.

b) fontes de conhecimento – a única fonte de cognição ou de conhecimento do Direito Penal

é a LEI. Mas o autor ainda diferencia, dentro das fontes de cognição, as IMEDIATAS e as MEDIATAS, sendo que a lei propriamente dita seria fonte imediata por excelência e, dentre as mediatas, estariam os costumes e os princípios gerais de direito.

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CAPÍTULO 3 – DA NORMA PENAL 1. INTRODUÇÃO O princípio da reserva legal, no plano penal, diz que não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal. Daí podemos concluir que na vida social o particular está livre para fazer tudo o que quiser, desde que sua conduta não seja prevista na legislação como infração penal. Embora a conduta do agente possa ser até socialmente reprovável, se não houver tipo penal incriminador proibindo-a, não poderá sofrer qualquer sanção ao praticá-la. Pode haver até uma sanção da própria sociedade, uma sanção moral, mas não é isso que nos importa. O princípio da intervenção mínima, que limita as atividades do LEGISLADOR, proíbe que o Direito Penal interfira nas relações, protegendo bens que não sejam vitais e necessários à manutenção da sociedade. Para BOBBIO, normas penais são aquelas “cuja execução é garantida por uma sanção externa e institucionalizada”. 2. TEORIA DE BINDING Ao analisarmos os artigos da parte especial do Código Penal, percebemos que o legislador usa um meio interessante para proibir determinadas condutas. Ao invés de estabelecer proibições, descreveu condutas que, se praticadas, nos levará a uma condenação correspondente à pena prevista para aquela infração penal. Ex.: art. 121 – o legislador não dispôs “é proibido matar”, mas descreveu a conduta: “matar alguém”. Luiz Regis Prado diz que a lei penal modernamente não contém ordem direta, mas sim vedação indireta, abstraída da norma descritiva do comportamento humano pressuposto da conseqüência jurídica. Partindo dessa observação, BINDIG concluiu que, na verdade, quando o criminoso praticava a conduta descrita no núcleo do tipo (verbo), a rigor não infringia a lei. Seu comportamento se amoldava perfeitamente ao tipo penal incriminador. O que ele infringia era a NORMA PENAL implicitamente contida na lei. Para o autor, a lei teria caráter descritivo da conduta proibida ou imposta, tendo a norma, por sua vez, caráter proibitivo.

3. CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS PENAIS

3.1 Normas Penais Incriminadoras e Normas Penais Não Incriminadoras O Código Penal não traz apenas normas que descrevem condutas típicas, que ensejam punição estatal. Traz também normas que podem beneficiar o agente e até mesmo excluir o crime. Portanto, existem no código duas espécies de normas penais:

a) normas penais incriminadoras; b) normas penais não-incriminadoras.

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A) Normas Penais Incriminadoras Possuem a função de definir as infrações penais, proibindo ou impondo condutas, sob ameaça de pena. São as normas penais em sentido estrito, proibitivas ou mandamentais. Ao observarmos os tipos penais incriminadores, percebemos que existem duas espécies de preceitos:

- preceito primário – preceptum iuris – faz a descrição detalhada e perfeita de uma conduta que se procura proibir ou impor

- preceito secundário – sanctio iuris – individualiza a pena, cominando-a em abstrato B) Normas Penais Não-Incriminadoras Possuem as seguintes finalidades:

a. tornar lícitas determinadas condutas; b. afastar a culpabilidade do agente, erigindo causas de isenção de pena; c. esclarecer determinados conceitos; d. fornecer princípios gerais para a aplicação da lei penal.

Elas podem ser, portanto, PERMISSIVAS, EXPLICATIVAS e COMPLEMENTARES. EXPLICATIVAS – esclarecem ou explicam conceitos (arts. 327 e 150, §4o, do CP)

Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

Art. 150. Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa. § 4º. A expressão "casa'' compreende: I - qualquer compartimento habitado; II - aposento ocupado de habitação coletiva; III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.

COMPLEMENTARES – fornecem princípios gerais para a aplicação da lei penal. Ex.: art. 59, do CP.

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário o suficiente para reprovação e prevenção do crime:

As PERMISSIVAS, por sua vez, podem ser:

- permissivas justificantes – têm por finalidade afastar a ilicitude (antijuridicidade) da conduta do agente. Ex.: arts. 23 a 25, do CP.

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Excesso punível Parágrafo único. O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo. Estado de necessidade Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. § 1º. Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. § 2º. Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito quando ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

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Legítima defesa Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

- permissivas exculpantes – têm por finalidade eliminar a culpabilidade, isentando o agente de pena. Ex.: arts. 26, caput e 28, §1o, do CP.

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Art. 28. § 1º. É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

3.2. Normas Penais em Branco São aquelas em que há uma necessidade de complementação para que se possa compreender o âmbito de aplicação de seu preceito primário. Embora haja uma descrição da conduta proibida, essa descrição requer, obrigatoriamente, um complemento extraído de outro diploma, uma vez que, sem o complemento, torna-se impossível sua aplicação. As normas penais em branco se dividem em dois grupos:

� normas penais em branco homogêneas (ou em sentido amplo) – se o seu complemento é oriundo da mesma espécie legislativa que editou a norma que necessita do complemento. Lei complementando lei.

� normas penais em branco heterogêneas (ou em sentido estrito) – seu complemento é

oriundo de fonte diversa daquela que a editou. Regulamento complementando lei. 3.2.1. Ofensa ao Princípio da Legalidade pelas Normas Penais em Branco Heterogêneas Como o complemento da norma penal em branco heterogênea pode ser oriundo de outra fonte legislativa, que não a lei em sentido estrito, haveria ofensa ao princípio da legalidade? De acordo com o ROGÉRIO GRECO, SIM. Por ofensa à competência exclusiva da União para legislar sobre Direito Penal (art. 22, I, da CF/88). Faltaria legitimidade à autoridade administrativa para ampliar e mesmo restringir o alcance da norma penal carecedora de complementação.

3.3. Normas Penais Incompletas ou Imperfeitas São aquelas que para se saber a sanção imposta pela transgressão de seu preceito primário o legislador nos remete a outro texto de lei. Pela leitura do tipo penal incriminador, verifica-se o conteúdo da proibição ou do mandamento, mas para saber a conseqüência jurídica é preciso se deslocar para outro tipo penal. Enquanto a norma penal em branco é formalmente deficiente em seu preceito primário, a norma penal incompleta ou imperfeita é deficiente em seu preceito secundário. Ex.: O artigo 304 do CP, que é ao mesmo tempo norma penal em branco (em seu preceito primário) e norma penal incompleta (em seu preceito secundário):

Art. 304. Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os artigos 297 a 302: Pena - a cominada à falsificação ou à alteração.

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4. ANOMIA E ANTINOMIA ANOMIA – pode se compreendida de duas formas diferentes:

a) em razão da pura e simples ausência de normas; b) em razão do demérito das normas existentes diante da sociedade, que continua a praticar

as condutas por ela proibidas como se tais normas não existissem. Neste caso, paradoxalmente, a “inflação legislativa”, ou seja, o número excessivo de normas, pode nos conduzir à situação de anomia. Melhor dizendo, quanto mais normas, maior a sensação de ausência de leis, em face do sentimento de impunidade.

ANTINOMIA – é a “situação que se verifica entre duas normas incompatíveis, pertencentes ao mesmo ordenamento jurídico e tendo o mesmo âmbito de validade”. NORBERTO BOBBIO. BOBBIO sugere três critérios para solucionar a antinomia entre as normas:

a) critério cronológico – a lei posterior revoga a lei anterior; b) critério hierárquico – norma hierarquicamente superior prevalece sobre norma

hierarquicamente inferior. c) critério da especialidade – a lei especial afasta a aplicação da lei geral.

5. CONCURSO (OU CONFLITO) APARENTE DE NORMAS PENAIS Ocorre quando para um mesmo fato aparentemente existem duas ou mais normas que poderão sobre ele incidir. Diz-se aparentemente, pois o conflito só ocorre a princípio, antes de uma análise mais detida do problema, tendo em vista que o próprio ordenamento esclarece quais os métodos a serem usados para esclarecer a questão. No âmbito penal, o conflito ocorre quando uma mesma conduta delituosa pode enquadrar-se em diversas disposições da lei penal. São os seguinte princípios responsáveis pela solução do conflito:

A) Princípio da Especialidade; B) Princípio da Subsidiariedade; C) Princípio da Consunção; D) Princípio da Alternatividade.

A) Princípio da Especialidade Norma especial afasta a aplicação da norma geral. Lex specialis derrogat generali. Na norma especial há um plus, ou seja, um detalhe a mais que sutilmente a distingue da norma geral. Ex.: Homicídio e Infanticídio.

B) Princípio da Subsidiariedade A norma subsidiária é considerada um “soldado de reserva” (NELSON HUNGRIA), ou seja, na ausência ou impossibilidade de aplicação da norma principal mais grave, aplica-se a norma subsidiária menos grave. Lex primaria derrogat legi subsidiariae. A SUBSIDIARIEDADE PODE SER EXPRESSA OU TÁCITA. Expressa – a própria lei faz a sua ressalva, deixando transparecer seu caráter subsidiário. Ex.: art. 132, do CP, que será aplicado somente se a conduta não constituir crime mais grave.

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Tácita ou implícita – o artigo, embora não se referindo expressamente ao seu caráter subsidiário, somente terá aplicação nas hipóteses de não-ocorrência de um delito mais grave que, neste caso, afastará a aplicação da norma subsidiária. Ex.: art. 311 do Código de Trânsito Brasileiro, que descreve uma espécie de crime de perigo, que é transitar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, etc. Se atropelar alguém, causando-lhe a morte, o crime será outro. DIFERENÇA ENTRE ESPECIALIDADE E SUBSIDIARIEDADE Na subsidiariedade, ao contrário do que ocorre na especialidade, os fatos previstos em uma e outra norma não estão em relação de espécie e gênero, e se a pena do tipo principal (sempre mais grave que a do tipo subsidiário) é excluída por qualquer causa, a pena do tipo subsidiário pode apresentar-se como “soldado de reserva” e aplicar-se pelo residuum.

C) Princípio da Consunção Pode-se aplicar o princípio da consunção:

a) quando um crime é meio necessário ou fase normal de preparação ou de execução de outro crime (progressão criminosa e crime progressivo) – a consumação absorve a tentativa e esta absorve o incriminado ato preparatório; o crime de lesão absorve o correspondente crime de perigo; o homicídio, a lesão corporal; o furto em casa habitada, a violação de domicílio.

b) nos casos de antefato e pós-fato impuníveis

ANTEFATO IMPUNÍVEL (não punível) – situação antecedente praticada pelo agente a fim de conseguir levar a efeito o crime por ele pretendido inicialmente e que, sem aquele, não seria possível. Ex: para praticar estelionato com um cheque que o sujeito ativo encontrou na rua é necessário que cometa um delito de falso, ou seja: que o preencha e o assine. Súmula 17 – STJ – “quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade ofensiva, é por este absorvido”. PÓS-FATO IMPUNÍVEL (não punível) – é um exaurimento do crime principal praticado pelo agente e, portanto, por ele não pode ser punido. Ex.: a venda pelo ladrão de coisa furtada como própria não constitui estelionato. Se o agente falsifica moeda e depois a introduz em circulação pratica apenas o crime de moeda falsa.

D) Princípio da Alternatividade Observa-se a aplicabilidade do princípio nos casos de crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado, ou seja, crimes plurinucleares, nos quais o tipo penal prevê mais de uma conduta em seus vários núcleos. Ex.: artigo 12 da Lei de Tóxicos (lei 6.368/76):

Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Se o sujeito pratica três verbos diferentes, não responde por concurso material, mas sim uma única vez, sem que se possa falar em concurso de infrações penais. O princípio da alternatividade diz que o agente só pode ser punido por uma das modalidades inscritas no tipo penal, ainda que possa praticar duas ou mais condutas.

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CAPÍTULO 4 – INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEI PENAL 1. INTRODUÇÃO Buscar a interpretação de uma norma jurídica é buscar o exato sentido que essa norma quer nos transmitir. Não existe norma que careça de interpretação. Por mais clara que a norma seja, precisa ser interpretada dentro de determinado contexto. Aliás, a própria conclusão sobre a clareza de uma norma advém de um exercício intelectual denominado interpretação. 2. ESPÉCIES DE INTERPRETAÇÃO Quanto ao sujeito que a realiza:

1. autêntica – é a realizada pelo próprio texto legal. O legislador traz no próprio corpo da lei a interpretação que deseja ser atribuída a determinado instituto, de forma a afastar quaisquer dúvidas;

a. contextual – é realizada no mesmo momento em que é editado o diploma legal que se procura interpretar – ex.: artigo 327, do CP, que define o que é funcionário público;

b. posterior – realizada pela lei, após a edição de um diploma legal anterior. Ocorre quando a lei nova tenta dirimir a incerteza ou obscuridade da lei anterior.

AS EXPOSIÇÕES DE MOTIVOS DOS CÓDIGOS SÃO EXEMPLOS DE INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA? Não, pois embora nos auxilie a interpretar o texto legal, a exposição de motivos não é votada pelo Congresso Nacional nem sancionada pelo Presidente da República. Assim, não sendo efetivamente uma lei, as conclusões e explicações levadas a efeito não podem ser consideradas interpretações autênticas, mas sim DOUTRINÁRIAS.

2. doutrinária – realizada pelos estudiosos do direito, que emitem suas opiniões pessoais sobre o significado de determinado instituto;

3. judicial – realizada pelos aplicadores do direito. Restringe-se à interpretação feita intra

autos, ou seja, dentro do processo. Se os juízes proferem palestras, a interpretação será doutrinária.

Quanto aos meios interpretativos empregados:

1. literal (ou gramatical) – o intérprete se preocupa somente com o sentido real e efetivo das palavras.

2. teleológica – o intérprete busca alcançar a finalidade da lei, aquilo ao qual ela se destina

regular. O método teleológico fundamentado na análise da finalidade da regra, no seu objetivo social, faz seu espírito prevalecer sobre sua letra, ainda que sacrificando o sentido terminológico das palavras.

3. sistemática (ou sistêmica) – o intérprete analisa o dispositivo legal no sistema no qual

ele está contido, e não de forma isolada. Interpreta-se olhando para o todo, e não apenas para uma parte.

4. histórica – o intérprete volta ao passado, ao tempo em que foi editado o diploma que se

quer interpretar, buscando os fundamentos de sua criação, o momento pelo qual atravessava a sociedade, com vistas a entender o motivo pelo qual houve a necessidade de modificação do ordenamento jurídico.

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Quando aos resultados:

1. declaratória – o intérprete não amplia nem restringe o alcance da lei, apenas declara sua vontade.

2. extensiva – para que se possa conhecer a amplitude da lei o intérprete necessita alargar

o seu alcance, haja vista ter aquela lei dito menos do que efetivamente pretendia (lex minus dixit quam voluit). Ex.: quando o Código proíbe a bigamia, obviamente proibiu também a poligamia.

3. restritiva – o intérprete diminui, restringe o alcance da lei, uma vez que esta, à primeira

vista, disse mais do que efetivamente pretendia dizer (lex plus dixit quam voluit), buscando apreender seu verdadeiro sentido.

3. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA O que justifica a interpretação analógica é a impossibilidade de o legislador prever todas as situações possíveis, similares àquelas situações já enumeradas, de maneira a demonstrar sua relevância para o direito posto. Na interpretação analógica surge primeiro uma fórmula casuística, que servirá de norte ao intérprete, e depois segue-se uma fórmula genérica. A primeira fórmula atende ao princípio da legalidade, detalhando todas as situações que quer o código regular e a segunda, por sua vez, permite que tudo aquilo que a elas sejam semelhantes possa também ser abrangido pelo mesmo artigo. Exemplo: artigo 121, §2o, inciso III, do CP:

§ 2º. Se o homicídio é cometido: III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

Fórmula casuística – “com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura...”; Fórmula genérica – “... ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum”. interpretação extensiva EM SENTIDO ESTRITO INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA interpretação analógica COMO PODEMOS DIFERENCIAR A INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA EM SENTIDO ESTRITO DA INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA? R. – POR EXCLUSÃO. QUALQUER PROCESSO DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA EM QUE NÃO ESTÃO PRESENTES UMA FÓRMULA CASUÍSTICA SEGUIDA DE UMA FÓRMULA GENÉRICA É INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA EM SENTIDO ESTRITO, CASO PRESENTES, É INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA. 4. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO CONCEITO – método de interpretação mediante o qual o intérprete, de acordo com uma concepção penal garantista, procura aferir a validade das normas mediante o seu confronto com a Constituição.

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A missão primeira do juiz, como guardião da legalidade constitucional, antes de julgar os fatos, é julgar a própria lei a ser aplicada, é julgar, enfim, a sua compatibilidade formal e substancial com a Constituição, para, se entender lesiva à Constituição, interpreta-la conforme a Constituição ou, não sendo isso (a interpretação conforme) possível, deixar de aplica-la, simplesmente, declarando-lhe a inconstitucionalidade. 5. DÚVIDAS EM MATÉRIA DE INTERPRETAÇÃO Quando, ainda que aplicados todos os métodos interpretativos possíveis, ainda subsistirem dúvidas sobre a interpretação da norma penal, deve-se resolver o conflito contra ou a favor do réu? R. – Existem três correntes diferentes. A primeira diz que, em caso de dúvida de interpretação, esta deve pesar em prejuízo do agente (in dubio pro societate); uma segunda corrente diz que o problema deveria ser resolvido pelo julgador, seja de forma benéfica ou prejudicial ao réu; por fim, uma terceira corrente, em sintonia com a maioria da doutrina, preconiza que a dúvida em matéria de interpretação deve ser resolvida em benefício do agente (in dubio pro reo) 6. ANALOGIA CONCEITO – é forma de auto-integração da norma, consistente em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição legal relativa a um caso semelhante. É o raciocínio que permite transferir a solução prevista para determinado caso a outro não regulado expressamente pelo ordenamento jurídico, mas que comparte com o primeiro certos caracteres essenciais ou a mesma ou suficiente razão. O campo de abrangência do Direito Penal, dado o seu caráter fragmentário, é muito restrito, limitado. No que tange às normas incriminadoras, as lacunas porventura existentes devem ser consideradas como expressões da vontade negativa da lei. No Direito Penal é terminantemente proibido, em virtude do princípio da legalidade, o recurso à analogia quando esta for utilizada de modo a prejudicar o agente, seja ampliando o rol de circunstâncias agravantes, seja ampliando o conteúdo dos tipos penais incriminadores, a fim de abranger hipóteses não previstas expressamente pelo legislador. Portanto, daí se inferem duas hipóteses de analogia:

a) analogia in bonam partem – é a analogia benéfica ao agente. Ex.: imagine situação em que a mulher engravide em razão de atentado violento ao pudor. Embora o código só permita o aborto nos casos em que a gravidez decorra de estupro, por analogia também será permitido aborto no caso do atentado violento ao pudor.

b) analogia in malam partem – é a aplicação de uma norma que define o ilícito penal, sanção, ou consagre qualificadora, causa especial de aumento de pena ou agravante (occidentalia delicti) a uma hipótese não contemplada, mas que se assemelha ao caso típico. POR IR DE ENCONTRO AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL, É INADMISSÍVEL NO BRASIL.

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CAPÍTULO 5 – PRINC. DA INTERVENÇÃO MÍNIMA ENUNCIADO – O Direito Penal só deve preocupar-se com os bens mais importantes e necessários à vida em sociedade. O Direito Penal só atua para proteger os bens jurídicos não suficientemente protegidos pelos outros ramos do Direito, desde tais bens jurídicos sejam salutares à vida em sociedade. É um princípio limitador do poder de punir do Estado. O poder punitivo do Estado deve estar regido e limitado pelo princípio da intervenção mínima. O Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes. As perturbações mais leves do ordenamento jurídico são objeto de outros ramos do Direito. O princípio da intervenção mínima, ou ultima ratio, assim como possui o condão de identificar os bens jurídicos mais relevantes, merecedores de proteção pelo Direito Penal, também é o responsável pelo movimento oposto, ou seja, identificar quais os bens jurídicos carecedores de importância à luz do Direito Penal. A esse fenômeno dá-se o nome de DESCRIMINALIZAÇÃO. Exemplos: DESCRIMINALIZAÇÃO – crime de adultério, emissão de cheque sem fundos (??). CRIMINALIZAÇÃO – crime de assédio sexual.

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CAPÍTULO 6 – PRINCÍPIO DA LESIVIDADE Intimamente relacionado com o princípio da intervenção mínima (ultima ratio), o princípio da lesividade esclarece, limitando ainda mais o poder punitivo do Estado, quais são as condutas passíveis de serem incriminadas pela lei penal. Aliás, o princípio o faz de forma negativa, ou seja, indicando quais condutas NÃO PODEM ser incriminadas. A Doutrina enumera quatro principais funções do princípio da lesividade:

a) proibir a incriminação de uma atitude interna (se é que existem “atitudes” internas); b) proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor (daí não

se punir a tentativa de suicídio); c) proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais (impede que seja

erigido um direito penal do autor); d) proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico (não

incriminação do que não toma banho, do homossexual). O princípio coloca em discussão na Doutrina a validade do artigo 16 da Lei 6.368/76 (Lei Antitóxicos), que incrimina o uso de drogas. Por outro lado, o princípio informa o instituto do crime impossível, em que não existe a possibilidade de lesão ao bem jurídico penalmente protegido seja pela absoluta ineficácia do meio utilizado ou pela absoluta impropriedade do objeto.

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CAPÍTULO 7 – PRINC. DA ADEQUAÇÃO SOCIAL A teoria da adequação social, concebida por HANS WELZEL, significa que, apesar de uma conduta se subsumir ao modelo legal, não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, isto é, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada. O princípio da adequação social possui uma dupla função:

a) restringe o âmbito de aplicação do direito penal, limitando a sua interpretação, e dele excluindo as condutas consideradas socialmente adequadas e aceitas pela sociedade;

b) orienta o legislador na eleição das condutas que se deseja proibir ou impor, com a finalidade de proteger os bens considerados mais importantes, seja incluindo novas condutas, seja excluindo condutas NÃO MAIS INADEQUADAS À CONVIVÊNCIA EM SOCIEDADE.

Observe-se que o princípio da adequação social NÃO SE PRESTA A REVOGAR TIPOS PENAIS INCRIMINADORES. Mesmo que sejam constantes as práticas de algumas infrações penais, cujas condutas incriminadas a sociedade já não mais considera perniciosas, não cabe, aqui, a alegação, pelo agente, de que o fato que pratica se encontra, agora, socialmente adequado. Isto ocorre, por exemplo, com o “jogo do bicho”, que porquanto não seja socialmente inadequado, permanece contravenção penal.

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CAPÍTULO 8 – PRINC. DA FRAGMENTARIEDADE O caráter fragmentário do Direito Penal quer dizer que, uma vez escolhidos aqueles bens fundamentais ao Estado, comprovada a lesividade e a inadequação social das condutas que os ofendem, esses bens passarão a constituir um fragmento, uma pequena parcela de todos os bens protegidos pelo ordenamento jurídico. De toda a gama de ações proibidas e bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico, o Direito penal só se ocupa de uma parte, de fragmentos, embora da maior importância. Deflui o princípio dos princípios da intervenção mínima (ultima ratio), da lesividade e da adequação social.

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CAPÍTULO 9 – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA 1. INTRODUÇÃO Para os que adotam um conceito analítico do crime, o mesmo é composto pelo fato típico, pela ilicitude e pela culpabilidade. E para que haja tipicidade é preciso que haja quatro requisitos:

� conduta � resultado � nexo de causalidade � tipicidade

Assim, se alguém age (conduta) de forma a causar a alguém (nexo de causalidade) algum dano (resultado), só nos resta saber se existe tipicidade para que o ato possa ser considerado típico. 2. TIPICIDADE PENAL A tipicidade penal é bipartida em:

- formal – é a adequação perfeita da conduta do agente ao modelo abstrato (tipo) previsto na lei penal;

- conglobante – deve-se analisar se a) a conduta do agente é antinormativa e b) se o fato é materialmente típico.

O ESTUDO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA RESIDE NESSE ÚLTIMO PONTO DA TIPICIDADE PENAL, QUAL SEJA, NO FATO DE O FATO SER OU NÃO MATERIALMENTE TÍPICO. Para se descobrir se determinado fato é ou não materialmente típico, devemos responder à seguinte indagação: será que o legislador, a tipificar aquela conduta determinada, teve a intenção de englobar aquela lesão específica (considerando-se a gravidade da lesão)? Caso a resposta seja negativa, faltaria ao ato a chamada tipicidade material o que, via de conseqüência, excluiria a tipicidade conglobante e, ato contínuo, a tipicidade penal. Não havendo fato típico, não há crime. 3. REJEIÇÃO AO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA O princípio da insignificância, introduzido por CLAUS ROXIN, tem por finalidade auxiliar o intérprete quando da análise do tipo penal, para fazer excluir do âmbito de incidência da lei aquelas situações consideradas como de bagatela.

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CAPÍTULO 10 – PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA 1. FASES DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA O primeiro momento da individualização da pena ocorre com a seleção feita pelo legislador, quando escolhe as modalidades de penas a serem aplicadas. Ver inciso XLVI, do art. 5o, da CF.

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos;

A segunda fase é a atribuição de uma pena a determinados crimes de acordo com sua lesividade ao bem jurídico protegido, levando em consideração, também, a intenção do agente (se agiu com dolo ou culpa). A essa fase dá-se o nome de cominação. É levada a efeito pelo poder legislativo, em uma atividade anterior ao fato criminoso. A terceira fase é a denominada aplicação da pena, na qual o julgador deve atentar às determinações contidas no artigo 59 do Código Penal (circunstâncias judiciais):

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário o suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

Fixação da pena-base, de acordo com o critério trifásico determinado pelo artigo 68 do Código Penal:

- circunstâncias judiciais; - circunstâncias atenuantes e agravantes; - causas de diminuição e de aumento de pena.

Art. 68. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do artigo 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. Parágrafo único. No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

Por fim, ocorre também a individualização na fase de execução penal, de acordo com o artigo 5o, da Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal).

Art. 5o – Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal.

2. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA E A LEI N.o 8.072/90 Com o advento da lei n.o 8.072/90, começou uma discussão acerca da constitucionalidade do §1o do artigo 2o da referida lei, tendo em vista que impunha o total cumprimento da pena em regime fechado, seja qual a modalidade de crime praticado, dês que hediondo, em possível afronta ao princípio da individualização da pena.

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STF e STJ têm opiniões divergentes. Enquanto o STJ diz ser impossível à legislação ordinária impor regime único, inflexível, visto que o princípio da individualização da pena obrigava o juiz a atender a 3 fases na sua aplicação, o STF diz não haver inconstitucionalidade, visto ter o constituinte atribuído ao legislador originário a competência para fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador poderá efetivar a concreção ou a individualização da pena.

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CAPÍTULO 11 – PRINC. DA PROPORCIONALIDADE O Princípio da Proporcionalidade veio a lume em 1764, na obra Dos delitos e das penas, na qual Cesare Bonessana (Marquês de Beccaria) ou Cesare Beccaria afirmava que “para não seu um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicável nas circunstâncias referidas, proporcionada ao delito e determinada pela lei”. O princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade da pena). Toda vez que existir, nessa relação, um desequilíbrio acentuado, estabelece-se, em conseqüência, inaceitável desproporção. O princípio da proporcionalidade rechaça, portanto o ESTABELECIMENTO DE COMINAÇÕES LEGAIS (proporcionalidade em abstrato) e a IMPOSIÇÃO DE PENAS (proporcionalidade em concreto) que careçam de relação valorativa com o fato cometido considerado em seu significado global. Possui, portanto, um duplo destinatário: o legislador e o juiz.

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CAPÍTULO 12 – PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL De acordo com o princípio da responsabilidade pessoal, também denominado princípio da pessoalidade ou princípio da intranscendência da pena, somente a pessoa do condenado é que terá que se submeter à sanção que lhe foi aplicada pelo Estado. Determina o inciso XLV do artigo 5o, da CF/88: XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; Havendo o falecimento do condenado, a pena que lhe fora infligida, MESMO QUE SEJA DE NATUREZA PECUNIÁRIA, não poderá ser estendida a ninguém, tendo em vista seu caráter personalíssimo.

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CAPÍTULO 13 – PRINCÍPIO DA LIMITAÇÃO DAS PENAS 1. INTRODUÇÃO A Constituição Federal preceitua no inciso XLVII de seu artigo 5o que:

XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis;

A proibição constitucional dessas espécies de pena atende ao princípio da DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (art. 1o, III). 2. PENAS DE MORTE E DE CARÁTER PERPÉTUO A população, revoltada com o aumento da criminalidade, entende que tais penas poderiam ser adotadas para que se tentasse inibir a prática de infrações penais graves. Estudos indicam, contudo, que a aplicação da pena de morte ou de caráter perpétuo não parece ter efeito algum sobre as taxas de homicídios. A vida é um dos direitos fundamentais defendidos pelo Estado e se encontra protegido contra proposta de Emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Existem alguns autores que não admitem que a pena de morte seja restabelecida sequer por meio de uma nova ordem constitucional. De acordo com estes autores, embora o poder constituinte originário não encontre limites no poder constituinte anterior, em matéria de direitos humanos, não se admitem regressões. No Brasil, a própria Constituição, que veda a pena de morte, permite que em alguns casos haja pena de morte. Ver, por exemplo, o artigo 56, do Código Penal Militar:

Art. 55. As penas principais são: a) morte; Art. 56. A pena de morte é executada por fuzilamento.

É de se observar que a prisão perpétua não é admitida em qualquer hipótese dentro de nosso ordenamento, nem mesmo no caso de guerra declarada, em que se admite a pena de morte. 3. PENA DE TRABALHOS FORÇADOS Haveria contradição entre a proibição constitucional da pena de trabalhos forçados e as disposições constantes na Lei de Execuções Penais no sentido de que é dever do condenado a execução do trabalho, das tarefas e ordens recebidas (artigo 39, inciso V), ou que só ingressará no regime aberto o condenado que estiver trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo (artigo 114, inciso I)? O que a Constituição quis proibir, na verdade, foi o trabalho que humilha o condenado pelas condições como é executado. Não pode ser espancado para trabalhar nem ter sua refeição suspensa, por exemplo. O fato de não poder ser obrigado a trabalhar não impede que vários benefícios durante a execução penal não sejam deferidos àqueles condenados que não se empregam ao trabalho, tais como a progressão de regime (semi-aberto para o aberto) e a remição da pena (3 dias de trabalho para 1 dia remido).

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4. PENA DE BANIMENTO O banimento era medida de política criminal que consistia na expulsão do território nacional de quem atentasse contra a ordem política interna ou a forma de governo estabelecida. Durante o regime dos Atos Institucionais, o de número 13, de 1969, estabelecia o banimento de brasileiro que, comprovadamente, se tornar inconveniente, nocivo ou perigoso à Segurança Nacional. Na verdade, a pena de banimento não é vedada apenas para se evitar que se expulse brasileiro do território nacional. Ocorre que qualquer limitação na liberdade de locomoção do indivíduo circunscrita a algumas cidades, estados ou regiões do próprio território nacional configura pena de banimento. Ex.: na liberdade condicional, o juiz proíbe que o sujeito seja encontrado nas cidades X ou Y, ou determina que o sujeito deixe o Estado Z para nunca mais voltar. 5. PENAS CRUÉIS Com o intuito de preservar a integridade física e moral do preso, proibiu a Constituição a aplicação de penas cruéis. O antônimo de pena cruel obviamente não é pena doce, agradável, mas sim pena RACIONAL. Proíbe-se o decepamento da mão do ladrão, a castração do condenado pelo crime de estupro etc.

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CAPÍTULO 14 – PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE Culpabilidade é o juízo de censura, é o juízo de reprovabilidade que se faz sobre a conduta típica e ilícita do agente. É a exigência de um juízo de reprovação jurídica que se apóia sobre a crença – fundada na experiência da vida cotidiana – de que ao homem é dada a possibilidade de, em certas circunstâncias, “agir de outro modo”. O princípio da culpabilidade possui três sentidos fundamentais: • culpabilidade como elemento integrante do conceito analítico do crime – exerce papel fundamental na caracterização da infração penal. A culpabilidade é o terceiro elemento integrante do conceito analítico de crime, sendo estudada após a análise do fato típico e a ilicitude, ou seja, após concluir-se que o agente praticou um injusto penal. Após essa constatação, inicia-se um novo estudo, que agora terá seu foco dirigido à possibilidade ou não de censura sobre o fato praticado. • culpabilidade como princípio medidor da pena – uma vez existente a infração penal (fato típico, antijurídico e culpável) o agente será, em tese, condenado. O juiz, para encontrar a medida justa da pena para a infração penal praticada, terá sua atenção voltada para a culpabilidade do agente como critério regulador. A primeira das CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS a serem analisadas pelo juiz para a fixação da pena-base (primeira fase dentro do critério trifásico de fixação da pena) é justamente a CULPABILIDADE (art. 59, do CP). • culpabilidade como princípio impedidor da responsabilidade penal objetiva, ou seja, o da responsabilidade penal sem culpa – o princípio da culpabilidade impõe subjetividade na responsabilidade penal. Não se admite no Direito penal a atribuição de responsabilidade derivada simplesmente de uma associação causal entre a conduta e um resultado de lesão ou perigo para um bem jurídico. Se não houver dolo ou culpa, não haverá conduta. Sem conduta não há fato típico. Sem fato típico não haverá crime.

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CAPÍTULO 15 – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE 1. O ESTADO DE DIREITO E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE Os conceitos estão intimamente ligados, visto que o Estado de Direito, criado justamente para retirar o poder das mãos do soberano, demanda que todos se subordinem à lei posta. O Estado de Direito é um Estado submetido a um regime de direito. O princípio da legalidade surgiu no anseio de estabelecer na sociedade regras permanentes e válidas, que pudessem proteger os indivíduos de uma conduta arbitrária e imprevisível por parte dos governantes. 2. INTRODUÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE PENAL O princípio é trazido na Constituição Federal (CF), em seu artigo 5o, inciso XXXIX – “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. (quase igual ao art. 1o do Código Penal – CP) De acordo com o Rogério Greco, o princípio da legalidade é, sem dúvida, o mais importante princípio do Direito Penal. Tudo o que não é expressamente proibido é lícito diante do Direito Penal. Von Liszt dizia, por isso, ser o Código Penal a Carta Magna do delinqüente. Surgiu o princípio da legalidade penal na Inglaterra, no ano de 1215, por meio da Carta Magna inglesa, editada pelo Rei João Sem Terra. O princípio sempre constou em todos os nossos Códigos Penais, desde o império até a reforma de 1984. Atribui-se o surgimento da expressão latina do princípio a ANSELM VON FEUERBACH, em seu Tratado de Direito Penal de 1801.

NULLUM CRIMEN, NULLA POENA SINE PRAEVIA LEGE 3. FUNÇÕES DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE 1o – proibir a retroatividade da lei penal – o inciso LX da CF determina que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o agente”. A regra, portanto, é a irretroatividade. A retroatividade é exceção só admitida para beneficiar o agente. Daí ninguém poder ser punido por cometer um fato que, à época, era tido como um indiferente penal; 2o – proibir a criação de crimes e penas pelos costumes – se só a lei pode criar crimes e penas, resulta óbvio a proibição de se invocar normas consuetudinárias para fundamentar ou agravar a pena. A fonte imediata do Direito Penal é a lei; 3o – proibir o emprego de analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar penas – a proibição é o recurso à analogia in malam partem para, de qualquer forma, prejudicar o agente; 4o – proibir incriminações vagas e indeterminadas (taxatividade) – o preceito primário do tipo penal incriminador deve ter uma descrição precisa da conduta proibida ou imposta, sendo vedada a criação de tipos que contenham conceitos vagos ou imprecisos. Isso quer dizer, também, que o judiciário está sempre obrigado a interpretar a norma legal de maneira restritiva.

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4. LEGALIDADE FORMAL E LEGALIDADE MATERIAL Legalidade Formal – é a obediência aos trâmites procedimentais previstos pela Constituição para que determinado diploma legal possa vir a fazer parte de nosso ordenamento jurídico. Legalidade Material – de acordo com LUIGI FERRAJOLI, a adoção de um modelo penal garantista implica não somente a legalidade formal, mas também a legalidade material, definida como o respeito em seu conteúdo das proibições e imposições trazidas pela Constituição para a garantia de nossos direitos fundamentais por ela previstos. 5. VIGÊNCIA E VALIDADE DA LEI A vigência da lei estaria para a legalidade formal e a validade estaria para a legalidade material. O papel da jurisdição expresso pela teoria do garantismo deve ser compreendido como defesa intransigente dos direitos fundamentais, fundamento hermenêutico para a avaliação da validade substancial das leis. O vínculo do julgador à legalidade não deve ser outro que ao da LEGALIDADE CONSTITUCIONALMENTE válida, sendo que a denúncia crítica da invalidade constitucional das leis permite sua exclusão do sistema, não gerando nada além do que a otimização do próprio princípio da legalidade e não, como querem alguns doutrinadores, sua negação. 6. TERMO INICIAL DE APLICAÇÃO DA LEI PENAL Não é a simples publicação de uma lei penal que a faz obrigatória a todos. Para que se incrimine alguém, é necessário que a prática do fato penalmente descrito tenha sido após a VIGÊNCIA da lei. Assim, a lei penal que contenha tipos penais incriminadores que agravem a situação do agente só pode ser aplicada após sua entrada em vigor. Diferente ocorre com a lex mitior. Nesse caso, existe a possibilidade de se aplicar a lei mesmo antes de sua entrada em vigor. De acordo com o artigo 2o do Código Penal determina que lei posterior que de qualquer forma favorecer o agente deverá retroagir, ainda que o fato já tenha sido decidido por sentença condenatória transitada em julgado. Se a lei que favorece o agente deve ser aplicada obrigatoriamente de forma retroativa, pra que aguardar sua vacatio legis? Maior vantagem é aplicá-la desde sua publicação. 7. MEDIDAS PROVISÓRIAS REGULANDO MATÉRIAS PENAIS Somente lei em sentido estrito, lei formalmente considerada (lei ordinária) pode criar tipos penais – em atenção aos princípios da legalidade e da separação dos poderes. Vários eram os argumentos contrários à possibilidade de medidas provisórias regularem matérias penais: 1O ARGUMENTO Pelo princípio da separação dos poderes, a função de legislar, notadamente sobre matéria penal, é do poder Legislativo, e não do Executivo. Qualquer Medida Provisória que viesse de encontro a esse princípio deveria se declarada inconstitucional. 2o ARGUMENTO O processo legislativo regular deve atender aos seguintes passos: iniciativa, discussão, votação, sanção/veto, promulgação, publicação, vigência. Sendo assim, um dos principais momentos da elaboração de uma lei é a discussão realizada pelos representantes do povo (Câmara dos Deputados) e dos Estados (Senado Federal). As Medidas Provisórias, por sua vez, começam a regular as situações por ela abrangidas a partir de sua publicação. A decisão de inovar no ordenamento jurídico não vem dos eleitos pelo povo para tanto, mas sim do Presidente da República, eleito para administrar o país.

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3o ARGUMENTO Pode ocorrer de a Medida Provisória ser rejeitada pelo Congresso Nacional. Neste caso, a simples reparação do dano sofrido pelas pessoas, presas em decorrência da inovação trazida pela MP, por meio de indenização é uma solução demasiadamente simplista. Não satisfaz a exigência constitucional da Dignidade da Pessoa Humana e, ao mesmo tempo, infringe o status libertatis dos cidadãos. Além disso, o Direito penal não tolera “tipos condicionados”. 4o ARGUMENTO Para a edição de Medida Provisória são exigidos os requisitos da RELEVÂNCIA e da URGÊNCIA. Quanto à primeira, não há discussão de que a matéria penal é de extrema relevância dentro do ordenamento jurídico. Quanto à urgência, contudo, não se vislumbra situação em que o Presidente, por sua vontade única e isolada, conclua pela urgência de inovação do sistema jurídico-penal, desprezando a necessidade de discussão e reflexão de muitos. 5o ARGUMENTO Medida Provisória, enquanto não aprovada pelo Congresso Nacional, não é lei, mas apenas possui força de lei. Poder-se ia cogitar da hipótese de ficar com seus efeitos suspensos até que se convertesse em lei? Obviamente não. Se assim fosse, poderia ser equiparada a um mero projeto de lei do Legislativo. Além do mais, onde estaria a urgência exigida para a edição de MPs? HOJE, APÓS A PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL N.O 32, O ARTIGO 62, §1O, INCISO I, ALÍNEA B DA CONSTITUIÇÃO PROÍBE EXPRESSAMENTE A EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS SOBRE DIREITO PENAL, PROCESSUAL PENAL E PROCESSUAL CIVIL. 8. DIFERENÇA ENTRE PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL Falando-se em princípio da legalidade estaríamos permitindo a adoção de quaisquer dos diplomas elencados no artigo 59 da Constituição (lei ordinária, lei complementar, lei delegada, medida provisória, decreto legislativo, resoluções), OU SEJA, LEIS MATERIALMENTE CONSIDERADAS. Por outro lado, quando fazemos menção à reserva legal, limitamos a aceitação às espécies tidas como LEIS FORMALMENTE CONSIDERADAS, ou seja, que respeitam o procedimento legislativo próprio das leis ordinárias (incluídas as leis complementares).

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CAPÍTULO 16 - PRINCÍPIO DA EXTRA-ATIVIDADE DA LEI PENAL 1. INTRODUÇÃO Extra-atividade é a possibilidade de a lei penal, depois de revogada, continuar a regular fatos ocorridos durante a vigência (ultra-atividade) ou retroagir para alcançar fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor (retroatividade). Extra-atividade

- ultra - retro

A regra geral, trazida pela CF, é a proibição da retroatividade in pejus (para prejudicar o agente), permitindo somente a retroatividade in melius (para beneficia-lo). De acordo com o inciso XL do artigo 5o, a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. 2. TEMPO DO CRIME Tempo do crime é o momento em que se considera o crime praticado. Essa noção é necessária para resolver problemas de confronto de leis que se sucedem no tempo. Várias teorias procuram identifica-lo: a) teoria da atividade – tempo do crime é o da ação ou da omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. b) teoria do resultado – o tempo do crime é o da ocorrência do resultado, não importando o tempo da conduta comissiva ou omissiva c) teoria mista ou da ubiqüidade – considera os dois fatores. O tempo do crime será o da ação ou imissão, bem como o do momento do resultado. O artigo 4o do Código Penal dispõe o seguinte:

Art. 4º. Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado.

Disso podemos concluir que o nosso Código Penal adotou a teoria da ATIVIDADE para explicar o tempo do crime. 3. EXTRA-ATIVIDADE DA LEI PENAL - ESPÉCIES A extra-atividade pode se desdobrar no tempo para frente ou para trás, dando origem, respectivamente à ultra-atividade ou à retroatividade. Ultra-atividade – ocorre quando a lei, mesmo depois de revogada, continua a regular os fatos ocorridos durante a sua vigência; Retroatividade – possibilidade conferida à lei penal de retroagir no tempo, a fim de regular os fatos ocorridos anteriormente à sua entrada em vigor. A ultra-atividade e a retroatividade da lei penal serão realizadas, sempre, em benefício do agente, e nunca em seu prejuízo, e pressupõem, necessariamente, a sucessão de leis no tempo. 4. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS E NOVATIO LEGIS IN PEJUS O parágrafo único do artigo 2o do Código Penal determina que:

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Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

A lei nova, editada posteriormente à conduta do agente, pode conter dispositivos que beneficiem ou que prejudiquem o mesmo. Se beneficiá-lo, será considerada uma novatio legis in mellius. Se prejudica-lo será considerada uma novatio legis in pejus. A novatio legis in mellius terá sempre efeito retroativo, sendo aplicada aos fatos ocorridos anteriormente à sua vigência, ainda que já tenha havido sentença com trânsito em julgado. 4.1. Aplicação da novatio legis in pejus nos crimes permanentes e continuados CRIME PERMANENTE – é o crime cuja execução se prolonga, se perpetua no tempo. Existe uma ficção jurídica de que o agente, a cada instante, enquanto durar a permanência, está praticando atos de execução. Na verdade, a execução e a consumação do delito acabam se confundindo. CRIME CONTINUADO – ocorre quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os crimes subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro (art. 71, do CP).

Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

Como será feita a aplicação de uma lei posterior ao início da execução do crime – seja ele continuado ou permanente – quando essa lei posterior agrava a situação do agente? De acordo com a Súmula 711, do STF, a lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência. Portanto, tanto no crime permanente quanto no crime continuado será aplicada a lei mais grave, desde que não cessadas a permanência ou continuidade quando da entrada em vigência dessa lei. 5. ABOLITIO CRIMINIS É o fenômeno pelo qual o legislador, atento às mutações sociais, resolve não mais incriminar determinada conduta, retirando do ordenamento jurídico-penal a infração que a previa. No CP:

Art. 2º. Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

O efeito da descriminalização de uma conduta é a extinção de sua punibilidade. A extinção da punibilidade pode ocorrer na fase de inquérito ou já no processo. Se durante o inquérito, a autoridade policial deve remetê-lo ao Ministério Público, que solicitará seu arquivamento. Se a denúncia já tiver sido recebida, o juiz, com base no artigo 61, do CPP, deverá declarar a extinção da punibilidade de ofício.

Art. 61. Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de ofício.

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5.1. Efeitos da abolitio criminis A abolitio criminis faz cessar todos os efeitos PENAIS da sentença condenatória, SUBSISTINDO OS EFEITOS CIVIS. Quando existe uma sentença penal condenatória, ela serve de título executivo judicial para que a vítima ou seu representante ajuíze ação de execução contra o réu para a reparação dos prejuízos por ela (a vítima) experimentados em decorrência do crime. Esse título será mantido válido e eficaz mesmo se ocorrer a descriminalização da conduta. 6. SUCESSÃO DE LEIS NO TEMPO Entre a data do fato praticado e o término do cumprimento da pena pelo réu podem surgir várias leis penais que, de alguma maneira, tenham aplicação ao fato praticado pelo agente. Se a lei nova for benéfica, será retroativa. Se a lei anterior for mais benéfica, será ultra-ativa. 6.1. Lei Intermediária A lei intermediária é aquela que não era vigente à data do fato nem à data da prolação da sentença. Deve ser aplicada sempre que, comparativamente a ambas, for mais benéfica, o que faz surgir uma retroativiade em relação à lei anterior e uma ultra-atividade em relação a uma lei mais nova. 6.2. Sucessão de leis temporárias ou excepcionais De acordo com o artigo 3o do Código Penal:

Art. 3º. A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.

TEMPORÁRIA – a lei traz expressamente em seu texto o dia do início, bem como o dia do término de sua vigência. EXCEPCIONAL – editada em virtude de situações também excepcionais, cuja vigência é limitada pela própria duração da excepcionalidade. A ultra-atividade dessas leis visa a frustrar o emprego de expedientes tendentes a impedira a imposição de suas sanções a fatos praticados nas proximidades de seu termo final de vigência (lei temporária) ou da cessação das circunstâncias excepcionais que a justificaram (lei excepcional). Existe incompatibilidade entre a ultra-atividade dessas espécies de lei e o princípio da retroatividade da lex mitior? Para os que entendem que não, a lei ordinária, ao retomar seu vigor após a vigência da lei excepcional ou temporária, não tem o condão de mudar a CONCEPÇÃO JURÍDICA DO FATO. Com a nova situação não se pode dizer da exclusão da relação penal, mas da ausência de elementos do tipo. As situações punidas pelas leis excepcionais ou temporárias e aquelas punidas pela lei ordinária são completamente diferentes. Naquelas existe a contribuição do tempus como elemento de punibilidade na estrutura da norma incriminadora. Para os que entendem que sim, no momento em que o constituinte de 88 consagrou o princípio da irretroatividade da lei prejudicial ao agente sem fazer qualquer ressalva, só se poderia concluir que as leis penais temporárias e excepcionais não possuem ultra-atividade em desfavor do réu. O legislador não pode abrir exceção em matéria que o constituinte erigiu como garantia individual. Para ROGÉRIO GRECO, o artigo 3o do CP não foi recepcionado, concordando com a última corrente.

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7. COMBINAÇÃO DE LEIS Ocorre quando, para atender ao princípio da extra-atividade in mellius, é dado ao julgador extrair das normas conflitantes fragmentos que atendam aos interesses do agente, desprezando os dispositivos que o prejudiquem. A Doutrina é dividida quanto à admissibilidade da combinação de leis em matéria penal. PRIMEIRA CORRENTE – IMPOSSIBILIDADE De acordo com essa corrente, o julgador não possui a faculdade de combinar dispositivos de leis diferentes tendo em vista que, se assim procedesse, estaria criando um terceiro gênero de lei, o que lhe é vedado. SEGUNDA CORRENTE – POSSIBILIDADE Em sentido oposto, alguns doutrinadores, como FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO e ROGÉRIO GRECO, são da opinião que em matéria de direito transitório não se pode estabelecer dogmas rígidos como esse da proibição da combinação de leis. Se de um lado estão tais dogmas absolutos, de outro estão os princípios da ultra-atividade e da retroatividade benéficas. 8. COMPETÊNCIA PARA APLICAÇÃO DA LEX MITIOR Se uma lei nova, mais benéfica ao agente, surge durante a fase investigatória, o Ministério Público, ao receber os autos do inquérito, já deverá oferecer a denúncia com base no novo texto legal. Se a lei nova surge durante o curso da ação penal, o juiz ou tribunal poderão aplicar, imediatamente, a lex mitior. Se já houve o trânsito em julgado da sentença na ação penal, de acordo com o artigo 66, I, da Lei de Execução Penal, caberá ao juiz da execução aplicar o novo regramento.

Art. 66. Compete ao juiz da execução: I - aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado;

Contudo, é de se observar que o juiz da execução só será competente para dar efetividade à nova lei caso as alterações no processo se resumirem a cálculos matemáticos, ou seja, CONQUANTO NÃO TENHA QUE REALIZAR UMA NOVA APRECIAÇÃO DO MÉRITO DA AÇÃO PENAL DE CONHECIMENTO. Caso contrário, a competência será do respectivo Tribunal, que deverá aplicar a nova legislação em grau de recurso, via ação de revisão criminal. 9. APURAÇÃO DA MAIOR BENIGNIDADE DA LEI Pode acontecer de não ser óbvio qual das leis, a mais nova ou a antiga, é efetivamente melhor à situação do réu. Interessante solução, trazida dos Códigos mexicano e espanhol, foi implementada no Brasil. De acordo com essa regra, em caso de dúvida sobre a lei mais favorável DEVERÁ SER OUVIDO O RÉU, pois é ele, obviamente, o melhor para conhecer as disposições que lhe são mais benéficas. Não se pode deixar de observar que o réu se manifestará por meio de seu advogado, e não pessoalmente, até porque não possui conhecimentos técnicos suficientes para discernir entre dispositivos favoráveis à sua situação ou não.

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10. IRRETROATIVIDADE DA LEX GRAVIOR E MEDIDAS DE SEGURANÇA Lei posterior que de qualquer modo vier a prejudicar o agente não terá aplicação retroativa. Mas essa regra comporta exceções? De acordo com Francisco de Assis Toledo, o princípio da irretroatividade in pejus não se aplica às medidas de segurança, vez que estas não são penas, mas possuem caráter curativo. De acordo com o autor, os remedis reputados mais eficientes não podem deixar de ser ministrados aos pacientes deles carecedores só pelo fato de serem mais amargos ou mais dolorosos. 11. APLICAÇÃO DA LEX MITIOR DURANTE O PERÍODO DE VACATIO LEGIS Regra geral, somente após a entrada em vigor da lei penal é que lhe devemos obediência. Tal regra, entretanto, diz respeito somente àquelas leis que criam novas figuras típicas ou prejudiquem a situação do agente. Embora não seja ponto pacífico na Doutrina, a própria Jurisprudência já vem considerando ser possível que, na presença de uma lei nova que contenha dispositivos benéficos (novatio legis in mellius), é possível sua aplicação pelo julgador ainda que não expirado o prazo da vacatio legis, sendo bastante a publicação de seu texto. 12. A RETROATIVIDADE DA JURISPRUDÊNCIA Tudo bem que de acordo com a Constituição a lei penal não poderá retroagir para alcançar fatos passados, salvo se for mais benéfica. E se estivermos diante de uma interpretação levada a efeito pelos Tribunais Superiores, diante de uma súmula ou de decisões reiteradas, esse entendimento pode retroagir, alcançando fatos passados? Em primeiro lugar, interpretação desfavorável jamais poderá ser tomada a efeito em casos ocorridos anteriormente ao seu surgimento. A pessoa poderia alegar ERRO DE PROIBIÇÃO (não sabia que era proibido – até porque realmente não era) como excludente de culpabilidade. Contudo, se a nova interpretação for mais benéfica ao autor, deverá retroagir para alcançar a sua situação. Caso contrário, duas pessoas que tenham realizado ações idênticas, reguladas pela mesma lei, terão sido julgadas de modo contrário. O entendimento tem base na eqüidade e fundamenta o pedido revisional (art. 621, I, do CPP).

Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;

Isso ocorreu com o STJ, ao afastar a aplicação da Súmula 174, que entendia que a ARMA DE BRINQUEDO poderia se considerada como CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA no delito de roubo.

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CAPÍTULO 17 – PRINC. DA TERRITORIALIDADE 1. LUGAR DO CRIME Assim como o tempo do crime, o lugar do crime tem três teorias que lhe explicam:

1. teoria da atividade – o lugar do crime é o da ação ou omissão, ainda que outro seja o lugar da ocorrência do resultado.

2. teoria do resultado – despreza o lugar da conduta e entende que lugar do crime será, tão-somente, aquele em que ocorrer o resultado.

3. teoria mista, ou da ubiqüidade – adota as duas posições anteriores e diz que lugar do crime será o da ação ou omissão ou onde se produziu o resultado.

O Código Penal brasileiro adotou a teoria da UBIQÜIDADE. De acordo com seu artigo 6o:

Art. 6º. Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.

LEMBRETE:

TEMPO DO CRIME – TEORIA DA ATIVIDADE LUGAR DO CRIME – TEORIA DA UBIQÜIDADE

A adoção da teoria da ubiqüidade resolve problemas de Direito Penal internacional. Ex.: Um sujeito, na Argentina, envia carta-bomba que explode com seu destinatário, no Brasil. Se a Argentina adotar a teoria da atividade e o Brasil a do resultado, o agente ficaria impune. 2. TERRITORIALIADE A regra da territorialidade está insculpida no artigo 5o, do Código Penal:

Art. 5º. Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. § 1º. Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar. § 2º. É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.

O Brasil não adotou a teoria ABSOLUTA da territorialidade, mas sim a teoria da territorialidade TEMPERADA, tendo em vista que o Estado pode abrir mão de sua jurisdição em atendimento a convenções, tratados e regras de direito internacional.

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CAPÍTULO 18 – PRINCÍPIO DA EXTRATERRITORIALIDADE O Princípio da Extraterritorialidade se preocupa com a aplicação da lei brasileira fora dos limites territoriais do país, ou seja, às infrações penais cometidas além de nossas fronteiras, em países estrangeiros. A extraterritorialidade pode ser incondicionada (inciso I do artigo 7o) ou condicionada (inciso II, do mesmo artigo): INCONDICIONADA – traduz a possibilidade de aplicação da lei penal brasileira a fatos ocorridos no estrangeiro, sem que, para tanto, seja necessário o concurso de qualquer condição.

Art. 7º. Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: I - os crimes: a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;

Nessas hipóteses, o agente será punido segundo a lei brasileira, ainda que tenha sido condenado ou absolvido no estrangeiro. Vale dizer que, caso houver condenação no estrangeiro, deverá ser observado o artigo 8o do Código Penal:

Art. 8º. A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas.

CONDICIONADA – algumas condições têm de ser adimplidas para que o agente possa sujeitar-se à lei brasileira.

Art. 7º. Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: II - os crimes: a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; b) praticados por brasileiros; c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercante ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.

E quais são as condições, tendo em vista que estamos falando de extraterritorialidade CONDICIONADA? Estão no §2o do mesmo artigo 7o:

§ 2º. Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

Em atenção ao chamado PRINCÍPIO DA DEFESA ou PRINCÍPIO DA PERSONALIDADE PASSIVA, dispõe o §3o que:

§ 3º. A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se reunidas às condições previstas no parágrafo anterior: a) não foi pedida ou foi negada a extradição; b) houve requisição do Ministro da Justiça.

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CAPÍTULO 19 – DISPOSIÇÕES SOBRE A APLICAÇÃO DA LEI PENAL 1. EFICÁCIA DA SENTENÇA ESTRANGEIRA A sentença judicial é ato de soberania do Estado. Mas para garantir a maior eficiência possível ao combate das práticas de fatos criminosos, o Estado se vale, por exceção, de atos de soberania de outros Estados, aos quais atribui certos e determinados efeitos. Para tanto, homologa a sentença penal estrangeira, de modo a torná-la um verdadeiro título executivo NACIONAL, OU INDEPENDENTEMENTE DE PRÉVIA HOMOLOGAÇÃO, DÁ-LHE O CARÁTER DE FATO JURÍDICO RELEVANTE. De acordo com o artigo 9o do CP:

Art. 9º. A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas conseqüências, pode ser homologada no Brasil para: I - obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis; II - sujeitá-lo à medida de segurança. Parágrafo único. A homologação depende: a) para os efeitos previstos no inciso I, de pedido da parte interessada; b) para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça.

OBSERVE-SE QUE O SUJEITO NÃO PODE SER PRESO, NO BRASIL, EM RAZÃO DE HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. Parece que com a alteração promovida pela EC 45/04 a competência para a homologação de sentença estrangeira migrou do STF para o STJ. 2. CONTAGEM DE PRAZO No artigo 798, §1o, do CPP:

Art. 798. Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado. § 1º. Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento.

Já no artigo 10, do Código Penal, vem a seguinte redação:

Art. 10. O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum.

Nítida, portanto, é a diferença entre a contagem dos prazos processuais (do CPP) e materiais (do CP). O prazo penal e o prazo processual penal são contados de forma diferente. PRAZO PROCESSUAL PENAL – diz respeito ao normal andamento do processo; PRAZO PENAL – diz respeito diretamente ao direito de liberdade dos cidadãos. Prevalece na doutrina o entendimento de que determinados prazos, embora processuais, sejam contados como se fossem materiais quando ligados diretamente ao direito de liberdade do cidadão. TRADUZINDO: SE O RÉU OU INDICIADO ESTIVER PRESO, APLICA-SE A ALGUNS PRAZOS PROCESSUAIS A CONTAGEM DO PRAZO PENAL. 3. FRAÇÕES NÃO COMPUTÁVEIS NA PENA O artigo 11 do Código Penal determina que sejam desprezadas nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direito as frações de dia e, na pena de multa, as de “cruzeiro”.

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Implica dizer que ninguém cumprirá pena de tantos meses, tantos dias e 6 horas. Não interessa se o sujeito foi enclausurado às 14:00h, às 20:00h ou às 23:59h. O dia inicial sempre será contado como dia preso em sua integralidade. 4. LEGISLAÇÃO ESPECIAL Diz o artigo 12, do CP:

Art. 12. As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.

Assim, se não houver lei especial disciplinando a matéria, serão aplicadas as normas do Código Penal. Se houver a lei especial, e esta dispuser de forma contrária ao Código, prevalece a norma especial. Exemplo: O Código Penal pune as tentativas com as mesmas penas do crime continuado, diminuídas de um a dois terços. A Lei de Contravenções Penais, por sua vez, não pune as tentativas.

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CAPÍTULO 20 – CONCEITO E EVOLUÇÃO DA TEORIA DO CRIME 1. NOÇÕES FUNDAMENTAIS CONCEITO – é a parte do direito penal que se ocupa de explicar o que é o delito em geral, quer dizer, quais são as características que devem ter qualquer delito. Essa explicação atende a uma função essencialmente prática, consistente na facilitação da averiguação da presença ou ausência de delito em cada caso concreto. O delito não pode ser fragmentado, pois é um todo unitário. Contudo, para efeitos de estudo, deve-se proceder a uma análise de cada um de seus elementos fundamentais, quais sejam: o fato típico, a antijuridicidade e a culpabilidade. Cada um deles, nessa ordem, é antecedente lógico e necessário à apreciação do seguinte. 2. INFRAÇÃO PENAL Existe diferença entre CRIME, DELITO e CONTRAVENÇÃO? Para o nosso sistema, crime e delito são sinônimos, mas não se confundem com contravenção. Enquanto para alguns sistemas, como o francês, esses três elementos se distinguem (critério tripartido), para o Brasil (assim como na Alemanha e na Itália) utiliza-se o critério bipartido – crimes e delitos, como sinônimos, de um lado, e contravenções penais, de outro. Infração penal, por sua vez, é gênero relativo a essas duas espécies. 3. DIFERENÇA ENTRE CRIME E CONTRAVENÇÃO No artigo 1o da Lei de Introdução ao Código penal vem a distinção entre crime e contravenção:

Art. 1º. Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Na verdade não há diferença substancial entre crime e contravenção. O critério é meramente político, como também é político o critério de identificação de ser tal ou qual conduta crime ou contravenção. Ex.: o porte de arma, que era contravenção penal, passou a ser crime em 1997. Entretanto, as contravenções penais são infrações menos graves que os crimes, são delitos-anões (NELSON HUNGRIA), ofendem bens jurídicos não tão importantes quanto os protegidos ao se tipificar um crime. 4. ILÍCITO PENAL E ILÍCITO CIVIL A rigor, não existe diferença entre ilícito penal e ilícito civil. Ambos são infrações ao ordenamento jurídico posto. A diferença consiste, na verdade, em que o ilícito penal implica afronta aos bens jurídicos mais importantes da sociedade, o que justifica, assim, a atribuição de penas extremamente graves se comparadas às penalidades (e não penas) civis. 5. CONCEITO DE CRIME O legislador não conceituou o crime. O conceito hoje apresentado, portando, é essencialmente jurídico. O crime pode apresentar três conceitos diferentes:

1. conceito formal; 2. conceito material;

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3. conceito analítico. CONCEITO FORMAL – crime é todo o fato humano proibido pela lei penal. CONCEITO MATERIAL – todo o fato humano lesivo de um interesse capaz de comprometer as condições de existência, de conservação e de desenvolvimento da sociedade. É a conduta que viola os bens jurídicos mais importantes. CONCEITO ANALÍTICO – crime é ação típica (tipicidade), antijurídica ou ilícita (ilicitude) e culpável (culpabilidade). Ao invés de considerarmos o crime como sendo AÇÃO típica, consideremos como sendo na verdade um FATO típico, que englobará: a) a conduta do agente, b) o resultado dela advindo e c) o nexo de causalidade entre um e outro.

CRIME FATO TÍPICO ANTIJURÍDICO CULPÁVEL

- conduta (dolosa/culposa, omissiva/comissiva;

- resultado; - nexo de causalidade; - tipicidade (formal e conglobante).

Obs.: quando o agente não atua em: - estado de necessidade; - legítima defesa - estrito cumprimento de dever legal - exercício regular de direito

Quando não houver o consentimento do ofendido como causa supralegal de exclusão da ilicitude.

- Imputabilidade; - potencial consciência sobre a

ilicitude do fato; - exigibilidade de conduta diversa.

6. CONCEITO ANALÍTICO (OU ESTRATIFICADO) DE CRIME Para a maioria dos doutrinadores, o crime se configura quando a ação é típica, ilícita (antijurídica) e culpável. Alguns autores, como MEZGER e BASILEU GARCIA, dizem integrar esse grupo também a punibilidade. Para a maioria, entretanto, a punibilidade não faz parte do delito, sendo somente sua conseqüência. FUNÇÃO DO CONCEITO ANALÍTICO – analisar cada um dos elementos constitutivos do delito, sem que com isso se queira fragmenta-lo. O crime é um todo unitário e indivisível. O crime é portanto, todo fato típico, ilícito e culpável. Para uma visão finalista (seja lá o que for isso), o fato típico é composto de quatro elementos:

a) conduta (dolosa/culposa, omissiva/comissiva) b) resultado (nos crimes materiais) c) nexo de causalidade entre a conduta e o resultado d) tipicidade (formal e conglobante)

A ilicitude, por sua vez, é a relação de contrariedade, de antagonismo, que se verifica entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. A licitude é encontrada por exclusão, ou seja, a ação só será lícita se o agente tiver atuado sob o amparo de uma das quatro causas excludentes da ilicitude do Código Penal (artigo 23):

1. legítima defesa 2. estado de necessidade 3. estrito cumprimento de dever legal 4. exercício regular de direito

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

A doutrina aponta, ainda, além dessas causas legais de exclusão da ilicitude, uma causa supralegal, qual seja, o CONSENTIMENTO DO OFENDIDO. Contudo, para que ele seja eficaz para afastar a ilicitude, alguns requisitos devem ser observados:

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1. que o ofendido tenha capacidade para consentir; 2. que o bem sobre o qual recaia a conduta do agente seja disponível; 3. que o consentimento tenha sido dado anteriormente ou simultaneamente ao ato.

Culpabilidade, por fim, é um juízo de reprovação pessoal que se faz sobre a conduta do agente. De acordo com a concepção finalista adotada pelo autor, integram a culpabilidade:

- imputabilidade; - potencial conhecimento da ilicitude do fato; - exigibilidade de conduta diversa.

7. CONCEITO DE CRIME ADOTADO POR DAMÁSIO, DOTTI, MIRABETE E DELMANTO Para esses autores, o crime é fato TÍPICO e ANTIJURÍDICO, sendo que a culpabilidade é apenas um pressuposto para a aplicação da pena. A crítica que ROGÉRIO GRECO faz a esse entendimento é que, sob determinado ponto de vista, não só a culpabilidade mas também a ilicitude e a tipicidade são pressupostos para a aplicação da pena, já que se o fato não for típico ou se o fato for amparado por uma causa de justificação não poderá ser aplicada a pena. O fundamento do raciocínio daqueles autores se deve ao fato de que o Código, ao se referir à culpabilidade, nos casos em que a afasta, utiliza-se de expressões que se referem à aplicação da pena (é isento de pena). Acontece que embora o Código utilize essas expressões quando quer se referir às causas dirimentes de culpabilidade, isso não implica dizer que somente a tipicidade e a antijuridicidade integram o crime.

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CAPÍTULO 21 – CONDUTA 1. CONDUTA Fato típico, conforme ressaltado, constitui-se de:

- conduta (dolosa/culposa, comissiva/omissiva); - resultado (nos crimes materiais); - nexo de causalidade entre um e outro; - tipicidade (formal e conglobante).

Conduta é ação humana por excelência, entretanto, a CF expressamente permitiu a punição penal da pessoa jurídica por ter ela própria praticado uma atividade lesiva ao meio ambiente. 2. CONCEITO DE AÇÃO – CAUSAL, FINAL E SOCIAL Segundo a concepção CAUSALISTA, a ação deve ser analisada em dois momentos diferentes: a) SISTEMA CLÁSSICO, OU CAUSAL-NATURALISTA (LISZT e BELING) – ação como movimento humano voluntário, produtor de uma modificação no mundo exterior – “ação é, pois, o fato que repousa sobre a vontade humana, a mudança do mundo exterior referível à vontade do homem. Sem ato de vontade não há ação, não há injusto, não há crime. Mas também não há ação, não há injusto, não há crime sem uma mudança operada no mundo exterior, sem um resultado”. CRÍTICA – EMBORA EXPLIQUE A AÇÃO EM SENTIDO ESTRITO, NÃO CONSEGUE SOLUCIONAR O PROBLEMA DA OMISSÃO. b) SISTEMA NEOCLÁSSICO (PAZ AGUADO) – ainda dentro do causalismo, ação é comportamento humano voluntário, manifestado no mundo exterior. A ação deixa de ser absolutamente natural para estar inspirada de um certo sentido normativo que permita a compreensão tanto da ação em sentido estrito (positiva) como a omissão (ação negativa). Segundo uma concepção FINALISTA (WELZEL), a ação passa a ser entendida como o exercício de uma atividade final. Ação é um comportamento humano voluntário, dirigido a uma finalidade qualquer. O homem, quando age, age dirigido a uma finalidade qualquer, que pode ser ilícita (movida por dolo) ou lícita (mas praticada com imperícia, imprudência ou negligência, resultando em culpa). De acordo com uma concepção SOCIAL da ação (DANIELA DE FREITAS MARQUES, JOHANNES WESSELS), ação é toda atividade humana social e juridicamente relevante, segundo padrões axiológicos de uma determinada época, dominada ou dominável pela vontade. 3. CONDUTAS DOLOSAS E CULPOSAS A conduta pode ser de dois tipos: dolosa ou culposa. DOLOSA – ocorre quando o agente quer diretamente o resultado ou assume o risco de produzi-lo; CULPOSA – ocorre quando o agente dá causa ao resultado em virtude de sua imprudência, imperícia ou negligência. Via de regra, os crimes só podem ser dolosos, sendo culposos apenas quando houver previsão legal expressa nesse sentido. De acordo com o artigo 18, parágrafo único, do CP:

Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

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4. CONDUTAS COMISSIVAS E OMISSIVAS A conduta pode se traduzir por meio de uma ação (conduta comissiva ou positiva) ou de uma omissão (conduta omissiva ou negativa). Enquanto nos crimes comissivos o agente direciona sua conduta a uma finalidade ilícita, nos crimes omissivos há uma abstenção de uma atividade que era imposta pela lei ao agente. A omissão, segundo RENÉ ARIEL DOTTI, é a abstenção da atividade juridicamente exigida. Constitui uma atitude psicológica e física de não-atendimento da ação esperada, que devia e podia ser praticada. O conceito é, portanto, puramente normativo. Os crimes omissivos podem ser próprios (puros ou simples) ou impróprios (comissivos por omissão ou omissivos qualificados): CRIMES OMISSIVOS PRÓPRIOS – são objetivamente descritos no tipo com uma conduta negativa, de não fazer o que a lei determina, consistindo a omissão na transgressão da norma jurídica e não sendo necessário qualquer resultado naturalístico (são portanto delitos formais). São delitos nos quais existe o chamado dever genérico de proteção. CRIMES OMISSIVOS IMPRÓPRIOS – somente as pessoas referidas no §2o do artigo 13, do CP, podem praticá-los, pois existe o chamado dever especial de proteção. Nesses crimes, o agente deve encontrar-se numa posição de garante ou garantidor, que pode ocorrer de três formas distintas:

- deve ter a obrigação legal de cuidado, proteção ou vigilância; - de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; - com o seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

5. AUSÊNCIA DE CONDUTA Tendo como norte a concepção finalista da ação, esta será sempre uma ação final, dirigida à produção de um resultado. Logo, se não houver vontade dirigida à produção de um resultado qualquer, não haverá conduta. Ocorre nos casos de:

a) força irresistível (seja proveniente da natureza ou da ação de um terceiro); b) movimentos reflexos (só excluem a conduta quando absolutamente imprevisíveis); c) estados de inconsciência.

No caso de crime praticado em embriaguez completa, esta só excluirá a conduta se proveniente de caso fortuito ou de força maior. Caso provier de embriaguez culposa ou dolosa, seja ou não com a intenção de praticar um delito, prevalece a teoria da actio libera in causa, ou seja, tendo em vista que a ação foi livre na causa, o agente deve ser responsabilizado pelos resultados dela decorrentes. 6. FASES DE REALIZAÇÃO DA AÇÃO A ação possui sempre duas fases: a interna e a externa. A interna ocorre na esfera do pensamento, e percorre os seguintes pontos:

a) representação e antecipação mental do resultado a ser alcançado; b) escolha dos meios a serem utilizados; c) consideração dos efeitos colaterais ou concomitantes à utilização dos meios escolhidos.

Na fase externa o agente somente exterioriza tudo aquilo que havia arquitetado mentalmente. A única exceção do ordenamento à regra de impossibilidade de punição dos atos preparatórios é o do artigo 288, do CP:

Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para fim de cometer crimes:

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Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. Parágrafo único. A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.

Aqui, o que normalmente seria considerado ato preparatório é alçado à categoria de crime autônomo.

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CAPÍTULO 22 – TIPO PENAL 1. CONCEITO Tendo em vista a disposição do princípio nullum crimen sine lege, o legislador, para impor ou proibir condutas, deve-se utilizar de uma lei. Quando essa lei descreve uma conduta (comissiva ou omissiva) para proteger determinados bens cuja tutela se mostrou insuficiente pelos demais ramos do direito (princípio da subsidiariedade do direito penal), surge o tipo penal. Nas lições de ZAFFARONI, “tipo penal é um instrumento legal, logicamente necessário e de natureza predominantemente descritiva, que tem por função a individualização de condutas humanas penalmente relevantes”. Quando um fato do mundo natural se coaduna perfeitamente com a descrição legal realizada pelo tipo surge a TIPICIDADE, a ser futuramente estudada. 2. TIPICIDADE PENAL = TIPICIDADE FORMAL + TIPICIDADE CONGLOBANTE Tipicidade é a perfeita subsunção da conduta praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto na lei penal, a um tipo penal incriminador. É a adequação de um fato cometido à descrição que dele se faz na lei penal. Mas essa perfeita adequação faz surgir o que chamamos tipicidade FORMAL, ou tipicidade LEGAL. Para que se possa falar em tipicidade conglobante é necessário que:

a) a conduta do agente seja antinormativa; b) que haja tipicidade material, ou seja, que ocorra um critério material de seleção do bem a

ser protegido. A tipicidade conglobante, portanto, ocorre quando a conduta é considerada antinormativa, ou seja, contrária à norma penal (e não imposta ou fomentada por ela), bem como ofensiva a bens de relevo para o Direito Penal (tipicidade material). Com esse conceito de antinormatividade esvaziam-se um pouco as causas de exclusão de antijuridicidade nos casos de estrito cumprimento do dever legal. Assim, o problema que antes era resolvido somente na segunda fase da análise do delito (ilicitude), passa a ser resolvido já na tipicidade, e tudo isso em virtude de seu requisito conglobante. Mas a análise da antinormatividade – com a verificação de que determinado ato é ou não imposto, fomentado ou permitido pela lei – não é suficiente para a configuração da tipicidade conglobante. Deve-se observar também, a importância do bem jurídico lesado no caso concreto, afim de que possamos concluir se aquele bem específico merece ou não ser protegido pelo Direito Penal. Nesta segunda análise estar-se-ia verificando a ocorrência da TIPICIDADE MATERIAL. É no campo da tipicidade material que ficam excluídos dos tipos penais os crimes de bagatela. Concluindo, para que o ato seja típico, devem estar presentes:

- TIPICIDADE FORMAL; - TIPICIDADE CONGLOBANTE, composta por:

o antinormatividade – se o ato não é imposto, fomentado ou permitido pelo direito; o tipicidade material – relevância do bem jurídico lesado no caso concreto.

3. ADEQUAÇÃO TÍPICA ou TIPICIDADE FORMAL Existem duas formas de adequação típica: de subordinação imediata e de subordinação mediata:

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SUBORDINAÇÃO IMEDIATA OU DIRETA – ocorrerá quando houver perfeita adequação entre a conduta do agente e o tipo penal incriminador. SUBORDINAÇÃO MEDIATA OU INDIRETA – ocorrerá quando o agente, embora atue com vontade de praticar a conduta proibida por determinado tipo incriminador, seu comportamento não consiga se adequar DIRETAMENTE à figura típica. Ex.: tentativa de homicídio. A conduta não se adequará diretamente ao tipo “matar alguém”, mas somente indiretamente, por meio de uma NORMA DE EXTENSÃO. NORMAS DE EXTENSÃO – são normas que têm por finalidade ampliar o tipo penal, a fim de nele abranger hipóteses não previstas expressamente pelo legislador. Ex.:

Art. 14. Diz-se o crime: II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.

Caso não houvesse essa norma de extensão, a conduta de tentar matar alguém seria atípica, tendo em vista não se adequar perfeitamente à descrição legal da conduta feita pelo caput do artigo 121, não podendo por isso ser punida. Outra norma de extensão: artigo 29 do Código Penal:

Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

4. FASES DA EVOLUÇÃO DO TIPO Podemos identificar três fases na construção do tipo penal: PRIMEIRA FASE Numa primeira fase, o tipo possuía caráter puramente descritivo. Não havia sobre ele valoração alguma, servindo tão-somente para descrever as condutas (omissivas ou comissivas) proibidas pela lei penal. O tipo era concebido como descrição pura, sendo os fatos típicos conhecidos independentemente de juízos de valor. O tipo, para Beling, não tem qualquer conteúdo valorativo, sendo meramente objetivo e descritivo, representando o lado exterior do delito, sem qualquer referência à antijuridicidade e à culpabilidade. Haveria no tipo tão somente uma delimitação descritiva de fatos relevantes penalmente, sem que isto envolvesse uma valoração jurídica dos mesmos. SEGUNDA FASE O tipo passou a ter caráter de INDÍCIO DE ILICITUDE, ou seja, quando o agente pratica um fato típico, provavelmente esse comportamento também será antijurídico. A tipicidade opera como um desvalor provisório, que deve ser configurado ou descartado mediante a comprovação de causas de justificação. Tipo como razão indiciária da ilicitude – tipo como ratio cognoscendi. TERCEIRA FASE O tipo passa a ser A RAZÃO DE SER da ilicitude – ratio essendi. É como se fosse uma fusão entre a tipicidade e a antijuridicidade. Não há que se falar em fato típico se a conduta praticada pelo agente for permitida pelo ordenamento jurídico.

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Para MEZGER, aquele que atua de forma típica está atuando também antijuridicamente, enquanto não houver uma causa de exclusão do injusto. Ou a pessoa pratica fato típico e antijurídico desde a sua origem, em razão da ausência de qualquer causa de exclusão da ilicitude, ou é atípico e lícito desde o início, em fase da presença de causa de justificação. Na verdade, as causas de justificação atingiriam diretamente a tipicidade, e não somente a antijuridicidade. 5. TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO Como decorrência dessa posição de entender o tipo como a ratio essendi da antijuridicidade, surgiu a TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO. Segundo essa teoria, toda vez que a conduta do agente não for ilícita, não for antijurídica, não existirá o próprio fato típico. Para a teoria, já que a antijuridicidade integra o tipo penal, a existência de causas de justificação faz desaparecer a tipicidade. O fato deixa de ser típico. Hans-Heinrich JESCHECK, precursor da teoria dos elementos negativos do tipo, “o tipo deve abarcar não só as circunstâncias típicas do delito, mas também todas aquelas que afetem a antijuridicidade. OS PRESSUPOSTOS DAS CAUSAS DE JUSTIFICAÇÃO SE ENTENDEM, ASSIM, COMO ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO. Incluem-se, portanto, no tipo porque somente quando faltam é possível um juízo definitivo sobre a antijuridicidade do fato. Elementos do tipo e pressupostos das causas de justificação se reúnem, por esta via, em um tipo total e se situam sistematicamente em um mesmo nível. Assim, os elementos negativos do tipo são as causas de justificação, porque implicitamente integram o tipo e só permitem que ele opere quando ausentes no caso concreto. Para essa teoria, não se estuda primeiramente a conduta típica para somente depois levar a efeito a análise de sua antijuridicidade. De acordo com as lições de HANS WELZEL, a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são três elementos que convertem uma ação em um delito, sendo que o elemento seguinte pressupõe necessariamente o antecedente. Já consoante as lições dos que adotam a teoria dos elementos negativos do delito, como JESCHECK, a existência de um TIPO TOTAL (tipicidade + antijuridicidade) faria com que ou o fato é típico e antijurídico, ou não é nenhum dos dois. Não existiria, portanto, fato típico, mas lícito (ou não antijurídico). 6. INJUSTO PENAL (INJUSTO TÍPICO) Injusto penal é o fruto da constatação de que a conduta do agente se demonstrou efetivamente típica e antijurídica. A valoração de uma ilicitude como um injusto processa-se no instante em que o julgador considera que o agente realizou uma conduta típica e não justificada. INJUSTO - antijuridicidade TÍPICO - tipicidade Assim, quando afirmamos que existe um injusto penal (ou injusto típico), implicitamente afirmamos que as duas primeiras fases da análise do delito (partindo de uma concepção tripartite do mesmo) já foram realizadas, restando somente a análise da culpabilidade. Daí fica claro concluirmos que O INJUSTO PENAL (OU INJUSTO TÍPICO) NÃO SE CONFUNDE COM A IDÉIA DE TIPO TOTAL, TRAZIDA PELOS ADEPTOS DA TEORIA DOS ELEMENTOS NEGATIVOS DO TIPO. Se para concluirmos sobre a existência do injusto penal devemos passar por duas fases: análise da tipicidade + análise da antijuridicidade, para a teoria dos elementos negativos do tipo a fase é uma só. Para estes só existem o tipo total de injusto (como tipicidade fundida à antijuridicidade) e a culpabilidade.

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VALE LEMBRAR QUE, SEM PREJUÍZO DE OUTRAS DOUTRINAS, A DIVISÃO TRIPARTIDA DO DELITO, BEM COMO A TEORIA DA RATIO COGNOSCENDI, É A QUE TEM A PREFERÊNCIA DA MAIORIA DOS AUTORES. 7. TIPO BÁSICO E TIPOS DERIVADOS TIPO BÁSICO – é a forma mais simples de descrição da conduta proibida ou imposta pela lei penal. Ex.: homicídio simples. TIPOS DERIVADOS – são descrições complementadas por determinadas circunstâncias, que podem aumentar ou diminuir a reprimenda prevista no tipo básico. Ex.: homicídio privilegiado, homicídio qualificado. 8. TIPOS NORMAIS E TIPOS ANORMAIS Essa classificação era usada quando predominava em nosso Direito Penal a TEORIA CAUSALISTA, NATURALISTA OU MECANICISTA DA AÇÃO. TIPO NORMAL – é aquele que contem apenas elementos objetivos na descrição da conduta; TIPO ANORMAL – é aquele que, além dos elementos objetivos, vinha impregnado de elementos subjetivos e normativos. Ex.: “com o fim de, com o intuito de, a fim de”. Hodiernamente, com a adoção da TEORIA FINALISTA DA AÇÃO, dolo e culpa se encontram na conduta do agente, que está localizada no fato típico (conduta, resultado, nexo, tipicidade). Assim, todo tipo penal contém elementos subjetivos, mesmo quando não sejam tão evidentes, como acontece com as expressões acima referidas. 9. TIPOS FECHADOS E TIPOS ABERTOS TIPOS FECHADOS – são aqueles que possuem a descrição completa da conduta proibida pela lei penal. TIPOS ABERTOS – são tipos em que não há a descrição completa e precisa do modelo de conduta proibida ou imposta, tendo em vista a impossibilidade de o legislador prever todas as formas possíveis de ocorrerem. Ex.: crimes culposos, que podem ocorrer de inúmeras formas diferentes. Também são tipos abertos os crimes comissivos por omissão, ou crimes omissivos impróprios, do artigo 13, §2o do CP:

Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. § 2º. A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

10. TIPOS CONGRUENTES E TIPOS INCONGRUENTES A distinção, feita por SANTIAGO MIR PUIG, aponta para a congruência ou não entre a intenção do autor e a conduta efetivamente realizada. Assim, seriam congruentes os tipos que descrevem condutas dolosas e incongruentes os que descrevem condutas culposas.

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De acordo com FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, há tipos estruturalmente incongruentes, como o do artigo 219:

Art. 219. Raptar mulher honesta, mediante violência, grave ameaça ou fraude, para fim libidinoso: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

Neste caso, a lei estende o tipo subjetivo para além do objetivo, ou seja, para que haja consumação do crime, basta que o fim libidinoso esteja presente na intenção do agente, não sendo necessário, portanto, que os atos libidinosos se concretizem no mundo exterior. O mesmo autor assevera que existe incongruência, ainda nos crimes qualificados pelo resultado, nos crimes preterdolosos (dolo no início, culpa no final), e nas tentativas, em que não há coincidência entre a parte objetiva (lesão corporal) e a parte subjetiva (morte de alguém) do tipo legal. 11. TIPO COMPLEXO Quando prevalecia no direito brasileiro a teoria causal da ação, o tipo penal se tornava perfeito pela simples presença de seus elementos objetivos, vez que dolo e culpa faziam parte da culpabilidade. O injusto penal, ou injusto típico (tipicidade + antijuridicidade) era objetivo e a culpabilidade era subjetiva. Com o advento da teoria finalista da ação, desenvolvida por WELZEL, dolo e culpa foram trazidos da culpabilidade para o fato típico, integrando a conduta. O injusto passou a ser subjetivo e a culpabilidade, normativa. Assim, fala-se em tipo complexo quando no tipo penal há o encontro de elementos objetivos com elementos de natureza subjetiva. No tipo complexo, por exigir simultaneamente os elementos objetivos e subjetivos da conduta, quando faltarem os últimos, e desde que o fato não seja punido a título de culpa, o fato será atípico, dada a ocorrência do ERRO DE TIPO, que tem por finalidade afastar o dolo do agente. 12. ELEMENTARES Elementares são figuras essenciais da conduta tipificada, sem as quais pode ocorrer duas formas de atipicidade: uma absoluta e outra relativa. ATIPICIDADE ABSOLUTA – ocorre quando, pela falta da elementar, o fato se torna um indiferente penal. Ex.: se o sujeito furta coisa própria, pensando ser de outrem, não pratica furto, por lhe faltar a elementar “coisa alheia móvel”, prevista no tipo. ATIPICIDADE RELATIVA – ocorre quando, pela ausência da elementar, ocorre desclassificação do fato para uma outra figura típica. Ex.: se a mãe, logo após o parto, mata o filho sem estar sob a influência do estado puerperal, não poderá responder por infanticídio (art. 123), mas responderá por homicídio (art. 121). Portanto: Atipicidade absoluta – indiferente penal; Atipicidade relativa – desclassificação do crime. 13. ELEMENTOS QUE INTEGRAM O TIPO Os elementos que integram o tipo podem ser OBJETIVOS e SUBJETIVOS.

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Os ELEMENTOS OBJETIVOS descrevem a ação, o objeto da ação, o resultado (se for o caso), as circunstâncias externas do fato, a pessoa do autor e o sujeito passivo (se for o caso). O objetivo dos elementos subjetivos é fazer com que o agente tome conhecimento de todos os dados necessários à caracterização da infração penal. Os ELEMENTOS OBJETIVOS podem ser normativos ou descritivos. Elementos objetivos descritivos – têm a finalidade de traduzir o tipo penal, ou seja, evidenciar o que pode ser facilmente constatado pelo intérprete. Elementos objetivos normativos – são criados e traduzidos por uma norma ou que, para sua devida compreensão, carecem de valoração por parte do intérprete. Ex.: conceitos como mulher honesta, sem justa causa, decoro. Os ELEMENTOS SUBJETIVOS dizem respeito à vontade do agente. Quer dizer elemento anímico (ânimo). O dolo é, por excelência, o elemento subjetivo do tipo. Existe também a culpa e outros elementos explícitos no corpo do tipo penal. Ex.: artigo 159, do CP:

Art. 159. Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate:

14. ELEMENTOS ESPECÍFICOS DOS TIPOS PENAIS São elementos encontrados em todos os tipos penais:

- núcleo; - sujeito ativo; - sujeito passivo; - objeto material.

A) NÚCLEO DO TIPO – é o verbo que descreve a conduta proibida pela lei penal. O núcleo será sempre verbo de ação, visto não poder uma pessoa ser incriminada por um estado ou por uma situação qualquer em que não concorra de forma ativa (positiva ou negativa / ação ou omissão). Tipos penais com um só verbo – tipos uninucleares; Tipos penais com mais de um verbo – tipos plurinucleares, ou crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado. B) SUJEITO ATIVO – é aquele que pode praticar a conduta delituosa descrita no tipo. Se qualquer um pode ser o sujeito ativo do crime, ou seja, se a conduta pode ser praticada por qualquer pessoa, o crime é tido como CRIME COMUM. Mas se somente um grupo de pessoas pode praticar o crime, dadas determinadas condições pessoais, o crime é tido como CRIME PRÓPRIO. Somente o homem, aqui entendido como pessoa humana, pode praticar delitos. Societas delinquere non potest. Mas e quanto à possibilidade de responsabilização da Pessoa Jurídica por crimes ambientais? O autor é contrário à idéia da responsabilização penal da pessoa jurídica, tendo em vista:

- a impossibilidade de ser adaptar à teoria do crime, notadamente à análise dos elementos subjetivos da conduta típica;

- a desnecessidade de intervenção do Direito Penal, pois os outros ramos do Direito são ágeis e fortes o suficiente para inibir atividades nocivas por ela (pessoa jurídica) levadas a efeito. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA.

C) SUJEITO PASSIVO – pode ser formal ou material. SUJEITO PASSIVO FORMAL – é sempre o Estado, que sofre danos toda vez que suas leis são desobedecidas.

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SUJEITO PASSIVO MATERIAL – é o titular do bem jurídico tutelado sobre o qual recai a conduta criminosa. Em alguns casos, pode ser o Estado. Ex.: crimes contra a Administração Pública. A pessoa jurídica pode ser sujeito passivo de delitos, com algumas ressalvas, como o caso do crime de injúria, tendo em vista que a pessoa jurídica não possui o que a doutrina costuma chamar “honra subjetiva”. D) OBJETO MATERIAL – é a pessoa ou a coisa contra a qual recai a conduta delituosa do agente. Não é o mesmo que bem jurídico tutelado, que é de natureza subjetiva (vida, propriedade). O objeto material possui natureza objetiva (corpo humano, veículo automotor). Nem todos os tipos penais possuem objeto material, pois sua existência depende de uma alteração da realidade fática para a consumação do delito. Ex.: crimes formais ou de mera conduta. 15. FUNÇÕES DO TIPO O tipo penal tem, basicamente, três funções distintas:

a) função de garantia (ou garantidora) – é a garantia do cidadão, que só poderá ser penalmente responsabilizado se cometer uma das condutas proibidas ou deixar de praticar aquelas impostas pela lei penal. É lícito fazer tudo o que não for proibido pela lei penal – princípio da autonomia da vontade;

b) função fundamentadora – o Estado, por meio do tipo pena, fundamenta suas decisões,

fazendo valer o seu ius puniendi. A função garantidora e a função fundamentadora atuam como duas faces da mesma moeda, sendo uma dirigida ao indivíduo e outra, ao Estado;

c) função selecionadora de condutas – o tipo seleciona as condutas que deverão ser

proibidas ou impostas pela lei penal, sob a ameaça de sanção. Em atenção aos princípios da INTERVENÇÃO MÍNIMA e da ADEQUAÇÃO SOCIAL, o legislador só elege dignos de proteção os bens jurídicos mais importantes. Dessa função ressalta a característica notadamente instrumental do tipo penal.

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CAPÍTULO 23 – TIPO DOLOSO 1. DISPOSITIVO LEGAL

Art. 18. Diz-se o crime: I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

2. CONCEITO DE DOLO Dolo é a vontade livre e consciente de realizar a conduta prevista no tipo penal incriminador. Para WELZEL, o dolo possui dois momentos, sendo um intelectual (o sujeito decide o que quer) e um volitivo (o sujeito decide fazer o que queria). Assim, o dolo possui um elemento intelectual e outro volitivo. O erro de tipo, constante no artigo 20 do Código Penal, pode ter duas facetas:

- erro de tipo escusável – é o erro de tipo invencível, em que qualquer pessoa normal poderia incorrer;

- erro de tipo inescusável – é o erro de tipo vencível, que poderia ter sido evitado se o agente tivesse agido com as diligências ordinárias.

OBSERVAÇÃO: seja o erro de tipo escusável ou inescusável, o fato é que ele sempre afastará o dolo do agente. 3. O DOLO NO CÓDIGO PENAL O parágrafo único do artigo 18 do CP dispõe que:

Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

Pode-se perceber que a regra é que todo crime seja doloso, só podendo ser punido o crime culposo quando houver previsão legal expressa. O dolo é a regra, a culpa, a exceção. 4. TEORIAS DO DOLO O dolo possui 4 teorias que o explicam:

a) teoria da vontade; b) teoria do assentimento; c) teoria da representação; d) teoria da probabilidade.

TEORIA DA VONTADE – o dolo é apenas a vontade livre e consciente de querer praticar a infração penal, de querer levar a efeito a conduta prevista no tipo incriminador. TEORIA DO ASSENTIMENTO – aqui, o agente não quer o resultado diretamente, mas o entende possível e o aceita. Atua com dolo aquele que, antevendo como possível o resultado lesivo com a prática de sua conduta, mesmo não o querendo de forma direta, não se importa com a sua ocorrência, assumindo o risco de vir a produzi-lo. TEORIA DA REPRESENTAÇÃO – não se deve perquirir se o agente havia assumido o risco de produzir o resultado, ou se, prevendo ser possível sua ocorrência, acreditava sinceramente na sua não-ocorrência. Basta que o agente tenha previsto o resultado como possível para se configurar o dolo. Assim, para essa teoria não haveria diferença entre o dolo eventual (indiferença quanto ao resultado) e a culpa consciente (confiança da não-ocorrência do resultado).

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TEORIA DA PROBABILIDADE – essa teoria trabalha com dados estatísticos, ou seja, caso houvesse uma grande probabilidade de ocorrência do resultado, estaríamos diante do dolo eventual. Se o resultado não fosse provável, mas fosse possível (= menos provável), estaríamos diante da culpa consciente. CRÍTICA – A TEORIA NÃO ANALISA O ELEMENTO MAIS IMPORTANTE PARA A CONSTATAÇÃO DO DOLO: A VONTADE DO AGENTE. 5. TEORIAS ADOTADAS PELO CÓDIGO PENAL Para o autor, o CP adotou as teorias da VONTADE e do ASSENTIMENTO. Assim, age com dolo quem diretamente quer a produção do resultado (teoria da vontade), bem como aquele que, mesmo não o desejando de forma direta, assume o risco de produzi-lo. Para autores como DAMÁSIO, o CP adotou somente a teoria da atividade. 6. ESPÉCIES DE DOLO 1) DOLO DIRETO

i) de primeiro grau ii) de segundo grau

2) DOLO INDIRETO

i) alternativo (1) objetivo (2) subjetivo

ii) eventual DOLO DIRETO – ocorre quando o agente quer, efetivamente, cometer a conduta descrita no tipo. É o dolo por excelência, pois quando falamos em dolo, o primeiro que nos vem à cabeça é o direto. Dolo direto de primeiro grau – é o dolo em relação ao fim proposto e aos meios escolhidos. Dolo direto de segundo grau – é o dolo em relação aos efeitos colaterais, representados como necessários. Ex.: se A quer matar B e desfere-lhe um tiro na cabeça, o dolo é direto de primeiro grau, visto não existirem efeitos colaterais necessários à consecução da vontade do agente. Se A quer matar B e para isso coloca uma bomba no avião em que B viajaria, o dolo, quanto a B, é direto de primeiro grau, e quanto aos demais que morrerão na explosão do avião, é direto de segundo grau. DOLO INDIRETO – é o dolo da segunda parte do inciso I do artigo 18, do CP. Ocorre quando o agente atua sem a vontade de efetivamente causar o resultado danoso, mas assume o risco de faze-lo. Dolo indireto alternativo – ocorre quando a vontade do agente se encontra direcionada, de maneira alternativa, seja em relação ao resultado ou em relação à pessoa contra qual o crime é cometido. Se a alternatividade disser respeito ao resultado, o dolo indireto alternativo será objetivo. Ex.: o sujeito atira no outro PARA MATAR OU FERIR. Se a alternatividade disser respeito à pessoa contra a qual o agente dirige sua conduta, o dolo indireto alternativo será subjetivo. Ex.: o sujeito atira PARA MATAR, mas quer matar tanto A quanto B, que estão lado a lado. Observe que no dolo indireto alternativo, seja na forma objetiva ou subjetiva, possui uma parte de dolo direto e outra parte de dolo eventual. No primeiro caso, o dolo direto era sobre a pessoa do

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ofendido, e o eventual dizia respeito ao resultado (matar ou ferir). No segundo, o direto era sobre o resultado (morte) e o eventual era sobre a pessoa (A ou B). Dolo eventual – embora o agente não queira diretamente praticar o delito, não se abstém de agir e, com isso, assume o risco de produzir o resultado que por ele já havia sido previsto e aceito. O autor entende ser extremamente provável que o resultado danoso ocorra, mas age de forma indiferente quanto a isso, assumindo o risco de sua produção. 7. DOLO GERAL (HIPÓTESE DE ERRO SUCESSIVO) Ocorre quando o autor acredita ter consumado o delito, mas, na realidade, o resultado só se produz com uma ação posterior, com a qual buscava encobrir o fato. Ocorre quando o agente, julgando ter obtido o resultado intencionado, pratica segunda ação com diverso propósito e só então é que efetivamente o dito resultado se produz. A situação é interessante: Imaginemos que A queira matar B e para isso lhe desfira várias facadas (ato 1). Para ocultar o fato, joga B no mar (ato 2). B, entretanto, não havia morrido em razão das facadas, vindo a morrer pelo afogamento. Alguns doutrinadores alemães diziam que, como A agiu com dolo no ato 1 mas não conseguiu o resultado por circunstâncias alheias a sua vontade, responderia aqui por tentativa de homicídio. Em contrapartida, agindo com culpa no ato 2, pois não tinha a intenção de matar B, que já reputava morto, responderia por homicídio culposo. WELZEL, por sua vez, refutou a tese de que haveria duas infrações penais distintas. Dizia ele que o agente sempre atuou com DOLO GERAL, que acompanhava sua conduta em todos os instantes, até a efetivação do resultado desejado. Daí a designação do instituto. Assim, se o agente agiu com animus necandi, ou seja, com vontade de matar, deverá responder por homicídio doloso, ainda que o resultado morte tenha advindo de outro modo (aberratio causae). 8. DOLO GENÉRICO E DOLO ESPECÍFICO Fazia-se a distinção entre o dolo genérico e o específico quando ainda era adotada a teoria naturalista, causalista ou mecanicista da ação. De acordo com essa diferenciação, o dolo genérico se apresentava quando não havia no tipo penal indicativo nenhum do elemento subjetivo do agente. Já no dolo específico, o tipo trazia o que a Doutrina denominava “especial fim de agir”, ou seja, o tipo trazia expressões como com o fim de, na intenção de, etc.. Com a adoção da teoria finalista da ação, entendeu-se que em todo tipo penal há uma finalidade que o difere de outro e o agente age de acordo com essa finalidade, que pode ser mais ou menos evidente dependendo do tipo penal. Trocando em miúdos, sempre existe dolo específico de realização do resultado danoso, seja qual for o tipo analisado. 9. DOLO NORMATIVO (DOLUS MALUS) Para aqueles que adotam a teoria causalista neoclássica, ou psicológico-normativa da ação, a CULPABILIDADE é formada pelos seguintes elementos:

- imputabilidade; - dolo/culpa; - exigibilidade de conduta diversa.

Dentro do elemento DOLO, que integra a culpabilidade, haveria um elemento NORMATIVO, que exigia A CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE DO FATO.

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A TEORIA EXTREMADA DO DOLO exige que, para que realmente haja dolo, essa consciência seja real, efetiva. A TEORIA LIMITADA DO DOLO, por sua vez, exige que a consciência da ilicitude do fato seja apenas potencial. Não exige o conhecimento formal da ilicitude, mas somente o conhecimento da ilicitude material.

Seja qual for a teoria do dolo adotada, desde que seja a teoria causalista da ação, o que importa é que no dolo existe esse elemento normativo, ou seja A CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE DO FATO SITUA-SE DENTRO DO DOLO, tornando-o, portanto, o dolus malus do Direito Romano, o DOLO NORMATIVO. 10. AUSÊNCIA DE DOLO EM VIRTUDE DE ERRO DE TIPO Conforme dito anteriormente, dolo é a vontade livre e consciente de praticar infração penal.

DOLO = VONTADE + CONSCIÊNCIA VONTADE – querer praticar a conduta descrita no tipo penal. CONSCIÊNCIA – consciência efetiva daquilo que se realiza. O erro, amplamente considerado, é a falsa percepção da realidade. ERRO DE TIPO – é o fenômeno que determina a ausência de dolo quando, havendo uma tipicidade objetiva, falta ou é falso o conhecimento dos elementos requeridos pelo tipo objetivo. No exemplo clássico, do sujeito que mata seu amigo pensando ser um animal dentro do mato, não se pode vislumbrar dolo. Primeiro por não haver o elemento vontade. Não havia vontade de cometer a conduta descrita no tipo penal (matar alguém). Segundo, porque não havia consciência daquilo que estava fazendo. Para ele, o sujeito era um bicho e não uma pessoa. Esse erro de tipo tem como conseqüência irrecusável afastar o dolo, mas de acordo com o artigo 20 do código penal, pode haver crime sob a forma culposa, obviamente se a lei previr a forma culposa do delito:

Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei.

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CAPÍTULO 24 – TIPO CULPOSO 1. DISPOSITIVO LEGAL

Art. 18. Diz-se o crime: II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.

2. CONCEITO E ELEMENTOS DO DELITO CULPOSO A conduta humana que interessa ao Direito Penal só pode ser dolosa ou culposa. Na verdade, a conceituação trazida pelo inciso II, do artigo 18, do CP, não é suficiente para traçar com exatidão o perfil dos delitos culposos. MIRABETE, por exemplo, define delito culposo como “a conduta humana voluntária (ação ou omissão) que produz resultado antijurídico não querido, mas previsível, e excepcionalmente previsto, que podia, com a devida atenção, ser evitado”. Portanto, o delito culposo possui vários elementos:

a) conduta humana voluntária, seja ela comissiva ou omissiva; b) inobservância de um dever objetivo de cuidado (negligência, imprudência ou imperícia); c) resultado lesivo não querido nem assumido pelo agente; d) nexo de causalidade entre a conduta do agente que deixa de observar o seu dever de

cuidado e o resultado lesivo dela advindo; e) previsibilidade; f) tipicidade.

CONDUTA Nos delitos culposos, a conduta do agente é dirigida, em regra, a um fim lícito. Não há conduta sem finalidade, seja ela dolosa ou culposa. A diferença é que na conduta dolosa a ação é impulsionada por uma finalidade ilícita e na culposa, visto ser a finalidade geralmente lícita, o ato será penalmente relevante não pela finalidade, mas pelos meios empregados para alcançá-la, que desatenderam à obrigação objetiva de cuidado para não lesar a bens jurídicos de terceiros. INOBSERVÂNCIA DE UM DEVER OBJETIVO DE CUIDADO Na vida em sociedade, o homem deve se conduzir de forma a não causar danos ao seu semelhante. Notadamente na sociedade atual, mecanismos e instrumentos existem que, embora nos dêem maior comodidade nas tarefas diuturnas, podem causar danos ainda maiores a terceiros, devendo ser manipulados sempre com uma cautela mínima necessária. Esse dever faz com que atendamos a determinadas regras sociais de comportamento nem sempre escritas ou expressas. E cada membro da sociedade vive em constante presunção de que os outros membros efetivamente respeitam tais regras. Se o agente age de forma lícita, com finalidade lícita, mas inobserva esses deveres a todos impostos causando danos a bens jurídicos de terceiros, deve ser responsabilizado pelos danos. RESULTADO Embora o agente tenha agido em completa inobservância ao dever objetivo de cuidado, seja de forma imprudente, negligente ou imperita, não poderá ser penalmente responsabilizado se efetivamente não causar danos a bens jurídicos penalmente tutelados. O simples fato de abandonar vaso pesado no parapeito da janela não é crime doloso se o vaso não cai ou, caindo, não atinge ninguém na via pública. Podem ocorrer casos em que o mero

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perigo de lesão seja penalmente relevante e a conduta, embora não produza qualquer resultado naturalístico, seja reprimida pelo Direito Penal. Para que a conduta culposa caracterize um crime, portanto, é necessário que cause um resultado naturalístico, ou seja, uma alteração no mundo exterior. NEXO DE CAUSALIDADE Requisito essencial do fato típico, para que o resultado seja imputado ao agente é sua conduta que lhe deve ter dado causa. PREVISIBILIDADE Diz-se que no crime culposo, o agente não prevê aquilo que lhe era previsível. Esse conceito, entretanto, serve apenas à chamada culpa inconsciente, visto que, no caso da culpa consciente, o agente prevê que o resultado possa ocorrer, mas acredita sinceramente que ele não ocorrerá. Caso o fato seja absolutamente imprevisível, não poderá ser imputado o agente, mas sim ao caso fortuito ou à força maior. NELSON HUNGRIA apresente um conceito jurídico-penal de previsibilidade: “ocorre quando o agente, nas circunstâncias em que se encontrou, podia, segundo a experiência geral, ter-se representado, como possíveis, as conseqüências de seu ato”. O resultado é previsível se pudesse ser mentalmente antecipado pela perspicácia comum, pelo homo medius. O dever de cuidado é condicionado pela previsibilidade. Quem não podia prever o resultado, não tinha a obrigação de agir com o cuidado objetivo exigido dos que podiam. A Doutrina distingue a previsibilidade em objetiva ou subjetiva: Previsibilidade objetiva – é a que o agente, no caso concreto, deve ser substituído pelo homem médio, de prudência normal. Avalia-se objetivamente se, no caso concreto, a pessoa comum seria capaz de prever o resultado naturalístico. Se este subsistisse ainda que previsível, não poderia ser imputado ao agente, pois agiu como qualquer homem comum agiria. Previsibilidade subjetiva – não há substituição pelo homem médio. São analisadas, aqui, as condições pessoais, particulares às quais estava submetido o agente ao tempo da conduta realizada. Considera-se, na verdade, as limitações e experiências pessoais do agente no caso concreto. TIPICIDADE A conduta culposa só poderá ser considerada crime se houver previsão legal expressa para essa modalidade de infração. O dolo é a regra, a culpa, a exceção. Em atenção ao Princípio da Intervenção Mínima, somente os crimes mais graves merecem enquadramento sob a forma culposa. 3. IMPRUDÊNCIA, IMPERÍCIA E NEGLIGÊNCIA Pelo fato de haver em todo delito culposo uma inobservância a um dever geral de cuidado, parte da Doutrina refere-se aos delitos culposos como “direito penal da negligência”. IMPRUDÊNCIA – conduta positiva, praticada sem os cuidados necessários, que causa resultado lesivo previsível ao agente. É a prática de um ato perigoso sem os cuidados que o caso requer. É exteriorizada em um fazer. NEGLIGÊNCIA – é uma conduta negativa, uma omissão. É deixar de fazer o que a diligência normal impunha. IMPERÍCIA – é uma inaptidão, momentânea ou não, de o agente praticar exercer uma arte ou profissão. A imperícia deve necessariamente estar ligada a uma atividade profissional do agente. 4. CRIME CULPOSO E TIPO ABERTO

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Os crimes culposos, por sua natureza, são considerados tipos penais abertos. Isto porque não existe uma definição precisa no texto legal para que se possa adequar a conduta do agente ao modelo abstrato previsto na lei. De acordo com WELZEL, nos delitos culposos a ação típica não está determinada legalmente. Isso, na verdade, não implica qualquer lesão ao Princípio da Legalidade, isto que a própria natureza das coisas impede que se possam descrever com exatidão todos os comportamentos negligentes suscetíveis de realizar-se. 5. CULPA CONSCIENTE E CULPA INCONSCIENTE CULPA INCONSCIENTE – o agente deixa de prever o resultado que lhe era previsível; CULPA CONSCIENTE – o agente, embora preveja o resultado, não deixa de praticar a conduta acreditando, sinceramente, que esse resultado não venha a ocorrer. A culpa inconsciente, ou culpa comum, é a culpa sem previsão. A culpa consciente é a culpa com previsão. 6. DIFERENÇA ENTRE CULPA CONSCIENTE E DOLO EVENTUAL CULPA CONSCIENTE – o agente, embora preveja o resultado, não deixa de praticar a conduta acreditando, sinceramente, que esse resultado não venha a ocorrer. DOLO EVENTUAL – embora o agente não queira diretamente o resultado, assume o risco de vir a produzi-lo. Enquanto na culpa consciente o agente efetivamente não quer produzir o resultado, no dolo eventual, embora também não queira produzi-lo, não se importa com sua ocorrência ou não. Palavras-chave:

- culpa consciente: SUPERCONFIANÇA; - dolo eventual: INDIFERENÇA.

Na dúvida entre a ocorrência do crime culposo (culpa consciente) ou doloso (dolo eventual), deve-se preferir sempre o culposo, visto que, além do Princípio Geral do Direito Penal in dubio pro reo, é adotada no Brasil a TEORIA VOLITIVA e a do ASSENTIMENTO, e não a da representação. 7. CULPA IMPRÓPRIA Ocorre nas chamadas DESCRIMINANTES PUTATIVAS, quando o agente, em virtude de ERRO EVITÁVEL PELAS CIRCUNSTÂNCIAS, dá causa DOLOSAMENTE a um resultado, mas responde como se tivesse praticado um DELITO CULPOSO. Art. 20, §1o do CP:

§ 1º. É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

A culpa imprópria está na segunda parte do parágrafo: ”Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo”. Em síntese, o sujeito age dolosamente impelido por um fato que não existe, mas que culposamente não percebeu sua inexistência, capisce? O exemplo clássico de culpa imprópria, sob a forma de descriminante putativa, é a LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA, que constitui ERRO DE TIPO PERMISSIVO.

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Se o erro em que o agente incorreu era inevitável, aplicar-se-á a primeira parte do §1o, em destaque, e o agente estará isento de pena. Se o erro em que o agente incorreu era evitável, aplicar-se-á a segunda parte do §1o, o agente poderá responder pelo crime a título de culpa, se admitida esta modalidade. CONCLUSÃO: na culpa imprópria (culpa por assimilação, por extensão ou por equiparação) o agente age com dolo, em casos de erro vencível, mas responde por um crime culposo. É JUSTAMENTE NESTA SITUAÇÃO, A DA CULPA IMPRÓPRIA, QUE PARTE DA DOUTRINA ADMITE A TENTATIVA EM CRIME CULPOSO. O ato é doloso, mas o crime é culposo. 8. COMPENSAÇÃO E CONCORRÊNCIA DE CULPAS Concorrência de culpas ocorre quando dois agentes, ambos agindo de forma culposa (em qualquer de suas modalidades), causam danos reciprocamente. NÃO SE ADMITE, NO DIREITO PENAL, A COMPENSAÇÃO DE CULPAS. Os agentes serão, respectivamente, réu e vítima do fato em que se envolveram. Cada agente responderá por sua conduta culposa, independentemente da conduta do outro. Contudo, a CONCORRÊNCIA DAS CULPAS SERÁ RELEVANTE QUANDO DA ANÁLISE DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS, previstas no artigo 59, do Código Penal, para que seja aferida a pena-base para a infração penal cometida:

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário o suficiente para reprovação e prevenção do crime:

9. EXCEPCIONALIDADE DO CRIME CULPOSO A regra, tanto no Código Penal quanto na legislação penal extravagante, é a de que todo crime a princípio só é punível a título de dolo, só podendo haver crime doloso quando expressamente previsto na legislação. 10. CULPA PRESUMIDA Não existe presunção de culpa no Direito Penal. O legislador, geralmente, após definir o crime doloso, no parágrafo seguinte, utiliza a expressão se o crime é culposo para deixar claro que a conduta é suficientemente grave para ser punida também sob a forma culposa. 11. TENTATIVA NOS DELITOS CULPOSOS O primeiro elemento da tentativa é o dolo, assim definido como a vontade livre e consciente de querer praticar a infração penal. Nos crimes culposos o agente não tem em sua conduta um fim ilícito. De acordo com o inciso II, do artigo 14, do CP:

Art. 14. Diz-se o crime:

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II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

A tentativa, portanto, caracteriza-se pela interrupção do iter criminis ou pela não produção do resultado pretendido pelo autor. Se, por um lado, no crime culposo o autor não pretende produzir resultado danoso algum, por outro, não existe iter criminis em sua conduta. Não há fases de execução. Pode-se dizer que os atos de uma conduta culposa são imediatos, sendo, portanto, penalmente irrelevantes. Entretanto, conforme antes salientado, a doutrina admite a tentativa nos crimes culposos quando ocorre a chamada CULPA IMPRÓPRIA, ou seja, o agente age dolosamente para a consecução do resultado lesivo, mas o que impulsionou sua ação finalística foi uma falsa noção da realidade dos fatos. Quando essa falsa noção é vencível, o agente culposamente não a superou. Assim, pratica atos dolosos, mas responde por crime culposo.

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CAPÍTULO 25 – RELAÇÃO DE CAUSALIDADE 1. DISPOSITIVO LEGAL

Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. § 1º. A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou. § 2º. A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

2. RELAÇÃO DE CAUSALIDADE Conforme visto no início do estudo sobre a teoria do delito, o fato típico é composto por:

- conduta (dolosa/culposa, omissiva/comissiva); - resultado; - nexo de causalidade; - tipicidade penal (formal e conglobante)

O nexo de causalidade é o elemento que une a conduta ao resultado naturalístico necessário à configuração do crime. Se não houver nexo de causalidade entre o resultado e a conduta do agente não haverá relação de causalidade e tal resultado não poderá ser atribuído ao agente, visto não ter sido ele o seu causador. 3. DO RESULTADO DE QUE TRATA O CAPUT DO ARTIGO 13 DO CÓDIGO PENAL

Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Conforme se sabe, existem crimes que produzem resultados naturalísticos, denominados crimes materiais, e outros, que não produzem tais resultados, que são chamados crimes formais ou de mera conduta. Acontece que, embora nem todos os crimes produzam um resultado naturalístico, todos produzem um resultado jurídico, que pode ser conceituado como a lesão ou perigo de lesão ao bem juridicamente tutelado pela lei penal. Portanto: RESULTADO NATURALÍSTICO – alteração no mundo real; RESULTADO JURÍDICO – lesão ou perigo de lesão a bem jurídico tutelado pela lei penal. O caput do artigo 13 obviamente não se refere aos crimes de mera conduta, mas apenas aos crimes materiais, cuja existência depende da ocorrência do resultado natural. Assim, o nexo de causalidade diz respeito apenas aos crimes materiais, não tendo sentido em relação aos delitos de atividade, bem como aos omissivos próprios. Há autores, como Luiz Flávio Gomes, entretanto, que entendem que o resultado exigido na cabeça do artigo 13 só pode ser o resultado JURÍDICO. Pela leitura do dispositivo conclui-se claramente que NÃO HÁ CRIME SEM RESULTADO. Logo, para não haver a exclusão dos crimes ditos formais do sistema penal brasileiro, deve-se entender esse resultado como sendo JURÍDICO, e não naturalístico.

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4. CRIMES EM QUE OCORRE O NEXO CAUSAL Ocorrerá nexo causal nos seguintes crimes:

a) crimes materiais – a lei penal exige, para sua caracterização, a produção de um resultado que cause uma modificação no mundo exterior, perceptível pelos sentidos;

b) crimes omissivos impróprios (comissivos por omissão) – são os constantes do §2o do

artigo 13 do CP, que também exigem resultado naturalístico para a responsabilização do agente;

Não ocorrerá nexo causal, em contrapartida, nos seguintes crimes:

a) formais – a consumação é antecipada para antes da ocorrência do resultado naturalístico. ESTE RESULTADO, CASO OCORRA, SERÁ CONSIDERADO MERAMENTE EXAURIMENTO DO CRIME.

b) de mera conduta – delitos de simples atividade, em que o legislador não fez qualquer

previsão de resultado naturalístico a fim de caracterizá-lo. Difere-se do formal porque, neste, embora não seja necessário o resultado naturalístico para sua consumação, o legislador o prevê como mero exaurimento do crime.

c) omissivos próprios ou omissivos puros – para sua caracterização, basta a inação do

agente. 5. TEORIAS SOBRE A RELAÇÃO DE CAUSALIDADE Várias teorias surgiram para explicar a relação de causalidade, dentre as mais importantes:

1) Teoria da causalidade adequada; 2) Teoria da relevância jurídica; 3) Teoria da equivalência dos antecedentes causais (ou da conditio sine qua non).

TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA. Define causa como a condição NECESSÁRIA e ADEQUADA a determinar a produção de um evento. A conduta é adequada quando é idônea a gerar o efeito. Ex.: não há relação de causalidade entre acender uma lareira e o incêndio na casa, pois para incendiar uma casa não basta que acendamos uma lareira. TEORIA DA RELEVÂNCIA JURÍDICA. Define causa como a condição relevante para o resultado. O juízo de relevância deve ser entendido, a princípio, como englobador da adequação. Irrelevante é tudo o que é imprevisível para o homem prudente, situado no momento da prática da ação. Só é causa relevante o objetivamente previsível. MEZGER afirma, ainda, que a relevância jurídica deve ser analisada de acordo com a interpretação teleológica dos tipos. Ex.: se uma pessoa jogar um balde de água em uma represa completamente cheia, fazendo romper o dique e causando uma inundação, não poderia ser penalmente responsabilizado pois sua conduta não pode ser considerada relevante ao ponto de ser-lhe imputada uma infração penal. TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES CAUSAIS – ADOTADA NO BRASIL. Causa é ação ou omissão sem os quais o resultado não teria ocorrido. Significa que todos os fatos anteriores ao resultado se equivalem, desde que indispensáveis à sua ocorrência. Verifica-se, por uma eliminação hipotética, se o fato antecedente é causa do resultado. Se suprimido o fato era possível uma modificação no resultado, é sinal de que o resultado foi causado pela conduta.

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EXISTE UMA FALHA NA TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES CAUSAIS: Se estivermos diante de fatos que, isoladamente, teriam plenas condições de produzir o resultado, haveria uma causalidade cumulativa. WELZEL propõe que, “se existem várias condições das quais cabe fazer abstração de modo alternativo, mas não conjuntamente, sem que deixe de produzir-se o resultado, cada uma delas é causal para a produção do resultado”. 6. REGRESSÃO EM BUSCA DAS CAUSAS DO RESULTADO A crítica experimentada pela teoria da equivalência dos antecedentes causais é no sentido de que, se para encontrarmos as causas de um resultado determinado sempre precisamos fazer uma regressão em busca de todas as causas que de alguma forma contribuíram para o resultado, chegaríamos a uma regressão ao infinito (ad infinitum). Para evitar essa regressão demasiada, devemos parar o raciocínio no momento em que cessarem o dolo ou a culpa por parte daquelas pessoas que tiveram importância na produção do resultado. Não é possível regressar além da vontade livre e consciente de produzir o resultado. Ex.: se A mata B com tiro de revólver, não se pode culpar o vendedor da loja de armas pela morte de B, a não ser que o vendedor tenha vendido a arma com a intenção específica de que A matasse B. 7. PROCESSO HIPOTÉTICO DE ELIMINAÇÃO DE THYRÉN De acordo com esse processo, desenvolvido pelo professor sueco Thyrén, para encontrar as causas do resultado lesivo devemos fazer um exercício mental da seguinte maneira: 1o) pensar no fato que entendemos influenciador do resultado; 2o) suprimir mentalmente esse fato da cadeia causal; 3o) se dessa supressão o resultado se modificar, é sinal de que o fato suprimido deve ser considerado como causa do resultado. 8. OCORRÊNCIA DO RESULTADO De acordo com a redação do artigo 13 do Código Penal, considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Mas será que somente pode ser considerada causa aquela ação que, no caso concreto, modifique efetivamente o resultado? Ex.: Uma pessoa não quer salvar seu inimigo mortal que está suspenso sobre um precipício por um simples ramo que se partiria em pouco tempo. Aliás, além de não querer salvar, resolve sacudir o ramo e antecipar sua quebra com a conseqüente morte da vítima. Daí perguntamos: se a causa for considerada como aquela ação sem a qual o resultado não teria ocorrido, e a ação do sujeito não modificou em nada o resultado (já que o ramo se partiria em pouco tempo), poderíamos deixar de considerar a ação do agente como causa do resultado? Lógico que não. A ação antecipou a queda, influenciando no resultado, que ocorreu DE FORMA DIVERSA DA QUE OCORRERIA SEM A AÇÃO. Portanto, a redação do artigo 13 está incompleta, pois considera-se causa, na verdade, toda ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido DA FORMA QUE OCORREU. 9. ESPÉCIES DE CAUSAS As causas podem ser:

- absolutamente independentes – são as causas do caput do artigo 13. - relativamente independentes - são as do §1o, do mesmo artigo.

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Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. § 1º. A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

9.1. CAUSA ABSOLUTAMENTE INDEPENDENTE É a causa que teria acontecido, vindo a produzir o resultado, mesmo se não tivesse havido qualquer conduta por parte do agente. As causas absolutamente independentes podem ser, em relação à conduta do agente: • preexistente – ocorre antes da conduta do agente. Ex.: A dispara contra o peito de B e este vem a falecer, não em virtude do disparo, mas em virtude de ter ingerido veneno para se suicidar. B morreu envenenado. Como não podemos considerar a conduta de A como a causadora do evento morte, A somente responderá por seu dolo, ou seja, como não conseguiu alcançar o resultado em virtude de acontecimento alheio à sua vontade, responderá por tentativa de homicídio. • concomitante – ocorre simultaneamente à conduta do agente. Ex.: A e B, sem saberem um a intenção do outro, desejam matar C e atiram contra ele no exato momento. Se ambos os disparos o atingem mas somente o de A vem a atingir seu coração, fazendo-o falecer, enquanto o de B atinge C no braço, B responderá por tentativa de homicídio (responde pelo dolo) e A responde por homicídio. • superveniente – a causa ocorre posteriormente à conduta do agente, e com ela não guarda relação de dependência alguma. Ex.: A atira em B e o atinge no peito. Logo após o tiro, o prédio no qual se encontravam vem a desabar. B morre em virtude do desabamento, e não em virtude do tiro. A responderá somente por seu dolo, por tentativa de homicídio. Se usarmos o método hipotético de eliminação de Thyrén, suprimindo a conduta de A, e mesmo assim verificarmos que o resultado ocorreria, a conduta de A não foi causadora do resultado. 9.2. CAUSA RELATIVAMENTE INDEPENDENTE É a causa que somente tem a possibilidade de produzir o resultado se for conjugada com a conduta do agente. A ausência de qualquer uma delas faz com que o resultado seja modificado. As causas relativamente independentes podem ser: • preexistente – já existia antes do comportamento do agente e, quando com ele conjugada numa relação de complexidade, produz o resultado. Ex.: A quer matar B e, sabendo ser B hemofílico, nele desfere um golpe de faca em região não letal. B é levado ao hospital e, embora a facada não o pudesse matar se não fosse hemofílico, morre em decorrência das complicações trazidas pela doença. Se o agente queria matar = homicídio doloso. Se o agente queria lesionar = lesão corporal seguida de morte. Se o agente desconhecia a doença e não queria matar, não responde por tentativa de homicídio, mas por lesão corporal simples (não por lesão corporal seguida de morte porque o resultado morte não estava dentro de seu campo de previsibilidade). • concomitante – é a causa que, ocorrendo numa relação de simultaneidade com a conduta do agente, conjugada com a mesma é também considerada produtora do resultado. Ex.: A e B querem matar C e, cada um deles ministra quantidade insuficiente de veneno ao mesmo tempo. C vem a falecer envenenado. Embora suprimindo a conduta de A e, depois, de B, o resultado não se produza, as condutas se somaram para produzir o resultado. Assim, tanto A quanto B responderão por homicídio doloso qualificado. Não há co-autoria, pois não há vínculo subjetivo entre os autores, mas autoria colateral. • superveniente – ocorre posteriormente à conduta do agente e com ela tem ligação.

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O código diz, no §1o do artigo 13, que essas causas só excluem a imputação do agente quando, por si sós, produziriam o resultado. Ex. clássico: A atira em B e este, vindo a ser socorrido, morre em razão de a ambulância ter colidido com um trem. Se retirarmos o disparo, a vítima não estaria na ambulância. Se retirarmos o acidente, mesmo se a vítima falecesse, o resultado não teria ocorrido COMO OCORREU. • o significado da expressão “por si só” – quando a lei penal diz que “a superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado”, quer dizer que só aqueles resultados que se encontrarem como um desdobramento natural da ação, ou seja, estiverem na linha de desdobramento físico da mesma, é que poderão ser imputados ao agente. A expressão “por si só” tem a finalidade de excluir a linha de desdobramento físico, fazendo com que o agente somente responda pelos atos já praticados. Se o resultado estiver na linha de desdobramento natural da conduta inicial do agente, este deverá por ele responder. Caso contrário, o agente somente responderá pelo seu dolo. Ex. 01: A atira em B, que provavelmente faleceria em razão dos disparos. B é socorrido por ambulância que vem a se envolver em acidente, que mata todos que nela estavam. Comprova-se que B morreu em razão do acidente, e não em razão dos disparos. O ACIDENTE NÃO PODE SER CONSIDERADO DESDOBRAMENTO FÍSICO NATURAL DA CONDUTA DE A. Quem é baleado, via de regra, não morre por acidente de trânsito. Assim, A somente responderá pelo seu dolo, ou seja, pela tentativa de homicídio. Ex. 02: A atira em B, que provavelmente faleceria em razão dos disparos. B é socorrido por ambulância e chega com vida no hospital. Enquanto se tratava, contrai infecção hospitalar e, embora já estivesse se recuperando, vem a falecer em virtude da infecção. A INFECÇÃO PODE SER CONSIDERADA DESDOBRAMENTO FÍSICO NATURAL DA CONDUTA DE A. Quem é baleado possui grandes chances de contrair infecção hospitalar. Assim, a responde por homicídio doloso consumado. • linha de desdobramento físico e significância da lesão – para que o resultado seja imputado ao agente, deve estar dentro da linha de desdobramento físico natural da conduta do agente. Mas essa regra não é absoluta. Para que não cheguemos a conclusões absurdas somente deve ser considerado como conseqüência da linha de desdobramento da conduta aquele resultado que seja produto de uma lesão relevante, grave, que tenha relevo. Ex.: se alguém ferir o dedo mínimo de outrem com canivete enferrujado e esta pessoa, sem o devido tratamento, contrair tétano e vier a falecer, podemos imputar o resultado morte ao agente? Obviamente não. Ao critério do desdobramento natural da ação física deve ser acrescentado outro ingrediente: o conceito de significância. Assim, a causa superveniente não romperá a cadeia linear de acontecimentos naturais quando for um desdobramento natural da ação do agente, DESDE QUE a causa anterior tenha um peso ponderável, mantendo certa correspondência lógica com o resultado mais lesivo a final verificado. CONCLUSÃO:

- causas relativamente independentes PREEXISTENTES e CONCOMITANTES = o agente responderá pelo resultado desde que estas causas estejam dentro do conhecimento do agente, senão estaríamos admitindo responsabilidade penal objetiva, ou seja, sem culpa.

- causas relativamente independentes SUPERVENIENTES possuem uma peculiaridade = não podem estar dentro do conhecimento do agente, pois são supervenientes. O resultado precisa estar dentro de uma linha natural de desdobramento fático da ação do agente e, além disso, a lesão advinda da ação deve ser significante, passível de produzir o resultado mais grave.

10. OMISSÃO COMO CAUSA DO RESULTADO Para o Código, considera-se causa tanto a conduta positiva (ação) quanto a conduta negativa (omissão), com a ressalva de que, nesta, deve estar presente o DEVER JURÍDICO de evitar, ou pelo menos tentar evitar, o resultado lesivo.

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11. CRIMES OMISSIVOS PRÓPRIOS E IMPRÓPRIOS Os crimes omissivos podem-se dividir em:

- crimes omissivos próprios, puros ou simples; - crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão, ou omissivos qualificados

(Jescheck). OMISIVOS PRÓPRIOS – são os objetivamente descritos com uma conduta negativa, de não fazer o que a lei determina, consistindo a omissão na transgressão da norma jurídica e não sendo necessário qualquer resultado naturalístico. Para a existência do crime, basta que o autor se omita quando deve agir. OMISSIVOS IMPRÓPRIOS – são os que, para sua configuração, é preciso que o agente possua um dever de agir para evitar o resultado. Esse dever de agir não é atribuído a qualquer pessoa, mas apenas àquelas que assumem o status de garantidoras da não-ocorrência do resultado lesivo. O §2o, do artigo 13, do CP, esclarece as situações em que surge a posição de garante:

§ 2º. A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

Daí podemos notar que o Código adotou o critério das FONTES FORMAIS DO DEVER DE GARANTIDOR, pois somente nessas hipóteses contempladas na lei surgirá o dever. Ao contrário, a TEORIA DAS FUNÇÕES, de ARMIN KAUFMANN, defendia a idéia de que garantidor seria aquele que tem relações estreitas com a vítima, independentemente de vínculo legal entre eles. DIFERENÇA BÁSICA: Nos omissivos próprios, o legislador descreve claramente a conduta imposta ao agente. Caso ele se abstenha de praticá-la, terá cometido o delito. Ex.:

- omissão de socorro; - abandono material; - abandono intelectual; - omissão de notificação de doença; - prevaricação.

Nos omissivos impróprios, não há descrição alguma, são eles tipos abertos. O julgador deve elaborar um trabalho de adequação, averiguando a) a existência da posição de garantidor e b) a sua real possibilidade de agir. Nos delitos omissivos impróprios exige-se a produção do resultado naturalístico, tendo em vista que ele corresponde à realização do tipo legal mediante uma ação ativa. 12. RELEVÂNCIA DA OMISSÃO

§ 2º. A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado.

Existe, portanto, a conjugação de dois fatores:

- dever de agir;

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- possibilidade de agir. Não basta que o sujeito esteja na posição de garantidor, que possua o dever jurídico de agir para evitar o resultado. Deve também poder agir fisicamente nesse sentido. A impossibilidade física afasta a responsabilidade penal do garantidor. 13. A POSIÇÃO DE GARANTIDOR Conforme o artigo 13, §2o, do CP, o dever de garante surge para aquele que:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; É a chamada “obrigação legal”. É obrigação derivada de lei, como a dos pais em relação aos filhos (art. 1.634, do CCB), a do salva-vidas (art. 144, V, da CF).

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; A lei, nessa alínea, dispôs de forma a alcançar o maior número de situações em que haja assunção do dever de impedir o resultado danoso, seja pela forma contratual ou não. Assim, tanto a babá, que assume a responsabilidade de impedir o resultado por meio de contrato de trabalho quanto o terceiro, que assume responsabilidade independentemente de contrário, responderão pelo dano eventualmente experimentado.

c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. Aquele que criou o risco para o bem jurídico de terceiro está obrigado a agir para impedir que o perigo se converta em dano, sob pena de responder pelo resultado típico, como se o tivesse causado por via comissiva. 14. TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA Conforme já estudamos, tipo complexo é o tipo composto por duas partes: uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. Pelo Princípio da culpabilidade, um determinado fato contido em um tipo penal só poderia ser imputado a alguém se o agente tivesse agido com dolo ou culpa (se nesse caso houver previsão legal). Na ausência de dolo ou culpa (elementos subjetivos), o resultado não pode ser atribuído ao agente para fins penais. Resolve-se o estudo da estrutura jurídica do crime em sede de fato típico. Não havendo conduta dolosa ou culposa, não há fato típico. Não havendo fato típico, não há crime. ESSE RACIOCÍNIO PRESERVA A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. Com o surgimento da imputação objetiva, a preocupação não é, à primeira vista, saber se houve dolo ou culpa no caso concreto. A análise se dá em um momento anterior a essa aferição. ANALISA-SE SE O RESULTADO PREVISTO NA PARTE OBJETIVA DO TIPO PODE OU NÃO SER IMPUTADO AO AGENTE. A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA SURGE PARA LIMITAR O ALCANCE DA TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES CAUSAIS. TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES CAUSAIS – ADOTADA NO BRASIL. Causa é ação ou omissão sem os quais o resultado não teria ocorrido. Significa que todos os fatos anteriores ao resultado se equivalem, desde que indispensáveis à sua ocorrência. Verifica-se, por uma eliminação hipotética, se o fato antecedente é causa do resultado. Se suprimido o fato era possível uma modificação no resultado, é sinal de que o resultado foi causado pela conduta. Com a teoria da imputação objetiva, deixa-se de observar uma relação de causalidade puramente material, naturalística, e passa-se a valorar uma relação de causalidade de natureza jurídica, normativa.

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CAUSALIDADE MATERIAL x IMPUTAÇÃO OBJETIVA CAUSALIDADE MATERIAL – relaciona uma conduta a um determinado resultado no plano naturalístico e constitui pressuposto para a imputação objetiva nos crimes de resultado. IMPUTAÇÃO OBJETIVA – é a atribuição normativa da produção de determinado resultado a um indivíduo, de modo a viabilizar sua responsabilização. Para a teoria da imputação objetiva, não basta que o resultado tenha sido produzido pelo agente para que se possa afirmar a sua relação de causalidade. É preciso, também, que a ele possa ser imputado juridicamente. A pretensão da teoria não é, propriamente, imputar o resultado, mas delimitar o alcance do tipo objetivo. É mais uma teoria da não-imputação do que da imputação. CLAUS ROXIN cria uma teoria geral da imputação para os crimes de resultado, com quatro hipóteses que IMPEDEM SUA IMPUTAÇÃO OBJETIVA:

a) a diminuição do risco; b) criação de um risco juridicamente relevante; c) aumento do risco permitido; d) esfera de proteção da norma como critério de imputação.

Diminuição do risco Se a ação do sujeito, aparentemente típica, na verdade se orientar para a diminuição do risco para um bem jurídico qualquer, não pode imputar ao agente o resultado. Ex.: se A percebe que contra a cabeça de B foi atirada uma pedra e, mesmo sabendo não conseguir evitar o impacto, empurra B fazendo que a pedra atinja região não letal, a ação diminuiu o risco em relação ao bem protegido. Criação de um risco juridicamente relevante Se a conduta não é capaz de criar um risco juridicamente relevante, ou seja, se o resultado pretendido pelo agente não depender exclusivamente de sua vontade, caso o resultado aconteça, deverá ser atribuído ao acaso. NÃO HÁ DOMÍNIO DO RESULTADO ATRAVÉS DA VONTADE HUMANA. Ex.: A quer matar B e compra-lhe passagem de avião na esperança de que haja um acidente. Se o acidente realmente ocorrer, a morte de B não poderá ser imputada a A, muito embora o resultado fosse querido por A, vez que a sua conduta, de comprar passagem esperando a queda do avião não criou um risco juridicamente relevante. Aumento do risco permitido Se a conduta do agente não houver, de alguma forma, aumentado o risco de ocorrência do resultado, este não lhe poderá ser imputado. Exemplo dos pêlos de cabra: Fabricante de pincéis encomenda pêlos de cabra para o fabrico dos mesmos. O fornecedor do material orienta o fabricante de que, antes de beneficiar o material, deveria ser feita uma desinfecção, para a segurança dos funcionários. O fabricante, negligentemente, não desinfecta o material e 4 de seus funcionários adoecem e morrem em razão da contaminação. Averiguando o material, percebe-se que as bactérias haviam criado resistência aos tratamentos de desinfecção e, por isso, mesmo se fossem feitos, as mesmas sobreviveriam. Assim, tendo em vista que a conduta negligente do fabricante não acarretou o incremento do risco da ocorrência do resultado, este não lhe pode ser imputado. Esfera de proteção da norma como critério de imputação Somente haverá responsabilidade quando a conduta afrontar a finalidade protetiva da norma. Ex.: A atropela e mata B. A mãe de B, ao saber da notícia, tem um colapso nervoso e morre. A morte da mãe de B deve ser imputada a A? Não, porque deve-se limitar a esfera de proteção da norma penal aos danos diretamente causados.

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GÜNTHER JAKOBS, por sua vez, partindo da idéia de que todo homem desempenha um papel dentro da sociedade e que a averiguação de responsabilidade penal depende da averiguação de quem efetivamente quebrou o seu papel, elabora quatro instituições jurídico-penais sobre as quais desenvolve a teoria da imputação objetiva:

a) risco permitido; b) princípio da confiança; c) proibição de regresso; d) competência ou capacidade da vítima.

Risco permitido O homem é um ser social e não existe sociedade em que não haja qualquer tipo de risco. Assim, um risco inerente à configuração social deve ser irremediavelmente tolerado como risco permitido. Portanto, se cada um se comporta dentro dos limites socialmente tolerados, situados no conceito do risco permitido, se de uma conduta advier um resultado lesivo, este será imputado ao acaso. Deve-se observar, aliás, que a avaliação do risco permitido não pode ser por demais genérica, devendo ser feita dentro do caso concreto. Princípio da confiança As pessoas dentro da sociedade devem confiar umas nas outras, devem acreditar que cada uma cumpre com seu papel, observa todos os deveres e obrigações para que sejam evitados danos a terceiros. Assim, não se imputarão objetivamente os resultados produzidos por quem obrou confiando em que outros se mantinham dentro dos limites do perigo permitido. Proibição de regresso Se cada um de nós se limitar a atuar de acordo como papel para o qual fomos incumbidos de desempenhar, se dessa nossa conduta advier algum resultado, ou mesmo contribuir para o cometimento de alguma infração penal, não podemos ser responsabilizados, ainda que soubéssemos da futura realização do resultado. Competência ou capacidade da vítima Aqui, GÜNTHER JAKOBS agrupa duas situações que merecem destaque: o consentimento do ofendido e as ações a próprio risco.

- consentimento do ofendido – pode afastar a tipicidade do fato ou excluir sua ilicitude. - ações a próprio risco – hipóteses em que a própria vítima, com seu comportamento,

contribui ou facilita que a conseqüência lesiva lhe seja imputada (lesão a um dever de autoproteção ou a própria vontade da vítima).

Heterocolocação em perigo – ocorre quando a vítima pede ao agente que pratique uma conduta arriscada, acreditando firmemente que não ocorrerá qualquer resultado danoso. Ex.: o passageiro, que está atrasado a um compromisso, pede que o motorista do táxi dirija acima da velocidade permitida. O táxi bate e o passageiro morre. De acordo com essa teoria, o resultado não pode ser imputado ao motorista. EM CONCLUSÃO:

1. A imputação objetiva é uma análise que antecede à imputação subjetiva; 2. A imputação objetiva pode dizer respeito ao resultado ou ao comportamento do agente; 3. O termo mais apropriado seria o de teoria da não-imputação, uma vez que a teoria visa,

com as suas vertentes, evitar a imputação objetiva (do resultado ou do comportamento) do tipo penal a alguém;

4. A teoria da imputação foi criada, inicialmente, para se contrapor aos dogmas da teoria da equivalência, erigindo uma relação de causalidade jurídica ou normativa, ao lado daquela outra de natureza material;

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5. Uma vez concluída pela não-imputação objetiva, afasta-se o fato típico.

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CAPÍTULO 26 – CONSUMAÇÃO E TENTATIVA 1. DISPOSITIVO LEGAL O CP esclarece quais são os momentos por ele considerados como consumação de um crime e também tentativa:

Art. 14. Diz-se o crime: I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.

2. ITER CRIMINIS Iter criminis, ou caminho do crime, pode ser definido como o conjunto de etapas que se sucedem, cronologicamente, no desenvolvimento do delito. É o caminho percorrido pelo crime desde seu surgimento na idéia íntima do agente, até sua consumação. O iter criminis é composto por cinco fases:

1. cogitação (cogitatio); 2. preparação (atos preparatórios); 3. execução (atos de execução); 4. consumação (summatum opus); 5. exaurimento.

COGITAÇÃO – fase interna ao agente. Corresponde à definição da infração que deseja praticar e representação e antecipação mental do resultado; PREPARAÇÃO – eleição dos meios dos quais fará uso para alcançar o resultado; EXECUÇÃO – é o início da execução do crime. Aqui, duas situações podem ocorrer:

a) o agente consuma a infração penal; b) a infração não chega a consumar-se, por circunstâncias alheias à vontade do agente,

ocorrendo então a tentativa. EXAURIMENTO – é a fase que se situa após a consumação do delito, esgotando-o plenamente. OBS.: O ITER CRIMINIS SÓ SE REFERE AOS CRIMES DOLOSOS, NÃO EXISTINDO QUANDO A CONDUTA DO AGENTE FOR DE NATUREZA CULPOSA. 3. CONSUMAÇÃO O CP diz estar consumado o crime quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal. Dada a variedade de espécies de delito, vários também são os momentos em que eles se consideram consumados. Para cada tipo de crime há um momento de consumação: A) crimes materiais, omissivos impróprios e culposos: consumam-se quando há a produção

do resultado naturalístico, ou seja, a modificação no mundo exterior. Ex.: homicídio. B) omissivos próprios: consumam-se com a abstenção do comportamento imposto ao agente.

Ex.: omissão de socorro. C) mera conduta: consumam-se com o simples comportamento previsto no tipo, não se exigindo

qualquer resultado naturalístico. Ex.: violação de domicílio. D) formais: consumam-se com a prática da conduta descrita no núcleo do tipo,

independentemente da obtenção do resultado esperado pelo agente, que, caso aconteça, será considerado mero exaurimento do crime. Ex.: extorsão mediante seqüestro.

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E) qualificados pelo resultado: consumam-se com a ocorrência do resultado agravador. Ex.: lesão corporal seguida de morte.

F) permanentes: consumam-se enquanto durar a permanência, vez que o crime permanente é aquele cuja consumação se prolonga no tempo. Ex.: seqüestro e cárcere privado.

4. NÃO-PUNIBILIDADE DA COGITAÇÃO E DOS ATOS PREPARATÓRIOS De acordo com o texto legal, crime tentado ocorre quando, INICIADA SUA EXECUÇÃO, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Daí podemos concluir que a conduta criminosa só é punível após a terceira fase do iter criminis, ou seja, após a prática de atos executórios, excluídas, portanto, a cogitação e a preparação. Acontece que, em alguns casos expressamente previstos na lei, os atos preparatórios foram alçados pelo legislador penal à categoria de delito autônomo. É o caso, por exemplo, dos delitos de formação de quadrilha ou bando (art. 288, do CP) e da contravenção de posse de instrumentos destinados usualmente à prática de furtos (art. 25, da LCP):

Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para fim de cometer crimes: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Art. 25. Ter alguém em seu poder, depois de condenado por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quando conhecido como vadio ou mendigo, gazuas, chaves falsas ou alteradas ou instrumentos empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não prove destinação legítima: Pena - prisão simples, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano, e multa.

Quando, por exemplo, quatro pessoas se reúnem para a prática de um único crime de furto, essa conduta não é punida pelo direito penal, pois a reunião é considerada mero ato preparatório para aquele fim. Quando, por outro lado, quatro pessoas se reúnem com a finalidade de praticar crimes, não sendo uma reunião eventual, mas de caráter duradouro, o que antes era mero ato preparatório passa a ser crime autônomo. A COGITAÇÃO, VALE FRISAR, JAMAIS PODERÁ SER OBJETO DE REPREENSÃO PENAL. Cogitationis poenam nemo patitur. 5. DIFERENÇA ENTRE ATOS PREPARATÓRIOS E ATOS DE EXECUÇÃO É extremamente importante o estudo sobre essa diferenciação, tendo em vista que, conforme exposto anteriormente, somente após iniciados os atos de execução o direito penal poderá usar sua força repreensiva, e entre a preparação e a execução de um delito é tênue a linha divisória. Ao menos pode-se falar em tentativa após o início dos atos de execução, quando o delito não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Várias teorias tentaram definir a tentativa: • teoria subjetiva – haveria tentativa quando o agente, de modo inequívoco, exteriorizasse sua conduta no sentido de praticar a infração penal. Essa teoria não faz distinção entre os atos preparatórios e os de execução. Assim, caso um sujeito queira matar o outro em uma emboscada, encurralando-o numa viela por onde sempre passava, e, por um motivo qualquer, no dia exato em que aguardava a vítima, esta resolveu fazer o caminho de carro, responderia por tentativa, vez que exteriorizou de maneira inequívoca sua intenção criminosa. • teoria objetiva – formal – só haveria tentativa quando o agente já tivesse praticado a conduta descrita no núcleo do tipo penal. Tudo o que antecede a esse momento é considerado como ato preparatório. • teoria objetiva – material – a teoria é um complemento da primeira. Incluem-se no âmbito da tentativa as condutas que, por sua necessária vinculação com a ação típica, aparecem como parte

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integrante dela, segundo uma natural concepção ou que produzem uma imediata colocação em perigo de bens jurídicos. • teoria da hostilidade ao bem jurídico – ocorreria tentativa quando houvesse uma agressão direta ao bem jurídico. Ato de execução é o que ataca efetiva e imediatamente o bem jurídico; ato preparatório é o que possibilita, mas não é ainda, sob o prisma objetivo, o ataque ao bem jurídico. 6. DÚVIDA SE O ATO É PREPARATÓRIO OU DE EXECUÇÃO A doutrina aconselha que, seja a teoria adotada para a distinção dos atos preparatórios dos executórios, se após uma análise detida não se conseguiu concluir se a conduta pode ou não ser considerada executória, deve-se decidir em benefício do agente, no sentido de se declarar a inexistência da tentativa. 7. TENTATIVA E ADEQUAÇÃO TÍPICA DE SUBORDINAÇÃO MEDIATA De acordo com o que foi dito anteriormente, dado o princípio da legalidade somente a conduta que perfeitamente se amolde no tipo descrito na lei penal (tipicidade formal) poderá ser objeto de sanção pelo direito penal. Porém, uma vez que o legislador, via de regra, descreve a consumação do delito no tipo penal, como adequar a tentativa (em que não há consumação) aos respectivos tipos? Para se evitar que as condutas restem impunes, foram criadas as NORMAS DE EXTENSÃO, tais como a prevista no inciso II, do art. 14, que funcionam fazendo com que se amplie a figura típica, de modo a abranger situações não previstas expressamente pelo tipo penal. Assim, quando não é o próprio tipo quem prevê expressamente a tentativa, como no artigo 352, do CP, OCORRE UMA ADEQUAÇÃO TÍPICA DE SUBORDINAÇÃO INDIRETA, OU MEDIATA, pois será necessária a ação de uma norma de extensão prevista na lei.

Art. 352. Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o indivíduo submetido a medida de segurança detentiva, usando de violência contra a pessoa: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, além da pena correspondente à violência.

8. ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM O CRIME TENTADO Para que haja tentativa, são necessários três requisitos:

- conduta dolosa; - prática de atos de execução; - não consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente.

CONDUTA DOLOSA – não existe dolo da tentativa, o agente não age com o objetivo de tentar, mas de conseguir. Desde o início da execução até a interrupção de seus atos seu dolo não se modifica. NÃO CONSUMAÇÃO POR CIRCUNSTÂNCIAS ALHEIAS À VONTADE DO AGENTE – não importa se o resultado não foi alcançado porque o agente interrompeu os atos executórios ou se, mesmo se utilizando de todos os meios disponíveis no momento, não ocorreu o resultado pretendido, a conseqüência será a mesma. 9. TENTATIVA PERFEITA E IMPERFEITA Tentativa perfeita, acabada, ou crime falho – ocorre quando o agente esgota todos os meios que tinha ao seu dispor a fim de alcançar a consumação da infração penal, que somente não ocorre por circunstâncias alheias à sua vontade. Tentativa imperfeita ou inacabada – ocorre quando o agente é interrompido durante a prática dos atos de execução, não chegando a fazer tudo aquilo que intencionava visando consumar o delito.

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10. TENTATIVA E CONTRAVENÇÃO PENAL Sendo a Lei das Contravenções Penais regra especial em relação ao Código Penal e, ainda, prevendo em seu artigo 4o, que não é punível a tentativa de contravenção, não se aplica o inciso II, do artigo 14, do CP, sendo impossível, portanto, a adequação típica de subordinação indireta ou mediata. Contravenção não consumada é fato atípico. 11. CRIMES QUE NÃO ADMITEM A TENTATIVA Diz-se em doutrina que o crime admite tentativa se pudermos fracionar o iter criminis. Contudo, a doutrina especifica alguns delitos que, ao menos em tese, não admitem a tentativa: • contravenções penais • crimes habituais – são delitos em que, para se chegar à consumação, é preciso que o agente pratique, de forma reiterada e habitual, a conduta descrita no tipo. • crimes preterdolosos – fala-se em preterdolo quando há dolo na conduta e culpa no resultado. Dolo no antecedente, culpa no conseqüente. As infrações culposas demandam resultado. Se não há resultado, não há crime culposo (e na tentativa não há resultado, ao menos o pretendido pelo autor). • crimes culposos – se não há vontade dirigida à prática de uma infração penal não existirá a necessária circunstância alheia à vontade do agente, que impediria a consumação do delito. Não existe iter criminis em delito culposo. ENTRETANTO, NA CULPA IMPRÓPRIA PODER-SE IA COGITAR EM TENTATIVA. Ocorre CULPA IMPRÓPRIA quando o agente, em virtude de ERRO EVITÁVEL PELAS CIRCUNSTÂNCIAS, dá causa DOLOSAMENTE a um resultado, mas responde como se tivesse praticado um DELITO CULPOSO. • crimes nos quais a simples prática da tentativa é punida com as mesmas penas do crime consumado – na verdade, nesse caso pode ocorrer tentativa. A diferença é que não haverá qualquer diminuição na pena do agente se ele não alcança o resultado por circunstâncias alheias à sua vontade. Ex.: art. 352, do CP:

Art. 352. Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o indivíduo submetido a medida de segurança detentiva, usando de violência contra a pessoa: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, além da pena correspondente à violência.

• crimes unissubsistentes – unissubsistente é o crime no qual a conduta do agente é exaurida num único ato, não se podendo fracionar o iter criminis. Ex.: injúria verbal. • crimes omissivos próprios – nesses crimes, ou o agente não pratica a conduta determinada pela lei e consuma a infração, ou pratica a conduta, não havendo qualquer fato típico. 12. TENTATIVA E CRIME COMPLEXO Crime complexo é aquele em que, numa mesma figura típica, há a fusão de dois ou mais tipos penais. Consumam-se os crimes complexos pela realização dos dois tipos integrantes de sua essência. O problema surge em relação ao latrocínio (homicídio + subtração):

- homicídio consumado + subtração consumada = latrocínio consumado; - homicídio tentado + subtração tentada = latrocínio tentado; - homicídio tentado + subtração consumada = ?

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Para NELSON HUNGRIA, haveria tentativa de homicídio qualificado (121, §2o, V):

§ 2º. Se o homicídio é cometido: V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

O autor justifica sua posição com base na discrepância entre a conduta do agente e a pena cominada ao latrocínio. Acontece que, após 1990, com a Lei 8.072, a pena mínima do latrocínio foi aumentada para 20 anos, não mais subsistindo os argumentos do autor. CONCLUSÃO: homicídio tentado + subtração consumada = latrocínio tentado.

- homicídio consumado + subtração tentada = 3 correntes: 1a) LATROCÍNIO TENTADO, por ser crime complexo; 2a) HOMICÍDIO QUALIFICADO CONSUMADO, nas lições de HUNGRIA, acima descritas; 3a) LATROCÍNIO CONSUMADO – corrente majoritária, inclusive com súmula do STF (610):

610 - Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima.

13. TENTATIVA BRANCA Fala-se em tentativa branca, ou incruenta, quando o agente, mesmo utilizando-se de todos os meios ao seu dispor, não consegue sequer lesar minimamente o bem jurídico visado. Para que se fale em tentativa branca, deve-se analisar o dolo do agente. Ex.: A atira em B e erra o alvo. Sem analisarmos o dolo de A não podemos dizer se ele desejava matar, ferir, ou somente expor a vida de terceiro a perigo (arts. 121, 129 e 132, respectivamente). 14. TEORIAS SOBRE A PUNIBILIDADE DO CRIME TENTADO SUBJETIVA – tendo em vista que o agente não consuma o delito por circunstâncias alheias à sua vontade, reponde como se houvesse a consumação, aplicando-se a pena do delito consumado e não ocorrendo qualquer redução pelo fato da não consumação do mesmo. (NÃO É ADOTADA NO BRASIL)

OBJETIVA – deve haver uma redução na pena quando o agente não consegue alcançar o resultado. Entretanto, essa regra sofre algumas exceções, conforme já exposto anteriormente. Assim, adota-se no Brasil a TEORIA OBJETIVA MODERADA, TEMPERADA OU MATIZADA.

15. PUNIÇÃO DA TENTATIVA COMO DELITO AUTÔNOMO Optou o legislador por erigir a tentativa a crime autônomo, não havendo portanto a adequação típica por subordinação mediata, ou indireta, mas sim por subordinação imediata, ou direta. 16. TENTATIVA E APLICAÇÃO DA PENA Pune-se a tentativa com a pena do crime consumado, reduzida de um a dois terços. Qual o critério a ser utilizado pelo julgador para escolher o percentual de diminuição? Entende a doutrina que, quanto mais próximo o agente chegar da consumação da infração penal, menor será o percentual de redução e, ao contrário, quanto mais distante o agente permanecer da consumação do crime, maior será a redução.

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17. TENTATIVA E DOLO EVENTUAL Para o autor, é completamente incompatível a tentativa com o dolo eventual. A própria definição legal da tentativa nos impede de reconhece-la nos casos em que o agente atua com dolo eventual. Se o CP, em seu art. 14, II, diz ser o crime tentado quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias À VONTADE DO AGENTE, nos está a induzir, mediante a palavra vontade, que a tentativa somente será admissível quando a conduta do agente for finalística e diretamente dirigida à produção de um resultado, e não nas hipóteses em que somente assuma o risco de produzi-lo, nos termos propostos pela teoria do assentimento. PORTANTO, O ART. 14, II, DO CÓDIGO PENAL ADOTOU, PARA FINS DE RECONHECIMENTO DO DOLO, A TEORIA DA VONTADE. Para alguns autores espanhóis, essa incompatibilidade se explica no fato de que o dolo eventual tem a estrutura de uma imprudência a que, por razões político-criminais, se aplica a pena do delito doloso. fatos. Quando essa falsa noção é vencível, o agente culposamente não a superou. Assim, pratica atos dolosos, mas responde por crime culposo.

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CAPÍTULO 27 – DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ 1. DISPOSITIVO LEGAL

Art. 15. O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.

Noção - Quem desiste de prosseguir na execução desiste de perseguir a consumação, evidentemente. O iter criminis, como já se viu, possui quatro fases: cogitação, preparação, execução e consumação. A distinção entre desistência voluntária e arrependimento eficaz reside, exatamente, na realização das fases do delito. Para a primeira, o agente, voluntariamente, cessa a prática dos atos executórios, deixando de perseguir o resultado inicialmente desejado. No segundo caso, arrependimento eficaz, o agente pratica todos os atos de execução, passando, nesse momento, a buscar o impedimento do resultado. Exemplo típico é o do agente que cogita e se prepara para envenenar a vítima e, no momento em que esta vai, desavisadamente, ingerir a substância letal, o sujeito ativo impede que o fato ocorra (desistência voluntária). Pode ocorrer, todavia, que a vítima sorva o veneno e o agente, imediatamente, por ato voluntário, ministre-lhe um antídoto, impedindo o resultado morte (arrependimento eficaz). Em ambos os casos o agente só é responsável pelos atos já praticados. A doutrina e a jurisprudência a respeito são fartas, mesmo porque há questões doutrinárias relevantes, como entendimento de estar presente causa de exclusão da punibilidade ou a atipicidade da conduta. 2. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA 2.1. Introdução Para que se possa falar em desistência voluntária é necessário que o agente já tenha ingressado na fase dos atos de execução. Na desistência voluntária, o agente interrompe, voluntariamente, os atos de execução, impedindo, por ato seu, a consumação da infração penal, razão pela qual a desistência voluntária é também conhecida por TENTATIVA ABANDONADA. 2.2. Desistência voluntária e política criminal Com a desistência voluntária, o agente só responde pelos atos já praticados, ficando afastada sua punição pela tentativa da infração penal por ele pretendida inicialmente. Por razões de política criminal, prefere-se punir a desistência voluntária de forma menos gravosa que a tentativa, numa forma de incentivar o agente a desistir dos atos executórios já tomados a efeito. 2.3. A desistência deve ser voluntária, e não espontânea A lei não exige que o agente decida-se por parar os atos de execução ESPONTANEAMENTE. De forma mais clara: para a lei, não interessa se a idéia de desistir da execução partiu do agente (espontaneamente) ou se ele foi induzido a isso por circunstâncias externas que, se não houvessem, não o impediriam de consumar a infração (provocado). O que interessa é que o agente, no momento de sua desistência, seja DONO DE SUA VONTADE. A desistência tem que ser VOLUNTÁRIA. O agente deve ter tido a vontade de desistir.

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2.4. Fórmula de FRANK A fórmula serve para distinguir a desistência voluntária dá não consumação por circunstâncias alheias à vontade do agente. Funciona assim: se o agente disser:

- “posso prosseguir, mas não quero” = DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA; - “quero prosseguir, mas não posso” = TENTATIVA.

2.5. Responsabilidade do agente somente pelos atos já praticados Verifica-se, após a cessação dos atos executórios, quais infrações penais o agente cometeu até o momento da desistência. O OBJETIVO DO INSTITUTO É IMPEDIR QUE O AGENTE RESPONDA PELA TENTATIVA. 2.6. Agente que possui um único projétil em seu revólver Questão sempre levantada na doutrina é o caso do agente que, possuindo um único projétil em sua arma, dispara-o, agindo com dolo de matar, e atinge o desafeto em região não letal. No caso, poderia ele sustentar a desistência voluntária para se eximir da pena de tentativa? Lógico que não. O agente, ao efetuar os disparos, exauriu todos os meios dos quais dispunha para causar o resultado morte. Tendo deixado a fase dos atos executórios, não mais se pode falar em desistência voluntária, devendo o agente responder, portanto, por tentativa de homicídio, e não por lesões corporais. 3. ARREPENDIMENTO EFICAZ Ocorre quando o agente, após esgotar todos os meios de que dispunha para chegar à consumação da infração penal, arrepende-se e atua em sentido contrário, evitando a produção do resultado inicialmente pretendido. 4. NATUREZA JURÍDICA DA DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E DO ARREPENDIMENTO EFICAZ Enquanto NELSON HUNGRIA dizia que são causas de extinção da punibilidade não previstas no artigo107, do Código Penal, FREDERICO MARQUES, DAMÁSIO e o autor defendem que se trata de CAUSAS QUE CONDUZEM À ATIPICIDADE DO FATO. 5. DIFERENÇA ENTRE DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ A diferença reside no momento em que a conduta do agente direcionada ao ilícito pára: Na desistência voluntária o processo de execução do crime ainda está em curso; No arrependimento eficaz, a execução do crime já foi encerrada. 6. NÃO-IMPEDIMENTO DA PRODUÇÃO DO RESULTADO Se, ainda que com a desistência voluntária ou com o arrependimento eficaz o resultado lesivo antes pretendido ocorrer, o agente não será beneficiado com os institutos, respondendo portanto pelo crime consumado.

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CAPÍTULO 28 – ARREPENDIMENTO POSTERIOR 1. DISPOSITIVO LEGAL Dispõe o artigo 16, do CP, que:

Art. 16. Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

Noção - Diferentemente no disposto no artigo anterior, no caso, ocorreu o resultado. Há doutrinadores que criticam o dispositivo, por entender que é um benefício injusto àquele que consumou um delito. Mas há, também, aqueles que seguem o entendimento do legislador, que foi não o de beneficiar o agente mas a vítima, oferecendo ao sujeito ativo o benefício, uma vez reparado o dano ou restituída a coisa. Como bem ensina o preceito, havendo violência ou grave ameaça à pessoa, não pode ocorrer o arrependimento posterior, como é o caso do roubo. 2. NATUREZA JURÍDICA Sempre que o legislador nos oferecer em frações as diminuições ou os aumentos a serem aplicados, estaremos, respectivamente, diante de causas de diminuição ou de aumento de pena. Se essas causas estiverem na Parte Geral do CP, serão causas gerais de diminuição ou de aumento de pena. Se estiverem na Parte Especial, serão causas especiais de diminuição ou de aumento de pena. Em conclusão, a natureza jurídica do arrependimento posterior é de CAUSA GERAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. 3. POLÍTICA CRIMINAL A instituição do arrependimento posterior foi feita mais em benefício da vítima que em benefício do autor, pois serve de incentivo ao infrator a reparar o dano ou restituir a coisa, amenizando, para a vítima, as conseqüências da infração penal. De acordo com o item 15 da Exposição de Motivos da parte geral do Código:

15. O Projeto mantém a obrigatoriedade de redução de pena, na tentativa (artigo 14, parágrafo único), e cria a figura do arrependimento posterior à consumação do crime como causa igualmente obrigatória de redução de pena. Essa inovação constitui providência de Política Criminal e é instituída menos em favor do agente do crime do que da vítima. Objetiva-se, com ela, instituir um estímulo à reparação do dano, nos crimes cometidos "sem violência ou grave ameaça à pessoa".

4. MOMENTOS PARA A REPARAÇÃO DO DANO OU RESTITUIÇÃO DA COISA Pela simples leitura do dispositivo pode-se perceber que o marco final para a reparação do dano ou restituição da coisa é o RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. Frise-se que, ainda que OFERECIDA a denúncia, o agente poderá se beneficiar do favor legal, desde que não tenha sido RECEBIDA pelo juiz. 5. INFRAÇÕES PENAIS QUE POSSIBILITAM A APLICAÇÃO DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR

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É aplicável a causa geral de diminuição de pena a todos os delitos em que não existam como elementares do tipo a violência ou a grave ameaça CONTRA A PESSOA, desde que reparado o dano ou restituída a coisa até o recebimento da denúncia ou queixa, por ato voluntário do agente. 6. ATO VOLUNTÁRIO DO AGENTE Assim como salientado quando analisamos a desistência voluntária, no arrependimento posterior também se exige que o ato seja voluntário (espontâneo ou provocado), e não somente espontâneo. Pode ocorrer, entretanto, que terceira pessoa restitua a coisa ou repare o dano em nome do agente. Temos duas correntes sobre o assunto: 1a) MAIS LEGALISTA, mais atrelada à letra da lei, exige a pessoalidade do ato, não permitindo a redução de pena se este for realizado por terceiro, ainda que em nome do agente. 2a) MAIS LIBERALISTA, atende aos interesses da vítima e do agente, permitindo a aplicação da redução de pena 7. REPARAÇÃO OU RESTITUIÇÃO TOTAL, E NÃO PARCIAL A Doutrina se divide. O autor, por exemplo, entende que a reparação ou restituição devem ser totais, e não parciais. A restituição parcial da coisa definitivamente não dá ensejo à redução da pena. Na verdade, na impossibilidade de restituição da coisa, ou no caso de sua restituição parcial, admite-se a reparação parcial do dano DESDE QUE CONJUGADO COM O CONFORMISMO DA VÍTIMA. 8. EXTENSÃO DA REDUÇÃO AOS CO-AUTORES Existem casos em que a subtração da coisa ou a realização do dano à vítima são realizados com a participação de dois ou mais agentes. Como fica o problema da redução da pena aqui?

- se a coisa for restituída integralmente à vítima, ainda que por um só dos agentes, o benefício se estenderá aos demais;

- se a coisa for restituída parcialmente, nenhum dos agentes terá direito ao benefício, nem sequer aquele que a restituiu.

E o mesmo raciocínio é aplicável à reparação do dano, nos casos em que a restituição da coisa se tornou impossível. A reparação do dano é um dado do mundo da realidade, portanto circunstância objetiva, que não se restringe à esfera pessoal de quem a realiza. 9. COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA E ARREPENDIMENTO POSTERIOR Cooperação dolosamente distinta é aquela que ocorre quando um dos agentes do crime queria praticar crime menos grave do que o efetivamente praticado. Ver artigo 29, §2o, do CP:

Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. § 2º. Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

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Nesse caso, se o agente que tinha a intenção de praticar o delito menos grave (furto, p. ex.) devolver a coisa ou reparar o dano integralmente, somente a ele será aplicada a redução de pena, caso no crime mais grave efetivamente praticado tenha ocorrido violência ou grave ameaça a pessoa. 10. DIFERENÇA ENTRE ARREPENDIMENTO POSTERIOR E ARREPENDIMENTO EFICAZ A diferença principal reside no fato de que no arrependimento posterior o resultado já foi produzido, enquanto no arrependimento eficaz a eficácia reside justamente no fato de o resultado ser evitado. Outra diferença é a ressalva que a lei faz à aplicação da redução de pena do arrependimento posterior dizendo ser aplicável somente nos casos em que não houver violência ou grave ameaça contra a pessoa. No arrependimento eficaz não há esta restrição. No arrependimento posterior há uma redução obrigatória de pena. No arrependimento eficaz, o agente só responde pelos fatos já praticados. 11. A SÚMULA N.O 554 DO STF A súmula 554, do STF, diz o seguinte:

554 - O pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal.

Da simples leitura do teor da súmula podemos deduzir que o pagamento do cheque sem fundos antes do recebimento da denúncia obsta ao prosseguimento da ação penal. A súmula foi publicada antes da vigência do novo teor da parte geral do Código Penal, que introduziu o arrependimento eficaz no artigo 16. E aí? A súmula continua sendo aplicada ou não? Frise-se que o problema é o seguinte: a conduta de reparar o dano antes do recebimento da denúncia poderia ter duas conseqüências diferentes, dependendo do fundamento legal:

- Artigo 16 – arrependimento posterior – redução de pena de 1/3 a 2/3. - Súmula 554 – fim da ação penal.

A solução apresentada pelo Supremo é no sentido de que nos casos de emissão de cheques sem fundo somente a súmula 554 é aplicável. E só nesses casos, frise-se bem. 12. REPARAÇÃO DO DANO APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA Se o agente repara o dano ou restitui a coisa após o recebimento da denúncia obviamente estaremos impedidos de aplicar a causa geral de redução de pena do artigo 16. Entretanto, por motivos de Política Criminal, o agente que assim procede será beneficiado pela aplicação da CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE trazida no artigo 65, III, b, segunda parte, do CP:

Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: III - ter o agente: b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;

13. REPARAÇÃO DOS DANOS E A LEI N.O 9.099/95 Diferente situação ocorre quando comparamos a conseqüência jurídica da restituição da coisa ou reparação do dano antes do recebimento da denúncia em crime contido no Código Penal com crime de competência do Juizado Especial Criminal.

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De acordo com o artigo 75 da Lei 9.099/95:

Art. 75 – Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.

Enquanto o arrependimento posterior tem como conseqüência a redução da pena entre 1/3 e 2/3, a composição dos danos entre autor e vítima, realizada na audiência preliminar tem o condão de EXTINGUIR A PUNIBILIDADE (art. 107, V, do CP), visto que trata-se de hipótese de renúncia legal imposta à vítima ao seu direito de apresentar queixa ou representação.

Art. 107. Extingue-se a punibilidade: V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;

Algumas diferenças:

- não importa se o crime de competência do Juizado Especial foi ou não cometido com violência ou grave ameaça contra a pessoa;

- o crime deve ser de ação privada ou de ação pública condicionada à representação. 14. ARREPENDIMENTO POSTERIOR E CRIME CULPOSO Embora haja restrição legal à aplicação do arrependimento posterior aos crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa, é perfeitamente possível aplicá-lo aos crimes culposos. Isto se justifica em razão do teor do item 15 da Exposição de Motivos da parte especial do Código Penal, que deixa claro que a intenção do arrependimento posterior é beneficiar menos o autor que a vítima, fazendo que ela seja reparada dos danos sofridos o mais rápido possível.

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CAPÍTULO 29 – CRIME IMPOSSÍVEL 1. DISPOSITIVO LEGAL Dispõe o artigo 17, do CP, que:

Art. 17. Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.

2. INTRODUÇÃO Quando o legislador trata do crime impossível, parte do pressuposto que o agente já ingressou na fase de execução do delito e que este não se consumou por circunstâncias alheias a sua vontade. Essa conclusão podemos tirar do fato de que o legislador já introduz o instituto dizendo “não se pune a tentativa quando...”. Por isso, o crime impossível é também conhecido como:

- tentativa inidônea; - tentativa inadequada ou - quase-crime.

3. TEORIAS SOBRE O CRIME IMPOSSÍVEL Duas teorias surgiram para explicar o crime impossível: a teoria subjetiva e a objetiva. A objetiva, por sua vez, se divide em teoria objetiva pura e teoria objetiva temperada. TEORIA SUBJETIVA – não importa se o meio ou o objeto são absoluta ou relativamente ineficazes ou impróprios, bastando que o agente tenha agido com vontade de praticar a infração penal para que seja configurada a tentativa. TEORIA OBJETIVA PURA – não interessa se os meios ou objeto eram absolutamente ou relativamente inidôneos para que se alcançasse o resultado. Em qualquer desses casos não haverá bem jurídico em perigo, não existindo fato punível. TEORIA OBJETIVA TEMPERADA – os atos praticados pelo agente só são puníveis se os meios e os objetos são relativamente eficazes. ESSA TEORIA FOI ADOTADA NO BRASIL. 4. ABSOLUTA INEFICÁCIA DO MEIO O que se pode entender por meio? É tudo aquilo utilizado pelo agente capaz de ajuda-lo a produzir o resultado por ele pretendido. E o que vem a ser meio absolutamente ineficaz? É o meio de que o agente se vale a fim de cometer a infração penal, mas que, no caso concreto, por mais que o agente queira realizar a conduta descrita no tipo, jamais o conseguirá com a utilização do meio escolhido, pois ele não possui qualquer aptidão para produzir os efeitos pretendidos. Ex.: envenenar alguém com açúcar, falsificação grosseira.

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5. MEIO RELATIVAMENTE INEFICAZ Ocorre a ineficácia relativa do meio quando este, embora normalmente capaz de produzir o evento intencionado, falha no caso concreto, por uma circunstância acidental na sua utilização. Ex.: uso de munição velha em revólver para tentar matar alguém; gestante que, querendo abortar, ingere medicamento abortivo com prazo de validade vencido. 6. ABSOLUTA IMPROPRIEDADE DO OBJETO Objeto é tudo aquilo contra o qual se dirige a conduta do agente. A impropriedade absoluta do objeto reside na impossibilidade de lesar o bem jurídico que não existe ou cuja lesão já se exauriu de forma absoluta. Ex.: desferir tiros em direção a pessoa já morta, a mulher, acreditando equivocadamente que está grávida, toma medicamento abortivo. 7. OBJETO RELATIVAMENTE IMPRÓPRIO Ocorre a impropriedade relativa do objeto quando este é colocado efetivamente numa situação de perigo, ou seja, está apto a sofrer com a conduta do agente, que pode ou não vir a alcançar o resultado inicialmente pretendido. Ex.: se um sujeito quer bater a carteira do outro e erra o bolso, comete tentativa de furto (pela impropriedade relativa do objeto), mas se a vítima não possuía carteira em nenhum dos bolsos, comete crime impossível (pela impropriedade absoluta do objeto). 8. CRIME IMPOSSÍVEL E A SÚMULA N.O 145 DO STF De acordo com a súmula 145,

145 - Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.

É o caso do flagrante preparado, em que a total impossibilidade de se consumar a infração penal pretendida pelo agente pode ocorrer tanto no caso de absoluta ineficácia do meio por ele utilizado como no de absoluta impropriedade do objeto A diferença entre o flagrante preparado e o flagrante esperado reside na existência ou não do estímulo, da indução do agente à pratica de algum delito. No flagrante preparado o agente é induzido pela vítima e pelas autoridades policiais, no esperado não há essa indução. É justamente por essa razão que o autor discorda de parte da doutrina, que atribui diferentes efeitos ao flagrante preparado (crime impossível) e ao flagrante esperado (tentativa). Se o agente não tiver qualquer possibilidade de chegar à consumação do delito, o crime será impossível. 9. DIFERENÇA ENTRE CRIME IMPOSSÍVEL E CRIME PUTATIVO A diferença reside no fato de que no crime impossível a conduta do agente é descrita em algum tipo penal, mas o resultado não ocorre ou pela absoluta impropriedade do objeto ou pela absoluta ineficácia do meio. Já no crime putativo, a conduta do agente não é descrita em qualquer tipo penal. O agente, embora acredite estar praticando crime, pratica fato atípico. É considerado, portanto, um indiferente penal.

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CAPÍTULO 30 – AGRAVAÇÃO PELO RESULTADO 1. DISPOSITIVO LEGAL Dispõe o artigo 19, do CP, que:

Art. 19. Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente.

2. INOVAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES CONTIDAS NO ARTIGO 19 DO CÓDIGO PENAL O código de 1940 não possuía dispositivo semelhante ao artigo 19 em sua redação. Por isso, haviam duas correntes quanto à responsabilização ou não do agente pelo resultado agravador da infração penal:

- o resultado agravador somente podia ser imputado quando resultante de dolo ou culpa; - o resultado agravador deve ser atribuído ao agente tão-somente pela sua ocorrência, não

se importando em verificar se este resultado, pelo menos, era previsível. ERA A CONSAGRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA.

O item 16 da Exposição de Motivos da nova parte geral do Código Penal deixou bem claro o objetivo da alteração trazida ao ordenamento quanto a esse ponto:

16. Retoma o Projeto, no artigo 19, o princípio da culpabilidade, nos denominados crimes qualificados pelo resultado, que o Código vigente submeteu a injustificada responsabilidade objetiva. A regra se estende a todas as causas de aumento situadas no desdobramento causal da ação.

Ninguém poderá responder pelo resultado mais grave se não o tiver causado ao menos culposamente. Não há mais como se cogitar da imposição de pena com base no reconhecimento puro e simples do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado qualificador. 3. CRIMES QUALIFICADOS PELO RESULTADO Ocorre o crime qualificado pelo resultado quando o agente atua com dolo na conduta e dolo quanto ao resultado qualificador, ou dolo na conduta e culpa no que diz respeito ao resultado qualificador (neste caso, denomina-se crime PRETERDOLOSO). Existe dolo e dolo ou dolo e culpa. Por isso afirmamos que todo crime preterdoloso é crime qualificado pelo resultado, mas nem todo crime qualificado pelo resultado é preterdoloso. DOLO + DOLO – lesão corporal qualificada pela perda ou inutilização de membro. DOLO + CULPA – lesão corporal qualificada pelo resultado aborto. 4. FINALIDADE DO ARTIGO 19 DO CÓDIGO PENAL O objetivo do artigo 19 é afastar a responsabilidade penal objetiva, evitando-se que o agente responde por infrações que sequer ingressaram na sua órbita de previsibilidade. O efeito prático do artigo pode ser observado com o seguinte exemplo:

- capoeirista dá rasteira em desafeto sobre as areias das dunas de Cabo Frio querendo causar-lhe lesão leve. O sujeito cai de cabeça sobre a única pedra existente naquelas dunas, escondida sob a fina areia = O AGENTE RESPONDE POR LESÃO CORPORAL LEVE, não lhe podendo ser atribuído o resultado agravador morte, pois escapava a seu âmbito de previsibilidade.

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- capoeirista dá rasteira em desafeto, querendo causar-lhe lesão leve, não sobre as areias de Cabo Frio, mas sobre as pedras do Arpoador = O AGENTE RESPONDE POR LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE, pois o resultado é perfeitamente previsível, podendo ser atribuído ao agente.

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CAPÍTULO 31 – ERRO DE TIPO 1. DISPOSITIVO LEGAL Dispõe o artigo 20, do CP, que:

Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. § 1º. É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. § 2º. Responde pelo crime o terceiro que determina o erro. § 3º. O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.

2. CONCEITO DE ERRO E SUA DISTINÇÃO DA IGNORÂNCIA Erro é a falsa representação da realidade ou o falso ou equivocado conhecimento de um objeto (é um estado positivo). Ignorância é a falta de representação da realidade, ou o completo desconhecimento do objeto (é um estado negativo). Apesar dessa distinção, erro e ignorância são tratados de forma idêntica pelo Direito Penal. Seus efeitos são idênticos. 3. ERRO DE TIPO No erro de tipo o sujeito comete ou está cometendo o crime e, por algum motivo qualquer, não sabe disso. Erro de tipo é o erro que recai sobre as elementares, circunstâncias ou qualquer dado que se agregue a uma determinada figura típica. Ocorre um erro de tipo quando alguém não conhece, ao cometer o fato, uma circunstância que pertence ao tipo legal. O erro de tipo é o reverso do dolo do tipo: quem atua “não sabe o que faz”, falta-lhe, para o dolo do tipo, a representação necessária. Se o agente tem uma falsa representação da realidade, falta-lhe a consciência de que pratica uma infração penal e, dessa forma, resta afastado o dolo que, como vimos, é a vontade livre e consciente de praticar a conduta incriminada. Entretanto, se o erro for evitável (ou inexcusável), o agente responderá a título de culpa se houver previsão legal para tanto. Exemplos de erro de tipo:

- o agente pega coisa alheia como própria; - o agente relaciona-se sexualmente com menor de 14 anos, supondo-a maior; - o agente contrai casamento com pessoa já casada, desconhecendo o matrimônio anterior; - o agente apossa-se a coisa alheia, supondo-a abandonada; - o agente atira em alguém imaginando ser um animal; - o agente deixa de agir por desconhecer sua qualidade de garantidor.

4. CONSEQÜÊNCIAS DO ERRO DE TIPO O erro de tipo, por afastar a vontade e a consciência do agente, sempre exclui o dolo. Mas há situações em que se permite a punição a título de culpa, desde que haja previsão legal. Daí surgir a divisão entre os erros de tipo:

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- INVENCÍVEL – escusável, justificável, inevitável. Ocorre quando o agente, nas circunstâncias em que se encontrava, não tinha como evitá-lo, mesmo tomando todas as cautelas necessárias. NESTE CASO, AFASTA-SE O DOLO E A CULPA, tornando o fato ATÍPICO.

- VENCÍVEL – inescusável, injustificável, evitável. Ocorre nas situações em que, se o

agente tivesse agido com a diligência exigida, poderia ter evitado o resultado. Neste caso, pune-se a conduta do agente a título de culpa, caso houver previsão em lei.

5. ERRO DE TIPO ESSENCIAL E ERRO ACIDENTAL ERRO DE TIPO ESSENCIAL é aquele que recai sobre as elementares, circunstâncias ou qualquer outro dado que se agregue à figura típica. Se inevitável, afasta dolo e culpa tornando o fato atípico. Se evitável, permite que o agente seja punido a título de culpa, se houver previsão legal. ERRO DE TIPO ACIDENTAL é aquele que não afasta o dolo ou a culpa, não faz lícita a ação criminosa, tendo em visto que recai apenas sobre um elemento são essencial do fato ou erra no movimento de sua execução. São cinco as hipóteses de erro acidental: A) erro sobre o objeto (error in objecto) – ocorre quando o agente, agindo com vontade livre e

consciente de praticar uma conduta que saber ser penalmente ilícita, comete erro quanto à qualidade do objeto.

Ex.: o sujeito queria furta uma saca de açúcar quando, por engano, furta uma saca de farinha. O erro é, portanto, irrelevante. B) erro sobre a pessoa (error in persona) – o erro não recai sobre qualquer elementar,

circunstância ou outro elemento do tipo, mas sim à identificação da vítima, o que não acarreta modificação na classificação do crime cometido pelo agente.art. 20, §3o, do CP:

§ 3º. O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.

Ex.: se o agente queria matar o pai mas acaba o confundindo e mata outra pessoa, responde como se tivesse causado a morte do pai. Se quisesse matar outra pessoa, mas acaba matando o pai, responde por homicídio sem a agravante do artigo 61, “e”, do CP. C) erro na execução (aberratio ictus) – ocorre quando, por ACIDENTE ou ERRO NO USO

DOS MEIOS, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, ATINGE PESSOA DIVERSA. Aqui também se aplica o §3o do artigo 20, acima descrito, que trata do erro quanto à pessoa, ou seja, responderá o agente como se tivesse atingido a vítima que pretendia ofender. De acordo com o art. 73, do CP:

Art. 73. Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do artigo 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do artigo 70 deste Código.

Assim, se atingir também quem pretendia ofender, aplicam-se as regras do concurso formal:

Art. 70. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.

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D) resultado diverso do pretendido (aberratio criminis) – ocorre quando, fora dos casos de acidente ou erro na execução do crime, sobrevier resultado diverso do pretendido. De acordo com o art. 74, do CP, o agente responderá por culpa, se houver previsão legal:

Art. 74. Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do artigo 70 deste Código.

Ex.: o sujeito arremessa pedra para quebrar vidraça, mas erra o alvo e atinge cabeça de terceiro, que vem a falecer. Responderá por homicídio culposo. Se ele quebrar a vidraça e atingir alguém dentro do prédio, causando lesões corporais, responderá por crime de dano e lesão corporal, em concurso formal. E) aberratio causae – o erro reside na causa do resultado. Ex.: o sujeito, almejando matar a vítima por afogamento, a arremessa do alto de uma ponte, vindo esta, contudo, após chocar-se com o pilar central, a falecer por traumatismo craniano. 6. DESCRIMINANTES PUTATIVAS Descriminar é tornar a conduta um indiferente penal. As causas que afastam a ilicitude (ou antijuridicidade) estão no artigo 23, do CP:

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Parágrafo único. O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

Quando tratamos de PUTATIVIDADE, estamos nos referindo a SITUAÇÕES IMAGINÁRIAS, EXISTENTES SOMENTE NA MENTE DO AGENTE. Falar em descriminante putativa significa dizer que o agente atuou supondo encontrar-se numa situação de legítima defesa, de estado de necessidade, de estrito cumprimento de dever legal ou de exercício regular de direito. 6.1. Efeitos das descriminantes putativas Como qualquer erro, aqueles ocorridos nas descriminantes putativas podem ser considerados inescusáveis ou escusáveis. Se escusável o erro, isenta o agente de pena. Se inescusável, o agente responde por culpa, caso houver previsão legal para tanto. 6.2. Hipóteses de erro nas descriminantes putativas Para que haja erro de tipo nas descriminantes putativas é necessário, conforme a redação do § 1o do artigo 20, do CP, que haja erro sobre situação de fato, que, se existisse, tornaria a ação legítima:

Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. § 1º. É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

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Só haverá erro de tipo se o agente tiver uma falsa percepção da realidade no que diz respeito à situação de fato que o envolvia, levando-o a crer que poderia agir amparado por uma causa de exclusão da ilicitude. Se o erro do agente não recair sobre uma situação de fato, mas sim sobre a EXISTÊNCIA OU LIMITES DE UMA CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO, haverá erro de proibição (art. 21, do CP):

Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.

No caso de erro de tipo, ele incide sobre circunstâncias do fato; no de proibição, sobre a licitude. Exemplo de erro de proibição: O pai, imaginando poder agir em defesa da honra da filha, mata o agente que a havia estuprado. O pai não erra sobre circunstância de fato alguma, mas sim sobre a existência da possibilidade de agir em legítima defesa da filha. 7. AS DESCRIMINANTES PUTATIVAS E AS TEORIAS EXTREMADA (ESTRITA) E LIMITADA DA CULPABILIDADE Qual a natureza jurídica do erro que recai sobre as causas de justificação? Para resolver o problema, surgiram duas teorias: a teoria extremada ou estrita da culpabilidade e a teoria limitada da culpabilidade. TEORIA EXTREMADA – todo e qualquer erro que recaia sobre uma causa de justificação é erro de proibição, não importando distinguir se o erro incide sobre uma situação de fato, sobre a existência ou sobre os limites da causa de justificação. TEORIA LIMITADA – se o erro do agente SOBRE A CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO vier a recair sobre uma situação de fato, o erro será de tipo (erro de tipo permissivo); caso recaia sobre a existência ou os limites da causa de justificação, o erro será de proibição. O Código Penal adotou a teoria limitada da culpabilidade, conforme o item 17, da Exposição de Motivos da nova parte geral:

17. É, todavia, no tratamento do erro que o princípio nullum crimen sine culpa vai aflorar com todo o vigor no direito legislado brasileiro. Com efeito, acolhe o Projeto, nos artigos 20 e 21, as duas formas básicas de erro construídas pela dogmática alemã: erro sobre elementos do tipo (Tatbestandsirrtum) e erro sobre a ilicitude do fato (Verbotsirrtum). Definiu-se a evitabilidade do erro em função da consciência potencial da ilicitude (parágrafo único do artigo 21), mantendo-se no tocante às descriminantes putativas a tradição brasileira, que admite a forma culposa, em sintonia com a denominada "teoria limitada da culpabilidade"

8. TEORIA DA CULPABILIDADE QUE REMETE ÀS CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS O erro que recai sobre as descriminantes putativas pode ser considerado um erro sui generis, tendo em vista que essa modalidade de erro, não pode ser tratada como erro de tipo, pois esse tem por conseqüência excluir o dolo, e em qualquer erro incidente sobre as descriminantes putativas não há a exclusão do dolo como efeito No §1o, do artigo 20, há uma mistura das conseqüências do erro de tipo e do erro de proibição: ERRO DE TIPO – exclui o dolo, permitindo que o sujeito responda por crime culposo, havendo previsão legal; ERRO DE PROIBIÇÃO – se escusável, exclui a culpabilidade; se inescusável, reduz a pena.

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Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. § 1º. É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

ISENÇÃO DE PENA = erro de proibição inevitável (exclusão da culpabilidade); PUNIÇÃO POR CRIME CULPOSO = erro de tipo. Por isso é uma figura sui generis. Luz Flávio Gomes, tentando resolver o problema de não podermos tratar a hipótese como erro de tipo ou como erro de proibição, diz que a melhor teoria a ser aplicável ao caso seria a TEORIA DA CULPABILIDADE QUE REMETE ÀS CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS. De acordo com o autor, o erro de tipo permissivo (que recai sobre a situação fática) não é erro de tipo excludente do dolo nem erro de proibição, mas sim um erro sui generis que exclui a culpabilidade dolosa, se inevitável, ficando o agente isento de pena. Se evitável, o agente responde pela culpabilidade negligente, que é a pena do crime culposo, se previsto em lei, e não a redução do erro de proibição inescusável.

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CAPÍTULO 32 – ILICITUDE 1. CONCEITO Ilicitude, ou antijuridicidade, é a relação de antagonismo, de contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. Se essa contrariedade do fato se fizer em relação a uma norma de matéria penal, tornar-se-á uma ilicitude penal Mas ilicitude não é só essa contrariedade pura e simples com uma norma que lhe é anterior. Essa é uma concepção meramente formal. Há casos no ordenamento jurídico em que a ilicitude não é necessariamente típica, havendo casos em que o ato, embora ilícito, é atípico. O exemplo dado pela doutrina é o da “agressão injusta” exigida para que se justifique a legítima defesa. A agressão que autoriza a reação defensiva não precisa necessariamente constituir um crime, não precisa ser um ilícito penal, desde que seja um ato ilícito. O que não se admite é a legítima defesa contra atos lícitos. 2. ILICITUDE FORMAL E MATERIAL De acordo com a distinção feita pela doutrina, o fato é formalmente antijurídico quando for contrário a uma proibição legal, ou seja, a ilicitude formal se caracteriza como o desrespeito a uma norma, a uma proibição da ordem jurídica. Materialmente, a ilicitude seria o ataque a interesses vitais de particulares e da coletividade protegidos pelas normas estatuídas pelo legislador. Assim como Francisco de Assis Toledo, o autor entende desnecessária essa distinção, visto que se a norma penal proíbe determinada conduta sob a ameaça de uma sanção, é porque aquela conduta ou causa lesão ou expõe a perigo de lesão o bem juridicamente protegido, e se o agente insiste em praticá-la devemos concluir sua ilicitude, desde que não atue amparado por uma causa de justificação. Trocando em miúdos, ao mesmo tempo que se pode deduzir da ilicitude formal a ilicitude material, esta serve de fundamento à existência daquela. 3. A ILICITUDE NO CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME De acordo com a teoria da ratio cognoscendi, que prevalece entre os doutrinadores, a tipicidade funciona como indício da ilicitude. Quase sempre o fato típico será também antijurídico, só se concluindo pela licitude se o agente agir amparado por uma causa de justificação. De acordo com a teoria da ratio essendi, que prevê um tipo total de injusto, onde há uma fusão entre o fato típico e a ilicitude, a ausência desta nos levaria a concluir pela inexistência do próprio fato típico. 4. CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE São também denominadas cláusulas de exclusão da antijuridicidade, justificativas ou descriminantes. São condições especiais em que o agente atua que impedem que elas venham a ser antijurídicas. O artigo 23, do CP, prevê quatro formas de exclusão da ilicitude:

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

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Contudo, vale ressaltar que esse rol não é taxativo, existindo causas de exclusão da ilicitude também na parte especial do código penal, como nos artigos 128 e 146, §3o:

Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico: I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Art. 146. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. § 3º. Não se compreendem na disposição deste artigo: I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu responsável legal, se justificada por iminente perigo de vida; II - a coação exercida para impedir suicídio.

Existem ainda outras causas que, embora não constem no rol do artigo 23, nem estejam expressamente previstas na lei penal, constituem causas justificantes. São as chamadas CAUSAS SUPRALEGAIS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE, tal como o consentimento do ofendido. 5. ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS NAS CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE Os elementos objetivos são expressos ou implícitos, mas sempre determinados pela lei penal. A lei penal somente define os conceitos de legítima defesa e de estado de necessidade, fornecendo-nos os elementos objetivos. Quando ao estrito cumprimento do dever legal e ao exercício regular do direito, devemos extrair os conceitos da doutrina e da jurisprudência. Além dos requisitos objetivos, o agente deve saber que atua amparado por uma causa de exclusão de ilicitude, sendo este requisito subjetivo indispensável. 6. CAUSAS LEGAIS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE O parágrafo único, do artigo 23, cria a figura do excesso punível:

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Parágrafo único. O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

No artigo 24, conceitua o Estado de Necessidade:

Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. § 1º. Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. § 2º. Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito quando ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

No artigo 25, conceitua a Legítima Defesa:

Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

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7. ESTADO DE NECESSIDADE 7.1. Conceito – elementos Conforme dito anteriormente, o artigo 24 define o estado de necessidade:

Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

De forma diferente do que ocorre na legítima defesa, em que o agente atua em defesa contra uma agressão injusta, no estado de necessidade a regra é de que ambos os bens estejam em perigo e também estejam ambos amparados pelo ordenamento jurídico. Esse conflito levará à prevalência de um sobre o outro. Para a verificação da prevalência de um ou de outro bem jurídico, utiliza-se do princípio da PONDERAÇÃO DOS BENS. 7.2. Estado de necessidade justificante e estado de necessidade exculpante Existem duas teorias a respeito do estado de necessidade: a teoria unitária e a diferenciadora. TEORIA UNITÁRIA – adotada pelo Código Penal – para essa teoria, não importa se o bem protegido pelo agente é de valor superior ou igual àquele que está sofrendo a ofensa, uma vez que em ambas as situações o fato será tratado sob a ótica das causas excludentes da ilicitude. Para essa teoria, todo estado de necessidade é justificante, e não exclulpante. TEORIA DIFERENCIADORA – diferencia o estado de necessidade justificante (afasta a ilicitude) e o estado de necessidade exculpante (afasta a culpabilidade). O Código Penal Militar adotou a teoria diferenciadora nos artigos 39 a 43. 7.3. Prática de fato para salvar de perigo atual O que seria o “perigo atual” exigido pelo caput do artigo 24, para que se configure o estado de necessidade? Na verdade, enquanto o artigo 25, que disciplina a legítima defesa, determina que seja praticada contra agressão ATUAL ou IMINENTE, o artigo 24 só exige a ATUALIDADE para que configure o estado de necessidade. A maioria da doutrina é assente no sentido de que tanto a atualidade quanto a iminência são suficientes para preencher a exigência de atualidade, trazida pelo código. Acontece que a idéia de iminência já está compreendida na de atualidade. O código, portanto, somente afasta a referida causa de exclusão se o perigo for passado (já tiver ocorrido), ou se o perigo for remoto ou futuro, onde não haja possibilidade próxima de dano. 7.4. Perigo provocado pelo agente De acordo com o artigo 24,

Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

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Vontade, aqui, quer dizer somente dolo ou dolo e culpa? Também aqui existe controvérsia na doutrina. Enquanto autores como NELSON HUNGRIA e MAGALHÃES NORONHA entendem que a expressão “vontade” abrange tanto o dolo como a culpa de forma a excluírem a possibilidade de ocorrência do estado de necessidade, autores como FRAGOSO e ROGÉRIO GRECO entendem que a expressão quer traduzir somente a conduta dolosa do agente na provocação da situação de perigo, seja esse dolo direto ou eventual. 7.5. Evitabilidade do dano

Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

Podem ocorrer duas situações distintas:

a) o agente tinha como evitar o dano, deixando de praticar a conduta; b) entre duas opções danosas, o agente podia ter escolhido a menos gravosa para a vítima.

O sacrifício de um dos bens juridicamente protegidos só está autorizado quando a salvação do outro só se possa fazer à custa desse sacrifício. Se houver alguma possibilidade razoável de salvação do bem ameaçado, de modo que evite ou que, pelo menos, reduza o dano a bem de outrem, a inevitabilidade do dano causado ou do dano maior desaparece. 7.6. Estado de necessidade próprio e de terceiros A lei permite que o agente, agindo sob estado de necessidade, proteja bem jurídico próprio ou alheio. É o chamado estado de necessidade próprio ou de terceiro. Existe uma peculiaridade quanto ao estado de necessidade de terceiro: nem sempre quem estiver fora da situação de perigo poderá auxiliar terceira pessoa, valendo-se do argumento do estado de necessidade, mesmo que essa seja a intenção. Isto porque, havendo dois bens jurídicos em confronto, o agente, estranho à situação de perigo, somente poderá intervir com a finalidade de auxiliar uma das pessoas envolvidas SE O BEM QUE ESTIVER EM JOGO FOR CONSIDERADO INDISPONÍVEL. Sendo disponível o bem, não poderá intervir, exceto se houver aquiescência do titular do bem defendido. 7.7. Razoabilidade do sacrifício do bem O princípio da razoabilidade norteia o estado de necessidade. Vem expresso no artigo 24, do CP, quando diz ...cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. Aqui fica clara a necessidade da ponderação dos bens em conflito para se estabelecer uma relação de importância entre eles. Embora o Código Penal tenha adotado a teoria unitária (todo estado de necessidade é justificante), o princípio da razoabilidade nos permite concluir que quando o bem sacrificado for de valor superior ao preservado, será inadmissível o reconhecimento do estado de necessidade. Pode haver, contudo, se as circunstâncias o indicarem, a inexigibilidade e conduta diversa, que exclui a culpabilidade. O legislador permite, caso não seja possível beneficiar o agente com o afastamento da culpabilidade, aplicar-lhe uma redução de pena, nos termos do artigo 24, §2o, do CP:

§ 2º. Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito quando ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

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BEM DEFENDIDO TEORIA UNITÁRIA TEORIA DIFERENCIADORA Valor superior Estado de necessidade justificante Estado de necessidade justificante

Valor igual Estado de necessidade justificante Estado de necessidade exculpante

Valor inferior Não há estado de necessidade: ou exclui a culpa por inexigibilidade de conduta diversa ou reduz a pena

Estado de necessidade exculpante

7.8. Dever legal de enfrentar o perigo De acordo com o §1o do artigo 24,

§ 1º. Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

Certas profissões possuem, em sua natureza, riscos que são previamente assumidos por aqueles que as ocupam, tais como policiais, bombeiros, salva-vidas. O código procurou com essa regra esclarecer que esses profissionais, geralmente, não podem alegar o estado de necessidade. Acontece que, obviamente, não se pode exigir que um bombeiro sacrifique a própria vida para salvar um objeto de natureza patrimonial, da mesma forma que não se pode negar que um marinheiro se salve sacrificando uma certa mercadoria. Portanto, não se quer dizer com o disposto no parágrafo primeiro que o estado de necessidade não será reconhecido sob qualquer circunstância. Quando houver uma grande desproporção entre a importância do bem sacrificado e do bem defendido é perfeitamente possível incidir a excludente de ilicitude. Surge uma discussão a respeito do alcance da expressão “dever legal” trazida na lei, ou seja, somente o dever imposto pela lei pode resultar na impossibilidade de argüição do estado de necessidade ou também o dever contratualmente assumido teria esse condão? A doutrina majoritária acredita que não se pode estender o conceito de dever legal a casos não previstos pela lei. O dever contratual, portanto, não exime o autor de agir sob o amparo do estado de necessidade. 7.9. Estado de necessidade defensivo e agressivo AGRESSIVO – ocorre quando a conduta do agente sacrifica bens de um inocente, não provocador da situação de perigo. DEFENSIVO – ocorre quando a conduta do agente dirige-se diretamente contra o produtor da situação de perigo, a fim de eliminá-la. 7.10. Elemento subjetivo no estado de necessidade Tendo em vista a adoção da posição finalista pelo autor, o estado de necessidade, para que seja considerado, deve vir acompanhado não apenas de seus elementos objetivos, trazidos pelo artigo 24 do Código, mas também por seu elemento subjetivo, qual seja, o conhecimento de que age amparado pela excludente de ilicitude. Caso não houvesse a necessidade do elemento subjetivo, haveria o tratamento igualitário entre situações completamente diferentes. Ex.: o médico convence sua amante, que está grávida, a abortar. Ele mesmo faz a curetagem. Posteriormente, constata-se que a gravidez era de risco e que a única forma de salvar a vida da amante seria pelo abortamento. Poderia ele se beneficiar pela excludente de ilicitude do artigo 128, I, do CP? Se, no mesmo exemplo, a amante tivesse se dirigido ao hospital com complicações na gestação e, ao ser encaminhada para a sala de cirurgia coincidentemente fosse seu amante o médico a operá-la. Este faria o aborto não com a finalidade de ocultar o adultério, ainda que essa tivesse sido sua vontade, mas sim com a finalidade de preservar a vida da gestante. Aqui, obviamente estaria amparado pela excludente de ilicitude.

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7.11. Excesso no estado de necessidade O excesso é estudado na legítima defesa. 7.12. Aberratio e estado de necessidade Não afasta o estado de necessidade o resultado diverso do pretendido, ainda que o terceiro atingido não esteja com bem jurídico seu na relação de perigo em que se encontrava o agente. Ex.: o sujeito é atacado por cão raivoso, dispara arma de fogo contra o animal, não podendo, assim, ser responsabilizado por eventual ricochete da bala que porventura venha a atingir alguém. 7.13. Estado de necessidade putativo Putatividade, como ressaltamos, é o erro quanto à existência de uma situação de fato, ou seja, o agente tem uma visão distorcida da realidade, que só existe em sua imaginação. Se alguém acredita existir uma situação de perigo que justifique agir em estado de necessidade, comprovando-se não haver tal situação o caso deverá ser analisado de acordo com o artigo 20, §1o, do CP (DESCRIMINANTES PUTATIVAS):

§ 1º. É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

Duas situações: ERRO ESCUSÁVEL – isenção de pena; ERRO INESCUSÁVEL – responde por crime culposo, se houver previsão legal. 7.14. Estado de necessidade e dificuldades econômicas Pode ocorrer que, em razão de dificuldades econômicas pelas quais passa o agente, a sua situação seja tão insuportável a ponto de praticar uma infração penal para que possa sobreviver. A dificuldade econômica, aqui, deve ser aquela que coloque em risco a própria sobrevivência do agente. Esse raciocínio pode ser aplicado para os casos dos agentes de meia-idade, não mais aceitos no mercado de trabalho, que se empregam como apontadores no jogo-do-bicho, no caso do chamado “furto famélico” também. 7.15. Efeitos civis do estado de necessidade De acordo com os artigos 188, inciso II, § único, 929 e 930 do NCCB,

Art. 188 Não constituem atos ilícitos: II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

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Art. 929 Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.

Art. 930 No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.

Mesmo que a conduta do agente que atua em estado de necessidade não seja ilícita, se o terceiro que sofreu com a conduta do agente não tiver sido o causador da situação de perigo, permanecerá a obrigação de indenizar os prejuízos causados. Caso o perigo tenha sido criado por aquele que sofreu o dano, não lhe caberá, aqui, direito a indenização. Embora o agente tenha a obrigação de indenizar aquele que sofreu o dano com a sua conduta, se a situação de perigo tiver sido provocada por culpa de terceiro, ser-lhe-á permitida a ação regressiva contra este, para haver a importância que tiver sido ressarcida ao dono da coisa. 8. LEGÍTIMA DEFESA 8.1. Conceito e finalidade A natureza do instituto da legitima defesa é constituída pela possibilidade de reação direta do agredido em defesa de um interesse, dada a impossibilidade da intervenção tempestiva do Estado, o qual tem igualmente por fim que interesses dignos de tutela não sejam lesados. O Código Penal, em seu artigo 25, procurou traçar o conceito de legítima defesa:

Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

8.2. Bens amparados pela legítima defesa O instituto da legítima defesa tem aplicação na proteção de qualquer bem juridicamente tutelado pela lei. Alguns autores afirmam que os bens jurídicos comunitários não podem ser objeto de legítima defesa. 8.3. Espécies de legítima defesa Existem duas espécies de legítima defesa:

- legítima defesa real (ou autêntica); - legítima defesa putativa (ou imaginária).

LEGÍTIMA DEFESA REAL – ocorre quando a situação de agressão injusta está efetivamente ocorrendo no mundo concreto. LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA – ocorre quando a situação de agressão é imaginária, ou seja, só existe na mente do agente ou, embora exista a agressão, esta não é injusta.

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8.4. Injusta Agressão Agressão é a ameaça humana de lesão de um interesse juridicamente protegido. Mas não basta que haja uma agressão para justificar a legítima defesa. Tal agressão deve ser também injusta, ou seja, não pode ser de qualquer modo amparada por nosso ordenamento jurídico. Não é preciso que a conduta praticada seja um crime para que possa ser reputada como injusta. Ex.: furto de uso, defesa de bem de valor irrisório. 8.5. Diferença entre agressão injusta e provocação Não existe legítima defesa contra mera provocação. Aquele que age contra a provocação responde penalmente por sua conduta. Para Francisco de Assis Toledo, embora a agressão possa ser uma provocação (tapa, empurrão), nem toda provocação constitui uma agressão. A defesa contra uma provocação não deve ultrapassar o mesmo nível e grau da mesma. Uma provocação verbal pode ser razoavelmente repelida com expressões verbais, e não como um tiro, uma facada. 8.5.1. Provocação para criação de situação de legítima defesa Se alguém provoca outrem com o intuito de fazê-lo partir para a agressão e, em revide, como se em legítima defesa, agride de volta, não pode ser amparado pela causa de justificação. Se a agressão foi provocada intencionalmente para logo invocar a legítima defesa, trata-se de um abuso de direito, de uma manipulação do agressor, não podendo haver causa de justificação. 8.6. Meios necessários São meios necessários todos aqueles EFICAZES e SUFICIENTES à repulsa da agressão que está sendo praticada ou que está prestes a acontecer. Embora alguns autores definam meio necessário como sendo o que a vítima dispõe no momento da agressão, podendo ou não ser proporcional ao ataque, o autor discorda do posicionamento, entendendo que a proporcionalidade do contra-ataque é essencial para a configuração da necessidade do meio. Se o agente tiver à sua disposição vários meios aptos a ocasionar a repulsa à agressão, deverá sempre optar pelo meio menos gravoso, sob pena de ser considerado desnecessário, afastando a legítima defesa. 8.7. Moderação no uso dos meios necessários Além de eleger o meio necessário à repulsa da agressão, o agente deve utilizá-lo de forma moderada, sob pena de incorrer no chamado excesso. Não se pode tomar como critério para a averiguação da moderação do meio a simples quantidade de golpes, ou de tiros, ou seja lá do que se tratar. Pode ocorrer, por exemplo, de o agressor, ainda que levando 5 tiros, continue caminhando em direção ao ofendido, e só venha a parar com o disparo do 6o tiro. Nesse caso, não se pode dizer que houve excesso. É preciso, portanto, que haja um marco, qual seja, o momento em que o agente consegue fazer cessara a agressão que contra ele era praticada. Tudo o que fizer após esse marco será considerado excesso.

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8.8. Atualidade e iminência da agressão Quanto à atualidade da agressão, maiores considerações são dispensáveis, mas quanto à sua iminência, quando podemos dizer que a agressão está prestes a ocorrer? Para o autor, agressão iminente é a que, embora não esteja acontecendo, irá acontecer quase que imediatamente. Deve haver uma relação de proximidade. Se a agressão é remota, futura, não se pode falar em legítima defesa. Se o agente age para repelir agressão que, embora não seja iminente, é certa e futura, age não amparado pela justificante legítima defesa, mas pela EXCULPANTE INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. 8.9. Defesa de direito próprio ou de terceiro O agente pode defender direito próprio (legítima defesa própria) ou direito de terceiro (legítima defesa de terceiros). Aqui, destaca-se o elemento subjetivo da legítima defesa. O agente deve agir querendo defender direito de terceiro. Se mata seu desafeto sabendo que este estava prestes a matar outrem, não pode ser beneficiado pela justificante se a intenção real era pôr fim ao desafeto, e não defender o terceiro. Não cabe, ainda, a defesa de terceiros quando o bem for considerado disponível. Neste caso, o agente só poderá intervir para defender o bem caso haja autorização do seu titular. Caso contrário, sua intervenção será considerada ilegítima. 8.10. Elemento subjetivo na legítima defesa Para que se possa falar em legítima defesa, não basta que sejam preenchidos os requisitos de ordem objetiva constantes no artigo 25, do CP, devendo, além disso, saber o agente que está atuando nesta condição, ou melhor, querer atuar sob defesa de algum bem jurídico injustamente agredido. 8.11. Legítima defesa e agressão de inimputáveis Quando o agente dirige sua conduta a fim de proteger bens atacados por inimputáveis ocorreria a legítima defesa ou o estado de necessidade? Duas correntes se formaram: NELSON HUNGRIA – deveria ser afastada a possibilidade de aplicação do instituto da legítima defesa, mais gravoso para aquele que ataca o bem, optando-se pela adoção do estado de necessidade, tendo em vista que o instituto da legítima defesa tem um aspecto político ou de prevenção geral, representando um contramotivo à prática de ofensas injustas. CLAUS ROXIN – as agressões não culpáveis também dão direito a legítima defesa, mas o interesse no prevalecimento do direito é substancialmente menor do que no caso normal. Se o inimputável comete um injusto típico, sua conduta não está amparada pelo ordenamento jurídico, ao contrário do que ocorre no estado de necessidade. Neste, existem dois bens jurídicos em conflito. Na agressão do inimputável apenas o bem jurídico lesado é objeto de defesa do Estado. 8.12. Legítima defesa recíproca Não se admite em nosso ordenamento a existência da legítima defesa recíproca, visto que nesse caso ambas as agressões são injustas, ocorrendo ao mesmo tempo. Não existe legítima defesa real contra legítima defesa real.

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8.13. Legítima defesa putativa versus legítima defesa autêntica (real) Pode haver legítima defesa putativa contra legítima defesa real. PUTATIVA SEGUIDA DA REAL: A se desentende com B e promete matá-lo na próxima vez que o visse pela frente; B, amedrontado, compra revólver e passa a andar sempre com ele, para se defender de A; Certo dia, seus caminhos se encontram e A, no intuito de presentear B e desfazer o mal entendido, coloca a mão sob a camisa para lhe dar o presente; B, pensando que A sacaria uma arma, saca o revólver e atira em A (LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA); A, assustado com aquela situação, saca agora o revólver e atira em B (LEGÍTIMA DEFESA REAL). REAL SEGUIDA DA PUTATIVA O pai de A agride injustamente o vizinho, que repele a agressão com um soco (LEGÍTIMA DEFESA REAL) No exato momento em que seu pai leva um soco, A chega em casa e vê seu pai sendo agredido pelo vizinho. A passa a agredir o vizinho em legítima defesa de seu pai (LEGÍTIMA DEFESA PUTATIVA). 8.14. Legítima defesa versus estado de necessidade Poderia ocorrer situação em que um dos agentes atue em legítima defesa e o outro em estado de necessidade? É claro que não. Quem atua em estado de necessidade pratica conduta amparada pelo ordenamento jurídico, não constituindo, assim, a agressão injusta, justificadora da legítima defesa. 8.15. Excesso na legítima defesa Antes da reforma de 1984, a figura do excesso só era cabível no caso da legítima defesa. Após a reforma, todas as causas excludentes da ilicitude (art. 23) passaram a admitir a figura. No excesso, o agente, primeiramente, agia amparado por uma causa de justificação, ultrapassando, contudo, o limite permitido pela lei. Toda conduta praticada em excesso é ilícita, devendo o agente responder pelos resultados dela advindos. O excesso pode ser doloso ou culposo. Será doloso quando:

a) o agente, mesmo após fazer cessar a agressão, continua o ataque porque quer causar mais lesões ou mesmo a morte do agressor inicial (excesso doloso em sentido estrito); ou

b) o agente, mesmo após fazer cessar a agressão que era praticada contra sua pessoa, pelo fato de ter sido agredido inicialmente, em virtude de erro de proibição indireto (erro sobre os limites de uma causa de justificação), acredita que possa ir até o fim, matando o seu agressor, por exemplo.

Será culposo quando:

a) o agente, ao avaliar mal a situação que o envolvia, acredita que ainda está sendo ou poderá vir a ser agredido e, em virtude disso, dá continuidade à repulsa, hipótese na qual será aplicada a regra do artigo 20, §1o, do CP:

§ 1º. É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

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b) o agente, em virtude da má avaliação dos fatos e da sua negligência no que diz respeito à aferição das circunstâncias que o cercavam, excede-se em virtude de um “erro de cálculo quanto à gravidade do perigo ou quanto ao modus da reação.

8.16. Excesso intensivo e extensivo INTENSIVO – ocorre quando o autor, por consternação, medo ou susto excede a medida requerida para defesa, ou seja, é o excesso que se refere à espécie dos meios empregados ou ao grau de sua utilização. EXTENSIVO – ocorre quando o agente, inicialmente, fazendo cessar a agressão injusta que era praticada contra a sua pessoa, dá continuidade ao ataque, quando este já não mais se fazia necessário. 8.17. Excesso na causa Ocorre quando há inferioridade do valor do bem ou interesse defendido, em confronto com o atingido pela repulsa. Nesses casos, o agente responde pelo resultado, tendo em vista a gritante desproporção entre o bem ou interesse que se quer proteger em confronto com aquele atingido pela repulsa. 8.18. Excesso exculpante É a ocorrência de um excesso, na reação defensiva, que não é, por suas peculiaridade,s reprovável, ou melhor, merecedor de apenação. É um excesso resultante de MEDO, SURPRESA ou PERTURBAÇÃO DE ÂNIMO. No excesso exculpante elimina-se a culpa do agente. A conduta é típica, ilícita, mas não é culpável, pois não se poderia exigir do agente outra conduta que não aquela por ele adotada. Esse tipo de excesso estava previsto na redação de 1969 do CP, mas não foi previsto após a reforma de 84. Assim, Doutrina e Jurisprudência vêm tratando do mesmo como CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE. 8.19. Legítima defesa sucessiva Ocorre quando se repele o excesso na legítima defesa. A agressão praticada pelo agente, embora inicialmente legítima, transforma-se em agressão injusta quando incidiu no excesso. Nessa hipótese ocorrerá a legítima defesa sucessiva. 8.20. Legítima defesa e aberratio ictus. De acordo com o artigo 73, do CP:

Art. 73. Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do artigo 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do artigo 70 deste Código.

Art. 20. § 3º. O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.

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Se determinado agente, almejando repelir agressão injusta, agindo com animus defendendi, acaba ferindo outra pessoa que não o seu agressor, ou mesmo a ambos (agressor e terceiro), o resultado advindo da aberração no ataque (aberrario ictus) estará também amparado pela causa de justificação da legítima defesa, não podendo, outrossim, por ele responder criminalmente, mas somente civilmente em relação ao terceiro. 8.21. Ofendículos São aparelhos, animais de guarda, predispostos para a defesa da de bens jurídicos, visíveis e a que estão equiparados meios mecânicos ocultos. Os ofendículos são aceitos por nosso ordenamento jurídico, mas o agente deve tomar certas precauções na utilização desses instrumentos, sob pena de responder pelos resultados dela advindos caso coloque em perigo inocentes. 8.22. Efeitos civis da legítima defesa De acordo com o artigo 188, inciso I, do NCCB:

Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido.

Não pode o agressor pleitear indenização por ato de legítima defesa do agredido, porque este defendeu licitamente seu bem jurídico. 9. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL 9.1. Conceito e requisitos O estrito cumprimento do dever legal também exige a presença de seus elementos objetivos e subjetivos. DEVER LEGAL – é preciso que exista um dever legalmente imposto ao agente. Geralmente, esse dever é dirigido aos que fazem parte da Administração Pública. ESTRITO CUMPRIMENTO – o dever legal deve ser cumprido dentro dos exatos termos impostos pela lei, não podendo em nada ultrapassá-los. O policial não pode, na situação em que ocorre fuga de presos, atirar contra os mesmos no intuito de matá-los sob o fundamento de que cumpre o dever legal de evitar a fuga dos prisioneiros. Em algumas situações o dever legal não é imposto somente aos agentes administrativos. O CCB, por exemplo, diz em seu artigo 1.634, que

Art. 1634 Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Às vezes, os pais, no intuito de promover a educação dos filhos, devem tomar atitudes mais enérgicas com os mesmos, de forma a lhes imprimir respeito e obediência. Nesses casos, a doutrina se divide sobre o fato de a situação poder ser analisada sob a ótica do estrito cumprimento do dever legal ou do exercício regular do direito. O autor, por exemplo, entende que o poder que os pais têm de aplicar aos filhos castigos moderados não se trata de um dever, mas sim de um direito, garantido inclusive pela lei. Assim, trata-se do exercício de um direito legalmente garantido.

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9.2. O esvaziamento do estrito cumprimento de dever legal como causa de exclusão da ilicitude em face da tipicidade conglobante Tipicidade penal é a ocorrência da tipicidade legal (formal) somada à tipicidade conglobante. Esta, por sua vez, ocorre quando a conduta é considerada antinormativa, ou seja, contrária à norma penal (e não imposta ou fomentada por ela), bem como ofensiva a bens de relevo para o Direito Penal (tipicidade material). Segundo a tipicidade conglobante, não é possível que no ordenamento jurídico que se entende como perfeito exista uma norma ordenando que se faça aquilo que outra proíbe. Com o conceito de tipicidade conglobante, que exige como um de seus elementos integradores a antinormatividade da conduta, os casos de estrito cumprimento de dever legal deverão ser analisados não mais quando do estudo da ilicitude, mas sim quando da verificação da tipicidade penal. 10. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO O exercício regular de direito não foi definido pelo Código, ficando a definição a cargo da doutrina e da jurisprudência. DIREITO – esse “direito” que se exige pode surgir de situações expressas nas regulamentações legais em sentido amplo, ou até mesmo nos costumes. Diz respeito a todos os tipos de direito subjetivo, seja oriundo de norma codificada ou consuetudinária. EXERCÍCIO REGULAR – o limite do lícito termina necessariamente onde começa o abuso, posto que aí o direito deixa de ser exercido regularmente, para mostrar-se abusivo, caracterizando sua ilicitude. 11. CONSENTIMENTO DO OFENDIDO – CONCEITO, FINALIDADES E REQUISITOS O consentimento do ofendido, no estudo do crime, pode ter dois enfoques com finalidades diferentes:

- afastar a tipicidade; - excluir a ilicitude.

Seja com o efeito de afastar a tipicidade ou a antijuridicidade, o fato é que o consentimento do ofendido não encontra amparo expresso em nosso Direito Penal objetivo, sendo considerado, portanto, CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE. Para que o consentimento seja válido e produza seus efeitos “excludentes”, devem ser cumpridos alguns requisitos:

1º) a concordância deve ter sido manifestada de forma livre, sem coação, fraude ou outro vício de vontade;

2º) o ofendido deve, no momento da aquiescência, ser capaz, ou seja, estar em condições de compreender o significado e as conseqüências de sua decisão – somente o PENALMENTE IMPUTÁVEL (mais de 18 anos) poderá consentir;

3º) o bem jurídico lesado deve ser disponível – bem disponível é aquele exclusivamente de interesse privado;

4º) o consentimento deve ser dado antes da prática do ato típico.

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CAPÍTULO 33 – CULPABILIDADE 1. CONCEITO Culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que recai sobre o autor, por ter agido de forma contrária ao Direito, quando podia ter atuado em conformidade com a vontade da ordem jurídica. 2. LIVRE-ARBÍTRIO E DETERMINISMO LIVRE-ARBÍTRIO – fruto da Escola Clássica, prega que o homem é moralmente livre para fazer suas escolhas. O fundamento da responsabilidade penal está na responsabilidade moral do indivíduo. DETERMINISMO – fruto da Escola Positivista, prega que o homem não possui essa liberdade de escolha de forma soberana. Fatores internos e externos podem influenciá-lo na prática do delito. 3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CULPABILIDADE NA TEORIA DO DELITO Na evolução da teoria do delito, três teorias se destacaram – a teoria causal, a final e a social. Além destas, surgiu uma quarta teoria, proposta por Roxin, denominada funcional. 3.1. Sistema causal-naturalista de Liszt-Beling Para os autores, o delito possuía dois aspectos bem definidos: um interno e outro externo. O externo compreendia a ação típica e antijurídica. O interno dizia respeito à culpabilidade (vínculo psicológico que unia o agente à conduta. Ação – era entendida como um movimento humano voluntário que causava uma modificação no mundo exterior. No conceito de ação estava embutido, também, o de resultado. Não há ação sem vontade, e não há ação sem resultado. Portanto, dois elementos compunham a ação: ato de vontade e resultado. Tipo – tinha a função de descrever objetivamente as condutas, descrevendo, ainda, o resultado. Antijuridicidade – somada á ação típica, compunha o injusto penal. A antijuridicidade limitava-se à comprovação de que a conduta do agente contrariava a lei penal. Não se perquiria sobre o elemento subjetivo do agente, pois a antijuridicidade possuía somente elementos objetivos. As causas de exclusão da ilicitude também eram analisadas objetivamente Culpabilidade – para a teoria causalista da ação, dolo e culpa residiam na culpabilidade. A imputabilidade era pressuposto da culpabilidade. Antes de se analisar o dolo e a culpa, primeiro deveria-se avaliar se o agente é ou não imputável. Culpabilidade era o vínculo psicológico que ligava o agente ao fato ilícito por ele cometido, razão pela qual essa teoria passou a ser conhecida como uma teoria psicológica da culpabilidade. Posteriormente, recebeu a denominação de sistema clássico. CRÍTICAS:

- o conceito de ação não explica a essência da omissão; - a culpabilidade como vínculo psicológico não se cogitava em explicar a culpa

inconsciente.

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3.2. Teoria normativa – sistema neoclássico – metodologia neokantista Ação – deixa de ser essencialmente natural para estar inspirada em um certo sentido normativo que permita a compreensão tanto da ação em sentido estrito (positiva) como da omissão. Tipo – acrescentaram-se elementos normativos ao tipo, que deixou de ser um elemento meramente descritivo, e de elementos subjetivos que deviam ser incluídos no tipo (ânimo de injuriar etc.). Antijuridicidade – deixou de ter somente caráter formal e passou a ter também conteúdo de desvalor material, representado pela DANOSIDADE SOCIAL. Culpabilidade – deixa de ser eminentemente psicológica e passa a ser também normativa. A base do sistema passa a ser a reprovabilidade como juízo de desaprovação jurídica do ato que recai sobre o autor (exigibilidade da conduta conforme o direito). Culpabilidade era composta por:

- imputabilidade – capacidade de compreender a ilicitude da conduta e capacidade de autodeterminação;

- dolo ou culpa; - exigibilidade de conduta diversa – cláusula geral de exclusão da culpabilidade.

3.3. Teoria da ação final Nasceu em 1931, com a publicação da obra “Causalidade e ação”, de Hans Welzel. Para essa teoria, a ação humana é essencialmente final. O homem pode prever, dentro de certos limites, as conseqüências possíveis de sua atividade, estabelecendo fins diversos e dirigir sua atividade, conforme o seu plano, a consecução desses fins. Ação – partindo do pressuposto de que toda conduta humana – lícita ou ilícita – pressupõe uma finalidade, o dolo e a culpa não poderiam continuar a ser estudados em sede de culpabilidade, Tipo – o dolo migra para o tipo penal, afastando do dolo sua carga de normatividade (consciência sobre a ilicitude do fato). Por isso, diz-se que o dolo finalista é um dolo natural. O tipo penal, portanto, passa a ser um TIPO COMPLEXO, composto por elementos de ordem objetiva e subjetiva (dolo e culpa). Antijuridicidade – por ser um predicado da ação típica, passou a vir impregnada de elementos subjetivos. O injusto típico ou injusto penal (tipicidade + antijuridicidade) passou a ser composto por elementos de ordem objetiva e subjetiva. Culpabilidade – dela foram extraídos o dolo e a culpa. O dolo deixa de ser normativo e passa a ser natural. Permaneceu na culpabilidade o potencial conhecimento sobre a ilicitude do fato (extraído do dolo), juntamente com a imputabilidade e a exigibilidade de conduta diversa. Culpabilidade era composta por:

- imputabilidade; - potencial consciência da ilicitude do fato; - exigibilidade de conduta diversa – cláusula geral de exclusão da culpabilidade.

Assim, a culpabilidade era composta somente por elementos de ordem NORMATIVA, por isso, a teoria final é reconhecida como uma teoria normativa pura. CRÍTICAS:

- o próprio Welzel confessa que essa teoria final da ação não conseguiu apreender corretamente o delito culposo, mas isso se deu pelo fato de que, ao contrário do que ocorre com o dolo, a análise final da culpa não se dirige ao resultado pretendido pelo agente, mas sim à finalidade de agir culposamente.

3.4. Teoria social da ação A teoria social da ação procura englobar aspectos do finalismo e do causalismo. Ação, para essa teoria, é um fenômeno social. A teoria social pretende fazer com que a ação seja entendida como conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana. A relevância social

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da ação é verificada à medida que a conduta produza efeitos danosos na relação do indivíduo com o seu ambiente social. A crítica maior experimentada por essa teoria consiste no fato de que o conceito social de conduta, que de modo algum serve de ponte entre causalismo e finalismo, padece dos mesmos defeitos de qualquer conceito teórico nebuloso: na melhor das hipóteses resulta estéril, porque não se pode extrair dele nenhuma conseqüência prática. 3.5. Funcionalismo O funcionalismo parte dos pressupostos político-criminais ligados diretamente às funções do Direito Penal, principalmente no que diz respeito à chamada teoria dos fins da pena. Duas são as vigas mestras do funcionalismo:

- a teoria da imputação objetiva; - a ampliação da culpabilidade para a categoria de responsabilidade – exige a aferição da

necessidade preventiva da pena, sem a qual se torna impossível a imposição desta; 4. CULPABILIDADE DE ATO E CULPABILIDADE DE AUTOR Direito penal do fato – analisa-se o fato praticado pelo agente, e não o agente do fato; Direito penal do autor – não se analisa o fato praticado pelo agente, mas sim o agente que cometeu o fato. Um direito penal exclusivamente do autor se mostra um direito penal intolerável, pois não se julga, não se avalia o que o homem fez, mas sim o que ele é. A culpabilidade de ato seria a reprovação do homem por aquilo que ele fez, considerando-se a sua capacidade de autodeterminação; Na culpabilidade de autor, o que se reprova é o homem como ele é, e não aquilo que fez. Jescheck diz que o correto parece ser a união de ambas as concepções. “O núcleo do conceito de culpabilidade somente pode ser a culpabilidade pelo fato individual, mas o Direito Penal deve ter em conta também muitas vezes a culpabilidade do autor”. 5. ELEMENTOS DA CULPABILIDADE NA CONCEPÇÃO FINALISTA Para o finalismo de Welzel, a culpabilidade possui os seguintes elementos normativos:

a) imputabilidade b) potencial consciência sobre a ilicitude do fato; c) exigibilidade da conduta diversa.

5.1. Imputabilidade Imputabilidade é a possibilidade de se atribuir, imputar o fato típico e ilícito ao agente. A imputabilidade possui dois elementos:

- INTELECTUAL – é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato, de prever as repercussões que a própria ação poderá acarretar no mundo social.

- VOLITIVO – é a capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento. O Código Penal escolheu duas situações em que a imputabilidade penal é afastada: I – Inimputabilidade por doença mental

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Também chamada de inimputabilidade por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, está prevista no artigo 26, do CP:

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Pela redação do artigo 26, podemos concluir que o Código adotou dois critérios de constatação da inimputabilidade:

a) existência de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado (CRITÉRIO BIOLÓGICO);

b) absoluta incapacidade de, ao tempo da ação ou da omissão, entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (CRITÉRIO PSICOLÓGICO).

Pela união de ambos os critérios, podemos dizer que o Código Penal adotou o CRITÉRIO BIOPSICOLÓGICO para aferição da inimputabilidade do agente. O critério biológico reside na aferição da doença mental ou do desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Entretanto, ainda que comprovado, não será suficiente a fim de fazer surgir a inimputabilidade, devendo-se averiguar a presença TAMBÉM do critério psicológico. Se o resultado da análise trouxer à tona uma total inimputabilidade, o agente será absolvido e lhe será imposta medida de segurança (ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA); Diferente situação é trazida pelo parágrafo único do artigo 26:

Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Como se pode ver, a diferença entre a incapacidade do caput e do parágrafo único reside no fato de que, neste, o agente não era INCAPAZ de entender o caráter ilícito do fato ou de autodeterminar-se de acordo com o entendimento, mas sim PARCIALMENTE INCAPAZ. O juízo de censura que recairá sobre a conduta do agente deverá ser menor em virtude de sua perturbação da saúde mental ou de seu desenvolvimento incompleto ou retardado, razão pela qual a lei determina ao julgador que reduza a sua pena entre um a dois terços. Neste caso, o sujeito pode ser condenado, mas o juiz poderá, com base no artigo 98, do CP, substituir a pena privativa de liberdade por internação ou tratamento ambulatorial, por no mínimo 1 a 3 anos, nos termos do artigo 97 e seus parágrafos, do CP:

Art. 98. Na hipótese do parágrafo único do artigo 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.

Art. 97. Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (artigo 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial. § 1º. A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos. § 2º. A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução. § 3º. A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade. § 4º. Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos.

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II – Inimputabilidade por imaturidade natural Aqui, adotou-se o critério exclusivamente biológico, pois, por motivos de política criminal, entendeu o legislador que os menores de 18 anos não gozam de plena capacidade de entendimento que lhes permita imputar a prática de um fato típico e ilícito. A questão da maioridade penal é de tamanha importância que foi inserida no artigo 228, da CF/88:

Art. 228 - São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

Para alguns doutrinadores, a inimputabilidade penal pode ser reduzida aos 16 anos, mediante Emenda constitucional, visto não constituir cláusula pétrea, imutável sequer pelo poder constituinte derivado. A súmula 74, do STJ, diz que

Para efeitos penais, o reconhecimento da menoridade do réu requer prova por documento hábil.

O réu adquire maioridade penal no primeiro minuto do dia de seu aniversário, independentemente da hora em que ocorreu o nascimento. 5.1.1. Denúncia oferecida em face de um inimputável e de um semi-imputável É possível o oferecimento de denúncia em face do agente comprovadamente inimputável, quando a lei processual penal determina em seu artigo 386, inciso V, que “o juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça existir circunstância que isente o réu de pena”? A única forma de se aplicar uma medida de segurança a um inimputável é por meio de uma ação penal. Tomando conhecimento de que um agente comprovadamente inimputável praticou um fato típico e antijurídico, deve o Promotor de Justiça denunciá-lo, narrando com exatidão os fatos por ele cometidos, para que durante a instrução do processo possa ser assegurada sua ampla defesa, e, ao final da peça acusatória, deverá o membro do Parquet, mencionando a causa dirimente da culpabilidade, pugnar na própria denúncia pela absolvição do réu, com a conseqüente aplicação de medida de segurança. De forma diferente ocorre com o semi-imputável. Este pratica fato típico, ilícito e culpável, mas sua pena será reduzida. O semi-imputável é condenado, mas sobre a condenação incide o parágrafo único do artigo 26, fazendo reduzir o quantum da pena imposta. O membro do MP não pede a absolvição na denúncia, mas sim a condenação com redução de pena. 5.1.2. Emoção e paixão Nos termos do artigo 28, do CP:

Art. 28. Não excluem a imputabilidade penal: I - a emoção ou a paixão;

Como estabelece o preceito, a emoção ou a paixão não excluem a responsabilidade penal. Todavia, são circunstâncias atenuantes, nos moldes do artigo 65, III, c. Também são causa de diminuição de pena, como prescreve os artigos 121, § 1º (homicídio privilegiado), e 129, § 4º (lesão corporal com diminuição de pena). EMOÇÃO – intensa perturbação afetiva, de breve duração e, em geral, de desencadeamento imprevisto, provocada como reação afetiva a determinados acontecimentos e que acaba por predominar sobre outras atividades psíquicas. PAIXÃO – estado afetivo violento e mais ou menos duradouro, que tende a predominar sobre a atividade psíquica, de forma mais ou menos alastrante ou exclusiva, provocando algumas vezes alterações da conduta que pode tornar-se de todo irracional por falta de controle.

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Embora possamos afirmar que elas não excluem a culpabilidade, quando do julgamento dos crimes dolosos contra a vida, pelo tribunal do júri, esses fatores acabam por trazer a absolvição do agente. Isso ocorre porque o Conselho de Sentença, composto geralmente por pessoas leigas, geralmente aceita teses da defesa no sentido de que o agente não podia agir de outra forma, o que o convence a absolver o réu. 5.1.3. Embriaguez De acordo com o inciso II, do mesmo artigo 28, também não exclui a imputabilidade penal a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo alçou ou substância de efeitos análogos. O Código admite que outras substâncias, que não o álcool, causem embriagues ou efeitos análogos a ela. Entretanto, se a embriaguez decorrer de CASO FORTUITO ou FORÇA MAIOR, e o agente era, por esse motivo, INTEIRAMENTE INCAPAZ de compreender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento ao tempo da ação ou omissão, o artigo 28, inciso II, §2o, do CP, diz ser o agente ISENTO DE PENA. A embriaguez pode ser:

- incompleta (ocorre quando há afrouxamento dos freios normais, em que o agente tem ainda consciência, mas se torna excitado, loquaz, desinibido);

- completa (ocorre quando se desvanece qualquer censura ou freio moral, ocorrendo confusão mental e falta de coordenação motora, não tendo o agente mais consciência e vontade livres) ou

- comatosa (ocorre quando o sujeito cai em sono profundo). Pode ser, ainda, voluntária ou involuntária: VOLUNTÁRIA – é aquela presente no inciso II do artigo 28, do CP, e, mesmo quando for completa, permite a punição do agente, em face da adoção da teoria da actio libera in causa.

- Voluntária em sentido estrito – ocorre quando o agente, por vontade própria, ingere bebidas alcoólicas com a finalidade de se embriagar.

- Culposa – ocorre quando o agente, embora não tenha a intenção de se embriagar, ingere quantidade suficiente que o coloca em estado de embriaguez.

Se ocorrer embriaguez preordenada, ou seja, o agente se embriaga para “tomar coragem” de praticar o delito, a embriaguez terá o efeito de agravar a pena, conforme o artigo 61, II, “l”, do CP. INVOLUNTÁRIA – é aquela proveniente de caso fortuito ou força maior. Para afastar a culpabilidade do agente, a embriaguez involuntária deve ser COMPLETA. A embriaguez involuntária incompleta veio prevista no artigo 28, inciso II, §2o, do CP:

§ 2º. A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

CASO A EMBRIAGUEZ SEJA PATOLÓGICA, O SUJEITO É TIDO COMO UM DOENTE MENTAL SENDO, POR ISSO, INIMPUTÁVEL. 5.2. Potencial consciência sobre a ilicitude do fato 5.2.1. Introdução Antes da reforma da parte geral do CP, de 1984, existiam o erro de fato e o erro de direito. Após a reforma esses termos deixaram de existir e surgiram o erro de tipo e o erro de proibição. Não existe uma correspondência entre a terminologia antiga e a nova. Erro de fato não é erro de tipo e erro de direito não é erro de proibição. O que ocorreu foi uma verdadeira mudança na concepção do erro.

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Conforme já estudado, com o finalismo de Welzel, dolo e culpa migraram da culpabilidade para o fato típico, mais especificamente para a conduta do agente. O dolo, outrora normativo, passou a ser natural permanecendo seu elemento normativo (potencial consciência da ilicitude do fato) na culpabilidade. O erro de tipo incidirá sobre os elementos, circunstâncias ou qualquer outro dado que se agregue à figura típica. O erro de tipo é analisado no tipo. O erro de proibição não é estudado no tipo, mas sim na culpabilidade. Com ele procura-se verificar se nas condições em que se encontrava o agente tinha ele condições de compreender que o fato que praticava era ilícito. O erro de proibição vem previsto no artigo 21, do CP:

Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.

Por que podemos dizer que essa “potencial consciência sobre a ilicitude do fato” é de cunho normativo, e não psicológico? Não se trata do conhecimento da ilicitude (operação de natureza psicológica), mas da mera possibilidade concreta desse conhecimento. Esse erro sobre a ilicitude do fato ocorre quando o agente, por ignorância ou por uma representação falsa dou imperfeita da realidade supões ser lícito o seu comportamento. 5.2.2. Diferença entre o desconhecimento da lei e a falta de consciência sobre a ilicitude do fato Pela mera redação do caput do artigo 21 percebe-se que o CP quis fazer distinção entre o desconhecimento da lei e a falta de consciência sobre a ilicitude do fato, ao dizer que o primeiro é inescusável e o segundo, se inevitável, isenta de pena. Enquanto a lei é um diploma formal editado pelo poder competente, ilicitude é a relação de contrariedade que se estabelece entre a conduta humana voluntária do agente e o ordenamento jurídico. 5.2.3. Consciência real e consciência potencial sobre a ilicitude do fato Na consciência real o agente deve, efetivamente, saber que a conduta que pratica é ilícita. Na consciência potencial, basta a possibilidade que o agente tinha, no caso concreto, de alcançar esse conhecimento. Não se trata de uma consciência técnico-jurídica, formal, mas da chamada consciência profana do injusto, constituída do conhecimento da anti-socialidade, da imoralidade ou da lesividade de sua conduta, e esse conhecimento provém das normas de cultura, dos princípios morais, éticos, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade. 5.2.4. Espécies de erro sobre a ilicitude do fato Erro sobre a ilicitude do fato = erro de proibição, que pode ser

a) erro de proibição direto; b) erro de proibição indireto; c) erro de proibição mandamental.

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A) ERRO DE PROIBIÇÃO DIRETO É o erro que recai sobre o conteúdo proibitivo de uma norma penal. O agente realiza uma conduta proibida, ou por desconhecer a norma proibitiva, ou por conhecê-la mal, ou por não compreender o seu verdadeiro âmbito de incidência. Ex.: turista holandês que, ao comprar um pacote turístico para o Brasil, após assistir a uma fita promocional, na qual percebeu que um grupo de pessoas fumava um cigarro enrolado numa palha, dando a entender que se tratava de maconha, quando na verdade não era, acredita que no Brasil fosse permitido seu uso, tal como ocorre em algumas partes da Holanda. Ao descer do avião, acende um cigarro e é preso em flagrante. O sujeito simplesmente não sabia que sua conduta era ilícita. B) ERRO DE PROIBIÇÃO INDIRETO É a suposição errônea de uma causa de justificação, se o autor erra sobre a existência ou os limites da proposição permissiva (erro de permissão). Se o autor erra sobre uma situação fática que, se existisse, tornaria a conduta legítima, o erro será de tipo, visto que o CP, no item 17 da exposição de motivos da nova parte geral, deixa claro que adotou a teoria limitada da culpabilidade. TEORIA LIMITADA DA CULPABILIDADE – se o erro do agente cair sobre uma situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima, será considerado erro de tipo. Se recair sobre a existência ou os limites da causa de justificação, o erro será de proibição. TEORIA EXTREMADA DA CULPABILIDADE – não faz essa distinção. Recaindo o erro sobre situação fática ou sobre a existência ou limites da causa de justificação, será tudo erro de proibição. C) ERRO MANDAMENTAL É o erro que incide sobre o mandamento contido nos crimes omissivos, sejam eles próprios ou impróprios. É o erro que recai sobre uma norma impositiva, que manda fazer, que está implícita, evidentemente, nos tipos omissivos. Deve-se distinguir o erro que recai sobre os elementos objetivos dos tipos omissivos (que afeta o tipo penal) daquele erro que recai sobre o mandamento (que afeta a culpabilidade). Se o erro recai sobre a situação objetiva de garantidor, o desconhecimento dará ensejo a erro de tipo. Se o erro recai sobre o deve de cuidado derivado dessa posição, o erro será de proibição. Ex. de erro de tipo – o banhista vê criança se afogar em uma lagoa e não presta socorro porque não sabia nadar, mas na verdade, a profundidade da lagoa permitia o socorro se ele permanecesse em pé. Ex. de erro de proibição – o banhista que, podendo prestar socorro àquele que se afogava, não o faz porque, em virtude da ausência de qualquer vínculo pessoal com ele, acreditava não estar obrigado a isto. 5.2.5. Erro sobre elementos normativos do tipo Elementos normativos são aqueles cujos conceitos são provenientes de uma norma, ou aqueles sobre os quais o intérprete, obrigatoriamente, deverá realizar um juízo de valor, a exemplo do que ocorre com as expressões indevidamente, sem justa causa etc.. A doutrina distingue elementos jurídico-normativos do tipo dos elementos jurídico-normativos da ilicitude: ELEMENTOS JURÍDICO-NORMATIVOS DO TIPO – são conceitos que se constituem em circunstâncias do fato criminoso, como “cheque”, “warrant”, “documento”, “moeda de curso legal”. ELEMENTOS JURÍDICO-NORMATIVOS DA ILICITUDE – são conceitos que acentuam o desvalor da conduta, como “indevidamente”, “sem justa causa”. De uma forma ou de outra, tendo em vista que tanto os elementos jurídico-normativos do tipo quanto da ilicitude integram o tipo penal, o erro incidente sobre eles será sempre de tipo. 5.2.6. Conseqüências do erro de proibição Assim como no erro de tipo, o erro de proibição também poderá ser escusável ou inescusável, mas suas conseqüências são completamente diferentes. O erro de tipo tem a finalidade de afastar o dolo da conduta do agente, seja o erro escusável ou não.

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ERRO DE TIPO ESCUSÁVEL – afasta o dolo e a culpa; INESCUSÁVEL – eliminará o dolo, mas permite a punição por crime culposo, havendo previsão legal. ERRO DE PROIBIÇÃO ESCUSÁVEL – isenta de pena (afasta a culpabilidade); INESCUSÁVEL – diminui a pena de 1/6 a 1/3. 5.2.7. Erro de proibição e delito putativo - diferença No erro de proibição direto, conforme já dito, o agente supunha ser lícita uma conduta que, no entanto era proibida pelo ordenamento jurídico. No delito putativo, entretanto, podemos dizer que há uma relação de verso-reverso com o erro de proibição direto, pois no delito putativo o sujeito acredita praticar uma infração que, na verdade, não está prevista no nosso ordenamento jurídico-penal. O agente imagina proibida uma conduta permitida. No delito putativo o crime só existe na imaginação do agente. 5.3. Exigibilidade de conduta diversa 5.3.1. Conceito A rigor, todas as causas de exclusão da culpabilidade são hipóteses de inexigibilidade de conduta diversa. Exigibilidade de conduta diversa é a possibilidade que tinha o agente de, no momento da ação ou da omissão, agir de acordo com o direito, considerando-se a sua particular condição de pessoa humana. É a possibilidade, determinada pelo ordenamento jurídico, de atuar de uma forma distinta e melhor do que aquela a que o sujeito se decidiu. A exigibilidade de conduta diversa deve ser analisada com base em características subjetivas do agente, como sua instrução, inteligência, situação econômica etc. 5.3.2. Causas legais de exclusão da culpabilidade por inexigibilidade de outra conduta O CP enumera algumas causas de exclusão da culpabilidade, destacando-se três:

- coação irresistível; - obediência hierárquica; - aborto, quando a gravidez resulta de estupro.

Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

As figuras da coação irresistível e obediência hierárquica são excludentes de culpabilidade. Enfatize-se que o dispositivo legal fala em coação irresistível. Em assim procedendo, refere-se, apenas, à coação moral (vis compulsiva) e não à coação física (vis absoluta). É evidente que neste caso o agente não é sujeito ativo, mas passivo, isto é, ele é usado para prática da ação, dela não participando sua vontade. A coação física afasta a própria conduta do agente, por ausência de dolo ou culpa. Na coação moral irresistível (vis compulsiva), o autor coagido atua, na verdade, como mero instrumento nas mãos do coator, sendo este último considerado autor mediato. Atente-se que o dispositivo ao referir à coação irresistível está, evidentemente, excluindo a resistível. Naquele caso, o agente não é passível de punição; neste, a pena fica atenuada em face do disposto no artigo 65, III, c, primeira parte, do Código Penal.

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Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: III - ter o agente: c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;

A segunda excludente, a obediência hierárquica, exige a presença de três elementos:

1. que a ordem não seja manifestamente ilegal – se a ordem for manifestamente ilegal e o agente ainda assim cumpri-la, responderá, juntamente com o superior hierárquico, em concurso de agente em fato típico doloso.

2. que a ordem seja oriunda de superior hierárquico - essa subordinação diz respeito, apenas, à hierarquia vinculada à função pública. Não há relação hierárquica entre particulares, como no caso do gerente de uma agência bancária e seus subordinados;

3. que o cumpridor da ordem se atenha aos limites da mesma – se houver excesso, o executor da ordem responderá pelos danos causados.

Quanto ao aborto praticado quando a gravidez resulta de estupro, a maioria da doutrina entende ser caso de exclusão da criminalidade, ilicitude, antijuridicidade, e não causa de exclusão da punibilidade, ou culpabilidade. Por quê o autor acredita ser causa de exclusão da culpabilidade? Para ele, para haver excludente de ilicitude, o fato deve se amoldar a alguma das situações elencadas no artigo 23: estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal, legítima defesa ou exercício regular do direito. Não há legítima defesa porque o feto não agride a mãe; Não há estrito cumprimento de dever legal porque a mãe não está obrigada a abortar; Não há exercício regular do direito porque o direito visa a proteção da vida, e não sua extinção. Quanto ao estado de necessidade, no qual alguns autores sustentam suas teses, presume-se que estejam em conflito dois bens jurídicos tutelados pelo ordenamento. No caso do inciso II, denominado ABORTO SENTIMENTAL, estão em conflito a honra da vítima de estupro e, de outro lado, a vida do feto em formação. De acordo com a teoria unificadora ou unitária do estado de necessidade, todo estado de necessidade é justificante, ou seja, não interessa o conflito entre o valor dos bens jurídicos em confronto. De acordo com a teoria diferenciadora, existe o estado de necessidade justificante e o estado de necessidade exculpante. Se o bem defendido for mais valioso que o bem sacrificado, haverá estado de necessidade justificante; se o bem defendido for menos valioso que o bem sacrificado, haverá estado de necessidade exculpante. Se forem de igual valor, não há consenso na doutrina. Se no aborto sentimental há conflito entre a honra da mãe e a vida da criança, não se poderia falar, portanto, em estado de necessidade justificante. CRÍTICA – o próprio autor salienta em capítulos anteriores que o Código Penal adotou a teoria unitária, não sendo relevante a diferença entre os bens jurídicos tutelados. 5.3.3. Inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade CAUSAS SUPRALEGAIS DE EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE – são aquelas que, embora não estejam previstas expressamente em algum texto legal, são aplicadas em virtude dos princípios informadores do ordenamento jurídico. Embora alguns doutrinadores alemães, baseados na legislação alemã, que proíbe a sustentação de causas supralegais de exclusão da culpabilidade, dissertem serem essas causas fatores perigosos à segurança jurídica, não discordam que, nalgumas situações, sua utilização pode prevenir a ocorrência de aberrações jurídicas, de injustiças gritantes.

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Assim, não haveria qualquer impedimento em nosso ordenamento jurídico para a aplicação da causa exculpante supralegal da inexigibilidade de conduta diversa. 5.3.4. Aplicação, no júri, das causas exculpantes supralegais Alguns juízes e promotores têm sido contrários à aplicabilidade das causas exculpantes supralegais nos julgamentos realizados pelo júri. Isso por conta de uma equivocada interpretação do inciso III, do artigo 484, do CPP:

Art. 484. Os quesitos serão formulados com observância das seguintes regras: III - se o réu apresentar, na sua defesa, ou alegar, nos debates, qualquer fato ou circunstância que por lei isente de pena ou exclua o crime, ou o desclassifique, o juiz formulará os quesitos correspondentes imediatamente depois dos relativos ao fato principal, inclusive os relativos ao excesso doloso ou culposo quando reconhecida qualquer excludente de ilicitude;

De acordo com a doutrina mais moderna, se levarmos em conta o princípio da ampla defesa insculpido no inciso LV, do art. 5o, da CF, a defesa deveria ser AMPLA, ou seja, não poderá haver limitações a hipóteses contidas na lei. Houve uma revogação parcial (sic. – na verdade, a boa técnica constitucional indicaria que o dispositivo estaria parcialmente não recepcionado) desse inciso III pela Constituição Federal de 88. 6. CO-CULPABILIDADE A teoria da co-culpabilidade ingressa no mundo do Direito Penal para apontar e evidenciar a parcela de responsabilidade que deve ser atribuída à sociedade quando da prática de determinadas infrações penais pelos seus “supostos cidadãos”. Tal poderá ser a contribuição da sociedade que, em algumas situações, deverá afastar completamente a reprovação sobre a conduta do agente, ou, em outras, poderá diminuí-la, conforme o permite o artigo 66 do CP, que prevê a possibilidade de aplicação de uma circunstância atenuante genérica:

Art. 66. A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.

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CAPÍTULO 34 – CONCURSO DE PESSOAS 1. INTRODUÇÃO CRIMES UNISSUBJETIVOS – são infrações penais que podem ser praticadas por uma única pessoa, são também chamados de delitos de concurso eventual; CRIMES PLURISSUBJETIVOS – são infrações penais que exigem, no mínimo, duas pessoas para que possam se configurar, são também chamados delitos de concurso necessário. De acordo com o artigo 29, do CP:

Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

A princípio, esse dispositivo só teria aplicação no que tange aos crimes unissubjetivos, já que diante da necessidade do concurso de duas ou mais pessoas nos crimes plurissubjetivos, a norma não seria necessária para alcançar os demais autores. Entretanto, a norma aplica-se a esta última categoria no que diz respeito à participação nesses crimes. 2. REQUISITOS PARA O CONCURSO DE PESSOAS São requisitos do concurso de pessoas:

- pluralidade de agentes e de condutas - para que ocorra o concurso de pessoas obviamente deverão concorrer à prática do crime duas ou mais pessoas;

- relevância causal de cada conduta - se a conduta levada a efeito por algum dos agentes não tiver relevância para o cometimento da infração penal, devemos considerar que o agente não concorreu para sua prática;

- liame subjetivo entre os agentes - deve haver um vínculo psicológico que une os agentes para a prática da mesma infração penal;

- identidade de infração penal - os agentes, unidos pelo liame subjetivo, devem querer praticar a mesma infração penal.

3. TEORIAS SOBRE O CONCURSO DE PESSOAS Surgiram três teorias com a finalidade de distinguir e apontar a infração penal cometida por cada um dos participantes (autores e partícipes): TEORIA PLURALISTA Para essa teoria, haveria tantas infrações penais quantos fossem o número de autores e partícipes. À pluralidade de agentes corresponde a pluralidade de crimes. Seria como se cada autor ou partícipe tivesse praticado a sua própria infração penal, independentemente de sua colaboração para com os demais agentes. TEORIA DUALISTA Distingue o crime praticado pelos autores do crime praticado pelos partícipes. TEORIA MONISTA Foi a teoria adotada pelo Código Penal. Para essa teoria, todos os que concorrem para o crime incidem nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. Embora o crime seja praticado por diversas pessoas, permanece único e indivisível. Embora o CP tenha adotado a teoria monista ou unitária em seu artigo 29, os parágrafos desse artigo, ao punirem de forma diferente a participação em determinadas situações, deixou clara a aproximação também da teoria dualista. Por isso, alguns autores dizem que o Brasil adotou a teoria monista “mitigada, temperada ou matizada”.

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4. AUTORIA 4.1. Introdução Várias foram as teorias dispostas a trazer o conceito de autoria e participação, algumas mais ampliativas, outras mais restritivas e outras de certa forma conciliatórias. O certo é que pela grande quantidade de teorias que surgiram para explicar o assunto percebe-se que o mesmo está longe de ser pacífico. Quanto à autoria, veremos teorias restritivas, ampliativas e, em seguida, uma teoria intermediária, que nos parece mais adequada, trazida pela teoria do domínio do fato. 4.2. Conceito restritivo de autor Para essa teoria, autor é somente aquele que pratica a conduta descrita no núcleo do tipo penal. Todos os que, de alguma forma, o auxiliassem, mas não viessem a realizar a conduta narrada pelo verbo do tipo penal seriam considerados partícipes. Se a realização da ação descrita no tipo se distingue da sua indução ou de seu favorecimentos, devem haver critérios objetivos de diferenciação entre autoria e participação. Acompanha esse conceito a teoria objetiva de participação, que possui uma vertente FORMAL e outra MATERIAL. TEORIA OBJETIVO-FORMAL Por essa teoria, o que realmente interessa é a efetiva realização de todos ou alguns dos atos executivos previstos expressamente no tipo legal. Autor – pratica a conduta descrita no núcleo do tipo; Partícipe – todos os demais, que concorrem para a infração penal, mas que não realizam a conduta expressada pelo verbo existente no tipo. TEORIA OBJETIVO-MATERIAL Insere um complemento à teoria anterior mediante a perspectiva da maior perigosidade que deve caracterizar a contribuição do autor ao fato em comparação com a do partícipe. Essa teoria distingue as figuras pela maior contribuição do primeiro na causação do resultado. CRÍTICA À TEORIA RESTRITIVO-OBJETIVA – não conseguia explicar a punibilidade daquele que age em autoria mediata. 4.3. Conceito extensivo de autor Parte da teoria da equivalência das condições. Não faz diferença entre as figuras de autor e partícipe, pois todos que, de alguma forma, colaboram para a prática do fato delitivo, são considerados autores. O conceito extensivo de autor está ligado a uma teoria subjetiva da participação. Essa teoria subjetiva analisa o problema utilizando-se de um critério anímico para a distinção entre os agentes. Autor – possui vontade de ser autor (animus auctoris). O agente quer o fato como próprio; Partícipe – possui vontade de ser partícipe (animus socii). O agente deseja o fato como alheio. CRÍTICA À TEORIA EXTENSIVO-SUBJETIVA – dado o enorme grau de subjetivismo, em alguns casos aquele que efetivamente pratica a conduta típica seria considerada partícipe, e não autor, pelo simples fato de querer o resultado como alheio. Ex.: matadores de aluguel.

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4.4. Teoria do domínio do fato Ocupa posição intermediária entre as anteriores. Surge em 1939, em lições de Hans Welzel. Para essa teoria, autor é aquele que possui o domínio final sobre o fato. O autor é o senhor do fato. É considerada uma teoria objetivo-subjetiva, pois quem realiza a conduta descrita no núcleo do tipo penal tem o poder de decidir se irá até o fim com o plano criminoso, ou, em virtude de seu domínio sobre o fato, isto é, em razão de ser o senhor de sua conduta, pode deixar de lado a empreitada criminosa. Essa teoria inclui na análise um fator demasiadamente importante: a divisão de tarefas. O domínio do fato, portanto, não diz respeito apenas ao fato último, à efetiva realização da conduta criminosa, mas sim à capacidade de cumprir ou não a parcela do delito que lhe fora incumbida, parcela esta importante para o efetivo cometimento da infração penal. Autor – é quem possui o manejo dos fatos e o leva a sua realização; Partícipe – é quem simplesmente colabora, sem poderes decisórios a respeito da consumação do fato. 4.5. Co-autoria Co-autoria é autoria; sua particularidade consiste em que o domínio do fato unitário é comum a várias pessoas. Co-autor é quem possuindo as qualidades pessoais de autor é portador da decisão comum a respeito do fato e em virtude disso toma parte na execução do delito. Para a caracterização da co-autoria, não é necessário que todos pratiquem a conduta descrita no núcleo do tipo. 4.6. Autoria direta e indireta AUTOR DIRETO OU EXECUTOR – pratica a conduta descrita pelo núcleo do tipo penal; AUTOR INDIRETO OU MEDIATO – se vale de outra pessoa, que lhe serve, na verdade, de instrumento para a prática da infração penal. O CP prevê expressamente quatro casos de autoria mediata:

a) erro determinado por terceiro – art. 20, §2o, do CP; Ex.: enfermeira aplica no paciente injeção contendo veneno letal, a pedido do médico, sem saber o que havia em seu conteúdo

b) coação moral irresistível – art. 22, primeira parte, do CP;

c) obediência hierárquica – art. 22, segunda parte, do CP;

d) caso de instrumento impunível em virtude de condição ou qualidade pessoal – art. 62, III, segunda parte, do CP.

Ex.: um sujeito empurra outro sobre a vítima, a fim de causar à mesma lesões corporais. Casos de hipnose, em que o hipnotizado cumpre as ordens que lhe foram determinadas, em decorrência de seu estado de inconsciência. 4.7. Autoria mediata e crimes de mão própria Diferença entre crime próprio e crime de mão própria: CRIME PRÓPRIO – só pode ser praticado por um grupo determinado de pessoas, que gozem de condição especial exigida pelo tipo penal. Ex.: funcionários públicos no peculato. CRIME DE MÃO PRÓPRIA – é necessário que o sujeito ativo, expresso no tipo penal, pratique a conduta pessoalmente. Ex.: só a testemunha pode praticar as ações do crime de falso testemunho. Em crimes próprios é perfeitamente possível a autoria mediata. Quem deve possuir as condições especiais exigidas pelo tipo penal é o AUTOR MEDIATO, e não o imediato.

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Nos crimes de mão própria, entretanto, não se pode falar em autoria imediata. A execução dos crimes de mão própria não pode ser transferida a ninguém. Somente o autor pode praticar a conduta prevista no núcleo do tipo. 4.8. Co-autoria e crimes de mão própria Assim como ocorre com a autoria mediata, também não se admite a co-autoria em crimes de mão própria. Isto porque, por se tratar de infrações personalíssimas, é impossível a divisão de tarefas. Embora não se possa falar em co-autoria, nada impede que haja concurso de partícipes, seja induzindo, instigando ou auxiliando o autor do crime de mão própria. Entretanto, o STF já decidiu por diversas vezes que o advogado pode ser co-autor em crime de falso testemunho. 4.9. Autor intelectual Na autoria intelectual, o sujeito planeja a ação delituosa, constituindo o crime produto de sua criatividade. O artigo 62, I, do CP, diz que:

Art. 62. A pena será ainda agravada em relação ao agente que: I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes;

4.10. Autor de determinação Não se trata de autoria, direta ou indireta, ou mesmo de participação, mas decorre da leitura do artigo 29 do CP que é permitido punir o agente pelo fato de ter determinado a prática da infração penal:

Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. § 1º. Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. § 2º. Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

O exemplo trazido é o da mulher que ministra sonífero à amiga e hipnotiza o amigo, ordenando-lhe que mantenha conjunção carnal com aquela amiga durante o transe. O hipnotizado não realiza conduta, a violência é presumida pela impossibilidade de oferecer resistência. O crime é de estupro, mas não há conduta e a mulher que deu causa a isso tudo não pode ser co-autora em crime de mão própria (só o homem pode estuprar) nem partícipe para os que adotam a teoria da acessoriedade limitada da participação (para que haja participação o autor deve praticar fato típico e ilícito). A mulher então ficaria impune? Não. Pela figura do autor de determinação, ela não será punida pelo crime de estupro, mas lhe será imposta a mesma pena cominada ao mesmo por haver cometido o delito de determinar para o estupro. 4.11. Co-autoria sucessiva Fala-se em co-autoria sucessiva quando, fugindo da regra de que todos os co-autores iniciem, juntos, a empreitada criminosa, após alguém ou o grupo todo já ter iniciado o percurso do iter

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criminis, ingressando na fase dos atos de execução, uma outra pessoa adere à conduta criminosa do grupo e, agora, unidos pelo vínculo psicológico, passam, juntos, a praticar a infração penal. Até que momento poderia haver co-autoria sucessiva, ou seja, até que momento o agente poderá se unia a outro, com a finalidade de cometer determinada infração penal? Autores sustentam que a autoria sucessiva não encontra seu limite na consumação do delito, mas sim em seu exaurimento. Ex.: o agente que adere à empresa delituosa de extorsão por ocasião da obtenção da vantagem econômica indevida seria co-autor sucessivo. Mas será ele responsável pelos atos já praticados pelos demais agentes ou somente por aqueles praticados após o seu ingresso na ação criminosa? DUAS CORRENTES WELZEL, MAURACH e NILO BATISTA – deve responder pelo fato em sua integralidade, já que o ingresso consciente da execução já iniciada faz incorporar à sua conduta os atos executivos já conhecidos. MEZGER e ZAFFARONI – só responde pelo que vier a ocorrer depois. Para o autor, só responderá pelos fatos que tiverem entrado em sua esfera de conhecimento, quando do ingresso no concurso delitivo. Ex.: se uma das vítimas do roubo em que o sujeito ingressou já tiver sido morta, ao seu desconhecimento, não poderá responder por latrocínio. 4.12. Autoria colateral, autoria incerta e autoria desconhecida AUTORIA COLATERAL – ocorre quando dois agentes, embora convergindo as suas condutas para a prática de determinado fato criminoso, não atuam unidos pelo liame subjetivo. Se não há vínculo psicológico, não há concurso de pessoas (nem co-autoria, nem participação). Se A e B, ambos querendo matar C, por mera coincidência colocam-se em emboscada e atiram no mesmo quando passa por perto, sem que soubessem da presença do outro atirador no local, haveria autoria colateral. Se a perícia descobre que a bala de A matou C e a de B acertou o braço, A responderia por homicídio consumado e B por tentativa de homicídio. AUTORIA INCERTA – ocorre quando, embora se saiba quais os possíveis autores do delito, não se consegue identificar a conduta de quem foi responsável pelo resultado. Utilizando-se do mesmo exemplo acima, se a perícia não consegue descobrir de quem era a bala que matou C, ambos responderiam por tentativa de homicídio, senão estaríamos punindo um deles por crime mais grave do que cometeu, o que seria inadmissível. Mas se ambos agissem em co-autoria (unidos pelo liame subjetivo de matar C), não interessa de quem era a bala que matou C, e ambos responderiam por homicídio consumado. AUTORIA DESCONHECIDA – ocorre quando não se faz a menor idéia de quem foi o autor da conduta ilícita. 4.13. Autoria de escritório Para Zaffaroni e Pierangeli, seria uma nova modalidade de autoria. Entretanto, o fato de alguém cumprir as ordens de um grupo criminoso extremamente organizado não o reduz à condição de mero instrumento, tal como se pode dizer em casos de autoria mediata.

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5. PARTICIPAÇÃO 5.1. Introdução Partícipes desempenham um papel coadjuvante na infração penal. Embora não desenvolvam atividades principais, têm papéis secundários que influenciam na prática da infração penal. Partícipe, em sentido amplo, poderia designar os participantes da infração penal, todos os que de alguma forma se relacionassem com a realização do fato típico, incluindo-se aqui tanto os autores quando os partícipes em sentido estrito. Para que se possa falar em partícipe deve existir, necessariamente, um autor do fato. É uma relação entre acessório e principal. A participação pode ser moral ou material. MORAL – induzimento (determinação) ou instigação; MATERIAL – participação por cumplicidade (prestação de auxílios materiais). Induzir é fazer brotar a idéia criminosa na cabeça do agente. Instigar é reforçar, estimular uma idéia criminosa já existente na mente do autor. Na cumplicidade ou prestação de auxílios materiais, o partícipe facilita materialmente a prática da infração penal, por exemplo, cedendo a escada para aquele que deseja adentra na casa da vítima. Em toda a prestação de auxílios materiais existe embutida uma dose de instigação. 5.2. Teorias sobre a participação São teorias que tratam da acessoriedade da participação, estabelecendo quando uma pessoa pode ser punida a título de partícipe em um delito:

a) teoria da acessoriedade mínima; b) teoria da acessoriedade limitada; c) teoria da acessoriedade máxima; d) teoria da hiperacessoriedade.

Deve-se fazer a ressalva contida no artigo 31, do CP:

Art. 31. O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.

A) TEORIA DA ACESSORIEDADE MÍNIMA Para que se possa falar em associação, basta que o autor tenha cometido uma conduta TÍPICA, não sendo necessárias a ilicitude e a culpabilidade para sua configuração. B) TEORIA DA ACESSORIEDADE LIMITADA A participação só é punível quando o autor tenha praticado um fato típico e antijurídico. É a teoria adotada pela maioria dos doutrinadores. C) TEORIA DA ACESSORIEDADE MÁXIMA Somente haverá punição do partícipe quando o autor praticar uma conduta típica, ilícita e culpável. É a posição adotada por Mezger ao analisar o Código Penal alemão, quando dizia que “a lei exige, na instigação e no auxílio, o total caráter delitivo do ato principal; não é suficiente que dito ato seja antijurídico, necessita também ser culpável”. D) TEORIA DA HIPERACESSORIEDADE A participação, para essa teoria, só poderá ser punida se o autor tiver praticado um fato típico, ilícito, culpável e punível. A punibilidade do autor é indispensável para a responsabilização penal do partícipe.

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5.3. Instigação a autores e a fatos determinados Para que se possa falar em instigação, ela deve ser direcionada a uma pessoa determinada no sentido da prática de um fato determinado. Não se estimula, genericamente, ao cometimento de fatos não determinados. Caso o agente venha a incitar publicamente pessoas indeterminadas à prática de crime, não será considerado partícipe dos mesmos, mas sim autor do delito de incitação ao crime, descrito no art. 286, do CP.

Art. 286. Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena - detenção, de 3 (três) a 6 (seis) meses, ou multa.

5.4. Participação punível – desistência voluntária e arrependimento eficaz do autor De acordo com o CP, em seu artigo 15, o agente que desiste voluntariamente ou impede que o resultado se produza só responde pelos atos já praticados. Pela redação do artigo percebe-se claramente que a desistência voluntária e o arrependimento eficaz são destinados apenas ao AUTOR de uma infração. Isso porque, ao dizer “aquele que desiste de prosseguir na execução”, restringe seu âmbito de incidência àquele que pode ter iniciado os atos de execução. E partícipe não pratica tais atos. No que diz respeito ao partícipe, alguns autores, como Nilo Batista entendem que a impunibilidade do partícipe decorre da acessoriedade da participação. Portanto, se a desistência voluntária e o arrependimento eficaz excluírem o tipo, o partícipe também não poderá ser punido. Em sentido contrário, Rogério Greco entende que o simples ingresso do autor na fase de execução do delito já é suficiente para a punição do partícipe. O arrependimento eficaz e a desistência voluntária só impedem a imputação de um fato ao autor por motivos de Política Criminal, que não podem ser estendidos ao partícipe. Quando o autor é beneficiado pelo artigo 15 do CP, já praticou um ato típico, ilícito e culpável. Se os institutos não se fizessem presentes, ele responderia por tentativa, daí a conclusão de que o benefício é pessoal, intransferível ao partícipe, que agiu com dolo de induzir, instigar ou auxiliar o autor à prática de um fato determinado contra uma vítima determinada. 5.5. Arrependimento do partícipe Uma pequena discussão surge em torno da possibilidade de haver desistência voluntária ou arrependimento eficaz na instigação, no induzimento ou no auxílio. Dificilmente se vislumbraria uma hipótese de desistência voluntária do induzimento ou na instigação, visto que o partícipe, ao tentar incutir ou reforçar na mente do autor o propósito criminoso, já teria esgotado os atos necessários a tanto, sendo mais provável que ocorra o arrependimento eficaz, convencendo o autor, agora, a não praticar o delito. Entretanto, no auxílio material (ou cumplicidade), se o partícipe se compromete a emprestar a arma e, depois, desiste de emprestá-la, ou se após emprestá-la, toma das mãos do autor, existiria a possibilidade de desistência voluntária ou arrependimento eficaz, respectivamente. Na verdade, o arrependimento eficaz só poderá ser tomado a efeito se o partícipe conseguir impedir que o delito seja efetivamente cometido pelo autor, caso contrário, o arrependimento não será eficaz.

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5.6. Tentativa de participação Pela redação do artigo 31, do CP, não se pode falar em tentativa de participação. Se o partícipe estimula alguém a cometer uma determinada infração penal, mas aquele que foi estimulado não vem a praticar qualquer ato de execução tendente a consumá-la, a conduta do partícipe é considerada um indiferente penal. 5.7. Participação em cadeia (participação de participação) É perfeitamente possível que A induza B a induzir C a matar determinada pessoa. Essa é a participação sucessiva, em que pode haver punição dos partícipes mediatos e imediatos, com a ressalva de que o autor deve, necessariamente, entrar na fase executória do iter criminis, ou seja, ele deve pelo menos tentar praticar o delito. 5.8. Participação sucessiva Da mesma forma que se admite a co-autoria sucessiva, também existe a possibilidade da participação sucessiva. A participação sucessiva ocorre quando o agente, não obstante já ter sido instigado por A para matar C, depois é instigado por B a praticar o mesmo delito contra C. 5.9. Participação por omissão Deve-se distinguir participação moral e material: MORAL – induzimento e instigação; MATERIAL – cumplicidade ou auxílio material. A participação moral é impossível de ser realizada por omissão. Não se pode imaginar o doloso processo de convencimento à prática criminosa que se não estruture numa atuação positiva; poder-se-ia até abrir mão das palavras, mas nunca de uma ação. A participação material, entretanto, pode ser feita por meio de uma inação do partícipe, que, com sua omissão, contribui para a ocorrência da infração penal. OBS.: o partícipe que auxilia materialmente por omissão não pode ser GARANTIDOR DA NÃO-OCORRÊNCIA DO FATO, pois, havendo o dever legal de agir para impedir o resultado, será responsabilizado a título de autoria, e não de participação. 5.10. Impunibilidade da participação Sendo a participação uma atividade acessória, a sua punição dependerá, obrigatoriamente, da conduta do autor. Assim, a responsabilização penal do partícipe surge no exato momento em que o autor inicia os atos de execução. 5.11. Participação de menor importância De acordo com o §1o, do artigo 29, do CP:

§ 1º. Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.

Possui o dispositivo a natureza jurídica de CAUSA GERAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. Embora o dispositivo diga que a pena PODE ser diminuída, é entendimento prevalecente o de que o que realmente existe para o julgador é um DEVER de reduzir a pena.

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Conforme se pode facilmente concluir, a menor importância só tem relevância na PARTICIPAÇÃO. Não se pode aplicar a redução de pena em CO-AUTORIA de menor importância. Isto porque, em vista da adoção da teoria do domínio funcional do fato, todo aquele que possui domínio funcional do fato que lhe fora atribuído pelo grupo é co-autor, sendo sua conduta importante para a prática da infração penal, não se podendo falar, portanto em co-autoria de menor importância. 5.12. Participação em crime menos grave (desvio subjetivo de conduta) Diz o §2o, do artigo 29, do CP:

§ 2º. Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

É UM EXEMPLO CLARO DA QUEBRA DA TEORIA MONISTA OU UNITÁRIA DA PARTICIPAÇÃO, EM QUE A MESMA INFRAÇÃO PENAL É INCUTIDA A TODOS AQUELES QUE CONCORRERAM PARA SUA PRÁTICA, SEJA COMO AUTORES OU PARTÍCIPES. Aqui o legislador pretendeu punir os concorrentes nos limites impostos pela finalidade de sua conduta. Se queria concorrer para o cometimento de um crime qualquer, não poderá responder pelo desvio subjetivo de conduta atribuído ao autor executor. Deve-se frisar que, diferentemente do que ocorre no §1o, do mesmo artigo, também pode ser aplicado o dispositivo nos casos de co-autoria, visto que o parágrafo começa a sua redação fazendo menção a “alguns dos concorrentes”, não limitando a sua aplicação tão-somente aos partícipes. 5.13. Cumplicidade e favorecimento real O crime de favorecimento real vem tipificado no artigo 349, do CP:

Art. 349. Prestar a criminoso, fora dos casos de co-autoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime: Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, e multa.

O importante a fim de identificarmos se o caso é de cumplicidade na infração principal praticada pelo autor, que deseja tornar seguro o proveito do crime, ou de mero favorecimento real, é sabermos o momento em que o auxílio foi proposto. Se anterior à consumação da infração penal pretendida pelo autor, o caso será o de cumplicidade (auxílio material); se posterior à sua consumação, concluiremos pelo favorecimento real. Deve-se lembrar da regra de que só é possível haver participação enquanto o injusto não se tenha executado. Terminada a execução do delito, já não é mais possível a participação, e somente a adequação de uma conduta a tipos independentes. 6. PUNIBILIDADE NO CONCURSO DE PESSOAS De acordo com o caput do artigo 29, do CP, quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a ele cominadas, na medida de sua culpabilidade. Culpabilidade aqui diz respeito a um juízo de censura, de reprovabilidade, que recai sobre a conduta do agente. Embora duas pessoas resolvam praticar em concurso determinada infração penal, pode-se concluir, dependendo da hipótese, que a conduta de uma delas é mais censurável do que a outra, razão pela qual deverá ser punida mais severamente.

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7. CIRCUNSTÂNCIAS INCOMUNICÁVEIS De acordo com o artigo 30, do CP:

Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.

A regra é a da incomunicabilidade das circunstâncias e das condições de caráter pessoal entre os autores do crime. A exceção é que se essas circunstâncias ou condições de caráter pessoal forem ELEMENTARES do crime, haverá comunicação. CIRCUNSTÂNCIAS – têm o efeito de aumentar ou diminuir a pena. São dados periféricos, acessórios, que gravitam ao redor da figura típica. As circunstâncias OBJETIVAS, que se relacionam com o fato delituoso em sua materialidade, se comunicam se ingressarem na esfera de conhecimento dos co-participantes. As SUBJETIVAS, ao contrário, só se comunicam se forem elementares do crime e, ainda, ingressarem na esfera de conhecimento dos co-participantes. 8. CRIMES MULTITUDINÁRIOS São os crimes praticados por uma multidão criminosa. Na verdade, os agentes não atuam em concurso, pois muitas vezes não atuam querendo cooperar umas com as outras, mas somente atuam estimuladas pela atuação do grupo. A sugestão do grupo, por inibir temporariamente a capacidade do agente de refletir sobre aquilo que faz, bem como a respeito das conseqüências de seu ato, fez com que o legislador atenuasse a pena do agente quando da prática do crime em multidão. Art. 65, III, e:

Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: III - ter o agente: e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou.

9. CONCURSO DE PESSOAS EM CRIMES OMISSIVOS 9.1. Crimes omissivos próprios e impróprios - distinção As normas existentes nos crimes comissivos são chamadas de proibitivas (o tipo proíbe o agente de praticar a conduta nele prevista) e as dos crimes omissivos são chamadas de mandamentais (o tipo visa compelir o agente a praticar determinada conduta). OMISSIVOS PRÓPRIOS (puros ou simples) – não exigem, em regra, qualquer resultado naturalístico para sua configuração. Esses crimes prevêem uma conduta negativa do agente. No tipo penal vem descrita uma inação. OMISSIVOS IMPRÓPRIOS (comissivos por omissão) – exigem, em regra, a produção do resultado naturalístico para sua configuração. Ocorre quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado (posição de garante). É possível falar em concurso de pessoas em crimes omissivos, sejam eles próprios ou impróprios? 9.1.1. Co-autoria em crimes omissivos (próprios e impróprios) Para alguns autores, não se pode cogitar de co-autoria nos delitos omissivos, uma vez que cada agente possui o seu dever de agir de forma individualizada, indecomponível e intransferível. Se dois garantidores, a exemplo do pai e da mãe que deixam o filho morrer de inanição, negando-lhe

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alimentos, deixam de fazer aquilo a que estavam obrigados, a fim de tentar evitar a produção do resultado, como a teoria do domínio funcional do fato não se aplica aos crimes omissivos, sejam eles próprios ou impróprios (dada a completa incompatibilidade com a idéia de divisão de tarefas), embora tenham agido com identidade de propósito, não será o caso de co-autoria, sendo cada um, individualmente, considerado autor. Para outros autores, entretanto, seria possível falar em co-autoria nos crimes omissivos, desde que cada agente possua o dever de agir naquele determinado caso concreto. Se não houver vínculo psicológico entre os agentes, cada um responderá como autor. Em caso contrário, ou seja, havendo vínculo psicológico entre eles, poderá perfeitamente ser reconhecida a co-autoria. 9.1.2. Participação em crimes omissivos (próprios e impróprios) Há autores que não admitem qualquer espécie de concurso de pessoas nos crimes omissivos, seja em forma de co-autoria ou mesmo de participação. Em sentido contrário, autores afirmam que na modalidade instigar pode perfeitamente ocorrer a participação nos crimes de omissão. A participação em delitos omissivos, na verdade, deve ser reconhecia como uma dissuasão, ou seja, o partícipe dirige a sua conduta no sentido de fazer com que o autor não pratique a conduta a que estava obrigado. 10. CONCURSO DE PESSOAS EM CRIMES CULPOSOS 10.1. Introdução Muita discussão existe na doutrina sobre a possibilidade de concurso de agentes em delitos culposos. Devemos analisar separadamente duas situações:

a) co-autoria em delitos culposos; b) participação em delitos culposos:

a. participação dolosa; b. participação culposa.

10.2. Co-autoria em delitos culposos A tendência moderna é aceitar a possibilidade de co-autoria em delitos culposos. Duas pessoas podem, EM UM ATO CONJUNTO, deixar de observar o dever objetivo de cuidado que lhes cabia e, com a união de suas condutas, virem a produzir um resultado lesivo. 10.3. Participação em crimes culposos Ao contrário do que ocorre com a co-autoria, a participação em crimes culposos é quase unanimemente rechaçada.

a) participação dolosa em crime culposo – a doutrina exige rejeita a situação uma vez que o concurso de pessoas exige, como regra geral, em face da adoção da teoria monista, a identidade de infração penal, dividida por todos aqueles que concorreram para sua prática.

b) participação culposa em crime culposo – é possível no exemplo de que o sujeito, atrasado

para um compromisso, induz o motorista do táxi a imprimir velocidade excessiva no veículo. Se o motorista atropelar alguém, será autor do delito culposo, enquanto o passageiro será partícipe (por ter induzido ou estimulado alguém a realizar a conduta contrária ao dever de cuidado).

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EM RESUMO, ADMITE-SE A PARTICIPAÇÃO CULPOSA EM CRIME CULPOSO E RECHAÇA-SE A PARTICIPAÇÃO DOLOSA EM CRIME CULPOSO.

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CAPÍTULO 35 – DAS PENAS 1. INTRODUÇÃO Dentro de um Estado Constitucional de Direito, embora o Estado tenha o dever/poder de aplicar a sanção penal àquele que, violando o ordenamento jurídico-penal, praticou determinada infração penal, a pena a ser aplicada deverá observar os princípios expressos, ou mesmo implícitos, em nossa Constituição Federal. 2. ORIGEM DAS PENAS Desde a Antigüidade até o século XVIII as penas tinham uma característica extremamente aflitiva, uma vez que o corpo do agente é que pagava pelo mal por ele praticado. O período iluminista, principalmente no século XVIII, foi um marco inicial para uma mudança de mentalidade no que dizia respeito à cominação de penas. E até hoje, após avanços e retrocessos, pode-se dizer que o sistema de aplicação da lei penal tem caminhado no sentido de eliminar a cominação de penas que atinjam a dignidade da pessoa humana. 3. FINALIDADES DAS PENAS – TEORIAS ABSOLUTAS E RELATIVAS De acordo com o nosso CP, em seu art. 59:

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário o suficiente para reprovação e prevenção do crime:

Assim, de acordo com nossa legislação penal, a pena deve servir tanto para reprovar o mal produzido pela conduta como para prevenir futuras infrações penais. TEORIA RETRIBUTIVA – a pena não possui um fim socialmente útil, senão em que mediante a imposição de um mal merecidamente se retribui, equilibra e espia a culpabilidade do autor pelo fato cometido. Trata-se de uma teoria “absoluta” porque para ela o fim da pena é independente, desvinculado de seu efeito social. TEORIA DA PREVENÇÃO – nela assenta-se a teoria relativa. A prevenção pode ser geral ou especial, e cada uma delas pode ser negativa ou positiva:

- Prevenção geral o Negativa – também chamada prevenção por intimidação. A pena aplicada ao

autor da infração penal tende a refletir junto à sociedade, evitando-se, assim, que as demais pessoas, que se encontram com os olhos voltados na condenação de um de seus pares, reflitam antes de praticar a infração penal;

o Positiva – também chamada de prevenção integradora. O propósito da pena vai além da prevenção negativa, sendo, na verdade, infundir, na consciência geral, a necessidade de respeito a determinados valores, exercitando a fidelidade ao direito, promovendo a integração social.

- Prevenção especial o Negativa – neutraliza-se aquele que praticou a infração penal, com sua

segregação no cárcere. o Positiva – a finalidade da pena é unicamente em fazer com que o autor desista de

cometer futuros delitos. Tem um caráter eminentemente ressocializador. 4. TEORIA ADOTADA PELO ARTIGO 59, DO CÓDIGO PENAL

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Pela redação do artigo 59, do CP, podemos concluir que adotou-se, no Brasil, a TEORIA MISTA ou UNIFICADORA DA PENA, visto que há a conjugação da necessidade de reprovação com a prevenção do crime, unificando as teorias absoluta e relativa da pena. 5. CRÍTICAS AOS CRITÉRIOS DE PREVENÇÃO GERAL E ESPECIAL Crítica à prevenção geral negativa (ou por intimidação): A intimidação como forma de prevenção atenta contra a dignidade do homem, pois o transforma em um instrumento de intimidação de outras pessoas e, além disso, os efeitos esperados da pena são altamente duvidosos, porque sua verificação real escora-se em dois fatores bastante imprecisos, quais sejam:

- a necessidade de que todos os cidadãos conheçam as penas cominadas e as condenações;

- a motivação de os cidadãos se comportarem de acordo com a lei justamente em decorrência da aplicação da lei.

Crítica à prevenção especial positiva (ou ressocialização): Como reinserir o condenado na sociedade por meio de um sistema prisional ineficiente? A pena cumpre efetivamente o efeito ressocializante ou apenas acaba de corromper a personalidade do agente? Quer-se impedir que o condenado volta a praticar delitos ou quer-se fazer dele uma pessoa útil para a sociedade? 6. SISTEMAS PRISIONAIS Dentre os sistemas penitenciários que mais se destacaram durante a sua evolução, podemos apontar os sistemas:

a) pensilvânico; b) auburniano; c) progressivo.

SISTEMA PENSILVÂNICO Também conhecido como sistema celular. O preso era recolhido à sua cela, isolado dos demais, não podendo trabalhar ou mesmo receber visitas, sendo estimulado ao arrependimento pela leitura da Bíblia. CRÍTICAS – além de ser extremamente severo, impossibilitava a readaptação social do condenado, em face do seu completo isolamento. SISTEMA AUBURNIANO Foi adotado na penitenciária construída em Auburn, no Estado de Nova York, em 1818. Permitia o trabalho dos presos, inicialmente em sua cela e, posteriormente, em grupos. Mantém-se o isolamento noturno. Sua característica principal era a manutenção do silêncio absoluto entre os presos (silent system). CRÍTICAS – a regra do silêncio era por demais desumana. Falhava o sistema, também, pela proibição de visitas, mesmo dos familiares, com a abolição do lazer e das atividades físicas. SISTEMA PROGRESSIVO O cumprimento de penas possuía três estágios: 1o – período de prova – o preso era mantido completamente isolado (assim como no sistema pensilvânico); 2o – era permitido o trabalho comum, em silêncio absoluto e com isolamento noturno (assim como no sistema auburniano); 3o – era permitido o livramento condicional.

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7. ESPÉCIES DE PENAS De acordo com o artigo 32, do CP, as penas podem ser:

- privativas de liberdade; - restritivas de direitos e - multa.

As penas privativas de liberdade previstas no CP são as de reclusão e de detenção. A LCP prevê a pena privativa de liberdade na modalidade prisão simples. De acordo com o artigo 1o, da Lei de Introdução ao Código Penal, a distinção entre crime e contravenção é justamente essa: a modalidade da pena aplicada.

Art. 1º. Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

As penas restritivas de direito são, de acordo com a redação dada ao artigo 43, do CP:

a) prestação pecuniária; b) perda de bens e valores; c) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; d) interdição temporária de direitos; e) limitação de fim de semana.

A multa penal tem caráter pecuniário e é calculada de acordo com o sistema de dias-multa, que pode variar entre o mínimo de 10 e o máximo de 360 dias-multa. O valor do dia-multa é de 1/30 do valor do salário mínimo vigente à data dos fatos, podendo ser multiplicado por 5 vezes esse valor; além disso, o juiz poderá, de acordo com a capacidade econômica do réu, triplicar o valor do dia-multa. 8. PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE 8.1. Reclusão e detenção Diferenças entre as penas de reclusão e detenção:

1) REGIME DE CUMPRIMENTO: a pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção deve ser cumprida em regime semi-aberto ou aberto, SALVO se necessário transferência do preso ao regime fechado;

2) CONCURSO MATERIAL: aplicando0se cumulativamente as penas de reclusão e detenção, a de reclusão deve ser executada primeiro;

3) INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR, TUTELA OU CURATELA: só ocorre como efeito da condenação em crime punido com reclusão contra filho, tutelado ou curatelado;

4) MEDIDA DE SEGURANÇA: se o fato for punido com detenção, o juiz poderá submeter o agente a tratamento ambulatorial;

5) PRISÃO PREVENTIVA: na reclusão, pode ser decretada desde que preenchidos os requisitos do 312, do CPP. Na detenção, somente se pode decretar preventiva quando houver apuração de que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre sua identidade, não fornecer ou indicar elementos para esclarece-la;

6) FIANÇA: a autoridade poderá concedê-la nos crimes apenados com detenção; 7) INTIMAÇÃO DA SENTENÇA DE PRONÚNCIA – nos crimes dolosos contra a vida

apenados com reclusão será sempre feita pessoalmente ao réu.

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8.2. Regimes de cumprimento da pena Para a fixação da pena, o juiz obedecerá ao seguinte procedimento: 1o) FIXAÇÃO DA PENA-BASE – atendendo aos critérios do artigo 59, do CP; 2o) CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES; 3o) CAUSAS DE DIMINUIÇÃO E AUMENTO DE PENA. De acordo com o artigo 59:

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário o suficiente para reprovação e prevenção do crime: III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

8.3. Fixação legal do regime inicial de cumprimento de pena De acordo com o art. 33, §2o, do CP:

§ 2º. As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a oito (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá desde o início, cumpri-la em regime aberto. § 3º. A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no artigo 59 deste Código.

Assim, a escolha do regime inicial para o cumprimento da pena será uma conjugação da quantidade de pena aplicada ao sentenciado com a análise das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, do CP. Súmulas do STF:

718 - A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.

719 - A imposição do regime de cumprimento mais severo do que pena aplicada permitir exige motivação idônea.

Se ocorrer omissão quanto ao regime inicial de cumprimento da pena, não havendo embargos de declaração, se houver trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o agente será submetido ao regime inicial que se amoldar aos parâmetros trazidos no §2o, do artigo 33, do CP, NÃO CABENDO AO JUIZ DA EXECUÇÃO AVALIAR AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS A FIM DE DETERMINAR O CUMPRIMENTO EM REGIME MAIS SEVERO, visto que dentre as competências do Juiz da Execução, enumeradas no artigo 66, da LEP, não está incluída a competência de fixar o regime inicial de pena. De acordo ainda com a regra contida no artigo 111 da LEP, havendo condenação por mais de um crime (em um ou mais processos), a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada a detração ou remissão, se for o caso.

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8.4. A LEI N.o 8.072/90 E A IMPOSIÇÃO DO INTEGRAL CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME FECHADO NOS CRIMES NELA PREVISTOS São crimes hediondos, de acordo com a lei 8.072/90 e suas alterações posteriores:

I. homicídio, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente;

II. homicídio qualificado; III. latrocínio; IV. extorsão qualificada pela morte; V. extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada; VI. estupro; VII. atentado violento ao pudor; VIII. epidemia com resultado morte; IX. falsificação corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins

terapêuticos ou medicinais; X. genocídio.

O artigo 2o, §2o, da referida lei, diz que a pena dos crimes hediondos, da prática da tortura, do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e do terrorismo deverá ser cumprida INTEGRALMENTE EM REGIME FECHADO. Duas correntes surgiram a respeito do tema: 1a CORRENTE O parágrafo é inconstitucional por ferir os princípios da legalidade, da humanidade e da individualização da pena. 2a CORRENTE O parágrafo é constitucional porque a CF delegou ao legislador ordinário a possibilidade/necessidade de individualizar as penas. 8.5. LEI DE TORTURA E REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA A lei 9.455/97, ao definir o crime de tortura, simples e qualificada, trouxe no §7o, de seu artigo 1o que o condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do §2o, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado. A ressalva do parágrafo segundo é pertinente porque o dispositivo descreve conduta punida com detenção e, conforme se sabe, os regimes iniciais de cumprimento de crimes punidos com detenção só poderão ser o semi-aberto e o aberto. O problema surgiu do fato de que a tortura foi prevista tanto nesta lei quanto na lei de crimes hediondos, mas enquanto nesta o regime de cumprimento deveria ser INTEGRALMENTE FECHADO, naquela, somente seria fechado o REGIME INICIAL de cumprimento da pena. O problema, de fato, não gira em torno dos crimes de tortura, cuja lei, especial e posterior à dos crimes hediondos, autorizou a progressão de regime; o problema é que alguns doutrinadores sustentaram que a possibilidade de progressão de regime trazida pela lei 9.455/97 deveria ser estendida a todos os crimes previstos na lei 8.072/90. A posição majoritária, inclusive a do STF, é no sentido de que a possibilidade de progressão é específica para o crime de tortura, não podendo ser estendida às demais infrações penais da lei 8.072/90. 8.6. IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DE PENA EM REGIME MAIS GRAVOSO DO QUE O DETERMINADO NA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA O problema aqui não gira em torno da possibilidade de regressão de um regime menos grave a um regime mais grave, possibilidade esta admitida pela própria lei, mas sim sobre a possibilidade de que o condenado, diante da negligência do Estado em disponibilizar colônias agrícolas ou

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industriais (semi-aberto) ou casas de albergado (aberto), vir a cumprir pena em regime fechado ou semi-aberto, respectivamente. A maioria da doutrina entende que não pode o condenado cumprir pena em regime mais gravoso em razão da negligência do Estado. Isto porque o condenado tem direito subjetivo em cumprir a sua pena sob o regime que lhe foi concedido, de acordo com a sua aptidão pessoal, na sentença condenatória. 8.7. REGRAS DO REGIME FECHADO O condenado em regime fechado será encaminhado à Penitenciária, mediante expedição de Guia de Recolhimento para a Execução. A guia, extraída pelo escrivão, será remetida á autoridade administrativa incumbida da execução. O condenado será submetido, no início do cumprimento da pena, a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vista à individualização da execução. O condenado ficará sujeito a trabalho diurno e a isolamento noturno. O trabalho é direito subjetivo do preso, que lhe dá direito de remição da pena na proporção de três dias de trabalho para um dia de pena remida. Se o Estado não disponibilizar condições para que o preso trabalhe, este não poderá ser prejudicado, devendo ser concedida a remição ainda que não haja efetivo trabalho. O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviços ou obras PÚBLICAS realizadas por órgãos da administração direta e indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da disciplina. Para a prestação de trabalho externo são necessários:

- aptidão; - disciplina; - cumprimento de 1/6 da pena.

8.8. REGRAS DO REGIME SEMI-ABERTO O artigo 35, do CP, determina que nos condenados que iniciam o cumprimento da pena no regime semi-aberto deverá ser realizado exame criminológico, a fim de orientar a individualização da execução.

Art. 35. Aplica-se a norma do artigo 34 deste Código, caput, ao condenado que inicie o cumprimento da pena em regime semi-aberto. § 1º. O condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. § 2º. O trabalho externo é admissível, bem como a freqüência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior.

O condenado em regime semi-aberto cumpre a pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar, ficando sujeito a trabalho diurno (que possibilita a remição de pena) e recolhimento noturno. Admite-se o trabalho externo, bem como a freqüência a cursos supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior. Se favoráveis as circunstâncias judiciais, poderá ser adotado o regime prisional semi-aberto ao condenado que, embora reincidente, tenha sido condenado a pena igual ou inferior a quatro anos (súmula 269, do STJ). 8.9. Regras do regime aberto O cumprimento da pena em regime aberto é realizado em um estabelecimento conhecido como Casa do Albergado. Esse regime, baseado no senso de autodisciplina e responsabilidade do condenado, permite que este, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhe, freqüente curso ou exerça outra atividade autorizada, com recolhimento noturno e nos dias de folga.

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A peculiaridade deste regime diz respeito ao trabalho. Ao contrário do que ocorre nos regimes fechado e semi-aberto, no regime aberto o trabalho não dá direito à remição da pena, já que a possibilidade de trabalhar imediatamente ou o efetivo exercício do trabalho são condições essenciais (sine qua non) para o ingresso no regime aberto. A exigência de trabalho é excepcionada nos seguintes casos: I – condenado maior de setenta anos; II – condenado acometido de doença grave; III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV – condenada gestante. Observe-se que a lei de execução penal fala em trabalho, e não em emprego. Portanto, mesmo que o condenado exerça uma atividade autônoma, poderá ser inserido no regime aberto. Além da necessidade de trabalhar, a lei ainda exige que o condenado apresente fundados indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina e senso de responsabilidade, ao novo regime, seja pelos seus antecedentes, seja pelo resultado dos exames a que foi submetido. 8.10. Progressão e regressão de regime A progressão é uma medida de política criminal que serve de estímulo ao condenado durante o cumprimento de sua pena. É um misto de dois critérios, sendo um objetivo e outro subjetivo:

- objetivo – tempo mínimo de cumprimento de pena; - subjetivo – mérito do condenado.

O artigo 112, da LEP, diz ser necessário o cumprimento de pelo menos um sexto da pena no regime anterior ao qual pretende o preso ingressar:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.

A decisão do juízo da execução, sobre a possibilidade ou não de progressão do preso a um regime mais brando, será sempre motivada e precedida da manifestação do MP e do defensor. O ponto que gera dúvida diz respeito ao tempo mínimo exigido para que seja concedida uma nova progressão de regime. Deveria o tempo de 1/6 da pena ser contado da pena inicialmente culminada ou da pena a ser cumprida? A maioria da doutrina se inclina à segunda solução, ou seja, enquanto o primeiro sexto necessário seja computado do total de pena aplicada, o segundo sexto deve ser contado do restante de pena a ser cumprida. A progressão não pode ocorrer por “saltos”, ou seja, deverá sempre obedecer ao regime legal imediatamente seguinte ao qual o condenado vem cumprindo a sua pena. O STF recentemente editou duas súmulas acerca da progressão de pena:

716 - Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

717 - Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu encontrar em prisão especial.

De acordo com o parágrafo 4o, do artigo 33,

§ 4º O condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais.

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A regressão vem disciplinada no artigo 118, da LEP:

Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado: I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave; II - sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime (artigo 111). § 1º. O condenado será transferido do regime aberto se, além das hipóteses referidas nos incisos anteriores, frustrar os fins da execução ou não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta. § 2º. Nas hipóteses do inciso I e do parágrafo anterior, deverá ser ouvido previamente o condenado.

A doutrina é uníssona no sentido de que a primeira parte do inciso I, em destaque, não foi recepcionada pela CF/88, que consagra de forma expressa o princípio da presunção de inocência. Na verdade, para que fosse possível a regressão não bastaria a prática de crime doloso, mas sim a condenação definitiva pelo crime praticado, visto que poderia, por exemplo, ter o agente obrado em legítima defesa, o que afastaria a ilicitude do fato. No caso de regressão por prática de falta grave (art. 50, da LEP), aquela só poderá ser determinada após ter sido ouvido o condenado, numa audiência de justificação (art. 118, §2o, da LEP):

Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que: I - incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina; II - fugir; III - possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem; IV - provocar acidente de trabalho; V - descumprir, no regime aberto, as condições impostas; VI - inobservar os deveres previstos nos incisos II e V do artigo 39 desta Lei. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao preso provisório.

8.11. Regime especial Com o objetivo de evitar a promiscuidade e a prostituição no sistema carcerário, a lei determina que as mulheres cumpram pena em estabelecimento próprio, observando-se os direitos e deveres inerentes à sua condição pessoal. 8.12. Direitos do preso A regra é que o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral. De acordo com o artigo 41, da LEP, são direitos do preso:

Art. 41. Constituem direitos do preso: I - alimentação suficiente e vestuário; II - atribuição de trabalho e sua remuneração; III - previdência social; IV - constituição de pecúlio; V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo; IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado; X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; XI - chamamento nominal; XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena; XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento; XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito; XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

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XVI - atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivador do diretor do estabelecimento.

8.13. Trabalho do preso e remição de pena O trabalho do preso é uma das formas mais visíveis de levar a efeito a ressocialização. O trabalho é mais do que um direito, pois a LEP estabelece em seu artigo 31 que o trabalho é um dever do preso condenado, de acordo com suas aptidões e capacidade, sendo facultativo apenas aos presos provisórios (art. 31, § único) e condenados por crimes políticos (art. 200, da LEP).

Art. 31. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade. Parágrafo único. Para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento.

Art. 200. O condenado por crime político não está obrigado ao trabalho.

O trabalho do preso será remunerado, não podendo essa remuneração ser inferior a ¾ do salário mínimo.

Art. 29. O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a três quartos do salário mínimo.

O trabalho dá direito à remição da pena nos casos de presos condenados em regime fechado e semi-aberto. No regime aberto não há remição de pena porque ao preso incumbe submeter-se aos papéis sociais e às expectativas derivadas do regime, que lhe concede a liberdade do trabalho contratual. Também não têm direito a remição o liberado condicional, pela mesma razão, e o submetido a pena de prestação de serviço à comunidade, pois o trabalho, aqui, constitui o cumprimento da pena. A remição será feita à razão de um dia de pena por três dias de trabalho. O preso que estiver impossibilitado de prosseguir no trabalho em razão de acidente continuará a se beneficiar da remição. O condenado punido por falta grave perde o direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar. Embora a recusa do preso em trabalhar não lhe possa imputar falta grave, caracteriza negação do requisito objetivo indispensável à obtenção dos demais benefícios que lhe são ofertados durante a execução da pena, a exemplo da progressão de regime e do livramento condicional. A recusa em trabalhar demonstra a sua inaptidão para com o sistema, bem como o desejo do preso de não se ressocializar. 8.14. Superveniência de doença mental De acordo com o artigo 41, do CP:

Art. 41. O condenado a quem sobrevém doença mental deve ser recolhido a hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, a outro estabelecimento adequado.

Por fazer a lei remissão ao CONDENADO, fica claro que a doença mental deve ser superveniente ao estado de um preso que, de início, era pessoa imputável. O artigo 183, da LEP, diz que:

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Art. 183. Quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, o juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou da autoridade administrativa, poderá determinar a substituição da pena por medida de segurança.

8.15. Detração Detração é o instituto jurídico mediante o qual computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo 41, do CP. Em suma, o período preso antes da sentença transitada em julgado deverá ser descontado do cumprimento da pena. Existem as seguintes modalidades de prisão provisória ou cautelar:

a) prisão em flagrante; b) prisão preventiva; c) prisão temporária; d) prisão em virtude de sentença de pronúncia; e) prisão em virtude de sentença penal condenatória recorrível.

Existe direito à detração da pena em processos em que haja condenação ainda que a prisão seja oriunda de processo no qual o agente fora absolvido. Deve-se ressaltar que, para que haja detração, os processos devem tramitar simultaneamente, caso contrário, o agente teria uma espécie de “carta de crédito” para infrações penais futuras”. 8.16. Prisão especial Prisão especial não se confunde com “regime especial”. Prisão especial é o benefício que o preso tem, devido a qualidades pessoais, de ser submetido a celas especiais ou isoladamente em relação aos presos comuns. Regime especial é o regime de prisão aplicável às mulheres, destinados à sua segregação dos presos do sexo masculino a fim de que se evite a prostituição e a promiscuidade e, também, a fim de que possam amamentar os seus filhos ou tê-los por perto quando ninguém mais deles possa tratar.

Art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva: I - os ministros de Estado; II - os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia; III - os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembléias Legislativas dos Estados; IV - os cidadãos inscritos no "Livro de Mérito''; V - os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; VI - os magistrados; VII - os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República; VIII - os ministros de confissão religiosa; IX - os ministros do Tribunal de Contas; X - os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função; XI - os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos. § 1º A prisão especial, prevista neste Código ou em outras leis, consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum. § 2º Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento. § 3º A cela especial poderá consistir em alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana. § 4º O preso especial não será transportado juntamente com o preso comum. § 5º Os demais direitos e deveres do preso especial serão os mesmos do preso comum.

A ressalva que se faz é que a prisão especial só pode ser concedida durante o processo, ou seja, havendo condenação definitiva, o preso será encaminhado à penitenciária, para cumprir pena juntamente com os demais.

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8.17. Prisão-albergue domiciliar Existem quatro hipóteses previstas na LEP em que o condenado, que cumpre pena EM REGIME ABERTO, poderá cumpri-la em residência particular:

Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I - condenado maior de 70 (setenta) anos; II - condenado acometido de doença grave; III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV - condenada gestante.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm entendido que esse rol é taxativo. Entretanto, o condenado não pode ser prejudicado no cumprimento da pena em regime aberto quando, em razão da inércia do Estado, não existir Casa do Albergado na localidade, motivo este que autorizaria, sem qualquer problema, o cumprimento da pena em seu domicílio, ampliando-se, assim, o rol do 117. 9. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO 9.1. Introdução As penas substitutivas à prisão são uma solução, mesmo que parcial, para o problema relativo à resposta do Estado quando do cometimento de uma infração penal de menor gravidade. 9.2. Espécies de penas restritivas de direitos Nos termos do artigo 43, do CP, as penas restritivas de direitos são as seguintes:

Art. 43. As penas restritivas de direitos são: I - prestação pecuniária; II - perda de bens e valores; III - (VETADO); IV - prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; V - interdição temporária de direitos; VI - limitação de fim de semana.

Embora o artigo 44 diga que as penas restritivas de direito são autônomas, não existem tipos penais, ainda, nos quais a pena prevista no seu preceito secundário seja única e exclusivamente a restrição de direitos. Tais penas são substitutivas, ou seja, primeiramente aplica-se a pena privativa de liberdade e, quando possível, presentes os requisitos legais, será procedida a substituição. 9.3. Requisitos para a substituição O artigo 44, do CP, traz os requisitos, TODOS CUMULATIVOS, que devem ser observados pelo Juiz para que possa substituir a pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos. Os dois primeiros requisitos são de ordem objetiva, e o terceiro de ordem subjetiva:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos e o crime não foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo. II - o réu não for reincidente em crime doloso;

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III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

Inciso I Crimes culposos Crimes dolosos com pena não superior a 4 anos e praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa. Sendo uma das finalidades da substituição evitar o encarceramento daquele que teria sido condenado ao cumprimento de uma pena de curta duração, nos crimes de lesão corporal leve, de constrangimento ilegal ou nos de ameaça (onde a violência e grave ameaça fazem parte dos tipos) estaria impossibilitada a substituição? Não, pois são infrações penais de menor potencial ofensivo, sendo o seu julgamento realizado, inclusive, no Juizado Especial Criminal. Assim, se a infração penal for da competência do Juizado Especial Criminal, em virtude da pena máxima a ela cominada, entendemos que mesmo que haja o emprego de violência ou grave ameaça será possível a substituição. Outra questão surge em relação ao condenado por tráfico ilícito de entorpecentes, cuja pena cominada esteja aquém dos 4 anos exigidos no inciso I do artigo 44. Poderia ter sua pena substituída por restritiva de direitos, visto que o tipo não exige o emprego de violência ou grave ameaça contra a pessoa? Embora o STJ já tenha decidido em ambos os sentidos, o autor acredita ser possível a substituição, apesar de ainda não se ter analisado o requisito de ordem subjetiva do inciso III. Essa possibilidade implica também a possibilidade de concessão de liberdade provisória (embora aparentemente proibida pelo inciso II, do art. 2o, da lei 8.072/90), desde que todas as condições judiciais sejam favoráveis ao réu. Não seria razoável prender cautelarmente alguém que seria solto ao final da conclusão do processo, em virtude da substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. Inciso II A inexistência de reincidência em crime doloso como requisito quer dizer que, ainda que tecnicamente reincidente por ter sido condenado por duas infrações penais, se uma delas for considerada culposa poderá haver substituição (observados os limites ao crime culposo traçados no inciso I). O próprio legislador traz uma exceção a esta regra, no §3o, do art. 44, do CP, quando possibilita a substituição em caso de reincidência em crime doloso:

§ 3º. Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.

Assim, devem ser preenchidos dois requisitos:

- a substituição deve ser socialmente recomendável; - a reincidência não pode ter ocorrido em virtude da prática do mesmo crime (reincidência

específica). Inciso III O requisito de natureza subjetiva, do inciso III, exige que a culpabilidade, os antecedentes a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indiquem que essa substituição seja suficiente. A substituição deve atender tanto ao condenado quanto à sociedade. Uma vez analisadas todas as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 para a determinação da quantidade de pena, por meio do critério trifásico do artigo 68, preenchidos os requisitos objetivos dos incisos I e II do artigo 44 deverá o juiz REAVALIAR as circunstâncias judiciais do 59,

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com exceção do comportamento da vítima e das conseqüências do crime (não exigidos no inciso III do artigo 44) a fim de se decidir sobre a substituição. 9.4. Duração das penas restritivas de direitos De acordo com o artigo 55, do CP:

Art. 55. As penas restritivas de direitos referidas nos incisos III, IV, V e VI do artigo 43 terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 46.

As penas dos incisos I e II não foram abrangidas pelo dispositivo porque são de caráter pecuniário, incompatíveis, portanto, com a regra de duração temporal da pena. O parágrafo 4o, do artigo 46, diz o seguinte:

§ 4º. Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (artigo 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada.

9.5. Prestação pecuniária De acordo com o §1o, do artigo 45, do CP:

§ 1º. A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários.

Algumas regras devem ser observadas pelo Juiz:

1. a vítima e seus dependentes têm prioridade no recebimento da prestação pecuniária, não podendo o juiz determinar o seu pagamento a entidade pública ou privada quando houver aqueles;

2. se na a infração penal não houver vítima (como na formação de quadrilha), a prestação

pecuniária deverá ser dirigida a entidade pública ou privada com destinação social;

3. a prestação deve ser fixada entre 1 e 360 salários mínimos;

4. o valor pago à vítima ou a seus dependentes deverá ser deduzido do montante a ser pago em reparação civil, se os beneficiários forem os mesmos.

NÃO É ESSENCIAL QUE A VÍTIMA TENHA EXPERIMENTADO PREJUÍZO MATERIAL PARA QUE HAJA A OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA, JUSTIFICANDO TAL MEDIDA O SIMPLES DANO MORAL. De acordo com o §2o, do art. 45, do CP:

§ 2º. No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza.

As prestações de outra natureza, mencionadas no artigo, foram exemplificadas pela Exposição de Motivos da lei 9.714/98, quais sejam: OFERTA DE MÃO-DE-OBRA e a DOAÇÃO DE CESTAS BÁSICAS. A prestação de outra natureza deve ser entendida como qualquer prestação que possua um valor econômico, mas que não consista em pagamento em dinheiro.

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9.6. Perda de bens e valores Nos termos do §3o, do artigo 45, do CP:

§ 3º. A perda de bens e valores pertencentes aos condenados dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto - o que for maior - o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime.

Os “bens” sujeitos ao perdimento em favor do FUNPEN podem ser móveis ou imóveis, e os “valores” podem ser tanto o dinheiro quanto ações negociáveis em bolsa. DIFERENÇA COM O CONFISCO (art. 91, II, “b”):

Art. 91. São efeitos da condenação: II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisa cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

O confisco só atinge os instrumentos do crime e os produtos do crime ou o proveito obtido com o crime, isto é, bens intrinsecamente antijurídicos; a perda de bens não requer sejam os bens frutos de crime. O que o condenado vai perder são bens ou valores legítimos seus, os que integram seu patrimônio lícito. Nesse caso, dispensa-se a prova da origem ilícita deles. A perda de bens é pena substitutiva à privação da liberdade, e só pode ser aplicada quando presentes os incisos I, II e III do art. 44, do CP; o confisco é um efeito da condenação, que poderá ser declarado quando a pena aplicada for superior a quatro anos, para os crimes dolosos. A perda de bens e valores ocorre quando o condenado houve causado um prejuízo em virtude da prática do delito (dano este que também pode ser meramente moral); o confisco só ocorre em relação ao produto ou instrumento do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente. O juiz não está obrigado a declarar nominalmente na sentença quais os bens ou valores perdidos. A sentença deve fixar a quantidade exata da perda a fim de tornar absolutamente inaproveitado o ganho criminoso. Assim, após o trânsito em julgado da sentença, avaliam-se os bens e valores do condenado tantos quantos sejam necessários para anular o prejuízo ou lucro ilegal e decreta-se, enfim, a perda. Interessante observar que, sem detrimento do princípio constitucional que diz que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, a reparação do dano, a decretação do perdimento de bens e a prestação pecuniária podem ser estendidas aos sucessores do condenado até o limite do valor do patrimônio transferido. VALE OBSERVAR QUE A MESMA OBSERVAÇÃO NÃO PODE SER FEITA NO QUE DIZ RESPEITO À MULTA. 9.7. Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas Disciplinada no artigo 46, do CP:

Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a 6 (seis) meses de privação da liberdade. § 1º. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado. § 2º. A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais. § 3º. As tarefas a que se refere o § 1º serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho. § 4º. Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (artigo 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada.

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Embora o §3o estabelece, na verdade, um tempo mínimo exigido do condenado para que seja cumprido um dia de condenação. Isso não implica dizer que ele não pode prestar mais de uma hora diária de serviços com o fim de reduzir o prazo de cumprimento da pena, visto que as únicas limitações, trazidas no §4o, são o tempo mínimo de um ano de condenação e o cumprimento de, pelo menos, metade dessa pena. 9.8. Interdição temporária de direitos O artigo 47, do CP, estabelece quatro formas de interdição temporária de direitos:

Art. 47. As penas de interdição temporária de direitos são: I - proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; II - proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público III - suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; IV - proibição de freqüentar determinados lugares.

O artigo 55 do CP diz que essa interdição temporária terá a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída. As interdições do inciso I e do inciso II do artigo 47 serão aplicadas a todo crime cometido no exercício de profissão, atividade, ofício, cargo ou função, sempre que houver violação dos deveres que lhe são inerentes (art. 56, do CP). 9.8.1. Proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo Essa proibição é temporária, durando o mesmo tempo da pena privativa de liberdade aplicada. Por isso, não se confunde com a perda do cargo, trazida no artigo 92, I, do CP, como efeito da condenação:

Art. 92. São também efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos nos demais casos.

9.8.2. Proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou de autorização do poder público A pena tem um caráter dúplice: preventivo e retributivo. Retributivo pois recai sobre o trabalho do condenado, atingindo-o em seu normal meio de vida. Preventivo porque impõe que a atividade lícita, reconhecida pelo Estado, seja destinada a distorções criminosas. 9.8.3. Suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo Só será cabível quando a infração penal cometida pelo condenado for de natureza CULPOSA e relacionada com a condução de veículo automotor. Se o crime for doloso poderá ser determinada, como efeito da condenação, a inabilitação para dirigir veículo (art. 92, III, do CP):

Art. 92. São também efeitos da condenação: III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.

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9.8.4. Proibição de freqüentar determinados lugares O problema aqui é a quase total impossibilidade de fiscalização do seu cumprimento pelo condenado. 9.9. Limitação de fim de semana De acordo com o artigo 48, do CP:

Art. 48. A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por 5 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado. Parágrafo único. Durante a permanência poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas.

Mais do que uma restrição de direitos, essa modalidade de pena é uma autêntica restrição da liberdade que toma o nome de PRISÃO DESCONTÍNUA, pois o condenado fica privado da liberdade durante o período de sua execução. A pena tem caráter eminentemente educativo. A previsão de ministério de cursos e palestras tem por objetivo aproveitar positivamente o tempo que o albergado permanece no estabelecimento. 9.10. Conversão das penas restritivas de direitos As penas restritivas de direito serão convertidas em privativas de liberdade quando houver o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido de pena restritiva de direitos, respeitando o saldo mínimo de 30 dias de detenção ou reclusão.

Art. 181. A pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade nas hipóteses e na forma do artigo 45 e seus incisos do Código Penal. § 1º. A pena de prestação de serviços à comunidade será convertida quando o condenado: a) não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desatender a intimação por edital; b) não comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa em que deva prestar serviço; c) recusar-se injustificadamente, a prestar o serviço que lhe foi imposto; d) praticar falta grave; e) sofrer condenação por outro crime à pena privativa de liberdade, cuja execução não tenha sido suspensa. § 2º. A pena de limitação de fim de semana será convertida quando o condenado não comparecer ao estabelecimento designado para o cumprimento da pena, recusar-se a exercer a atividade determinada pelo juiz ou se ocorrer qualquer das hipóteses das letras a, d, e e do parágrafo anterior. § 3º. A pena de interdição temporária de direitos será convertida quando o condenado exercer, injustificadamente, o direito interditado ou se ocorrer qualquer das hipóteses das letras a e e do § 1º deste artigo.

Antes de levar a efeito a conversão, deverá o juiz da execução designar uma audiência de justificação, a fim de que o condenado nela exponha os motivos pelos quais não está cumprindo o disposto na sentença. Quanto ao surgimento de nova condenação, deve-se analisar se ela ocorreu em razão de crime praticado antes ou depois da substituição da pena, pois suas conseqüências são diversas. CRIME COMETIDO ANTES DA SUBSTITUIÇÃO – aplica-se o §5o, do artigo 44, do CP:

§ 5º. Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior.

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CRIME COMETIDO DURANTE O CUMPRIMENTO DA RESTRITIVA DE DIREITOS: A pena deve ser convertida em privativa de liberdade, visto que ficou claro que o condenado não é apto ao cumprimento da pena substitutiva. 10. PENA DE MULTA 10.1. Introdução A multa é, uma das três modalidades de penas cominadas pelo CP e consiste no pagamento ao FUNPEN da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. É uma retribuição não correspondente ao valor do dano causado. Nos termos do §2o do artigo 44, do CP:

§ 2º. Na condenação igual ou inferior a um 1 (ano), a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um 1 (ano), a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.

Com a alteração trazida pela lei 9.714/98, ampliou-se o limite da multa substitutiva, que era de 6 meses (art. 60, §2o, do CP), para um ano. 10.2. Sistema de dias-multa O sistema de dias-multa foi criado para substituir o sistema anterior, em que as multas eram estabelecidas em valores fixos pelo tipo penal. Dada a galopante inflação experimentada pelo país, as multas antes concretamente cominadas no tipo perdiam sua razão de ser, visto não operarem mais qualquer função preventiva ou repressiva. A pena de multa será de no mínimo 10 e no máximo 360 dias-multa. O valor do dia-multa será de no mínimo 1/30 do salário mínimo e de, no máximo 5 salários mínimos. Ao fixar a pena de multa o juiz deve atender, principalmente, à situação econômica do réu, podendo ser aumentada até o triplo se o juiz considerar que é ineficaz, embora aplicada no máximo. Só pra ter uma idéia da pena máxima de multa: • cada dia-multa pode chegar a 5 salários = R$ 1.500,00 • 360 dias multa = R$ 540.000,00 • podendo ser até triplicada = R$ 1.620.000,00 10.3. Aplicação da pena de multa O total da multa deve ser encontrado, ao menos inicialmente, por meio do critério trifásico descrito no artigo 68, do CP:

Art. 68. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do artigo 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.

Encontrado o total de dias-multa, parte-se, agora, para o cálculo do valor que será atribuído a cada dia-multa. São, portanto, dois momentos distintos na aplicação da pena de multa:

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1. encontrar o número de dias-multa por meio do critério trifásico do artigo 68, do CP; 2. encontrar o valor de cada dia-multa, considerando-se a capacidade econômica do

sentenciado. 10.4. Pagamento da pena de multa Transitada a sentença penal condenatória, a multa deverá ser paga em 10 dias. A requerimento do condenado, o juiz pode autorizar o pagamento em parcelas mensais. É possível o desconto em vencimento ou salário do condenado, desde que não incida sobre os recursos indispensáveis ao sustento do mesmo e de sua família, quando for:

a) aplicada isoladamente; b) aplicada cumulativamente com pena restritiva de direitos; c) concedida a suspensão condicional da pena.

Se decorridos 10 dias sem pagamento ou sem manifestação do condenado, será extraída certidão da sentença condenatória, que valerá como título executivo JUDICIAL, para fins de execução. 10.5. Execução da pena de multa De acordo com o artigo 51, do CP:

Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

Antes da reforma trazida no artigo 51 pela lei 9.268/96, havia a possibilidade de conversão da pena de multa em privativa de liberdade. Muitos inconvenientes eram trazidos por essa medida. Em primeiro lugar, agravava o problema da superlotação das prisões; em segundo, misturava condenados por crimes leves com sujeitos perigosos, condenados por crimes graves; por fim, somente os pobres eram alcançados pela medida, visto que os de classe média ou média-alta pagavam a multa sem qualquer problema. Hoje não se pode mais falar em conversão da pena de multa em privação de liberdade. A multa, embora tenha natureza penal, é considerada dívida de valor, devendo ser executada nos termos da Lei de Execução Fiscal (lei. 6.830/80). 10.6. Competência para a execução da pena de multa Surgiu o problema da competência para a execução da pena de multa. Seria competente a Vara de Execuções Penais, por meio do Ministério Público, ou a Vara da Fazenda Pública Estadual, por meio do Procurador da Fazenda? Duas correntes: PRIMEIRA CORRENTE – a competência é da Vara da Fazenda Pública. Com a alteração, a multa, enquanto objeto de um provimento judicial condenatório, tem sempre natureza pena (punitiva, retributiva). Distinta, agora, é a natureza da dívida que ela cria, que é dívida civil. SEGUNDA CORRENTE – a competência é da Vara de Execuções Penais. A multa não perdeu sua natureza de sanção penal. O fato de ter sido tratada como dívida de valor só ressalta sua natureza pecuniária. A adoção do rito da Lei de Execução Fiscal não implica modificação na competência do processamento, já que de acordo com o artigo 184, da LEP, a nomeação de bens à penhora e a posterior execução seguirão o que dispuser a lei processual civil, o que não transferia a competência da execução para o juízo cível. O TJMG aprovou a súmula 2, que diz o seguinte:

Súmula 2 – a execução da pena de multa criminal deve ser proposta no juízo das execuções penais e terá o rito previsto para as execuções fiscais.

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11. APLICAÇÃO DA PENA 11.1. Introdução A individualização da pena ocorre em três fases distintas. 1a) INDIVIDUALIZAÇÃO LEGISLATIVA – o legislador discrimina as sanções cabíveis, delimita as espécies delituosas e formula o preceito sancionador das normas incriminadoras, ligando a cada um dos fatos típicos uma pena que varia entre um mínimo e um máximo claramente determinados. 2a) FASE DA COMINAÇÃO – feita de forma abstrata pelo julgador; 3a) FASE DA APLICAÇÃO – é a efetiva aplicação da pena necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime. 11.2. Cálculo da pena De acordo com o artigo 68, do CP:

Art. 68. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do artigo 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.

Portanto, deve-se obedecer à seguinte ordem, para a quantificação da pena:

- fixação da pena-base; - circunstâncias atenuantes e agravantes; - causas de aumento ou diminuição de pena.

PENA-BASE Sobre a pena-base incidirão todos os demais cálculos. A pena-base é fixada entre os limites mínimo e máximo trazidos no preceito secundário do tipo penal. de acordo com o artigo 59, incisos I e II, do CP:

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário o suficiente para reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

Quando da determinação da pena-base, cada uma dessas circunstâncias judiciais deve ser avaliada individualmente, não podendo o juiz fazer uma remissão genérica e indeterminada, visto que tanto o acusado quanto o MP têm o direito de saber por que a pena-base foi fixada naquela quantidade. CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES E ATENUANTES Após a fixação da pena base, devem ser consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes, previstas nos artigos 61 e 65, da parte geral do CP:

Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I - a reincidência; II - ter o agente cometido o crime: a) por motivo fútil ou torpe; b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime; c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido; d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum;

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e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge; f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão; h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida; i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade; j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido; l) em estado de embriaguez preordenada.

Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença; II - o desconhecimento da lei; III - ter o agente: a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral; b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano; c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima; d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime; e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou.

Quanto a essa segunda fase, a discussão doutrinária gira em torno da possibilidade de se reduzir a pena-base aquém do mínimo ou de aumentá-la além do máximo. A maioria da doutrina pensa conforme o STJ, que sumulou o assunto na súmula n. 231:

Súmula 231: A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.

O autor entende que essa é uma interpretação contra legem, porque o artigo 65 diz que aquelas circunstâncias SEMPRE ATENUAM A PENA, não querendo fazer qualquer ressalva aos casos em que a pena já estiver fixada no mínimo legal. Para que houvesse esse limite mínimo a redação do artigo deveria ser: são circunstâncias que sempre atenuam a pena, respeitado o limite mínimo legalmente fixado. Havendo concurso entre agravantes e atenuantes, deverá ser observado o disposto no artigo 67, do CP:

Art. 67. No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.

CAUSAS DE AUMENTO OU DIMINUIÇÃO DE PENA Devemos diferenciar as circunstâncias atenuantes e agravantes das causas de diminuição e aumento de pena:

- as circunstâncias são trazidas na parte geral do CP e o seu quantum de redução ou de aumento não vem predeterminado pela lei, devendo o juiz fazê-lo no caso concreto, atento à razoabilidade.

- as causas de aumento ou diminuição podem vir previstas tanto na parte geral como na especial do CP,e o seu quantum de redução e de aumento é sempre fornecido em frações pela lei.

Nessa terceira fase não há dúvidas sobre a possibilidade de redução do quantum de pena aquém do mínimo fixado na lei. Caso contrário, a pena da tentativa, por exemplo, seria sempre igual à pena do crime consumado. Havendo concurso entre causas de aumento ou diminuição de pena NA PARTE ESPECIAL, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou que mais diminua.

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11.3. Circunstâncias Judiciais As circunstâncias judiciais, a serem analisadas quando da fixação da pena-base pelo julgador, são cinco:

1. culpabilidade; 2. antecedentes; 3. conduta social; 4. personalidade do agente; 5. motivos; 6. circunstâncias do crime; 7. comportamento da vítima.

11.3.1. Culpabilidade Tendo em vista ser a culpabilidade um dos elementos integrantes do conceito analítico de crime, caso o agente pratique fato típico, ilícito e culpável lhe será imputada a prática de um crime. Após essa constatação, quando da fixação da pena-base pelo julgador novamente será analisada a culpabilidade do agente. Ocorre, portanto, uma dupla análise da culpabilidade. 11.3.2. Antecedentes É todo histórico criminal do agente que não se preste para os efeitos de reincidência. Somente condenações anteriores com trânsito em julgado, que não se prestem para afirmar a reincidência, servem para conclusão dos maus antecedentes. Simples anotações na folha de antecedentes criminais (FAC) do agente, apontando inquéritos policiais ou mesmo processos penais em andamento, inclusive com condenações ainda pendentes de recurso não têm o condão de permitir co quem a sua pena seja elevada. O STF, entretanto, tem decidido de forma contrária. 11.3.3. Conduta social A lei quis traduzir o comportamento do agente junto à sociedade. Verifica-se o seu relacionamento com seus pares, procura-se descobrir o seu temperamento, se calmo ou agressivo, se possui algum vício, a exemplo de jogos ou bebidas. Não se confunde com os antecedentes do agente, que traduzem seu passado criminal. Pode ocorrer, por exemplo, que alguém tenha péssimos antecedentes criminais, mas, por outro lado, seja uma pessoa voltada à caridade, com comportamentos filantrópicos e sociais invejáveis. 11.3.4. Personalidade do agente A análise da personalidade faz com que o juiz entre nas particulares características do agente, a exemplo do modo e do meio em que cresceu e foi criado, seus valores morais e seu temperamento, que podem tê-lo influenciado ao cometimento da infração penal. 11.3.5. Motivos Se os motivos que levaram o agente a praticar a infração penal já estão fazendo com que sua pena fuja àquela prevista na modalidade básica do tipo penal, quando da fixação da pena-base não poderá o julgador, por mais uma vez, considera-los negativamente, sob pena de incorrer no chamado bis in idem. O mesmo ocorre se o agente já foi beneficiado pela redução de pena em razão dos motivos, não podendo eles serem novamente analisados quando da fixação da pena-base.

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11.3.6. Circunstâncias São elementos acidentais que não participam da estrutura própria de cada tipo, mas que, embora estranhas à configuração típica, influem sobre a quantidade punitiva para efeito de agravá-la ou abrandá-la. Essas circunstâncias, que servem de fundamento para a aplicação da pena-base, não se confundem com as circunstâncias legais (agravantes ou atenuantes) a serem aferidas num segundo momento de aplicação da pena. Não é possível, portanto, que um mesmo dado periférico possa por duas vezes influenciar, negativa ou positivamente, na mesma infração penal. 11.3.7. Conseqüências do crime O fato de uma pessoa matar um pai de três filhos, cuja família necessitava do trabalho dele para se manter, ou atropelar um pedestre, deixando-o paralítico, obviamente não poderiam passar despercebidos quando da quantificação da pena, ou melhor, quando da fixação da pena-base pelo julgador. 11.3.8. Comportamento da vítima Pode a vítima ter contribuído para o cometimento da infração penal pelo agente. Há autores renomados que chegam a falar em vítimas natas (personalidades insuportáveis, criadoras de casos, extremamente antipáticas, pessoas sarcásticas, irritantes). É muito comum a contribuição da vítima para o acidente nos crimes culposos, como na colisão de automóveis, por exemplo. Vale sempre ressaltar que, caso o comportamento da vítima já esteja previsto no tipo penal como causa de diminuição de pena ou como circunstância atenuante, não poderá novamente beneficiar o agente quando da fixação da pena-base. 11.4. Circunstâncias atenuantes e agravantes Circunstâncias são dados periféricos que gravitam ao redor da figura típica e têm por finalidade diminuir ou aumentar a pena aplicada ao sentenciado. A ausência ou presença de uma circunstância não interfere na definição do tipo penal. O CP não fornece um quantum para fins de atenuação ou agravação da pena, ao contrário do que ocorre com as chamadas causas de diminuição ou de aumento, em que o aumento ou diminuição ocorre em frações. Até quanto poderia ser atenuada ou agravada a pena? Dada a ausência de critérios legais, deve ser observada a razoabilidade no caso concreto. Entretanto, por ser essa razoabilidade um dado extremamente fluido, a doutrina tem entendido que seria razoável a modificação da pena base em até um sexto do que foi fixado. Essa limitação se justifica pelo fato de ser o limite mínimo de alteração da pena nas causas de aumento e diminuição de pena. Ultrapassado esse limite, estaríamos equivalendo as circunstâncias às causas de aumento, o que não pode ocorrer, por estas últimas serem notadamente mais graves, ficando um patamar abaixo das qualificadoras em relação à gravidade. 11.4.1. Circunstâncias agravantes De acordo com o artigo 61, do CP:

Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I - a reincidência; II - ter o agente cometido o crime: a) por motivo fútil ou torpe;

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b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime; c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido; d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum; e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge; f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão; h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida; i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade; j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido; l) em estado de embriaguez preordenada.

Diz o artigo 62 o seguinte:

Art. 62. A pena será ainda agravada em relação ao agente que: I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; II - coage ou induz outrem à execução material do crime; III - instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal; IV - executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa.

É importante a ressalva em destaque, feita pelo artigo 61, pois com ela se procura evitar o bis in idem, ou seja, a utilização de um mesmo dado para prejudicar o agente em dois momentos distintos: na forma natural do crime ou em sua qualificação e no segundo momento da quantificação da pena, ou seja, na análise das circunstâncias. Outro fato importante é que, em razão do princípio da reserva legal, o rol do artigo 61 é taxativo, é numerus clausus, não podendo ser aumentado. I - REINCIDÊNCIA De acordo com o CP, em seu artigo 63:

Art. 63. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.

Art. 64. Para efeito de reincidência: I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos.

São três, portanto, os requisitos indispensáveis à configuração da reincidência:

- prática de CRIME anterior; - trânsito em julgado da sentença condenatória; - prática de novo CRIME, APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO da sentença penal

condenatória. Não há reincidência quando se pratica contravenção como primeiro crime; Para efeitos de reincidência deve-se considerar o marco inicial do trânsito em julgado da sentença condenatória. Caso o crime seja cometido durante o curso de ação penal em que há trânsito em julgado, o ato criminoso, não podendo operar como circunstância agravante de reincidência, poderá agravar a pena quando da fixação da pena-base, como elemento suficiente para atestar os maus antecedentes do agente. Não gera reincidência a sentença absolutória, seja ela própria ou imprópria (aplicação de medida de segurança). A reincidência não precisa ocorrer em crime da mesma natureza (reincidência específica), mas o próprio CP diz que a REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA impede a concessão de livramento condicional

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nos casos de reincidência específica em crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo. Quanto às contravenções penais caso houver prática de contravenção seguida de trânsito em julgado de sentença condenatória por prática de crime ou, no Brasil, também de do contravenção. O prazo para que se considere válidos a título de reincidência os efeitos do crime anterior, conforme se pode notar pelo teor do artigo 64, do CP, é de 5 (cinco) anos, contados do cumprimento ou da extinção da pena. Os únicos crimes militares que não são considerados para efeito de reincidência são os crimes militares PRÓPRIOS, ou seja, só podem ser cometidos por militares, sob pena de atipicidade. II – TER O AGENTE COMETIDO O CRIME: • por motivo fútil ou torpe Fútil é o motivo insuficiente, insignificante, gritantemente desproporcional à conduta praticada pelo agente (agredir garçom por ter debitado algo a mais na conta); torpe é o motivo abjeto, vil, que nos causa repugnância, que atenta aos princípios básicos de ética e moral (espancar testemunha que prestou depoimento contra o agente). • para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime Ao cometer crime para facilitar ou assegurar a execução de outro há uma relação entre crime-meio e crime-fim. Para facilitar ou assegurar a ocultação de outro crime não há qualquer dificuldade. Para facilitar ou assegurar a impunidade, ocorre quando o outro crime é conhecido, mas a autoria ainda não, e o autor pratica outro crime com a finalidade de continuar impune. • a traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido Traição é o ataque súbito e sorrateiro, atingindo a vítima, descuidada por confiança no agente, antes mesmo de perceber o gesto criminoso; emboscada é tocaia, ou seja, o agente espera a vítima passar para atacá-la; dissimulação é a ocultação de intenção hostil, para acometer a vítima de surpresa. Autoriza o dispositivo, ainda, uma interpretação analógica aos casos apontados, ou seja, a extensão do gravame à utilização de qualquer recurso que dificulte ou impossibilita a defesa do ofendido. • com o emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum Em todos esses casos, a maldade do agente aumenta a reprovabilidade do ato, conduzindo ao acréscimo da medida penal. • contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge A prova do parentesco deve estar cabalmente demonstrada nos autos, por via documental. Tendo em vista que o dispositivo só traz a expressão “cônjuge”, não podemos aplicar essa alínea ao crime praticado contra o companheiro, sob pena de analogia in malam partem. • com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade Relações domésticas são as estabelecidas entre os componentes de uma família, entre patrões e criados, empregados, professores e amigos da casa. • com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão Cargo e ofício dizem respeito aos servidores públicos; ministério diz respeito a atividades religiosas e profissão é a atividade habitualmente exercida como meio de vida. • contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida Criança é pessoa com até 12 anos de idade incompletos. Enfermo é o acometido por doença, debilitado, que tem reduzida sua possibilidade de defesa. Para que haja a agravante do crime contra a mulher grávida, obviamente essa situação deve ingressar na esfera de conhecimento do agente.

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• quando o ofendido estava sob aa imediata proteção da autoridade Esta hipótese demonstra o desrespeito do agente em relação às autoridades constituídas. • em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido Nestas situações existe um natural enfraquecimento na proteção de determinados bens, facilitando, sobremaneira, a ação criminosa do agente. • em estado de embriaguez preordenada A embriaguez preordenada se insere na modalidade de embriaguez voluntária em sentido estrito, ou seja, o sujeito queria se embriagar. Neste caso, entretanto, o agente não queria somente se embriagar, mas sim colocar-se nesse estado para o fim de praticar uma determinada infração penal. III – AGRAVANTES NO CASO DE CONCURSO DE PESSOAS: A pena será agravada em relação ao agente que: • promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes É o chefe do grupo criminoso, o que se destaca por sua capacidade de organizar e dirigir os demais. • coage ou induz outrem à execução material do crime A coação pode ser resistível ou irresistível. Na coação irresistível somente o coator responderá pelo crime praticado pelo coagido. A instigação (reforço da idéia na cabeça do agente) e o auxílio material não foram incluídos na reprimenda do inciso. • instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não punível em virtude de condição ou qualidade pessoal Aqui a instigação é punida. A autoridade pode ser tanto pública quanto privada, pois não se fala aqui em hierarquia, que se restringe à pública. Quanto à segunda parte do dispositivo, vale ressaltar que a lei fala em não punível, que não se confunde com não culpável. O fato tem que ser típico, antijurídico e culpável, não sendo punido apenas o autor do crime por sua condição especial ou qualidade pessoal. • executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa Fica demonstrada aqui a insensibilidade, a ausência de princípios morais básicos do agente. Aqui também entra o motivo torpe, imoral. 11.4.2. Circunstâncias atenuantes De acordo com o artigo 65 do CP:

Art. 65. São circunstâncias que sempre atenuam a pena: I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença; II - o desconhecimento da lei; III - ter o agente: a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral; b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano; c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima; d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime; e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou.

Embora exista súmula do STJ no sentido de que a atenuação da pena deve respeitar o mínimo legal (súmula 231), parte da doutrina entende que, uma vez que o dispositivo não fez qualquer ressalva, muito pelo contrário, se o dispositivo utilizou da expressão SEMPRE, não há que ser respeitado o mínimo legal.

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Diferentemente dos artigos 61 e 62, do CP, as circunstâncias atenuantes não constam em um rol taxativo, mas meramente exemplificativo, visto ter sido criada, com a reforma do CP, em 84, a circunstância atenuante inominada, conforme diz o artigo 66, do CP:

Art. 66. A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.

I – SER O AGENTE MENOR DE 21 (VINTE E UM), NA DATA DO FATO, OU MAIOR DE 70 (SETENTA) ANOS, NA DATA DA SENTENÇA. Trata-se de um tratamento diferencial dado pelo CP àqueles que presume não completamente amadurecidos ou em idade avançada, de modo a não lhes aproximar da morte. II – O DESCONHECIMENTO DA LEI Quando o CP diz no artigo 21 que o conhecimento da lei é inescusável, o que dá a entender é que de nada importa a alegação do desconhecimento da lei, pois que, ainda assim, o injusto penal praticado poderá ser considerado culpável, entretanto, por força do artigo 65, o desconhecimento da lei servirá como circunstância legal atenuante. Quanto maior for a influência do desconhecimento da lei, maior será a redução de pena operada. III – TER O AGENTE: • cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral Valor social é aquele que atende mais aos interesses da sociedade do que do próprio agente, individualmente falando; valor moral é o valor individualizado, atributo pessoal do agente. • procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano. Não se confunde essa circunstância atenuante com o arrependimento eficaz ou com o arrependimento posterior. Se a alínea fala em minorar ou evitar as conseqüências do crime, significa que o crime já se consumou e o agente quer lhe minorar os efeitos, diferente do que ocorre com o arrependimento eficaz, em que o crime não é consumado; no arrependimento posterior, a reparação do dano ou a restituição da coisa é feita antes do recebimento da denúncia ou da queixa, enquanto aqui a reparação ou restituição pode ser feita depois da queixa, desde que antes do julgamento do processo. • Cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima São três as hipóteses de atenuantes:

a) coação resistível – se a coação for irresistível, afasta-se a culpabilidade pela inexigibilidade de conduta diversa;

b) cumprimento de ordem de autoridade superior – a ordem tem de ser manifestamente ilegal, caso contrário, afasta-se a culpabilidade, pela inexigibilidade de conduta diversa;

c) influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima – nesse caso a vítima não comete qualquer agressão injusta, caso contrário estaria autorizado o agente a agir em legítima defesa.

• Confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime Pouco importa, para a incidência da atenuante, se a autoria era conhecida, incerta ou ignorada. O agente pode até mesmo confessar a prática do crime em que foi preso em flagrante delito exclusivamente para que possa fazer valer a atenuante, visto que a lei não faz restrições quanto à confissão. Contudo, não se beneficia da circunstância atenuante obrigatória da confissão espontânea o acusado que desta se retrata em juízo. • Cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou Esse fato é muito comum em casos de depredação de lojas comerciais ou em brigas de torcidas em estádios de futebol.

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11.4.3. Circunstâncias atenuantes inominadas O art. 66, do CP, para demonstrar a natureza exemplificativa do rol do artigo 65, diz que a pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei. 11.4.4. Concurso de circunstâncias atenuantes e agravantes De acordo com o artigo 67, do CP:

Art. 67. No concurso de agravantes e atenuantes, a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência.

São três, portanto, as espécies de circunstâncias preponderantes, que dizem respeito:

a) aos motivos determinantes – são aqueles que impulsionam o agente ao cometimento do delito;

b) à personalidade do agente – são os dados pessoais, inseparáveis da pessoa do agente; c) à reincidência.

Assim, se houver o concurso de uma circunstância preponderante com outra que não tenha essa natureza, prevalecerá aquela. Se houver concurso entre uma circunstância agravante e uma atenuante de idêntico valor, ambas serão afastadas, ou seja, não se aumenta ou diminui a pena no segundo momento de quantificação da pena. A jurisprudência, entretanto, tem entendido que a menoridade do réu prepondera sobre todas as demais circunstâncias.

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CAPÍTULO 36 – CONCURSO DE CRIMES 1. INTRODUÇÃO O concurso de crimes surge quando uma ou mais pessoas comete mais de uma infração penal. Na verdade, o concurso de crimes também é um concurso de penas, pois o cerne da questão é saber qual ou quais as penas deverão ser aplicadas ao autor. Existem três formas de concurso de crimes:

- concurso material (ou real) – art. 69, do CP; - concurso formal (ou ideal) – art. 70, do CP; - crime continuado – art. 71, do CP.

2. CONCURSO MATERIAL OU REAL DE CRIMES 2.1. Introdução De acordo com o artigo 69, do CP:

Art. 69. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.

Conceito de ação:

- causal – é toda conduta humana voluntária que produz uma modificação no mundo exterior;

- final – é o exercício de uma atividade final; - social – é a conduta socialmente relevante, dominada ou dominável pela vontade humana.

2.2. Requisitos e conseqüências do concurso material ou real São requisitos abstraídos do caput do art. 69:

a) mais de uma ação ou omissão; b) prática de dois ou mais crimes;

E a conseqüência é a seguinte: • aplicação cumulativa das penas privativas de liberdade em que haja incorrido. Concurso material ocorre, portanto, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, poderá ser responsabilizado, em um mesmo processo, em virtude da prática de dois ou mais crimes. Se as infrações ocorreram em épocas diferentes, investigadas em processos diferentes, que culminaram em várias condenações, ocorre unificação das penas, e não concurso material. Enquanto para a maioria dos autores não é preciso, para que haja concurso material, que os delitos sejam julgados em um mesmo processo (desnecessidade de conexão), para o autor, em posição minoritária, os crimes devem ter, entre si, uma relação de conexão ou continência.

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Para o autor, o fato de determinada infração penal ter sido julgada e posteriormente a ela outra vier a ser praticada, a soma das penas não deve ser tratada como hipótese de concurso material, mas sim de mera soma de penas, unificação com a finalidade de atender ao limite previsto no artigo 75, do CP:

Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos. § 1º. Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo. § 2º. Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.

Em ocorrendo concurso material, o juiz deverá encontrar, isoladamente, a pena correspondente a cada infração penal praticada pelo agente. Após o cálculo final de todas elas, serão somadas para que seja encontrada a pena total aplicada ao sentenciado. Soma e unificação de penas são institutos distintos. • Soma é a simples operação matemática que tem por finalidade reunir, adicionar, a fim de se chegar a um resultado final de todas as penas aplicáveis ao condenado. • Unificação é uma soma que destina-se a manter do total das penas aplicadas ao condenado o tempo que supere o limite de trinta anos para cumprimento de pena. A exigência feita na parte final do caput do artigo, de no caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executar-se primeiro aquela, é inútil, visto que praticamente não há diferença entre uma e outra. 2.3. Concurso material homogêneo e heterogêneo HOMOGÊNEO – ocorre quando o agente comete dois crimes idênticos, não importando se a modalidade praticada é simples, privilegiada ou qualificada. HETEROGÊNEO – ocorre quando o agente pratica duas ou mais infrações penais diversas. Essa distinção, ao contrário do que ocorre no concurso formal, não tem relevância prática. 2.4. Concurso material e penas restritivas de direitos Nos termos dos §§ 1o e 2o, do artigo 69,

§ 1º. Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o artigo 44 deste Código. § 2º. Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais.

E o referido artigo 44 determina que:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos e o crime não foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo. II - o réu não for reincidente em crime doloso; III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

O cumprimento simultâneo de penas restritivas de direitos, do §2o, pode ocorres, por exemplo, nas penas de suspensão de habilitação para dirigir veículos, por um fato e prestação de serviços à comunidade, por outro. A incompatibilidade pode ocorrer, por exemplo, quando houver duas penas de limitação de fim de semana, caso em que deverão ser cumpridas de forma sucessiva.

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3. CONCURSO FORMAL OU IDEAL DE CRIMES 3.1. Introdução De acordo com o artigo 70, do CP:

Art. 70. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.

A regra do concurso formal foi criada por razões de política criminal para o fim de beneficiar os agentes que, com a prática de uma única conduta, viessem a produzir dois ou mais resultados também previstos como crime. Duas teorias debatem a natureza jurídica do concurso formal: a teoria da unidade do delito e a da pluralidade. UNIDADE – não obstante a lesão de várias leis penais, existe um só delito. É por isso que se utiliza da expressão concurso IDEAL; PLURALIDADE – a lesão de vários tipos penais significa a existência de vários delitos. Não interessa que tenha havido somente uma ação. 3.2. Requisitos e conseqüências do concurso formal ou ideal São requisitos:

a) uma só ação ou omissão; b) prática de dois ou mais crimes;

São conseqüências: • aplicação da mais grave das penas, aumentada de um sexto até metade; • aplicação de somente uma das penas, se iguais, aumentada de um sexto até metade; • aplicação cumulativa das penas, se a ação ou omissão é dolosa, e os crimes resultam de desígnios autônomos. Exemplo de concurso formal é o caso do motorista que, dirigindo de forma imprudente, colide o carro matando os três passageiros que o acompanhavam. A conduta é única, mas há três resultados morte. 3.3. Concurso formal homogêneo e heterogêneo HOMOGÊNEO – ocorre quando o agente, no concurso formal, pratica duas infrações idênticas; HETEROGÊNEO – ocorre quando o agente, no concurso formal, pratica infrações distintas. Aqui a distinção é relevante, pois o Código traz soluções diversas no momento de aplicação da pena. Se homogêneo, o juiz aplicará uma das penas, aumentando-a de 1/6 à metade. Se o concurso formal é heterogêneo, o juiz selecionará a mais grave das penas e, também nesse caso, aplicará o percentual de 1/6 à metade no aumento.

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3.4. Concurso formal próprio (perfeito) e impróprio (imperfeito) A distinção entre concurso formal próprio e impróprio depende do elemento subjetivo do agente ao iniciar sua conduta. CONCURSO FORMAL PRÓPRIO – ocorrerá quando a conduta do agente for culposa na sua origem, sendo todos os resultados atribuídos ao agente a título de culpa (o sujeito atropela duas pessoas que aguardavam no ponto de ônibus), ou, sendo dolosa em sua origem, o resultado aberrante lhe é imputado culposamente (o sujeito quer ferir seu desafeto e lança garrafa em sua direção, acertando o alvo e também um terceiro que por ali passava). CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO – é o da parte final do artigo 70, em que o agente atua com desígnios autônomos, querendo, dolosamente, a produção de ambos os resultados. Desígnio autônomo quer dizer que a conduta, embora única, foi dirigida finalisticamente (dolosamente) à produção dos resultados. NO CONCURSO FORMAL PRÓPRIO – aplica-se a pena do crime mais grave, aumentada de 1/6 a ½. NO CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO – aplica-se a pena de cada crime em concurso material, visto ter havido desígnios autônomos na conduta do agente. Na verdade, o concurso formal impróprio se aproxima mais de um concurso material que de um formal propriamente dito, pois seus efeitos são os mesmos daquele. A diferença é que no concurso material exige-se mais de uma ação ou omissão. 3.5. Concurso material benéfico De acordo com o artigo 70, § único:

Parágrafo único. Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do artigo 69 deste Código.

A pena a que se refere é a do concurso formal, e a do artigo 69 é a do concurso material. Tal dispositivo se justifica porque se anteriormente ressaltamos que as regras do concurso formal foram editadas para beneficiar o agente, se a metodologia da pena do concurso formal trouxer maiores gravames ao agente comparativamente à metodologia do concurso material, a regra não teria razão de ser. 3.6. Dosagem da pena NO CONCURSO FORMAL PRÓPRIO – aplica-se a maior pena, acrescida de 1/6 a ½. A variação da pena entre esses percentuais DEPENDERÁ DA QUANTIDADE DE INFRAÇÕES PENAIS COMETIDAS PELO AGENTE.

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4. CRIME CONTINUADO 4.1. Introdução De acordo com o artigo 71, do CP:

Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. Parágrafo único. Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do artigo 70 e do artigo 75 deste Código.

Também foi criado por razões de política criminal, devendo portanto ser aplicado sempre que, e somente se, vier a beneficiar o agente. 4.2. Natureza jurídica do crime continuado Três teorias explicam a natureza jurídica do crime continuado:

a) teoria da unidade real – entende ser crime único as várias condutas que, por si sós, já se constituiriam em infrações penais;

b) teoria da ficção jurídica – TEORIA ADOTADA NO BRASIL. São consideradas fictamente como um delito único as várias ações levadas a efeito pelo agente que, analisadas individualmente, já se consistiam em infrações penais, desde que reunidas;

c) teoria mista – é um terceiro crime, fruto do próprio concurso. 4.3. Requisitos e conseqüências do crime continuado São requisitos:

a) mais de uma ação ou omissão; b) prática de dois ou mais crimes, da mesma espécie; c) condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes; d) os crimes subseqüentes devem ser havidos como continuação do primeiro.

São conseqüências: • aplicação da pena de um só dos crimes, se idêntica, aumentada de um sexto a dois terços; • aplicação da pena mais grave, se diversas, aumentada de um sexto a dois terços; • nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, aplicação de pena de um só dos crimes, se idênticas, aumentada até o triplo; • nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, aplicação da mais grave das penas, se diversas, aumentada até o triplo; 4.3.1. Crimes da mesma espécie Existem duas posições que explicam o que se poderia entender como crimes da mesma espécie: 1) são crimes da mesma espécie aqueles que atingem o mesmo bem juridicamente protegido,

como o furto e o roubo, por exemplo – posição do STJ; 2) são crimes da mesma espécie os que possuem a mesma tipificação penal, não importando se

simples, privilegiados ou qualificados, tentados ou consumados – posição do STF.

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4.3.2. Condições de tempo, lugar, maneira de execução ou outras semelhantes No que diz respeito ao tempo, não existe um critério objetivo, rígido, a ser considerado para que se possa falar em continuidade delitiva. Entre os crimes deve existir um tempo que indique a persistência de um certo liame psíquico que sugira uma seqüência entre os dois fatos. Deve haver uma relação de contextualidade entre os fatos para que o crime continuado não se confunda com a reiteração criminosa. O STF, embora reconheça a inexistência de um critério infalível, objetivo, já se pronunciou no sentido de que entre as condutas não pode haver um intervalo superior a 30 dias para que haja continuidade delitiva. Quanto ao lugar, embora haja julgados inadmitindo a existência de crimes continuados quando praticados em cidades diversas, prevalece a opinião de que, assim como ocorre com o fator temporal, deve haver uma relação de contexto entre as ações praticadas em lugares diversos pelo agente. Quanto à forma de execução, ao modus operandi, diferentemente não ocorre: ainda que o criminoso não adote um padrão de conduta entre os delitos não se impede o reconhecimento da continuidade criminosa. O necessário é a existência de uma relação de contexto, de unicidade entre as diversas infrações penais. 4.3.3. Os crimes subseqüentes devem ser havidos como continuação do primeiro Exige-se também, para a configuração do crime continuado, que as infrações penais posteriores devem ser entendidas como continuação da primeira. Três teorias discutem o tratamento do crime continuado:

a) teoria objetiva – para a configuração do crime continuado basta a presença dos requisitos de ordem objetiva do artigo 71, como condições de tempo, lugar, forma de execução e outras semelhantes. Não se exige a unidade de desígnios, a relação de contexto entre as infrações penais;

b) teoria subjetiva – não importam os elementos objetivos, e sim a unidade de desígnio, a relação de contexto, para que se possa falar em crime continuado;

c) teoria objetivo-subjetiva – ambos os elementos são indispensáveis, sob pena de não haver crime continuado.

A teoria que melhor se coaduna com a realidade jurídico-penal brasileira é a objetivo-subjetiva. Diferenciando crime continuado de reiteração criminosa, ressalta-se que a habitualidade é diferente da continuação, não podendo ambas terem tratamento jurídico idêntico. 4.4. Crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa Com a redação do parágrafo único do artigo 71, cai por terra a súmula 605, do STF, que dizia ser impossível a continuidade delitiva nos crimes contra a vida. 4.5. Crime continuado simples e crime continuado qualificado SIMPLES – é o crime continuado que ocorre nas hipóteses do caput do artigo 71, do CP; QUALIFICADO – é o que está previsto no parágrafo único do mesmo artigo, que permite aumentar a pena em até o triplo.

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4.6. Conseqüências do crime continuado No crime continuado simples, aplica-se a pena mais grave aumentada de 1/6 a 2/3, ou seja, de 1/6 a 4/6. No crime continuado qualificado, também aplica-se a pena mais grave, porém aumentada até ao triplo. Como se pode ver, não há neste caso aumento mínimo previsto pela lei. A doutrina aponta o aumento mínimo de 1/6, assim como ocorre com o crime continuado simples, visto que não seria razoável que o juiz procedesse um aumento inferior à situação mais grave. 4.7. Concurso material benéfico Da mesma forma que ocorre com o concurso formal, o crime continuado foi criado por razões de política criminal com o mister principal de beneficiar o agente. Assim,não seria razoável que um instituto criado com essa finalidade viesse, quando da sua aplicação, a prejudicar o mesmo. Assim, se em uma mesma situação a aplicação do concurso material se mostra menos gravosa que a do crime continuado, este deve ser desprezado. 4.8. Dosagem da pena no crime continuado Assim como ocorre no concurso formal, o percentual de aumento de pena variará de acordo com o número de infrações penais praticadas. 4.9. Crime continuado e novatio legis in pejus Pode ocorrer que, no cometimento do crime continuado, parte do crime seja cometido sob a vigência de uma lei A e, outra parte, sob a vigência de uma lei B, mais gravosa que a anterior. O STF tem decidido que, embora mais gravosa, a lei posterior será aplicada à toda cadeia de infrações penais, visto que, mesmo conhecedores da lei penal, os agentes que, ainda assim, insistiram em cometer novos delitos, deverão ser responsabilizados pelo todo, com base na lei nova. Da reiteração dessas decisões surgiu a súmula 711, do STF:

Súmula 711 - A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.

5. APLICAÇÃO DA PENA NO CONCURSO DE CRIMES Em qualquer das situações de concursos de crime (concurso material, formal ou crime continuado), o juiz deverá aplicar, isoladamente, a pena correspondente a cada infração penal praticada. Após, aplica as regras correspondentes àqueles concursos. O artigo 119, do CP, diz que:

Art. 119. No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente.

Assim, o juiz não poderá levar a efeito o cálculo da prescrição sobre o total da pena aplicada no caso de concurso de crimes, devendo-se conhecer, de antemão, as penas que por ele foram aplicadas em seu ato decisório e que correspondem a cada uma das infrações praticadas isoladamente.

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6. MULTA NO CONCURSO DE CRIMES De acordo com o artigo 72, do CP:

Art. 72. No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente.

Isso significa que, em qualquer forma de concurso de crimes, as multas deverão ser aplicadas isoladamente para cada infração penal. Portanto, no concurso formal, por exemplo, não se aplica o aumento de 1/6 até a metade sobre a pena de multa.

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CAPÍTULO 37 – DOS CRIMES ABERRANTES 1. INTRODUÇÃO Existem três formas de crimes aberrantes, sendo que as duas primeiras encontram previsão no CP, e a terceira, na doutrina:

a) aberratio ictus; b) aberratio criminis; c) aberratio causae.

Aberratio ictus = desvio no golpe ou aberração no ataque. É tratada pelo nome de ERRO NA EXECUÇÃO e vem prevista no artigo 73, do CP:

Art. 73. Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do artigo 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do artigo 70 deste Código.

O referido §3o, do artigo 20, diz o seguinte:

§ 3º. O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime.

E o artigo 70 traz as regras do concurso formal. Aberratio criminis ou aberratio delicti – é o resultado diverso do pretendido, disciplinado no artigo 74, do CP:

Art. 74. Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do artigo 70 deste Código.

2. ERRO NA EXECUÇÃO (ABERRATIO ICTUS) Aqui não se trata propriamente de ERRO, pois, tecnicamente falando, erro se traduz na falsa percepção ou conhecimento equivocado da realidade. Não é o caso, pois nesse tipo de “erro” o que existe é um desvio no golpe fazendo com que o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, não havendo qualquer percepção errônea da realidade. No erro de execução a pessoa visada é a própria, embora outra venha a ser atingida, involuntária e acidentalmente. O agente dirige a conduta contra a vítima visada, o gesto criminoso é dirigido corretamente, mas a execução sai errada e a vontade criminosa vai concretizar-se em pessoa diferente. Não é o elemento psicológico da ação que é viciado – como ocorre no error in persona –, mas é a fase executória que não corresponde exatamente ao representado pelo agente, que tem clara percepção da realidade. O erro na aberratio surge não no processo de formação de vontade, mas no momento da sua exteriorização, da sua execução. Dois detalhes devem ser analisados de forma pormenorizada:

a) o agente quer atingir uma pessoa; b) por acidente ou erro no uso dos meios de execução, vem a atingir pessoa diversa.

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O erro, como se pode ver, é de pessoa para pessoa, ou seja, quero matar A, mas mato B. Pode haver, entretanto, que, além de matar A, mate também B, o que dá origem a duas classificações quanto à aberratio ictus: ABERRATIO ICTUS COM UNIDADE SIMPLES – o agente, com sua conduta, produz um único resultado, ou seja, só atinge uma pessoa, embora diversa da pretendida. Aqui, aplicam-se as regras do erro quanto à pessoa, ou seja, o agente responderá por seu dolo, ainda que o resultado tenha sido culposo: se quer matar o pai, mas atinge e mata estranho, responde com a agravante do homicídio contra ascendente. ABERRATIO ICTUS COM UNIDADE COMPLEXA – há um resultado duplo. Com sua conduta o agente atinge o alvo e também um terceiro. Neste caso, partindo do exemplo do homicídio, quatro situações podem surgir:

a) o agente mata A e o terceiro = homicídio doloso consumado, aumentada a pena de 1/6 até a metade (concurso formal);

b) o agente mata A e fere o terceiro = IDEM, ou seja: homicídio doloso consumado, aumentada a pena de 1/6 até a metade (concurso formal);

c) o agente fere A e fere o terceiro = tentativa de homicídio, aumentada a pena de 1/6 até a metade (concurso formal);

d) o agente fere A e mata o terceiro = homicídio doloso consumado, aumentada a pena de 1/6 até a metade (concurso formal).

2.1. Aberratio ictus e dolo eventual A aberratio ictus é compatível com o dolo eventual no que diz respeito à vítima que fora efetivamente atingida em virtude de erro na execução? NÃO, pois se o caso é de erro na execução, só se poderá cogitar em aberratio quando o resultado for proveniente de culpa. Se houver dolo em relação ao terceiro, seja sob a forma direta ou eventual, não há que se falar em erro na execução. Qualquer forma de dolo, portanto, é incompatível com as hipóteses do artigo 73, escapando do âmbito da aberratio ictus. 3. RESULTADO DIVERSO DO PRETENDIDO (ABERRATIO CRIMINIS OU ABERRATIO DELICTI) Se o erro variar de PESSOA para PESSOA, ocorre o erro quanto à execução (ou aberratio ictus). Se o erro, entretanto, variar quanto ao BEM JURÍDICO ATINGIDO, a hipótese será de aberratio delicti. O que interessa, no resultado diverso do pretendido, é o erro de COISA para PESSOA, pois, aquele que atinge pessoa quando pretendia atingir coisa responderá somente pelo resultado, a título de culpa, mas se o erro é de PESSOA para COISA, aquele que pretende atingir pessoa mas causa danos à coisa responderá pelo ato finalisticamente dirigido à pessoa, a título de tentativa, sob pena de atipicidade da conduta (não há crime de dano culposo). Só haverá concurso formal se a coisa é atingida a título de dolo e a pessoa a título de culpa. Caso contrário, não havendo crime de dano sob a forma culposa, só haverá punição pela conduta dolosa contra a pessoa. 4. CONCURSO MATERIAL BENÉFICO NAS HIPÓTESES DE ABERRATIO ICTUS E ABERRATIO CRIMINIS Seja nas causas de aberratio ictus ou de aberratio delicti (ambos com unidade complexa), deverá ser observada a regra do concurso material benéfico, ou seja, se o concurso formal for prejudicial ao agente, em comparação com o material, aplicam-se as regras deste último.

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5. ABERRATIO CAUSAE Ocorre quando o resultado pretendido inicialmente pelo agente tiver advindo de uma causa que por ele não havia sido cogitada. Ocorre, por exemplo, quando o agente, após ter desferido vários disparos contra a vítima, equivocadamente supondo-a morta, enterra-a no intuito de ocultar o crime, vindo a matá-la asfixiada. Outro exemplo é o caso de quem, querendo que a vítima morra afogada, lança-a da ponte mas esta vem a se chocar contra os pilares da mesma, morrendo por traumatismo craniano antes mesmo de tocar a água. Em qualquer dessas situações, de aberratio causae, o agente só responderá pelo seu dolo.

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CAPÍTULO 38 – LIMITE DAS PENAS 1. INTRODUÇÃO A CF/88, por intermédio de seu artigo 5o, XLVII, proíbe expressamente as penas de caráter perpétuo. Se a pena deve exercer suas funções preventivas, principalmente no que tange à prevenção especial, ou seja, à ressocialização do preso, seria um enorme contra-senso admitir-se a pena de prisão perpétua. 2. LIMITE DAS PENAS De acordo com o caput do artigo 75, do CP:

Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos.

É possível, portanto, a CONDENAÇÃO do acusado a uma pena superior a 30 anos, visto que a limitação só diz respeito ao tempo de efetivo cumprimento de pena. O §1o, do mesmo artigo, determina que:

§ 1º. Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.

Unificar as penas equivale a somá-las e, após, extrair do todo o excedente a trinta anos. Somente este será o tempo a ser cumprido pelo condenado. 3. TEMPO SOBRE O QUAL DEVERÃO SER PROCEDIDOS OS CÁLCULOS PARA A CONCESSÃO DOS “BENEFÍCIOS” LEGAIS Duas correntes se formaram acerca do assunto: PRIMEIRA CORRENTE – os cálculos durante a execução da pena deverão ser realizados sobre a pena já unificada, ou seja, somente sobre os trinta anos a serem efetivamente cumpridos. Justifica-se a posição com o argumento de que, se os cálculos fossem realizados sobre o total de pena a ser cumprido, isso geraria uma desmotivação, pelo condenado, durante o cumprimento de sua pena. A expectativa de deixar o cárcere em tempo mais breve que o estabelecido na pena é requisito essencial para a motivação do preso à ressocialização. SEGUNDA CORRENTE – os cálculos deverão ser procedidos sobre o total da soma das penas aplicadas. O cálculo tomado a efeito apenas sobre os 30 anos acabaria por tratar de forma desigual os condenados, privilegiando aqueles que cometeram um número maior de crimes. Além disso, atingido o teto legal, estaria o condenado completamente imune a qualquer condenação posterior, visto que sequer nos cálculos a título de benefícios de execução as penas interfeririam. O STF sumulou o assunto recentemente firmando posição de acordo com a segunda corrente:

Súmula 715 - A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução.

4. CONDENAÇÃO POR FATO POSTERIOR AO INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA PENA De acordo com o §2o, do artigo 75:

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§ 2º. Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.

A regra da unificação tem por escopo impedir que alguém cumpra pena de prisão por prazo superior a 30 anos. Contudo, vale a indagação: Será que alguém pode cumprir, ininterruptamente, período superior a trinta anos? A resposta, de acordo com o dispositivo acima, só pode ser afirmativa. Ocorrendo condenação por fato posterior, será desprezado o tempo cumprido na clausura e, somada a nova pena ao quantum anterior, nova unificação proceder-se-á, podendo novamente atingir 30 anos de efetivo cumprimento de pena. Observe-se que, tendo o artigo ressaltado que a condenação deve ter sido por FATO POSTERIOR AO INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA PENA, significa afirmar que eventual condenação superveniente a tal cumprimento advinda em relação a fato anterior ao mesmo não acarretará qualquer alteração no prazo ainda a ser cumprido. De acordo com o item 61, da Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal, na ausência da regra do §2o do artigo 75, estaria o condenado à pena máxima induzido a praticar outras infrações dentro do presídio.

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CAPÍTULO 39 – SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA 1. INTRODUÇÃO Também conhecida como SURSIS, é uma medida “descarcerizadora”, pois tem por finalidade evitar o aprisionamento daqueles que foram condenados a penas de curta duração, evitando-se, com isso, o convívio promíscuo e estigmatizante do cárcere. 2. DIREITO SUBJETIVO DO CONDENADO OU FACULDADE DO JUIZ? De acordo com o artigo 77, do CP:

Art. 77. A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que:

A redação do artigo nos induz a erro, visto que, embora a lei se utilize da expressão “poderá ser suspensa”, o artigo 157 da LEP encerra a dúvida dizendo que:

Art. 157. O juiz ou tribunal na sentença que aplicar pena privativa de liberdade, na situação determinada no artigo anterior, deverá pronunciar-se, motivadamente, sobre a suspensão condicional, quer a conceda, quer a denegue.

Art. 156. O juiz poderá suspender, pelo período de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, a execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, na forma prevista nos artigos 77 a 82 do Código Penal.

Portanto, mesmo havendo a possibilidade de denegação da suspensão condicional da pena, esta deverá ser motivada pelo juiz. Assim, trata-se de direito subjetivo do condenado, e não simples faculdade do julgador visto que, de acordo com o STF, “o réu tem direito à suspensão condicional da pena, se preenchidos os requisitos legais. 3. APLICAÇÃO DO SURSIS Se, após a condenação do réu a pena fixada pelo juiz se encontrar nos limites do quantum previsto pelo artigo 77, do CP, o juiz deverá analisar os requisitos necessários à concessão do sursis. Se os requisitos estiverem presentes, concederá a suspensão condicional da pena e, na própria sentença condenatória, estabelecerá as condições a que se terá de sujeitar o condenado visto que, de acordo com o art. 78, do CP:

Art. 78. Durante o prazo da suspensão, o condenado ficará sujeito à observação e ao cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz.

As condições a serem estabelecidas pelo juiz podem ser legais ou judiciais: LEGAIS – são as já determinadas previamente pela lei penal, conforme os §§ 1o e 2o, do art. 78, do CP:

§ 1º. No primeiro ano do prazo, deverá o condenado prestar serviços à comunidade (artigo 46) ou submeter-se à limitação de fim de semana (artigo 48). § 2º. Se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e se as circunstâncias do artigo 59 deste Código lhe forem inteiramente favoráveis, o juiz poderá substituir a exigência do parágrafo anterior pelas seguintes condições:, aplicadas cumulativamente: a) proibição de freqüentar determinados lugares; b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz;

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c) comparecimento pessoal e obrigatório ao juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

JUDICIAIS – são condições determinadas pelo juiz, devendo ser adequadas ao fato, bem como à situação pessoal do condenado (art. 79, do CP):

Art. 79. A sentença poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado.

Transitada em julgado a sentença penal condenatória serão obedecidos os seguintes passos: • designação de audiência admonitória, pelo juiz da execução; • se o condenado não comparecer ou, comparecendo, recusar as condições que lhe foram impostas, proceder-se-á à execução imediata da pena. Comparecendo à audiência, passará à: • leitura das condições impostas ao condenado, para o cumprimento do sursis; • advertência das conseqüências de nova infração e do descumprimento das condições impostas. • aceitando as condições, terá início o período de prova. 4. REQUISITOS PARA A SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA O artigo 77, do CP, traz os requisitos objetivos e subjetivos para a concessão do sursis:

Art. 77. A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: I - o condenado não seja reincidente em crime doloso; II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; III - não seja indicada ou cabível a substituição prevista no artigo 44 deste Código. § 1º. A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício. § 2º. A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser suspensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão.

Os requisitos objetivos são, no sursis simples condenação em pena privativa de liberdade não superior a dois anos; no sursis etário ou no sursis humanitário, a condenação em pena privativa de liberdade não superior a quatro anos. Os requisitos subjetivos são:

- que o condenado não seja reincidente em crime doloso; - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, os motivos

do crime, as circunstâncias. Seria possível a concessão de sursis, seja no sursis simples, seja no etário ou humanitário, aos crimes para os quais a lei determinou o cumprimento integral da pena em regime fechado, como a lei dos crimes hediondos? De acordo com a jurisprudência, a lei especial não impôs nenhuma restrição a respeito do sursis. As penas daqueles crimes serão cumpridas integralmente em regime fechado, mas assim dispôs, obviamente, para os casos em que se cuide de condenado que deva recolher-se a presídio, não para as hipóteses em que, por força da quantidade de pena e do atendimento aos demais pressupostos exigidos, seja viável a suspensão condicional. Haveria necessidade de imposição expressa para a restrição pois, tratando-se de direito de liberdade, não se admite interpretações análogas ou extensivas. NÃO REINCIDÊNCIA EM CRIME DOLOSO Duas ressalvas:

- condenação por prática de CRIME anterior, e não contravenção; - de forma DOLOSA.

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Se o agente tiver sido condenado anteriormente pela prática de crime doloso, se tiver sido aplicada a pena de multa, isolada ou em substituição à privativa de liberdade, a condenação não impedirá a concessão do benefício, visto que o §1o, do art. 77, não estabelece qualquer discriminação. Mesmo tendo o agente sido condenado anteriormente por crime doloso, caso já se tenha passado 5 anos entre a data de cumprimento ou extinção da pena e a nova infração, não haverá impedimento para a concessão do sursis, visto que o agente já terá readquirido o status de primário. CULPABILIDADE, ANTECEDENTES ETC. Esses requisitos, quando favoráveis, trazem uma presunção de que o condenado está apto a merecer a suspensão condicional da pena que lhe fora aplicada, pois presume-se que não voltará a delinqüir. 5. ESPÉCIES DE SURSIS São quatro as espécies de sursis:

- sursis simples; - sursis especial; - sursis etário; - sursis humanitário.

O sursis simples está previsto no §1o, do art. 78, do CP:

§ 1º. No primeiro ano do prazo, deverá o condenado prestar serviços à comunidade (artigo 46) ou submeter-se à limitação de fim de semana (artigo 48).

O sursis especial está previsto no §2o, do art. 78, do CP:

§ 2º. Se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e se as circunstâncias do artigo 59 deste Código lhe forem inteiramente favoráveis, o juiz poderá substituir a exigência do parágrafo anterior pelas seguintes condições:, aplicadas cumulativamente: a) proibição de freqüentar determinados lugares; b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; c) comparecimento pessoal e obrigatório ao juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

O sursis especial substitui o simples na hipótese de reparação do dano pelo condenado, exceto quando impossível, aplicando cumulativamente outras medidas, menos graves que as do sursis simples. O sursis etário é concedido ao maior de 70 anos de idade condenado a pena privativa não superior a 4 anos. Pode a pena, nessa situação, ser suspensa por 4 a 6 anos. Vale frisar que não se pode dizer que o sursis etário é o concedido ao idoso, pois o Estatuto do Idoso traz sua definição, estabelecendo a idade de 60 anos para que a pessoa seja considerada como tal. O sursis humanitário possibilita ao condenado a pena não superior a 4 anos a suspensão condicional da pena pelo período de 4 a 6 anos, desde que razões de saúde a justifiquem. 6. REVOGAÇÃO OBRIGATÓRIA De acordo com o art. 81, do CP:

Art. 81. A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário: I - é condenado, em sentença irrecorrível, por crime doloso; II - frustra, embora solvente, a execução de pena de multa ou não efetua, sem motivo justificado, a reparação do dano; III - descumpre a condição do § 1º do artigo 78 deste Código.

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Essas são causas de revogação obrigatória da suspensão condicional da pena. I - é condenado, em sentença irrecorrível, por crime doloso; Se o condenado já estava sendo processado por outro crime doloso ou se tiver cometido outro delito após iniciado o período de prova do sursis concedido, até decisão definitiva, com trânsito em julgado, o sursis subsistirá. A nova condenação por crime doloso só não implicará na revogação do sursis caso houver condenação em pena de multa ou substituição da privativa de liberdade por pena de multa, visto que, de acordo com o §1o, do artigo 77, a condenação à pena de multa antes mesmo do período de prova do sursis não impede a sua concessão. II - frustra, embora solvente, a execução de pena de multa ou não efetua, sem motivo justificado, a reparação do dano; Tendo em vista a alteração operada pela lei 9.268/96 no artigo 51 do CP, não é mais admitido, em nosso ordenamento, a conversão da pena de multa (dívida de valor) em pena privativa de liberdade. Por esse motivo, entende-se que não mais subsiste a primeira parte do inciso, sendo possível a revogação do sursis somente quando o agente frustra a reparação do dano, desde que não haja motivo justo. III - descumpre a condição do § 1º do artigo 78 deste Código. Trata o inciso das obrigações impostas pelo sursis simples, ou seja, da obrigação de prestar serviços à comunidade ou submeter-se á limitação de fim de semana. 7. REVOGAÇÃO FACULTATIVA Nos termos do artigo 81, §1o, do CP:

§ 1º. A suspensão poderá ser revogada se o condenado descumpre qualquer outra condição imposta ou é irrecorrivelmente condenado, por crime culposo ou por contravenção, a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos.

Portanto são duas as causas de revogação facultativa:

a) descumprimento de qualquer obrigação “sursitária” – neste caso, o condenado demonstra de forma clara sua inaptidão para obedecer às determinações que lhe foram impostas. Entretanto, antes de revogar a medida, o juiz deve designar audiência de justificação, com o fito de possibilitar a oitiva do condenado, garantindo-lhe o direito de defesa;

b) condenação irrecorrível, por crime culposo ou por contravenção, a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos – a pena de multa também não figura, portanto, como causa de revogação facultativa do sursis. O inciso cria uma situação inusitada: se o indivíduo, cumprindo sursis, não tenha o benefício revogado embora haja sido condenado definitivamente a pena privativa de liberdade por crime culposo, quando e de que forma cumprirá a nova pena a ele imposta?

8. PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA DO PERÍODO DE PROVA De acordo com o §2o, do artigo 81, do CP:

§ 2º. Se o beneficiário está sendo processado por outro crime ou contravenção, considera-se prorrogado o prazo da suspensão até o julgamento definitivo.

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A prorrogação é automática, não havendo necessidade de ser declarada nos autos. Se a notícia de outro processo surgir decorrido o prazo correspondente ao período de prova, sem que tenha sido, ainda, declarada a extinção da pena, não terá o beneficiário direito subjetivo em vê-la reconhecida, bem como não haverá qualquer ilegalidade da parte do julgador que determinar a prorrogação do período de prova mesmo após decorrido completamente o seu prazo. 9. CUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES Nos dermos do artigo 82, do CP:

Art. 82. Expirado o prazo sem que tenha havido revogação, considera-se extinta a pena privativa de liberdade.

A extinção da pena privativa de liberdade deve ser decretada nos autos pelo juízo das execuções, ouvido sempre o MP, visto que, caso houver outro processo contra o condenado, não poderá ser decretada a extinção da pena, pois nesse caso o período de prova será prorrogado até julgamento definitivo desse novo processo. 10. DIFERENÇA ENTRE O SURSIS E A SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO A suspensão condicional do processo tem por objetivo evitar a aplicação da pena privativa de liberdade nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a 1 ano. Enquanto no sursis já houve condenação do réu, na suspensão condicional do processo não há condenação. O MP e o querelante, ao oferecerem a denúncia ou a queixa, poderão propor a suspensão do processo por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizam a suspensão condicional da pena. Se o acusado aceitar a suspensão do processo, submeter-se-á a período de prova, sob as seguintes condições: I – reparação do dano, salvo impossibilidade; II – proibição de freqüentar determinados lugares; III – proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem a autorização do juiz; IV – comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. OBSERVA-SE, PORTANTO, QUE AS CONDIÇÕES IMPOSTAS AO CUMPRIMENTO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO SÃO AS MESMAS IMPOSTAS AO CUMPRIMENTO DO SURSIS, MAS AS CONSEQÜÊNCIAS DOS INSTITUTOS SÃO DIVERSAS: 1o) no sursis o agente foi condenado e a concessão da suspensão da pena só pode ocorrer após o trânsito em julgado da sentença condenatória, na audiência ADMONITÓRIA; 2o) na suspensão condicional do processo, o juiz recebe a denúncia, e só. Todos os demais atos do processo ficarão suspensos, não havendo condenação do réu; 3o) a vítima eu figurou no processo em que se deu o sursis tem direito a seu título executivo judicial, nos termos do art. 584, II, do CPC:

Art. 584 - São títulos executivos judiciais: II - a sentença penal condenatória transitada em julgado;

4o) a vítima que figura no processo em que houve suspensão, por não haver condenação, não tem direito a título executivo judicial;

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5o) o beneficiário do sursis, após o período de prova, não apaga seus dados criminais, servindo a condenação em que houve o sursis para forjar a reincidência ou maus antecedentes do agente; 6o) não havendo condenação na suspensão condicional do processo, uma vez cumpridas as condições da mesma, o juiz declarará EXTINTA A PUNIBILIDADE, não servindo essa declaração para atestar maus antecedentes ou reincidência.

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CAPÍTULO 40 – LIVRAMENTO CONDICIONAL 1. INTRODUÇÃO O livramento condicional é medida de política criminal que abrevia a reinserção do condenado no convívio social, permitindo que ele cumpra parte de sua pena em liberdade, desde que preenchidos requisitos de ordem objetiva e subjetiva e cumpridas determinadas condições. O pedido de livramento condicional deve ser dirigido ao Juiz da Execução, que decidirá após ter ouvido o Ministério Público e o Conselho Penitenciário. Estando presentes os requisitos do artigo 83, do CP, O JUIZ É OBRIGADO A CONCEDER O LIVRAMENTO, pois trata-se de direito subjetivo do condenado, e não uma faculdade do julgador. 2. REQUISITOS DO LIVRAMENTO CONDICIONAL De acordo com o artigo 83, do CP:

Art. 83. O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que: I - cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes; II - cumprida mais da metade se o condenado for reincidente em crime doloso; III - comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto; IV - tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração; V - cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza. Parágrafo único. Para o condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, a concessão do livramento ficará também subordinada à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinqüir.

PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE IGUAL OU SUPERIOR A DOIS ANOS É requisito essencial que exista esse tempo mínimo de condenação, mesmo que somente se atinja os dois anos após a soma de todas as penas correspondentes às várias infrações penais praticadas pelo condenado. Imagine que, condenado a um ano e onze meses de reclusão pelo crime de furto (o que afasta a possibilidade de livramento condicional, por falta de um requisito objetivo), o sujeito seja reincidente em crime doloso (o que afasta a possibilidade de sursis e de substituição por pena restritiva de direitos). A defesa tem interesse em recorrer junto ao Tribunal, pleiteando o aumento da pena em um mês, a fim da obtenção do livramento condicional? SIM, pois o livramento é direito subjetivo do condenado, e o aumento em um mês possibilitaria que ele não cumprisse a pena integralmente em regime fechado, podendo sair em livramento condicional após cumpridos 11 meses e 1 dia. CUMPRIDA MAIS DE UM TERÇO DA PENA SE O CONDENADO NÃO FOR REINCIDENTE EM CRIME DOLOSO E TIVER BONS ANTECEDENTES Conforme já dito em relação ao sursis, só impede o livramento condicional a anterior condenação por CRIME (e não contravenção) cometido a título de DOLO, há menos de 5 anos do cumprimento ou extinção da pena anteriormente imposta. Entretanto, embora a condenação fora desses termos não impeça a concessão do livramento com base na reincidência, poderá impedir atestando os maus antecedentes do agente.

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CUMPRIDA MAIS DA METADE SE O CONDENADO FOR REINCIDENTE EM CRIME DOLOSO É aqui que o reincidente em crime doloso e o portador de maus antecedentes se enquadram para a obtenção da liberdade condicional. Portanto, a reincidência dolosa e a má antecedência não impedem o livramento condicional, mas exigem do condenado um tempo maior de cumprimento da pena originalmente imposta. COMPROVADO COMPORTAMENTO SATISFATÓRIO DURANTE A EXECUÇÃO DA PENA, BOM DESEMPENHO NO TRABALHO QUE LHE FOI ATRIBUÍDO E APTIDÃO PARA PROVER A PRÓPRIA SUBSISTÊNCIA MEDIANTE TRABALHO HONESTO Se um preso se revolta em razão do tratamento degradante que vinha recebendo no cárcere, não lhe podemos imputar mau comportamento por esse fato. Por isso, aconselha-se que o juiz, antes de indeferir o livramento com base em simples certidões, ouça o condenado a fim de saber os motivos de não ter cumprido o requisito legal do bom comportamento. Não se exige, para a comprovação da aptidão para prover a própria subsistência, que o condenado tenha, por exemplo, promessa de trabalho com carteira assinada. Seja qual for o trabalho, mesmo que informal, admite-se a concessão do livramento. TENHA REPARADO, SALVO EFETIVA IMPOSSIBILIDADE DE FAZÊ-LO, O DANO CAUSADO PELA INFRAÇÃO Deve o agente ter satisfeito as obrigações civis resultantes do crime, ou comprovado sua impossibilidade. A simples ausência de propositura de ação de indenização por parte da vítima não supre a necessidade de o condenado comprovar a impossibilidade de reparar o dano. CUMPRIDO MAIS DE DOIS TERÇOS DA PENA, NOS CASOS DE CONDENAÇÃO POR CRIME HEDIONDO, PRÁTICA DE TORTURA, TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E DROGAS AFINS, E TERRORISMO, SE O APENADO NÃO FOR REINCIDENTE ESPECÍFICO EM CRIMES DESSA NATUREZA O problema, aqui, surge no conceito de reincidência específica em crimes dessa natureza, instituto há muito esquecido pelo legislador e, agora, com a lei dos crimes hediondos, trazido à tona. O §2o, do artigo 46, da antiga parte geral do Código Penal de 40 definia crimes da mesma natureza como sendo “os previstos no mesmo dispositivo legal, bem como os que, embora previstos em dispositivos diversos, apresentam, pelos fatos que os constituem ou por seus motivos determinantes, caracteres fundamentais comuns”. Entretanto, a expressão “crimes dessa natureza” utilizada pela lei dos crimes hediondos não corresponde àquela utilizada pela antiga Parte Geral do CP. A reincidência específica, portanto, deve ser analisada sob dois aspectos: 1o) somente se fala em reincidência específica nas infrações trazidas pela lei 8.072/90; 2o) o bem juridicamente protegido deve ser idêntico, não havendo necessidade de ser, exatamente, o mesmo tipo penal, seja na modalidade simples ou qualificada. CRIMES COMETIDOS COM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA À PESSOA Pela redação do parágrafo primeiro do artigo 83, do CP, estão excluídos da necessidade de constatação de condições pessoais que façam presumir que não voltarão a delinqüir os condenados por crimes culposos ou crimes dolosos cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa. Essas condições pessoais são aferidas por meio da realização de exame criminológico, previsto no artigo 8o, da LEP:

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Art. 8º. O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução. Parágrafo único. Ao exame de que trata este artigo poderá ser submetido o condenado ao cumprimento da pena privativa de liberdade em regime semi-aberto.

3. CONDIÇÕES PARA O CUMPRIMENTO DO LIVRAMENTO De acordo com o artigo 132, da LEP, ao liberado em condicional serão sempre impostas as seguintes obrigações:

Art. 132. Deferido o pedido, o juiz especificará as condições a que fica subordinado o livramento. § 1º. Serão sempre impostas ao liberado condicional as obrigações seguintes: a) obter ocupação lícita, dentro de prazo razoável se for apto para o trabalho; b) comunicar periodicamente ao juiz sua ocupação; c) não mudar do território da comarca do Juízo da Execução, sem prévia autorização deste. § 2º. Poderão ainda ser impostas ao liberado condicional entre outras obrigações, as seguintes: a) não mudar de residência sem comunicação ao juiz e à autoridade incumbida da observação cautelar e de proteção; b) recolher-se à habitação em hora fixada; c) não freqüentar determinados lugares.

4. PROCEDIMENTO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL Concedido o livramento condicional e especificadas as condições às quais se submeterá o liberado, expede-se CARTA DE LIVRAMENTO, com cópia integral da sentença, em duas vias, enviando uma delas para a autoridade administrativa incumbida da execução e outra ao Conselho Penitenciário. O presidente do Conselho Penitenciário, em seguida, designa data para a cerimônia do livramento, a ser realizada no estabelecimento onde o liberado estava preso, mediante leitura integral da sentença ao mesmo, na presença dos demais condenados. O liberando deve aceitar as condições impostas no livramento, mediante manifestação de vontade. Lavra-se termo em livro próprio e envia-se cópia do mesmo ao juiz da execução. Ao deixar o estabelecimento será entregue ao condenado um salvo-conduto, no qual conste as condições do livramento. 5. NECESSIDADE DE SER OUVIDO O CONSELHO PENITENCIÁRIO PARA A CONCESSÃO DO LIVRAMENTO Nos termos do artigo 131 da LEP:

Art. 131. O livramento condicional poderá ser concedido pelo juiz da execução, presentes os requisitos do artigo 83, incisos e parágrafo único, do Código Penal, ouvidos o Ministério Público e o Conselho Penitenciário.

Os que militam na área penal estão cientes da demora do Conselho Penitenciário na emissão de seus pareceres para fins de livramento condicional. Estaria o juiz da execução obrigado a aguardar, sempre, o parecer do Conselho Penitenciário a fim de conceder livramento ao condenado, após ouvido o MP? Sendo direito subjetivo do condenado que preenche os requisitos objetivos e subjetivos necessários à concessão do benefício, o atraso na confecção de parecer não poderá violar o seu jus libertatis? Entende-se que não há imprescindibilidade desse parecer quando seu atraso impede a liberação do condenado. Assim, pode ser concedido o livramento condicional “cautelar”, antecipando-se a liberdade e colhendo-se, em seguida, o parecer do Conselho Penitenciário.

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6. REVOGAÇÃO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL O livramento condicional será OBRIGATORIAMENTE revogado nos casos do artigo 86 e, FACULTATIVAMENTE, nos do artigo 87, ambos do CP:

Art. 86. Revoga-se o livramento, se o liberado vem a ser condenado a pena privativa de liberdade, em sentença irrecorrível: I - por crime cometido durante a vigência do benefício; II - por crime anterior, observado o disposto no artigo 84 deste Código.

Art. 87. O juiz poderá, também, revogar o livramento, se o liberado deixar de cumprir qualquer das obrigações constantes da sentença, ou for irrecorrivelmente condenado, por crime ou contravenção, a pena que não seja privativa de liberdade.

Art. 88. Revogado o livramento, não poderá ser novamente concedido, e, salvo quando a revogação resulta de condenação por outro crime anterior àquele benefício, não se desconta na pena o tempo em que esteve solto o condenado.

POR CRIME COMETIDO DURANTE A VIGÊNCIA DA REVOGAÇÃO É a clara demonstração da inaptidão do condenado em cumprir o restante da pena em liberdade. Como penalidade por ter praticado o crime após o início do livramento, o liberado perderá todo o período em que permaneceu livre POR CRIME ANTERIOR, OBSERVADO O DISPOSTO NO ARTIGO 84 DO CP De acordo com o artigo 84:

Art. 84. As penas que correspondem a infrações diversas devem somar-se para efeito do livramento.

Portanto, o benefício será cassado caso a soma do tempo que resta a cumprir com a nova condenação não permitir a permanência em liberdade. No caso de revogação facultativa o juiz, diante do não cumprimento das condições preestabelecidas, deverá ouvir o condenado em audiência própria, permitido que se justifique. Nos casos de revogação do livramento em razão de condenação definitiva por crime praticado antes da concessão, o tempo cumprido livre será descontado da pena total. 7. EXTINÇÃO DA PENA Nos termos do artigo 89, do CP:

Art. 89. O juiz não poderá declarar extinta a pena, enquanto não passar em julgado a sentença em processo a que responde o liberado, por crime cometido na vigência do livramento.

Art. 90. Se até o seu término o livramento não é revogado, considera-se extinta a pena privativa de liberdade.

Caso o delito tenha sido praticado anteriormente à vigência do livramento, como o liberado não perderá o tempo correspondente ao período em que esteve solto, poderá ser declarada a extinção da pena privativa de liberdade.

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8. LIVRAMENTO CONDICIONAL E EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA SENTENÇA No caso de o sentenciado, preso cautelarmente, ainda estar aguardando o julgamento de seu recurso, tendo a decisão, contudo, transitado em julgado somente para o MP, pergunta-se: Pode ser concedido livramento condicional àquele que ainda não goza do status de condenado, executando-se provisoriamente a sentença penal condenatória? A resposta é afirmativa, pois o possível condenado não pode ser prejudicado pelo simples fato de ter recorrido da decisão que o condenou ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade. Embora a recentemente editada súmula 716, do STF, trate de progressão de regime e aplicação de regime menos severo que o determinado na sentença, pode, através de um raciocínio analógico, ser ampliada para as hipóteses de livramento condicional:

Súmula 716 - Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

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CAPÍTULO 41 – DOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO 1. INTRODUÇÃO A principal conseqüência do trânsito em julgado da sentença penal condenatória é fazer com que o condenado cumpra a pena por ela determinada. Contudo, essa sentença, além de seus efeitos penais, pode gerar ainda outros efeitos, a exemplo de tornar certa a obrigação de reparar o dano causado pelo crime, ou fazer com que o condenado venha a perder o cargo, a função pública ou seu mandato eletivo. São os efeitos secundários da condenação. Esses efeitos, compreendidos nos artigos 91 e 92, do CP, são classificados em genéricos e específicos, respectivamente em cada um dos artigos. Enquanto certa parte da doutrina entende que os genéricos não precisam ser necessariamente declarados na sentença condenatória, e os específicos sim, essa sistemática não nos parece correta, visto que alguns efeitos, mesmo genéricos, necessitam de expressa fundamentação na sentença. 2. EFEITOS GENÉRICOS DA CONDENAÇÃO Nos termos do artigo 91, do CP:

Art. 91. São efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé: a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisa cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime; A sentença penal condenatória evidencia o dano causado pelo agente através da prática do crime gerando, pois, para a vítima, um título executivo judicial, conforme artigo 584, II, do CPC. Não se poderá mais questionar no cível sobre a existência do fato ou quem seja o seu autor, mas somente o quantum da indenização. Antes da execução da sentença penal condenatória, esta deve ser liquidada no juízo cível. II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisa cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito e do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. Instrumentos do crime são objetos, coisas materiais empregadas para a prática e execução do delito. Como a lei se refere expressamente a crime, não há perda de instrumentos destinados à prática de contravenção. Só serão perdidos em favor da União os instrumentos cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito. Se alguém usa um carro para lesar alguém, o mesmo não será perdido em favor da União. Também não perderá sua arma quem vier a utilizá-la para a prática de crime, desde que tenha autorização para seu porte. O porte ilegal de arma de fogo, de mera contravenção penal, passou a constituir-se crime (art. 10 da Lei 9.437/97). Pergunta-se: se alguém for preso portando arma registrada em seu nome, poderá vir a perdê-la em favor da União? Entende-se que não, visto que deve-se dar interpretação restritiva ao dispositivo da alínea “a”, inciso II, do artigo 91, do CP. Tendo em vista mencionar instrumentos do crime, somente as coisas utilizadas pelo agente para desenvolver atos de execução devem ser perdidas. A arma, no caso, é OBJETO MATERIAL do delito, e não instrumento. Produtos do crime são as coisas adquiridas diretamente com o crime (como a coisa roubada), ou mediante sucessiva especificação (a jóia feita do ouro roubado), ou conseguidas mediante alienação (venda do objeto roubado) ou criadas com o crime (moeda falsa).

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É neste ponto que deverá sempre haver fundamentação do julgador, visto que deve o julgador especificar por que compreende serem estes ou aqueles objetos ou valores produtos do crime praticado. 3. EFEITOS ESPECÍFICOS DA CONDENAÇÃO De acordo com o art. 92, do CP:

Art. 92. São também efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos nos demais casos. II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado; III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. Parágrafo único. Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.

Todos esses efeitos, tidos como específicos da condenação, são, na verdade, verdadeiras penas acessórias. Devem ser declaradas expressamente no dispositivo condenatório, pois não são efeitos automáticos da condenação. I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo A perda somente se opera se o agente for condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a um ano nos crimes cometidos com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração ou, em qualquer outro crime, se a condenação for superior a 4 anos. O inciso não se aplica somente aos crimes funcionais, mas também a qualquer crime que um funcionário público cometer com violação de deveres que sua condição impõe. Tendo em vista que a lei exige a aplicação de pena privativa de liberdade, caso o agente seja condenado à pena de multa, ou caso tenha sua pena privativa de liberdade substituída por pena restritiva de direitos, já não será possível incidir esse efeito secundário da condenação, o que também ocorrerá se for condenado a pena privativa de liberdade com duração inferior a um ano. II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado; São necessários quatro requisitos para a imposição do efeito secundário:

- condenação por crime doloso; - crime punido com reclusão; - crime cometido contra o filho, tutelado ou curatelado; - expressa disposição na sentença condenatória.

III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. A nova legislação de trânsito não alterou este efeito da condenação, pois, nesse caso, o veículo é usado como instrumento do delito doloso, nada tendo a ver com os crimes culposos de trânsito.

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CAPÍTULO 42 – DA REABILITAÇÃO 1. INTRODUÇÃO Nos termos do artigo 93, do CP:

Art. 93. A reabilitação alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre seu processo e condenação. Parágrafo único. A reabilitação poderá, também, atingir os efeitos da condenação, previstos no artigo 92 desse Código, vedada reintegração na situação anterior, nos casos dos incisos I e II do mesmo artigo.

2. APLICABILIDADE Pela simples observação do disposto no artigo 202, da LEP, observa-se que o instituto da reabilitação do CP, ao menos quanto ao sigilo de informações quanto ao cumprimento de pena pelo condenado, é demasiadamente maléfico e burocrático, visto serem necessários, além do prazo de 2 anos do cumprimento ou extinção da pena, outros requisitos:

Art. 202. Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.

Também não cabe reabilitação nos casos dos incisos I e II do artigo 92, acima analisados. No inciso I, caso em que ocorre o efeito da perda de cargo, função pública ou mandato eletivo, a reabilitação não tem o efeito de reintegrar o interessado na situação anterior. O reabilitado não é reconduzido ao exercício do cargo, função pública ou mandato perdidos. Serve a reabilitação para afastar qualquer óbice para que o reabilitado se habilite a novo cargo, função ou mandato eletivo. Situação óbvia é a do inciso II, em que a reabilitação não faz restaurar a capacidade para o exercício do poder familiar, quando o condenado praticou crime doloso punido com reclusão contra filho, tutelado ou curatelado. No caso do inciso III, do mesmo artigo, a reabilitação é apta a restaurar a habilitação do condenado a dirigir veículo, quando havia perdido a mesma por tê-lo usado como instrumento do crime. 3. REQUISITOS E COMPETÊNCIA PARA A ANÁLISE DO PEDIDO O artigo 94 traz os requisitos necessários ao pedido de reabilitação:

Art. 94. A reabilitação poderá ser requerida, decorridos 2 (dois) anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução, computando-se o período de prova da suspensão e o do livramento condicional, se não sobrevier revogação, desde que o condenado: I - tenha tido domicílio no País no prazo acima referido; II - tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado; III - tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre a absoluta impossibilidade de o fazer, até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida.

Tendo em vista não ter sido incluída no rol de competências do juízo das Execuções Penais (art. 66, da LEP), entende-se que a apreciação do pedido de reabilitação é de competência do juízo de conhecimento, nos termos do art. 743, do CPP, revogado apenas parcialmente:

Art. 743. A reabilitação será requerida ao juiz da condenação, após o decurso de 4 (quatro) ou 8 (oito) anos, pelo menos, conforme se trate de condenado ou reincidente, contados do dia em que houver terminado a execução da pena principal ou da medida de

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segurança detentiva, devendo o requerente indicar as comarcas em que haja residido durante aquele tempo.

4. RECURSO DO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE REABILITAÇÃO Nos termos do § único, do artigo 94, do CP:

Parágrafo único. Negada a reabilitação, poderá ser requerida, a qualquer tempo, desde que o pedido seja instruído com novos elementos comprobatórios dos requisitos necessários.

Embora o artigo não faça previsão de recurso, pois prevê a possibilidade de novo pedido, instruído com novos elementos comprobatórios dos requisitos necessários, entende-se que contra a decisão denegatória pode ser interposto recurso de apelação, visto tal decisão ter força definitiva. 5. REVOGAÇÃO DA REABILITAÇÃO De acordo com o artigo 95, do CP:

Art. 95. A reabilitação será revogada, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, se o reabilitado for condenado, como reincidente, por decisão definitiva, a pena que não seja de multa.

São, portanto, dois os requisitos que permitem a revogação da reabilitação:

a) a condenação transitada em julgado posterior deve ser relativa a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos;

b) a condenação deve se dar com reconhecimento de que o reabilitado é reincidente.

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CAPÍTULO 43 – MEDIDAS DE SEGURANÇA 1. INTRODUÇÃO Durante a vigência do Código Penal de 1940, prevalecia o sistema do DUPLO BINÁRIO ou DUPLO TRILHO, no qual a medida de segurança era aplicada ao agente considerado perigoso, que havia praticado um fato previsto como crime, cuja execução era iniciada após o condenado cumprir a pena privativa de liberdade ou, no caso de absolvição, de condenação à pena de multa. Hoje, abandono-se o sistema do duplo binário, adotando o sistema VICARIANTE, que quer dizer “substituição”, ou seja, aplica-se medida de segurança, como regra, ao sujeito que pratica fato típico, ilícito, porém, não culpável. O sujeito é absolvido, mas lhe é aplicada a medida de segurança. As medidas de segurança têm uma finalidade diversa da pena, pois se destinam à cura ou tratamento daquele que praticou fato típico e ilícito. Quando o inimputável pratica conduta típica e ilícita, deverá ser absolvido, aplicando-se-lhe, contudo, medida de segurança, razão pela qual essa sentença que, por um lado, o absolve, mas, por outro, lhe aplica a medida, é denominada SENTENÇA ABSOLUTÓRIA IMPRÓPRIA. 2. ESPÉCIES DE MEDIDA DE SEGURANÇA Nos termos do artigo 96, do CP:

Art. 96. As medidas de segurança são: I - internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II - sujeição a tratamento ambulatorial. Parágrafo único. Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta.

Como as medidas de segurança podem-se iniciar em internação ou em tratamento ambulatorial, dividem-se as mesmas em medidas de segurança DETENTIVAS (internação) e RESTRITIVAS (tratamento ambulatorial). De acordo com o artigo 97, do CP:

Art. 97. Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (artigo 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.

Não obstante a redação do artigo, entende0se que o juiz tem a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável, não importando se o fato definido como crime é punido com reclusão ou com detenção. 3. INÍCIO DO CUMPRIMENTO DA MEDIDA DE SEGURANÇA De acordo com os artigos 171 e 172, da LEP:

Art. 171. Transitada em julgado a sentença que aplicar medida de segurança, será ordenada a expedição de guia para a execução.

Art. 172. Ninguém será internado em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, ou submetido a tratamento ambulatorial, para cumprimento de medida de segurança, sem a guia expedida pela autoridade judiciária.

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4. PRAZO DE CUMPRIMENTO DA MEDIDA DE SEGURANÇA Tendo em vista sua natureza de providência curativa, a medida de segurança não tem prazo certo de duração, persistindo enquanto houver necessidade do tratamento do inimputável. Enquanto não cessada a periculosidade do agente a medida será mantida, podendo conservar-se, não raras vezes, até o falecimento do paciente. Embora haja autores que não aceitem a indeterminação do prazo da medida, de forma a limitá-lo ao prazo da pena máxima abstratamente cominada ao delito, visto ser esse o limite da intervenção estatal, seja a título de pena, seja a título de medida, na liberdade do indivíduo (princípio da proibição constitucional da prisão perpétua), não se pode, mesmo após longos anos de tratamento, lançar o doente ao convívio da sociedade quando, por sua doença, representar um perigo a si próprio e à sociedade. Por isso os §§1o e 2o, do art. 97, do CP, dizem que:

§ 1º. A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos. § 2º. A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.

Ao contrário do que se pode entender pela leitura dos parágrafos em destaque, o juiz, mesmo que não tenha sido esgotado o período mínimo de duração da medida de segurança, poderá, diante de requerimento do MP ou do interessado, procurador ou defensor, ordenar o exame de averiguação da cessação da periculosidade. 5. DESINTERNAÇÃO OU LIBERAÇÃO CONDICIONAL Nos termos do §3o, do art. 97, do CP:

§ 3º. A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade.

Com a desinternação, o sujeito deixa o tratamento em regime de internação e dá início ao tratamento ambulatorial. Pode ocorrer, contudo, de a internação ter sido suficiente para o restabelecimento do paciente do mal que lhe afligia, sendo que, neste caso, o juiz determinará sua liberação, ou seja, não será necessária a continuação do tratamento, seja em regime de internação, seja em regime de tratamento ambulatorial. Para o restabelecimento do paciente à internação ou tratamento ambulatorial não é necessário que, dentro do prazo de um ano da desinternação ou liberação, exigido pela lei, o agente tenha praticado crime, bastando que de seus atos possa ser induzida periculosidade. 6. REINTERNAÇÃO DO AGENTE De acordo com o §4o, do art. 97, do CP:

§ 4º. Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos.

Essa possibilidade demonstra que, na insuficiência do tratamento ambulatorial dado ao paciente, seja aquele em desinternação condicional ou submetido inicialmente ao tratamento, o juiz determinará, fundamentadamente, internação do paciente, de ofício. 7. MEDIDA DE SEGURANÇA SUBSTITUTIVA APLICADA AO SEMI-IMPUTÁVEL Tal substituição ocorre na seguinte situação:

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O semi-imputável foi condenado; aplicaram-lhe uma pena; agora, em virtude da necessidade de especial tratamento curativo, pois que sua saúde mental encontra-se perturbada, a pena privativa de liberdade a ele aplicada poderá ser substituída pela internação ou pelo tratamento ambulatorial. Embora o artigo 98 do CP faça remissão ao 97, implicando dizer que o tratamento ambulatorial ou a internação se darão por prazo indeterminado, entende-se que, nesse caso específico, o tempo da medida de segurança jamais poderá ser superior ao tempo da condenação do agente. 8. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE E MEDIDA DE SEGURANÇA Nos termos do § único do art. 96, do CP:

Parágrafo único. Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta.

Aplicam-se, portanto, às medidas de segurança, todas as causas extintivas da punibilidade previstas na legislação, dentre as quais, obviamente, a prescrição. Quanto ao cálculo da prescrição, entende-se que, pelo fato de o inimputável não poder ser condenado, não conferindo a sentença uma referência concreta ao cálculo da prescrição, este cálculo deverá ser realizado sempre pela pena máxima cominada ao fato delitivo. 9. DIREITOS DO INTERNADO O ponto de relevo quanto a esse tema é o seguinte: Aquele a quem o Estado aplicou medida de segurança, por reconhecê-lo inimputável, não poderá ser recolhido a uma cela de delegacia policial, ou mesmo em uma penitenciária em razão de não haver vaga em estabelecimento hospitalar próprio, impossibilitando-lhe, portanto, o tratamento adequado. Aliás, essa situação constitui constrangimento ilegal sanável inclusive mediante habeas corpus. Na absoluta impossibilidade, por falta de vagas, para a internação, deve ser substituído o internamento pelo tratamento ambulatorial.

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CAPÍTULO 44 – AÇÃO PENAL 1. INTRODUÇÃO Ação é um direito subjetivo público de se invocar do Estado-Administração a sua tutela jurisdicional, a fim de que decida sobre determinado fato trazido ao seu crivo, trazendo de volta a paz social, concedendo ou não o pedido aduzido em juízo. A ação penal é, portanto, o exercício de uma acusação, que indica o autor de determinado crime, responsabilizando-o, e pedindo, para o mesmo, a punição prevista em lei. 2. CONDIÇÕES DA AÇÃO São condições indispensáveis ao exercício do direito de ação de natureza penal:

a) legitimidade das partes; b) interesse de agir; c) possibilidade jurídica do pedido; d) justa causa (há quem diga não ser ela condição da ação penal).

2.1. Legitimidade das partes A legitimidade ativa é sempre estabelecida em lei, podendo ser ou do Ministério Público ou do particular. Existem situações, entretanto, em que há uma legitimidade ativa primária e uma legitimidade ativa secundária, que só opera na impossibilidade ou inércia da primária. Um primeiro exemplo de legitimidade ativa secundária é o da ação penal privada subsidiária da pública, em que o particular, pela inércia do primariamente legitimado, toma frente na ação penal. Outro exemplo é o caso de falecimento ou declaração de ausência do ofendido nas ações penais privadas, em que o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. O legitimado passivo será aquele em face do qual se propõe a ação penal, desde que lastreada a propositura em indícios de autoria. A efetiva análise da autoria do crime é matéria de mérito, o que não influencia na legitimidade inicial do processo penal. 2.2. Interesse de agir O interesse de agir, no âmbito penal, decorre da necessidade de ter o titular da ação penal que se valer do Estado para que este conheça e, se for convencido da infração penal, condene o réu ao cumprimento de uma pena justa. Esse interesse pode ser dividido em interesse-necessidade e interesse-utilidade. Quanto ao primeiro, pode-se afirmar que sempre se fará presente, pois sempre é necessário o exercício da jurisdição penal para que se possa aplicar qualquer sanção de natureza penal. Será sempre preciso a intervenção do Estado-Juiz a aplicação de uma pena, seja ela qual for. Quanto ao interesse-utilidade, entretanto, pode acontecer que, no caso concreto, a intervenção da jurisdição penal já não seja mais útil, como nos casos em que o MP, antes mesmo de propor a ação penal, já verifica a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva do Estado.

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2.3. Possibilidade jurídica do pedido A possibilidade jurídica do pedido consiste na formulação de pretensão que, em tese, exista na ordem jurídica como possível, ou seja, que a ordem jurídica brasileira preveja a providência pretendida pelo interessado. Pedido juridicamente impossível é, portanto, o pedido insuscetível, de si mesmo, por sua própria natureza, de ser julgado pelo Poder Judiciário, por ser a este vedado fazê-lo. 2.4. Justa causa Justa causa é o lastro probatório mínimo que dê suporte aos fatos narrados na peça inicial de acusação. Refere-se aos indícios da autoria, à existência material de uma conduta típica e a alguma prova da antijuridicidade e da culpabilidade. 3. ESPÉCIES DE AÇÃO PENAL Existem duas formas diferentes de ação penal: pública e privada. A regra geral, de acordo com o artigo 100, do CP, é que a ação penal seja pública:

Art. 100. A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.

A rigor, toda ação penal é de natureza pública, visto que para a aplicação de qualquer sanção penal é necessária a intervenção do Estado. O que difere entre público ou privado é a iniciativa da ação penal. Assim, a ação penal pode ser de iniciativa pública (promovida pelo MP) ou de iniciativa privada (promovida pelo ofendido ou seu representante legal). 3.1. Ação penal de iniciativa pública Pode ser:

a) incondicionada ou b) condicionada à representação do ofendido ou a requerimento do Ministro da Justiça.

3.1.1. AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PÚBLICA INCONDICIONADA A ação penal será de iniciativa pública incondicionada quando, para que o MP possa inicia-la, ou mesmo requisitar a instauração de inquérito policial, não se exige qualquer condição. É a regra geral das ações penais. Pelo fato de não se exigir qualquer condição para seu início é que, nos termos do artigo 27, do CPP:

Art. 27. Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.

3.1.2. AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO OU DE REQUISIÇÃO DO MINISTRO DA JUSTIÇA Ocorrem em situações nas quais a lei penal exige a conjugação da vontade da vítima ou de seu representante legal com a vontade do MP em ajuizar a pretensão penal, condicionando tanto o início da ação penal quanto o das investigações policiais a essa manifestação de vontade.

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A representação do ofendido ou a requisição do Ministro da Justiça constituem CONDIÇÕES DE PROCEDIBILIDADE, sem as quais o MP não pode dar início à ação penal ou às investigações. Entretanto, tais condições não vinculam o MP, constituindo somente um “aval”, uma anuência para que este, SE ENTENDER NECESSÁRIO, ingresse com a ação penal. 3.1.3. PRINCÍPIOS INFORMADORES DA AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PÚBLICA Os princípios que norteiam a ação penal pública, seja ela condicionada ou não, são os seguintes:

a) obrigatoriedade ou legalidade – o MP é obrigado a propor a ação penal caso o fato praticado seja, ao menos em tese, típico, ilícito e culpável e, ainda, caso se façam presentes os elementos constituintes da justa causa, quais sejam: indício de autoria e prova da materialidade do crime;

b) oficialidade – por esse princípio, a persecutio criminis in judicio será procedida somente por órgão oficial, ou seja, pelo MP, visto que a própria Constituição estabeleceu ser uma de suas funções institucionais a promoção, privativa, da ação penal pública;

c) indisponibilidade – por esse princípio, fica vedado ao órgão do MP desistir da ação penal por ele iniciada. Vale lembrar que o pedido de improcedência da denúncia realizado pelo próprio MP ao final da ação, não constitui desistência.;

d) indivisibilidade – esse princípio determina que, se a infração foi praticada por vários indivíduos, todos eles devem receber o mesmo tratamento, não podendo o MP escolher a quem acionar;

e) intranscendência – a ação penal só pode ser proposta em face dos que participaram do cometimento da infração penal, não podendo atingir pessoas estranhas ao fato delituoso.

3.2. Ação penal de iniciativa privada Ação privada é aquela em que o direito de acusar pertence, exclusiva ou subsidiariamente, ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representa-lo. As ações penais privadas podem ser divididas em: a) privada propriamente dita; b) privada subsidiária da pública e c) personalíssima. 3.2.1. PRIVADA PROPRIAMENTE DITA São procedidas mediante queixa do ofendido ou do representante legal. A rigor, o Estado sempre sofre com a prática de uma infração penal, pois esta coloca em perigo a ordem jurídica e a paz social. Entretanto, existem algumas situações que interessam mais intimamente ao particular do que ao Estado, e é nestas situações que o Estado delega o jus accusationis ao particular, preservando consigo o jus persequendi in judicio. 3.2.2. PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA Essas ações encontram respaldo no §3o, do art. 100, do CP e no artigo 29, do CPP:

§ 3º. A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal.

Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

Permitiu-se, portanto, que o particular acompanhasse as investigações, bem como o trabalho do órgão oficial encarregado da persecução penal. Se o MP, por desídia, deixar de oferecer denúncia no prazo legal, abre-se ao particular a possibilidade de, substituindo-o, oferecer sua queixa-crime, dando-se, assim, início à ação penal. Somente no caso de inércia, de desídia do MP pode o particular dar início à ação penal, ainda que tal inércia seja justificada, por exemplo, pelo acúmulo de serviço.

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3.2.3. PRIVADA PERSONALÍSSIMA São aquelas em que somente o ofendido, e mais ninguém, pode propô-las. Entendeu a lei que as infrações que dão margem a esse tipo de ação atingem a vítima de forma tão pessoal, tão íntima, que somente a ela caberá emitir o seu juízo de pertinência a respeito da propositura ou não da ação penal. Nessas ações, não ocorre a sucessão por morte ou ausência naqueles termos do artigo 100, §4o, do CP e do artigo 31, do CPP. 3.2.4. PRINCÍPIOS INFORMADORES DA AÇÃO PENAL DE INICIATIVA PRIVADA Existem três princípios informadores dessas ações:

a) oportunidade – é o titular da ação penal quem julga a conveniência ou inconveniência quanto à propositura da mesma. É a antítese do princípio da obrigatoriedade, que rege as ações penais públicas;

b) disponibilidade – o particular pode, mesmo após a propositura da ação, utilizando-se de alguns instrumentos jurídicos, dispor da ação penal por ele proposta. É a antítese do princípio da indisponibilidade;

c) indivisibilidade – aqui as ações penais públicas e privadas são coincidentes. A ação penal deve ser instrumento de justiça, e não de simples vingança. O particular não pode eleger quem vai e quem não vai processar por infração cometida em concurso. Nos termos do artigo 48, do CPP:

Art. 48. A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade.

4. REPRESENTAÇÃO CRIMINAL OU REQUISIÇÃO DO MINISTRO DA JUSTIÇA Tanto uma quanto outra são requisitos ou condições de procedibilidade da ação penal pública condicionada, sem as quais torna-se impossível a abertura de inquérito policial ou o oferecimento da denúncia pelo MP. De acordo com o artigo 39, do CPP:

Art. 39. O direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério Público, ou à autoridade policial.

Nos termos do artigo 102, do CP:

Art. 102. A representação será irretratável depois de oferecida a denúncia.

Tendo em vista que o artigo acima não se referiu à retratação da requisição feita pelo Ministro da Justiça, a melhor doutrina entende que a mesma não é retratável. 5. AÇÃO PENAL NO CRIME COMPLEXO Crime complexo é aquele em que, em sua configuração típica, pode-se vislumbra a fusão de dois ou mais tipos penais. Ex.: o roubo é a fusão do furto com a lesão corporal ou ameaça. O artigo 101, do CP, trata do tema:

Art. 101. Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele, desde que, em relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do Ministério Público.

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A esse dispositivo foram dirigidas duras críticas da doutrina, visto que, pelo sistema adotado pelo Código, nos crimes em que a ação for de iniciativa privada, haverá expressa disposição legal neste sentido, por força do artigo 100, do CP. Em relação ao estupro, tem-se que, com base na análise da Súmula 608, do STF, e com base em uma interpretação sistêmica do artigo 225, e dos artigos 223 e 224, do CP, temos que a ação penal relativa ao crime de estupro será de iniciativa pública INCONDICIONADA.

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CAPÍTULO 45 – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE 1. INTRODUÇÃO A punibilidade é uma conseqüência natural advinda da prática de um fato típico, ilícito e culpável pelo agente. Entretanto, o Estado, em determinadas situações expressamente previstas em seus diplomas legais, pode abrir mão ou mesmo perder o direito de punir. Por questões de política criminal, o estado pode entender por bem não fazer valer o seu ius puniendi, e nestas ocasiões ocorrerá o que a legislação penal denominou de extinção da punibilidade. As causas extintivas da punibilidade estão no rol do artigo 107, do CP:

Art. 107. Extingue-se a punibilidade: I - pela morte do agente; II - pela anistia, graça ou indulto; III - pela retroatividade da lei que não mais considera o fato como criminoso; IV - pela prescrição, decadência ou perempção; V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; VII – revogado pela lei 11.106/05 VIII - revogado pela lei 11.106/05 IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.

Vale observar, entretanto, que esse elenco não é taxativo, pois existem outras situações descritas no Código Penal em que os efeitos e a natureza jurídica são os mesmos, como, por exemplo, no artigo 312, §2o, do CP, ou no artigo 89, §5o, da Lei 9.099/95:

Peculato culposo § 2º. Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. § 3º. No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena. § 5º. Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.

De acordo com o artigo 61, do CPP,

Art. 61. Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de ofício.

Tendo em vista que o dispositivo só menciona a possibilidade de reconhecimento da extinção da punibilidade de ofício EM QUALQUER FASE DO PROCESSO, caso haja uma causa extintiva da punibilidade ainda durante a fase de inquérito policial, entende-se que o juiz não poderá declará-la, mas tão-somente determinar o seu arquivamento, após ouvido o MP. De acordo com o § único, do mesmo artigo:

Parágrafo único. No caso de requerimento do Ministério Público, do querelante ou do réu, o juiz mandará autuá-lo em apartado, ouvirá a parte contrária e, se o julgar conveniente, concederá o prazo de 5 (cinco) dias para a prova, proferindo a decisão dentro de 5 (cinco) dias ou reservando-se para apreciar a matéria na sentença final.

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2. MORTE DO AGENTE A dúvida, aqui, surge em torno do seguinte ponto: Não são raras as situações em que o agente faz juntar aos autos falsa certidão de óbito. Embora seja prudente que o MP, ao manifestar-se, requerer ao juiz a expedição de ofício junto ao cartório de registro civil indicado no documento, a fim de atestar-lhe a veracidade, o acusado poderá falsificar atestado médico e fazer lavrar em cartório o óbito com base neste documento falso. O que se indaga é o seguinte: se declarada a extinção da punibilidade após tomadas todas as providências a fim de se certificar sobre a autenticidade do documento, se o juiz descobrir que a certidão de óbito apresentada era falsa, poderá, uma vez transitada em julgado a referida decisão, retomar o curso normal da ação penal, desconsiderando-se a decisão anterior? Embora a maioria dos doutrinadores entenda que não, admitindo somente o processo por crime de falso, vez que o ordenamento não tolera a chamada revisão pro societate, o STF já se posicionou de forma contrária, visto que o despacho, além de não fazer coisa julgada em sentido estrito, funda-se exclusivamente em fato juridicamente inexistente, não produzindo quaisquer efeitos. Vale frisar que a pena de multa, embora dívida de valor, possui natureza penal, e como tal deverá ser tratada no caso de extinção da punibilidade do agente, ou seja, não poderá ser executada em face de seus herdeiros, dado o princípio da intranscendência da pena. 3. ANISTIA, GRAÇA E INDULTO ANISTIA Por meio dela o Estado renuncia ao seu ius puniendi, perdoando a prática de infrações penais que, normalmente, têm cunho político. Portanto, via de regra, a anistia dirige-se aos crimes políticos, mas nada impede que seja concedida a crimes comuns. A concessão é de competência da União (art. 21, XVII, da CF):

Art. 21 - Compete à União: XVII - conceder anistia;

De acordo com o art. 48, inciso VIII, da CF, é de competência do Congresso Nacional:

Art. 48 - Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: VIII - concessão de anistia;

A anistia pode ser concedida antes ou depois da sentença penal condenatória, sempre retroagindo a fim de beneficiar os agentes. Nos termos do artigo 2o, I, da Lei n. 8.072/90, os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo SÃO INSUSCETÍVEIS DE ANISTIA. GRAÇA E INDULTO A graça é o indulto concedido individualmente, a uma pessoa específica. Ambos são de competência do Presidente da República. O indulto coletivo, ou simplesmente indulto, costuma ser concedido anualmente pelo Presidente da República, mediante decreto, em data próxima ao final do ano, razão pela qual esse instituto passou a ser conhecido como indulto de natal. Também não é possível a concessão de graça ou indulto aos crimes previsto s na lei 8.072/90. 4. RETROATIVIDADE DE LEI QUE NÃO MAIS CONSIDERA O FATO CRIMINOSO

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É o fenômeno da abolitio criminis, que ocorre quando o Estado, por razões de política criminal, entende por bem em não mais considerar determinado fato como criminoso. De acordo com o artigo 2o, do CP:

Art. 2º. Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.

Somente permanecerão os efeitos de natureza civil, sendo que os de natureza penal, como a reincidência e os maus antecedentes, desaparecerão. 5. PRESCRIÇÃO, DECADÊNCIA E PEREMPÇÃO A prescrição será tratada em capítulo próprio. A DECADÊNCIA é o instituto jurídico mediante o qual a vítima, ou quem tenha qualidade para representa-la, perde o seu direito de queixa (ações penais privadas) ou de representação (ações penais públicas condicionadas à representação) em virtude do decurso de um certo lapso temporal. De acordo com o artigo 103, do CP:

Art. 103. Salvo disposição expressa em contrário, o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do § 3º do artigo 100 deste Código, do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia.

A PEREMPÇÃO é instituto jurídico aplicável às ações penais de iniciativa privada propriamente dita ou personalíssima, não se aplicando à privada subsidiária da pública. Nos termos do artigo 60, do CP:

Art. 60. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á perempta a ação penal: I - quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 (trinta) dias seguidos; II - quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no artigo 36; III - quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais; IV - quando, sendo o querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor.

Entende-se, também, que na ação penal PERSONALÍSSIMA do crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento, a morte do querelante impede o prosseguimento da ação penal. No caso do inciso I, o querelante deve ser intimado para que tome providências no sentido de dar andamento ao processo, só se justificando a decretação de perempção na sua inércia. No caso do inciso II, entende-se que não é necessária a intimação dos parentes do querelante, visto a impossibilidade de a justiça penal realizar investigação em cada caso concreto para o descobrimento de parentes do falecido. No caso do inciso III, existem duas situações: a ausência do querelante a qualquer ato do processo (desde que sua presença seja essencial) e se o querelante deixa de pedir a condenação do querelado em suas alegações finais.

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6. RENÚNCIA AO DIREITO DE QUEIXA OU PERDÃO ACEITO NOS CRIMES DE AÇÃO PRIVADA 6.1. Renúncia ao direito de queixa A renúncia ao direito de queixa pode ser expressa ou tácita. Será expressa quando formalizada por meio de declaração assinada pelo ofendido, representante legal ou procurador com poderes especiais. Será tácita quando o ofendido praticar atos incompatíveis com a vontade de exercer o direito de queixa. A lei 9.099/95, em seu artigo 74, estabelece que:

Art. 74 - A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no Juízo civil competente. Parágrafo único - Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.

E o artigo 49, do CPP, consagrando o princípio da indivisibilidade também no âmbito da ação penal privada e da ação penal pública condicionada à representação do ofendido, estabelece que:

Art. 49. A renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do crime, a todos se estenderá.

6.2. Perdão do ofendido O perdão do ofendido só pode ocorrer nos crimes que se procedem mediante queixa De acordo com o artigo 106, do CP:

Art. 106. O perdão, no processo ou fora dele, expresso ou tácito: I - se concedido a qualquer dos querelados, a todos aproveita; II - se concedido por um dos ofendidos, não prejudica o direito dos outros; III - se o querelado o recusa, não produz efeito; § 1º. Perdão tácito é o que resulta da prática de ato incompatível com a vontade de prosseguir na ação. § 2º. Não é admissível o perdão depois que passa em julgado a sentença condenatória.

No inciso I, consagra-se o princípio da indivisibilidade da ação penal. 7. RETRATAÇÃO DO AGENTE, NOS CASOS EM QUE A LEI ADMITE A retratação é o ato pelo qual o agente reconhece o erro que cometeu e o denuncia à autoridade, retirando o que anteriormente havia dito. O agente volta atrás naquilo que disse, fazendo com que a verdade dos fatos seja, efetivamente, trazida à luz. Nos termos do artigo 143, do CP:

Art. 143. O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena.

A retratação, portanto, só produzirá efeitos se manifestada antes da entrega da sentença pelo juiz em cartório. Pela redação do dispositivo, fica claro que ela não caberá nos crimes de injúria. No caso da Lei de Imprensa, entretanto, admite-se também a retratação nos crimes de injúria, embora o STF não tenha concordado com essa possibilidade.

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De acordo com o artigo 342, §2o, do CP:

Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. § 2º O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.

8. PELO CASAMENTO DO AGENTE COM A VÍTIMA, NOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES, DEFINIDOS NOS CAPÍTULOS I, II E III DO TÍTULO VI DA PARTE ESPECIAL DO CÓDIGO PENAL O inciso que tratava dessa possibilidade de extinção da punibilidade foi revogado pela lei 11.106/05, não havendo mais que se falar nessa situação. 9. PELO CASAMENTO DA VÍTIMA COM TERCEIRO, NOS CRIMES REFERIDOS NOS CAPÍTULOS I, II E III DO TÍTULO VI DO CÓDIGO PENAL, SE COMETIDOS SEM VIOLÊNCIA REAL OU GRAVE AMEAÇA E DESDE QUE A OFENDIDA NÃO REQUEIRA O PROSSEGUIMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL OU DA AÇÃO PENAL NO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS A CONTAR DA CELEBRAÇÃO. O inciso que tratava dessa possibilidade de extinção da punibilidade também foi revogado pela lei 11.106/05, não havendo mais que se falar nessa situação. 10. PERDÃO JUDICIAL, NOS CASOS PREVISTOS EM LEI O perdão judicial só pode ser aplicado pelo juiz nos casos em que a lei o autoriza, sendo vedada, portanto, a analogia in bonam partem. Muito se discutiu sobre a natureza jurídica do perdão judicial em sentença condenatória, absolutória ou meramente declaratória da extinção da punibilidade. Nos termos da Súmula 18, do STJ:

Súmula 18 – A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório.

Mas seria o perdão judicial uma faculdade do julgador ou um direito subjetivo do agente? A melhor doutrina preleciona no sentido em que o perdão judicial é um direito do réu. Se presentes as circunstâncias exigidas pelo tipo, o juiz não pode, segundo puro arbítrio, deixar de aplica-lo. 10.1. Perdão judicial no código de trânsito brasileiro Antes do advento do CTB, os agentes que praticavam crimes de homicídio ou de lesões culposas respondiam, respectivamente, pelas sanções previstas nos artigos 121, §3o, e 129, §6o, do CP. Para essas infrações havia, também, previsão do perdão judicial. Acontece que esses crimes foram tratados nos artigos 302 e 303, do CTB:

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

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Muito embora houvesse previsão no artigo 330 do projeto de lei que disciplinou o CTB, o Presidente da República achou por bem vetá-lo sob a justificativa de que “o artigo trata do perdão judicial, já consagrado pelo Direito Penal. Deve ser vetado, porém, porque as hipóteses previstas pelo §5o do art.121 e §8o do art. 129 do Código Penal disciplinam o instituto de forma mais abrangente”. Seria possível, a partir daí, dada a inexistência de previsão legal expressa no CTB de aplicação do perdão judicial aos crimes de homicídio e lesão corporal culposos praticados na direção de veículo automotor, continuarmos a admitir o perdão judicial nessas situações? Embora haja opiniões em contrário, a doutrina majoritária entende que sim, tendo em vista questões de política criminal. 10.2. Perdão judicial e a lei n.o 9.807/99 A lei trata da organização e manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, bem como dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo penal. Nos termos de seu artigo 13:

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I – a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III – a recuperação total ou parcial do produto do crime. Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

Trata-se de um novo caso de perdão judicial a ser concedido em crimes cometidos em concurso de pessoas. Embora a leitura do dispositivo nos induza a pensar que o mesmo foi criado com vistas ao crime de extorsão mediante seqüestro (dado o perfeito amoldamento de seus incisos a esse crime), opiniões abalizadas na doutrina têm dito que esse perdão judicial pode ser concedido em qualquer outra infração penal, cujos requisitos possam ser devidamente preenchidos.

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CAPÍTULO 46 – PRESCRIÇÃO 1. INTRODUÇÃO A prescrição é o instituto jurídico mediante o qual o Estado, por não ter tido capacidade de fazer valer o seu direito de punir em determinado intervalo de tempo previsto pela lei, faz com que ocorra a extinção da punibilidade. Para DAMÁSIO, a prescrição, em face de nossa legislação penal, tem tríplice fundamento:

a) o decurso do tempo (teoria do esquecimento do fato; b) a correção do condenado; c) a negligência da autoridade.

2. NATUREZA JURÍDICA DA PRESCRIÇÃO A doutrina é praticamente assente no sentido de que a prescrição, para nosso ordenamento jurídico, é instituto de direito material, regulado no CP, e, nessas circunstâncias, conta-se do dia do seu início. 3. ESPÉCIES DE PRESCRIÇÃO A legislação penal prevê duas espécies de prescrição:

- prescrição da pretensão punitiva; - prescrição da pretensão executória.

A prescrição da pretensão punitiva acarreta a impossibilidade de o Estado formar o seu título executivo judicial, ou, em algumas situações, embora se chegue a proferir o decreto condenatório, a decisão não terá força de título executivo. São efeitos penais da prescrição da pretensão punitiva a permanência da primariedade do réu e a conservação de seus bons antecedentes. Como efeito cível podemos mencionar a impossibilidade de a vítima executar o decreto condenatório, caso houver, visto que a prescrição impede a formação do título executivo judicial. Na prescrição da pretensão executória, o estado terá perdido somente o direito de executar sua decisão. O título executivo já foi formado com o trânsito em julgado da sentença condenatória, mas não será executado. A condenação implica a reincidência ou o atestado dos maus antecedentes do agente. Além disso, a vítima poderá executar na esfera cível a sentença obtida. 4. PRESCRIÇÃO ANTES DE TRANSITAR EM JULGADO A SENTENÇA De acordo com o artigo 109, do CP:

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ 1º e 2º do artigo 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I - em 20 (vinte) anos, se o máximo da pena é superior a 12 (doze); II - em 16 (dezesseis) anos, se o máximo da pena é superior a 8 (oito) anos e não excede a 12 (doze); III - em 12 (doze) anos, se o máximo da pena é superior a 4 (quatro) anos e não excede a 8 (oito); IV - em 8 (oito) anos, se o máximo da pena é superior a 2 (dois) anos e não excede a 4 (quatro); V - em 4 (quatro) anos, se o máximo da pena é igual a 1 (um) ano ou, sendo superior, não excede a 2 (dois); VI - em 2 (dois) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano.

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Tendo em vista que o cálculo deve ser realizado antes mesmo da sentença condenatória, tem-se que a prescrição a que se refere o dispositivo é a prescrição da pretensão punitiva do Estado. 5. PRESCRIÇÃO DAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS Nos termos do § único do artigo 109, do CP:

Parágrafo único. Aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade.

Tendo em vista que as penas restritivas de direito são substitutivas, o prazo para efeitos de cálculo de prescrição será o mesmo previsto para a pena privativa de liberdade aplicada. 6. PRESCRIÇÃO DEPOIS DE TRANSITAR EM JULGADO A SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA De acordo com o artigo 110, e §1o, do CP:

Art. 110. A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. § 1º. A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada.

Se ainda não tiver havido trânsito em julgado em relação à acusação, a pena ainda poderá ser ampliada, devendo o cálculo da prescrição incidir sobre o máximo de pena cominada à infração penal. Caso não tenha havido recurso do MP, ou após ter sido ele improvido, como a pena não pode ser aumentada com recurso do réu, o cálculo já poderá ser realizado, mas com base na pena aplicada. Embora a maioria da doutrina entenda que essa prescrição do artigo 110 diz respeito à prescrição da pretensão EXECUTÓRIA, o autor discorda, visto que esta só poderia se dar após a formação do título executivo judicial, o que só ocorre após o trânsito em julgado para ambas as partes, momento em que a pena não mais poderia ser alterada. Outra discussão surgiu acerca da parte final do caput do artigo 110, que diz que, caso o condenado seja reincidente, os prazos do 109 serão aumentados em 1/3. Seria esse aumento aplicável à prescrição da pretensão punitiva ou da pretensão executória? Resolvendo o problema, o STJ editou a súmula 220, que diz:

Súmula 220 - A reincidência não influi no prazo da prescrição da pretensão punitiva.

7. MOMENTO PARA O RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO Tendo em vista ser a prescrição matéria de ordem pública, aplica-se o artigo 61, do CPP, que diz:

Art. 61. Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de ofício.

Entende-se, entretanto, que o juiz só poderá reconhecer de ofício a extinção da punibilidade quando já houver um processo em andamento, não podendo fazê-lo em fase de inquérito, situação em que, deve determinar seu arquivamento, viso a possibilidade de reabertura em caso de superveniência de novas provas.

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8. PRESCRIÇÃO RETROATIVA E INTERCORRENTE (OU SUPERVENIENTE) PRESCRIÇÃO RETROATIVA ocorre quando, com fundamento na pena aplicada na sentença penal condenatória com trânsito em julgado para o MP ou para o querelante, o cálculo prescricional é refeito, retroagindo-se, partindo-se do primeiro momento para sua contagem, que é a data do fato, com algumas peculiaridades. Encontra seu fundamento no artigo 110, §2o, do CP:

Art. 110. A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. § 1º. A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada. § 2º. A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa.

Deve-se percorrer todos os caminhos, desde a prática do fato até o primeiro marco interruptivo da prescrição, que é o despacho de recebimento da denúncia ou da queixa; em seguida, realiza-se novamente o cálculo entre a data do recebimento da denúncia ou da queixa até a sentença penal condenatória recorrível. Ocorrendo entre esses períodos prazo superior ao previsto na lei penal como caracterizador da prescrição, extingue-se a punibilidade, com base na prescrição retroativa. A prescrição retroativa, por levar em conta a pena concretizada na sentença penal condenatória, só pode ocorrer após a existência do trânsito em julgado para a acusação. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE ocorre quando há prescrição após o trânsito em julgado para a acusação, ou do improvimento do seu recurso, tomando por base a pena fixada na sentença penal condenatória. 9. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO ANTES DE TRANSITAR EM JULGADO A SENTENÇA FINAL De acordo com o artigo 111, do CP:

Art. 111. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: I - do dia em que o crime se consumou; II - no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa; III - nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; IV - nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido.

Inciso I Alguns crimes se consumam no momento da ação do autor (como as lesões corporais), enquanto outros se consumam no momento do resultado (homicídio). Embora o Código Penal tenha adotado em seu artigo 4o a teoria da atividade, dizendo considerar-se praticado o crime no momento da ação ou da omissão, ainda que outro seja o momento do resultado, o artigo 111, do CP, excepcionando a regra, adotou a teoria do resultado. Assim, o termo inicial trazido no inciso I é o da efetiva produção do resultado (nos crimes materiais). Inciso II Embora a redação do inciso cause estranheza, nalgumas situações, os diversos atos de execução podem se distanciar no tempo, como no caso daquele que quer matar alguém por envenenamento, ministrando à vitima diariamente, doses que, se conjugadas, a levarão à morte. A partir da ministração da última dose é que o prazo prescricional terá início. Inciso III Crimes permanentes são os que a execução e consumação se prolongam no tempo. Enquanto não tiver cessada a permanência da execução do crime não correrá o prazo de prescrição da pretensão punitiva do Estado. Inciso IV

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Todos os crimes descritos no inciso, embora sejam instantâneos, produzem efeitos permanentes, o que justifica que o prazo prescricional só inicie na data em que o fato tornar-se conhecido da autoridade pública. 10. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO APÓS A SENTENÇA CONDENATÓRIA IRRECORRÍVEL Nos termos do artigo 112, do CP:

Art. 112. No caso do artigo 110 deste Código, a prescrição começa a correr: I - do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional; II - do dia em que se interrompe a execução, salvo quando o tempo da interrupção deva computar-se na pena.

Com exceção da primeira parte do inciso I, que trata da prescrição da pretensão punitiva do Estado (pois só houve trânsito em julgado para a acusação), todos os demais casos tratam da prescrição da pretensão executória estatal. No que tange ao sursis (suspensão condicional da pena), o agente deverá cumprir integralmente a pena que lhe fora aplicada, pois esta se encontrava apenas suspensa. O prazo de prescrição será calculado levando-se em consideração a pena cujo cumprimento estava suspenso, e será contado a partir do trânsito em julgado da sentença que revogar o sursis. No caso de suspensão do livramento condicional, o início da contagem da pena se dá no mesmo termo, mas o cálculo do prazo levará em conta o tempo restante do cumprimento da pena, ou seja, o tempo cumprido em livramento condicional será considerado tempo de cumprimento de pena. 11. PRESCRIÇÃO DA MULTA De acordo com o artigo 114, do CP:

Art. 114. A prescrição da pena de multa ocorrerá: I - em dois anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada; II - no mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade, quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada.

Nesse ponto, a doutrina se divide. De um lado, alguns autores afirmam que a prescrição da pena de multa ocorrerá sempre em 5 anos, e sua execução será realizada separadamente da pena privativa de liberdade, perante a Vara da Fazenda Pública, visto que a nova lei determinou que, para fins de execução, a pena pecuniária seria considerada dívida de valor. De outro lado, alega-se que devem ser conjugados os prazos prescricionais ditados pelo 114, com as novas regras de execução da pena de multa prevista pelo artigo 51. 12. REDUÇÃO DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS Nos termos do artigo 115, do CP:

Art. 115. São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos.

Essa redução de prazo se aplica tanto à prescrição da pretensão punitiva quanto à da executória.

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A jurisprudência tem estendido a redução do prazo prescricional também àqueles que completarem 70 anos depois da sentença condenatória, porém antes do acórdão proferido pelos tribunais. 13. CAUSAS SUSPENSIVAS DA PRESCRIÇÃO São causas que suspendem o curso do prazo prescricional, que volta a correr pelo tempo restante após cessadas as causas que as determinaram. De acordo com o artigo 116, do CP:

Art. 116. Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: I - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime; II - enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro. Parágrafo único. Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo.

Inciso I Exemplo clássico é o delito de bigamia. Se a validade do primeiro casamento estiver sendo discutida no juízo cível, o curso da ação penal e o prazo prescricional da mesma ficarão suspensos até que se resolva a questão prejudicial. Inciso II A norma se justifica porque, nesses casos, é impossível a extradição do criminoso. 14. CAUSAS INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO As causas interruptivas da prescrição têm o condão de fazer com que a contagem do prazo por elas interrompido seja reiniciada após a cessação das mesmas. O artigo 117 do CP traz um rol TAXATIVO de causas de interrupção da prescrição:

Art. 117. O curso da prescrição interrompe-se: I - pelo recebimento da denúncia ou da queixa; II - pela pronúncia; III - pela decisão confirmatória da pronúncia; IV - pela sentença condenatória recorrível; V - pelo início ou continuação do cumprimento da pena; VI - pela reincidência. § 1º. Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles. § 2º. Interrompida a prescrição, salvo a hipótese do inciso V deste artigo, todo o prazo começa a correr, novamente, do dia da interrupção.

14.1. Recebimento da denúncia ou da queixa Deve-se destacar que o mero OFERECIMENTO da denúncia ou da queixa não é suficiente à interrupção da prescrição, devendo as mesmas serem RECEBIDAS pelo Juiz. O recebimento por juiz incompetente não interrompe a prescrição. O aditamento feito à denúncia não interrompe a prescrição, a não ser que contenha novos fatos, que se traduzam em nova infração penal, ou que importe em inclusão de novo acusado.

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14.2. Pronúncia Pronúncia é ato formal de decisão pelo qual o juiz, nos casos de competência do Tribunal do Júri, se convencendo da existência do crime e dos indícios de sua autoria, encerra a primeira etapa do julgamento, declarando o dispositivo legal em cuja sanção julgar incurso o réu. O marco interruptivo é contado a partir da publicação da sentença de pronúncia em cartório. Se, em grau de recurso, o Tribunal desclassificar o crime para outro, cuja competência não é do Júri, não haverá mais o efeito interruptivo da prescrição pela pronúncia anterior. Isso não ocorre se a desclassificação enquadra a conduta em outro crime de competência do Júri ou se a desclassificação advier do Conselho de Sentença. De acordo com a súmula 191, do STJ:

Súmula 191 - A pronúncia é causa interruptiva da prescrição, ainda que o Tribunal do Júri venha a desclassificar o crime.

14.3. Decisão confirmatória da pronúncia O acórdão que confirma a sentença de pronúncia interrompe a prescrição. Além disso, caso o réu tenha sido impronunciado ou sumariamente absolvido pelo juiz de primeira instância, o acórdão do tribunal que pronuncia o réu também interromperá a prescrição. O prazo, segundo o STF, será interrompido na data da realização do julgamento, e não na da publicação do acórdão no Diário da Justiça. 14.4. Sentença condenatória recorrível Somente a sentença condenatória recorrível interrompe a prescrição. A absolutória não produz esse efeito. A prescrição será interrompida quando da sua publicação em cartório. Se o acusado for absolvido em primeira instância e condenado pelo Tribunal, o acórdão condenatório terá o condão de interromper a prescrição. 14.5. Início ou continuação do cumprimento da pena Durante o cumprimento da pena, evidentemente, o prazo prescricional não tem curso. Se o condenado foge, a prescrição começa a correr da data da fuga e terá seu prazo regulado com base no restante de pena a ser cumprido. Se o condenado é recapturado, interrompe-se novamente a prescrição. 14.6. Reincidência A reincidência, como marco interruptivo da prescrição da pretensão executória, tem o poder de gerar tal efeito a partir da data do trânsito em julgado da sentença que condenou o agente pela prática do novo crime. 14.7. Efeitos da interrupção Nos termos do §1o, do artigo 117, do CP:

§ 1º. Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo, a interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime. Nos crimes conexos, que sejam objeto do mesmo processo, estende-se aos demais a interrupção relativa a qualquer deles.

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A primeira parte faz referência aos delitos cometidos em concurso de pessoas. Os incisos V e VI, ao contrário dos anteriores, tratam da prescrição da pretensão executória estatal. Assim, interrompida a prescrição da pretensão punitiva do Estado, o reconhecimento da interrupção alcançará a todos os agentes, salvo os que, por alguma condição especial, tenham prazo diferenciado dos demais (art. 115, do CP). Se um dos autores tiver sido absolvido, ainda assim a interrupção da prescrição poderá gerar efeitos quanto a ele, visto que sua situação jurídica pode vir a alterar-se frente ao recurso interposto pelo MP. 15. PRESCRIÇÃO NO CONCURSO DE CRIMES De acordo com o artigo 119, do CP:

Art. 119. No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente.

Existem em nosso ordenamento três hipóteses de concurso de crimes: material, formal e crime continuado. Em virtude desse dispositivo, muito embora a pena final aplicada possa ter sido fruto de um concurso de crimes, para efeitos de prescrição teremos d encontrar a pena de cada uma das infrações penais, individualmente, e sobre ela fazer o cálculo prescricional. 16. PRESCRIÇÃO PELA PENA EM PERSPECTIVA (IDEAL, HIPOTÉTICA OU PELA PENA VIRTUAL) É o reconhecimento antecipado da prescrição em razão da pena em perspectiva. De acordo com a maioria da doutrina, e com a jurisprudência do STF, não se admite a prescrição retroativa por antecipação, uma vez que, além de inexistir previsão legal, não pode, antes da sentença condenatória, presumir a pena frente às circunstâncias do caso concreto, ou seja, mesmo que a pena a ser aplicada ao réu não possa ser superior ao mínimo legal, dadas as regras de fixação da pena. Não se pode reconhecer aquilo que ainda não aconteceu. Caso o Promotor ou o Juiz se depararem com essa situação, embora como “pano de fundo se encontre a efetiva possibilidade de ocorrência futura da prescrição, ambos fundamentarão suas razões na falta de interesse de agir, na modalidade interesse-utilidade da medida, condição indispensável ao regular exercício do direito de ação. 17. IMPRESCRITIBILIDADE A Constituição Federal excepciona a regra da prescritibilidade dos crimes somente em duas hipóteses:

- prática de racismo (art. 5o, XLII) e - ação armada de grupos civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado

Democrático (art. 5o, XLIV).