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CURSO LÍNGUA PORTUGUESA: DA TEORIA À PRÁTICA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO A POLISSEMIA E O HUMOR NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS SÉRGIO DE FRANÇA LIMA 2010 Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now.

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CURSO LÍNGUA PORTUGUESA: DA TEORIA À PRÁTICA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

A POLISSEMIA E O HUMOR NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

SÉRGIO DE FRANÇA LIMA

2010

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UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

A POLISSEMIA E O HUMOR NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

Apresentação de monografia àUniversidade Castelo Branca, comocondição prévia para a conclusão doCurso de Pós-Graduação Lato Sensuem Língua Portuguesa.

Por: Sérgio de França Lima.

2010

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RESUMO

Este trabalho se desenvolveu em volta das histórias em quadrinhos, ummeio expressivo popular que utiliza uma linguagem híbrida destinada ainfluenciar, divertir e propor conhecimento os seus destinatários, os leitores. Ashistórias em quadrinhos se caracterizam pelo uso de duas linguagens: aimagética e a textual, que se reforçam mutuamente, ainda que nem sempreestejam juntas no mesmo quadro – dependendo do que o autor queira transmitir.O direcionamento dado ao trabalho, e seu consequente desenvolvimento, partiude conceitos mais abrangentes até desembocar no tema específico escolhido. Daaveriguação do fenômeno universal da mudança dos significados das palavras –fenômeno este encontrado em todas as línguas – até a junção da polissemia, dohumor e das histórias em quadrinhos.

Palavras chave: Polissemia. Humor. Ambiguidade. Histórias em quadrinhos.

ABSTRACT

This work was developed around the comics, a popular expressive meanswhich uses a hybrid language in order to influence, amuse and proposeknowledge to its addressees, the readers. The comics are characterized by theuse of two languages: the imagery and textual one, which mutually enforce oneanother, even though sometimes they are not together in the same square –depending on what the author wants to convey. The direction given the work, andits consequent development, started from wider concepts before emptying into thespecific topic chosen. From the examination of the universal phenomenon of thewords´ meaning changes – that can be found in all tongues – to the junction of thepolisemy, of humor e of the comics.

Key-words: Pollysemy. Humor. Ambiguity. Comics.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Níquel Náusea ...................................................................................24

Figura 2 – Ed Mort ..............................................................................................25

Figura 3 – Ed Mort ..............................................................................................28

Figura 4 – Níquel Náusea ...................................................................................37

Figura 5 – Ed Mort ..............................................................................................39

Figura 6 – Níquel Náusea ...................................................................................40

Figura 7 – Níquel Náusea ...................................................................................41

Figura 8 – Níquel Náusea ...................................................................................41

Figura 9 – Níquel Náusea ...................................................................................42

Figura 10 – Ed Mort ............................................................................................47

Figura 11 – Níquel Náusea .................................................................................50

Figura 12 – Níquel Náusea .................................................................................51

Figura 13 – Níquel Náusea .................................................................................52

Figura 14 – Ed Mort ............................................................................................53

Figura 15 – Ed Mort ............................................................................................54

Figura 16 – Níquel Náusea .................................................................................55

Figura 17 – Níquel Náusea .................................................................................56

Figura 18 – Ed Mort ............................................................................................57

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................ 6

2. MUDANÇA DE SIGNIFICADO DAS PALAVRAS ..................................... 9

2.1 Metáfora .............................................................................................. 11

2.2 Metonímia ........................................................................................... 13

2.3 Especialização do significado ............................................................. 14

2.4 Ampliação de significado .................................................................... 14

2.5 Restrição de significado ...................................................................... 14

2.6 Equívocos de interpretação ................................................................ 14

2.7 Outros fatores ..................................................................................... 15

3. POLISSEMIA ............................................................................................ 16

3.1 Polissemia e Homonímia .................................................................... 19

3.2 Ambiguidade ....................................................................................... 21

3.3 Contexto .............................................................................................. 26

4. O TEXTO HUMORÍSTICO ........................................................................ 29

5. AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS ........................................................ 34

5.1 Principais Características ................................................................... 37

5.1.1 Os balões ................................................................................. 38

5.1.2 As legendas .............................................................................. 38

5.1.3 As onomatopeias ...................................................................... 39

5.1.4 Os quadros ............................................................................... 39

5.1.5 Os entrequadros ....................................................................... 41

5.2 Linguagem das Histórias em Quadrinho ............................................ 42

5.3 Níquel Náusea .................................................................................... 44

5.4 Ed Mort ............................................................................................... 46

6. A POLISSEMIA E O HUMOR NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS ... 49

7. CONCLUSÃO ......................................................................................... 57

8. BIBLIOGRAFIA ..................................................................................... 60

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1. INTRODUÇÃO

Em certa ocasião ouvi a seguinte frase: “quem não escuta a música, acha

maluco quem dança”. É dessa forma que encaro os que, sem tentar ver as

riquezas espalhadas entre os quadros de uma história em quadrinhos,

consideram a nona arte como algo “insípido, incolor e inodoro”.

Ao percorrer uma história em quadrinhos, o olhar atento se depara com

muitas surpresas agradáveis - impressas tanto nas imagens como nos textos que

as compõem, pois são fontes inesgotáveis de produções artísticas e textuais e

excelente suporte a ser utilizado pelos autores para usufruir de possibilidades

expressivas.

Este trabalho, é bom frisar, utiliza indistintamente os vários nomes dados

às histórias em quadrinhos, não houve a preocupação em separá-los por

gêneros1, como fazem alguns estudiosos da arte sequencial. Assim, por vezes

faço uso de “tiras”, “HQs”, “gibi”, entre outros.

Por se tratar de um estudo sobre a polissemia, o humor e as histórias em

quadrinhos, foi abordada, inicialmente, a propriedade que as palavras têm de ter

seu significado modificado por novos referenciais. Alguns fatores responsáveis

por essas mudanças semânticas são descritos.

Após a abordagem sobre as variações semânticas das palavras, o

fenômeno linguístico da polissemia é explorado mais detalhadamente por se

caracterizar como uma das mais fartas fontes de extensão dos significados das

palavras, neste trabalho a polissemia é vista como um recurso dos mais

interessantes para a produção de textos com viés humorístico, no caso deste

trabalho, a produção textual nas histórias em quadrinhos. São apresentados

alguns conceitos e a ligação da polissemia com a economia linguística.

Ainda neste capítulo, investiga-se a relação polissemia – homonímia e a

dificuldade de se encontrar um método realmente eficaz na conceituação de uma

e de outra.

1 Não foi considerado, como fazem alguns, a classificação de histórias em quadrinhoscomo gênero e o restante dos conceitos como espécies.

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Em seguida, passa-se a discorrer sobre a ambiguidade que, apesar de ser,

na maioria dos casos, considerada como um vício de linguagem a ser evitado,

constitui-se, como exemplificam as tiras cômicas, em um elemento chave da

produção de surpresas linguísticas na confecção das histórias em quadrinhos.

A seguir, o contexto é mostrado como elemento fundamental na produção

e compreensão de textos humorísticos, lugar onde os conhecimentos de mundo

são avaliados e postos à prova. É, é a partir do reconhecimento contextual que o

resultado cômico pode ser alcançado.

Com relação ao texto humorístico, alguns tópicos importantes para sua

produção são abordados, tais como: a escolha das palavras, o conhecimento

compartilhado, a intencionalidade e o uso da polissemia. Neste capítulo, enfoca-

se a quebra do fluxo semântico como estratégia para o alcance do objetivo de

fazer rir. Posteriormente, abordo o humor já atrelado às histórias em quadrinhos,

como seus autores se utilizam das estratégias pra provocar o riso no leitor.

Passo, então, para uma conceituação e caracterização das histórias em

quadrinhos com a apresentação de seus pontos mais marcantes e identificáveis

do gênero, como os balões, as legendas, as onomatopéias, os quadros – seus

cortes - e entrequadros.

Na abordagem da linguagem das histórias em quadrinhos, é que me

deparei com o pouco material disponível para estudar o tema do trabalho. Há

muitos livros, artigos na internete e monografias sobre as histórias em quadrinhos

e suas particularidades linguísticas. Em sua maioria, os artigos se referem aos

pontos elencados no parágrafo anterior e ao fato de ser híbrida a linguagem dos

quadrinhos. Não foi possível encontrar livros ou artigos que utilizassem as

histórias em quadrinhos com fonte de explicações dos fenômenos linguísticos. Há

muito material sobre o uso das HQs em salas de aula para provocar o interesse

do aluno na leitura de uma forma geral.

Portanto, foi necessário fazer um apanhado de textos sobre os assuntos

essenciais para a formulação deste trabalho.

A partir desse ponto, o corpus do trabalho foi escolhido e o tema,

propriamente dito, começou a ser explorado. Para tal, utilizei algumas tiras tiradas

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das histórias em quadrinhos que possuem o viés cômico: Níquel Náusea e Ed

Mort.

Como o trabalho foi direcionado para o campo humorístico, não faltaram

exemplos de polissemia nas páginas dos gibis escolhidos. Foi possível verificar

as estratégias usadas pelos autores para, através das ambiguidades geradas

pelas várias polissemias, conseguir o efeito cômico para as rápidas histórias.

Outra ferramenta largamente usada pelos produtores das tiras foi a ruptura

do fluxo semântico. Nessas situações, nas quais o conhecimento de mundo nos

levava a um sentido linear, as surpresas reveladas em um dos quadros

componentes das histórias mostram interpretações, se não contrárias, são bem

diferentes das originalmente imaginadas. E é, justamente, nesse intervalo entre o

já conhecido, já estabelecido e o novo que irrompe o riso, que se mostra a graça.

Mas ao contrário da espontaneidade comumente atrelada a situações

cômicas, é possível observar que o humor nas histórias em quadrinhos é

construído, planejado cuidadosamente para alcançar o seu objetivo. E nesse

contexto de intencionalidade, o desenho tem papel fundamental no

convencimento do leitor. Tanto a linguagem textual como a linguagem imagética

se completam, reforçando tudo aquilo que foi pensado e expresso pelo autor.

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2. MUDANÇA DE SIGNIFICADO DAS PALAVRAS

O estudo da dinâmica de renovação lexical é

relevante porque á através dela que observamos

mais claramente as transformações que ocorrem

dentro do sistema de valores grupalmente

compartilhados e suas respectivas mudanças,

ligadas às necessidades sociais do grupo. Assim, os

significados de uma língua estão sempre em

transformação, não são estáticos, sendo

construídos das relações que dizem respeito ao

contexto do seu uso por cada indivíduo.

(Ortiz Alvarez, 2005)

É do conhecimento geral que a língua é dinâmica. Isto pode ser visto e

ouvido no dia a dia das pessoas. Este dinamismo está relacionado aos vários e

possíveis sentidos que as palavras podem adquirir em decorrência dos diferentes

contextos e situações de aplicação. Também se insere neste processo as

palavras que caem em desuso e desaparecem e outras que voltam a fazer parte

do vocabulário com uma nova acepção.

A cada novo dia surgem novos significados para palavras que inicialmente

são usadas com sua significação própria. Esses novos significados vão sendo

expandidos e acolhidos por um número cada vez maior de pessoas. Assim, o

vocábulo, que antes tinha sua significação restringida a uma determinada

situação, abarca outro significado que se diferenciará do anterior pelo contexto de

seu uso.

Pode-se concluir que as palavras têm os seus significados modificados em

virtude dos enunciados nos quais ocorrem e que

O sentido das unidades não é um dado, mas constrói-se no e peloenunciado, ao mesmo tempo em que estas determinam o sentido dosenunciados. Ou seja, o sentido das unidades não existe por si mesmo;define-se através dos variáveis modos de relação com o contexto em quese inscreve. 2

2 VALENTIM, Helena Topa. Polissemia das formas ou construção de sentido no e peloenunciado? Disponível em: www.clunl.edu.pt/resources/docs/Grupos/Gramática/equipa/helenavalentim/pol,%20 resumo%20hv.pdf.

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Como coloca Alvarez (2005)3,

Cada frase produzida num discurso é criatividade no sentido de que ela éúnica e exclusiva dentro esse contexto intra e extralinguístico. Assim, asfrases e as palavras são atualizadas e manifestadas no enunciado de umdiscurso concretamente realizado de que resulta um significado exclusivodaquela situação de discurso e de enunciação.

Em sua definição de polissemia, Câmara Jr. (1981, 139-140)4 explica essa

capacidade de reconhecimento, de distinção semântica: “é a propriedade da

significação linguística de abarcar toda uma gama de significações, que se

definem e precisam dentro de um contexto.”

Para Breal5

a comunicação tem lugar justamente no momento da interação entre osparticipantes do discurso. Os interlocutores constroem o significadoatravés tanto do seu conhecimento linguístico e de mundo, quanto docontexto em que se encontram.

Edmilson José de Sá6 afirma que

As relações sociais, que reúnem e integram pessoas e grupos, nascemna vivência do cotidiano coletivo. A partir do dia a dia, configuram-se asinterfaces que aproximam as práticas comunicativas e formação socialda realidade e que se instalam na subjetividade individual para aflorarna unificação do senso comum.

Gládis Knak Rehfeldt7 coloca:

A vida das palavras depende de fatores externos à língua. A pressãocultural exerce influência poderosa: pode aceitar, manter, alterar ourepelir certas expressões ou significados de palavras. (...) Muitas palavrasmudam de significado só pela razão de os falantes desconhecerem osentido primitivo ou de confundi-lo com outro; ou ainda por quererem dar

3 ALVAREZ, Ortis. A dinâmica e a potencialidade da denominação fraseológica nodiscurso político e humorístico. Trabalho apresentado na 57 Reunião Anual da SBPC em2005. Disponível em www.let.unb.br/mlortiz/documetnos/aartigos_pdf/Trabalho_para_SBPC-2005.pdf.4Câmara Júnior. Apud. GONZALES, Lucilene dos Santos. Recursos poéticos na linguagempublicitária: Polissemia e homonímia. Disponível emhttp://revcom.portcom.intercom.org.br/index.php /comunicacao verredas/article/viewfile/5117/4761, Acesso em 08 jan. 2010.5 Citado em www2.dbd.puc-rio/pergamun/tesesabertas/0410513_06_cap_03.pdf6 SÁ, Edmilson José de. Língua e Sociedade. Revista Língua Portuguesa, número 16,Editora Escala Educacional, São Paulo/SP, 2009, p. 557 REHFELDT, Gládis Knak. Polissemia e Campo Semântico – estudo aplicado aos verbos demovimento. URGS/FAPA/FAPCCA, 1980, p.78

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novo sentido à palavra, adaptando-a ao momento da comunicação.Assim, criatividade e pobreza lexicais estão diretamente vinculadas àpressão cultural.

As palavras têm sua forma e significado modificados com o passar do

tempo, mas não há como predizer quando, como ou onde essas modificações

irão ocorrer.

Segundo Breal (1991,154)8, as variações de sentido decorrem da

influência que uma palavra exerce sobre a outra dentro da própria língua. Uma

palavra vê o seu significado restrito porque uma outra expande o seu significado.

São vários os fatores responsáveis por mudanças nos significados das

palavras, dentre eles pode-se citar a polissemia, a metáfora, a metonímia, a

especialização de significados, a ampliação de significados, a restrição de

significados, equívocos de interpretação etc.

2.1 Metáfora

De acordo com Domingos Pascoal Cegalla9, metáfora é “o desvio da

significação própria de uma palavra, nascido de uma comparação mental ou

característica comum entre dois seres ou fatos.” Como exemplo cita: “O pavão é

um arco-íris de plumas.” Explica que entre os termos pavão e arco-íris existe uma

relação de semelhança, uma característica comum: um semicírculo ou arco

multicor.

A esta característica comum, Ullmann10 dá o nome de similaridade e a

explica como uma relação necessária “mais ou menos rígida, em que um

significado se assemelhe de uma forma razoavelmente nítida ao outro.”.

Correia (2000)11 define a metáfora como “mecanismo semântico que

consiste na designação de uma entidade A pelo nome de uma entidade B, sendo

8 Op. cit.9 CEGALLA, Domingos Pascoal. Novíssima Gramática da língua Portuguesa. CompanhiaEditora Nacional, São Paulo/SP, 2008. Pg. 614 a 615.10 Apud. GARCIA Afrânio. Semântica Histórica. Disponível emwww.filologia.org.br/soletras/ 2/11.htm. Acesso em 15 jan. 2010.

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que A B, mas ambas as entidades mantêm entre si relações de semelhança (de

forma, cor, função, etc.)”.

E resumindo, acrescenta

A criação de denominações com recurso a metáforas é um mecanismoaltamente disponível em qualquer língua e revela-se bastante eficaz, namedida em que permite, nomeadamente, falar de entidades sobre asquais temos um conhecimento mais vago (por serem abstratas, distantesou não apreensíveis pelos sentidos sem recurso a aparelhagemadequada) em termos de entidades das quais temos um melhorrelacionamento.

Por isso, é que há outras significações para o termo cabeça (que é bem

frequente e usual): cabeça do prego, o cabeça da família e variações: cabeçudo

(para teimoso ou para uma pessoa muito inteligente).

Ali Said12 afirma ser a metáfora o fator mais comum da polissemia e que a

“linguagem recorre de boa vontade a este processo” diante da dificuldade de

buscar novas nomenclaturas aos objetos.

Para Alvarez13 a “metáfora está no âmbito da própria atividade linguística,

é inerente às ações linguísticas do homem e é, ela mesma constitutiva dos

sentidos que construímos no nosso dia a dia, abrindo cominhos ao simbolismo.”.

Para Lúcio Buzon da Silva14 a metáfora acontecequando a significação natural de uma palavra é substituída por outra, emvirtude de relação de semelhança subentendida, ou ainda, dizer que é oemprego de palavra fora do seu contexto, por efeito de analogia oucomparação.

O autor apresenta dois exemplos e os identifica como metáfora impura e

pura:

• A Amazônia é o pulmão do mundo. Aqui, por estarem presentes dois

termos comparativos – Amazônia e pulmão -, ocorre a metáfora impura;

11 CORREIA, Margarida. Homonímia e polissemia – contributos para a delimitação dosconceitos. Disponível em www.itec.pt/pdf/wpapers/2000-micorreia-homonímia_polissemia.pdf.12 ALI, Said. Meios de Expressão e Alterações Semânticas. Coleção Estante da LínguaPortuguesa. Fundação Getúlio Vargas, 1970, Rio de janeiro/RJ, pg.5713 Op. Cit.14 SILVA. Lúcio Buzon. Ambiguidades da língua portuguesa: recorte classificatório paraeleboração de um modelo ontológico. Disponível em HTTP://repositorio.bce.unb.br/bitstream/10482/2188/Lucio%20Buzon %20da %20Silva.pdf.

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• Na sua mente povoa só maldade. Neste exemplo, sem termos

comparativos, há a metáfora pura.

Dentro de um entendimento de que a metáfora é um processo de

conhecimento compartilhado, Joana Alexandra Fernandes15 define a metáfora

comoaquela que, do ponto de vista da interação linguística, coloca os falantesnuma posição simétrica de entendimento mútuo. (...) a metáforapossibilita a compreensão de um conceito, através de um molde (ou umcenário de expectativas) disponibilizado por uma experiência anterior.

Conforme Tatiana Caldas16 “A suspensão da referência literal, dessa

forma, permite que se atinja um outro grau de referência, transcendendo noções

e imagens, e habilmente trabalhando a interação de dois termos aparentemente

desconexos.”.

Assim, metáfora é um recurso linguístico baseado em uma relação que o

falante/autor vê entre o significado habitual ou literal da palavra e o significado

novo a ela atribuído em um determinado contexto comunicativo. Relação essa

que permite atribuir a uma palavra o significado de outra. Ou seja, é um processo

de apreensão de conhecimento a partir de um conceito para explicar outro.

2.2 Metonímia

Cegalla17 explica que metonímia consiste no uso de “uma palavra por

outra, com a qual se acha relacionada.” Explica que a troca se dá pela evocação

de uma à outra. Ullmann diz que basta “que os dois significados tenham algum

ponto em comum.”

Tem-se a metonímia, por exemplo, quando se utiliza:

• o efeito pala causa: Os aviões semeavam a morte;

15 FERNANDES, Joana Alexandra. Polissemia e metáfora no paradigma verbal doportuguês – o verbo colher. Disponível em HTTP://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/2996.pdf.16 CALDAS, Tatiana Alves Soares. A meta do poeta: considerações sobre metáfora.Disponível em www.filologia.org.br/xicnlf/14/a_met_do_poeta.pdf.17 CEGALLA, Domingos Pascoal. Op. Cit. p. 615

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14

• o autor pela obra: Nas horas de folga lia Camões;

• o continente pelo conteúdo: Tomou uma taça de vinho; e• a matéria pelo objeto: Estava sem um níquel no bolso.

2.3 Especialização do significado

Breal (1991,154) diz que

É comum que uma palavra seja empregada com um sentido específicopor um determinado grupo social. O sentido especializado da unidadepassa, então, a se diferenciar do seu significado geral na língua vulgar.

Com exemplo tem-se o termo “operação” que dependendo do contexto

pode ter significados diversos, como procedimento cirúrgico, matemático, policial

e também financeiro.

2.4 Ampliação de significado

São palavras que passam de um significado mais restrito para uma

abrangência maior. Como exemplo,18 pode-se citar o termo “armário” que, na

Idade Média era um lugar específico para se guardar armas, e que hoje significa

qualquer móvel usado para guardar coisas.

2.5 Restrição de significado

Ao contrário do processo anterior, restringe-se um termo com maior

abrangência significativo a um significado específico. Exemplo: A palavra

“cachorro” que significava qualquer tipo de filhote foi restringida até significar,

atualmente, filhote de cão e o próprio cão.

18 Op. Cit.

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15

2.6 Erro de interpretação

Deriva de erro na absorção do significado original da palavra. Exemplo19:

“missa” que não estava relacionada à cerimônia religiosa, constituindo o particípio

passado do verbo mittere (terminar). “Como a missa era sempre celebrada em

latim e sempre terminava com a fala “Ite missa est” (Esta (cerimônia) está

terminada), o povo entendeu erroneamente que a palavra missa era o nome da

cerimônia”, significado que se mantém até hoje.

2.7 Outros fatores

Os avanços tecnológicos e científicos são, também, responsáveis pela

introdução de novas designações. Por muitas vezes, essas novas designações

estão atreladas ao próprio objeto criado/projetado no cotidiano das pessoas. Por

exemplo, a palavra “telefonia”, que antes era usada de forma generalizada,

passou, em virtude da chegada da tecnologia móvel, a ser especificada como

“telefonia fixa” para diferenciar da “telefonia móvel”.

Não só as ciências exatas, mas também, a arte proporciona novos

significados. No jargão do teatro, é comum dizer-se “quebre a perna” ou “merda”

para desejar boa sorte antes da entrada em cena. Tem-se, aqui, uma oposição

semântica, no qual as expressões originais têm denotação negativa e passam a

ser especificamente positivas.

Algumas expressões têm parte de sua estrutura retirada – sem que se

perca o seu sentido geral, o que se chama de simplificação de grupos. Como

exemplo tem-se a expressão “telefone celular” sendo representada apenas pelo

termo “celular”; “fritas” passou a significar “batatas fritas”.

19 Op. Cit.

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16

Segundo Ullmann (1964)20 “Sejam quais forem as causas que produzem a

mudança, deve haver sempre alguma ligação, alguma associação, entre o

significado antigo e o novo.”

20 Citado em HTTP://acd.ufrj.br/~pead/tema11.html

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17

3. POLISSEMIA

O fato de uma palavra poder designar uma coisasem deixar de designar outra é precisamente o quefaz da linguagem um instrumento de conhecimento.

Teresa P. dos Santos

A polissemia, de um modo geral, nasce em virtude dos contextos nos

quais as palavras são utilizadas. Esses contextos possibilitam o uso de termos

que facilitam o processo comunicativo. São situações específicas que absorvem,

de forma específica, o vocábulo, fazendo florescer, assim, um significado diverso,

agora específico, da significação original. Evitando-se pelo contexto a

indeterminação semântica.

Apontada por muitos autores como a relação estabelecida entre um

significante (sentido denotativo) e diversos significados (sentidos conotativos), a

polissemia é um importante fator produtivo de expansão lexical e comum a todas

as línguas. Essa possibilidade de uso diverso se dá por alargamento do horizonte

semântico.

Cegalla21 afirma que a polissemia ocorre quando uma palavra pode ter

mais de uma significação e dá como exemplos as palavras “mangueira”, “pena” e

“velar”.

Said Ali22 diz que há a polissemia “quando um termo se usa em várias

acepções.”.

Segundo Ullmann (1977,257)23” as palavras nunca são completamente

homogêneas: mesmo as mais simples e as mais monolíticas têm um certo

número de facetas diferentes que dependem do contexto e da situação em que

são usadas, e também da personalidade da pessoas que ao falar as usa.”

21 CEGALLA Domingos Pascoal. Op. Cit. pg. 614 a 615.22 ALI, Said. Meios de Expressão e Alterações Semânticas. Coleção Estante da LínguaPortuguesa. Fundação Getúlio Vargas, 1970, Rio de janeiro/RJ, pg.5723 Apud. BRITTO, Lília Alves. Breve Análise Tipológica dos usos da Polissemia: O textopublicitário na sala de aula. Disponível em www.filologia.org.br/ixfelin/trabalhos/resumos/breve_analise_tipologics_dos_usos _da_polissemia.htm.

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18

Rehfeldt (1980)24, que define polissemia como a “adição de novos

significados ao primitivo”, aponta como origem da polissemia a “arbitrariedade

linguística” e explica que “A denominação de objetos prende-se à convenção

linguística para possibilitar a comunicação entre as pessoas. (...) Isso faz com

que determinado nome represente um ou mais elementos da realidade.”

Rosa Lídia Coimbra25 assume que

A polissemia tem sido definida como resultante da correspondência devárias acepções, de acordo com os diversos contextos, a uma mesmaforma linguística sem que se perca, como acontece com a homonímia, anoção de que estamos perante o mesmo lexema.

Perini, em sua Gramática Descritiva do Português26:

A polissemia é uma propriedade fundamental das línguas humanas,que sem ela não poderiam funcionar eficientemente. Seria impraticáveldar um nome separado a cada “coisa”, incluindo aquelas que nuncavimos. (...) Ao encontrar um objeto novo, tentamos imediatamente“reconhecê-lo”, encaixando-o em alguma categoria já existente namemória (e na língua). (...) A polissemia confere às línguas humanas aflexibilidade de que elas precisam para exprimirem todos osinumeráveis aspectos da realidade.

Também, quanto à necessidade do uso de múltiplos significados dos

termos para uma melhor eficiência e facilidade no processo comunicativo,

Ullmann (1964)27 “vê na multiplicidade de significados dos itens lexicais um fator

incalculável de economia e flexibilidade de que a língua dispõe e condição

essencial de sua eficiência”.

Gládis28 afirma a relevância da economia linguística no caso: “Como nos

demais planos linguísticos, onde fonemas, morfemas, sintagmas são

reaproveitados, também os lexemas podem representar mais de um semema.”

Da mesma forma, MARI (2001)29 afirma que a

24 REHFELDT, Gládis Knak. Op. Cit., p.7825 COIMBRA, Rosa Lídia, “Jogos polissêmicos no discurso publicitário”, in: FERREIRA, A. AM.(coord.), Presença de Régio (Actas do 8º Encontro de Estudos Portugueses), Aveiro:ALAEP, Universidade de Aveiro (ISBN: 972-789-079-2), 2002, PP.145-15126 Disponível em HTTP://acd.ufrj.br/~pad/tema11/oquepolissemia.html.27 Apud. ANDRADE, Fernando Gil Coutinho de. Polissemia e produtividade nasconstruções lexicais. Disponível em www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0410513_06_cap_03.pdf28 REHFELDT, Gládis Knak. Op. Cit. p.7929 MARI, Hugo 2001

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Polissemia consagra o princípio da economia, à medida que possibilitaa reutilização contínua do significante. Através dela, podemos dispor deum número menor de significantes e, com eles, realizar muitossignificados.

Basílio (2005ª)30 afirma que

A polissemia contribui para a constituição e expansão do léxico namedida em que se utilizam padrões que atribuem novas funções aelementos previamente existentes, evitando dessa forma sobrecarregar amemória do falante e garantindo a comunicação automática.

Margarida Correia,31 ao comentar sobre a economia linguística, aponta um porém

e afirma que(...) a polissemia apenas é econômica, porque o domínio das váriasacepções de uma mesma unidade não requer da parte do falantequalquer esforço suplementar de memorização: efectivamente, o falanteé capaz de apreender genericamente o significado de uma unidadelexical ao ser utilizada em contextos inesperados para denominarentidades inesperadas, ao mesmo tempo que é capaz de denominarentidades cujo nome não conhece usando palavras que designamentidades diferentes, sem que isso provoque dificuldade de comunicação.

E coloca que se para a apreensão das várias significações das palavras

dependesse de um processo mnemônico, a economia atribuída à polissemia

seria ineficaz.

Assim, quando um único vocábulo – com apenas uma entrada nos

dicionários - possui uma multiplicidade de sentidos ou uma rede de possíveis

significações entendida como uma extensão do sentido básico/habitual, tem-se o

fenômeno da polissemia, pois palavras e expressões mudam de significado de

acordo com a situação dos que as empregam.

Note-se que a maioria das palavras encontradas nos dicionários é

polissêmica, cabendo ao contexto em que cada palavra se encontra esclarecer

exatamente qual o seu significado, evitando a ambiguidade na interpretação.

Longe de ser apenas um vício a ser evitado, a polissemia é utilizada como

um recurso intencional para produzir um determinado efeito no receptor da

mensagem. Esse efeito, no caso de histórias em quadrinhos com viés cômico,

30 Apud. ANDRADE, Fernando Gil Coutinho de. Op. Cit.31 CORREIA, Margarida. Op.cit. p.

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como é o corpus desse trabalho, geralmente é empregado para desencadear o

riso no leitor.

3.1 Polissemia e Homonímia

Sempre que se fala de polissemia, vem à tona a relação polissemia-

homonímia. Essa relação se deve ao fato da dificuldade que os estudiosos

enfrentam para, por meio de um método completamente eficaz, fazer a distinção

entre estes dois fenômenos lingüísticos.

Assim como na polissemia, são várias as definições encontradas para a

homonímia.

A homonímia resulta da coincidência formal, em determinada língua, entre

itens lexicais diferentes, com sentidos não óbvia e necessariamente

relacionados. 32

Roberto Melo Mesquita33 define homonímia como “a relação entre palavras

de significação diferentes, mas que possuem a mesma forma (pronúncia e

escrita).”.

Para Dubois (1978, 326)34 “Homonímia é a identidade fônica (homofonia)

ou a identidade gráfica (homografia) de dois ou mais morfemas que não têm o

mesmo sentido de um modo geral.”

Em seu artigo “Polissemia e Homonímia: uma análise comparativa à luz da

linguística moderna”, Tadeu Luciano Siqueira Andrade35 analisou diversas

gramáticas e apontou que “em todas as gramáticas analisadas, percebe-se a

problemática na definição da polissemia e da homonímia. Todas elas apontam

quase o mesmo conceito, mudando apenas alguns exemplos.”.

32 MARI, Hugo. Relações Lexicais – Parte 1: homonímia e polissemia. Disponível emwww.ich.pucminas.br/posletras/relações%20lexicais polissemia%20e20%homonímia.pdf33 MESQUITA, Roberto Melo. Gramática da Língua Portuguesa. Editora Saraiva, 2007, SãoPaulo/SP, p.122.34 DUBOIS apud. ANDRADE, Tadeu Luciano Siqueira. Polissemia e homonímia: uma análisecomparativa à luz da Linguística. Disponível em www.filologia.org.br/anais/anais%20iv/civ03_53-68html.35 Ibidem.

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21

Bechara36 apresenta alguns critérios para distinguir polissemia de

homonímia:

• critério histórico-etimológico

• a consciência linguística do falante;

• critério das relações associativas;

• critério dos campos léxicos.

Para Margarida Costa37 a homonímia depende de uma visão sincrônica:

duas palavras são (ou não) homônimas em sincronia, num determinado estado

de língua.

Como dito, diversos autores apontam a possibilidade de confusão na

determinação de uma e de outra. Estes, em sua maioria, após proporem métodos

para a diferenciação, também alertam para impossibilidade de serem totalmente

satisfatórios ou confiáveis.

A dificuldade na formação de um critério perfeitamente confiável para a

distinção da polissemia e da homonímia tem levado alguns autores a proporem a

inclusão dos casos de polissemia no conceito de homonímia, outros defendem

que as “palavras homônimas são polissêmicas, já que uma forma igual engloba

duas ou mais palavras e, portanto, com sentidos diversos.” (Pauliukonis)38

Em seu livro de Semântica, Ullmann39 mostra três possíveis fontes de

homonímia: convergência fonética, divergência semântica e influência

estrangeira.

Rehfeldt (1980, 83), sobre a dificuldade de especificar as diferenças entre

a polissemia e a homonímia:

(...) devemos concluir, (...) pela escassa possibilidade e poucafundamentação existente para especificar suas diferenças comsegurança. Em vista disso, preferimos optar pela perspectivasincrônica, onde o uso em frases e as circunstâncias em que a palavraé utilizada determinam o seu significado, (...) É importante mencionaras circunstâncias em que a palavra é empregada, isto é, o contexto

36 BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa, 2004, p. 403.37 COSTA, Margarida. Homonímia e polissemia – contributos para a delimitação dosconceitos. Disponível em www.itec.pt/pdf/wpapers/2000-micorreia-homonimia_polissemia .pdf.38 PAULIUKONIS, Maria Aparecida Lino. Curso de Língua Portuguesa: da teoria à prática –Semântica e Léxico do Português. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Fundação Trompowsky, 2009,p.2539 Apud. ANDRADE, Tadeu Luciano Siqueira. Op. Cit.

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extralinguístico, pois nem sempre o contexto linguístico, a frase, ésuficiente, por si só, para esclarecer o significado em jogo, com, porexemplo, no caso de ambiguidades.

Sem se ater aos métodos mais complexos de distinção, podemos usar as

seguintes definições para, de uma forma geral, compreender a distinção entre os

fenômenos:

Polissemia – quando um mesmo termo pode ser usado, além de seu

sentido denotativo, em outro ou outros sentidos conotativos.

Homonímia – quando se tem a coincidência formal - na escrita e na

pronúncia - ou quase coincidentes – homógrafas ou homófonas - entre vocábulos

diferentes, com origens diversas. São usadas em seus sentidos denotativos.

3.2 Ambiguidade

Tanto a polissemia quanto a homonímia são excelentes fontes de

ambiguidade. Isso se dá por serem fenômenos linguísticos que suscitam dúvidas

quanto ao esclarecimento do significado da palavra.

É o fenômeno linguístico que surge em um ato de comunicação

provocando uma dúvida de interpretação na mensagem. Sempre considerada um

grave defeito a ser evitado, a ambiguidade tem grande valor no campo do humor,

no qual a ambiguidade não é encarada como um desvio da norma e sim, como

um recurso importantíssimo para sustentar situações cômicas. A ambiguidade só

deve ser evitada quando involuntária.

Ferreira (2000)40afirma

que os dois atores desse cenário devem cumprir com eficácia seuspapéis, que o emissor esteja em condições de comunicar, que consigaafastar os problemas de percurso que impedem a mensagem de chegarcom sucesso ao receptor, causando as mais diversas deficiências. Doreceptor, que assuma uma postura cooperativa para com o emissor, comatitude ativa no processo de interpretação da mensagem.

40 Apud. SILVA. Lúcio Buzon. Op. Cit.

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Rehfeldt41, citando Apresjan, apresenta e exemplifica dois tipos de

ambiguidade: a sintática e a lexical.

Como exemplo de ambiguidade sintática: “Peguei o ônibus correndo.“

Aqui, tem-se a possibilidade de dois entendimentos:

1. Eu peguei o ônibus enquanto ele estava correndo.

2. Eu estava correndo quando peguei o ônibus.

Para a ambiguidade lexical, mostra o exemplo a seguir: “A mãe tira o café

de seu filho”. Possibilidades:

1. A mão leva embora o café de seu filho

2. A mãe suprime o café de seu filho.

A autora, então, apresenta um terceiro tipo de ambiguidade, que seria a

junção das duas anteriores, ou seja, a ambiguidade sintática e lexical. Apresenta

o seguinte exemplo: “Canto na sala.” Possibilidades:

1. Eu canto na sala.

2. Está havendo apresentação de canções em uma sala.

3. O encontro de duas paredes, formando ângulo na sala.

Joelma Bitencourt ao citar Nelly de Carvalho (1998) apresenta os

conceitos de ambiguidade intencional e não intencional. A intencional, como o

nome mesmo indica “tem esquemas propositais, ou seja, sua construção nunca é

acidental e, na maioria dos casos, é resultado de prévio planejamento”. Já a

ambiguidade não intencional “apresenta mais de um modo possível de

interpretação que, nesse sentido, torna a mensagem vaga, imprecisa, pois

acarreta, ao interlocutor, dificuldades de interpretação”. Neste último conceito,

são problemas estruturais que propiciam a ambiguidade. “A mensagem é

transmitida por fala ou escrita desatenta”. 42

Apesar de a homonímia e a polissemia serem das fontes de ambiguidade

lexical duas das mais produtivas, convém notar que ambas nem sempre se

traduzem em textos ambíguos, visto que por meio dos contextos é possível

discernir o significado pretendido.

41 REHFELDT, Gládis Knak. Op. Cit. p. 8442 Apud. BITENCOURT, Joana. O uso da ambiguidade intencional da linguagem dapropaganda. Disponível em www.faetc.tj.gov.br/isezonaoeste/publicacoes/democratizar/ed4/art_joelma.pdf.

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A ambiguidade produzida pela polissemia de uma palavra pode ser

desfeita pelo maior conhecimento do contexto ou pela substituição da palavra por

outra de significado semelhante.

Geralmente considerado um defeito, o fenômeno da ambiguidade, em um

texto humorístico é comumente usado para provocar o duplo sentido.

Importa lembrar que só há ambiguidade para o outro, visto que, quando

um texto é produzido seu autor sabe exatamente o que quer transmitir.

No contexto das histórias em quadrinhos de humor, a ambiguidade

intencional é utilizada em larga escala, visto que a própria produção do humor é

uma estratégia para atingir o receptor/leitor e como tal é pensada e executada

seguindo procedimentos pré-estabelecidos.

A tira abaixo mostra bem um exemplo de ambiguidade usada em histórias

em quadrinhos com o objetivo de divertir o leitor.

Figura 1

Nesta tira, é possível perceber a ambigüidade causada pelo pronome

pessoal “ele”. Na apresentação do contexto dos quadrinhos, o autor nos induz a

pensarmos que “ele” é o Capitão Anocas, e se vale do conhecimento de mundo,

extralingüístico que espera seja compartilhado pelo leitor.

O autor remete-nos ao famoso livro “Moby Dick”, romance do autor

americano Herman Melville. Assim, qualquer semelhança não é mera

coincidência – intencionalidade da ambiguidade.

O humor causado pela ambiguidade do pronome revela-se no terceiro

quadro quando há a inversão do fluxo do texto induzido pelo autor: o

conheciemtno de mundo nos leva a pensar que quem deseja vingança é o

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capitão, mas a tira nos leva à “fala“ do tubarão, que, este sim, deseja vingança

por um motivo que é também sempre objeto de piadas e textos cômicos em geral:

a diarreia.

Com relação à ambiguidade nos pronomes pessoais de terceira pessoa,

Rosane Santos Mauro Monnerat, em seu texto “A ambiguidade e o emprego de

pronomes”43 coloca que “Podem ser considerados ambíguos contextos em que

mais de um referente se apresente como candidato potencial a sujeito do verbo

em questão, sendo necessária, nesses casos, a explicitação do sujeito para a

interpretação apropriada.”. è exatamente isso que ocorre na tira, o pronome “ele”

apresenta dois candidatos a sujeito para a expressão “ele quer vingança”.

Mais um exemplo de ambiguidade pode ser visto na seguinte tira de Ed

Mort.

Figura 2

O segundo quadro apresenta um caso de ambiguidade, que analisado

separadamente, nos deixaria com a seguinte pergunta: “Que tipo de esforço a

personagem se refere?”. Somente com o desfecho da tira, com a apresentação

de todo o contexto, é possível desfazer a inderteminação semântica. Talvez o

texto do primeiro quadro pudesse servir de pista para o esclarecimento já que usa

a palavra “lembrando” que se relaciona com “memória” do último quadro.

É interessante notar que a ambiguidade não é desfeita pela imagem e

sim, pelo texto da personagem. A imagem mostra um sentido e o texto o outro. O

43 MONNERAT, Rosane Santos Mauro. A ambiguidade e o emprego de pronomes.Disponível em WWW.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno12-01.html

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que mostra que em muitos casos o que é óbvio para um não é para outro.

Lembrando que a dúvida ocorre para o outro.

Para esclarecimento, a história mostra a garçonete como uma mulher que

perdeu a memória e que sabe de detalhes que interessam ao Ed Mort para

elucidar um caso misterioso. Percebe-se, aqui, que, quando corresponde a uma

intenção clara e determinada, a ambiguidade é um recurso importantíssimo para

se alcançar de terminado objetivo. Neste caso, o humor.

Carlos Alberto Gonçalves Lopes44 afirma que

Apesar de reconhecermos que a ambiguidade se cosntitui num estorvopara quem deseja ser claro, inequívoco, naquilo que fala ou escreve, ébom que se diga que a reflexão sobre o assunto nos levou à convicçãode que nem sempre podemos considerá-la um vício de linguagem ou algoque sempre deva ser evitado a todo o custo em qualquer circunstância,como muitos gramáticos tentaram en quadrá-la. (...).

Observe que a ambiguidade deve ser evitada só “para quem deseja ser

claro e inequívoco”, o que não é o caso dos autores de textos humorísticos, que

usam e abusam do duplo sentido das palavras.

Vejamos:

1 - Doutor, já quebrei o braço em vários lugares.

- Se eu fosse o senhor, não voltava mais para esses lugares.

2 - Não deixe sua cadela entrar na minha casa de novo. Ela está cheia de

pulgas.

- Diana, não entre nessa casa de novo. Ela está cheia de pulgas.

Rosane Monnerat45conclui seu texto destacando que

A questão da ambiguidade no emprego das formas linguísticas deve ser

considerada a partir de uma problemática que tome o texto como ponto

de partida, com seus mecanismos de coesão e de coerência, já que a

falta de clareza pode implicar o não-texto.

O maior inimigo da ambiguidade é o contexto.

44 LOPES, Carlos Alberto Guimarães. As armadilhas da língua portuguesa. Disponível emwww.filologia.org.br/xiicnlf/livro_dos_manucristos_extras/as_armadilhas_da_lingua.pdf.45 MONNERAT, Rosane Santos Mauro. Op. Cit.

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27

3.3 Contexto

De acordo com Suzana Paulino P. D. de Carvalho46, contexto “é o conjunto

de fatores que dão forma a uma situação de comunicação” e que este se define

por meio de três variáveis:

1. Campo – atividade social envolvida;

2. Relação – natureza da conexão entre os participantes;

3. Modo – meio de transmissão da mensagem.

Ainda divide as variáveis em três metafunções:

1. Ideacional – expressa o conteúdo do texto;

2. Interpessoal – expressa as interações sociais;

3. Textual – expressa a estrutura e o formato do texto.

Koch e Travaglia (2006, 81)47 colocam que os “fatores de contextualização

são aqueles que “ancoram” o texto em uma situação comunicativa determinada.”.

Os autores apresentam, dentre estes fatores, os gráficos, tais como: disposição

na página, ilustrações, fotos, localização no jornal. Como fatores perspectivos ou

prospectivos, têm-se o título, autor, início do texto.

Paulo de Tarso Galembeck escrevendo sobre texto, contexto e

contextualização48, afirma que

Todo e qualquer processo de produção de textos caracteriza-se como umprocesso ativo e contínuo de sentido, e liga-se a toda uma rede deunidades e elementos suplementares, ativados necessariamente emrelação a um dado contexto sociocultural. Dessa forma, pode-se afirmarque a construção do sentido só ocorre num dado contexto. (...) O textointerage com o contexto, e só pode ser compreendido dentro dele e emrelação a ele: texto e contexto devem ser considerados de formacoextensiva.

46 CARVALHO, Suzana Paulino, P. D. da. O diálogo entre intertextos: a monofonização devozes. Disponível em WWW.filologia.org.br/revista/43/10.pdf.

47 KOCH, Ingedore Villaça e TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência Textual.São Paulo:Contexto, 2006.48 GALEMBECK, Paulo de Tarso. Texto, contexto e contextualização. Disponível emWWW.filologia.org.br/xiicnlf/textos_completos/Texto,%20contexto%20e%contextualizacao%20-%20Paulo. pdf.

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28

Para se compreender uma mensagem, deve haver um direcionamento

para essa mensagem e um contexto que desperte todo um conhecimento de

mundo, que deve ser compartilhado, que possibilite decifrar o código na exata

situação em que se dá a comunicação.

Para Galembeck49 “Os processos de contextualização são múltiplos e

variados, e entre eles mencionam-se até alguns externos ao texto: nome do

autor, publicação, seção (se periódico), natureza do texto.”. Essas informações

ajudam o leitor/ouvinte a perceber o tipo de mensagem e o que esperar da

mensagem.

Textos humorísticos são dependentes do contexto situacional e,

sobretudo, do contexto cultural, sem o que correm o risco de não produzirem no

leitor o efeito desejado.

Para servir de exemplo sobre a importância do contexto para a

concretização do humor, observe-se a tira de Ed Mort abaixo:

Figura 3

Nota-se a importância do contexto para que o humor tenha seu efeito

ativado. Na situação dessa tira, Ed Mort está trabalhando como guarda-costas

para o filho milionário de um pai milionário. Somente assim, a graça da expressão

“por baixo” faz sentido quando a personagem Toninho Scala revela que o cargo

que deve assumir na empresa do pai é o de vice-presidente. O contexto

existencial de Ed Mort leva-o a pensar que “por baixo” é por baixo mesmo,

começar como operário.

O contexto da história em quadrinhos, da qual esta tira faz parte, e o

contexto da personagem principal auxiliam o leitor a perceber a graça do texto. A

49 Ibidem.

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29

expressão ativadora pode até ser considerada uma ambiguidade se for levado

em conta apenas a construção das personagens da tira: Toninho Scala, com seu

estilo extravagante de vida, entende que ser vice-presidente é começar por baixo,

já Ed Mort percebeu a mensagem como a maioria dos mortais perceberia:

começar por baixo significa começar nos primeiros degraus. Pode-se considerar

que houve uma ambiguidade causada pela condição social – diametralmente

oposta, diga-se de passagem - de ambas as personagens.

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30

4. O TEXTO HUMORÍSTICO

(...) o discurso humorístico assenta numa regrabasilar: todo ele é segundo sentido, conotação. Éum discurso dúplice logo à partida. Daí que muitostextos humorísticos percam sentido, passado o seutempo ou a sua época, já que a chave lhes é dadapelo contexto.

Rui Zink

Na produção de um texto, a escolha das palavras é muito importante para que o

processo comunicativo se efetue. Os resultados esperados e conseguidos

dependem das palavras escolhidas e empregados pelo autor.

No texto humorístico isso não é diferente. Determinadas palavras

desempenham um papel fundamental. Claudia Moura da Rocha50 explica que

Esse tipo de texto é de conhecimento de grande parte da população,sendo, portanto, fundamental que as palavras empregadas em piadas,anedotas, esquetes humorísticos, charges histórias em quadrinhos atémesmo em textos publicitários que enveredem pelo caminho do humor,sejam de conhecimento geral. (grifo nosso)

Falando dessa cooperação, desse conhecimento geral e mútuo, Marta

Rosas51 afirma que “como em todas as situações em que há alguma troca verbal,

aquelas que envolvem o humor também implicam cooperação e, por isso mesmo,

estão sujeitas a conflitos”. E acrescenta que “Independente de quaisquer outros

fatores, bastaria que não houvesse conhecimento compartilhado ou que

houvesse uma saturação – caso da piada “gasta” – para que o riso não

ocorresse.”

A intencionalidade em um texto humorístico reside no princípio de que o

autor de um texto sempre o produz para que faça sentido para o leitor. O leitor,

por sua vez, procura contextualizar imageticamente o que lê para conseguir a

50 ROCHA, Claudia Moura da. A seleção lexical e o humor: a importância da escolhavocabular para a construção do sentido. Disponível em www.filologia.org.br/ixfelin/trabalhos/doc/09.doc. Acesso em 10 fev. de 2010.51 ROSAS, Marta. Por uma teoria da tradução do humor. Disponível emwww.scielo.br/scielo.php/pid=S0102-445020030009/script=sci_arttext.

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31

interpretação da mensagem. Para Melo52 ”o sentido humorístico resulta, assim,

de relação de co-intencionalidade que se estabelece entre os parceiros do ato

comunicativo, mais especificamente entre enunciador e destinatário, ou seja,

autor e leitor.”.

Koch e Travaglia definem a intencionalidade como

Modo como os emissores usam textos para perseguir e realizar suas

intenções, produzindo, para tanto, textos adequados à obtenção dos

efeitos desejados. É por essa razão que o emissor procura, de modo

geral, construir seu texto de modo coerente e dar pistas ao receptor que

lhe permitam construir o sentido desejado. 53

Os autores afirmam que em determinadas circunstâncias, pode haver um

afrouxamento da coerência para a obtenção de efeitos, como “fazer-se passar

por desmiolado, por louco, por embriagado, etc.”.

Note-se que, no caso da intencionalidade nas histórias em quadrinhos

humorísticas, esse afrouxamento se dá não para os efeitos descritos pelos

autores ou para dar pistas corretas, mas ocorre justamente o contrário: o autor dá

falsas pistas a fim de desconstruir a coerência inicial da mensagem.

Também, no texto humorístico, o compartilhamento de conhecimentos –

linguístico e de mundo - é fundamental. Assim, se o texto não produz no leitor o

efeito cômico, isso pode se dever a uma falha nesse compartilhamento, pois eles

se interagem.

Como coloca Lien Ribeiro Borges54 “A interpretação do não verbal como

do verbal, pressupõe a relação com a cultura, com o histórico, com a formação

social do sujeito intérprete.”.

O texto de humor se aproveita decisivamente da polissemia, pois

comumente se diz uma coisa, mas se quer dizer outra ou outras. Daí a

52 MELO, Marise de Cássia Soares. Há alegria no saber: um estudo sobre a coesão e acoerência na promoção da comicidade nas histórias em quadrinhos. Disponível emwww.filologia.org.br/ixfelin/trabalhos/doc/39.doc.53 KOCH e TRAVAGLIA. Op. Cit., p. 97.54 BORGES, Lien Ribeiro. Quadrinhos; literatura gráfico-visual. Disponível emwww.eca.usp.br/nucleos/ nphqeca/agaque/indiceagaque.htm

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32

importância do “conhecimento de mundo e dos aspectos contextuais para a

produção do humor.” (Rocha, 2010, 3)

A autora aponta, ainda, outros recursos garantidores do cômico: a

seleção vocabular pertencente ao mesmo campo semântico, a isotopia

temática55, a recorrência de um elemento gramatical – causando o duplo sentido

– e os signos desorientadores56.

É fácil notar que texto humorístico trabalha com uma quebra semântica,

ao propor significação diferente daquela que primeiramente vinha norteando o

texto – o desvio semântico.

O humor, nas palavras de Marise Melo57é

Um fenômeno discursivo que busca a contradição, a transgressão, oinesperado, com a intenção de criar outro efeito de sentido, que podeoscilar entre a simples comicidade e o profundo questionamento depráticas socialmente arraigadas em nossa cultura.

No texto de humor, o leitor, a princípio, busca o reconhecimento do

sentido já estabelecido, o fluxo semântico de base – o denotativo -, para depois

deparar-se com o outro sentido – o conotativo. Neste momento o novo emerge

possibilitando a ruptura do fluxo e provocando o humor. Em tal processo, a

capacidade de passar de um sentido para o outro é fundamental para o

reconhecimento da ruptura de sentido e do irrompimento do riso.

Koestler (1992), Shultz (1973) e Suls (1983) 58 em estudos sobre o humor

explicam quediante de um texto humorístico, uma informação inicial ativa um esquemade conhecimento que é usado para interpretar tal informação. No entanto,uma informação nova diverge das expectativas ativadas a partir doprimeiro contato. Assim, as pessoas procuram, em seu estoque deconhecimento, esquemas diferentes para compreender a informaçãonova diante do contexto já adquirido.

Ou seja, deve haver uma nova percepção do que foi comunicado e é

essa percepção recém vislumbrada que dá origem ao humor.

55 O tema que costura os diferentes pedaços do texto. Apud. p. 556 São signos que desorientam, que modificam a direção do fluxo significativo do texto,levando a uma interpretação distinta da originalmente apresentada.57 MELO, Marise de Cássia Soares. Op. Cit. p. 10.58 Apud. CAVALCANTE, Maria Clara Castanho. Multimodalidade e Argumentação naCharge. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras. Disponívelem www.ufpe.br/pgletras/2008/dissertacoes/diss-Maria-Clara.pdf.

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33

Para isso, é importante que o autor e o leitor estejam familiarizados com

a linguagem usada. O leitor precisa reconhecer o convencional, do já

estabelecido e, também, perceber a manipulação feita para que o humor floresça.

Stella Tagnin59 em seu artigo “O humor como quebra de

convencionalidade” propõe uma série de “categorias convencionais”. Essas

categorias são, por exemplo, colocações nominais – “pena de morte”, “chave de

fenda”; colocações adjetivas – “pecado capital”, “louco varrido”, entre outras. A

autora afirma que “uma das formas de se fazer humor é manipular essas

categorias convencionais” e apresenta quatro fenômenos linguísticos para esse

efeito: a homonímia, a homofonia, a polissemia e a paronímia.

Fica claro, então, perceber a intencionalidade de provocar o riso. Não há

o acaso no texto humorístico, há sim uma valorização de certos vocábulos em

detrimento de outros, uma seleção prévia do que vai ser e como vai ser dito para

que o produto “riso” se concretize.

No que se refere ao humor e aos quadrinhos brasileiros, PATATI e

BRAGA60 esclarecem que:

O quadrinho brasileiro de humor, trabalhando situações sociais e políticasdo Brasil, comentando de modo agudo os problemas do momento,sempre teve um público mais amplo aqui do que qualquer HQ brasileirade aventura, (...) Assim, ao longo do século, o florescimento constante dehumoristas de primeira linha tem estado à altura dos estímulos quefornece ao seu imaginário.

A professora Betânia Libano Dantas de Araújo em entrevista a Agência

Carta Maior, em 22/02/2007, sobre o tema “O humor dos quadrinhos como

instrumento educacional” afirma acreditar no “humor como prática de liberdade” e

que “atua como pensamento divergente” e como tal “nega a todo momento a sua

própria descoberta, ocorre a negação da negação”.61

Santos (1961)62 coloca que

59 TAGNIN, Stella E. O. O humor como quebra da convencionalidade. Disponível emwww.letras.ufmg.br/rbla/2005_1/12%20stella%20tagn.pdf.60 PATATI, Carlos e BRAGA, Flávio. p. 188.61 Entrevista disponível em www.midiativa.tv/blog/?p=87862 Apud. BORGES, Eliana Maria, MOURA, Sérgio Arruda de. Charges e Quadrinhos –construindo identidades. Disponível em www.filologia.org.br/ixcnlf/12/06.htm

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Os cômicos desdenham o mundo porque conseguem perceber suasfragilidades. O humor das charges e tiras de quadrinhos pode revelaruma intenção discursiva que vai muito além de proporcionar simplesdiversão: na maior parte das vezes, acaba por conduzir o leitor a umposicionamento sobre as temáticas abordadas.

Marise Melo ao comentar sobre o sentido humorístico de tiras em

quadrinhos afirma que é necessário que seja percebido pelo leito o que o autor

intenciona, interpretando o texto pelo contexto, e explica que isso ocorre

Porque o sentido, nas tiras em quadrinhos, é construído não só no nívelsemântico pela significação das palavras e dos enunciados; nodesfecho inesperado; nem se restringe no nível sintático – na relaçãodas palavras e orações – mas também na associação de palavras eimagens. A coerência, nesse tipo de texto em particular, não é apenasuma característica do texto verbal, mas depende fundamentalmente dainteração entre o texto verbal e o texto não-verbal, e da interação entreaquele que o produza e aquele que busca compreendê-lo.63

De acordo com Possenti (1998,27)64 são necessários tanto o

conhecimento linguístico quanto o conhecimento de mundo para que se

compreenda uma piada.

Portanto, intencionalidade, conhecimento de mundo, percepção da

quebra de fluxo semântico e reinterpretação da situação são fatores

importantíssimos para que o processo comunicativo no campo do humor

aconteça e que seu objetivo seja alcançado.

63 MELO, Marise de Cássia Soares. Op. Cit. p.464 Ibidem. ,p.2.

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5. AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

Os quadrinhos podem ser percebidos como umproduto artístico possível tanto de promovercomunicação em um nível estético, quanto desugerir questionamentos dentro de uma realidadesocial

Lien Ribeiro Borges

Neste ponto, convém esclarecer que este trabalho não faz diferença entre

histórias em quadrinhos, tiras, gibis ou qualquer outra denominação que possa ter

a chamada arte sequencial. Aqui, o que interessa é mostrar o fluxo narrativo das

histórias e perceber como os quadrinhos humorísticos fazem uso do recurso

polissêmico para provocar o riso em seus leitores.

As histórias em quadrinhos são um dos meios de produção gráfica mais

conhecidos em todo o mundo, com um impacto cultural que perdura desde a sua

criação em 189665.As histórias em quadrinhos foram, e são ainda, importante ferramentana construção do imaginário coletivos dos povos ocidentais e orientais.Hoje, diversas HQs são consumidas em escala de massa, com largavariedade de opções temáticas e de tratamentos, (...).PATATI eBRAGA66

Considerada a nona arte, as histórias em quadrinhos têm como

característica mais marcante ser um veículo de comunicação no qual interagem

dois estímulos comunicativos: o visual e o textual.

É importante frisar que apesar dessa confluência de recursos, as histórias

em quadrinhos são fundamentalmente um veículo visual. Isso é de fácil

percepção: basta que os recursos sejam separados. O resultado seria, de um

lado, apenas um texto descontextualizado e de difícil compreensão; de outro,

teríamos os quadrinhos sequenciados reconhecidos como uma história em

quadrinhos, com ampla possibilidade de que as imagens seriam suficientes para

proporcionar significados.

65 Outubro de 1896, esta é a data que quase todos admitem como sendo o surgimentodo primeiro personagem de HQs.66 PATATI, Carlos e BRAGA, Flávio. Almanaque dos quadrinhos: 100 anos de uma mídiapopular. Rio de Janeiro, Ediouro, 2006, p. 12

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“No entanto”, afirmam PATATI e BRAGA, em seu Almanaque dos

quadrinhos, “que as HQs são narrativas visuais sequenciais as quais de algum

modo integram texto e desenho, e que são feitas para serem impressas (ainda

que virtualmente), parece inegável.”67

José Ricardo Carvalho da Silva, em seu artigo “A leitura dos textos de

humor”68 tipifica a HQ “como um gênero icônico ou icônico-verbal narrativo cuja

progressão temporal se organiza quadro a quadro.”

Referindo-se especificamente às tiras, o autor coloca que estas

Reservam em sua configuração aspectos específicos que asdistinguem de uma situação de fala comum. Sua estrutura é compactae condensada, as expressões dos personagens são focalizadas paraque o leitor se detenha em pontos específicos para os quais o autorsugere um olhar crítico.

E continua, fazendo a distinção das tiras com os textos narrativos que

utilizam a descrição verbal para explicar o espaço enunciativo onde se realiza a

fala: “as tiras descrevem o contexto da ação e da realização da fala com

ilustrações que representam gestos e expressões dos personagens. As imagens

atuam como marcas que ajudam a significar o texto verbal.”

De veículo discriminado como literatura de baixo nível, corruptor de

mentes inocentes, hoje, as histórias em quadrinhos são comumente usadas como

recurso pedagógico nas escolas como instrumento para fomentar o interesse pela

leitura.

Grandes clássicos da literatura mundial e portuguesa já podem ser

encontrados na versão quadrinizada, trazendo desenhos de grande beleza e

apurado rigor estético. Como exemplo, pode-se citar a série Literatura Brasileira

em Quadrinhos69 que apresenta dentre os seus títulos “O Alienista”, “Memórias

de um Sargento de Milícia”, “Triste Fim de Policarpo Quaresma”.

No dizer de Vergueiro, 199970:

67 Op. CIt. p. 2368 SILVA, José Ricardo Carvalho da. A leitura dos textos de humor. Disponível emwww.estacio.br/rededeletras/numero18/postudo_estudo/texto02.asp.69 Coleção lançada pela Escala Educacional que abrange, além de Literatura Brasileirae Mundial, temas como: História do Brasil, História Mundial, Filosofia.70 VERGUEIRO, W. C. S. Alguns aspectos da sociedade e da cultura brasileiras equadrinhos. Disponível em: http://www.eca.usp.br/núcleos/nphgeca/agaque/indiceagaque.htm

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O surgimento e o desenvolvimento das histórias em quadrinhosocorreram de uma forma muito mais abrangente no seio dacomunicação de massa. As histórias em quadrinhos, indubitavelmente,pertencem à indústria cultural e como tal, carregam em si todos osaspectos correlacionados aos outros veículos como a “pasteurizaçãode conteúdos”, o imperialismo, a preocupação com audiência e arecepção passiva.

É comum as histórias em quadrinhos remeterem o leitor a um contexto

literário conhecido e, a partir daí, fazerem algum tipo de mudança na estrutura

lógica original. Na tira abaixo – figura 2 -, Fernando Gonsales faz alusão ao

clássico infantil “Os três porquinhos” e utiliza a polissemia da palavra “porco” para

produzir o desvio semântico na história.

O primeiro quadro ambienta e remete o leitor à famosa história infantil, já o

segundo quadro desfaz toda alusão ao conto infantil e nos coloca em outro

contexto que desvenda a verdadeira intenção do autor com a palavra “porco”,

desfazendo toda lógica previamente construída.

Percebe-se que o autor usa a expressão “porco” e não “porquinho”

revelando a intenção de brincar com a palavra e destruir a atmosfera emotiva do

enredo origina. O que é plenamente confirmado com o ambiente do último

quadro.

Figura 4

Portanto, como coloca Marly Amarilha,71

71 AMARILHA, Marly. Entre imagens e palavras: a contribuição da literatura infantil e dashistórias em quadrinhos para a educação do leitor. Disponível emwww.alb.com.br/anais15/alfabetico/AmarilhaMarly. htm

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Ao fazer o deslocamento do enredo tradicional para o texto dosquadrinhos, a narrativa literária empresta a estrutura conhecida ao novogênero e prepara o leitor para um novo final também. Nesseentrecruzar, de gêneros, enredos e personagens, o leitor ultrapassa,necessariamente, a leitura referencial e linear. (...) Pois a partir dapalavra, encontrada na narrativa literária tradicional, o leitor criouimagens no passado, e agora no presente, impactado pela imagem dodesenho atualiza e reconstrói novas imagens e conceitos.

5.1 Principais Características

Ramos (2007)72 detalha algumas características das histórias em

quadrinhos:

• Diferentes gêneros73 utilizam a linguagem dos quadrinhos;

• Predomina nas histórias em quadrinhos a sequência ou tipo textual

narrativo;

• As histórias podem ter personagens fixos ou não;

• A narrativa pode ocorrer em um ou mais quadrinhos, conforme o

formato do gênero;

• Em muitos casos, o rótulo, o formato, o suporte e o veículo de

publicação constituem elementos que agregam informações ao leitor,

de modo a orientar a percepção do gênero em questão;

• A tendência nos quadrinhos é a de uso de imagens desenhadas, mas

ocorrem casos de utilização de fotografias para compor as histórias.

A tira diária, formato tradicional mostrado nos jornais, conta a piada ou

mostra a situação humorística em três tempos ou três quadros. É necessário que

todo o percurso se processe de forma ligeira e clara. Isto permite aos autores

criar e desenvolver métodos narrativos próprios.74 Métodos pertinentes a cada

estilo e a cada intenção.

72 Apud. RAMOS Paulo. Op. Cit. p.19.73 Com “gêneros” entendam-se os vários tipos de formato que estão embutidos noconceito de história em quadrinho, tais como: tiras, charges, cartum, gibis etc.74 PATATI, Carlos e BRAGA Flávio. Op. Cit. p. 24

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Dentre os elementos que fazem parte da composição de uma história em

quadrinhos estão os balões, as legendas, as onomatopeias e os quadros

sequenciais.

5.1.1 Os balões

São usados para exprimir as falas, pensamentos e emoções das

personagens. Neste último caso, o formato e variações da linha de contorno

indicam o estado de espírito das personagens. Como bem coloca Sonia M. Bibe-

Luyten75 “(...) quantas palavras e expressões explicativas são economizadas,

hoje em dia, pela simples colocação deste ou daquele tipo de balão.”.

5.1.2 As legendas

Também características das HQs, geralmente indicam a narrativa -

contextualizando a cena - seja de um narrador externo ou da própria personagem

e vêm, comumente, em retângulos na parte de cima ou na de baixo do quadro.

Figura 5

75 BIBE-LUYTEN Sonia M. O que é História em Quadrinhos. Coleção Primeiros Passos. EditoraBrasiliense, 2ª Edição, 1987, p.13

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Nesta tira, a própria personagem narra os acontecimentos utilizando as

legendas e, ao mesmo tempo, os balões, ou seja, aqui, há o discurso direto e o

indireto. As informações oferecidas pelo autor com os textos das legendas são

reforçadas com o olhar da personagem “Ed Mort” diretamente para o leitor.

Ramos76 defende que o uso das legendas não é exclusividade do narrador

onisciente ou externo à ação, pois como é possível ver nesta tira, a legenda está

sendo usada pelo narrador-personagem.

Guimarães observa que o uso de legendas deve ser reduzido a indicações

de cortes narrativos, como, por exemplo, “enquanto isso”, mas alerta que o uso

do “texto escrito com caráter de monólogo é um recurso válido e que pode ser

usado pelo autor para aumentar o nível de informação da obra.”77

5.1.3 As Onomatopeias

“CRAS”, “ZZZZZ”, “TOC, TOC”, “RÔT”, “FIIISSS”, “SOC” são algumas das

onomatopeias encontradas nos quadrinhos para representar sons e ruídos que

complementam a linguagem fortalecendo a narrativa. São a sonoplastia das

histórias em quadrinhos. Exemplo na tira abaixo:

Figura 6

76 RAMOS, Paulo. A Leitura dos Quadrinhos. Coleção Linguagem & Ensino, 2010. p. 5077 GUIMARAES, Edgard. Op cit.

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5.1.4 Os quadros

São os responsáveis pelo desenrolar da história na linha do tempo. É o

local da sequência narrativa onde as personagens são apresentadas em seus

contextos. De acordo com Paulo Ramos78, o quadrinho é onde está contido o

espaço da ação.

A sequência dos quadros mostra uma ação mais complexa que

dificilmente conseguiria ser mostrada em apenas um quadro: decompõe-se a

cena em várias imagens sequenciais, e o leitor, acostumado com este recurso

das histórias em quadrinhos, constrói mentalmente o movimento sugerido.

As tiras, geralmente trazem três quadros. “O primeiro quadrinho apresenta

a idéia, o segundo a desenvolve e deixa um gancho para o desfecho que ocorre

no terceiro quadrinho.”. 79

São em número suficientes para que a história seja contada de forma

adequada. E entre a sequência de imagens há uma divisão chamada corte

estrutural.

Mas, de acordo com a história a ser contada pelo autor, o número de

quadros pode ser reduzido ou aumentado. Por exemplo, os exemplos abaixo:

Figura 7 - 1 quadro

78 RAMOS, Paulo. Op. Cit. p. .79 GUIMARÃES, Edgard. Narrativa e corte psicodélicos nas histórias em quadrinhos.Disponível em www.intercom.org.br/papers/nacinais/2000/papers. Acesso em 19 mar2010.

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Figura 8 – 2 quadros

Figura 9 – 6 quadros

Guimarães80 aponta para algo interessante sobre o corte:Quando um autor define duas imagens de uma sequência fazendo umcorte entre elas, obviamente está eliminando uma quantidadeimensurável de outras imagens que poderiam existir naquele intervalo.No entanto, estas imagens omitidas não deverão fazer falta para oentendimento da sequência.

Por exemplo, na figura 4, o segundo quadro mostra a onomatopéia usada

para representar o som de um encantamento e, imediatamente, no terceiro

quadro, tem-se a imagem da tradicional caçada de gatos a ratos. Será possível

imaginar quantas imagens foram desprezadas até a cena do terceiro quadrinho?

Na realidade, toda uma sequência de imagens passa pela cabeça do leitor. Basta

usar a imaginação.

80 Ibidem.

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43

5.1.5 Os entrequadros

São as separações físicas entre as imagens. “As imagens encadeadas

devem ter uma separação inequívoca entre elas”. 81

Edgard Guimarães coloca que nos quadrinhos “são convenientes o uso de

balões para diálogos, o uso intenso de onomatopéias, e o uso reduzido de

legendas com a fala do narrador, pois assim a leitura fica bem dinâmica.”82

5.2 A Linguagem das Histórias em Quadrinhos

Qualquer forma de expressão possui uma linguagem apropriada para sua

intenção expressiva, o mesmo ocorre com as histórias em quadrinhos.

É o que afirma o enfático Paulo Ramos83 ao declarar que os quadrinhos

têm uma linguagem própria, “que usa mecanismos próprios para representar os

elementos narrativos.” Assim se manifesta o autor:

Chamar quadrinhos de literatura, a nosso ver, nada mais é do que umaforma de procurar rótulos socialmente aceitos ou academicamenteprestigiados (...) como argumento para justificar os quadrinhos,historicamente vistos de maneira pejorativa, inclusive no meiouniversitário.

E acrescenta que, como outras formas de linguagem, os quadrinhos

“comporiam ambientes próprios e autônomos.”. O “ambiente quadrinístico já teria

se emancipado e constituído (...) possibilidades próprias de linguagem.”.

Ainda assim, o autor não nega haver pontos em comum com a literatura,

assim como há com outras formas de expressão.

A linguagem das histórias em quadrinhos é híbrida – visual e textual. E no

que tange à linguagem escrita, aproxima-se o mais possível da oralidade como

81 Ibidem.82 GUIMARÃES, Edgard. Integração texto/imagem na história em quadrinhos. Disponívelem www.intercom.org.br/papers/nacionais/2003/www/pdf/2003_NP16_guimaraes.pdf.83 RAMOS, Paulo. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2009, p.17

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estratégia de reconhecimento dos códigos ali empregados pelo leitor. Ou seja, o

uso da linguagem coloquial torna a narrativa muito próxima do universo

semântico do leitor.

No texto “Charges e Quadrinhos – Construindo identidades”, Eliana

Maria Borges e Sérgio Arruda de Moura84 afirmam que os quadrinhos não são

imunes às influências sociais históricas e ideológicas, e que os dramas cotidianos

são ingredientes usados para a elaboração de histórias e construção de

personagens. Isso é possível de se observar na série “As aventuras da Família

Brasil” 85, lançada na década de 80, na qual o autor Luis Fernando Veríssimo

apresenta uma família de classe média brasileira às voltas com os problemas

financeiros e conflitos de gerações.

Edgard Guimarães apresenta o conceito de “Narrativa Psicodélica” como

“um recurso narrativo em que o autor mostra ao leitor um processo mental de um

personagem.”. 86

Guimarães faz um paralelo entre a literatura e a HQ naquilo que diz

respeito à revelação do que a personagem está pensando. Com relação às

histórias em quadrinhos, o autor coloca que

A solução é análoga – à da literatura – e normalmente se usa somentea forma direta. Assim como a fala do personagem é colocada dentro deum balão, perto do personagem, dentro do quadro em que opersonagem está, seu pensamento verbal é colocado dentro de umbalão especial (o balão do pensamento), normalmente na forma denuvem, um código que deve ser conhecido pelo leitor.

No contexto da linguagem dos quadrinhos, Melo87 coloca que

A diagramação, o projeto gráfico, a maneira de colocar as informaçõesverbais e visuais formam um conjunto. Há a necessidade de leitura einterpretação dos dois acontecimentos, sendo a imagem emolduradapelas sequências verbais e as sequências verbais tendo como centrocatalizador às imagens.

Lien Ribeiro Borges88, em relação à técnica narrativa nas histórias em

quadrinhos, afirma que esta técnica

84 BORGES, Eliana Maria, MOURA, Sérgio Arruda de. Op. Cit.85 Lançada pela L&PM Editores.86 GUIMARÃES, Edgard. Op. Cit. p.5.87 MELO, Marise de Cássia Soares. Op. Cit. p. 4

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une a imagem ao texto (...) permitindo à imagem a materialidade delinguagem que não apenas reflete, mostra ou ilustra uma realidade,mas que, principalmente, significa, o que nos permite interpretar aimagem por sua expressividade enquanto linguagem capaz desugestionar e/ou emocionar.

Assim, de acordo com o autor, por envolver uma relação entre o visual e

o verbal essa técnica narrativa “permite ampliar as possibilidade de

encaminhamento da mensagem e as perspectivas de recepção pelo

destinatário.”.

Como corpus deste trabalho foram selecionadas tiras das histórias em

quadrinhos “Níquel Náusea” de Fernando Gonsales e dos álbuns de “Ed Morte”,

de Luis Fernando Veríssimo e Miguel Paiva, nas quais foi possível verificar

situações em que os autores se utilizam do fenômeno polissêmico para

proporcionar humor ao leitor.

5.3 Níquel Náusea

A produção de Fernando Gonsales pode ter seu contexto claramente

identificado. O mundo de Níquel Náusea é o mundo animal inserido ou não no

mundo do bicho-homem. As personagens89 das tiras são assim apresentadas

pelo autor:

• Níquel é um rato de esgoto cujo nome completo é Níquel Náusea.

Como todos sabem esse nome é inspirado numa personagem de

Walt Disney, a vovó Donalda.

• Gatinha é a rata que o níquel acha uma gata. Tem um talento

excepcional para produzir filhotes, que educa com o método

pedagógico do tapão na “oreia”.

88 BORGES, Lien Ribeiro. Op. Cit.89 Esta apresentação pode ser vista no volume de título Níquel Náusea: os ratos tambémchoram/Fernando Gonsales. São Paulo: Editora Bookmakers, 1999. – (ColeçãoCyberComix)

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• Fliti é uma barata macho. Portanto é um barato. Seu vício por

inseticidas já o levou a situações de delírio e insanidade total. E

ele achou ótimo.

• Rato Ruter é um rato mutante que tem o peso de um gato gordo, a

capacidade digestiva de um tanque de ácido sulfúrico e o

temperamento de uma motosserra desgovernada.

• Sábio do buraco é o ancião dos roedores. Alterna momentos de

profunda sabedoria com momentos de pura esclerose. Difícil é

descobrir qual é qual.

O autor, então se apresenta:

•Fernando Gonsales é veterinário, biólogo, desenhista e decorou a

coleção inteira de “Os bichos”. Nas horas vagas observa trilhas de

formiga e cocô de lagartixa.

Já nesta apresentação, o leitor tem uma idéia bastante clara do universo

animal que encontrará ao abrir um gibi90 do Níquel Náusea. O autor trouxe todo o

seu conhecimento do mundo acadêmico e o espalha pelos quadrinhos. Mas há

também mamíferos bípedes e seres míticos compartilhando os mesmos

quadriláteros.

No sítio www.niquel.com.br outras personagens são apresentadas.

O desenho executado por Gonsales está longe do tipo clássico

naturalista. O traço é simples. Há um equilíbrio entre a arte e o texto. Estes se

completam e levam o leitor a desfrutar o resultado esperado (ou não) da tira.

O texto, simples e divertido, enquadra-se perfeitamente ao estilo leve e

engraçado – mesmo nos esgotos da cidade – a que se propõe.

O contexto cômico de suas histórias em quadrinhos já predispõe o leitor a

esperar que algo engraçado seja apresentado. Espera-se a surpresa do texto e

da imagem, pois o desenho mostra as reações faciais e gestuais da personagem

tornando o resultado humorístico ainda mais eficaz.

90 Gibi, um dos nomes pelas quais as histórias em quadrinhos são conhecidas. Deriva darevista “Gibi” editada em 1939. Devido a sua popularidade, emprestou o nome aogênero HQ. Outros nomes: bandas desenhadas, comix, arte seqüencial, graphic novel.

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Quem está familiarizado com o universo de Níquel Náusea já sabe que

vai se deparar com o vício da barata Flit por toda e qualquer forma de inseticida,

com as brigas dos roedores por sobras de alimentos, com a facilidade da Gatinha

em procriar, com os delírios do Sábio, com os humanos em papéis nada

dignificantes – pondo em xeque nossa posição no topo da escala evolucionária,

entre outras situações. Isto fica claro em seu sítio. Fernando gonsales ao

apresentar as personagens, coloca a seguinte observação para introduzir os

humanos: “Com uma população de 6 bilhões no mundo, alguns humanos acabam

entrando em histórias só de animais. Aliás quem disse que humano não é

animal?”

5.4Ed Morte

Criado por Luis Fernando Veríssimo, Ed Mort, um de seus mais

populares personagens, é desenhado por Miguel Paiva. Ed Mort é um detetive

particular com respostas na ponta da língua que vive sempre duro e às voltas

com casos estranhos que, de um jeito ou de outro, sempre acaba por desvendá-

los. E no final de suas aventuras sempre acaba com uma mão na frente e outra

atrás... E sem a mocinha da história.

No álbum “Ed Mort em Procurando o Silva”91, o detetive particular, “algo

cínico”, se apresenta falando diretamente com o leitor:

91 VERÍSSIMO, Luis Fernando e PAIVA, Miguel. Ed Morte em procurando o Silva. PortoAlegre: L&PM, 1991.

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48

Figura 10

Nesta sequência, é possível perceber quase todas as características de

uma história em quadrinhos: os balões, as legendas, os quadros, os cortes.

Quanto a estes, a personagem se desloca do ambiente escritório-galeria-

escritório pelo chamado corte narrativo espacial92. Ficou de fora a onomatopeia.

Mas é fácil “ouvir” a porta do “escri” rangendo...CRREEEE!

Portanto, a leitura de histórias em quadrinhos de cunho humorístico como

as do corpus deste trabalho, já coloca o leitor em determinado caminho de

expectação, de que entre uma tira e outra algo engraçado virá à tona e que essa

graça vai ser mostrada, concomitantemente, no plano visual e no textual. Dessa

92 Ver nota explicativa sobre corte narrativo (nº. 93)

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49

forma, o leitor acostumado com o universo de Níquel Náusea e de Ed Mort será

confrontado com situações cotidianas envoltas na comicidade, ainda que

algumas dessas situações possam parecer sérias em um plano mais amplo, tais

como: seqüestros, prisões, ameaças, fome etc.

Conforme coloca Ramos (2009, 19)93,

Quem produz a obra tem uma intenção ao escrevê-la. O leitor, aoentrar em contato com o texto, cria uma expectativa de leitura, que nãopode ser ignorada. Comprar uma obra como história em quadrinhos,(...) estabelece ao menos duas inferências na pessoa (fruto deconhecimentos prévios): estou adquirindo uma obra em quadrinhos e éo que eu vou ler quando folhear as páginas da publicação.

93 RAMOS, Paulo. Op. cit. p. 19

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6. A POLISSEMIA E O HUMOR NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

Hoje é muito mais comum encontrarmos histórias em quadrinhos no

gênero aventura, ficção e trágico do que de humor, para isso, basta parar

defronte uma banca de revistas ou de uma livraria especializada. A quem ache

que isso é amadurecimento...

Mas é interessante notar que os quadrinhos surgiram sob a égide

do humor, do cômico, prova disso é que nos Estados Unidos o gênero ficou

conhecido como comics.

A partir deste ponto será apresentada uma série de tiras das

histórias em quadrinhos “Níquel Náusea” e “Ed Mort”, nas quais será apresentado

o uso da polissemia como recurso humorístico.

Figura 11

Nesta primeira tira temos o jogo polissêmico expresso no segundo quadro

onde Flit, a barata, em meio a incríveis alucinações, resolve “fazer” algo com

elas. A ambiguidade apresentada pelo verbo “fazer” está na disposição de

pensarmos, em uma situação normal, que quando se tem alucinações o que deve

ser feito é tentar se livrar delas. No último quadro, o fluxo “lógico”94 é

interrompido, pois o que se vê é o inseto fazer algo “em companhia” das

alucinações – coisas bem reais e prazerosas para ele -, e não algo no intuito de

cessar sua insanidade e fazer desaparecer as alucinações.

94 Coloco “lógico” entre aspas, considerando o mundo real e não o das personagens deNíquel Náusea.

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É nesse contra fluxo que reside o humor: a ambiguidade gerada pelo

emprego da polissemia, algo bem pensado e intencional.

As expressões “faciais” da barata nos dois primeiros quadros favorecem o

significado lógico do verbo e colaboram para que se pense que a medida certa

será tomada. Ledo engano!

O conhecimento do contexto da personagem, mesmo não sendo crucial

para o entendimento, facilita o riso, pois o leitor acostumado com o mundo de

Náusea, já se predispõe a achar graça nas constantes situações nas quais a

barata se encontra sob os efeitos de substâncias entorpecentes – os inseticidas.

Figura 12

Na tira 2, a ambiguidade causada pela polissemia da palavra “cheia” é

ainda mais intensa em virtude da sequência estabelecida pelo autor.

A história começa com um ar de romantismo: o rato Níquel Náusea

declamando o que ele considera um poema de amor para sua namorada, a rata

Gatinha.

No primeiro quadro, a cena descrita não oferece muitas informações. O

amor está no ar. É no segundo quadro que o jogo polissêmico é feito: o rato,

cheio de amor para dar, faz menção à lua que está na fase cheia. Nesta

ocorrência, a palavra é usada agregada à outra – lua cheia – comumente

mencionada no contexto romântico. Usando a palavra “cheia” no sentido

denotativo de “estar sem paciência, de não agüentar mais”, a Gatinha provoca o

rato, que por um momento desconfia do trocadilho, desconfia do uso da

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52

polissemia (será?). Isto se dá no silêncio do terceiro quadro da tira quando ele

olha para ela e é mostrada a lua cheia, para fortalecer o jogo de palavras.

Nesta tira, o autor auxilia a quebra do sentido do texto, a ruptura do fluxo

linear mostrando as expressões bucais do roedor poeta. A ratinha fica impassível

– até certo momento, então, dorme -, corroborando com o sentido denotativo

dado por ela à palavra.

Figura 13

Nesta tira, Fernando Gonsales direciona o sentido do texto para, no último

quadro, entrar com o jogo polissêmico. Mais uma vez Níquel destila seu

romantismo para uma rata a princípio surpresa, mas que ao final se mostra

entediada a ponto de cair no sono.

Aqui, a polissemia da palavra “dormir” é mostrada da seguinte maneira:

pelo desenho em seu sentido conotativo de “descansar em estado de sono,

conservar-se entregue ao sono” - conforme descrito no Dicionário Houaiss

(2009) – e, pelo texto, em um de seus sentidos conotativo: o de “ter relações

sexuais”. Neste caso, melhor contextualizado como “acasalar”.

Mais uma vez o desenho auxilia a brincadeira semântica através das

expressões das personagens. Níquel, neste caso, parece lançar mão da troca de

significado para justificar o fracasso de sua real intenção, conforme é possível ver

pela sua expressão. É nessa polissemia animal que se encontra o humor.

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53

Figura 14

Neste exemplo, que faz parte de uma historia em quadrinhos em formato

de álbum, o autor, através da legenda, fornece o contexto espacial localizando a

personagem nesta nova sequência de quadros. Houve aqui um corte temporal ou

narrativo95, pois as personagens se encontravam em outro ambiente e em outro

momento.

O autor prepara o leitor para o ânimo do psicanalista, definindo-o como

paranóico e deprimido. Em toda a sequência textual, Veríssimo brinca com as

palavras, mostrando perfeita intencionalidade em fazer o leitor rir. A combinação

das palavras colocadas faz conexão umas com as outras revelando um contexto

cômico por se tratar de um especialista que deveria tratar das paranoias e

depressões alheias, e não senti-las.

Mas é no terceiro quadro que acontece o clímax do texto, quando a

personagem diz que os clientes “pagarão caro por isso.”. A polissemia é gerada

pela ambiguidade da palavra “pagarão”.

Nesta tira, diferentemente das demais, nas quais havia a ruptura lógica do

texto – do denotativo para o conotativo -, o leitor se depara com duas

possibilidades de entendimento não excludentes:

95 Edgard Guimarães. Op. Cit. “Quando uma história em quadrinhos usa mais de umasequência narrativa para contar uma história, o corte entre uma sequência narrativa e aoutra é chamado corte narrativo. Quando ocorre um corte narrativo entre umasequência e outra há mudança significativa em relação a ONDE ocorre cada uma dassequências, o corte é chamado espacial. Quando a mudança significativa é emrelação a QUANDO ocorre cada uma das sequências, o corte é chamado temporal. Equando a mudança é em relação ao QUÊ ocorre em cada sequência, o corte échamado temático. Um corte narrativo pode ser destes Três tipos simultaneamente, ouseja, uma sequência pode ocorrer em local, época e com assunto diferentes em relaçãoà sequência anterior.”pg.4

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1ª. O termo pode ser entendido como uma retaliação, do psicanalista

paranóico e depressivo, aos seus clientes por trazerem toda sorte de

problemas existenciais para ele; ou

2ª. Pode-se entender o verbo como retribuição pecuniária devida pelos

pacientes ao seu médico (o que normalmente custa muito caro).

É interessante notar que as duas compreensões chegam à mente de

forma concomitante e espontânea, e isso se deve à mestria do autor na

construção textual da tira.

Figura 15

Nesta tira há um fenômeno que até aqui não havia sido encontrado nas

tiras anteriores: o fluxo denotativo-conotativo foi invertido, mostrando, aqui, em

primeiro lugar, o sentido figurado do termo produtor de ambiguidade: limpo.

A legenda colocada, estrategicamente, revelando o contexto da ação,

induz o leitor a buscar a significação extensiva do termo, o que é confirmado pela

fala da personagem, ou seja, “limpo” nesta primeira situação é entendido (por

todos) como desarmado.

Portanto, nesta tira, o autor conduz ainda mais o leitor em uma direção. A

ruptura da sequência acontece no segundo quadro, no qual são utilizadas ambas

as linguagem de uma história em quadrinhos: a verbal e a imagética, cessando,

dessa forma, a ambiguidade causada pela polissemia da palavra “limpo”, que

acaba por ter seu significado habitua/denotaivo de ausência de sujeira

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55

revelado.96

Figura 16

Neste exemplo, é necessário um conhecimento específico compartilhado.

O leitor deve estar familiarizado com o contexto dos vampiros, seres míticos

geralmente encontrados em contextos diametralmente oposto ao humorístico,

com uma ou outra exceção como Valdevino Bento Carneiro97, o nosso vampiro

brasileiro.

É necessário saber que os vampiros, entre outras características, não têm

sua imagem refletida em espelhos, o chamado reflexo. Se esse “conhecimento

místico” não for compartilhado pelo leitor, o efeito desejado pelo autor nesta tira

não alcançará o destinatário e o objetivo humorístico se perderá.

No contexto das histórias em quadrinhos de Níquel Náusea, é comum

essa interação de seres humanos com seres não tão humanos assim, como

fadas, monstros, vampiros etc. Na tira, saber que essa interação é frequente

contribui para vencer o estranhamento da situação e esperar a piada.

Indo para a polissemia, o primeiro quadro mostra um vampiro entrando em

um consultório médico que fala sobre testar os reflexos de seu paciente. Dentro

desse contesto, tudo muito habitual. O inusitado é mostrado no segundo quadro

onde o médico, sem demonstrar nenhuma estranheza com a condição de seu

paciente, libera o diagnóstico sobre o reflexo deste.

96 Em tempo, Lontra é uma personagem – chefe de uma organização - com fixação porlimpeza, que usa máscara cirúrgica e que não recebe um beijo de sua filha (adotada) a20 anos.97 Personagem de Chico Anísio.

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Assim, em um primeiro momento, o que vem à mente é a significação de

um exame médico para testar a resposta motora rápida e involuntária muscular

causada por um estímulo. Mas essa significação se desfaz perante um espelho

que só reflete um dos corpos, trazendo à tona outro sentido para o termo

“reflexo”: luz ou imagem refletida.

Figura 17

Aqui, o humor – os ambientalistas protestariam – se desenrola a partir de

um conhecimento que deve ser partilhado pelos dois atores do processo

comunicativo: autor e leitor. Parte-se da noção de que as pessoas idosas – os

bons velhinhos – têm o hábito de irem às praças e, como passatempo, alimentar

os pássaros com grãos de milho.

A polissemia, nesta tira, é apresentada no discurso indireto, ou seja, a

personagem nada fala, não há o uso dos balões, quem fala é o narrador externo

que quer provocar a ambiguidade.

A tira começa mostrando o “bom” velhinho Ananias se dirigindo para a

praça: o banco desenhado dá a pista para a ambientação da rápida história. A

legenda no quadrinho procura despistar o leitor quanto à intenção de reverter o

fluxo de significação. O autor, no segundo quadro, causa o suspense.

Aparentemente nada acontece, apenas a expectativa que se tem de que Ananias

irá dar milho aos pombos, como quer o autor que o leitor acredite.

Nesta tira em particular, o autor força uma polissemia, já que

habitualmente quem alimenta os pombos, dá milho aos pombos e não o atira às

aves. Assim, o autor “aposta” na capacidade de o leitor direcionar o sentido do

termo “atirar” para o termo “dar”, pois só assim, haverá o efeito humorístico

desejado.

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Ananias, a propósito, não é um bom velhinho.

Figura 18

A ambiguidade polissêmica nesta tira de Ed Mort concentra-se no uso do

pronome oblíquo “lo”. Os quadrinhos mostram mais uma vez o fluxo narrativo no

qual, em algum lugar entre o primeiro e o último quadro, há uma ruptura desse

fluxo significativo e um resultado inesperado ocorre apresentando nova realidade

para o novo contexto.

O autor, na figura 13, apresenta e resolve a polissemia no último quadro

da tira. Isso demonstra que não há uma fórmula, um modelo de como a

polissemia pode ser usada nas histórias em quadrinhos para desencadear o riso.

Nos primeiro e segundo quadros, há informações que ambientam o leitor, mesmo

que seja o primeiro contato deste com a HQ. A ameaça no segundo quadro

prepara o leitor para o ápice do terceiro.

È interessante notar que os autores, no segundo quadro, utilizam um

recurso no qual o texto e a imagem reforçam um ao outro: as personagens são

mostradas de perfil ao mesmo tempo em que o texto menciona o termo “nariz”

em uma expressão usada para significar que a pessoa é curiosa e procura saber

de coisas que não deveria saber. Mas o que esperar de um detetive?

Voltando à ocorrência da polissemia, o pronome “lo” do último quadro

apresenta dois referenciais: o nariz e o próprio detetive. E é nessa ambiguidade

causada pelo pronome que se instala o humor. A ameaçadora personagem dirige

a mensagem, que reforçada pelo contexto, tem o sentido claro de que é Ed Mort

quem vai ser preso e não o nariz, como interpreta o detetive. Na apreensão

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inesperada da mensagem pela personagem principal é que há a ruptura da

lógica. É pelo efeito polissêmico do pronome que o humor aparece.

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7. CONCLUSÃO

Utilizar as histórias em quadrinhos para a investigação de fenômenos

linguísticos se mostrou um desafio e um prazer. Um desafio pela escassez de

referências textuais sobre esse assunto, e prazer, por ser um grande admirador e

leitor da arte seqüencial.

Há vasto material sobre o uso dos quadrinhos em sala de aulas, fazendo

até mesmo parte de currículos escolares. São vários os textos sobre como utilizar

HQs para fomentar nos alunos o interesse pela leitura, visto ser um veículo

interessante, diferente dos livros habituais e, obviamente, ter desenhos em seu

corpo, o que o torna mais atrativo.

A investigação da polissemia, geradora de ambiguidades, em textos

humorísticos está restrita, pelo menos até onde pesquisei, ao contexto

publicitário, o que me levou a ter de adaptar o assunto ao campo das histórias em

quadrinhos.

Verificar o uso da polissemia nas tiras cômica foi uma grande surpresa,

pois, diferentemente, de como aprendemos nas gramáticas normativas, os

quadrinhos nos oferecem exemplos “bilíngües”: texto e imagem, ou seja, ensinam

e divertem

Perceber o uso do fenômeno polissêmico nas histórias em quadrinhos nos

faz vislumbrar as inúmeras possibilidades de uso desse versátil suporte para a

A polissemia se mostra, então, como um instrumento extremamente

versátil para a composição de textos humorísticos em histórias em quadrinhos,

como é mostrado neste trabalho. E as histórias em quadrinhos se colocam como

um ótimo suporte para que a linguagem possa ser explorada e apreendida, não

apenas como incentivo à leitura, mas, também, como aprendizado da língua em

todos os seus componentes, como é o caso da polissemia, nesta pesquisa.

Ficam evidentes as imensas possibilidades de fazer rir por meio de

histórias em quadrinhos. Um olhar atento pode descobrir muitas oportunidades

que esse gênero expressivo oferece para a exploração dos mais variados temas

da língua. Acredito que independente do gênero da história em quadrinhos, seja

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drama, terror, ficção ou mero entretenimento, a produção de conhecimento

linguístico é plenamente viável, e em minha opinião, desejável.

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