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CURSO EDUCAÇÃO, RELAÇÕES RACIAIS E DIREITOS HUMANOS
MARTA LÚCIA DA SILVA
ROSANA CAPPUTI BORGES
Educação Infantil: desigualdades de idade e raça, um grande desafio a ser
conquistado.
São Paulo
2012
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EDUCAÇÃO INFANTIL: DESIGUALDADES DE IDADE E RAÇA, UM GRANDE
DESAFIO A SER CONQUISTADO.
No Brasil temos observado a convivência de desigualdades sociais e raciais,
através de dados estatísticos IBGE 2010, que revelam que os negros são penalizados e
discriminados, em várias esferas da vida social e principalmente no plano da Educação,
enfrentando as maiores dificuldades no acesso, permanência e ensino de qualidade.
O foco das pesquisas que abrange as relações raciais, em geral, é voltado para
os atores sociais a partir dos 15 anos, com maior enfoque em violência, mercado de
trabalho, desvalorização, preconceito, racismo, ações afirmativas voltadas para o
acesso ao ensino superior, mulheres negras em diversos contextos sociais, etc. a luta
legítima dos movimentos negros pela reparação histórica de desigualdade e
discriminação que os envolvem.
Entretanto, há uma reivindicação legítima, constitucional, desde a década de 70,
porém de grande resistência por parte da sociedade como um todo, em assumir a luta
por garantir do direito ao acesso e permanência à criança pequena à Educação Infantil
de qualidade (Rosemberg, 1976).
Pesquisas do IBGE (2009) apontam que o nível de escolaridade da população
brasileira é baixo e que há muito o que se trabalhar para elevar tal nível. Além disso,
apontam que o acesso à educação infantil de qualidade é restrito, sobretudo, para as
crianças de 0 a 3 anos, tendência que não parece se alterar nas últimas décadas.
Desta forma, as ações políticas tendem ser discriminatórias, pois privilegiam
atores sociais com maior idade, colocando a criança pequena de 0 a 5 anos à margem
da sociedade, discriminada no acesso à educação, e, sua visibilidade na maioria das
vezes é pejorativa, vinculada a mídia do espetáculo, ligada à violência, tornando seus
direitos legais invisíveis pela sociedade, desrespeitados e violados principalmente por
políticas públicas, que deveriam garantir o direito por lei.
De acordo com o IBGE 2010, no que diz as crianças pequenas, de 0 a 5 anos,
negras, estas tem menor acesso à educação do que crianças brancas e outras faixas
etárias. Isso também nos faz pensar em discriminação e desigualdade social.
Para Rosemberg, o racismo se dá de modo estrutural e simbólico.
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De acordo com pesquisas realizadas por instituições conceituadas, tais como:
Ceert, FCC Fundação Carlos Chagas, e NEGRI PUC-SP, as desigualdades de idade e
raça, aparecem na sociedade, desde a tenra idade. Quanto menor a idade desses
atores sociais, maior é a desigualdade apresentada no acesso a educação. É
necessário envolvimento e compromisso político com a educação das crianças
pequenas negras, tema ainda pouco tratado na bibliografia acadêmica e pelo
movimento negro (BENTO, 2011; ROSEMBERG, 2011b).
Nesse sentido, nos faz refletir em importantes indagações: por que a criança
pequena, de 0 a 5 anos não tem a visibilidade necessária na sociedade, por parte da
maioria dos atores sociais e movimentos? Quais os discursos utilizados e luta dos
movimentos negros? Porque os atores sociais com faixa etária superior são prioritários?
Por que as crianças pequenas de 0 a 5 anos em geral não aparecem em nos
indicadores e conteúdos? Seria uma visão adultocêntrica, da sociedade ou omissão a
visibilidade adequada da criança pequena?
Outro aspecto importante é que a diversidade étnico-racial tem sido objeto de
vários estudos, principalmente no cenário educacional, porém uma das grandes
questões enfrentadas é garantir para as crianças de 0 a 5 anos o acesso e
permanência a Educação Infantil de qualidade e o respeito a diversidade.
A Educação Infantil em nosso país é a primeira etapa da Educação Básica, um
direito constitucional da criança da faixa etária de 0 a 5 anos. A criança é considerada
como sujeito histórico, social, pertencente a uma determinada classe social e cultural.
Dispomos de uma vasta legislação referente à Educação Infantil, conquistada em
diferentes momentos históricos, mas isso não tem garantido sua aplicabilidade na
íntegra, apresentando violação de direitos humanos, garantidos pela legislação.
Nesse sentido é preciso observar, questionar as políticas públicas que vem
sendo praticadas para este público, em nossa sociedade.
A Constituição Federal, o Estatuto da criança e do adolescente, reconhece o
direito à educação. A Lei Orgânica da Assistência Social, define que os direitos sociais
são para aqueles que estão em condições desiguais em relação aos demais, e entre
outras, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional-LDBEN, que potencializa os
direitos da criança e do adolescente. A Lei de Diretrizes e Bases, alterada pelas leis
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10639/03 e 11645/08, torna obrigatório o ensino da História e Cultura afro-brasileira e
indígena, como forma de reconhecimento positivo dessas populações.
De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, a
proposta pedagógica das Instituições de Educação Infantil, deve garantir plenamente o
cumprimento de sua função sociopolítica e pedagógica, oferecendo condições para que
as crianças usufruam de seus direitos, que promovam igualdade de oportunidades
educacionais e se comprometam com o rompimento das relações de dominação etária,
de gênero e racial.
A criança desenvolve sua identidade pessoal e coletiva em um contínuo
processo de socialização. No convívio com família, a criança internaliza padrões de
comportamento, normas e valores de sua realidade e no convívio escolar passa a
internalizar novos padrões, valores e conteúdos, pela mediação de diferentes atores
sociais, possibilitando novos aprendizados.
Estudos demonstram que no processo de socialização, nem sempre as relações
estabelecidas são favoráveis a construção de identidade satisfatória.
Rosemberg observa que uma parte significativa das crianças de 0 a 5 anos, a
maioria são pobres e negras e permanecem sem acesso aos espaços das Instituições
de Educação Infantil. Apesar de estarmos no século XXI, as relações raciais ainda são
um tema a ser discutido amplamente por todos os segmentos da sociedade brasileira,
devido às muitas desvantagens sociais, econômicas, políticas e educacionais que
negros enfrentam no Brasil.
A discriminação de raça acontece tanto no plano material como no simbólico: no
plano material, evidenciando que negros e indígenas não possuem o mesmo acesso
aos bens materiais e simbólicos da sociedade que os brancos; no plano simbólico, a
sociedade produz e reproduz uma ideologia que preconiza como natural a
superioridade dos brancos sobre as demais raças.
Se por um lado, é possível perceber o avanço da legislação na Educação Infantil,
por outro lado, permite-nos perceber também às injustiças e discriminações que
ocorrem de forma naturalizadas neste campo.
Segundo Jacó-Vilela, é necessário “desnaturalizar” quaisquer noções totalizantes
que se pretendam permanentes e universais sobre a infância, o adolescente e a família.
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Vale lembrar que a luta dos negros por seu espaço na sociedade brasileira e
pelo direito de se tornar cidadãos, assim como o reconhecimento de sua história e
cultura, sempre ocorreu e continua acontecendo. Nessa longa trajetória as Leis
10.639/03 e 11.645/08 foram sancionadas, alterando a LDB (Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional) e incluindo no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática História e Cultura afro-brasileira e indígena. Ocorre que
apesar do artigo alterado estar inserido no capítulo da Educação básica, não consta
expressamente que a Lei se estenda para a Educação Infantil. Rosemberg (2012)
aborda o assunto da seguinte maneira:
Sendo uma das ações de maior mobilização atual no campo das relações raciais na educação, a aprovação e a implementação da lei constituem exemplos de política de reconhecimento de identidade cultural negra. Não por acaso, essa lei se restringe especificamente às escolas de ensino fundamental e médio: a educação infantil foi excluída: trata-se de desenlace de longo percurso histórico. (ROSEMBERG, 2012, p.33).
É preciso analisar os processos que ocorrem nas interações nas Instituições de
Educação Infantil, que tanto podem revelar uma inclinação para impor um modelo único
de cultura, negando os conteúdos já socializados pelas crianças, como podem
reconhecer-se como espaço da diversidade étnica, atuando em prol da desconstrução
de relações de desigualdades.
Abordar questões sobre a diversidade étnica e desigualdades sociais no contexto
da educação infantil, tendo como parâmetro, idéias emancipatórias e as construções
socioculturais, poderá contribuir para a criança, enquanto sujeito histórico, tenha
possibilidade de recriar seu processo de socialização e através dele, intervir na
realidade social.
Para garantir a efetivação dos direitos da criança, precisamos prosseguir nos
debates, propor políticas públicas educacionais adequadas, garanti-las na prática,
desde a tenra idade, que superem as diversidades sociais, raciais e etárias.
É dessa perspectiva que lançamos nosso olhar para o espaço da Educação
infantil, a fim abrir o caminho para abordar questões relevantes sobre a diversidade
étnico-racial no cotidiano escolar desde a tenra idade, com vistas à consolidação de
ações que promovam a qualidade da Educação e condições igualitárias a todas as
crianças.
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Para uma sociedade mais justa, o discurso, a luta política e as ações na agenda
pública para Educação Infantil, das crianças de 0 a 5 anos, devem combater as
desigualdades de idade e raça, necessitando de ampliação e abrangência, por ser
tratar de um assunto urgente, pertinente e permanente na sociedade brasileira, a
visibilidade da primeira infância, no lugar devido de cuidado e educação, pela garantia
do acesso e permanência a educação infantil. Vamos à luta!
Marta Lúcia da Silva Mestranda em Psicologia Social – NEGRI – Gênero, Raça e Idade - PUC-SP Pesquisadora CNPq Pedagoga e Psicopedagoga Rosana Capputi Borges Diretora da Escola Municipal de Educação Infantil-Prof. Celso de Sousa Oliveira /PMSP Formação em Psicologia, Pedagogia e Psicopedagogia
REFERÊNCIAS
BENTO, Maria Aparecida Silva. Educação infantil, igualdade racial e diversidade: aspectos políticos, jurídicos, conceituais. São Paulo: CEERT, 2011. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 02 nov. 2011. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil/Secretaria da educação Básica. Brasília: MEC, SEB, 2010. ______. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF, 20 de dezembro de 1996. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/tvescola/leis/lein9394.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2012. GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Racismo e Anti-Racismo no Brasil. São Paulo: Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo; Ed. 34, 1999. ______. Classes, raças e democracia. São Paulo: Editora 34, 2002. GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Introdução. In:______. Racismo e Anti-Racismo no Brasil. São Paulo: Ed. 34, 1999. p. 7-15.
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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE). Síntese de Indicadores Sociais 2010: uma análise das condições de vida da população brasileira 2010. Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: <http://todospelaeducacao.org.br//arquivos/biblioteca/sis_2010.pdf>. Acesso em: 23 mai. 2012. JACÓ-VILELA, Ana Maria; SATO, Leny (orgs). Diálogos em Psicologia Social. Porto Alegre. ABRAPSO-Sul, 2007. p.257-274. ROSEMBERG, Fúlvia. Educação: para quem? Ciência e Cultura. Campinas, n. 28, v. 12, p. 1.466-1.471, dez. 1976. ________. A criança pequena e o direito à creche no contexto dos debates sobre infância e relações raciais. In: BENTO, Maria Aparecida Silva. Educação infantil, igualdade racial e diversidade: aspectos políticos, jurídicos, conceituais. São Paulo, CEERT, 2011b, p. 11-46.