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Curso de psicologia Geral Volume 3

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Curso de Psicologia Geral a. R. Luria Volume 3

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Curso de psicologia GeralVolume 3

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A presente obra compõe-se de quatro volumes, a saber:I.  Introdução Evolucionista à PsicologiaII.  Sensações e PercepçãoIII. Atenção e MemóriaIV. Linguagem e Pensamento

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A. R. Luria

Curso de Psicologia GeralVolume III 2º EdiçãoAtenção e MemóriaTradução de PAULO BEZERRA

Revisão técnica deHELMUTH R. K RÜGER 

Professor de Psicologia daUFRJ e da UERJSociedade Unificada Paulista d* Ensino Renovado Obietivo - SUPERO

Data 13/01/99 Nº da chamada 159.9- c967c – 2 ed.u.3.e.3

civilização *• brasileira

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Título do original em russo: VNIMANIE I PAMIATICapa: DOÜNÊ

Revisão: NILO FERNANDES

R EGINA BEZERRAUU.I»

1991Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, seja de que forma for,sem expressa autorização por escrito daEDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A. Av. Rio Branco, 99 - 20? andar 20.040 - Rio de Janeiro -RJ.TEL.: (021) 263 20 82 TELEX (21) 33.798 FAX: (021) 263 61 12 Caixa Postal: 2.356 - Cep. 20.010 -Rio de Janeiro - RJ.Impresso no Brasil Printed in Brazil 

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SUMÁRIO1-ATENÇÃO  1Fatores determinantes da atenção  2Bases fisiológicas da atenção  6Mecanismos neurofisiológicos da  ativação. O

sistema reticular de ativação  9O reflexo orientado como base da  atenção 16 Orientação e atenção  19Tipos de atenção  22Métodos de estudo da atenção  26Desenvolvimento da atenção  29Patologia da atenção  352 — MEMÓRIA 39História do estudo da memória 40Bases fisiológicas da memória 44

Conservação dos vestígios do sistema nervoso 44

Processo de "consolidação" dos vestígios 47Mecanismos fisiológicos da memória "breve" e "longa" 50Sistemas cerebrais que asseguram a memória 56Tipos principais de memória 59Imagens sucessivas 59

Imagens diretas (eidéticas) 61Imagens da representação 63Memória verbal 67

Psicologia da atividade mnemônica. Memorização e reprodução 68

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Influência da organização semântica sobre a memorização 74Dependência da memorização face à estrutura da atividade 77Peculiaridade individuais da memória 83Métodos de estudo da memória 86Desenvolvimento da memória 91

Patologia da memória 96

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IAtenção0 HOMEM recebe um imenso número de estímulos mas entre estes ele seleciona os mais

importantes e ignora os restantes. Potencialmente ele pode fazer um grande número de possíveismovimentos mas destaca poucos movimentos racionais que integram as suas habilidades e inibeos outros. Surge-lhe grande número de associações mas ele conserva apenas algumas, essenciais

 para a sua atividade, e abstrai as outras que dificultam o seu processo racional de pensamento.A seleção da informação necessária, o asseguramento dos programas seletivos de ação e amanutenção de um controle permanente sobre elas são convencionalmente chamados deatenção.O caráter seletivo da atividade consciente, que é função da atenção, manifesta-se igualmente nanossa percepção, nos processos motores e no pensamento.Se não houvesse essa seletividade, a quantidade de informação não selecionada seria tãodesorganizada e grande que nenhuma atividade se tornaria possível. Se não houvesse inibiçãode todas as associações que afloram descontrola-

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damente, seria inacessível o pensamento organizado, voltado para a solução dos problemascolocados diante do homem.Em todos os tipos de atividade consciente deve ocorrer um processo de seleção dos processos

 básicos, dominantes, ,que constituem o objeto da atenção do homem, bem como a existência deum "fundo" formado pelos processos cujo acesso está retido na consciência; em qualquer momento, caso surja a tarefa correspondente, tais processos podem passar ao centro da atençãodo homem e tornar-se dominantes.É por este motivo que se costumam distinguir o volume da atenção, sua estabilidade e suasoscilações.Por volume da atenção costuma-se entender o número de sinais recebidos ou associaçõesocorrentes, que podem conservar-se no centro de uma atenção nítida, assumindo caráter dominante.Por estabilidade da atenção costuma-se entender a duração com a qual esses processosdiscriminados pela atenção podem manter seu caráter dominante.Por oscilações da atenção costuma-se entender o caráter cíclico do processo, no qualdeterminados conteúdos da atividade consciente ora adquirem caráter dominante, ora o perdem.

 Fatores determinantes da atenção

Quais são os fatores que determinam a atenção do homem? Podemos distinguir pelo menos dois grupos de fatores que asseguram o caráter seletivo dos processos psíquicos, determinando tantoa orientação como o volume e a estabilidade da atividade consciente.Situam-se no primeiro grupo os fatores que caracterizam a estrutura dos estímulos externos quechegam ao homem (ou a estrutura do campo exterior), situando-se no segundo grupo os fatoresreferentes à atividade do próprio sujeito (estrutura do campo interno).Examinemos cada grupo isoladamente.O primeiro grupo é constituído pelos fatores dos estímulos exteriormente perceptíveis aosujeito; estes determinam o sentido, o objeto e a estabilidade da atenção, aproximam-se dosfatores da estrutura da percepção.2

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O primeiro fator, integrante deste grupo, é a intensidade (força) do estímulo. Se propomos aosujeito um grupo de estímulos idênticos ou diferentes, entre os quais uns se distinguem pelaintensidade (grandeza, coloração, etc), a atenção do sujeito é atraída justamente por esseestímulo. É natural que quando o sujeito entra numa sala de iluminação fraca, sua atenção sevolte subitamente para uma lâmpada que se acenda de repente. Note-se que quando no campo

 perceptivo atuam dois estímulos de intensidade diferente e quando as relações entre estes sãotão equilibradas que nenhum deles domina, a atenção do homem adquire caráter instável esurgem oscilações da atenção, nas quais ora um, ora outro se torna dominante. Anteriormente,quando examinamos as leis da percepção da estrutura, apresentamos exemplos de tais"estruturas instáveis".O segundo fator externo, que determina o sentido da atenção, é a novidade do estímulo oudiferença entre este e os outros estímulos.Se entre estímulos bem conhecidos surge um que se distingue acentuadamente dos outros ou éincomum, novo, ele começa imediatamente a atrair para si a atenção e provoca um reflexoorientado especial.

 Na primeira parte deste, apresenta-se entre círculos idênticos uma única cruz, acentuadamentedistinta das outras figuras; na segunda parte, apresentam-se várias séries de linhas idênticas,

sendo que numa destas há uma passagem que distingue esse lugar dos outros; na terceira, entre pontos grandes idênticos, apresenta-se um ponto fraco que se distingue dos demais. Vê-sefacilmente que, em todos os casos, a atenção se volta para o elemento distintivo, "novo", que àsvezes conserva a mesma força física que os outros estímulos comuns e, às vezes., pode ser atémais fraco do que os outros, pela intensidade. Não é difícil lembrar que se cessa de repente umsom costumeiro que se repete em monotonia (o ronco de um motor, por exemplo), a ausência doestímulo pode se tornar um fator que chama a atenção.As duas referidas condições determinam o sentido da atenção. Mas existem também fatoresexternos que lhe determinam o volume.Já dissemos que a percepção dos estímulos que chegam do meio exterior ao homem depende dasua organização estrutural. É fácil ver que não podemos perceber com êxito um3

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grande número de' estímulos desordenadamente dispersos embora possamos fazê-lo facilmentese eles estiverem organizados em determinadas estruturas.A organização estrutural do campo perceptivo é um dos meios mais poderosos de direção danossa percepção e um dos mais importantes fatores de sua ampliação, enquanto a organizaçãoracional psicologicamente fundamentada do campo perceptivo é uma das tarefas maisimportantes da engenharia psicológica. Não é difícil perceber a grande importância que adquirea garantia de formas mais racionais de organização do fluxo de informação que chega aoaviador que pilota aviões rápidos ou super-rápidos.Todos os referidos fatores, que determinam o sentido e o volume da atenção, situam-se entre as

 peculiaridades dos estímulos externos que atuam sobre o homem, noutros termos, situam-se naestrutura da informação que chega do meia exterior.Percebe-se sem dificuldade o quanto é importante levar em conta esses fatores para aprender adirigir a atenção do homem em base científica.Entre o segundo grupo de fatores determinantes do sentido da atenção, situam-se aqueles queestão relacionados não tanto com o meio exterior quanto com o próprio sujeito e com aestrutura de sua atividade. A esse grupo de fatores pertence principalmente a influênciaexercida pelas necessidades, os interesses e os objetivos do sujeito sobre a sua percepção e o

 processo de sua atividade.Quando analisamos os problemas da evolução biológica do comportamento dos animais, vimoso papel decisivo da importância biológica dos sinais no comportamento dos animais. Indicamosque o pato percebe os cheiros vegetais enquanto o esmerilhão percebe os cheiros de podre,essencialmente vitais para eles; indicamos que a abelha reage a formas complexas queconstituem indícios de flores, desprezando as formas geométricas simples sem importância

 biológica para ela; o gato que reage vivamente ao ruído do rato, não dá atenção aos sons dofolheamento de um livro ou ao farfalhar de um jornal. É fato bastante conhecido que a atençãodos animais é provocada por sinais de importância vital.Tudo isso se refere igualmente ao homem, com a única diferença de que as necessidades einteresses que o caracterizam não têm, em sua grande maioria, caráter de instintos e4

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inclinações biológicos mas caráter de fatores motivacionais complexos que se formaram no processo da história social. Por exemplo, o homem que se interessa pelo esporte distingue entretoda a informação que lhe chega aquela que se refere a uma partida de futebol, ao passo que ohomem que se interessa pelas novidades da eletrônica procura livros que se referem justamentea esse objeto.É fácil nos convencermos de que o interesse forte do homem, que torna alguns sinaisdominantes, inibe simultaneamente os sinais secundários que não pertencem ao seu campo deinteresses. São bem conhecidos fatos segundo os quais cientistas absortos na solução de um

 problema complexo deixam de perceber todas as excitações secundárias; tais fatos indicam oque acaba de ser dito.

 A organização estrutural da atividade humana é de importância essencial para a compreensãodos fatores que dirigem a atenção do homem.É sabido que a atividade do homem é condicionada por necessidades ou motivos e sempre visaa um objetivo determinado. Se em alguns casos o motivo pode permanecer inconsciente, oobjetivo e o objeto da atividade são sempre conscientizados. Sabe-se, por último, que é

 justamente esta circunstância que distingue o objetivo da ação dos meios e operações pelosquais ele é atingido. Enquanto as operações isoladas não se automatizam, a execução de cada

uma delas constitui o objetivo de certa parte da atividade e atrai para si a atenção. Basta lembrar como fica tensa a atenção de um atirador inexperiente ao puxar o gatilho ou a atenção de umdatilografo iniciante a cada batida do teclado. Quando a atividade se automatiza, certasoperações que a compõem deixam de atrair a atenção e passam a desenvolver-se semconscientização, ao passo que o objetivo fundamental continua a ser conscientizado. Para ver isto, basta analisar atentamente o desempenho no tiro de um atirador bem preparado ou o

 processo de datilografia de uma datilografa experiente.Tudo isso mostra que o sentido da atenção é determinado pela estrutura psicológica daatividade e depende essencialmente do grau de sua automatização. A tarefa geral, que orienta aatividade do homem, distingue como objeto da atenção o sistema de sinais ou relações quefazem parte da atividade provocada do homem, suscitada por tal tarefa. O objetivo concreto aque o homem que resolve a tarefa visa

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converte em centro da atenção os sinais ou ações relativos a ela. O processo de automatizaçãoda atividade leva a que certas ações, que chamavam a atenção, se convertam em operaçõesautomáticas e a atenção do homem comece a deslocar-se para os objetivos finais, deixando deser atraída por operações costumeiras bem consolidadas. É quase fundamental o fato de que aorientação da atenção se encontra em dependência direta do êxito ou do insucesso da atividade.O feliz coroamento da atividade elimina imediatamente a tensão que o homem manteve durantetodo o tempo em que tentou resolver a tarefa. Por exemplo, a pessoa que acaba de enviar umacarta esquece no mesmo instante a intenção cumprida e esta deixa de intranqüilizá-la. Aocontrário, uma atividade não concluída ou um problema resolvido sem êxito continua

 provocando tensão e atraindo atenção, mantendo-a enquanto o problema não é resolvido.A atenção integra como mecanismo de controle o aparelho da "ação aceptora": ela assegura ossinais indicadores de que o problema ainda não foi resolvido, a ação ainda não terminou e são

 justamente esses sinais inversos que motivam o sujeito a continuar trabalhando ativamente.Deste modo, a atenção do homem é determinada pela estrutura de sua atividade, reflete o seu

 processo e lhe serve de mecanismo de controle.Tudo isto torna a atenção um dos aspectos mais importantes da atividade consciente do homem.

 Bases fisiológicas da atenção

Durante muito tempo a Psicologia e a fisiologia tentaram descrever os mecanismos quedeterminam a ocorrência seletiva dos processos de excitação e servem de base à atenção.Durante muito tempo, porém, essas tentativas se limitaram a indicar esse ou aquele fator, sendoantes descritivas do que autenticamente discriminatórias dos mecanismos fisiológicos daatenção.Alguns psicólogos consideravam que o sentido e o volume da atenção são determinadosinteiramente pelas leis da percepção estrutural, razão pela qual achavam supérfluo reservar aoestudo da atenção um capítulo especial da Psicolo-6 

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gia e pensavam que o conhecimento de leis como as leis da "precisão" e da "estruturalidade" da percepção eram suficientes para um julgamento definitivo do processo de atenção. Essa posiçãoera ocupada pela psicologia da Gestalt e um gestaltista dedicou ao tema um artigo especial,tentando demonstrar a tese de que não existe a atenção enquanto categoria especial dos

 processos psíquicos separados da percepção.O segundo grupo de psicólogos mantinha as posições da teoria "emocional" da atenção.Achavam estes que o sentido da atenção era determinado inteiramente pelas inclinações, pelasnecessidades de emoções, esgotando-se com as leis destas, e que a atenção não devia ser destacada numa categoria especial de processos psíquicos.Muitos behavioristas americanos ocupam praticamente essa posição.Por último, o terceiro grupo de psicólogos que enfocam o problema das posições da teoriamotora da atenção, vê na atenção uma manifestação dos objetivos motores que servem de basea cada ato volitivo e considera que o mecanismo da atenção é constituído pelos sinais dosesforços nervosos e caracterizam qualquer tensão provocada por uma atividade determinadadirigida a certo fim.Vê-se facilmente que cada uma dessas teorias distingue certo componente integrante da atençãomas em realidade não tenta abordar o problema dos mecanismos fisiológicos gerais que servem

de base à atenção.Dificuldades consideráveis surgiram ante os fisiologistas que lançaram as hipóteses das basesfisiológicas gerais da atenção.Durante muito tempo, essas tentativas foram de caráter excessivamente genérico e consistiramantes na descrição das condições gerais do processo seletivo de excitação do que nadiscriminação dos mecanismos fisiológicos especiais da atenção.Uma das primeiras tentativas foi a hipótese do conhecido fisiologista inglês Ch. Sherrington,que mais tarde recebeu a denominação amplamente conhecida como "teoria geral do campomotor" ou "funis de Sherrington". Observando o fato de que nos cornos posteriores da medulaespinhal há bem mais neurônios sensórios do que neurônios motores, Sherrington lançou a tesede que nem todos os impulsos motores po-7 

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dem chegar ao seu fim motor e de que um grande número de excitações sensoriais tem seu "campo motor geral", que a relação entre os processos sensoriais e motores podem assemelhar a um funil em cujaabertura larga penetram os impulsos sensoriais e do furo estreito saem as inervações motoras. Vê-sefacilmente que entre os impulsos sensoriais surge "uma luta pelo campo motor geral" na qual vencem osimpulsos mais fortes, melhor preparados ou integrantes de determinado sistema biológico. Apesar deSherrington ter sido um dos primeiros fisiologistas a estudar a atividade integrativa do cérebro e a

formular a tese da estrutura sistêmica dos processos fisiológicos, a teoria da "luta pelo campo motor geralse assemelha apenas nos traços mais genéricos aos mecanismos fisiológicos que servem de base àatenção.Esse mesmo caráter genérico é verificado também nos primeiros enunciados de Pavlov, que assemelhavaa atenção (e a consciência nítida) a um foco de excitação optimal, que se movimenta pelo córtex cerebralà semelhança de "um ponto luminoso em deslocamento". A idéia do foco de excitação optimal enquanto base da atenção mostrou-se posteriormente muito importante e levou a alguns mecanismos fisiológicosessenciais da atenção embora, evidentemente, fosse demasiado genérica para dar uma explicaçãosatisfatória desses processos.A. A. Ukhtomsky, notável fisiologista russo, deu uma contribuição considerável à análise dosmecanismos fisiológicos da atenção. Segundo as suas concepções, a excitação se distribui de maneiradesigual pelo sistema nervoso e cada atividade instintiva (assim como os processos do reflexocondicionado) pode criar no sistema nervoso focos de excitação optimal, que adquirem caráter 

dominante. Esses focos, a que Ukhtomsky chamou dominantes, não só dominam sobre os demais einibem outros focos paralelos como também adquirem inclusive a capacidade de reforçar-se sob o efeitode ex-citações estranhas. Assim, a rã que em determinado período adquire o dominante do reflexoabrangente das patas dianteiras, reage à excitação das patas traseiras com a intensificação dos dominantesque abrangem o movimento das patas dianteiras. Essa capacidade do dominante para inibir reflexossecundários e inclusive reforçar-se sob o efeito de excitações estranhas foi considerada por Ukhtomskycomo um processo que lembra a atenção; foi justamente isto que lhe deu8 

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fundamento para considerar o dominante um mecanismo fisiológico da atenção.A contribuição da teoria do dominante à análise dos mecanismos fisiológicos do processoseletivo de excitações é indiscutível. Mas restava ainda encontrar as vias concretas deconstrução de modalidades particulares da atividade seletiva dos animais e do homem e ossistemas neurofisiológicos que servem de base a essa via. Foi este o trabalho realizado pelosneurofisiologistas nos últimos vinte anos.Mecanismos neurofisiológicos da ativação. . "  O sistema reticular da ativaçãoPara o estudo atual dos mecanismos neurofisiológicos da atenção, é fundamental o fato de que ocaráter seletivo da ocorrência dos processos psíquicos, característicos da atenção, pode ser assegurado apenas pelo estado de vigília do córtex, do qual é típico um nível optimal deexcitabilidade. Esse nível de vigília do córtex só pode ser assegurado pelos mecanismos demanutenção do necessário tônus do córtex e estes estão relacionados com a conservação derelações normais entre o tronco superior e o córtex cerebral e, acima de tudo, com o trabalho da

 formação reticular ativadora ascendente cujo papel já descrevemos anteriormente.É justamente essa formação reticular ativadora ascendente que faz chegarem ao córtex osimpulsos provenientes dos processos de troca do organismo, que são realizados pelasinclinações e mantêm o córtex em estado de vigília; é ela que faz chegarem ao córtex as

excitações derivadas do funcionamento dos extero-receptores, que conduzem a informaçãoafluente do mundo exterior inicialmente para as áreas superiores do tronco e do núcleo dotálamo ótico e, posteriormente, para o córtex cerebral. Como já foi indicado, a separação daformação reticular do tronco do córtex cerebral provoca queda do tônus e sono.

 No entanto não é apenas a formação reticular ascendente de ativação que assegura o tônusoptimal e o estado de vigília do córtex. A ela também está estreitamente ligado o aparelho do

 sistema reticular descendente cujos filamentos começam no córtex cerebral (antes de tudo nasáreas me-9

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diais e médiobasais dos lobos frontais e temporais) e se dirigem tanto no sentido dos núcleos dotronco como dos núcleos motores da medula espinhal. O trabalho da formação reticular descendente é muito importante pelo fato de que, através dela, chegam aos núcleos do troncocerebral os sistemas seletivos de excitação que surgem inicialmente no córtex cerebral e são um

 produto das formas superiores de atividade consciente do homem com os seus complexos processos cognitivos e os complexos programas de ação.Ê a interação dos dois componentes do sistema reticular de ativação que assegura as formasmais complexas de auto-regulação dos estados ativos do cérebro, mudando-os sob a influênciatanto de formas elementares (biológicas) como de formas complexas (sociais por origem) deestimulação.A importância decisiva desse sistema para assegurar os processos de ativação (arousal) foiverificada por uma grande série de fatos experimentais, observados pelos célebresneurofisiologistas H. W. Magoun, G. Moruzzi, H. H. Jasper, D. B. Lindsley, Naokhin e outros.Os testes de Bremer mostraram que o corte das áreas inferiores do tronco não leva à mudança davigília, ao passo que o corte das áreas superiores do tronco provoca sono com o surgimentocaracterístico de lentas potencialidades elétricas. Como mostrou Lindsley, nestes casos os sinais

 provocados por estímulos sensoriais continuam a chegar ao córtex mas as respostas elétricas do

córtex a esses sinais se tornam apenas breves e não suscitam mudanças longas e estáveis. Essefato mostra que, para o surgimento de processos estáveis de excitação, característicos do estadode vigília, é insuficiente só um afluxo de impulsos sensoriais, sendo necessária uma influênciamantenedora do sistema reticular ativador.Outros testes inversos, nos quais os pesquisadores não excluíram, mas excitaram a formaçãoreticular ascendente através de eletrodos nela implantados, mostraram que tal excitação daformação reticular leva ao despertar do animal enquanto a intensificação sucessiva dessasexcitações leva ao surgimento de reações efetivas bem expressas.Se os experimentos que acabamos de citar mostram como a excitação da formação reticular ascendente influencia o comportamento do animal, os experimentos posteriores, realizados

 pelos mesmos autores, permitiram um conhecimento10

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mais aproximado dos mecanismos fisiológicos dessas influências ativadoras.Verificou-se que a excitação da formação reticular do tronco provocava o surgimento de rápidasoscilações elétricas no córtex cerebral e das ocorrências de "dessincronização" que caracterizamo estado ativo de vigília do córtex. Como resultado da excitação dos núcleos da formaçãoreticular nas áreas superiores do tronco cerebral, as excitações sensoriais começaram a provocar mudanças duradouras na atividade elétrica do córtex, o que indicava uma influência crescente efixadora da formação reticular sobre os gânglios sensoriais do córtex.Por último, o que é sobretudo importante, a excitação dos núcleos da formação reticular ascendente e ativadora provocou a movimentação dos processos nervosos no córtex cerebral.Deste modo, se em condições habituais dois estímulos concomitantes provocam apenas umareação elétrica do córtex, que "não consegue a tempo" dar uma resposta isolada, aos estímulos,

 já após a excitação dos núcleos do tronco da formação reticular ativadora ascendente, cada umdesses estímulos começa a gerar resposta isolada, o que sugere uma elevação substancial damobilidade dos processos de excitação que ocorrem no córtex.Essas ocorrências eletro fisiológicas correspondem também aos fatos registrados nos testes

 psicológicos de Lindsley. Este mostrou que a excitação dos núcleos do tronco da formaçãoativadora reticular ascendente reduz substancialmente os limiares ■ da sensibilidade (noutros

termos, aguçam a sensibilidade) do animal e permitem diferenciações sutis (por exemplo, adiferenciação entre a figura de um cone e a de um triângulo), antes inacessíveis ao animal.Pesquisas posteriores, realizadas por alguns autores (Hernandez Peón, Doti, e outros) mostraramque, se o corte das vias da formação reticular ascendente leva ao desaparecimento dos reflexoscondicionados antes adquiridos, então com a excitação dos núcleos da formação reticular torna-se possível a aquisição de reflexos condicionados inclusive nas excitações subliminares, nasquais antes não ocorriam reflexos condicionados.Tudo isso alude nitidamente à influência ativadora da formação reticular ascendente sobre ocórtex cerebral e indica que ela assegura o estado ideal do córtex cerebral, que é necessário àvigília.11

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 No entanto surge uma pergunta: será que a formação reticular ascendente assegura apenas ainfluência ativadora genérica sobre o córtex cerebral ou sua influência ativadora apresentatraços seletivos específicos?Até recentemente os pesquisadores tendiam a considerar a influência ativadora da formaçãoreticular ascendente como influência modal — não específica: ela se manifestava igualmenteem todos os sistemas sensoriais e não apresentava qualquer efeito seletivo sobre nenhum deles(visão, audição, etc).Ultimamente foram obtidos dados indicadores de que as influências ativadoras da formaçãoreticular ascendente têm caráter também seletivo e específico. No entanto essa especificidadedas influências da formação reticular ativadora é de outra natureza: ela assegura não tanto aativação seletiva de processos sensoriais isolados quanto a ativação de sistemas biológicos, istoé, os sistemas de reflexos alimentares, defensivos e orientados. Isto foi sugerido por Anokhin,que mostrou que existem partes isoladas da formação reticular ascendente que ativam diferentessistemas biológicos e são sensíveis a diversos agentes farmacológicos.Foi demonstrado que a uretana provoca um bloqueio da vigília e leva ao surgimento do sono,mas provoca um bloqueio dos reflexos defensivos de dor; a aminazina, ao contrário, não

 provoca bloqueio da vigília mas leva ao bloqueio dos reflexos defensivos de dor.

Esses dados dão fundamento para pensar que na influência ativadora da formação reticular ascendente existe certa seletividade mas esta corresponde apenas àqueles sistemas biológicos básicos que motivam o organismo para um desempenho ativo. Não são menos interessantes para a Psicologia os impulsos ativadores seletivos, que sãoassegurados pela formação reticular ativadora descendente cujos filamentos começam nocórtex cerebral (sobretudo nas áreas mediais dos lobos frontal e temporal) e dali se dirigem aosaparelhos das áreas superiores do tronco.Há fundamentos para se supor ser justamente esse sistema o que desempenha papel essencial aoassegurar a influência ativadora seletiva sobre as modalidades e os componentes da atividadeque se formam com a participação imediata do córtex cerebral e que essas influências são pre-12

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cisamente as que têm relação mais íntima com os mecanismos fisiológicos das formassuperiores de atenção.Os dados da anatomia mostram que os filamentos descendentes da formação reticular começam

 praticamente em todas as áreas do córtex cerebral, especialmente nas áreas mediais emediobasais do lobo frontal e de sua região límbica. O começo de tais filamentos pode ser constituído tanto pelos neurônios das áreas profundas de muitas zonas do córtex cerebral quanto

 por grupos especiais de neurônios que, em sua maioria, se encontram nas zonas límbicas docérebro (no hipocampo) e nos gânglios basais (corpo caudal). Esses neurônios se distinguemessencialmente dos neurônios específicos que correspondem a propriedades fracionáriasisoladas das excitações visuais ou auditivas. Ao contrário destes, aqueles neurônios nãorespondem a quaisquer excitações específicas (visuais ou auditivas): basta um pequeno númerode repetições destas excitações para que esses neurônios "se acostumem" a elas e deixem dereagir ao seu aparecimento sejam quais forem as cargas. No entanto basta surgir qualquer mudança do estímulo para que os neurônios reajam a ela com cargas. É característico o fato deque as cargas podem surgir num grupo isolado de neurônios em medida idêntica com a mudançade quaisquer estímulos (táteis, visuais, auditivos) e não só o reforço como também oenfraquecimento dos estímulos ou a ausência do estímulo esperado (como, por exemplo, na

omissão de uma série rítmica de excitadores) pode provocar um desempenho ativo dessesneurônios.Diante de tais circunstâncias, alguns autores como, por exemplo, o neurofisiologistas canadenseH. H. Jasper, propuseram chamar-lhes "neurônios da novidade" ou "células da atenção". Écaracterístico que no período em que o animal aguarda sinais ou procura a saída de um labirinto,é justamente nessas áreas do córtex (onde 60% de todos os neurônios pertencem ao grupo queacabamos de descrever) surgem séries ativas, que cessam com a supressão do estado deexpectativa ativa.Isto mostra que os dados da região cortical e os neurônios não específicos que nesta seencontram e respondem a cada mudança de situação, são um importante aparelho que modificao estado de atividade do cérebro e regula a sua prontidão para a ação.13

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Se no animal a parte mais importante do encéfalo, a qual desempenha importante papel na regulação doestado de prontidão, é a das áreas mediais da região límbica e dos gânglios basais, já no homem, com suasformas complexas altamente desenvolvidas de atividade, esse aparelho principal, que regula o estado deatividade, é constituído pelas áreas lobulares do cérebro.Em suas pesquisas, o conhecido fisiologista inglês Walter Gray mostrou que cada estado de expectativaativo (por exemplo, a expectativa de um terceiro ou quinto sinal em resposta ao qual o sujeito deve

apertar um botão) provoca o surgimento, nos lobos cerebrais, de oscilações elétricas especialmente lentas,às quais ele chamou ondas de expectativa. Estas ondas se intensificam bruscamente quando a probabilidade do sinal esperado aumenta, enfraquecendo quando a probabilidade dos sinais diminui edesaparecendo totalmente quando se substitui a instrução para a espera do surgimento do sinal.Outra prova do papel desempenhado pelo córtex dos lobos cerebrais na regulação do estado de atividade éconstituída pelos testes do fisiologista soviético N. N. Livanov.Retirando as correntes de ação de um grande número de pontos do crânio, correspondentes a diversasáreas do córtex, Livanov mostrou que cada tensão intelectual (por exemplo, a tensão que surge na soluçãode complicados exemplos aritméticos como a multiplicação de um número de dois algarismos por outro)faz surgir nos lobos cerebrais um grande número de pontos que trabalham sincronicamente e estaocorrência continua enquanto a tensão permanece, desaparecendo, após a solução do problema. Ésobretudo interessante que o número desses pontos que trabalham em sincronia no córtex lobular ésobretudo grande nos estados patológicos do cérebro que se caracterizam por um estado estável e elevado

de tensão (como ocorre, por exemplo, nos pacientes que sofrem de esquizofrenia paranóica),desaparecendo após a adoção de agentes farmacológicos que eliminam essa tensão.Tudo isso mostra que os lobos do cérebro têm importância decisiva no surgimento das excitações, querefletem a mudança dos estados de atividade do homem.O estado de elevada excítação "não específica" no córtex da região límbica do animal e dos lobos docérebro humano é a fonte dos impulsos que posteriormente descem pelos fila-14

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inentos da formação reticular descendente no sentido das áreas superiores do tronco e exercem influênciaconsiderável sobre o desempenho destas.Como mostraram as observações de eminentes fisiologis-tas (French, Nauta, Laguren e outros), asexcitações das áreas do córtex cerebral provocam uma série de mudanças na atividade elétrica dosnúcleos do tronco e levam à animação do reflexo orientado.Assim, com a excitação das áreas occipitais do córtex cerebral, podem mudar substancialmente as

respostas elétricas das áreas profundas do sistema visual (N. S. Narikashvili). A excitação do córtexmotorsensorial leva à atenuação das respostas provocadas nas áreas subcorticais do sistema motor ou àinibição destas. Além do mais, a excitação de sistemas isolados pode levar ao surgimento de diversasmanifestações comportamentais, que fazem parte do reflexo orientado.Fenômenos semelhantes são provocados também pelas formas complexas de atividade do animal, quegeram no córtex focos de excitação elevada cuja influência se estende às formações do tronco através daformação reticular ascendente. Fatos análogos foram descritos pelo conhecido fisiologista mexicanoHernandez Péon, que observou que as ativas cargas elétricas dos núcleos do nervo auditivo, que surgemno gato em resposta a ruídos sonoros, desapareciam quando se mostrava um rato ao gato ou este sentiacheiro de peixe. Esses fatos mostram que os focos de excitação, que surgem no córtex cerebral, podemintensificar ou bloquear o trabalho das formações subjacentes do tronco cerebral, noutros termos, podemregular os estados de atividade que surgem com a participação dessas formações.Participação análoga do córtex no trabalho da formação subjacente pode ser observada quando

desaparece a influência ativadora do córtex cerebral.Deste modo, a extirpação do córtex límbico nos animais leva a mudanças nítidas na atividade elétrica dasáreas do tronco cerebral e a distúrbios visíveis no comportamento do animal. Por um lado, a destruição docórtex ou a redução de sua, influência leva ao surgimento de uma reanima-ção patológica do reflexo,orientado e à perda do seu caráter «eletivo, fato considerado pela ciência moderna como eliminação dasinfluências inibitórias do córtex cerebral sobre os mecanismos da. estrutura subcortical do troncocerebral.15

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Tudo isto mostra que os sistemas reticulares ascendente e descendente, que contatam o córtexcerebral com as formações do tronco por meio de ligações bilaterais, têm influência ativadoratanto genérica quanto seletiva; se o sistema reticular ascendente, que conduz os impulsos até acórtex cerebral, serve de base às formas biologicamente condicionadas de ativação (relacionadatanto com os processos de troca e as inclinações elementares do organismo quanto com ainfluência ativadora geral da afluência de excitações), o sistema reticular descendente provoca ainfluência ativadora dos impulsos, que surgem no córtex cerebral sobre as formaçõessubjacentes e deste modo asseguram as formas superiores de ativação seletiva do organismo emrelação às tarefas concretas que se impõem ao homem e às formas mais complexas de suaatividade consciente.O reflexo orientado como base da atençãoO sistema reticular ativador, com os seus filamentos ascendentes e descendentes, é o aparelhoneurofisiológico que assegura uma das formas mais complexas da atividade refle-tora,conhecida pela denominação de reflexo orientado (ou pesquisador-orientado). A influênciadeste reflexo para a compreensão das bases fisiológicas da atenção é tão grande que ele mereceuma análise especial.Cada reflexo incondicionado, que tem por base uma influência biologicamente importante para

o animal (influência alimentar, dolorosa, sexual), gera um sistema seletivo de resposta a essesestímulos com inibição simultânea de todas as reações aos estímulos secundários. Esse mesmocaráter seletivo é observado nos reflexos condicionados. Nestes, domina um sistema de reações,reforçado por um estímulo incondicionado, enquanto todas as reações secundárias restantes sãosimultaneamente reprimidas. Podemos dizer que tanto os reflexos incondicionados quanto oscondicionados que neles se baseiam criam determinado foco dominante de excitação cujodesempenho obedece às leis do dominante.Entre todos os tipos de atividade reflexa devemos, entretanto, enfatizar uma na qual ocomportamento do animal não é excitado por um dos motivos de comportamento acima eno-16 

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merados, atividade essa que não é um reflexo alimentar, defensivo nem sexual. Essa atividade tem por  base a reação ativa do animal a cada mudança de situação, que é a que provoca no animal animaçãogeral e uma série de reações seletivas destinadas a identificar essas mudanças de situação. Pavlov chamoua esse tipo de reflexos reflexos orientados ou reflexos do "o que é isto?".O reflexo orientado se manifesta numa série de reações eletrofisiológicas, vasculares e motoras nítidas,que surgem sempre que ocorre algo incomum ou importante na situação que rodeia o animal. Entre essas

reações situam-se a virada do olho e da cabeça no sentido do novo objeto, a reação de precaução ouescuta; entre elas, situam-se no homem a manifestação da reação galvânica da pele (mudança daresistência da pele ao choque elétrico ou o surgimento dos potenciais elétricos próprios da pele), asreações vasculares (compressão dos vasos do braço com a expansão dos vasos da cabeça), a mudança darespiração e, por último, o surgimento de ocorrências de "dessincronização" nas reações bioelétricas docérebro, que se manifestam na depressão do "alfa-ritmo" (oscilações elétricas de 10-12 w por segundo,características do funcionamento do córtex cerebral em estado calmo). Todas essas ocorrências podem ser observadas sempre que surge reação de precaução ou reflexo orientado, provocado pelo surgimento deum estímulo novo ou essencial para o sujeito.Os cientistas ainda não são unânimes em responder se o reflexo orientado é uma reação condicionada ouincondicionada.Pelo caráter inato, o reflexo orientado pode ser incluído entre os reflexos incondicionados. O animalresponde com uma reação de precaução a quaisquer estímulos novos ou essenciais de qualquer 

aprendizagem; por este indício, o reflexo orientado se situa entre as reações incondicionadas e congênitasdo nrnarjicrqo. A existência de neurônios especiais, que respondem com descargas a qualquer mudançade situação, indica que o reflexo orientado se baseia na ação de determinados aparelhos nervosos.Por outro lado, o reflexo orientado apresenta uma série de indícios que o distinguem essencialmente dosreflexos condicionados comuns: com a repetição constante do mesmo estímulo, as ocorrências do reflexoorientado logo se extin-guem, o organismo se habitua a esse estímulo cujos indí-17 

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cios deixam de provocar as reações descritas. Esse desaparecimento das respostas orientadas aosestímulos que se repetem é denominado habituação (habituation).Cabe observar que o desaparecimento do reflexo orientado na medida da habituação pode ser uma ocorrência provisória, sendo necessária uma pequena mudança no estímulo para a reaçãoorientada tornar a surgir. Essa ocorrência do surgimento do reflexo orientado sob mudançasmínimas da excitação é chamada às vezes de reação da excitação (ou arousal). É característicoque semelhante ocorrência de reflexo orientado, como já observamos, pode verificar-se não sócom o reforçamento mas também com o enfraquecimento do estímulo habitual e até mesmocom o seu desaparecimento completo. Assim, basta "extinguir" inicialmente os reflexosorientados aos estímulos ritmicamente apresentados e, em seguida, depois, que as reaçõesorientadas a cada estimulação tenham-se extinguido como resultado da habituação, omitir umdos estímulos apresentados por via rítmica. Neste caso, a ausência do estímulo esperado

 provocará o surgimento de reflexo orientado.Por todos esses traços da sua dinâmica, o reflexo orientado difere essencialmente do reflexoincondicionado. Cabe observar também que o reflexo orientado pode ser provocado por umestímulo condicionado: ele pode ser obtido apresentando-se ao animal um sinal condicional,que anunciará o surgimento de alguma mudança na situação ambiente. Para o homem, esse sinal

 pode ser representado pela palavra, que nele provoca facilmente ocorrências de alerta, precaução e expectativa do surgimento do sinal, etc.Seria incorreto pensar que o reflexo orientado tem caráter de ativação geral, generalizada doorganismo. Em realidade, ele pode ter caráter diferenciado e seletivo, sendo que a seletividade

 pode manifestar-se tanto em relação aos sinais que surgem como pelo caráter da prontidão dosaparelhos motores efetivos que são gerados pelo "estado de alerta".Isto é facilmente observável se, durante muito tempo, apresentarmos ao sujeito um sinalqualquer, por exemplo, um som de determinada altura; neste caso, por força do hábito, todas asrespostas a esse som serão extintas embora essa "habituação" tenha caráter seletivo e seja

 bastante uma mudança mínima da altura do som para que torne a surgir todo um complexo derespostas orientadas. Esse procedimento18

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 permitiu ao pesquisador soviético E. N. Sokolov avaliar objetivamente a seletividade que caracteriza asreações orientadas (ou "reações de excitação") em relação aos sinais diferenciados e falar de um "modelonervoso de estímulo" que se manifesta através da aplicação desse procedimento.Orientação e atençãoA alta seletividade do reflexo orientado pode manifestar-se também em relação à sua parte efetiva emotora. As pesquisas mostraram que, se o homem aguarda eclosão de luz, surge nele uma mudança das

respostas elétricas ("potenciais gerados") nas áreas visuais (occipitais), e se ele aguarda uma excitaçãodolorosa, surgem-lhe mudanças das respostas elétricas ("potenciais gerados") na área sensomotora docórtex.Se o sujeito foi alertado para responder ao sinal com um movimento do braço direito, então a espera dessesinal provoca mudanças das ocorrências elétricas (eletromiogra-mas) nos músculos do braço direito, sem provocar ocorrências idênticas nos músculos do braço esquerdo. Ocorre o contrário quando se alerta osujeito para que ele movimente o braço esquerdo em resposta ao sinal. Esse estado de alerta paradeterminado movimento é denominado orientação para o movimento e seus indícios objetivos têmcaráter rigorosamente seletivo.Esses fatos mostram igualmente que a reação ativadora, incluída no sistema de reflexo orientado, pode ter caráter rigorosamente seletivo.O caráter seletivo da orientação, provocado no homem pelo alerta para uma atividade qualquer, foiminuciosamente estudado pelo notável psicólogo soviético D. N. Uznadze em seus conhecidíssimos

experimentos com a orientação fixada.Depois que o sujeito apalpava várias vezes uma pequena esfera com a mão direita, ele conservava uma"orientação fixada", isto ê, o alerta para receber na mão direita uma esfera de volume maior. Por isto,quando se colocavam inesperadamente esferas idênticas nas mãos do sujeito, esse estímulo entrava emconflito com a esperada desigualdade das esferas e a esfera colocada na mão direita, em contraste com a19

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esperada, era interpretada como menor do que a esfera colocada na mão esquerda.Essa orientação, que se manifesta na "ilusão de contraste" que acabamos de descrever,mantinha-se durante algum tempo e depois extinguia-se paulatinamente, sendo que, em algunssujeitos, esse processo de extinção da orientação fixada podia apresentar caráter variado: em unsa orientação criada se extinguia paulatinamente e apresentava oscilações (a ilusão de contrasteora se manifestava, ora desaparecia para, afinal, extinguir-se inteiramente); em outros, ela semantinha apenas por um tempo muito breve e logo desaparecia. As diferenças individuais nasituação criada se manifestavam também no seu grau de seletividade. Em uns sujeitos, aorientação no tamanho variado das esferas, provocada pelo experimento descrito, limitava-se aocampo motor e se manifestava apenas nos experimentos de apalpação das esferas tendo,conseqüentemente, caráter concentrado. Em outros sujeitos, a orientação se estendia a outroscampos e depois que a ilusão descrita era gerada no campo motor (apalpação de esferas dediferentes tamanhos com as mãos direita e esquerda) ela se manifestava também no campovisual, na ilusão de que das duas esferas de diâmetro idêntico, a direita (correspondente à mãodireita) era menor do que a esquerda; essa ocorrência aponta o caráter irradiado da orientação

 provocada.Os testes de orientação, que são um procedimento especial de estudo das ocorrências de

ativação, indicam o quanto esses fenômenos podem ter caráter seletivo no homem.Esses testes abrem novas perspectivas para o estudo dos processos de ativação no homem e paraa análise dos fatores que a regulam.As ocorrências de "reflexo orientado" da "ativação" podem ser geradas por qualquer mudançade situação ou pela expectativa de um estímulo novo ou essencial. Elas se extin-guem

 paulatinamente como resultado da "habituação" e tornam a manifestar-se com a mudança docaráter habitual dos estímulos que atuam sobre o sujeito.Todas essas ocorrências têm caráter natural e servem de base à atenção não involuntária.

 No entanto o homem tem a possibilidade de mudar as leis naturais da ocorrência do reflexoorientado, de tornar mais estável o estado de ativação e gerar estados de atenção20

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lunsa estáveis e duradouros inclusive naquelas condições em que o caráter habitual do estímulonão apresenta nenhuma mudança externa e esses estados continuam a ser fisicamente osmesmos quando, por força das leis naturais, as ocorrências de reflexo orientado já deveria ter desaparecido há muito tempo..Essa possibilidade de prolongar o estado de longa ativação e ultrapassar os limites das leisnaturais de sua extinção pode ser obtida no homem através de uma instrução verbal. Para tanto

 basta propor ao sujeito contar demoradamenté os estímulos propostos ou, dando-lhe uma tarefa,acompanhar a mudança de tais estímulos. Nestes casos os estímulos físicos continuam osmesmos e as respostas a eles deveriam ter sido extintas há muito tempo, mas a instrução verbal,que colocou diante do sujeito uma tarefa, mantém o estado constante de atividade. No primeirocaso (quando o sujeito conta a ordem dos estímulos) cada um deles continua fisicamente velho e

 bem conhecido, tornando-se novo psicologicamente ao adquirir determinado número, sendo istoo que mobiliza a atenção do sujeito e mantém o estado permanente de tônus elevado. Nosegundo caso, a tarefa de esperar o surgimento de uma mudança qualquer no estímulotransforma a observação que se faz sobre este em atividade de acompanhamento ativo,resultando daí que a reação da ativação se mantém por muito tempo mesmo apesar de osestímulos não mudarem concretamente.

É característico que a obliteração da instrução verbal aqui descrita leva ao rápidodesaparecimento dos indícios antes persistentes do reflexo orientado estável.A ação da instrução verbal pode provocar uma influência seletiva forte e ao mesmo temporigorosa, criando um persistente foco dominante de excitação e mudando as habituais relaçõesde força na atividade do estímulo.É sabido que o estímulo forte provoca reação elevada e o estímulo mais fraco, reação fraca. Pelaintensidade dos estímulos, porém, essas relações naturais podem mudar como resultado dainstrução verbal, que provoca no homem uma atenção seletiva a determinado estímulo. Essefato é ilustrado pelo registro dos sintomas objetivos do reflexo orientado em relação a estímulosdiferentes pela força.Se no estado normal um estímulo estranho forte provoca elevadas reações orientadas(compressão dos vasos da mão)

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enquanto sinais sonoros fracos (tons sonoros brandos) não provocam reações, com a instruçãode contar o número de sinais sonoros brandos aqueles continuam a provocar respostasvasculares estáveis (indício de reação orientada) enquan' to o ruído estranho forte não desvia osujeito do cumprimento da tarefa nem provoca qualquer reação orientada visível.

 A possibilidade de regular os processos de ativação por meio da instrução verbal constitui umdos jatos mais importantes da psicofisiologia do homem. Ela constitui a base fisiológica dasformas específicas superiores da atenção humana, sendo o registro da influência da instruçãoverbal sobre a ocorrência dos sintomas objetivos de reflexo orientado um dos mais importantesmétodos psicofisiológicos de estudo da atenção do homem.Tipos de atençãoA Psicologia distingue dois tipos básicos de atenção: o arbitrário e o involuntário.Fala-se de atenção involuntária nos casos em que a atenção do homem é atraída quer por umestímulo forte, quer por um estímulo novo ou por um interessante (correspondente ànecessidade). É justamente com esse tipo de atenção que deparamos quando viramosinvoluntariamente a cabeça ao ouvirmos no quarto uma batida súbita, quando nos precavemosao ouvirmos ruídos incompreensíveis ou quando nossa atenção é atraída por uma mudança novae inesperada da situação.

Os mecanismos da atenção involuntária são comuns no homem e no animal. Já nos referimosaos fatores desse tipo de atenção e as suas bases neurofisiológicas quando analisamos osmecanismos dos reflexos orientados.Vê-se facilmente que esse tipo de atenção já ocorre na criança de idade tenra, cabendo apenasobservar que nas primeiras etapas ela tem caráter instável e relativamente estreito pelo volume(a criança de idade tenra e pré-escolar perde muito rapidamente a atenção pelo estímulo queacaba de surgir, seu reflexo orientado se extingue rapidamente ou se inibe com o surgimento dequalquer outro estímulo); o volume de sua atenção é relativamente pequeno, podendo a criançadistribuí-la entre vários estímulos voltando-se para o antecedente sem afastar o seu campo devisão ou anterior.22 

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A atenção arbitrária só é inerente ao homem. Durante muito tempo ela permaneceu uma incógnita para aPsicologia e merece análise especial.O principal fato indicador da existência de um tipo especial da atenção no homem, não inerente aosanimais, consiste em que o homem pode concentrar arbitrariamente a atenção ora em um ora em outroobjeto, inclusive nos casos em que nada muda na situação que o cerca.O exemplo mais conhecido de atenção arbitrária foi dada pelo psicólogo francês Revot d'Allonnes; esse

exemplo se tornou base da filosofia idealista de Allonnes.Se propusermos a uma pessoa olhar atentamente para o tabuleiro de xadrez cujos quadros são imutáveis,de acordo com a nossa instrução ou com instrução própria ela poderá distinguir facilmente as figuras maisdiversas nesse fundo homogêneo. Num fundo homogêneo e imutável há oculta uma infinidade deestruturas diversas e o homem pode, por vontade própria, distinguir quaisquer estruturas novas dessecampo imutável. Às vezes, essa possibilidade de distinguir arbitrariamente a estrutura necessária de umcampo manifesta-se com nitidez ainda maior e segundo seus desígnios, o homem pode discriminar umaestrutura menos precisa entre estruturas mais precisas, superando as leis da percepção estrutural quedescrevemos anteriormente.Deste modo, fica claro que o homem pode ir além do limite das leis naturais da' percepção, sem sesujeitar ao efeito de um fundo homogêneo ou de fortes estruturas perceptivas mas discriminando emudando segundo sua vontade as estruturas que lhe são necessárias.Todos esses fatos deram a Revot d'Allonnes fundamento para argumentar as concepções idealistas dos

 processos psíquicos do homem, indicando que se o comportamento do animal está sujeito à ação direta domeio, já o comportamento do homem dispõe da possibilidade de criar quaisquer esquemas e subordinar oseu comportamento a essa "esquematização" livre, que ele considerava propriedade fundamental doespírito humano.Fenômenos análogos poderiam ser observados também na organização dos movimentos do homem: bastao homem resolver que está levantando o braço para este se levantar como23

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que automaticamente; a esse fenômeno o psicólogo James designou com o termo latino "fiat"(faça-se), vendo nele & prova mais simples da existência do livre arbítrio, que não se sujeita àsleis da natureza mas determina o comportamento do homem.Observações posteriores mostraram que a simples idéia do iminente movimento do braço

 provoca neste uma nítida tensão, que pode ser registrada na mudança do eletromiograma do braço. Esses fenômenos receberam em Psicologia a denominação de "atos ideomotores" e foramfreqüentemente citados como ilustrações das influências da concepção sobre o movimento.Por último, esses mesmos fenômenos da atenção arbitrária podem ser observados na atividadeintelectual, quando o próprio homem se propõe determinada tarefa e esta determina o sucessivofluxo seletivo de suas associações.Eis porque os fatos da atenção arbitrária eram incluídos nos manuais clássicos de Psicologiaentre a seção "Vontade" e serviam para ilustrar a tese da psique segundo a qual o homem nãoestá sujeito às leis objetivas da natureza mas depende das influências procedentes do espíritolivre.É fácil perceber que todas essas observações descreviam fatos realmente existentes; nãoobstante, a explicação desses fatos dos limites da tradicional Psicologia naturalista eraimpossível, sendo justamente isto o que abria amplamente as portas a hipóteses idealistas

anticientíficas, atinentes à influência do "livre arbítrio" sobre a ocorrência dos processos psíquicos do homem.O impasse a que levaram as tentativas de explicar os fenômenos da atenção arbitrária naPsicologia naturalista clássica pode ser superado se mudarmos as concepções tradicionais dos

 processos conscientes, se deixarmos de considerá-los primários, particularidades primáriassempre existentes da vida espiritual e abordá-los como produto de um complexodesenvolvimento histórico-social. Só após darmos esse passo e examinarmos o problema dagênese da atenção arbitrária é que poderemos ver as suas raízes autênticas e dar-lhe umaexplicação científica.Como já tivemos oportunidade de salientar (Vol. I — Cap. III), a criança vive num ambiente deadultos e se desenvolve num processo vivo de comunicação com eles.24

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Essa comunicação, que se realiza através da fala, de atos e gestos do adulto, influenciaessencialmente a organização dos processos psíquicos da criança.A criança de idade tenra contempla o ambiente costumeiro que a cerca e seu olhar corre pelosobjetos presentes sem se deter em nenhum deles nem distinguir esse ou aquele objeto dosdemais. A mãe diz para a criança: "isto aqui é uma xícara!" e aponta o dedo para ela. A palavrae o gesto indicador da mãe distinguem incontinenti esse objeto dos demais, a criança fixa axícara com o olhar e estende o braço para pegá-la. Neste caso, a atenção da criança continua ater caráter involuntário e exteriormente determinado, com a única diferença de que aos fatoresnaturais do meio exterior incorporam-se os fatores da organização social do seu comportamentoe o controle da atenção da criança por meio de um gesto indicador e da palavra. Neste caso, aorganização da atenção está dividida entre duas pessoas: a mãe orienta a atenção e a criança sesubordina ao seu gesto indicador e à palavra.

 No entanto isto constitui apenas a primeira etapa de formação da atenção arbitrária: trata-se deuma etapa exterior pela fonte e social por natureza. No processo de sucessivo desenvolvimento,a criança domina a linguagem e torna-se capaz de indicar  sozinha os objetos e nomeá-los. Aevolução da linguagem da criança introduz uma transformação radical na orientação da suaatenção. Agora ela já é capaz de deslocar com autonomia a sua atenção, indicando esse ou

aquele objeto com um gesto ou nomeando-o com a palavra correspondente. A organização daatenção, que antes estava dividida entre duas pessoas, a mãe e a criança, torna-se agora umanova forma de organização interior da atenção, social pela -origem mas interiormente mediata

 pela estrutura. É esta etapa a que deve-se considerar etapa do nascimento de uma nova jorma deatenção arbitrária, que não é uma forma de manifestação do "espírito livre" primariamente

 própria do homem mas um produto de um complexo desenvolvimento histórico-social. Nas etapas posteriores a linguagem da criança se desenvolve; criam-se estruturas intelectuais(discursivas) internas cada vez mais complexas e elásticas e a atenção do homem adquire logoos traços, convertendo-se em esquemas intelec-25

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tuais internos dirigíveis que são, por si mesmos, um produto da complexa formação social dos processos psíquicos.Tudo isto mostra que a atenção arbitrária do homens realmente existe com seu caráter elásticoe independente dai ações exteriores imediatas mas tem caráter determinado expl: cável por ser social por origem e mediada por processos :'; linguagem internos por estrutura.

 Na medida em que se desenvolve, os processos de linguagem internos e intelectuais da criançavão-se tornando tão complexos e automatizados que a transferência da sua atenção de um objeto

 para outro passa a dispensar esforços especiais e assume o caráter da facilidade e, pareceria da"invo-luntariedade" que todos nós sentimos quando em pensamento passamos facilmente de umobjeto a outro ou quando somos capazes de manter por muito tempo a atenção tensa numaatividade que nos interessa.Ainda examinaremos os mecanismos das modalidades superiores de atenção depois deesclarecermos os problemas da formação dos processos intelectuais complexos.Métodos de estudo da atençãoOs estudos psicológicos da atenção costumam coloco, como tarefa o exame da atençãoarbitrária: do volume, da estabilidade e distribuição. O estudo das formas mais complexas deatenção representa interesse maior do que o estud da atenção involuntária que, em determinado

grau se revel mediante a aplicação dos procedimentos antes descritos de es tudo do reflexoorientado e pode sofrer distúrbio substanci somente nos casos de afecções maciças do cérebro,que conduzem a uma redução geral da atividade.O estudo do volume da atenção se faz habitualmente po meio da análise do número deelementos simultaneament apresentáveis, que podem ser aceitos com clareza pelo sujeito Paraestes fins usa-se um dispositivo que permite sugerir deter minado número de estímulos numespaço de tempo tão curt que o sujeito não consegue transferir o olhar de um objeto a outro,excluindo o movimento dos olhos, permite medir o número de unidades acessíveis à percepção

 simultânea.26 

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O aparelho empregado para esse fim é chamado taquis-toscópio (do grego taquisto = rápido,skopeo = olho). Este aparelho é constituído por uma janelinha, separada do objeto a ser examinado por uma tela cadente cujo corte pode mudar arbitrariamente de maneira que o objetoem exame aparece no espaço muito breve de tempo de número 10 a 50-100 m/seg.Às vezes, para uma exposição rápida do objeto emprega-se o flash, que permite examinar oobjeto numa fração muito pequena de tempo (até 1-5m/seg.).O número de objetos nitidamente percebidos é o que constitui o índice do volume da atenção.Se as figuras sugeridas são bastante simples e dispersas desordenadamente num campodemonstrativo, o volume da atenção não costuma ir além de 5-7 objetos simultaneamente

 perceptíveis com nitidez.Para evitar a influência da imagem consecutiva, costuma-se fazer a exposição breve dos objetossugeríveis ser acompanhada de uma "obliteração da imagem", para que no fundo escuro quecontinua visível se trace para o sujeito um conjunto desordenado de linhas sem mudar a imagemdos objetos sugeríveis que se manteve depois de todas as apresentações e é aparentemente"obliterante".Ultimamente têm sido feitas tentativas de exprimir o volume da atenção em números, adotadosna teoria da comunicação para medir a "capacidade receptora dos canais" através da aplicação

da teoria da informação. Mas essas tentativas de mudança do volume da informação em "bits"(unidades empregadas pela teoria da informação) têm importância apenas limitada e sãoaplicadas somente àqueles casos em que o sujeito opera com um número final de possíveisfiguras que conhece bem, das quais apenas algumas lhe são sugeridas para um pequeno espaçode tempo.O conceito "volume de atenção" é bastante próximo ao conceito "volume de percepção", e osconceitos de "campos de atenção nítida" e "campos de atenção confusa", amplamenteempregado na literatura, são muito próximos aos conceitos de "centro" e "periferia" da

 percepção visual para a qual foram minuciosamente elaborados.Paralelamente ao estudo do volume da atenção, é de grande importância o estudo daestabilidade da atenção: ele se propõe a estabelecer até que ponto é sólida e estável amanutenção da atenção por determinada tarefa durante longo tempo, a ver se neste caso se

observam certas oscilações na Í7 

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estabilidade da atenção e quando surgem ocorrências de fadiga nas quais a atenção do sujeitocomeça a ser desviada por estímulos estranhos.Para medir a estabilidade da atenção costuma-se empregar as tabelas de Burdon, que consistemnuma alternância desordenada de letras isoladas que se repetem, uma por uma, num mesmonúmero de vezes em cada linha. Propõe-se ao sujeito desenhar durante 3-5-10 minutos as letrasdadas (nos casos simples, uma ou duas letras, nos complexos a letra dada somente se ela estiver diante de outra, por exemplo, de umi vogai). O experimentador observa o número de letrasdesenhadas durante cada minuto e o número de omissões encontradas. As oscilações da atençãose manifestam na queda da produtividade do trabalho e no aumento do número de omissões.São de importância análoga as tabelas de Kraepelin, formadas por colunas de números que osujeito deve ordenar durante um longo período. A produtividade do trabalho e o número deerros podem servir de índice de oscilações da atenção.Para aumentar as exigências diante da organização arbitrária da atenção, a realização dosreferidos testes é dificultada pela discriminação dos fatores de abstração. Deste modo, dá-se aosujeito a tarefa de traçar determinadas letras não numa coletânea desordenada como ocorre nastabelas de Burdon mas num texto de conteúdo interessante. Neste caso a influência abstraentedo texto interessante pode levar ao aumento do número de omissões e a queda da produtividade

do trabalho; ao contrário, a estabilidade da atenção arbitrária se manifesta no fato de que ocumprimento da tarefa exigida continua inalterável mesmo nas condições de introdução deinfluências que abstraem a atenção.Reveste-se de grande importância o estudo da distribuição da atenção. Os primeirosexperimentos de Wundt já mostraram que o homem não pode concentrar a atenção em doisestímulos simultaneamente apresentados e que » chamada "distribuição da atenção" entre doisestímulos representa de fato uma substituição da atenção, que se transfere rapidamente de umestímulo a outro. Isto foi demonstrado com o auxílio do chamado aparelho de complicação, que

 permitia apresentar um estímulo visual (por exem-28

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 pio, o ponteiro de um relógio na posição "I" simultaneamente como um estímulo sonoro: umsom. Os testes mostraram que se os sujeitos prestam atenção ao ponteiro em movimento, têm aimpressão de que o sinal sonoro que acompanha a passagem do ponteiro ao lado do pontocorrespondente se atrasa e aparece algumas frações de segundo após; se eles prestam atenção aosom, a percepção do ponteiro em movimento se atrasa e os sujeitos relacionam o surgimento dosom com um momento anterior.Tem grande importância prática o estudo da distribuição da atenção num trabalho demorado;

 para este fim, aplicam-se as chamadas "tabelas de Schullt". Nestas apresentam-se duas séries denúmeros vermelhos e negros dispostos desordenadamente. O sujeito deve indicar em ordemsucessiva uma série de números, alternando cada vez o número vermelho e um negro ou indicar,em condições dificultadas, os números vermelhos em ordem direta e os negros em ordeminversa.A possibilidade de distribuição demorada da atenção é expressa por uma curva, que indica otempo gasto para descobrir cada um dos números que fazem parte de ambas as séries.Como mostraram as pesquisas, aparece com a mesma nitidez as diferenças individuais emsujeitos isolados; tais diferenças podem refletir com segurança algumas variações de intensidadee mobilidade dos processos nervosos, podendo ser empregadas com êxito para fins diagnósticos.

 Desenvolvimento da atençãoOs indícios do desenvolvimento da atenção involuntária estável manifestam-se nitidamente nas primeiras semanas de vida da criança. Podem ser observado nos primeiros sintomas demanifestação do reflexo orientado: a fixação do objeto pelo olhar e a interrupção dosmovimentos de sucção à primeira vista dos objetos ou com a manipulação destes. Pode-seafirmar com todo fundamento que os primeiros reflexos condicionados começam a formar-seno recém-nascido com base no reflexo orientado, noutros termos, somente se a criança prestaatenção ao estímulo, discrimina-o e se concentra nele.29

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A princípio a atenção involuntária da criança dos primeiros meses de vida tem caráter de umsimples reflexo orientado de estímulos fortes ou novos, de acompanhamento destes estímuloscom o olhar, de "reflexos de concentração" nestes. Só mais tarde a atenção involuntária dacriança adquire formas mais complexas e à base dela começa a formar-se a atividade orientadade pesquisa em forma de manipulação dos objetos; nos primeiros tempos, porém, essa atividadeorientada de pesquisa é muito instável, bastando aparecer outro objeto para cessar amanipulação do primeiro objeto. Isto mostra que no primeiro ano de vida da criança o reflexoorientado da busca já tem caráter rapidamente esgotante, é facilmente inibido por influências defora e ao mesmo tempo já apresenta os traços de "habituação" que conhecemos, podendoextinguir-se com repetições longas. No entanto, o problema mais importante é odesenvolvimento das formas superiores de atenção arbitrariamente reguláveis. Essas formas deatenção se manifestam antes de tudo no surgimento de formas estáveis de subordinação docomportamento de instruções verbais do adulto que regulam a atenção e, bem mais tarde, naformação das formas estáveis da atenção arbitrária auto-reguladora da criança.Seria incorreto pensar que essa atenção orientadora, que regula a influência da fala, surgeimediatamente na criança. Os fatos mostram que a instrução verbal "dá a boneca!" provoca nacriança apenas uma reação orientada genérica e só atua sobre ela se for acompanhada pela ação

real do adulto. É característico que, nas primeiras etapas, a fala do adulto que nomeia o objetoatrai a atenção da criança se a nomeação do objeto coincide com a percepção imediata dacriança. Nos casos em que não há o objeto nomeado no campo de visão imediato da criança, afala provoca nela apenas uma reação orientada genérica que logo se extingue.Só ao término do primeiro ano de vida e ao início do segundo é que a nomeação do objeto ou aordem verbal começa a ter influência orientadora e reguladora; a criança dirige o olhar para oobjeto nomeado, distingue-o entre outros ou procura caso o objeto não esteja aos seus olhos.Mas nessa etapa a influência da fala do adulto, que orienta a atenção da criança, é ainda muitoinstável e a reação orientada por ele provocada dá rapidamente lugar a uma reação mediataorientada para o objeto mais nítido, novo ou interessante para a30 

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criança. Isto pode ser nitidamente observado se transmitirmos à criança dessa idade a instruçãode dar um objeto situado a alguma distância dela. Neste caso a vista da criança se dirige para oobjeto mas se desvia rapidamente para outros objetos mais próximos e a criança começa aestender o braço não para o objeto mencionado mas para o estímulo mais próximo ou maisnítido.Apenas em meados do segundo ano de vida, o cumprimento da instrução verbal do adulto, queorienta a atenção seletiva da criança, torna-se mais estável embora uma complicaçãorelativamente significativa da experiência elimine facilmente a sua influência. Deste modo, é

 bastante adiar por algum tempo (às vezes por 15-30 segundos) o cumprimento de uma instruçãoverbal para que esta perca a sua influência orientadora e a criança, que a cumpria facilmente esem demora, comece a voltar-se para objetos estranhos que lhe atraem imediatamente a atenção.A mesma frustração no cumprimento da instrução verbal pode ser obtida por outro meio. Sevárias vezes consecutivas sugerirmos a uma criança diante da qual há dois objetos (por exemplo, uma xícara e uma taça) a instrução "dê-me uma xícara" e em seguida, apósreforçarmos a instrução, a substituirmos por outra e com o mesmo tom de voz dissermos àcriança "dê-me a taça!", então a criança, cuja atividade ainda se caracteriza por certa inércia,subordina-se a esse estereótipo inerte e continuará tendendo para a xícara, repetindo seus

movimento anteriores.Somente na metade do segundo ano de vida, a instrução verbal do adulto adquire a capacidade bastante sólida de organizar a atenção da criança, embora nesta etapa ela também percafacilmente o seu significado regulador. Assim, a criança dessa idade cumpre facilmente ainstrução: "a moeda está debaixo da xícara, dê-me a moeda", se a moeda foi escondida às vistasda criança; mas se isto não ocorreu e a moeda foi escondida debaixo de um objeto fora dasvistas da criança, a atenção orientadora da instrução se frustra facilmente pelo reflexo orientadoimediato e a criança começa a dirigir-se aos objetos situados diante dela, agindoindependentemente da instrução verbal.Deste modo, a ação da instrução verbal, que orienta a atenção da criança, só é assegurada nasetapas iniciais nos casos em que coincide com a percepção imediata da criança.31

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A criança de um ano e meio a dois anos pode começar facilmente a cumprir a instrução "apertea bolinha" se a bola de borracha estiver em suas mãos; mas os movimentos de compressão da

 bola, provocados pela ordem verbal, não cessam e a criança continua a apertar a bola muitasvezes seguidas mesmo depois de receber a nova ordem: "não precisa apertar!".A instrução verbal aciona um movimento mas não pode reprimi-lo e as reações motoras por ela

 provocada continuam a ser cumpridas de maneira inerte independentemente da sua influência.Os limites da influência orientadora da instrução verbal se manifestam com nitidez especialquando se complica essa instrução. Assim, examinando o comportamento de uma criança

 pequena, a quem se dá instrução verbal: "quando acender a luz aperte a bola", que exige oestabelecimento de ligação entre dois elementos de uma condição formulada, pode-se ver facilmente que a instrução não exerce sobre a criança influência organizadora. A criança ao

 perceber cada passo dessa instrução, dá uma resposta motora imediata e ao ouvir o fragmento"quando acender a luz" começa a procurar essa luz e ao ouvir o fragmento" "... aperte a bola"começa imediatamente a apertar a bola.Deste modo, se entre os dois anos e os dois e meio de idade uma simples instrução verbal podeorientar a atenção da criança e levar a um cumprimento bastante preciso do ato motor, ainstrução verbal complexa, que exige uma síntese prévia dos elementos nela incluídos, ainda

não pode provocar a necessária influência organizadora.Somente no processo de sucessivo desenvolvimento, no segundo e terceiro anos de vida, ainstrução do adulto, completada posteriormente pela participação da própria linguagem dacriança, converte-se em fator que orienta solidamente a atenção. Mas eása influência sólida dainstrução verbal, que orienta a atenção da criança, se forma com a íntima participação daatividade da criança e, por isto, para organizar a sua atenção estável, a criança não só deve dar ouvido à instrução verbal do adulto como ela mesma deve distinguir as ordens necessárias,reforçando-as em sua ação prática.Esse fato foi mostrado por muitos psicólogos soviéticos. Em seus experimentos, A. G.Ruzskaya, su-32 

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geriu a crianças de idade pré-escolar uma instrução verbal, «que exigia reagir com ummovimento ante.o surgimento de um triângulo e não reagir ante o surgimento de um quadrado.A criança que recebia semelhante tarefa cometia inicialmente muitos erros, reagindo aosindícios "angulares" que se observam em ambas as figuras. Somente depois que as crianças deidade escolar inferior tomaram conhecimento prático das figuras, manipularam-nas e "ganharamo jogo contra elas", as suas reações às figuras assumiram caráter seletivo e elas começaram aobedecer à instrução, respondendo com um movimento apenas ao surgimento de um quadrado,abstendo-se do movimento ante o surgimento de um triângulo. Na etapa seguinte, para criançasde 4-5 anos, a discriminação prática dos indícios das figuras já podia ser substituída por umadesenvolvida explicação verbal ("isto aqui é uma cam-pânula, quando ela aparecer não precisaapertar o botão; isto aqui é uma janelinha, quando ela aparecer é preciso apertar o botão");depois desta explicação, a instrução verbal começou a orientar solidamente a atenção,adquirindo influência reguladora estável.Fatos análogos foram registrados nos testes, V. Ya Vasilevskaya. Nestes as crianças receberamuma série de quadros, todos representando uma situação em que participava uma cadela. Atarefa consistia em selecionar os quadros nos quais "a cadela cuidava dos seus filhotes" ouquadros nos quais "ela servia ao homem". Essa instrução não exercia nenhuma influência

orientadora sobre o comportamento das crianças de dois anos de idade. O quadro despertavanelas uma torrente de associações, e as crianças começavam simplesmente a contar tudo o quehaviam visto antes. Nas crianças de 2,5-3 anos, a atenção seletiva pela tarefa dada só podia ser assegurada permitindo-se à criança "perder o jogo" na prática para a situação representada,repetindo a tarefa. Para as crianças de 3,5-4 anos, a atenção estável pelo cumprimento da tarefadevida só era possível com a repetição da tarefa em voz alta e uma ampla análise da situação; sóa criança de 4,5-5 anos estava em condições de orientar com estabilidade a sua atividade atravésda instrução, mantendo a aten-3J 

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ção seletiva por aqueles indícios representados ns instrução.O desenvolvimento da atenção arbitrária na idadt infantil foi examinado nos primeiros trabalhos de Vi-gotsky e posteriormente de Leôntyev, que mostrararr. que nos graus posteriores de desenvolvimento era possível observar a via de formação da atenção aqui des crita, dando ênfase aos meios auxiliares externoscoir sua redução posterior e com a transição paulatina par. formas superiores de uma ampla organizaçãointerior da atenção. Em seus testes, Vigotsky escondeu uma noz em alguns vidros e a criança devia retirá-

la; para efeito de orientação, ele colou pedacinhos de papel pardo nos potinhos em que estavamescondidas as nozes. Habitualmente, a criança de 3-4 anos não dava atenção aos papéis nem distinguiaseletivamente os potinhos necessários; mas depois que a noz era depositada aos seus olhos ele indicavacom o dedo o papel pardo, este adquiria o caráter de sinal que sugeria o objetivo oculto e orientava aatenção da criança. Para as criar, ças de idade mais avançada, o gesto indicador cr^ substituído por uma palavra, a criança começava a usar por si mesma o sinal indicador com base no qual podia organizar a suaatenção.Fatos análogos foram observados também pc: Leôntyev que sugeriu às crianças cumprir a difícil tarefa deum jogo: "não dizer sim nem não, não escolhe" preto nem branco", ao qual se acrescentava uma condiçãoainda mais difícil, que proibia repetir duas vezes o nome de uma mesma cor. Essa tarefa foi inacessívelinclusive para crianças na idade escolar, e a criança de tenra idade escolar só conseguia assimilá-lamarcando os quadros coloridos correspondentes e mantendo a sua atenção seletiva com auxílio de apoiosmediatos exteriores. A criança de idade escolar mais avançada deixava de sentir a necessidade de apoios

externos e mostrava-se em condições de organizar a sua atenção seletiva inicialmente pronunciando tantoa instrução quanto as posteriores respostas "proibidas" e só nas últimas etapas limitava-se a pronunciar interiormente (ou reproduzir mentalmente) as condições que orientam a sua atividade seletiva.34

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O que acaba de ser dito permite concluir, que a atenção arbitrária, considerada pela Psicologiaclássica como primária, mais tarde manifestação do "livre arbítrio" ou qualidade fundamental do"espírito humano", em realidade é produto de um desenvolvimento sumamente complexo. Asfontes desses desenvolvimentos são as formas de comunicação da criança com o adulto, sendo ofator fundamental que assegura a formação da atenção arbitrária representada pela fala, que éinicialmente reforçada por uma ampla atividade prática da criança e em seguida diminui

 paulatinamente e adquire o caráter de ação interior, que media o comportamento da criança eassegura a regulação e o controle deste. A formação da atenção arbitrária abre caminho para acompreensão dos mecanismos interiores dessa complexíssima forma de organização deatividade consciente do homem, que desempenha papel decisivo em toda a sua vida psíquica.

 Patologia da atençãoO distúrbio da atenção é um dos mais importantes sintomas do estado patológico do cérebro eseu estudo pode acrescentar dados importantes ao diagnóstico das afecções cerebrais.

 Nas afecções maciças das áreas profundas do cérebro (do tronco superior das paredes doterceiro ventrículo, do sistema límbico) podem ocorrer graves distúrbios da atençãoinvoluntária, que se manifestam em forma de redução geral da atividade e de expressas

 perturbações dos mecanismos do reflexo orientado.

Esses distúrbios podem ter tanto o caráter de prolapso e manifestar-se num fato de que 0 reflexoorientado é de caráter instável que se extingue rapidamente quanto caráter de irritação patológica dos sistemas do tronco e límbico resultando daí que os sintomas de reflexo orientadouma vez surgidos não se extinguem e durante muito tempo os estímulos continuam gerandoreações eletrofisiológicas e vege-íativas inextinguíveis (vasculares e motoras). Às vezes ossintomas comuns de reflexo orientado podem assumir caráter paradoxal, os estímulos começama provocar exaltação em vez de depressão de alfa-ritmo ou a expansão paradoxal35

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dos vasos ao invés de sua compressão em resposta à apresentação de sinais. No quadro clínico, esses distúrbios se manifestam no fato de que os doentes revelam acentuadossintomas de abatimento, inércia e não respondem aos estímulos externos ou a eles respondemsomente com permanentes irritações com-plementares. No caso de superexcitação patológicados sistemas cerebrais do tronco superior e da região límbica, os pacientes, ao contrário,revelam sintomas de. elevada exci-tabilidade, sentem inquietação permanente e apresentamestado altamente vulnerável à distração por quaisquer excita-ções emocionais e irritações.Para a clínica têm importância especial os distúrbios da atenção arbitrária. Estes se manifestamno fato de que o doente se abstrai facilmente com qualquer estímulo secundário, mas éimpossível organizar-lhe a atenção, atribuindo-lhe uma tarefa determinada ou lhe dando umainstrução verbal correspondente. Isto pode ser observado em pesquisas psicofisiológicas seapós a extinção dos indícios de reflexo orientado dermos ao doente uma tarefa como, por exemplo, contar os sinais, acompanhar a sua mudança, etc. Se, como já vimos, essa instruçãotem por norma gerar a estabilização dos sintomas eletrofisiológicos do reflexo orientado, nasafecções cerebrais a instrução verbal dirigida ao doente não provoca nenhum reforço da Jfaçãoorientada.Os exemplos mais típicos de distúrbios das formas superiores de atenção partem dos doentes

com afecção dos lobos do cérebro (especialmente das suas áreas mediais). Freqüentemente nãose pode observar nestes doentes nenhuma queda do reflexo orientado dos sinais exteriores; àsvezes a atenção involuntária deles é inclusive elevada e o doente se abstrai facilmente comqualquer irritação secundária (ruído no quarto de hospital, abertura de portas, etc); no entantoverifica-se impossível concentrar o doente no cumprimento de uma tarefa, elevar o tônus docórtex cerebrat através de uma instrução verbal e a apresentação de uma instrução verbal (contar os sinais, acompanhar sua mudança) não provoca nesse doente nenhuma mudança dos sintomaseletrofisiológicos e vegetativos de reflexo orientado. Às vezes esse tipo de perturbações, queconstitui a base fisiológica da mudança do comportamento das pessoas com afecção dos36 

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lobos cerebrais, é fundamental para o diagnóstico desses distúrbios.É característico que esse tipo de perturbação da regulação verbal do reflexo orientado só ocorrecom as afecções dos lobos cerebrais e não se verifica na afecção de outras áreas. Isto mostra o

 papel exclusivo dos lobos cerebrais do homem no processo de formação de intenções estáveis ena realização do controle do processo de comportamento.É natural que semelhantes formas de distúrbio da atenção arbitrária conduzem a importantesmudanças de todos os complexos processos psicológicos. É justamente por força dessesdistúrbios que os doentes com afecção dos lobos cerebrais são incapazes de concentrar-se nasolução de uma tarefa, e criar um sistema estável de relações seletivas, correspondentes ao

 programa de ação proposto e se desviam facilmente para relações secundárias, substituindo ocumprimento planejado de um programa por reações que surgem impulsivamente a qualquer estímulo secundário ou à repetição dos estereótipos surgidos que há muito perderam a suaimportância mas frustram facilmente a atividade que se iniciara voltada para um objetivo. É por isto que a leve perda da seletividade no cumprimento de qualquer operação intelectual constituium dos indícios essenciais da afecção dos lobos frontais do cérebro.Podem ocorrer distúrbios importantes também durante as doenças cerebrais que se caracterizam

 por um estado patológico inibitório (fásico) do córtex.

 Nesses estados (característicos de estafa aguda ou estados "oniróides"), a "lei da força" descrita por Pavlov, na qual os estímulos fortes provocam reações fortes, e os fracos, reações fracas, éviolada.

 Nos estados "fásicos" relativamente brandos do córtex, tanto os estímulos fortes quanto osfracos começam a provocar reações idênticas, e com aprofundamento posterior desses estados,conhecido como "fase paradoxal", os estímulos fracos começam a provocar reações até maisfortes do que os estímulos fortes.É natural que em semelhantes estados torne-se impossível a atenção estável pela tarefa colocadae a atenção comece a ser facilmente abstraída por quaisquer estímulos secundários.37 

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A diferença entre a instabilidade da atenção arbitrária e as formas profundas de sua perturbação,que surgem nas afecções dos lobos frontais do cérebro, consiste em quey nestes casos, amobilização da atenção pela intensificação dos motivos, o recurso a meios auxiliares de apoio ea consolidação da instrução verbal levam à compensação das deficiências da atenção, ao passoque na afecção dos lobos frontais, que destrói o mecanismo fundamental de regulação daatenção arbitrária, esse caminho pode não surtir o efeito necessário. A instabilidade da atençãoarbitrária não surge apenas nos estados patológicos expressos do cérebro mas também emestados do sistema nervoso, provocados por es-tafa e neuroses; às vezes, essa instabilidadereflete peculiaridades individuais do. homem. Por isto o estudo da insta-bilidade da atenção,com a aplicação de todos cs métodos psicofisiológicos e psicológicos objetivos, pode ter grandeimportância diagnostica.38

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IIMemóriaO ESTUDO das leis da memória humana constitui um dos capítulos centrais e mais importantes daciência psicológica. É sabido que cada deslocamento, impressão ou movimento nosso deixacerto vestígio e este se mantém durante um tempo bastante longo e em determinadas condiçõesreaparece e se torna objeto de consciência. Por isto entendemos por memória o registro, aconservação e a reprodução dos vestígios da experiência anterior, registro esse que dá aohomem a possibilidade de acumular informação e operar com os vestígios da experiênciaanterior após o desaparecimento dos fenômenos que provocaram tais vestígios.Os fenômenos da memória podem pertencer igualmente ao campo das emoções e ao campo das

 percepções, ao reforço dos processos motores e da experiência intelectual. Todo o reforço dosconhecimentos e habilidades e a capacidade de aproveitá-los pertencem à área da memória.De acordo com isto, impõe-se à Psicologia uma série de problemas complexos, que fazem parteda área de estudos dos processos da memória. A Psicologia se propõe estudar 39

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a maneira pela qual se registram os vestígios, os mecanismos fisiológicos desse registro, ascondições que contribuem para ele, os seus limites e os procedimentos que permitem ampliar ovolume do material registrado.A Psicologia se propõe responder qual a duração que pode ter a conservação desses vestígios,quais os mecanismos de sua conservação em lapsos de tempo breves e longos, quais asmudanças que sofrem os vestígios da memória que se encontram em estado latente e qual ainfluência que eles podem exercer na ocorrência dos processos cognitivos do homem.Entre as questões do capítulo dedicado à psicologia da memória, situam-se os problemas dosmecanismos de reprodução dos vestígios latentes, que em certas condições podem tornar-seobjeto da atividade consciente. Esse capítulo estuda as condições que levam à reprodução dosvestígios da memória, estudando também as principais formas que incluem tanto a reproduçãonão arbitrária dos vestígios quanto . a arbitrária, intencional.Por último, esse capítulo inclui a descrição de diversas formas de processos da memória,começando pelos tipos mais simples de registro não arbitrário e aparição dos vestígios eterminando pelas formas complexas de atividade mnemônica que permite ao homem voltar arbitrariamente à experiência passada, adotando uma série de procedimentos sociais, e ampliar substancialmente o volume de informação retida e os prazos de sua conservação.

O capítulo dedicado à psicologia da memória, é de grande importância para a interpretação dosmais importantes processos de atividade cognitiva e para a doutrina do desenvolvimento dos processos psíquicos na idade infantil e da perturbação dos processos psíquicos nos estados patológicos do cérebro. História do estudo da memóriaO estudo da memória foi uma das primeiras partes da Psicologia à qual se aplicou o métodoexperimental: fizeram-se tentativas de medir os processos estudados e descrever as leis a queeles se subordinam.40

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 Na década de 80 do século passado, o psicólogo alemão H. Ebbinghaus propôs o método atravésdo qual, supunha ele, era possível estudar as leis da memória pura, noutros termos, as leis dos

 processos de registro dos indícios independentes da atividade do pensamento. Esses procedimentos, que consistiam em decorar sílabas sem sentido, que não geravam quaisquer associações, permitiram a Ebbinghaus encontrar as curvas básicas da decoração (oumemorização) do material, descrever as suas leis básicas, estudar a atividade da conservaçãodos vestígios na memória e o processo de sua extinção paulatina.As pesquisas clássicas de Ebbinghaus foram acompanhadas dos trabalhos do psiquiatra alemãoKraepelin, que através desses procedimentos estudou a ocorrência do processo de decoração dosdoentes com alterações psíquicas; foram acompanhadas também dos trabalhos do psicólogoalemão H. E. Müller, que deixou um estudo fundamental dedicado às leis básicas de reforço dereprodução dos vestígios' dã memória no homem.

 Nas primeiras etapas, o estudo dos processos da memória limitava-se a examiná-la no homem eera antes um estudo da atividade mnéstica consciente (o estudo do processo de decoração

 premeditada e reprodução dos vestígios) que um processo' de ampla análise dos mecanismosnaturais e registro dos vestígios que se manifestam igualmente no homem e no animal.Com o desenvolvimento das pesquisas objetivas do comportamento do animal, especialmente

com os primeiros passos no sentido do estudo das leis da atividade nervosa superior, ampliou-sesubstancialmente a área de estudos da memória.Em fins do século xix e começo do século xx, surgiram as pesquisas do conhecido psicólogoamericano E. L. Thorndike, o primeiro psicólogo a transformar em objeto de estudo o processode formação das habilidades no animal, aplicando para este fim a análise da maneira pela qual oanimal aprendia a encontrar saída em um labirinto e como reforçava paulatinamente ashabilidades obtidas.

 No primeiro decênio do século xx, os estudos desses processos adquiriram uma forma científicaquando Pavlov propôs o método de estudos dos reflexos condicionados, através do qualconseguiu examinar os principais mecanis-41

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mos fisiológicos de formação e reforço de novas ligações, Foram descritas as condições sob asquais essas ligações surgem e permanecem, bem como as condições que influenciam essa

 permanência. A doutrina da atividade nervosa superior e suas leis básicas tornou-se posteriormente a fonte básica dos nossos conhecimentos acerca dos mecanismos fisiológicos damemória, enquanto a elaboração e conservação das habilidades e do processo de"aprendizagem" (learning) nos animais constituíam o conteúdo básico da ciência americana docomportamento, que englobava os célebres pesquisadores J. Watson, B. F. Skinner, D. Hebb eoutros.O estudo clássico das leis básicas da memória no homem e as pesquisas posteriores do processode formação das habilidades dos animais limitaram-se igualmente ao estudo dos processos maiselementares de memória. O estudo das formas arbitrárias e conscientes superiores de memóriaque permitiram ao homem aplicar determinados procedimentos de atividade mnemônica evoltar-se arbitrariamente para quaisquer lapsos do seu passado foi apenas descrito pelosfilósofos que os contrapunham às formas naturais de memória (ou de "memória do corpo") e osconsideravam manifestação da memória consciente superior (ou "memória do espírito"). Noentanto essas indicações de alguns filósofos idealistas (por exemplo, o filósofo francês H.Bergson) não se converteram em objeto de um estudo especial rigoroso e científico e os

 psicólogos falavam do papel desempenhado na memorização pelas associações ou indicavamque as leis da memorização das idéias diferem essencialmente das leis elementares damemorização. Praticamente não se colocava o problema da origem e muito menos dodesenvolvimento das formas superiores de memória no homem.O mérito do primeiro estudo sistemático das formas superiores de memória na criança cabe aVigotsky, que em fins dos anos vinte tornou pela primeira vez objeto de um estudo especial o

 problema do desenvolvimento das formas superiores de memória e, juntamente com seus alunosA. N. Leôntyev e L. V. Zamkov, mostrou que as formas superiores de memória constituem umaforma complexa de atividade psíquica social por origem e mediata por estrutura e estudou asetapas fundamentais de desenvolvimento da memorização mediata mais complexa.42

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As pesquisas das formas mais complexas de atividade rnnésica arbitrária, nas quais os processos damemória se ligavam aos processos do pensamento, foram essencialmente completados por psicólogossoviéticos, que atentaram para as leis que serviam de base à memorização involuntária (não intencional) edescreveram minuciosamente as formas de organização do material memorizado, que ocorrem no processo de decoração consciente. Essas pesquisas, empreendidas por A. A. Smirnov e P. I. Zintchenko,descobriram leis novas e essenciais da memória, como da atividade consciente do homem, enfocaram a

dependência entre a memorização e a tarefa colocada e descreveram os procedimentos fundamentais dememorização do material completo.Apesar dos êxitos reais dos estudos psicológicos da memória, continuaram desconhecidos os processosfisiológicos de registro dos vestígios e a natureza do próprio fenômeno da memória; filósofos efisiologistas como Simon ou Hering se limitaram a indicar que a memória "é propriedade geral damatéria", sem fazer qualquer tentativa de descobrir a sua essência e os profundos mecanismos fisiológicosque lhe servem de base.Apenas nos dois últimos decênios a questão mudou essencialmente.Estudos publicados mostraram que os processos de registro, conservação e reprodução dos vestígios estãorelacionados com profundas mudanças bioquímicas, particularmente com a mudança do ácidoribonucléico (Hiden), que os vestígios da memória podem ser deslocados por via humo-ral, bioquímica(Mc. Connell e outros). Começaram estudos intensivos dos íntimos processos nervosos de "reverberaçãoda excitação" (manutenção da excitação nos círculos e retí-culos nervosos), que passaram a ser 

considerados como substrato fisiológico da memória. Surgiu um sistema de pesquisa, no qual se estudavao processo de consolidação paulatina dos vestígios bem como o tempo necessário para a consolidação eas condições que levam à destruição dos vestígios. Por último, surgiram pesquisas que tentavamdiscriminar as áreas do cérebro, que são indispensáveis para a conservação dos vestígios, e osmecanismos neurológicos que servem de base à memorização e ao esquecimento.Tudo isto fez do capítulo da psicologia e psicofisiologia da memória uma das partes mais ricas daPsicologia. Ape-43

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As pesquisas das formas mais complexas de atividade mnésica arbitrária, nas quais os processosda memória se ligavam aos processos do pensamento, foram essencialmente completados por 

 psicólogos soviéticos, que atentaram para as leis que serviam de base à memorizaçãoinvoluntária (não intencional) e descreveram minuciosamente as formas de organização domaterial memorizado, que ocorrem no processo de decoração consciente. Essas pesquisas,empreendidas por A. A. Smirnov e P. I. Zintchenko, descobriram leis novas e essenciais damemória, como da atividade consciente do homem, enfocaram a dependência entre amemorização e a tarefa colocada e descreveram os procedimentos fundamentais dememorização do material completo.Apesar dos êxitos reais dos estudos psicológicos da memória, continuaram desconhecidos os

 processos fisiológicos de registro dos vestígios e a natureza do próprio fenômeno da memória;filósofos e fisiologistas como Simon ou Hering se limitaram a indicar que a memória "é

 propriedade geral da matéria", sem fazer qualquer tentativa de descobrir a sua essência e os profundos mecanismos fisiológicos que lhe servem de base.Apenas nos dois últimos decênios a questão mudou essencialmente.Estudos publicados mostraram que os processos de registro, conservação e reprodução dosvestígios estão relacionados com profundas mudanças bioquímicas, particularmente com a

mudança do ácido ribonucléico (Hiden), que os vestígios da memória podem ser deslocados por via humo-ral, bioquímica (Mc. Connell e outros). Começaram estudos intensivos dos íntimos processos nervosos de "reverberação da excitação" (manutenção da excitação nos círculos e retí-culos nervosos), que passaram a ser considerados como substrato fisiológico da memória.Surgiu um sistema de pesquisa, no qual se estudava o processo de consolidação paulatina dosvestígios bem como o tempo necessário para a consolidação e as condições que levam àdestruição dos vestígios. Por último, surgiram pesquisas que tentavam discriminar as áreas docérebro, que são indispensáveis para a conservação dos vestígios, e os mecanismos neurológicosque servem de base à memorização e ao esquecimento.Tudo isto fez do capítulo da psicologia e psicofisiologia da memória uma das partes mais ricasda Psicologia. Ape-43

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sar de muitas das questões da memória continuarem sem solução, a Psicologia" dispõe hoje deum material incomparavelmente maior para o estudo dos processos da memória do que háalgum tempo atrás.

 Bases Fisiológicas da Memória Conservação dos vestígios do sistema nervosoOs fenômenos da longa conservação dos vestígios de um estímulo dado foram observados por muitos estudiosos ao longo de todo desenvolvimento do mundo animal.Observou-se freqüentemente que uma excitação por choque elétrico do sistema nervoso dos

 pólipos provocavam o surgimento de impulsos elétricos rítmicos, que podiam manter durantemuitas horas.Semelhantes fenômenos podiam ser observados no estudo do funcionamento do sistema nervosodos animais. Assim, a excitação provocada por uma eclosão de luz provocava no corpo bigêmeosuperior do coelho descargas elétricas rítmicas, que podiam ser registradas durante um período

 bastante longo e essas reações podiam ser observadas inclusive quando se desviava essa ação doneurônio isolado.A continuação das descargas elétricas, que surgem depois de uma excitação única, mostra queos neurônios não são apenas aparelhos que recebem os sinais e reagem a estes com respostascorrespondentes mas também que conservam os vestígios do estímulo, continuando a dar 

respostas rítmicas negligenciadas por esse estímulo muito tempo após ter este cessado a suainfluência. Esse efeito das influências do estímulo é o que representa a manifestação maiselementar da memória fisiológica, que pode ser observada tanto num neurônio isolado como notrabalho de todo o sistema nervoso em conjunto.As manifestações fisiológicas mais elementares da memória podem ser observadas por outravia, já mencionada no presente capítulo.Como mostraram as pesquisas a longa repetição de um mesmo sinal leva à habituação a este, aqual se manifesta44

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no desaparecimento dos reflexos orientados para este estímulo que se tornou hábito. O psicólogo soviético E. N. Soko-lov mostrou que semelhantes ocorrências da habituação podemser observadas também no estudo das respostas de um neurônio isolado a estímulos que serepetem muitas vezes.O mais característico é o fato de que, com uma pequena mudança da intensidade ou do caráter do estímulo, os indícios de reflexos orientados tornam a surgir.Os dados obtidos por Sokolov e seus colaboradores mostraram que o fenômeno da reanimaçãode um reflexo orientado antes extinto podia ser observado não só imediatamente após amudanças do caráter do estímulo mas também dentro de alguns espaços de tempo às vezes

 bastante longos. Assim, se no sujeito se observava a ocorrência da habituação a determinadoestímulo, bastava mudar a intensidade, a duração ou o caráter do estímulo para que os sintomasvege-tativos ou neurofisiológicos dos reflexos orientados se restabelecessem, sendo que esserestabelecimento do reflexo orientado se observava após lapsos bastante consideráveis de tempodepois da extinção. Esse fato podia se observar tanto no registro dos sintomas dos reflexosorientados do sistema nervoso como um todo quanto no nível de um neurônio isolado. Tanto osistema nervoso como um todo quanto neurônios isolados podem reter o arquétipo do sinal ecomparar um novo estímulo com os vestígios desse "modelo" de sinal, que se manteve sob a

forma de vestígios durante um período bastante longo.O fato de que o sistema nervoso pode conservar com uma sutileza impressionante os vestígiosdos estímulos anteriores pode ser ilustrado por toda uma série de observações posteriores, dasquais citaremos apenas duas.É sabido que quanto mais freqüente é o sinal determinado quanto mais o sujeito se acostuma aele e tanto mais rapidamente ele apresenta reação motora diante do sinal (e tanto mais breve é o

 período latente dessa reação). O estudo minucioso mostrou que nas condições mais simples essalei permanece e a rapidez da reação ao sinal é diretamente proporcional à freqüência com queele se apresenta.O cérebro registra não apenas o próprio jato da apresentação do sinal mas também a freqüênciacom que este se apresenta, registrando ainda que a "decoração" da freqüência da apresentaçãodo sinal e a regulação da rapidez da

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resposta ao grau de probabilidade do aparecimento do sina! é uma das funções essenciais dofuncionamento do cérebro. Fatos e pesquisas posteriores mostraram que o sistema nervoso do homem pode manter vestígios de sinais isolados com grau muito elevado de precisão e conservá-lo durante muitotempo. Pode servir de ilustração disto o teste de laboratório realizado por E. N. Sokolov.Apresentou-se uma só vez ao sujeito um sinal sonoro de determinada altura (500Hz) e intensidade (2Cdecibéis). Em resposta a esse sinal o sujeito devia apertar as mãos, devendo responder com movimento

 somente a esse sinal, mantendo as mãos imóveis ante o aparecimento de qualquer sinal distintivo. Emseguida foram sugeridos desordenadamente ao sujeito sons diferentes de altura idêntica mas que variavam por intensidade (de 5 a 30 decibéis). Foram registrados eletro-encefalograma, eletromiograma e reaçãogalvânica da pele.O mesmo teste foi repetido nos 2.°, 4.° e 25.° dias. e o padrão mostrado uma vez (som de 500Hz eintensidade de 20 decibéis) não foi apresentado nenhuma vez mais.Os resultados do teste indicaram que o padrão uma ve: mostrado foi mantido pelo sujeito durante um período longe e após longos intervalos (de 2 a 25 dias) o sujeito continuou a apresentar respostaseletrofisiológicas e motoras precisas somente aos sinais correspondentes ao padrão dado. omitindo-sediante de todos os outros sinais.O teste citado mostra que o cérebro humano é capa; de manter vestígios precisos, durante muito tempo,de urr estímulo apresentado uma vez, e a precisão desses vestígio? não só não desaparece com o tempocomo ainda pode aumentar.

Citamos alguns fatos segundo os quais o sistema nervoso é dotado da capacidade de preservar por muitotempe os vestígios de um estímulo apresentado uma vez, de avaliar a freqüência com que este seapresentou e conservou-se na memória com grande precisão os padrões de estímulos que foramapresentados pelo menos uma vez.46 

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Isto torna o cérebro humano o instrumento mais sutil não apenas para captar os estímulos e distingui-losentre os outros que lhe chegam mas também para conservar na memória os vestígios das influênciasantes percebidas por ele.  Processo de "consolidação" dos vestígiosO fato do registro dos vestígios dos estímulos que atuaram sobre o cérebro do homem nos leva a levantar uma importante questão: como ocorre o processo de consolidação desses vestígios? Consolidam-se

imediatamente ou necessitam de algum tempo para a consolidação?Esta questão foi objeto de toda uma série de pesquisas.Antes já fora observado que nos casos em que o homem sofre um trauma craniano, desaparecem osvestígios dos estímulos que atuaram sobre o homem algum tempo antes do trauma e algum tempo após. A pessoa que recebe um trauma maciço do crânio ou desmaia não costuma conservar quaisquer lembrançasdo que antecedeu imediatamente ao trauma e do que ocorreu logo após. Esse fato é amplamenteconhecido sob a denominação de amnésia ante-rógrada e retrógrada. Indica que um choque forte,experimentado pelo sistema nervoso, torna o cérebro incapaz de registrar durante algum tempo osvestígios das excitações que lhe chegam.O fato da amnésia anterógrada e retrógrada permitiu algumas tentativas no sentido de medir o tempo aque se estende a incapacidade provisória do cérebro de registrar vestígios. É conhecida uma observaçãosegundo a qual desapareceram da memória de um motociclista acidentado na estrada número 78 todas aslembranças que começavam na estrada número 64. Se considerarmos que ele desenvolvia uma velocidade

de 60 quilômetros por hora, verificaremos que o trauma levou a que a memória do motociclista nãoconsolidasse os vestígios das impressões surgidas 10-15 minutos antes do trauma e, conseqüentemente, a pessoa necessita de 10-15 minutos para consolidar definitivamente os vestígios da memória e o efeitotraumático que durante esse período ocòr-:reu sobre o cérebro impede essa consolidação.47 

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Os fatos descritos se constituíram num impulso para experimentos especiais, nos quais uma pessoa recebeu choque elétrico artificial e fraco, ocasião em que se observou o lapso de tempoque desaparecia da memória do sujeito.Podem servir de exemplo os testes do psicofisiologisía soviético F. D. Gorbov.O sujeito foi colocado diante de uma janelinha através da qual passavam em cadência númerossimples com sinais aritméticos (+ 4, — 1, -f- 5, etc). O sujeito devia realizar operaçõesaritméticas correspondentes, acrescentando um dado número ao resultado das operações antesobtidas ou subtraindo dele um número correspondente. Era natural que para o cumprimentodessa tarefa o sujeito tivesse de manter solidamente na memória os vestígios do resultadoanteriormente obtido.De repente o sujeito recebia um "choque" em forma de uma fulguração brusca.O teste mostrou que, nestes casos, o sujeito costumava "esquecer" o resultado que acabara deobter e começava a operar não a partir do último número mas do antecedente. Esse experimentomostra que até um choque tão insignificante afasta as condições indispensáveis à "consolidação"dos sinais.As observações aqui expostas sugeriram a hipótese de que, para a consolidação dos númerosna memória, é necessário algum tempo; elas suscitaram várias pesquisas voltadas para a

verificação dessa hipótese.Os experimentos de alguns autores (predominantemente americanos) se basearam no seguinteesquema: o animal adquiria uma habilidade e algum tempo após essa aquisição ele recebia umchoque elétrico. Verificou-se que se o choque era aplicado 10-15 minutos após a aquisição dahabilidade, esta desaparecia; se o choque era aplicado de 45 minutos a uma hora após aaquisição, a habilidade se conservava. Esses experimentos mostraram que deve ser consideradode 10-15 minutos o tempo necessário para a consolidação dos vestígios.Um experimento posterior mostrou que o choque exerce a mesma influência obliterante nashabilidades que come-

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çaram a ser adquiridas pouco tempo antes ou depois do choque: em ambos os casos não haviaaquisição de habilidade, Conseqüentemente, o choque podia não só impedir a "consolidação"dos vestígios mas também criar o estado do cérebro no qual era impossível a aquisição de novashabilidades.Verificou-se, em seguida, que o mesmo efeito pode ser obtido não através do choque elétricomas da aplicação de alguns agentes farmacológicos, que ora provocavam estado inibitório docórtex (por exemplo, barbituratos) ora levavam a um estado elevado de excitação do córtex e

 provocavam câimbras (por exemplo, metrazol). Verificou-se que a aplicação de barbituratos umminuto após a formação da habilidade levava ao desaparecimento de seu vestígio, ao passo quea aplicação da mesma dose de barbituratos trinta minutos após não perturbava as habilidadesque até então já haviam conseguido "consolidar-se". Dados análogos foram obtidos em testescom aplicação de metrazol: nestes casos, a aplicação de metrazol dez segundos após a aquisiçãoda habilidade levava a uma violenta destruição dos vestígios, a aplicação do metrazol dezminutos após levava a uma conservação relativamente fraca dos vestígios e a aplicação vinteminutos após mantinha a habilidade conservada.

 No entanto substâncias diversas, que influenciam o estado de excitabilidade do cérebro,influenciam a conservação dos vestígios com "profundidade" variada. Algumas delas podem

obliterar os vestígios que se formaram 3-4 dias antes da aplicação do metrazol, enquanto outrassurtem efeito apenas nos vestígios que acabam de formar-se.Por último, verificou-se que existem substâncias que aceleram o processo de "consolidação" dosvestígios e os tornam estáveis. Um desses preparados é a estricnina, cuja injeção aceleraconsideravelmente a consolidação e torna os vestígios mais resistentes às influênciasdestruidoras.D»squisas realizadas nos dois últimos decênios mostraram ijue a consolidação de um vestígiorequer certo tempo que pode ser medido, existindo diversos agentes que atuam com intensidadediferente sobre o processo de consolidação dos vestígios. Mas existem diferenças individuaisnos animais, que consistem em que a consolidação dos vestígios apresenta velocidade variadaem espécies diferentes. Deste modo, o pesquisador americano Mc Goy mostrou que se umchoque aplicado a ratos 45 segundos após haverem estes

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adquirido uma habilidade elimina os vestígios e o clioque aplicado 30 minutos após mantém os vestígiosintactos, então nos ratos que adquirem lentamente uma habilidade o choque aplicado 45 minutos após aaquisição e o choque aplicado 30 minutos após levam igualmente ao desaparecimento dos vestígios. Istosignifica que se no grupo "rápido" de ratos os vestígios já se consolidaram em 15-20 minutos, no grupo"lento" de ratos a consolidação dos vestígios ainda não ocorre nesse espaço de tempo e eles ainda  permanecem estáveis durante um período bastante longo.

Todos esses testes mostram que a formação de determinado vestígio ainda não significa que este estejaconsolidado e para a consolidação é necessário certo tempo, que depende de uma série de fatores(inclusive das peculiaridades individuais) e que pode ser medido. O estudo da consolidação dos vestígiosé uma das importantes conquistas da psicofisiolo-gia. Ele permitiu separar dois estágios do processo de formação da memória, que posteriormente passaram a ser designados pelos termos memória breve(subentendendo-se por esta o estágio em que os vestígios se formavam mas ainda não se consolidavam) ememória longa (subentendendo-se por esta o estágio em que Os vestígios não só se haviam formado masestavam de tal forma consolidados que podiam existir durante muito tempo e resistir ao efeito destruidor das ações de fora). A divisão da memória "breve" e "longa", apesar de condicional, colocou a psicofisiologia diante de questões futuras, sobretudo diante do problema dos mecanismos fisiológicos dosdois tipos de memória.Mecanismos fisiológicos da memória "breve" e "longa" Quais são os mecanismos fisiológicos que servem de base à memória "breve" e "longa"?

 Nas décadas de 30 e 40 foi feita uma observação que deu fundamento para se lançar a hipótese danatureza dos processos nervosos que servem de base à memória "breve".Através das pesquisas morfológicas e morfofisiológi-cas dos neurofisiologistas americanos Lorente de Nóe Mc Culloch, foi estabelecido que no córíex cerebral existem aparelhos que permitem uma longacirculação da excitação pelos50

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circuitos fechados. Serviu de base o fato de que, nos axô-nios de certos neurônios, existem ramificaçõesque voltam ao corpo desse mesmo neurônio e contatam imediatamente com ele ou com dendritos isoladosdesse mesmo, neurônio; com isto cria-se a base para uma circulação permanente das ex-citações noslimites dos circuitos circulares fechados ou dos círculos reverberatórios da excitação. No entanto, aquestão não se limita a esse mecanismo tão simples. Há todos os fundamentos para se pensar que nosistema nervoso existem aparelhos mais complexos de "redes de neurônios" que realizam círculos

reverberatórios estáveis de excitação. Esses aparelhos são os complexos funcionais de neurônios, unidos«ntre si por neurônios "postiços" ou neurônios com axônios curtos cuja função, ao que parece, consisteem transmitir a excitação de um neurônio a outro, assegurando a passagem longa da excitação pelas redesmais complexas ou "círculos reverberatórios".Alguns estudiosos consideram que os "círculos reverbe-Tatórios" da excitação são a base neurofisiológicada memória "breve". Segundo essas hipóteses, é um mecanismo essencial de conservação dos vestígios omecanismo de transmissão sináptica da excitação, o que assegura a passagem da excitação de umneurônio para o outro e permite uma conservação longa da excitação que passa pelos "círculosreverberatórios".De acordo com essa teoria, o choque destrói a passagem da excitação pelos círculos reverberatórios e levaao desaparecimento daqueles vestígios que se conservaram graças a essa passagem da excitação.O processo de circulação da excitação pelos "círculos reverberatórios" não é, entretanto, o únicomecanismo possível de conservação dos vestígios. Os fatos, obtidos por muitos pesquisadores, levaram à

suposição de que o mecanismo de conservação dos vestígios está relacionado com as profundasmudanças bioquímicas que podem ocorrer não apenas nas sinapses (lugares de transmissão da excitaçãode uns neurônios a outros) mas também nos próprios corpos dos neurônios e em seus órgãos particulares(núcleos, meta-côndrios).Em 1959, o pesquisador sueco H. Hyden mostrou que cada excitação das células nervosas leva a umavisível elevação do teor do ácido ribonucléico (RNA), ao passo que a51

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longa ausência de excitação reduz o teor de RNA. AS observações posteriores de Hyden e seuscolaboradores levaram à hipótese de que as mudanças do RNA têm caráter específico e podem ser hipoteticamente consideradas como mecanismo bioquímico de conservação dos vestígios damemória. Essa hipótese se baseia no fato de que as mudanças do RNA, provocadas por certasações, podem ser muito específicas e influências diversas podem provocar diferentesmodificaçõesdo RNA.Lançou-se a hipótese segundo a qual o número de possíveis mudanças das moléculas do RNA,sob o efeito de ações diversas, pode ser medido pelo imenso número — IO11 — IO20 e, destemodo, o RNA pode manter um imenso número de diferentes códigos. Como supunham esses

 pesquisââorõS, a repetição do mesmo estímulo leva a que o ácido ribonu-clêico especificamentemudado comece a "repercutir" justamente diante dessa excitação e a capacidade de repercutir especificamente diante dessa excitação constitui a base a partir da qual a célula nervosa, queconserva o vestígio do efeito recebido, começa a "identificar" este efeito, distin-guindo-o dequalquer outro.Essa mudança específica do RNA sob a influência de ações diversas foi o que deu aos estudiososfundamento para levantar a hipótese de que ela é a base bioquímica da memória.

A hipótese da participação do ácido ribonucléico na conservação dos vestígios da memória foiconfirmada por uma série de observações. Situam-se entre estas as observações do fisiologistaamericano E. F. Morrell que mostrou que o aumento do teor de RNA, provocado pela excitaçãorepetida de determinada área do cérebro, manifesta-se tanto neste foco como no ponto a elesimétrico de outro hemisfério. Isto significa não apenas que os círculos reverberató-rios deexcitação podem abranger zonas muito grandes do cérebro, estendendo-se ao hemisfério oposto,mas também que nesse "foco especular" simétrico, que não sofreu nenhuma influência direta doestímulo, surge um elevado teor de R>* que parece sugerir nele um alerta para novasexcitações.Entre aquelas observações situam-se as observações feitas com auxílio de microscopiaeletrônica; estas mostraraa que, na medida em que se formam vestígios de habilidade nosrespectivos neurônios do animal, pode-se observar o aa-

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mento do número de vesículas mínimas (empolinhas), que contêm elevada concentração deacetil-colina, que assegura o deslocamento do impulso nas sinapses, ao passo que a longaausência de excitações diminui o número dessas vesículas.Entre essas observações situam-se ainda os fatos segundo os quais os vestígios da informação,assimilada pelo animal, podem ser transmitidos a outro animal por via humo-ral através do RNA modificado e, ao contrário, a destruição do RNA (sua dissolução pela ribonuclease) leva àdestruição desses vestígios.Essas observações provocaram uma animada discussão. Citaremos dados breves, observandoque a sua verificação e avaliação definitiva ainda pertencem ao futuro.Os dados relativos a uma possível participação do RNA tanto na conservação como natransmissão da informação foram obtidos pela primeira vez pelo pesquisador americano McConnell. Este fez planárias adquirirem habilidade de evitar a luz. Esse aprendizado requereu umnúmero considerável de testes. Depois disto ele cortou a planaria em duas partes e cada umadestas recuperou-se paulatinamente, transformando-se num animal inteiro. Quando as espéciesregeneradas começaram a aprender mais uma vez o mesmo procedimento, verificou-se que aaprendizagem tanto do extremo regenerado da cabeça quanto do extremo regenerado da caudarequeria um número três vezes menor de testes de treinamento. Conseqüentemente, a

conservação dos vestígios da memória não ocorre à custa dos neurônios restantes do gânglio posterior (que tornava a regenerar-se na extremidade da cauda) mas à custa de avançoshumorais (bioquímicos) que se mantiveram em todos os tecidos do corpo. É característico quese as duas extremidades da planaria, que adquirira a habilidade, eram imersas em solução deribonuclease, que destruiu o KNA, os vestígios da habilidade adquirida desapareciam e os vermesregenerados requeriam para nova aprendizagem o mesmo número de novos testes detreinamento que requeriam as espécies não treinadas.Segundo os autores, estes testes confirmam a participação do RNA na conservação dos vestígiosda memória.53

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Testes posteriores, realizados por Mc Conncll eoutros pesquisadores, criaram a impressão de que oRNA modificado pode não só conservar os vestígios dainformação obtida como também transmiti-los a outras■ espécies por via humoral.Para mostrá-lo, Mc Connell introduziu inicialmente a respectiva habilidade num grupo de

 planárias e depois alimentou as planárias não treinadas com um extrato feito de corpos das planárias treinadas. Pelos dados apresentados pelo pesquisador, resultou daí que as planáriasnão treinadas começaram a adquirir bem mais rapidamente a habilidade específica antesadquirida pelas planárias treinadas, habilidade essa que parece ter-se transmitido às planáriasnão treinadas por via humoral através do RNA especificamente mudado, que conserva vestígiosda modificação do comportamento adquirido.Semelhantes testes foram realizados numa série de animais (inclusive em ratos, em cujoscérebros foi introduzido um extrato de cérebro picado de ratos anteriormente treinados) e osautores que os realizaram levantaram a hipótese de que, nestes casos, o RNA participa não só daconservação dos vestígios da informação recebida mas também pode participar da transmissãodessa informação a outras espécies por via humoral (bioquímica).

Como já dissemos anteriormente, estes testes provocaram acalorada discussão e ainda é difícilafirmar que os seus resultados venham a ser confirmados poí pesquisas posteriores.Surge uma questão essencial: limita-se a mudança do RNA, que surge como resultado daexcitação, a apenas alguns neurônios ou ao processo de conservação dos vestígios incorporam-se outros tecidos do cérebro? Essa questão chamou a atenção dos estudiosos.Como se sabe, a composição dos núcleos das formaçí^cs subcorticais e a composição do córtexsão integradas, alem dos neurônios, também pela glia, que reveste as células nervosas com umadensa massa esponjosa. Durante muito tempo a glia foi considerada um simples tecido de apoiodo cérebro; mas ultimamente ficou claro que ela tem outras funiões54

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 bem mais complexas, participando tanto dos processos de troca como da regulação dos processos de excitação que ocorrem nos aparelhos nervosos e, provavelmente, do processo deconservação dos vestígios das excitações que surgem no tecido nervoso do cérebro. É sabido,ainda, que o número de células da glia é dez vezes superior ao número de células nervosas;diferentemente das células nervosas, que são indivisíveis durante a vida, as células da gliacontinuam a dividir-se e seu número aumenta na ontogênese. É característico que, na medida dodesenvolvimento, cresce substancialmente a relação da massa das células nervosas com xoda amassa da substância parda a que pertencem as células da glia.As células da glia revestem densamente as células netvo-sas e, segundo expressão de Hyden,"ocupam posição estratégica entre as células nervosas e os capilares sangüíneos". Os potenciaiselétricos surgem nelas com uma lentidão centenas de vezes maior do que nas células nervosas,enquanto as mudanças bioquímicas que nelas se processam sob as influências das excitaçõesencontram-se em relações inversas com as mudanças bioquímicas que se processam nas célulasnervosas. No início da excitação, aumenta nas células nervosas (neurônios) a quantidade do RNA diminuindo na glia circunvizi-nha; ao contrário, ao término da ação do estímulo diminuirapidamente a quantidade de RNA na célula nervosa, aumentando nas células da gliacircunvizinha. Por isto, o surgimento de potenciais lentos aos quais a neurofisiologia dá

importância sobretudo grande, é hoje relacionada não só ao trabalho dos neurônios comotambém da própria glia.Tudo isto leva a supor que a glia dá estabilidade aos processos que surgem na célula nervosa,exerce influência moduladora na ocorrência das excitações e, provavelmente, participadiretamente da conservação dos vestígios das excitações que surgem nos neurônios.A circulação das excitações nos círculos reverberatórios e as indicações das mudanças

 bioquímicas que surgem sob a influência das excitações que chegam ao tecido nervoso sãosuficientes para explicar os mecanismos que servem de base à memória longa. Por isto algunsestudiosos consideram necessário procurar os mecanismos da memória longa em algumasmudanças morfológicas, que surgem no aparelho sináp-tico dos neurônios e suscitam a hipótesede que são justa-55

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mente essas novas formações morfológicas que constituem o substrato da memória longa. Oconhecido morfofisiologista Ariens Kappers já indicara anteriormente que o crescimento dosaxônios e dendritos não é casual e os apêndices do neurônio se orientam no sentido da excitaçãoocorrente. Esse fenômeno, que Kappers denominou "neurobiótico", foi confirmado emobservações posteriores. Atualmente os cientistas admitem que a orientação do crescimento dosapêndices dos neurônios é até certo ponto determinada pelo funcionamento destes e pelos"programas" que dependem do código de excitação e servem de base à atividade dos neurônios.O crescimento do sistema sinapso-dendrítico de uma série de neurônios ocorre também durantea vida, sendo estimulado em grande medida pelo exercício e abstendo-se do "emprego" desse oudaquele sistema. O exercício faz aumentar consideravelmente o número de sinapses, aumenta onúmero de empolas (vesículas) que conduzem a excitação dos neurônios, e o número daquelesapêndices mínimos localizados nos axônios, que hoje são considerados o principal aparelhoneuroquímico, que assegura a transmissão da excitação nas sinapses. Essas mesmas reações domovimento e do crescimento surgem na excitação não só dos apêndices dos neurônios mastambém na glia. (A. I. Rewtback), e, segundo alguns autores, é justamente esse efeito daformação de novas sinapses que constitui o substrato da memória longa.Se a memória breve se baseia no movimento que surgiu no círculo reverberatório e a memória

longa no crescimento do aparelho sinapso-dendrítico da glia, a formação de novas sinapsesainda não se pode considerar demonstrável embora muitas das tentativas atuais de encontrar a base fisiológica dos eventos da memória sigam nessa direção.Sistemas cerebrais que asseguram a memóriaSurge uma pergunta natural: quais são os grandes sà-temas cerebrais que asseguram o registrodos vestígios? Participariam dos processos da memória todos os sistemas rebrais, quedesempenham o mesmo papel na fixação vestígios ou dentre todos os sistemas cerebrais queco56 

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mos é possível distinguir alguns que desempenhem papel especial na fixação e conservação dosvestígios da memória?Já sabemos (ver Vol. I, Cap. IV) que no cérebro podemos distinguir pelo menos três grandes

 blocos, dos quais um assegura o tônus no córtex e a regulação dos estados gerais deexciíabilidade, o segundo é o bloco de recebimento, processamento e conservação dainformação recebida, sendo o terceiro o bloco de formação dos programas e controle docomportamento. Essse fato já mostra que não é idêntica a participação de formações isoladas doencéfalo nos processos de memória.Sabemos ainda que não é idêntica a característica neu-rofisiológica de neurônios isolados quefazem parte de diferentes sistemas do cérebro. Se nos sistemas de projeção das zonas corticaisauditiva, visual cinética da pele a maioria esmagadora das células receptoras é específico-modale reage aos indícios seletivos limitados dos estímulos, há outras áreas (as quais pertencem, por exemplo, o hipocampo e o corpo caudal) que são constituídas predominantemente de neurôniosque não têm caráter específico-modal e reagem apenas à mudança da excitação. É natural queesses fatos dêem fundamento para supor que o hipocampo e as formações a ele relacionadas(núcleo amendoado, núcleos do tá-íamo ótico, corpos mamilares) desempenham papel especialna fixação e conservação dos vestígios da memória e os neurônios que. fazem parte de sua

composição são um aparelho adaptado para a conservação dos vestígios das excitações, acomparação destas com novas excitações, tendo ainda a finalidade de ativar as descargas (se anova excitação difere da velha) ou inibi-las.Esses fatos levam a pensar que os referidos sistemas são um aparelho que assegura não apenas oreflexo orientado (como. já indicamos anteriormente) mas também um aparelho portador dafunção de fixar e comparar os vestígios que desempenham papel especial nos processos dememória.Eis porque, como mostraram as observações, a afecção bilateral do hipocampo leva a distúrbiosgraves da memória; os doentes com semelhante afecção começam a apresentar um quadro daimpossibilidade de fixar as excitações que lhe chegam, conhecido na clínica pela denominaçãode "síndro-me de Korsakov". Esses fatos foram estabelecidos por mui-57 

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tos estudiosos (Brenda Miler, Scovilí e Penfield) em operações de grande importância teórica.Dados muito importantes foram obtidos em testes especiais pela neurofisiologista canadenseBrenda Miler. Ela introduziu na artéria do sono do hemisfério direito de um doente com afecçãounilateral do hipocampo uma substância narcótica (amital e sódio); isto provocou um brevedesligamento (por alguns minutos) das funções do córtex do segundo hemisfério, resultando daíque os dois hipocampos deixaram de funcionar por um breve espaço de tempo.O resultado dessa interferência foi o desligamento temporário da memória e a impossibilidadede qualquer fixação dos vestígios, que durou alguns minutos e depois desapareceu.Vê-se facilmente qual a importância dessas pesquisas para a compreensão do papel dohipocampo na fixação e conservação dos vestígios da memória.Para a compreensão do papel que o hipocampo e as formações a ele ligadas desempenham nos

 processos de memória, são igualmente importantes as observações clínicas segundo as quais asafecções dessas áreas do cérebro, estreitamente relacionadas com a formação reticular, levamnão apenas a uma redução geral do tônus cortical mas também a uma perturbação considerávelda capacidade de fixar e conservar os vestígios da experiência corrente. Essas observaçõesforam clinicamente observadas em todas as afecções que bloqueiam o movimento normal nochamado círculo hipo-campo-tálamo-mamilar (ou círculo de Paypez), que inclui entre seus

componentes o hipocampo, os núcleos do tálamo ótico, os corpos mamilares e a amígdala. Acessação da circulação normal da excitação por esse círculo perturbava o funcionamento normalda formação reticular e levava a grosseiros distúrbios da memória.Isto tudo não significa que outras áreas do encéfalo, particularmente o córtex cerebral não

 participem dos processos de memória. O importante, entretanto, é que a afecção das zonasoccipitais ou temporais do córtex pode levar a supressão da capacidade de fixar os vestígios dasexcitações especí-fico-modais (visuais, auditivas) mas nunca leva a uma perturbação geral dosvestígios da memória.Isto significa que a memória é um processo compl por sua base nervosa e é assegurada pela

 participação de58

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ferentes sistemas cerebrais, que desempenham, todos eles, papel próprio e dão sua contribuição específicaà realização da atividade mnésica.Tipos principais de memóriaA Psicologia admite vários tipos básicos de memória. Vamos examiná-los sucessivamente, dispondo-osnuma ordem de complexidade crescente.Mas nos limitemos à análise das modalidades de memória, que têm importância para os processos

cognitivos, deixando de lado o exame dos fenômenos da memória emocional e motora. Imagens sucessivasAs imagens sucessivas constituem a forma mais elementar de memória sensorial. Elas se manifestamtanto no campo visual quanto no campo auditivo e sensitivo geral e foram bem estudadas pela Psicologia.O fenômeno da imagem sucessiva (freqüentemente representada pelo símbolo  NB, correspondente aotermo alemão "Nachbild" consiste no seguinte: se durante certo tempo, 10-15 segundos, por exemplo,apresentarmos ao sujeito um estímulo simples, sugerindo-lhe olhar durante o referido período para umquadrado e em seguida retirarmos esse quadrado, o sujeito continua vendo no lugar do quadradovermelho um vestígio de forma idêntica embora habitualmente de cor azul-verde (completando avermelha). Esse vestígio às vezes surge de imediato, às vezes alguns segundos após e permanece durantealgum período de (10-15 a 45-60 segundos), começando em seguida a empalidecer paulatinamente e a perder seus contornos nítidos, como que se desfazendo, para desaparecer em seguida; às vezes ele torna aaparecer para depois sumir definitivamente. Em sujeitos diferentes podem variar tanto a clareza como a

 precisão e a duração das imagens sucessivas.O fenômeno das imagens sucessivas deve-se ao fato de que a irritação da retina surte o seu efeito: provoca a fadiga59

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da fração da púrpura visual (componente sensível à cor bulbo ocular), que assegura a percepçãoda cor vermelha e por isto no deslocamento da vista para uma folha branca surge um sinal deluz azul-verde completando a vermelha. Esse tipo de imagem sucessiva é denominado imagem

 sucessiva negativa. Esta pode ser considerada a forma mais elementar de conservação dosvestígios sensoriais ou o tipo mais elementar de memória sensorial.Além das imagens sucessivas negativas existem também as imagens sucessivas positivas. Estas

 podem ser observadas se em plena escuridão colocarmos diante dos olhos um objeto qualquer (por exemplo, a mão) e em seguida iluminarmos o campo com luz clara (por exemplo, afulguração de luz elétrica) durante o breve espaço/ de 0,5 segundos. Neste caso, depois que a luzse apaga, a pessoa ficará algum tempo vendo a imagem clara do objeto situado diante de seusolhos, desta vez nas cores naturais; essa imagem perdura por algum tempo e em seguidadesaparece.O fenômeno da imagem sucessiva positiva é o resultado do efeito direto da percepção visual

 breve. O fato de essa imagem não mudar de coloração se deve a que, na escuridão que se inicia,o fundo não provoca excitação da retina e a pessoa pode observar o, efeito imediato daexcitação sensorial provocado num instante.As imagens sucessivas refletem antes de tudo os fenômenos da excitação que ocorrem na retina

do olho. Isto é demonstrado por um teste simples. Se durante certo tempo reproduzirmos umquadrado vermelho num fundo cinza e após retirarmos esse quadrado obtivermos a sua imagemsucessiva e em seguida afastarmos a tela, veremos que a dimensão da imagem sucessivaaumenta paulatinamente e esse aumento é diretamente proporcional ao afastamento da tela ("Leide Emmert").Isto se explica pelo seguinte fato; na medida em que se afasta a tela, o ângulo que o seu reflexocomeça a ocupar m retina diminui paulatinamente e a imagem sucessiva começE a ocupar umespaço cada vez maior nessa área decrescer.2 da imagem da tela que se afasta na retina. Ofenômeno des-60

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crito serve para demonstrar nitidamente que, no caso dado, realmente observamos o efeito dos processos de excitação que ocorre na retina, sendo a imagem sucessiva a  forma mais elementar de memória sensorial breve.Ê característico que a imagem sucessiva constitui o exemplo dos processos mais elementares devestígio, que não podem ser regulados por um esforço consciente: a imagem não pode ser nem

 prolongada ao bel-prazer nem repetida arbitrariamente. É nisto que consiste a diferença entre asima^-gens sucessivas e os tipos mais complexos de imagem da memória.As imagens sucessivas podem ser observadas no campo auditivo e no campo das sensações da

 pele, embora ali tenham expressão mais fraca e sejam menos duradouras.Apesar de serem as imagens sucessivas um reflexo dos processos que ocorrem na retina, a suanitidez e sucessividade dependem essencialmente do estado do córtex visual. Deste modo,quando há tumores na região occipital do cérebro, as imagens sucessivas se manifestam emforma debilitada e se mantêm por tempo mais breve, chegando, às vezes, a não ser provocadas(N. N. Zislina). Ao contrário, quando se introduzem algumas substâncias estimulantes, asimagens podem tornar-se mais nítidas e duradouras.

 Imagens diretas eidêticasDevemos distinguir das imagens sucessivas os fenômenos das imagens diretas ou eidêticas (do

grego eidos — imagem). O fenômeno das imagens diretas (em Psicologia elas são representadas pelo símbolo AB — do alemão Anschauungsbild) foi descrito em seu tempo pelos psicólogosalemães, os irmãos Jensh e consiste no seguinte: em algumas pessoas (sobretudo na infância ena juventude) podemos observar imagens claras e precisas de um objeto mostrado ou quadrosinteiros que se mantêm durante muito tempo após o desaparecimento dos objetos e quadrosapresentados.Esse fenômeno foi observado em experimentos. Durante 3-4 minutos apresentou-se ao sujeitoum quadro de cena de61

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rua. Depois que o quadro foi retirado, fizeram-se perguntas acerca de seus detalhes. Se ossujeitos comuns não conseguiam responder a quase nenhuma das perguntas formuladas, ossujeitos que possuíam nítidas imagens eidéticas continuavam como que vendo o quadro erespondiam facilmente a perguntas como "quantas árvores havia na rua?", "quantos animaishavia no quadro?", "como está o anúncio na parede?". Eles respondiam a todas as perguntas,como que continuando a "observar" o quadro retirado e, via de regra, não cometiam nenhumerro na descrição.A imagem eidética nítida se distinguia por muitas particularidades radicais da imagemsucessiva. Podia manter-se por muito tempo se fosse necessário; se desaparecia posteriormente,o sujeito podia reativá-la facilmente e por isto os testes de "conferimento" dos detalhes daimagem eidética podiam durar várias semanas, meses e até anos após o primeiro teste.

 Nas publicações soviéticas de Psicologia, o fenômeno das imagens eidéticas foi descrito por A.R. Luria que durante muitos anos observou impaciente com essa memória visual direta nítida.Ao contrário da imagem sucessiva, as imagens eidéticas são de natureza mais complexa e nãosão de maneira nenhuma vestígios ds excitações provocadas na retina do olho, Isto pode ser demonstrado por um teste simples. Se mostrarmos a um sujeito dotado de memória eidética umafigura ou uma imagem complexa na tela e em seguida afastarmos a tela, a imagem que ficar da

figura não começará a aumentar na medida em que a tela se afastar, na proporção que se verificana imagem sucessiva, porém manterá uma permanência bem maior. Esse desvio da "Lei deEmmert" e a grande constância da imagem eidética distinguem-na da imagem sucessiva ecolocam-na num ponto intermediário entre a imagem sucessiva (que cresce acentuadamente namedida em que se afasta a tela) e a imagem da representação (que conserva a sua constância

 plena e não aumenta com o deslocamento da tela). Tudo isto mostra que as imagens eidéticas possuem mecanismos centrais e, conseqüentemente, constituem um tipo mais complexo dememória sensorial.A diferença entre as imagens eidéticas e as imagens sucessivas consiste em que aquelas

 permanecem sem quaisquer mudanças de nitidez, não apresentam nenhuma ocorrência <k dispersão e flutuação, podem ser provocadas arbitrariamen»62

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a qualquer momento, inclusive num lapso de tempo muito grande após terem sido fixadas.Por último, as imagens eidéticas apresentam como diferença essencial a mobilidade e acapacidade de mudar sob o efeito das tarefas e concepções do sujeito.O experimento simples, realizado pelos irmãos Jensh, mostra que o sujeito dotado de memóriaeidética recebia um quadro representando uma maçã e a alguma distância, um gancho. Depoisque se retira a imagem e o sujeito continua "vendo" a imagem eidética, propõe-se que eleimagine que está com vontade de ganhar uma maçã. Imediatamente após essa instrução, osujeito observa que o gancho, antes situado à distância da maçã, se aproxima dela atraindo amaçã em sua direção. Conseqüentemente, a imagem eidética resulta móvel e muda sob o efeitoda orientação do sujeito.Como mostram as pesquisas, as imagens eidéticas são mais freqüentes na infância e naadolescência e desaparecem paulatinamente, conservando~se apenas em algumas pessoas. Háfundamentos para se pensar que alguns pintores famosos eram dotados de imagens eidéticasclaras. Assim, são conhecidos pintores para os quais era bastante observar um modelo durantealguns minutos, após o que podiam continuar compondo o quadro na ausência do modelo,conservando a imagem com todos os detalhes.Há fundamentos para pensar que existem substâncias que reforçam as imagens eidéticas (entre

estas, os irmãos Jensh situavam as substâncias que contêm íons de potássio), bem comosubstâncias que as enfraquecem (entre estas, eles situavam as substâncias que contêm íons decálcio). Por isto alguns agentes farmacológicos especiais (a mescalina, por exemplo) podemreforçar acentuadamente as imagens eidéticas provocando nítidas alucinações visuais.

 Imagens da representaçãoVerifica-se uma estrutura visualmente mais complexa no terceiro tipo, mais importante, dememória visual: a imagem da representação (esta é às vezes representada na Psicologia63

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 pelo símbolo VP, do alemão Vorstellungsbild). As imagens de representação são de todos conhecidas.Dizemos que vemos a imagem de uma árvore, de um limão, de um cão. Isto significa que a nossaexperiência anterior deixou em nós vestígios dessas imagens, razão por que a existência dasrepresentações é considerada a forma mais importante de memória.Pode parecer à primeira vista que as imagens das representações se assemelham às imagens diretas,distinguindo-se destas apenas por serem menos nítidas, mais pobres e esba-tidas e menos definidas. No

entanto essa característica das representações como imagens mais pobres de conteúdo é profundamenteerrônea, pois uma análise psicológica atenta mostra que as imagens das representações não são mais pobres porém imensamente mais ricas do que as imagens diretas.O primeiro traço que distingue as imagens das representações das imagens diretas consiste em que as primeiras são sempre polimodais, noutros termos, sempre incluem entre seus componentes elementos dosvestígios tanto visuais quanto táteis, auditivos e motores; elas não são vestígios de um tipo de percepçãomas vestígios de uma complexa atividade prática com objetos.Exteriormente a imagem das representações pode parecer visualmente mais pobre e é antes um esquema,uma configuração geral de um dado objeto que sua imagem visual direta. No entanto ela compreendediferentes aspectos das representações do objeto: a imagem das representações do limão inclui tanto aforma exterior do objeto (forma e cor) como o seu sabor, a casca rugosa, o peso, etc. A imagem de umamesa compreende não só o aspecto pobre e esquemáti-co da mesa mas também o seu emprego, osvestígios de que o homem a usou para comer, trabalhar, sentar-se a ela, etc. Por si só essa múltipla

composição da imagem da representação, que compreende uma prática multivariada com o objeto, já dáuma noção bem mais rica do objeto do que o seu simples aspecto exterior.A segunda peculiaridade da imagem da representação consiste em que ela sempre engloba umaelaboração intelectual da impressão do objeto, a discriminação dos traços mais substanciosos deste e suainclusão em determinada categoria. Nós não apenas reproduzimos a imagem de uma árvore mas anomeamos com uma palavra determinada, discriminamos nela os indícios essenciais e a incluímos numadeterminada64

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categoria. Ao provocarmos a imagem da árvore, não costumamos provocar a imagem de umaárvore determinada (uma mangueira ou uma jaqueira) mas operamos com uma imagemgeneralizada da árvore que pode compreender tanto a imagem direta da mangueira ou da

 jaqueira como a imagem direta de um pinheiro ou de uma casa. O simples fato de a imagem darepresentação parecer, à primeira vista, apenas es-batida e mais pobre do que a imagem visualdireta, constitui de fato o indício de sua generalidade, da riqueza potencial das ligações que elaoculta, o indício de que ela pode ser inserida em quaisquer relações. Essa aparente pobreza daimagem da representação sugere simultaneamente que um traço qualquer (ou conjunto detraços) se destaca nela como mais substancioso enquanto outros traços são ignorados comomenos importantes.Por conseguinte, a imagem da representação é, em suma, não uma marca passiva da nossa

 percepção visual mas o resultado de sua análise e síntese, da abstração e generalização, noutrostermos, é o resultado de uma codificação percebida como certo sistema.Por conseguinte, na imagem da representação a nossa memória não conserva passivamente amarca do percebido mas faz com este um trabalho profundo, reunindo toda uma série deimpressões, analisando o conteúdo do objeto, generalizando essas impressões e unificando a

  própria experiência direta com os conhecimentos do objeto.

Conseqüentemente, a imagem da representação é o produto de uma atividade imensamente maiscomplexa e uma formação psicológica incomparavelmente mais complexa do que a imagemsucessiva ou direta.Essa complexidade da imagem da representação se observa nitidamente tanto na identificaçãodo objeto quanto na conservação da imagem.A identificação do objeto nunca é um processo de simples superposição do objeto percebido àimagem de sua representação conservada na memória. Essa identificação ocorre, via de regra,mediante a discriminação dos traços essenciais do objeto, da comparação dos traços complexose distintos do objeto esperado e percebido em termos reais dos quais resulta a "tomada dedecisão" para definir se o objeto visível é aquele que esperávamos ou não. O fato de ter ohomem uma "imagem" do seu conhecido não significa, abso-65

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íutamente, que ele disponha de uma plena marca visual desse conhecido que ele "identifica" por meio dasimples identificação da imagem perceptível com aquela que ele tem na memória. Isto significa que ohomem dispõe de um complexo generalizado de traços que mantém como essenciais para o seuconhecido: alta estatura, meio calvo, de óculos, postura ereta, etc. Ao encontrar uma pessoa parecida comseu conhecido, ele compara traços particulares e se estes não coincidem por algum motivo ("meio calvo,de óculos mas de rosto redondo..." etc), ele "decide" que a pessoa não é aquela, ele "não a reconhece";

somente a coincidência de todos os traços principais dá a certeza de que ele está diante da pessoaesperada e o leva a "decidir" e essa decisão representa a manifestação da "identificação" do seuconhecido.Isto dá fundamentos para considerar a imagem da representação não uma simples cópia de umaimpressão única na memória mas um produto reduzido da complexa atividade com o objeto, quecompreende elementos tanto da experiência direta quanto dos conhecimentos desta. Ò processoigualmente complexo é a conservação da imagem da representação na memória,Como mostraram várias pesquisas (principalmente as do psicólogo soviético M. Solovyêv), a imagem darepresentação às vezes não se conserva na memória em forma imutável; ela sempre sofre mudançasdinâmicas que podem ser facilmente descobertas se, dando ao sujeito a possibilidade de conhecer o objetodepois de algum tempo (um dia, uma semana, um ou vários meses) não apenas perguntar se ele temalguma noção de dado objeto mas também sugerir-lhe desenhá-lo, A experiência mostra de modoconvincente que a conservação dessa imagem na memória está praticamente relacionada com a

modificação da imagem da representação desse objeto, com a discriminação e a ênfase dos seus traçosmais substanciosos, com o desaparecimento das suas peculiaridades individuais, noutros termos, comuma profunda transformação da imagem mantida na memória.Tudo isto mostra que a imagem da representação é um complexíssimo fenômeno psicológico e a"memória icônica** do homem não pode ser jamais considerada um fenômeno elementar.As imagens das representações são tipos bem mais complexos de vestígios da memória e é justamente asua seme-66 

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ihança com os processos intelectuais que faz delas um dos mais importantes componentes daatividade cognitiva do homem.Memória verbal 

 A memória verbal é a modalidade mais complexa e mais elevada de memória especificamentehumana.

 Não usamos as palavras apenas para nomear os objetos, o discurso verbal não apenas participada formação das concepções e da conservação da informação direta; o homem recebe o maior volume de conhecimentos por meio do sistema verbal, recebendo informação verbal, lendolivros e conservando em sua memória o resultado dos dados obtidos através do discurso.A memória visual é em grau ainda menor uma fixação imediata das palavras e uma conservação

 passiva das imagens por estas provocadas do que uma fixação e conservação dos resultados daexperiência direta que se forma sob o aspecto de concepções.Ainda veremos que, ao receber uma informação verba! o homem grava menos as palavras econserva a impressão que lhe chega textualmente.A memória verbal é sempre uma transformação da informação verbal, uma discriminação doque nesta há de mais substancial, abstraído do secundário, sendo ainda uma retenção não das

 palavras imediatamente percebidas mas das idéias transmitidas pela comunicação verbal. Isto

significa que a memória verbal sempre se baseia num complexo processo de recodificação domaterial comunicado, processo esse vinculado ao processo de abstração dos detalhessecundários e de generalização dos momentos centrais da informação. É por isto que o homem écapaz de "gravar na memória" o conteúdo de um vasto material obtido de informações verbais elivros lidos, sendo, ao mesmo tempo, absolutamente incapaz de conservar na memória oconteúdo literal dessas informações e leituras.

 Não raro a memória verbal é denominada "associativa" ou "lógica". Isto se deve a que as palavras nunca provocam67 

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em nós noções isoladas mas cadeias e matrizes inteiras de elementos associativos oulogicamente conexos.

  Psicologia da atividade mnemônica. Memorização e reproduçãoAté agora abordamos tipos particulares de vestígios e as peculiaridades do seu registro.Agora devemos caracterizar a atividade mnésica especial» noutros termos, os processos deregistro especial ou decoração do material.A maioria esmagadora dos nossos conhecimentos sistemáticos surge como resultado de umaatividade especial, na qual se coloca diante do sujeito a tarefa de memorizar o materialcorrespondente para gravá-lo na memória e posteriormente re-memorizá-lo ou reproduzi-lo.Essa atividade, destinada à memorização e reprodução do material retido na memória édenominada atividade mnésica.

 Nesta atividade, sugere-se a uma pessoa lembrar seletivamente de um material que lhe foi proposto, conservá-lo e em seguida reproduzi-lo ou memorizá-lo. É natural que em todos essescasos a pessoa deve distinguir nitidamente o material que lhe propuseram recordar de todas asimpressões secundárias e na reprodução limitar-se justamente a esse material, sem introduzir nele quaisquer impressões estranhas ou associações. Por isto a atividade mnésica sempre temcaráter seletivo. A atividade mnésica do homem é uma forma de atividade na qual o processo

de memorização está separado do processo de recordação ou reprodução por certo lapso detempo, às vezes breve (quando a verificação do material retido vem imediatamente após arecordação), às vezes considerável (quando a verificação se faz uma hora, várias horas ou diasapós).Dependendo da tarefa (memorizar num espaço curto ou longo) pode-se distinguir a memória

 breve e longa, embora seja relativa a distinção dessas duas formas de memória.A atividade mnésica é uma formação especificamente humana, que não ocorre nos animais. No

 processo de formação da habilidade ou do reflexo condicionado, provoca-se no ani=

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mal uma determinada atividade que, ao repetir-se, se conserva, embora só no homem o processode memorização se torne tarefa especial e a fixação do material na memória bem como o apeloconsciente para o passado com a finalidade de memorizar o material aprendido constitui umaforma especial de atividade consciente.Desde o início, uma das principais tarefas da Psicologia consistiu em medir o volume dememória acessível ao homem, a rapidez com que ele pode memorizar o material e o tempodurante o qual ele pode conservá-lo na memória.Essa tarefa foi difícil em todos os sentidos.Para medir a memória "pura", é necessário afastar todas as influências complicadoras que sobreela exerce a elaboração intelectual do material.É sabido que a assimilação do material, a organização de elementos isolados num sistemaintegral pode ampliar a possibilidade de memorização enquanto organização de elementos

 perceptíveis numa estrutura integral organizada: o volume da percepção. Ao medirmos amemória, devemos tomar todas as medidas para que o material que nossos sujeitos memorizamnão seja por eles inserido em estruturas semânticas (isto tornaria impossível a medição damemória "pura" e impediria distinguir as unidades capazes de exprimir o volume de memória).

 No entanto essa tarefa de afastar do estudo da memória qualquer possibilidade de organização

do material em cer* tos sistemas semânticos é justamente a mais difícil. Ao memorizar omaterial sugerido, o sujeito sempre tenta reuni-lo em determinados grupos semânticos, ligar por associações os elementos isolados isto permite medir o volume de memória "pura", separando-as da codificação intelectual dos elementos, formando unidades maiores.A tarefa de medir o volume de memória em sua forma mais pura foi resolvida no despertar daPsicologia experimental por Ebbinghaus. Para estudar o volume de memória, ele resolveu

 propor a um sujeito várias sílabas sem sentido (sav, hok, piri, dun, etc.) que davam as mínimas possibilidades de assimilação e formação de associações. Propondo ao sujeito memorizar dez,doze sílabas e ressaltando o número dos componentes memorizados da série, Ebbinghaus oadotou como volume da memória "pura"'.69

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Repetindo o teste várias vezes consecutivas e registrando um número dos componentesmemorizados em crescimento paulatino, Ebbinghaus obteve uma curva crescente do número deelementos memorizados que foi por ele denominada curva da aprendizagem decorativa.Por último, ao verificar o número de componentes retidos alguns minutos, horas ou dias após,ele pôde observar que caía o número de elementos retidos e isto lhe permitiu registrar a curvado esquecimento ou da extinção dos vestígios da memória.Os dados obtidos por Ebbinghaus se converteram no material básico, que caracteriza os

 processos da memória humana em suas formas mais simples. A par com a medição dos limiaresdas sensações, esses experimentos lançaram as bases da Psicologia experimental científica.Quais foram as leis básicas da memória descobertas por esses experimentos?O primeiro resultado dessas pesquisas foi o estabelecimento de um volume médio de memória,que caracterizava o homem.Verificou-se que, após a primeira leitura, o homem memoriza facilmente uma média de 5-7elementos isolados: esse número oscila consideravelmente e se as pessoas de memória fracaretêm de uma só vez apenas 4-5 elementos isolados, as pessoas de boa memória são capazes dereter 7-8 elementos isolados sem sentido imediatamente após a primeira leitura. Verificou-semais tarde que o volume de memória varia dependendo do método de apresentação do

material. As pessoas com predomínio da memória auditiva memorizam mais elementos se assílabas sem sentido lhes forem lidas em voz alta; as pessoas com predomínio da memória visualmemorizam mais elementos se estes lhes são apresentados em forma escrita. É verdade que asdiferenças nas memórias auditiva e visual não são muito consideráveis e os experimentosrealizados dão fundamentos para constatar apenas uma leve intensificação da memória visualcom a idade, o que está possivelmente relacionado" com o processo de domínio da escrita. Écaracterístico que a diferença da memória visual e auditiva, que nas pessoas normais pode semanifestar apenas em formas não acentuadas, nas atecçõés cerebrais podem manifestar-se emformas especialmente nítidas.Os experimentos de Ebbinghaus permitiram estabelecer 70 

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importantes leis no processo de aprendizagem decorativa do material.Com a apresentação repetida da mesma série de 12-15 elementos, o número de elementosretidos aumenta paulatinamente e com isto torna-se possível deduzir uma curva do númerocrescente de componentes retidos ou a curva da aprendizagem decorativa. Foi característico ofato de que a curva da aprendizagem decorativa teve carátei regularmente crescente nos suieitosnormais, retendo-se ou crescendo inicialmente para depois começar .a cair nas pessoas emestado de forte estafa. Nas pessoas com falhas de memória (na velhice, por exemplo) ela subiacom muita lentidão e parava praticamente a sua ascensão. Era natural que a curva da estagnaçãomudasse essencialmente dependendo da extensão da série a ser decorada e se com aapresentação de uma série de. 10 palavras ela chegava muito rapidamente ao limite (após 3-4repetições muitos sujeitos começavam a reter 10 palavras), com a apresentação de 20 ou 30

 palavras a aprendizagem decorativa tinha duração bem maior que, via de regra, chegava a umareprodução completa inclusive depois de muitas repetições.Dados essenciais foram obtidos na verificação da duração da retenção do material decorado e damaneira como ocorre o seu. esquecimento paulatino após diferentes intervalos de tempo.Para este fim Ebbinghaus propôs aos sujeitos decorar uma determinada série de elementos everificou em seguida o número desses elementos que os sujeitos retinham após certo intervalo.

Esses experimentos permitiram mostrar que o material decorado é retido inteiramente apenasdurante um tempo relativamente curto, após o que começa a ser esquecido e a curva que refleteo número de elementos retidos desce bruscamente. Posteriormente diminui esse ritmo deesquecimento de vestígios e alguns dias após pequeno número de elementos retidos continua

 praticamente o mesmo.É característico que a curva do esquecimento depende da estabilidade da aprendizagemdecorativa (número da repetição sem erros da série nessa aprendizagem),, diminuindo

 bruscamente o ritmo do processo de esquecimento da série solidamente decorada, dependendotambém do nível de organização da série em sistemas assimilados (o esquecimento da série desílabas71

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sem sentido é bem mais rápido do que o esquecimento i. série de palavras organizadas em certasestruturas semânticasCabe lembrar, por último, que a conservação do mater. decorado depende altamente daquilo que

 preencheu o tempo :: sujeito no intervalo entre a aprendizagem decorativa e a rec::-dação. Seesse intervalo foi preenchido pela vigília e por trabalho intelectual, o esquecimento do materialdecorado se processava bem mais rapidamente, processando-se bem mais lentamente se ointervalo era preenchido pelo sono.Os dados mais importantes, que nos aproximam da compreensão dos mecanismos íntimos damemória, foram obtidos nc ■estudo da dependência entre os resultados da memorização e cvolume da série apresentada, bem como na análise atenta di dependência da retenção doesquecimento dos elementos da série proposta em relação ao lugar que eles ocupam nesta sérieAs pesquisas mostraram que se a série de 5-6 elementos í inteiramente recordada após a

 primeira apresentação, o ac-mento da série proposta não leva ao aumento mas à redução d:número de elementos retidos. Assim, na apresentação de 4-5 números, o sujeito os retinha

 plenamente; na apresentação de 7-8 números ele retinha apenas 70%; na apresentação de 9-'.'números, 40%; na apresentação de 10 números, apenas 23':\ a apresentação de uma série de 11-13 números levou a que : número dos elementos retidos caísse para 2-3%.

Resultados análogos foram obtidos em outra expressão verificou-se que se uma série de 6-7elementos (palavras) en retida já depois de uma apresentação, a plena retenção da sé-; de 12elementos já requeria 16 repetições, a aprendizaee-decorativa da série de 16 elementos. 30repetições, da série è 24 elementos, 44 repetições e da série de 26 elementos. *?: repetições.Dados análoeos foram obtidos na aprendizagem decorativa de séries de diferentes números desílabas.Os dados obtidos mostram de maneira convincente que c aumento do número inicial deelementos memorizáveis não ; indiferente para a sua memorização, que o número dos t\t-mentosretidos não aumenta na dependência linear face à gri--deza da série inicial e que, ao contrário, oaumento do vc'.--me da série inicial leva à retenção, à inibição do processo --' memorização.Dados especialmente importantes foram obtidos com u-s análise atenta da dependência que severifica na retenção ;:? elementos dependendo do lugar que ocupam numa série.

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Como mostraram as pesquisas, os elementos da série proposta são retidos de maneira bemdiversificada. Via de regra, os primeiros e os últimos elementos da série são retidos de modobem mais freqüente que os elementos intermediários da série. Esse fato, que em Psicologiarecebeu o nome de fato da extremidade, é de grande importância de princípio. Ele mostra que aretenção e a reprodução dos elementos deco-iráveis ocorrem sob a influência inibitória que elosisolados exercem uns sobre os outros. Os primeiros elementos sofrem, influência inibitóriaapenas nos sucessivos, enquanto os elementos finais da série sofrem influência inibitória apenasnos elos antecedentes; diferentemente disto, os elementos intermediários da série sofreminfluência inibitória tanto dos elos antecedentes quanto dos posteriores, razão pela qual suareprodução é bem pior.A influência inibitória dos elos antecedentes da série deco» rável sobre os posteriores échamada de Psicologia de inibição pró-ativa; a influência inibitória dos elementos posterioressobre os anteriores é chamada de inibição retroativa. Depois do que acaba de ser dito, nainfluência inibitória do choque sobre os vestígios posteriores e anteriores, o mecanismo dainfluência dos dois vestígios de inibição sobre a consolidação dos dois vestígios se torna

 bastante nítida.Os fatos expostos são de grande importância para a psicologia da memória, pois propiciam uma

resposta plena à pergunta: quais são os mecanismos que servem de base ao esquecimento?Durante muitos anos existiram na Psicologia duas teorias que explicavam as causas doesquecimento. Uma delas era chamada de teoria da extinção permanente dos vestígios (tracedecay), a outra, de teoria da inibição interferente dos vestígios.De acordo com a primeira teoria, os vestígios deixados no sistema nervoso por essas ou aquelasinfluências se extinguem paulatinamente, obliterando-se as respectivas influências (ouemoções). Por isto o esquecimento é um processo que ocorre naturalmente, um processo

 passivo. A segunda teoria aborda a solução do problema das causas do esquecimento. Ela parteda tese de que os vestígios deixados por essas ou aquelas excitações, permanecem no cérebro

 por tempo bem mais longo, às vezes por muitos anos (fato confirmado por testes de hipnose,nos quais é possível provocar lembranças antigas, às vezes da infância, que pareciam ter desaparecido há mui-

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to tempo); o esquecimento de impressões ou vivências é explicado por essa teoria comoresultado da influência de efeitos secundários "interferentes", que inibem o aparecimento dessesvestígios. Essas influências inibitórias podem apresentar duplo caráter: partem de efeitosimediatamente anteriores ao momento do registro dos vestígios (efeitos da inibição pró-ativa)tanto de efeitos dos vestígios imediatamente posteriores ao momento do registro (inibiçãoretroativa).É fácil perceber que essa segunda teoria considera o esquecimento um processo ativo e acha queeste não está "localizado" no registro mas na reprodução dos vestígios da experiência passada.Essa suposição é confirmada por dois grupos de fatores.O primeiro deles é o fato da influência inibitória do trabalho da obstrução sobre a reproduçãodos vestígios. Pesquisas especiais, nas quais o intervalo entre a aprendizagem decorativa e areprodução foi preenchido pela memorização das séries de fora, confirmam a tese da influênciainibitória dos efeitos interferentes.A tese segundo a qual o esquecimento se baseia não tanto na debilidade de uma extinção naturaldos vestígios quanto na influência inibitória dos agentes interferentes, é confirmada também

 pelo último fato que recebeu em Psicologia a denominação de reminiscência.Esse fato consiste em que a reprodução dos vestígios, que é inacessível imediatamente após a

aprendizagem decorativa de uma série, torna-se acessível após certa pausa durante a qual océrebro consegue repousar. Por isto, por mais paradoxal que pareça, o volume do materialreproduzido após certo intervalo pode ser maior do que o volume do material da reproduçãoimediata.O esquecimento se deve não tanto ao resultado da extinção dos vestígios quanto ao resultado dainibição destes por influências interferentes encadeadas; a obliteração desses fatores inibitórios(repouso do córtex) leva a que os vestígios provisoriamente inibidos comecem a manifestar-se.

 Influência da organização semântica sobre a memorizaçãoAté agora examinamos as leis básicas da memorização e da reprodução das séries constituídasde elos isolados.74

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São inteiramente distintas as leis que caracterizam a recordação e a reprodução da informação, organizadaem estruturas semânticas integrais.O fato principal consiste em que, como ocorre no campo da percepção, a organização dos elementos emestruturas semânticas (lógicas) integrais amplia substancialmente as possibilidades da memória e tornaincomparavelmente mais estáveis os vestígios da memória.Essa tese pode ser ilustrada por um exemplo. Suponhamos que temos de recordar uma série de 18

números isolados: de zeros e unidades.(a) 101000100111001110É natural que a memorização de uma série de elementos homogêneos que se alternam casualmenterepresenta grandes dificuldades e requer um grande número de repetições.Agora unifiquemos esses números a princípio em pares e depois em triplos.(b) 10 10 00 10 01 11 00 11 10(c) 101 000 100 111 001 110Ao invés de 18 unidades para memorização, na série (b) temos 9 e na série (c) apenas 6. Naturalmente amemorização será mais fácil e a aprendizagem decorativa requererá bem menos tempo.Unifiquemos todo esse material em grupos ainda maiores, constituídos de 4 números e posteriormente de5.(d) 1010 0010 0111 0011 10(e) 10100 01001 11001 110

Como resultado de toda essa transformação, todo o material passa a incluir, ao invés de 18 númerosisolados, apenas 5 grupos (d) ou 4 grupos (e). É natural que esse reforço facilitará posteriormente amemorização, tornando-se necessárias apenas duas ou três repetições para a aprendizagem decorativadessa série.Simplificação análoga da tarefa mnésica e ampliação do volume da memória podem ser obtidas atravésda organização de uma série de palavras isoladas num sistema semântico. É pouco provável que alguémconsiga memorizar de uma só vez 10 palavras isoladas, mantendo a necessária ordem de sua reprodução:noite-bos-75

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que-casa-janela-gato-mesa-bolo-som-agulha-fogo. No entanto basta organizar esta série de palavras num sistema semântico para que a tarefa se torne facilmente realizada.À noite, num bosque numa casa pela janela entrou um gato, pulou sobre a mesa, comeu um bolomas quebrou o prato, ouviu-se um som; ele sentiu que um fragmento do prato lhe espetou a patacomo uma agulha e sentiu na pata algo queimando como fogo.

 Neste caso, a recordação deixa de ter caráter de registro mecânico imediato de elementosisolados; ao trabalho de memorização antecede o trabalho de transformação lógica oucodificação da série. No entanto esse trabalho é compensado pelo fato de que a série de 10elementos (que agora se transforma numa estrutura semântica) é memorizada de uma só vez e, oque é igualmente importante, pode reproduzir-se facilmente um dia ou uma semana após semque se perca sequer um elo e sem qualquer deslocamento dos elementos incluídos nesse gruposemântico.Vê-se facilmente que nos dois exemplos citados descrevemos modelos do processo decodificação lógica do material memorizável, que caracteriza toda a memorização de sentidos e éa forma principal de atividade mnéstica do adulto, que assimila o conteúdo de um manual e

 procura interpretar o material didático, etc.Ao mesmo tempo, vê-se facilmente que esse processo de memorização semântica é, pela

estrutura psicológica, inteiramente diferente do processo de memorização mecânica, poiscompreende diversas operações lógicas auxiliares e, em essência, se assemelha ao processo de pensamento lógico com a única diferença de que os procedimentos deste pensamento visam nãoapenas assimilar as conexões essenciais e as cor-relaçõees dos elementos mas também tornar esses elementos acessíveis à conservação na memória.À medida que se desenvolve ou se estabiliza, o processo de memorização lógica sofre uma sériede mudanças substanciais facilmente observáveis caso examinemos as etapas pelas quais passaa pessoa que estuda esse ou aquele livro.A pessoa lê inicialmente o livro, destaca as suas partes essenciais, em seguida põe o conteúdoessencial do livro num sumário que posteriormente se resume e se transforma76 

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num esquema lógico do livro; o processo de assimilação do material pode considerar-se acabadodepois que todo o conteúdo de um longo artigo ou livro pode ser inserido num esquema lógicomuito breve porém substancial.O processo de assimilação do material lógico nem sempre apresenta esse caráter lógico; o leitor experiente não necessita de todas essas fases intermediárias dessa atividade desdobrada, o

 processo de "codificação" do material lido pode reduzir-se e limitar-se a algumas observações breves pelas quais o conteúdo da matéria lida pode ser plenamente restabelecido. Em algunscasos, nos leitores muito experientes isto se torna desnecessário e o processo de codificação (oude organização lógica) do material assimilado começa a transcorrer com rapidez e semquaisquer apoios externos.O processo de memorização lógica, que aproxima a atividade mnésica ao pensamento,reorganiza essencialmente tanto o processo de "aprendizagem decorativa" quanto o processo de"memorização". Ambos começam a ter caráter indireto, mediato; e é justamente nesse caráter que torna a recordação altamente eficaz tanto pelo volume do material que se torna acessível àmemorização quanto pela estabilidade do material memorizado e pela possibilidade dereproduzir dentro de intervalos longos. É característico que os resultados dessa memorizaçãologicamente organizada requerem um número bem menor de repetições para a aprendizagem

decorativa, são em medida incomparavelmente inferior suscetível de influência inibitória dosfatores interferentes e não manifestam em forma tão nítida ocorrências de reminiscência como amemorização mecânica dos elos isolados e desconexos.A via da memorização mecânica à memorização através da organização lógica do material é avia fundamental de desenvolvimento das formas complexas de memória, que ocorre igualmentena ontogênese e no processo de assimilação dos procedimentos da atividade mnésica no

 processo de aprendizagem. Dependência da memorização face à estrutura da atividadeEm todos os casos que abordamos, a memorização ou a aprendizagem decorativa foi objeto detarefa especial colo-77 

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cada ante o sujeito e as leis básicas da memorização e reprodução foram as leis da atividade mnésicaespecial. No entanto surge uma pergunta: a que leis se subordina o processo de memorização nos casos em que nãose atribui ao sujeito a tarefa especial de memorizar ou aprender de cor o matéria' correspondente e quandoa memória está incluída numa outra atividade que prescreve ao sujeito outras tarefas?O estudo dessas leis é tarefa de uma seção especial da Psicologia, que estuda os fenômenos habitualmente

designados pelo termo memorização imediata ou memorização involuntária.Imaginemos uma pessoa caminhando pela rua, com pressa de chegar ao trabalho. Ela passa ao lado devitrines, ao lado de operários que consertam uma linha de bonde, ao lado de jornaleiros e bancas de jornais. O que é que lhe fica na memória depois do caminho percorrido?Os fatos mostram que nenhum dos detalhes descritos fica em sua memória; mas se ele tem pressa dechegar ao trabalho e, economizando cada minuto, entra numa rua interditada, ele recordará bem essedetalhe.Semelhantes observações nos convencem de que o homem memoriza antes de tudo aquilo que estárelacionado com o fim de sua atividade, aquilo que contribui para atingir o objetivo ou serve deobstáculo. Aquilo que está relacionado I  com o objetivo ou com o objeto da atividademotiva a reaçãoorientada, torna-se dominante e é memorizado, não se observando nem se conservando na memória osdetalhes secundários que não têm relação com o objeto principal da atividade. É por isto que a pessoa que

 participa de uma discussão recorda cada pronunciamento de seus participantes, a posição, de um, ocaráter das objeções; mas ela pode não se lembrar absolutamente se as janelas do auditório estavamabertas ou fechadas, em que lugar estava o armário, se havia jornais nas mesas, etc.O estudo das regras a que se subordina a memorização involuntária é de grande importância tanto para ateoria da memória como para uma série de áreas práticas da Psicologia, particularmente para a Psicologiados depoimentos; os dados desta área da Psicologia são justamente os que permitem entender porquealguns depoimentos de testemunhas -casuais de78

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uma ocorrência são tão pobres e às vezes insuficientemente fidedignos.A análise das leis que determinam a memorização involuntária foi objeto de diversos estudos de psicólogos soviéticos entre os quais são de importância especialmente grande as pesquisas de I. I.Zintchenko e A. A. Smirnov.Zintchenko realizou uma série de experimentos especiais, nos quais mostrou a dependência que existeentre a memorização involuntária e a tarefa para a qual foi dirigida a atividade.

Ante o sujeito havia um conjunto de cartões; em cada um deles havia o desenho de objetos, plantas,animais, etc. No canto de cada cartão havia um número. Numa série de testes o sujeito tinha a tarefa de dispor os cartões em grupos, classificando os objetos nelesrepresentados; na segunda série de testes a tarefa dele consistia em distribuí-los na ordem dos númerosescritos no canto de cada um. O resultado dos testes mostra que a retenção na memória dos desenhos oudos números depende altamente da orientação da atividade do sujeito: os sujeitos, cuja tarefa eraclassificar os cartões pelo conteúdo, recordavam-se bem dos objetos al\ desenhados mas quase não selembravam dos números escritos nos cantos; os sujeitos que dispuseram os cartões na ordem dos númeroscrescentes, memorizaram oi números mas não conseguiram reter na memória os desenhos dos cartões e olugar em que estava situado o cartão com esse ou aquele desenho.Resultados semelhantes foram obtidos nos testes de Smirnov, que mostram ó quanto a memorizaçãoinvoluntária depende da orientação da atividade do sujeito.Os sujeitos receberam a tarefa de resolver vários problemas, sendo que a atividade transcorria em

condições diferentes: um grupo de sujeitos resolvia tarefas acabadas, outro grupo devia organizar  por simesmo as tarefas de acordo com determinado regulamento.Terminada a atividade, verificou-se até que ponto ambos os grunos de sujeitos retiveram os números quemanipularam. Como mostraram os resultados do teste, os dois grupos retiveram de modo diferente osnúmeros com os quais operaram: os .que resolveram tarefas acabadas retiveram uma79

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iquantidade relativamente pequena de números, os que deviam organizar por si mesmos astarefas, levando em conta as necessárias correlações dos números retiveram quase três vezesmais números do que o primeiro grupo.

Esses dados mostram que o êxito da retenção do material na memória depende em alto grau docaráter do objetivo da atividade, da tarefa proposta ao sujeito.O êxito da memorização involuntária não depende apenas da tarefa da atividade mas também docaráter da atividade e do grau de sua complexidade e operância.Esse fato é demonstrado por outros experimentos dos mesmos autores.Propõe-se aos sujeitos três tipos de trabalho: escolher para as palavras dadas palavrascomplementares da mesma letra, escolher para elas palavras análogas pelas propriedades e por último palavras que estejam ligadas a elas pelo conteúdo. O número de palavras retidas namemória nos dois últimos testes é duas vezes superior ao número de palavras retidas após o

 primeiro teste.Manifesta-se com toda evidência o fato de que uma atividade intelectual complexa leva aomesmo tempo a um efeito bem maior da retenção involuntária do material correspondente namemória. Dados análogos foram obtidos no estudo da maneira pela qual o material complexoassimilado é retido dependendo do grau de complexidade da atividade intelectual desenvolvidacom o auxílio desses dados.Propós-se aos sujeitos um variado trabalho com uma série de trechos com sentido; em uns casoseles deviam repetir três vezes esses trechos, em outros, interpretá-los de acordo com o plano quelhes fora proposto.O trabalho de análise do conteúdo dos trechos mediante a aplicação do plano lógico propostoaos sujeitos leva a que escolares da 5." série e estudantes de nível superior retenham material

 bem mais volumoso do que com a repetição mecânica embora tríplice dos trechos.Os fatos aqui apresentados mostram que a memorização involuntária depende da complexidadeda atividade inteleo

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tua! e quanto mais complexa e essa atividade tanto mais se retém o material a cujo trabalho elafoi dedicada.Os testes, que mostraram esse fato, consistiram no seguinte. Os sujeitos receberam a tarefa derealizar trabalhos variados com os trechos com sentido: em uns casos eles deviam repetir trêsvezes os trechos, noutros casos, analisar o conteúdo destes, aplicando um plano pronto; noterceiro caso, a tarefa consistia em compor de maneira autônoma o plano nesses trechos.Depois de cada um desses trabalhos sugeria-se a eles dizer que trechos haviam memorizado;questão semelhante era repetida alguns minutos após a realização do trabalho.Resultados da reprodução adiada foram diferentes em todos os três casos.Se no teste de repetição tríplice do trecho, o sujeito reproduzia imediatamente, após intervalodado, o número de detalhes igual ao da reprodução imediata, o número de detalhes reproduzidosapós o adiamento nos dois últimos testes foi consideravelmente maior do que na reproduçãoimediata.Isto significa que a atividade intelectual complexa, relacionada com a aplicação do plano prontoou com a confecção autônoma do plano do trecho não leva apenas a uma memorização melhor deste (como mostraram os fatos anteriores mas também torna a retenção do material mais sólidae, em sua reprodução prorrogada, permite recordar inclusive mais detalhes do que se conseguiu

reproduzir na enquete realizada imediatamente após a realização do teste).Os fatos aqui apresentados mostram que o trabalho intelectual com o material leva a umaretenção bem mais sólida e completa deste do que a retenção na aprendizagem decorativamecânica, permitindo, deste modo, avaliar o efeito mnésico da atividade intelectual.O efeito da retenção involuntária do respectivo material na memória depende tanto daorientação e da complexidade intelectual da atividade quanto do seu processo e do seu coloridoemocional.81

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O fato da dependência da memorização face ao processo de atividade foi minuciosamente estudado pelofamoso psicólogo alemão Kurt Lewin.É sabido que uma intenção qualquer se retém solidamente na memória enquanto a tarefa está sendoexecutada e desaparece da memória tão logo se cumpre a tarefa. Lembramos a intenção de depositar umacarta no correio enquanto não a depositamos; mas basta cumprirmos a intenção para que a lembrança dacarta desapareça da nossa memória.

É justamente por força dessa regra que qualquer tarefa se conserva na nossa memória enquanto não seexecuta a habilidade correspondente e por isso mesmo os vestígios da atividade não acabada e nãocumprida se mantém melhor na memória do que os vestígios da atividade acabada. Esse fato da melhor conservação de ações inacabadas na memória foi bem mostrado por B. W. Zeigarnik, discípula de Lewin,e entrou na Psicologia com o nome de "efeito de Zeigarnik".Os experimentos e estudo da dependência da retenção do material na memória em relação ao grau deconclusão da atividade consiste no seguinte: propõe-se ao sujeito a execução de uma série de tarefas(formar figuras com fósforos, pôr colares em caixas diferentes, resolver problemas aritméticos, etc). Ocumprimento de algumas dessas tarefas é interrompido de forma a que o sujeito não as conclua; outrasatividades ele consegue levar até o fim.Após o término dos testes propõe-se ao sujeito recordar as ações por ele executadas.Resultados mostram que as atividades não concluídas são recordadas com freqüência duas vezes maior doque as atividades concluídas.

A melhor recordação das ações não acabadas explica porque é mais fácil recordar uma obra de conteúdo pungente e fábula inacabada e porque a lembrança se mantém sólida enquanto não se conclui a leitura daobra. Essa memorização explica o fato de que as tarefas não solucionadas continuam solidamente retidasna memória enquanto se mantém a tensão que desaparece com a solução.O que acaba de ser dito nos leva ao último fator determinante da estabilidade da memorizaçãoinvoluntária, isto é,82

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à influência do colorido emocional do material memorizável. Sabe-se que os estados emotivos decolorido emocional são retidos na memória de modo bem mais produtivo do que as impressõesindiferentes. Esse fato parece dever-se a que as impressões de colorido emocional geram um elevadoreflexo orientado e ocorrem sob um tônus cortical mais elevado e à circunstância de que o homem tende avoltar de modo bem mais freqüente a tais impressões; neste sentido, as vivências de colorido emocionalgeram a mesma tensão elevada que quaisquer ações inacabadas.

Mas a melhor retenção das ações do colorido emocional na memória também tem limites.É fato bem conhecido que os estados afetivos acentuados, angustiantes insuportáveis para o sujeito, sãoatividade inibí-veis, "desiocáveis" da consciência e esquecíveis pelo sujeito.Freud deu atenção a esse fato, ao mostrar um grande número de observações que o homem tende a"reprimir" os estados emotivos desagradáveis (incompatíveis com seu programas) e angustiantes, que seinibem e se tornam essência de seu inconsciente, manifestando-se apenas nos estados de atividadereduzida: em forma de sonhos ou lapsos na escrita, ressalvas, etc. que surgem na abstração da atenção.Os fatos da repressão dos estados afetivos insuportáveis dos eventos inconscientes constituem uma dasmais importantes conquistas da Psicologia moderna. Seus mecanismos fisiológicos se devem à inibiçãoque surge nas excitações super-fõrtes e protege o córtex contra novas excitações excessivas. Ê justamente por isto que os mecanismos fisiológicos, que servem de base ao "deslocamento" os estados emotivosinsuportáveis da memória, se aproximam dos mecanismos de inibição "parabiótica" ou "defensiva". Peculiaridades individuais da memória

Até agora nós nos detivemos nas leis gerais da memória humana. Mas existem diferenças individuais quediferenciam a memória de umas pessoas da memória de outras.Essas diferenças individuais na memória podem ser de dois tipos. Por um lado, a memória de diferentessujeitos se distingue pela predominância' de uma modalidade visual, auditiva83

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ou motora; por outro lado, a memória de diferentes pessoas pode distinguir-se também pelonível de organização.É sabido que em umas pessoas predomina a modalidade visual de memória, em outras, aauditiva, em terceiras a motora. Isto é facilmente verificado se compararmos como diferentes

 pessoas registram a mesma estrutura visual e se analisarmos os procedimentos pelos quais elasrecordam um conteúdo (por exemplo, um número de telefone ou um sobrenome) .Fatos análogos podem ser observados na memória auditiva. Aqui as diferenças individuais sãomuito grandes, e se na história foram observados casos em que uma obra musical complexa foiouvida uma vez e repetida inteiramente por pessoas com acentuada memória auditiva, sãoconhecidas muitas observações em pessoas que se mostram quase inteiramente incapazes dememorizar uma melodia durante uma fração mínima sequer de tempo.

 Nas referidas diferenças individuais da memória manifestam-se tanto as característicasgenotípicas como a atividade profissional humana, que leva a um elevado desenvolvimento damemória visual, auditiva e, às vezes, gustativa.Os traços característicos da memória podem manifestar-se ainda no fato de que diferentessujeitos resolvem de modo diferente, uma mesma tarefa, como, por exemplo, a memorização donúmero de um telefone ou de um sobrenome. Sabe-se que compositores famosos (Prokófyev,

 por exemplo) diziam que memorizam números de telefones como memorizam melodiasconhecidas, ao passo que outros sujeitos vêem o número de um telefone como se ele estivesseescrito num quadro e o memorizam visualmente.

 No entanto são especialmente importantes as diferenças dos modos de memorização e do nível de organização da memória de pessoas diferentes.Como mostram as observações, numas pessoas predominam as formas sensoriais (visuais,auditivas, motoras) indiretas de memorização, ao passo que, noutras, a memorização tem,

 predominantemente, o caráter de uma complexa codificação do material, de transformação desteem esquemas lógico-verbais. Era justamente o que Pavlov tinha em vista ao dividir as pessoasem dois grupos, um pertencente ao tipo de "pensadores" e o outro ao tipo de "artistas". Nem delonge84

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as diferenças individuais da memória são sempre simples peculiaridades particulares, que nãoultrapassam os limites dos processos mnésicos. Freqüentemente elas levam a mudançasconsideráveis na estrutura de toda a personalidade do homem.A. R. Luria descreveu um desses casos com o famoso mnemonista soviético S.A pessoa descrita apresentou uma memória eidé-tica impressionante pelo potencial. Semdificuldade memorizava imensos quadros de números e palavras e continuava a "vê-los","sentindo-os" simultaneamente em forma de sons, matizes de som (cinestesias). Por isto nãolhe era difícil reproduzir um imenso material após consideráveis lapsos de tempo, às vezes apósmuitos anos. Para S., entretanto, era essencial que as peculiaridades incomuns da sua memóriase refletissem na estrutura do seu pensamento e nas peculiaridades da sua personalidade.Dotado de uma extraordinária memória direta, S. resolvia facilmente tarefas difíceis se suasolução pudesse ocorrer num plano direto e se baseasse na possibilidade de fixar visualmente omaterial e operar com imagens diretas. No entanto era-lhe freqüentemente impossível superar adificuldade de resolver tarefas abstratas que requeriam abstrair as imagens diretas, o que no

 plano direto era impossível. Por isto, compreender estruturas lógico-gramaticais complexas eabstratas era-lhe freqüentemente mais difícil do que às pessoas não dotadas de tão fortememória figurativa direta.

Contudo o que representa maior interesse é a personalidade de S. Ele tem noções figurativasdiretas tão fortes que o mundo de sua imaginação confunde-se, às vezes, com o mundo dasimpressões reais; são justamente esses limites entre o mundo real e o imaginário, tão nítidos nohomem comum, que nele são muito esbatidos. Por isto o comportamento de S. se distingueamiúde pela ausência de praticidade, pela confusão da realidade e da fantasia; odesenvolvimento superintensivo da memória figurativa direta levou à formação de traçosespeciais de sua personalidade no conjunto.85

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Métodos de estudo da memória

O estudo da memória pode ter por finalidade um dos três problemas: estabelecer o volume e aestabilidade da memorização, caracterizar a natureza fisiológica do esquecimento e descrever os níveis possíveis da organização semântica: da memória.Para resolver a primeira tarefa empregam-se os métodos de retenção de vários dos elementos isolados edesconexos (sílabas sem sentido, palavras, números ou figuras geométricas visualmente apresentadas).

Os métodos de estudo do volume e da estabilidade da memória elementar apresenta algumas variantes.Situam-se entre essas variantes, por um lado, os meto dos de pesquisa da retenção de vários elementosdesconexos. e, por outro, os métodos de pesquisa da aprendizagem decorativa de uma série longa (alémdos limites) de semelhantes elementos.O primeiro desses métodos consiste em sugerir ao sujeito uma série crescente de números de elementos(sílabas, números ou palavras) e propor-lhe reproduzi-los na mesma: ordem em que foram dados.  pin cuv chon  1 —6 —8  soch muv zin pach ou  3 —5 —0 —9  pig cush bov lav gur etc.  7 2 18 0 Cie.Considera-se que o volume da memória imediata (breve) é o número máximo de elementos que o sujeito pode reproduzir após uma única apresentação e sem erros.Para estabelecer as diferenças entre a memória auditiva e a visual, as séries dadas podem ser apresentadas por via auditiva ou visual.

Uma variedade desse método é representada pelo experimento em que o sujeito recebe um determinadogrupo de figuras geométricas (em ordem sucessiva ou simultaneamente), devendo, em seguida, encontrar essas figuras entre grupos de outras figuras (método de identificação) ou desenhá-las (método dereprodução).O método de estudo da aprendizagem decorativa consiste em que o sujeito recebe uma longa série desílabas des-86 

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1)2)3)

111

22 3 23

4 4 6

D2)3)

111

2 3 23 2 3

4 55 4

conexas, palavras ou números, que ele não pode memorizar de imediato, devendo reproduzir oselementos memorizados em qualquer ordem.  pin zuk mov din xak kun bochcasa bosque gato mesa forno agulha bolo som ponte cruz3  455 etc.4 5 6 76 7 8 6 7 4Repete-se o experimento várias vezes (até 10 vezes), sendo que cada palavra reproduzida é assinalada por um número na ordem de sua reprodução. No final do experimento traça-se a curva da aprendizagem decorativa. Esta é avaliada pelo resultado

globaí (o número de membros memorizados da série e o número de repetições necessárias à sua completaaprendizagem decorativa), pelo caráter da curva (sua rápida ascensão, a existência de oscilações, etc.) e pela estabilidade da ordem em que o sujeito reproduziu as palavras (isto permite estabelecer tanto as peculiaridades da "estratégia" da atividade mnésica do sujeito como a expressão do "fator deextremidade" de que já falamos anteriormente).O estudo da natureza fisiológica do esquecimento coloca a tarefa de saber se o esquecimento tem por  base a debilidade dos vestígios ou a sua inibição pelos agentes interferentes.Para responder a essa questão, citaremos uma série de estudos nos quais, por um lado, verifica-se acapacidade de memorizar os vestígios de um dado núcleo em certo espaço de tempo (não preenchido por nenhuma atividade secundária) e, por outro lado, observa-se como a atividade de fora (interfe-lenté)influencia a memorização dos vestígios.Os experimentos mais simples, relativos a esse grupo, consistem no seguinte:(1) Propõe-se ao sujeito uma série breve de sílabas, palavras ou números, constituída de 4, 5 e 6

87 

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elementos; em uns casos sugere-se-lhe reproduzi-los na mesma ordem imediatamente apósrecebê-los e, em outros, depois de uma pausa de 30 segundos, 1 minuto e 2 minutos. Adebilidade dos vestígios se manifesta no fato de que, depois de repetir com êxito a sérieimediatamente após a apresentação desta, o sujeito descobre dificuldades em sua reprodução

 posterior e apresentará um número menor de elos reproduzidos ou reproduzirá elementosinterferentes (relacionados pelo som ou o sentido), ou irá remanejá-los, mudando a ordem emque foram dados.(2) Propõem-se ao sujeito as mesmas séries de 4, 5 e 6 elementos (sílabas, palavras enúmeros), sugerin-do-se a ele reproduzi-las imediatamente após recebê-la3. Depois distesugere-se que ele execute alguma atividade secundária (por exemplo, que faça operaçõesrelativamente complexas de subtração e multiplicação), que ocupa o mesmo tempo que a "pausavazia" (30 seg., 1 min., 2 min.); depois disto torna-se a pedir-lhe que repita a mesma série deelementos (sílabas, palavras e números) que lhe fora apresentada antes. A influência daatividade interferente (ou fator interferente heterogêneo) irá manifestar-se no fato de que,diferentemente do teste de "pausa vazia", ele será incapaz de reproduzir o mesmo número deelementos que reproduziu anteriormente.(3) Propõe-se ao sujeito uma série breve de 3, 4 e 5 elementos (sílabas, palavras e números) e

sua reprodução; depois disto, propõe-se-lhe uma segunda série desses mesmos elementos, quetambém deve ser reproduzida. Em seguida pede-se que ele reproduza a primeira (dada antes)série de elementos.A influência inibitória da atividade interferente homogênea irá manifestar-se no fato de que osujeitoOU Será ÍnteÍrameTlt& meaçaz de voltar & piimraia

de sçpToâvzir um número conside-raretírreace azeczvr <& <?&?&&&& &&sz%^dZ2Z&'j'JZÉ& parcialmente composta por elementos da segunda série, isto é, apresentará aocorrência conhecida em Psicologia pelo nome de contaminação.

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Todos os testes aqui descritos (1, 2 e 3) podem repetir-se várias vezes seguidas: isto permitirá ver em quegrau supera-se a reprodução perturbadora da influência do intervalo não preenchido, por um lado, e ainfluência inibitória da atividade interferente secundária, por outro.O confronto dos dados, obtidos na série que acabamos de descrever, com os resultados dos testes simplesde retenção dos elementos da série apresentada uma vez ou dos testes de aprendizagem decorativa permitirá que se tenha uma informação das peculiaridades da atividade mnésica bem mais completa do

que a aplicação de apenas um dos métodos descritos.Para o estudo do nível de organização semântica acessível da memória, é comum aplicar os métodos deestudo da memorização mediata, elaborados por L. S. Vigotsky, A. N. Leôntyev e L. V. Zankov.O método da memorização mediata consiste em que o sujeito recebe a tarefa de usar para memorizar umasérie de palavras e quadros auxiliares, relacionando logicamente cada palavra com um determinadoquadro; feita essa parte do experimento, o sujeito deve examinar em seguida os quadros selecionados,mencionando sempre a palavra para cuja memorização foi empregado um dado quadrado.Deste modo, o sujeito recebe não uma série de estímulos (palavras para serem memorizadas) mas duas séries, das quais a primeira (palavras a serem memorizadas) é objeto de memorização e a segunda (osquadros auxiliares) é um meio para a memorização.O procedimento seguinte avalia tanto o caráter das relações semânticas auxiliares, que o sujeitoestabelece entre as palavras e quadros, como o êxito da memorização das palavras segundo os quadrosauxiliares escolhidos ou sugeridos.

O método da memorização mediata pode ser aplicado em duas variantes: uma livre e uma dependente. Na variante livre do experimento, mostram-se ao sujeito 25^30 cartões de loto, propondo-se em seguida palavras isoladas; para memorizar cada palavra ele deve escolher um dos cartões, que relaciona com uma palavra; depois da apresentação de 12-15 palavras, o sujeito recebe em ordem casual quadros isolados,devendo sempre mencionar a palavra para cuja memorização foi escolhido o quadro.89

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 Na variante dependente de experimento, o experimenta-dor pronuncia a palavra a ser memorizada e apresenta ao sujeito um quadro, que ele deve usar como meio auxiliar para amemorização da palavra.

 Na primeira variante, propõem-se ao sujeito quadros que podem ser  facilmente relacionadoscom uma dada palavra (por exemplo, escola, o quadro "caderno", a palavra "inverno", o quadro"forno"). Na segunda subvariante de experimento, levada a efeito com a finalidade deestabelecer-se a possibilidade de uma definição ativa e criadora das relações auxiliares,

 propõem-se ao sujeito quadros dificilmente relacionáveis a uma dada palavra (por exemplo, a palavra "escola", o quadro "pato", a palavra "inverno", o quadro "óculos", etc).O registro do experimento com a memorização mediaía adquire o caráter:  palavra quadro  relação  reprodução  avaliação 

1. escola caderno na escola escreve-sc em caderno  -4-cadernos2. inverno óculos  no inverno usa-se óculos inverno  + para olhar para a neve3. carne faca  com a faca corta-se a garfo   — carne4. fogo machado com o machado corta-se lenha   — a lenha para acender o fogo

A possibilidade de organização lógica do material se manifesta tanto na correta construção dasrelações auxiliares como no seu emprego enfático com o retorno às palavras inicialmente dadasatravés dos quadros usados.A deficiência da organização lógica da memória manifesta-se no fato de que o sujeito ou semostra incapaz de estabelecer as relações auxiliares entre uma dada palavra e os quadrosauxiliares ou no fato de que ele não pode voltar à palavra inicial e durante a verificação, quandoobserva atentamente o quadro, nega-se a dizer que palavra esse qua-90

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dro representa condicionalmente ou, ao invés de reproduzir a palavra inicial, apresenta uma palavra qualquer, ligada por associação ao quadro escolhido.O método de estudo da memorização mediata é de grande valor para a análise psicológica dediversas formas de retardamento mental.Uma variante específica do método de memorização mediata é o método conhecido do

 pictograma.Lê-se para o sujeito uma série de 12-15 palavras, que não podem ser representadasimediatamente (por exemplo, as palavras "dúvida", "desenvolvimento" ou "a menina está comfrio", "o garoto está com medo", etc); para memorizar essas palavras, o sujeito deve traçar umdesenho condicional (sinal) e, após correr os olhos sobre este, deve lembrar-se da palavraressaltada. Uma vez que as palavras sugeridas não podem ser representadas diretamente, osujeito pode empregar um pequeno sinal convencional ou representar uma situação que lembrea palavra dada.Os sujeitos normais usam facilmente o primeiro ou o segundo caminho (no que se manifestamas suas peculiaridades individuais). Os sujeitos mentalmente retardados não conseguem resolver essa tarefa ou desenham apenas objetos concretos, sem distinguir nestes os sinais característicose informativos, o que torna msolúvel a tarefa de memorizar a série proposta de palavras através

dos pictogramas auxilia-res.Os dois referidos métodos de estudo da memorização mediata podem ter grande importânciadiagnostica.

 Desenvolvimento da memóriaO desenvolvimento da memória na idade infantil é o que menos se pode considerar como um

 processo de crescimento quantitativo paulatino ou maturação. No seu desenvolvimento, a memória passa por uma história dramática, plena de profundastransformações qualitativas e mudanças de princípio tanto de sua estrutura quanto de suasrelações mútuas com outros processos psíquicos.Há muitos fundamentos para se supor que a capacidade de registrar e fixar vestígios nos

 primeiros anos de vida não91

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é mais fraca porém mais forte do que nos anos posteriores e que a memória direta (eidética) na criança é bem mais desenvolvida do que no adulto. Leon Tolstoy disse mais de uma vez que metade de todas assuas recordações se formara quase nos primeiros anos de vida.Mas, paralelamente à força, a memória de uma criança de três e quatro anos de idade também tem as suasfraquezas: é difícil organizá-la, torná-la seletiva, ela ainda não é em nenhuma medida uma memóriaarbitrária capaz de memorizar o necessário, orientado para um dado fim, separando os vestígios fixáveis

dentre todos os outros. Isto se pode mostrar facilmente se propusermos a uma criança de 2,5-3 anos deidade memorizar e em seguida reproduzir 5-6 palavras ou, propondo-lhe 5-6 quadros, pedir-lhe dizer quais foram justamente os quadros que lhe foram dados. Neste caso, percebe-se facilmente que a criança,a par com as palavras que lhe foram dadas (ou quadros), irá reproduzir outras a elas ligadas por associação e não pode interromper as suas associações secundárias reproduzindo seletivamente apenas asérie necessária de indícios. O processo de memorização arbitrária seletiva ainda não está pronto nessaidade e a possibilidade de subordinar a atividade mnemònica à instrução verbal surge na criança apenas bem mais tarde, juntamente cóm o desenvolvimento geral do comportamento orientado para um fim.Esse caráter contraditório do desenvolvimento, certa redução da possibilidade da memória figurativadireta, juntamente com o aumento da capacidade diretiva dos processos mnemônicos são o primeirotraço característico do desenvolvimento da memória na idade infantil.O segundo traço distintivo do desenvolvimento da memória são o desenvolvimento paulatino damemorização me~ diata e a transição de formas de memória imediatas e naturais a formas mediatas e

verbais.Esse fato fundamental do desenvolvimento da memória foi estudado minuciosamente por Vigotsky e seuscolaboradores (Leôntyev e Zankov).Visando a ter uma idéia das mudanças qualitativas que sofre a memória da criança na medida em que sedesenvolve, Vigotsky realizou duas séries de testes com crianças de diferentes idades. Na primeira sérieele deu a uma criança a tarefa de memorizar imediatamente (sem quaisquer procedi-92

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mentos auxiliares) e reproduzir uma série de quadros au-xiliares como meio de memorização das palavras, relacionando cada palavra com o respectivo quadro através de uma ligação auxiliar qualquer.Os testes mostraram o quanto é complexo o caráter do desenvolvimento dos processos mnemônicos dacriança.Um grupo de escolares de idade inferior conseguiu reter determinado número de palavras sem o uso dequaisquer procedimentos; no entanto os quadros, que se lhes propuseram como recurso auxiliar, não

melhoraram o processo de memorização; as crianças dessa idade não conseguiram relacionar por meiológico-verbal o quadro proposto com a palavra dada, declarando "aqui não tem dessas palavras" ou procurando localizar imediatamente a representação da palavra dada no quadro (quando se propôs a umadas crianças lembrar a palavra "sol" olhando para um quadro que representava um samovar, ela apontou para uma pequena mancha clara no samovar e disse: "olhe o sol ali!"). Por isto o teste era uma espécie detrabalho complementar, que apenas abstraía a atenção da criança da memorização da palavra necessária.Quando se pedia que a criança lembrasse pelo quadro a palavra correspondente, ela caía no total impasse,simplesmente descrevia o quadro dado ou fazia as associações que lhe surgiam diante do quadro.Resultava daí que a operação, na qual o quadro auxiliar desempenhava a função de sinal  para amemorização da palavra necessária, era substituída por uma operação mais simples e imediata deassociações posteriores e o esquemaA (palavra)  A (palavra)\ /

^ X(quadro)era substituído por outro esquema mais elementar;A — X — X (do tipo da palavra "sol"; o quadro "samovar" é um samovar)ou A — X — Y (palavra "sol"; o quadro "samovar" significa tomar chá... chaleira... xícara)93

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A criança pequena ainda não tinha condições de estabelecer ou usar ligações auxiliares("mnemotécnicas") e no teste com o uso de quadros apresentava resultados não melhores mas àsvezes até piores do que no teste de memorização imediata.Esses fatos permitiram estabelecer que a memorização da criança de idade pré-escolar, em suamaior parte, ainda tem caráter não-arbitrário (e por isto dificilmente dirigível).Outro quadro era o que se verificava quando os pesquisadores faziam esse teste com escolares

 principiantes, e, mais tarde, com alunos das últimas séries.As crianças dessa idade tiveram, naturalmente, mais facilidade de dirigir os processos de suamemorização e por isto se desempenharam melhor do teste de memorização imediata da sériede palavras que lhes foi proposta. No entanto o avanço mais importante, que se observou naidade escolar, consistiu em que as crianças estavam agora em condições de usar meiosauxiliares externos para o processo de memorização, estabelecer ligações auxiliares que lhes

 permitiam usar os quadros como sinais de apoio para a memorização da palavra necessária. Nos primeiros momentos essa possibilidade era limitada pelo emprego de ligações prontasrelativamente simples. Para memorizar a palavra "escola", as crianças agora estavam emcondições de usar o quadro "caderno" ("na escola há cadernos") mas ainda não conseguiam criar 

 por conta própria novas ligações auxiliares, recusando-se, para a memorização da palavra

"escola", por exemplo, a usar o quadro "navio" ("não, escola não, nela se estuda; o navio está nomar..."). Mas essa dificuldade foi sendo superada nas etapas posteriores de desenvolvimento. Ascrianças começavam a realizar a possibilidade de formação autônoma de novas ligaçõesauxiliares, utilizáveis para a memorização das palavras sugeridas.Como resultado desse processo, o número de palavras memorizáveis com o auxílio dos quadrosauxiliares aumentava acentuadamente e começava a superar o número de palavras que a criançaconseguia reter imediatamente.Aqui, contudo, os erros característicos das crianças em idade pré-escolar (do tipo A-X-X ou A-X-Y) já desapareciam e a criança, a quem no teste de controle se sugeriam os quadros por ela jáusados, voltava à palavra inicial (a pala-94

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vra "escola — quadro "navio' — palavra "escola" ou A-X-A) ou fazia uma reprodução imprecisa da palavra dada, substituindo-a por alguma palavra aproximada (a palavra "escola", o quadro "navio", a palavra "mestre", isto é, apresentava o esquema A-X-B).Esses testes mostravam de modo evidente que a idade escolar é a etapa em que, a par com a memóriaimediata, formam-se na criança os processos de memorização mediata e que a passagem para o estudo damemória dos escolares das últimas séries e dos adultos permitia descrever a etapa seguinte e última do

seu desenvolvimento.Os testes, realizados com os alunos das últimas séries e com adultos, mostraram que estes estabelecemfacilmente ligações auxiliares, que lhes permitem usar quaisquer meios exteriores de apoio para amemorização das palavras dadas; para eles, a existência de ligações primárias entre a palavra e o quadronão oferece qualquer obstáculo visível e eles usam facilmente qualquer quadro como meio auxiliar para amemorização, No entanto o traço mais importante, que distingue esses sujeitos, consiste em que, agora,eles já dispensam os apoios externos e estão em condições de memorizar as palavras que se lhes sugeremmediante a organização lógica interna destas, colocando-as em certa estrutura lógica e "codificando-as"em grupos semânticos determinados. Os procedimentos de memorização, que na etapa anterior tinhamcaráter mediato externo, reduzem-se agora e adquirem o caráter de processo mediato interno. Amemória mecânica se converte paulatinamente em memória lógica.O resultado desse processo é o aumento considerável dos resultados da memorização na primeira série detestes, na qual não se dão ao sujeito quaisquer apoios externos e a curva desta série de testes começa a

subir de maneira célere, revelando a tendência a fundir-se, no seu limite, com a curva da memorizaçãoexteriormente mediata. Este fato, que em seu tempo recebeu a denominação de paralelograma damemória, apresenta o esquema dos principais fatos de desenvolvimento da memória na idade infantil. Elemostra que se na idade escolar ocorre o processo básico de transformação da memória elementar imediataem memória exteriormente mediata, então com a passagem para a faixa etária de nível superior e para aidade madura o homem se torna capaz de dominar a memorização interiormente mediata. Por isto95

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a brusca elevação da curva da memorização "imediata' nessa idade se deve a que essa memorização, aqui,se torna de fato interiormente mediata.Verifica-se, deste modo, que o processo de desenvolvimento da memória na idade infantil é um processode transformações psicológicas radicais cuja essência consiste em que as formas imediatas naturais dememorização se convertem em "processos psicológicos superiores", sociais por origem e mediatos por estrutura, que distinguem decisivamente os processos psicológicos do homem dos processos psicológicos

do animal.Vê-se facilmente que essa transformação radical dos processos de memória durante o desenvolvimento dacriança não é apenas uma estrutura modificada da própria memória mas, ao mesmo tempo, uma mudançanas relações entre os processos psicológicos básicos. Se nas etapas iniciais de desenvolvimento amemória tinha caráter direto e era, até certo ponto, uma continuação da percepção, com odesenvolvimento da memorização mediata ela perde a sua ligação imediata com a percepção e contraiuma ligação nova e decisiva com o processo de pensamento. O aluno de nível superior ou o adulto, quefazem operações complexas de codificação lógica do material suscetível de memorização, executam umcomplexo trabalho intelectual e o processo de-memória começa, assim, a aproximar-se do processo de pensamento discursivo, sem entretanto perder o caráter de atividade mnemônica.Essa mudança radical da relação entre processos psicológicos isolados, bem como a formação de novos sistemas funcionais, constituem o traço fundamental do desenvolvimento psíquico da criança, podendo o processo de desenvolvimento da memória durante a ontogênese ser entendido apenas como uma

transformação radical dos processos cujas vias acabamos de expor. Patologia da memóriaOs estados patológicos do cérebro são muito amiúde acompanhados da perturbação da memória. Mas atérecentemente eram muito pouco conhecidas as particularidades psi-96 

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cológicas que distinguem as perturbações da memória em afecções cerebrais diferentes pela localização, bem como os mecanismos fisiológicos que lhes servem de base.São amplamente conhecidos os fatos segundo os quais, dos traumas muito agudos ou intoxicações, podemresultar ocorrências de amnésia retrógrada e anterógrada; nestes casos, os doentes, conservandorecordações de acontecimentos há muito ocorridos, revelam consideráveis perturbações da memória dosacontecimentos correntes, esgotando de fato os conhecimentos de que dispunham os psiquiatras e neuro-

 patologias que descreviam as mudanças da memória nas afecções orgânicas do cérebro. A esses dadosincorporavam-se os fatos que indicavam que as afecções das áreas profundas do cérebro podem levar a profundas perturbações da capacidade de fixar vestígios e reproduzir coisas memorizá-veis; no entanto anatureza dessas perturbações continuava obscura.Os dados, obtidos por muitos pesquisadores nos últimos decênios, enriqueceram substancialmente osnossos conhecimentos acerca do caráter da perturbação da memória durante afecções diferentes pelalocalização e permitiram precisar tanto os dados básicos sobre o papel de algumas estruturas cerebrais nos processos da memória quanto os mecanismos fisiológicos que servem de base às suas perturbações.As afecções das áreas profundas do cérebro — regiões do hipocampo e do sistema conhecido como"círculo de Peipetz" (hipocampo, — núcleos do tálamo ótico, — corpos mamilares, — corpo amendoado) — costumam levar a perturbações maciças da memória, que não se limitam a nenhuma modalidade.Conservando recordações de acontecimentos distantes (há muito consolidados no cérebro), os doentesdesse grupo são incapazes, contudo, de gravar na memória os vestígios das ocorrências correntes; em

casos menos nítidos eles se queixam de memória fraca, indicam que são forçados a anotar tudo para nãoesquecer. As afecções maciças dessa região provocam uma grosseira amnésia face aos acontecimentoscorrentes, levando às vezes o homem a perder a noção precisa de onde se encontra e começar aexperimentar dificuldades consideráveis de orientar-se no tempo, ficando impossibilitado de mencionar oano, o mês, a data, o dia da semana e às vezes a hora do dia.97 

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É característico que, nesses casos, as perturbações da memória não têm caráter seletivo e semanifestam igualmente na dificuldade de retenção do material visual e auditivo, imediato ediscursivo. Nos casos em que a afecção abrange ambos os hipocampos, essas perturbações damemória são especialmente nítidas.Pesquisas neuropsicológicas minuciosas permitiram fazer uma caracterização posterior tanto daestrutura psicológica dessas falhas da memória quanto analisar os mecanismos fisiológicos queservem de base às suas perturbações.Mostrou-se que, nos casos de afecções relativamente brandas das referidas regiões do cérebro,as perturbações se limitam a falhas da memória elementar, imediata, desprezando a

 possibilidade de compensação dessas falhas por meio da organização semântica do material; osdoentes que não podem memorizar as séries de palavras isoladas, quadros ou ações, são capazesde executar bem melhor essa tarefa, recorrendo a meios auxiliares e organizando o materialmemo-rizável em determinadas estruturas semânticas. Nesses doentes a perturbação damemória imediata não é acompanhada de qualquer perturbação expressa do intelecto e, via deregra, eles não apresentam indícios de demência.Fatos importantes foram registrados durante a análise das possíveis perturbações fisiológicasda memória nos casos em exame.

Como mostraram essas pesquisas, os doentes com afecções das áreas profundas do cérebro podem reter séries de palavras e ações relativamente longas e reproduzi-las após um intervalode 60-90 segundos. No entanto é bastante uma pequena abstração, provocada por atividadeinterferente, para tornar-se impossível a reprodução da série de elementos re-cém-memorizada.

 Nestes casos, a base fisiológica da perturbação da memória não é tanto a debilidade dosvestígios quanto uma elevada inibição dos vestígios por ações inter-ferentes. Esses mecanismosde perturbação da memória nos casos descritos devem-se ao fato de que a firme conservaçãodos focos dominantes e dos reflexos seletivos orientadores é, aqui, facilmente perturbada emvirtude da redução do tônus do córtex e da separação, do trabalho normal, dos aparelhos

 primários de confrontação dos vestígios que, como já foi dito, é função imediata do hipocampoe das formações a ele ligadas.98

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O quadro das perturbações da memória muda substancialmente quando à afecção das regiões profundas do cérebro incorpora-se a afecção dos lobos frontais (sobretudo de suas áreas mediaise basais). Nestes casos, o doente deixa de ter uma atitude crítica em relação às falhas da suamemória, é incapaz de lhe compensar as falhas e perde a capacidade de discernir a execuçãoautêntica das associações que afloram desordenadamente. As confabulações e erros da memória("pseudo-reminiscências") , que surgem nesses doentes, incorporam-se às grosseiras

 perturbações da memória ("síndrome de Korsakov") e levam àquelas ocorrências de embaraçoque se encontram na fronteira das perturbações da memória e das perturbações da consciência.De todas as variantes do quadro acima descrito distin-guem-se as perturbações da memória, quesurgem durante as afecções locais da superfície externa (convexa) do cérebro.Semelhantes afecções nunca são acompanhadas da perturbação geral da memória e jamaislevam ao surgimento da "síndrome de Korsakov" e muito menos de perturbações da consciênciacom a desintegração da orientação no espaço e no tempo.Os doentes com afecções locais das áreas convexas do cérebro podem apresentar uma

 perturbação particular da atividade mnemônica, que costuma ter caráter específico-modal,noutros termos, manifesta-se em alguma região.Assim, os doentes com afecção da região temporal esquerda apresentam sintomas de

 perturbação da memória au-ditivo-verbal não podem reter as séries de sílabas ou palavras damenor extensão. No entanto eles podem não manifestar quaisquer falhas da memória visual e, a partir desta, em alguns casos podem compensar as suas falhas mediante a organização lógica domaterial consolidável na memória.Os doentes com afecções locais da região occipto-pa-rietal esquerda podem apresentar 

 perturbação da memória es-paço-visual mas, via de regra, conservam a memória auditi-vo-verbal em grau consideravelmente maior.Os doentes com afecção dos lobos frontais do cérebro não costumam perder a memória, emborasua atividade mnemônica possa ser essencialmente dificultada pela inércia patológica dosestereótipos uma vez surgidos e pela difícil transferência de um elo do sistema memorizável aoutro. As tentativas de memorização ativa do material que se lhes99

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 propõe são dificultadas ainda pela patente inatividade desses doentes, e toda memorização deuma série longa de elementos, que requer um trabalho tenso sobre o material memo-rizável,neles se converte em repetição passiva dos mesmos elos da série que são memorizadosimediatamente sem quaisquer esforços. Por isto a "curva da memória", que tem normalmenteum nítido caráter ascensional, deixa de crescer neles, mantendo-se num mesmo nível ecomeçando a ter caráter de "platô", que reflete a inatividade de sua atividade mnemônica. Écaracterístico que as afecções locais do hemisfério direito (subdominante) podem desenvolver-se sem perturbações visíveis da atividade mnemônica.Os estudos dos últimos decênios permitiram que se enfocassem mais de perto as característicasdaquelas perturbações da memória que surgem nas perturbações cerebrais genéricas daatividade psíquica.Se essas perturbações provocam debilidade e instabilidade das excitações no córtex cerebral (eisto pode ocorrer com diferentes afecções vasculares, a hidrocefalia interna e hipertensõescerebrais), as perturbações da memória podem manifestar-se na redução geral do volume dememória, na difi-cultação da memorização e da leve inibição dos vestígios pelas açõesinterferentes; elas levam a um brusco esgotamento do doente, resultando daí uma fortecomplicação da memorização e ocorrendo que a "curva da memorização" começa a não crescer,

chegando até a reduzir-se nas repetições posteriores.A análise da "curva da memorização" pode ter grande importância diagnostica, permitindodistinguir as síndromes da mudança dos processos psíquicos em afecções cerebrais diferentes

 por caráter.Os traços característicos distinguem as perturbações da memória na demência orgânica (mal dePick, Alzheimer) e nos casos de oligofrenia.Para tais afecções, costuma ser central a perturbação das formas superiores de memória,

 predominantemente da memória lógica. Esses doentes não têm condições de aplicar os procedimentos necessários de organização semântica do material memorizável e apresentamfalhas especialmente patentes nos testes de memorização mediata.É característico que nos casos de retardamento mental (oligofrenia) essas perturbações damemória lógica podem

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Apresenta-se, ás vezes, no fundo de uma memória mecânica bem observada que, emcasos particulares, podem ser satisfatória pelo volume.O estudo da memória é de importância muito grande para precisar os sintomas das doençascerebrais e diagnosticá-las.101