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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO AMBIENTAL E POLÍTICAS PÚBLICAS Módulo 1 Disciplina: Tutela Judicial do Meio Ambiente Prof. Msc. Fernando Reverendo Vidal Akaoui, Promotor de Justiça do Estado de São Paulo

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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO AMBIENTAL E POLÍTICAS PÚBLICAS

Módulo 1 Disciplina: Tutela Judicial do Meio Ambiente

Prof. Msc. Fernando Reverendo Vidal Akaoui, Promotor de Justiça do Estado de São Paulo

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APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Prezado(a) cursista. Você está recebendo o conteúdo didático da disciplina “Tutela Judicial do Meio Ambiente”, cujo objetivo geral é Habilitar os (as) alunos (as) na utilização eficaz dos instrumentos processuais judiciais de tutela ambiental.

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TUTELA JUDICIAL DO MEIO AMBIENTE

Sumário

Capítulo 1 – O bem ambiental e a tutela jurisdicional coletiva

Capítulo 2- A obtenção de provas como pressuposto da judicialização dos

conflitos envolvendo questões ambientais

2.1. O inquérito civil

2.2. Outros procedimentos investigatórios

Capítulo 3- O termo de ajustamento de conduta como solução

extrajudicial na área ambiental

3.1. Considerações gerais

3.2. Natureza jurídica

3.3. Objeto

3.4. Legitimidade

3.5. Aspectos formais

3.6. Cominações

3.7. Efeitos do termo de ajustamento

3.8. Mutabilidade do ajuste

3.9. Publicidade

Atividade Proposta

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LEITURA COMPLEMENTAR

Capítulo 4- Os meios judiciais de proteção do meio ambiente

4.1. A ação civil pública ambiental de conhecimento

4.1.1. Legitimidade

4.1.2. Objeto

4.1.3. Competência

4.1.4. Tutela antecipada e medidas liminares

4.1.5. Questões de prova

4.1.6. A coisa julgada

4.2. A ação civil pública ambiental de execução

4.2.1. Considerações gerais

4.2.2. Legitimidade ativa e passiva

4.2.3. Competência

4.2.4. Procedimentos

4.2.5. A extinção da execução

4.3. A ação popular constitucional ambiental

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1. O bem ambiental e a tutela jurisdicional coletiva

Inicialmente, é necessário determinarmos

que a tutela do meio ambiente, muito embora hoje seja uma matéria em

voga, já ocorre desde a época da colonização portuguesa, onde as

Ordenações (Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) já previam regras que

direta ou indiretamente se punham à disposição da preservação

ambiental.

Também, com o advento do Código Civil de

1916 e outros diplomas legais do início do Século XX, como por exemplo o

Código Florestal de 19341, o Código de Caça2 e o Código de Águas3, a

defesa ambiental foi ganhando importância e contornos de uma matéria

autônoma no mundo do Direito.

Entretanto, é inacreditavelmente no período

da ditadura militar, notadamente nas décadas de sessenta e oitenta que

alguns dos diplomas legais infraconstitucionais mais importantes são

editados, a saber, o Código Florestal de 19654, o Código de Caça de 19675

e a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente6.

Para acabar de vez com as desconfianças no

sentido de que o Brasil não pretendia implantar um sistema de proteção

do meio ambiente, o constituinte de 1988 dedicou todo um capítulo na

Carta de Regência que estava sendo elaborada para tratar da matéria em

destaque.

E, como se pode perceber de uma

perfunctória leitura do texto constitucional, os princípios atinentes ao

Direito Ambiental estão, tácita ou expressamente, ali previstos, o que

importa num grande avanço para a manutenção de um statu quo na

1 Instituído pelo Dec.-lei n° 23.793, de 23.01.1934. 2 Instituído pelo Decreto n° 24.645, de 10.07.1934. 3 Instituído pelo Decreto n° 24.634, de 10.07.1934. 4 Lei Federal n° 4.771, de 15.09.1965. 5 Lei Federal n° 5.197/1967. 6 Lei n° 6.938, de 31.08.1981.

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defesa pela higidez do meio ambiente, diante das dificuldades em se

revogar disposições constitucionais, notadamente cláusulas pétreas como

são consideradas as de proteção do meio ambiente, na medida em que

cuidam de direitos fundamentais dos brasileiros e estrangeiros residentes

no país7.

Assim, percebemos que as garantias afetas

ao direito material ambiental estão muito bem estruturadas, cabendo, no

entanto, analisarmos qual a estrutura de direito processual que possuímos

para efetivação daquele, quando venha a ocorrer o conflito de interesses

envolvendo esta matéria.

E a chamada tutela jurisdicional coletiva

ganha contornos importantíssimos, na medida em que por meio de uma

única medida judicial ou extrajudicial, se pode resolver um conflito que

afete o interesse de uma coletividade, ou até mesmo de toda a sociedade

brasileira, como é o caso dos direitos difusos, que possui natureza

indivisível, tendo como titulares pessoas indeterminadas e ligadas por

circunstâncias de fato8.

Historicamente temos como marco

delineatório de uma ação com natureza de tutela jurisdicional coletiva a

Lei n° 4.717/1965, que criou a denominada ação popular.

Especificamente em relação à proteção do

meio ambiente, foi com edição da Lei de Política Nacional do Meio

Ambiente que um dos principais atores na luta pela preservação ambiental

ganhou expressa legitimidade para a propositura de ação visando a

reparação de danos ambientais, a saber, o Ministério Público, conforme se

depreende do texto do artigo 14, § 1°, segunda parte.

A importância em se criar mecanismos de

efetividade para os direitos difusos e coletivos acabou por levar o

legislador a editar a Lei Federal n° 7.347, de 24 de julho de 1985, que

7 Titulares dos direitos fundamentais, individuais e coletivos, como se verifica do caput do artigo 5° da Carta Magna. 8 Conforme conceito legal trazido pelo artigo 81, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor.

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trouxe a nosso ordenamento jurídico a denominada Ação Civil Pública,

utilizado, inclusive, para a tutela do meio ambiente9.

A solidificação se deu com a edição da atual

Carta de Regência, que em seu artigo 129, inciso III e § 1°, definiu quem

está legitimado à propositura da ação civil pública.

Entretanto, nos cabe definir, a final, qual

será o objeto de nosso estudo, ou seja, o que é o bem ambiental.

E definir o que seja este bem jurídico tem

sido tarefa que tem mobilizado a doutrina ambiental, tendo Rui Carvalho

Piva chegado à conclusão de que se trata de “um valor difuso, imaterial ou

material, que serve de objeto mediato a relações jurídicas de natureza

ambiental”10

Celso Antonio Pacheco Fiorillo, por seu turno,

o define como um bem de uso comum do povo, podendo ser desfrutado

por toda e qualquer pessoa dentro dos limites constitucionais, e, ainda,

um bem essencial à qualidade de vida”11

Com base nestes dois conceitos já tivemos

oportunidade de nos pronunciar no sentido de que o bem ambiental “é um

bem jurídico de natureza material ou imaterial, de uso comum do povo, e

que permite a manutenção da uma vida com qualidade”12.

Este, portanto, o objeto da tutela

jurisdicional coletiva que estaremos analisando, com suas múltiplas

facetas: meio ambiente natural, meio ambiente urbano, meio ambiente

cultural e meio ambiente do trabalho.

Bibliografia básica

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental

Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

9 Art. 1°. 10 Bem ambiental, p. 114. 11 Curso de Direito Ambiental Brasileiro, p. 52. 12 Compromisso de ajustamento de conduta ambiental, p. 24.

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MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 5. ed.

rev. atual. ampl. São Paulo:Malheiros, 1995.

MALINCONICO, Carlo. I beni ambientali. Tratatto di diritto

amministrativo. Padova: Cedam, 1991, v. 5.

PIVA, Rui Carvalho. Bem ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2000.

Estas obras abordam de forma bastante completa a matéria introdutória

ao Direito Ambiental, notadamente quanto ao seu objeto de estudo e,

conseqüentemente, de proteção por parte do Poder Público e da

coletividade.

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2. A obtenção de provas como pressuposto para a judicialização

dos conflitos envolvendo questões ambientais

Quando falamos sobre a possibilidade de se

judicializar um determinado conflito, devemos nos ater aos casos em que

haja um mínimo de provas a demonstrar a ocorrência dos fatos alegados,

o que sustentará ao menos a análise do caso pelo Poder Judiciário.

Levar ao citado poder uma lide temerária é

um verdadeiro atentado à sociedade brasileira, que deve preservar suas

instituições através do freio (controle) a atitudes desmedidas e abusivas.

Daí o artigo 283 do Código de Processo Civil

determinar que “a petição inicial será instruída com os documentos

indispensáveis à propositura da ação”.

Referida determinação legal implica na

necessidade de que o legitimado à propositura de uma medida judicial

colha previamente os elementos mínimos para poder demonstrar seu

direito, evitando-se, com isso, a judicialização de questões que não

contam com um mínimo de elementos para justificar a intervenção do

Estado no conflito.

E, quando estamos diante da chamada tutela

jurisdicional coletiva, com maior razão devemos ter cuidado ao propor a

ação, posto que o direito material a ser tutelado é de especial interesse da

coletividade, o que motiva, mais ainda, à busca por uma correta colheita

de provas que possam demonstrar de forma cabal a lesão ou ameaça de

lesão ao bem jurídico tutelado.

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2.1 O inquérito civil

Ao criar um instrumento processual que veio

a denominar de ação civil púbica, o legislador legitimou determinados

entes públicos, assim como a sociedade civil organizada, para a sua

propositura, prevendo, inclusive, meios para que estes possam coletar

elementos probatórios13

Entretanto, um dos co-legitimados, talvez por entender o legislador

que já tivesse este uma infra-estrutura mais adequada para promover a

tutela dos interesses difusos e coletivos, foi beneficiado com um

instrumento de investigação que se denominou de inquérito civil, dada sua

semelhança com o inquérito policial.

Com efeito, a Lei de Ação Civil Pública previu

em seu artigo 8°, § 1° que “o Ministério Público poderá instaurar, sob sua

presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público

ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que

assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis”.

A citada semelhança com o inquérito policial

salta aos olhos, posto que se trata de mero procedimento administrativo,

que visa coletar provas para eventual tomada de medidas judiciais ou

extrajudiciais, sem imposição de sanções em seu bojo.

Neste sentido as palavras de Hugo Nigro

Mazzilli, para quem “o inquérito civil é uma investigação administrativa

prévia a cargo do Ministério Público, que se destina basicamente a colher

elementos de convicção para que o próprio órgão ministerial possa

identificar se ocorre circunstância que enseje eventual propositura de ação

civil pública ou coletiva”14.

13 Art. 8°, caput, LF n° 7.347/85. 14 O inquérito civil, p. 46.

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Não resta dúvida de que o instrumento só foi

acometido ao Ministério Público, motivo pelo qual a ele foi conferida a

presidência das investigações.

E, como se depreende do texto legal,

enquanto os demais co-legitimados somente estão aptos a requerer os

documentos que sejam necessários à demonstração da lesão ou ameaça

de lesão aos direitos e interesses difusos e coletivos, o Ministério Público

possui poder requisitório.

O inquérito civil é público, somente sendo

cabível a decretação de sigilo nos casos previstos em lei, e quando houver

justificado interesse público, notadamente para o bom andamento das

investigações.

Como se trata de mero procedimento

administrativo, não está sujeito ao crivo do contraditório, sendo certo que

em alguns casos é justificável se permitir que o investigado possa trazer

informações (e não defesa), documentos e outros elementos de prova que

possam ajudar a esclarecer os fatos, desde que o presidente da

investigação ache conveniente.

Deve haver um zelo por parte do membro do

Parquet que preside a investigação, no sentido de se observar que as

provas carreadas ao procedimento deverão estar revestidas de

credibilidade.

Referida regra deve ser observada sobretudo

nas provas periciais, que devem ser confeccionadas por pessoas que

tenham a capacidade técnica para tanto.

O alerta se dá em face da crescente

observância de subscritores de laudos técnicos fora de sua área de

conhecimento, o que pode prejudicar demasiadamente o juízo de valor a

ser feito pelo membro do Ministério Público.

Por fim, esgotadas todas as diligências

necessárias, três caminhos se abrem ao órgão de execução que presidiu a

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investigação: arquivamento puro, arquivamento com ajustamento de

conduta ou propositura de ação civil pública.

O arquivamento puro nada mais é do que o

encerramento do procedimento sem a adoção de qualquer medida de

cunho judicial ou extrajudicial, e que somente se poderá verificar diante

da verificação de inexistência de lesão ou ameaça de lesão a direito difuso

ou coletivo. Ou seja, da análise de todas as provas carreadas ao inquérito

civil, observou-se que nenhuma medida é justificável no caso em tela.

Outra forma de arquivamento é o com

obtenção de compromisso de ajustamento de conduta, tomado através de

termo, e onde o investigado se compromete a se adequar ao ordenamento

jurídico vigente.

Tanto numa quanto noutra forma de

arquivamento, o membro do Ministério Público deverá encaminhar o

inquérito civil ao Conselho Superior da Instituição, no prazo de 03 (três)

dias, sob pena de falta grave (artigo 9°, da LF n° 7.347/85).

Caso venha a ajuizar a ação civil pública, fica

o membro do Ministério Público isento de ter de comunicar o fato ao

citado Colegiado.

2.2 Outros procedimentos investigatórios

Não obstante não possam os demais co-

legitimados à propositura da ação civil pública instaurar inquérito civil,

nada lhes impede de coletar provas através de outros procedimentos

investigatórios, uma vez que lhes é dada a oportunidade de requerer

documentos.

O mesmo se diga do Ministério Público, que

não está obrigado a instaurar o inquérito civil, a uma, porque este não é

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imprescindível à propositura da ação civil pública15. A duas, porque pode o

órgão de execução da instituição ainda não estar convencido da

veracidade das informações que lhe chegaram ao conhecimento,

pretendendo uma verificação prévia antes da instaurar o inquérito civil.

No que pertine especificamente ao Ministério

Público, várias normas prevêem a possibilidade de instauração de outros

procedimentos investigatórios que não o inquérito civil.

A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público

determina em seu artigo 26, inciso V, que o órgão ministerial pode

“praticar atos administrativos executórios, de caráter preparatório”, e a

Lei Orgânica do Ministério Público Paulista, que “sempre que necessário

para formar seu convencimento, o membro do Ministério Público poderá

instaurar procedimento administrativo preparatório do inquérito civil”

(artigo 106, § 1°). Disposições semelhantes são encontradas nas Leis

Orgânicas dos Ministérios Públicos de Pernambuco (art. 6°, inciso V),

Paraná (art. 58, inciso V) e Santa Catarina (art. 83, inciso II).

O que em São Paulo se denominou de

procedimento preparatório de inquérito civil, nada mais é do que um

procedimento de investigação que pode ser inominado, mas que, como o

inquérito civil, visa coletar um mínimo de elementos para o

convencimento do co-legitimado.

Quando este procedimento investigatório

outro tenha sido instaurado pelo Ministério Público, seu arquivamento, em

face da não verificação de justa para tomada de outras medidas judiciais

ou extrajudiciais, deve, tal como com relação ao inquérito civil, ser

submetida ao crivo do Conselho Superior da Instituição16, sob pena de

burla à determinação da regra contida no artigo 9° da Lei de Ação Civil

Pública.

15 Tal como o inquérito policial, que também não é imprescindível à propositura da ação penal. 16 Neste sentido a Súmula n° 12 do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, que determina que “sujeita-se à homologação do Conselho Superior qualquer promoção de arquivamento de inquérito civil ou de peças de informação, bem como o indeferimento de representação, que contenha peças de informação, alusivos à defesa de interesses difusos e coletivos”.

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Bibliografia básica

MAZZILLI, Hugo Nigro. O inquérito civil. São Paulo: Saraiva, 1999.

Trata-se da mais completa obra sobre o inquérito civil e outros

procedimentos investigatórios, não havendo como deixar de consultá-la.

Bibliografia complementar

OLIVEIRA, Sílvio A.G. de. Inquérito civil e peças de informação:

arquivamento. Curitiba: Juruá, 2000.

SILVA, José Luiz Mônaco da. Inquérito civil. Bauru: Edipro, 2000.

SILVA, Paulo Márcio da. Inquérito civil e ação civil pública –

instrumentos da tutela coletiva. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

Estas são boas obras complementares, mas que não abordam o tema com

a riqueza de detalhes que a obra básica faz.

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3. O termo de ajustamento de conduta como solução extrajudicial

na área ambiental

3.1 Considerações gerais

Não resta dúvida de que o legislador visa a

conciliação das partes, nos conflitos de interesses, como a melhor forma

de solução, o que fica muito bem retratado na legislação processual civil

através da adoção de inúmeros procedimentos concentrados onde a

tentativa de conciliação é obrigatória pelo juiz, ou através do poder que o

magistrado tem de, a qualquer momento pode convocar as partes para a

conciliação (artigo 125, inciso IV, CPC).

Outros instrumentos têm sido tentados pelo

legislador para, principalmente, não judicializar os conflitos de interesses

existentes na sociedade, tal como a arbitragem e a mediação.

Entretanto, quando falamos de tutela de

interesses difusos e coletivos, que, como já dito, ensejam a proteção de

direitos da uma coletividade (coletivos e individuais homogêneos), ou da

sociedade em geral (difusos), a conciliação entre as partes envolvidas se

mostra de importância ímpar.

De fato, a possibilidade de se recuperar o

bem jurídico lesado, ou afastar os riscos de danos, notadamente na área

ambiental, sem que se tenha de judicializar a questão, é de suma

importância para a manutenção da qualidade de vida da coletividade.

Quando tratamos de defesa e proteção do

meio ambiente, o fator temporal é de altíssima relevância, na medida em

que a perpetuação do dano pode causar prejuízos de monta à higidez do

meio ambiente atingido, podendo significar, inclusive, a irreversibilidade

dos danos porventura ocorridos.

E, ninguém há de ignorar que hoje em dia a

tramitação das ações judiciais não é condizente com a tutela dos

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interesses difusos e coletivos, pois, mesmo com a eventual possibilidade

de concessão de antecipação de tutela ou medidas liminares, o risco é

muito grande.

Assim, com a conciliação elimina-se a este

inconveniente, além de também se eliminar a incerteza quanto ao

provimento jurisdicional pretendido.

Portanto, as vantagens em se tentar a

conciliação extrajudicial é muito grande, e deve ser incentivada pelos

operadores do direito que estejam co-legitimados à tutela destes direitos

tão preciosos à nossa sociedade.

Foi visando a este interesse que o Código de

Defesa do Consumidor introduziu um parágrafo 6° ao artigo 5°, da Lei de

Ação Civil Pública, prevendo que “os órgãos públicos legitimados poderão

tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às

exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título

executivo extrajudicial”.

3.2 Natureza jurídica

Quando falamos de tutela jurisdicional

coletiva, ao contrário das lides individuais, estamos diante da proteção de

direitos que não pertencem aos legitimados à propositura das medidas

processuais e extraprocessuais que possam surtir efeitos.

Esta situação é limitadora da atuação dos

órgãos co-legitimados à adoção daquelas medidas, pois não podem estes

transacionar quanto ao objeto de tutela, a uma porque não lhes

pertencem, e, a duas, porque se tratam de direitos indisponíveis, posto

que fundamentais.

E, como já preceitua o Código Civil desde

1916 (e agora repetida a regra no novo estatuto de 2002), a transação

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implica em concessões mútuas (art. 840), motivo pelo qual somente se

aplica a direitos patrimoniais (art. 841).

Diante desse quadro, o compromisso de ajustamento de conduta

prevista pela Lei n° 7.347/85 não pode ter a natureza jurídica de

transação, como alguns insistem em dizer.

Realmente, devemos ter em consideração

que existe um gênero chamado acordo, que possui duas espécies: a

transação e o acordo em sentido estrito.

A primeira já foi acima abordada, e a

segunda, é aquela conciliação entre partes que possuem um conflito de

interesses, mas que não implica em que o titular do direito material

protegido venha a abrir mão de nada.

Nesta modalidade de acordo, o que ocorre,

apenas, é o estabelecimento quanto à forma que será protegido o direito

material lesado ou sob ameaça de lesão.

Pense num caso de alimentos. Pode o titular

do direito a alimentos renunciar a estes? Claro que não, pois o direito é

indisponível. Entretanto, ele pode se conciliar com o alimentante no que

tange ao quantum, periodicidade, forma de pagamento, etc., ou seja, sem

abrir mão do direito de receber os alimentos.

O mesmo acaba por ocorrer na defesa dos

interesses difusos e coletivos, em que o co-legitimado a tomar o

ajustamento de conduta não abre mão de reparar o dano causado, ou de

que sejam tomadas todas as medidas para afastar os riscos de lesão, mas

acorda quanto à forma em que se dará a referida reparação ou adoção

das medidas necessárias ao afastamento dos riscos.

E o estabelecimento da natureza jurídica

deste instituto é muito importante para impor limites ao co-legitimado,

sob pena dele acabar por abrir mão do direito material tutelado. No caso

do meio ambiente, seria o mesmo que permitir o legitimado, ao invés da

reparação do dano passível de recuperação, o pagamento de uma

indenização.

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3.3 Objeto

O compromisso de ajustamento de conduta,

por também ter como natureza jurídica a figura de um título executivo

extrajudicial, faz com que, uma vez obtidas todas as medidas necessárias

à tutela do bem jurídico coletivo ou difuso, que não haja mais justa causa

para a propositura de ação civil pública.

Assim é que, qualquer medida que fosse

possível de ser exigida através de pedido judicial na ação coletiva,

também poderá ser objeto de pretensão em sede de termo de

ajustamento de conduta.

E, como a redação dada pelo artigo 83 do

Código de Defesa do Consumidor, aplicável à defesa de todos os direitos

difusos e coletivos, por força do art. 21 da Lei de Ação Civil Pública, fica

derrogada a disposição do art. 3° deste último diploma legal, pois muito

mais abrangente.

Com efeito, a regra do citado art. 83 do

Código Consumerista é quase infinita, abrangendo qualquer pedido, de

qualquer natureza (condenatório, declaratório, cautelar,, mandamental,

etc.) que seja necessário para garantir a tutela dos interesses de que trata

a Lei de Ação Civil Pública. Foi um grande avanço para os co-legitimados,

que agora contam com a possibilidade de exigir qualquer medida no

interesse da coletividade.

3.4 Legitimidade

A Lei de Ação Civil Pública fez uma clara e

correta opção pela amplitude da legitimidade para defesa dos interesses

difusos e coletivos, sempre com o raciocínio de que a concentração deste

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mister nas mãos de apenas uma ou poucas instituições poderia trazer

prejuízos à coletividade, como pretendemos abordar mais à frente.

E, no que tange à legitimidade para obtenção

do compromisso de ajustamento de conduta, o legislador manteve o

mesmo compromisso no sentido de alargar o rol de instituições que

possam formalizá-lo, mas restringiu apenas aos órgãos públicos co-

legitimados à propositura da ação civil pública.

Assim, somente os co-legitimados que

carreguem a “marca” pública, no dizer de José Emmanuel Burle Filho e

Wallace Paiva Martins Júnior17, é que teriam possibilidade de agir em

nome da sociedade e, extrajudicialmente, por meio do compromisso de

ajustamento de conduta, obter obrigações múltiplas tendentes à

reparação de danos ou afastamento de risco de danos aos interesses

difusos e coletivos.

Entretanto, a questão ainda remanesce

parcialmente polêmica.

Com efeito, existem co-legitimados à

propositura da ação civil pública que, ante sua natureza jurídica, não

impõem qualquer dúvida quanto à possibilidade de poderem tomar o

ajustamento de conduta. É o caso do Ministério Público, dos Municípios,

dos Estados, do Distrito Federal e da União. Também, hodiernamente não

parece haver qualquer problema em se aceitar a legitimidade das

autarquias e fundações públicas.

Quanto às sociedades de economia mista e

empresas públicas, no entanto, a polêmica ainda persiste.

Aqueles que sustentam a ampla possibilidade

daqueles entes poderem firmar o ajustamento de conduta invocam o fato

de que o Estado encontra-se presente na sua criação e gerenciamento,

não obstante estes operem sob o regime de direito privado, ante a

determinação contida no art. 173, § 1°, da Constituição Federal.

17 Revista do Ministério Público Paulista, julho-agosto de 1996, p. 90.

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De outra banda, existem aqueles que

sustentam a total impossibilidade das mencionadas pessoas jurídicas

firmarem o compromisso, argumentando que “ao entrar nos domínios da

atividade econômica, ou mesmo ao escolher uma instituição privada para

prestar serviços públicos, o Estado se despe de sua personalidade pública,

recebendo o mesmo tratamento dispensado às pessoas jurídicas

estritamente privadas”18.

Com o devido respeito a ambas posições, é

certo que um entendimento intermediário consegue resolver a contento a

questão.

De fato, como é de conhecimento geral, na

doutrina administrativista os entes paraestatais são classificados em

exploradores de atividade econômica e prestadores de serviços públicos.

Ora, os primeiros, por perseguirem apenas a

realização de uma atividade, ainda que importante para a sociedade,

visam apenas a obtenção de lucro a seus acionistas, dentre eles o próprio

Estado. Já os últimos, têm uma incumbência mais nobre, visando

primordialmente a obtenção do bem-estar da coletividade através da

realização de seus serviços, ainda que porventura venham a obter lucro

aos acionistas.

E, na área da tutela dos interesses difusos e

coletivos, não raro a fiscalização de atividades que possam pô-los em

risco, é delegada a sociedades de economia mista ou empresas públicas.

Destarte, subtrair destes entes prestadores

de serviços públicos a possibilidade de, através do compromisso de

ajustamento de conduta exigir de pessoas físicas e jurídicas a reparação

de danos ou afastamento de riscos de danos aos interesses por eles

protegidos, e pelo qual atuam com poder de polícia, seria o mesmo que

subtrair da própria sociedade o poder de frear condutas deletérias aos

seus interesses mais caros.

18 Geisa de Assis Rodrigues. Ação Civil Pública e termo de ajustamento de conduta – Teoria e prática, p. 161-162.

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Apenas para exemplificar, no Estado de São

Paulo todo poder de fiscalização e licenciamento ambiental de atividades

industriais está concentrado, por delegação, nas mãos da Companhia de

Tecnologia de Saneamento Ambiental – CETESB, que nada mais é do que

uma sociedade de economia mista. E, nem por isso tem esta empresa se

omitido em seu dever legal, assim como tem sistematicamente exigido

dos degradadores do meio ambiente, por meio do termo de ajustamento

de conduta, as medidas necessárias para resguardo da sociedade nesta

área dos interesses difusos19.

3.5 Aspectos formais

Para obtenção da correta tutela do meio

ambiente e dos demais interesses difusos e coletivos, é preciso que haja a

observância de algumas regras quando da elaboração do termo de

ajustamento de conduta.

Em primeiro lugar, se o ajustante for uma

pessoa jurídica, deverá o membro do órgão tomador do acordo verificar se

quem a representa no ato realmente possui poderes específicos para

tanto, pois não raro somos surpreendidos por pretensos representantes

que, em verdade, não podem lançar manifestação de vontade em nome

daquela.

Outro problema que vem sendo verificado diz

respeito a pessoas jurídicas que se utilizam de inúmeros CNPJ, um para

cada estabelecimento ou filial (tecnicamente poderia até se contestar o

termo, mas na prática é exatamente o que é). E, não raro, quando, e se,

não cumprido o acordo firmado, havendo necessidade de execução, 19 Apenas para conhecimento, a partir de 1998 a CETESB firmou 136 compromissos de ajustamento de conduta com indústrias do Estado de São Paulo, visando a corrigir situações ambientais irregulares (licenciamentos, tecnologia, etc.), de um total de 549 requerimentos formulados junto a esta agência ambiental, sendo certo que, desse montante, 330 pedidos foram indeferidos, o que bem demonstra que vem agindo o órgão com critério na análise dos pedidos de ajustamento de conduta a ele apresentados.

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depara-se com uma pessoa jurídica insolvente, mesmo quando o grupo

seja economicamente poderoso. Assim, é preciso que nos cerquemos de

cuidados para não nos vermos surpreendidos com situações como esta.

Outra dica importante é para que, se

possível, fique constando a admissão, por parte do ajustante, de que o

dano ocorreu, ou que há risco de danos. Tal cuidado se mostra prudente

na medida em que o compromisso de ajustamento de conduta, por ser um

título executivo extrajudicial, enseja, se eventualmente forem interpostos

embargos de devedor, ampla dilação probatória. A confissão, portanto, se

mostra bastante conveniente ao exeqüente.

Também, não devemos esquecer que as

obrigações contidas no título, para que eventualmente possam ser objeto

de execução, devem ser líquidas e certas.

Aliás, a exigência neste sentido advém do

artigo 586, caput, do CPC, sendo certo que a execução que não observe

estes pressupostos é nula (art. 618, inc. I, CPC)20.

É muito importante, ainda, que se

especifique a destinação das quantias em dinheiro a serem eventualmente

pagas em decorrência do firmamento do ajustamento de conduta.

3.6 Cominações

A sapiência do legislador consumerista lhe

fez prever, muito antes da grande reforma sofrida pelo Código de

Processo Civil em 1994, que o inadimplemento deve ser combatido

especialmente de forma preventiva, na qual a fixação de cominações tem

especial efetividade. 20 Neste sentido a Súmula n° 9 do Egrégio Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, onde se lê que “só será homologada a promoção de arquivamento de inquérito civil, em decorrência de compromisso de ajustamento de conduta, se deste constar que seu não-cumprimento sujeitará o infrator a suportar a execução do título executivo extrajudicial ali formado, devendo a obrigação ser certa quanto à sua existência, e determinada, quanto ao seu objeto”.

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Com efeito, a estipulação de sanções para o

caso de descumprimento das obrigações impostas ou voluntariamente

assumidas traz, certamente, uma intimidação ao devedor.

Entretanto, se o estabelecimento das

cominações é algo positivo e deve ser utilizado, quando estamos tratando

da defesa dos interesses difusos e coletivos, não temos uma faculdade,

mas sim uma obrigação imposta aos legitimados à tomada do

compromisso de ajustamento de conduta.

De fato, o artigo 5°, § 6°, da Lei de Ação

Civil Pública dispõe de maneira peremptória que o ajustamento se dará

mediante cominações, o que nos parece estipular um requisito essencial

àquele ato, e, como tal, a não observação do comando legal importa em

nulidade.

Aliás, não obstante os resultados práticos

dos termos de ajustamento de conduta sejam muito promissores, não

podemos ser ingênuos a ponto de acreditar que 100% (cem por cento)

daqueles títulos serão devidamente cumpridos, motivo que realça a

importância da cominação, como um freio ao ímpeto de ajustantes menos

idôneos em se verem tentados ao descumprimento das obrigações

assumidas.

Quanto à obrigatoriedade das cominações já

se pronunciou José dos Santos Carvalho Filho afirmando que “se o

interessado se compromete a ajustar sua conduta às exigências legais,

como o admite a lei, de nada adiantaria a promessa se não houvesse a

previsão de penalidade para o caso de descumprimento. A não ser assim,

o compromisso rondaria apenas o campo moral. Para haver efetividade

jurídica, é obrigatório (e nunca facultativo!) que no instrumento de

formalização esteja prevista a sanção para o caso de não cumprimento da

obrigação”.21

Vale ainda mencionar trecho de sentença da

lavra da Juíza de Direito Renata Martins de Carvalho Alves quanto à 21 Ação Civil Pública, p. 188.

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matéria, no sentido de que “como bem observou o Ministério Público, não

há qualquer penalidade prevista no novo Compromisso de Ajustamento de

Conduta para o caso de descumprimento por parte da requerida.

Conseqüentemente, além da nulidade do mencionado compromisso pelas

razões expostas pela Promotora de Justiça, o compromisso não expressa

força coercitiva administrativa”.22

No que tange à natureza jurídica da

cominação prevista ao termo de ajustamento de conduta, temos que

analisando o conceito de cláusula penal possamos estabelecer que se trata

de instituto desta natureza, mas com especiais peculiaridades. Senão

vejamos.

O festejado civilista Silvio de Salvo Venosa

conceitua cláusula penal como sendo “uma obrigação de natureza

acessória. Por meio desse instituto insere-se uma multa na obrigação,

para a parte que deixa de dar cumprimento ou apenas retardá-lo. Aí estão

as duas faces da cláusula penal: de um lado, tem a finalidade de

indenização prévia de perdas e danos, de outro, a de penalizar o devedor

moroso”.23

Ante o transcrito conceito de cláusula penal,

difícil negar que a cominação prevista ao compromisso de ajustamento de

conduta não tenha aquela natureza jurídica. Entretanto, por cuidar de

relação jurídica que tutela interesses difusos e coletivos, e não relações

eminentemente privadas, como o instituto similar previsto no Código Civil,

não se admite que a cláusula penal da Lei de Ação Civil Pública possa ser

compensatória, mas sim, e tão somente moratória (ou cominatória).

A situação acima retratada se dá em face do

desinteresse da coletividade em permitir que o inadimplemento de

obrigações de fazer e de não fazer tendentes a reparar danos ou afastar

riscos de danos a interesse tão importantes da sociedade, possam ser

substituídos por indenização em dinheiro.

22 Decisão proferida no bojo do processo n° 1.458/00 da 1ª Vara da Comarca de Jacareí, no Estado de São Paulo. 23 Direito Civil, t. II, p. 152.

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O entendimento exposto é também

verificado na Súmula n° 23 do Conselho Superior do Ministério Público,

que consigna que “a multa fixada em compromisso de ajustamento não

deve ter caráter compensatório, e sim cominatório, pois nas obrigações de

fazer ou não fazer normalmente mais interessa o cumprimento da

obrigação pelo próprio devedor que o correspondente econômico”.

Outra peculiaridade da cominação de que

tratamos é o fato de que o artigo 5°, § 6°, da Lei Federal n° 7.347/85 não

estipula no que deve consistir aquela, abrindo, assim, a possibilidade do

estabelecimento de qualquer espécie de sanção, e não apenas a

pecuniária, como costuma ocorrer em outras passagens de nosso

ordenamento jurídico.

Diante disso, é possível que se fixe como

cominação, por exemplo, a suspensão de atividade ou a obrigação de

refazer a situação anteriormente verificada.

E, apesar da possibilidade de estipulação de

sanções de variadas espécies, é certo que a mais utilizada ainda é a

pecuniária.

Realmente, o sistema de cominações que

permeou o ordenamento pátrio está em sua quase totalidade calcado na

multa pecuniária, talvez por se entender que esta gere efetivo temor no

devedor, que não pretende agravar mais a situação em que já se

encontra, podendo comprometer seu patrimônio de maneira substancial

ante a incidência daquela cominação.

Importante, ante esta constatação, que nos

detenhamos no valor da sanção pecuniária, posto que, como muito bem

anotado por Rodolfo de Camargo Mancuso, “sua carga impositiva sobre o

devedor deve ser tal que produza sobre o seu animus o estímulo

suficiente para que ele opte pela prestação específica, ao invés de pagar a

multa diária: normalmente para se obter esse efeito, bastará que o ônus

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financeiro representado pelo reiterado pagamento da astreinte se revele

mais oneroso do que o cumprimento do julgado”.24

Daí que, para que possa surtir o efeito

desejado, o valor da cominação pecuniária deve ser em patamar suficiente

para frear eventual conduta irregular do devedor, sendo certo que a

estipulação de valores aquém do necessário poderão resultar em situações

nefastas para a coletividade.

Aliás, a fixação de valor pecuniário irrisório

possui o mesmo efeito jurídico da inexistência de cominação, qual seja, a

nulidade do título executivo extrajudicial.

Tivemos o desprazer de nos confrontar com

termo de ajustamento de conduta onde o legitimado firmou acordo com

empresa de grande porte, e estipulou multa diária no valor de R$ 1,00

(um real) para o caso de descumprimento das obrigações ali contidas.

Por se tratar de cláusula penal especial,

entendemos que a regra contida no artigo 412 do Código Civil, e que

impõe que “o valor da cominação imposta na cláusula penal não pode

exceder o da obrigação principal”, não se aplica à defesa dos interesses e

direitos difusos e coletivos.

Com efeito, a regra acima transcrita sustenta

a impossibilidade de se permitir, em relações eminentemente privadas, a

ocorrência de enriquecimento ilícito. Entretanto, quando estamos diante

da proteção de interesses maiores, de toda a coletividade, como é o caso

do meio ambiente, a mesma regra não pode prevalecer, até porque, não

raro, a execução de um projeto de recuperação de área degradada pode

não ter um valor excessivo, mas sua importância para o equilíbrio

ecológico pode ser gigantesca. Assim, nem sempre o valor pecuniário da

obrigação, nos termos de ajustamento de conduta, retrata a sua

importância no contexto social.

Dois aspectos de relevância que devem ser

apurados para a fixação do valor da cominação são a importância do 24 Ação Civil Pública – em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores, p. 252-253.

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resultado do adimplemento para a coletividade, e o poder econômico do

ajustante.

Notadamente em relação ao segundo

aspecto, se o valor da multa for baixo, e o poder econômico do devedor

for alto, então o descumprimento das obrigações assumidas se mostrará

como um convite irrecusável.

Por fim, quanto às cominações, temos que

deva haver um critério bastante sóbrio por parte do órgão público

legitimado, de sorte a conseguir enxergar que não se pode fixar valores

iguais para obrigações de intensidade diferente, posto que, do contrário,

poderá haver uma banalização da cominação, e que certamente trará uma

desconfiança da sociedade e do Poder Judiciário aos títulos executivos.

Devemos sempre ter em mente que a

cominação pecuniária deve ser estabelecida de maneira justa, e sempre

em patamar suficiente para ensejar a sua finalidade, e só.

3.7 Efeitos do termo de ajustamento

O compromisso de ajustamento de conduta

de fato é um fabuloso instrumento de pacificação social, e que, por conter,

ao menos em tese, todas as obrigações necessárias à reparação do dano

ou afastamento de risco de dano aos interesses difusos e coletivos, gera

conseqüências processuais bem claras.

A primeira delas é justamente impedir o

ajuizamento da ação civil pública, ante a patente falta de interesse

processual, uma vez que a sociedade já possui um título executivo que lhe

possibilita obter o resultado positivo pretendido, e, em caso de

descumprimento, permite sua imediata execução.

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Interessante firmar o posicionamento de que

o título jurídico e as obrigações nele contidas têm como única credora a

coletividade, e não o órgão público tomador do ajustamento do conduta.

A afirmação acima consignada nos leva ao

raciocínio de que a obtenção do ajuste por um dos co-legitimados impede

a propositura da ação civil pública por qualquer um dos demais

legitimados, salvo se houver comprovação de que as cláusulas não

atendem ao interesse público, e haja cumulação dos novos pedidos com o

de desconstituição do acordo anteriormente firmado. Com certeza esta

última hipótese se constitui em rara exceção.

Ainda, o firmamento do ajuste de conduta

poderá provocar a extinção da ação civil pública anteriormente proposta,

sem julgamento de mérito, em face da carência superveniente de ação

por falta de interesse de agir, desde que, como acima já manifestado,

atenda aos interesses da coletividade quanto ao objeto da ação.

3.8 Mutabilidade do ajuste

O termo de ajustamento de conduta, como já

podemos a esta altura perceber, é um instrumento valiosíssimo de acesso

à justiça, bem como traz importante segurança aos participantes do ato,

na medida em que se traduz em título executivo extrajudicial.

Entretanto, o acordo não pode ser

equiparado à sentença no que tange à imutabilidade de seus termos,

posto que não sofre, como esta, os efeitos da coisa julgada material.

Daí podermos afirmar que, mesmo o órgão

público que tenha firmado o ajuste existente poderá pleitear extra ou

judicialmente a modificação das cláusulas contidas naquele, se estas se

mostrarem ineficazes para alcançar seu desiderato, a saber, a

recuperação do dano, ou afastamento do risco de dano.

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E, se nossa afirmação acima é correta,

também o é dizer que a modificação do ajustamento anterior deva estar

devidamente fundamentada, lastreada em dados robustos, e, ainda, não

poderá ocorrer a reformatio in pejus, ou seja, que possa prejudicar o

direito ou interesse difuso ou coletivo.

Com efeito, a única possibilidade de se

modificar as cláusulas obrigacionais contidas naquele título é em razão de

beneficiar com cláusulas outras que melhor atendam ao interesse da

coletividade, e não para beneficiar o ajustante, aquele que se enquadra ao

ordenamento jurídico através do termo firmado.

Quando o novo ajustamento, substitutivo ou

complementar tenha sido firmado pelo Ministério Público, terá de ser

novamente submetido ao crivo de seu Conselho Superior, que poderá,

eventualmente, rejeitá-lo, determinando que o anterior prevaleça.

Por fim, temos que qualquer outro co-

legitimado à propositura da ação civil pública possa impugnar

judicialmente o novo acordo, de sorte a demonstrar que este não atende

aos interesses da coletividade.

3.9 Publicidade

Ato administrativo que é, o compromisso de

ajustamento de conduta deverá se subordinar aos princípios da

Administração Pública contidos na Carta de Regência, notadamente o da

publicidade.

Realmente, a publicidade do termo de ajuste

é o meio pelo qual poderá a sociedade exercer sua fiscalização sobre os

atos dos órgãos públicos co-legitimados, a fim de que possam se

posicionar contrariamente a eles. O mesmo se diga em relação aos

legitimados que não tenham participado do compromisso, e que, através

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da sua publicidade, poderão tomar conhecimento de seus termos, e,

eventualmente, se insurgir contra estes.

E, entendemos que o compromisso de

ajustamento de conduta somente ganha a devida publicidade através de

sua publicação no Diário Oficial.

Bibliografia básica

AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Compromisso de ajustamento de

conduta ambiental. São Paulo: RT, 2003.

Trata-se da única obra que aborda exclusivamente o termo de

ajustamento de conduta, com ênfase àquele adotado para defesa do meio

ambiente, mostrando-se, assim, indispensável na abordagem do tema.

Bibliografia complementar

BURLE FILHO, José Emmanuel; MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva.

Compromisso de ajustamento de conduta e entes paraestatais.

Revista do Ministério Público Paulista. São Paulo: APMP, jul.-ago., 1996.

FINK, Daniel Roberto. Alternativa à ação civil pública ambiental

(reflexões sobre as vantagens do termo de ajustamento de

conduta). In: MILARÉ, Édis. Ação civil pública – Lei 7.347/85 – 15

anos. São Paulo: RT, 2001.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Os sindicatos e a defesa dos

interesses difusos no direito processual civil brasileiro. São Paulo:

RT, 1995.

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MAZZILLI, Hugo Nigro. Os compromissos de ajustamento de

conduta. In: FREITAS, José Carlos de (Coord.). Temas de direito

urbanístico 3. São Paulo: Imesp, 2001.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. São Paulo: Atlas, 2001.

São excelentes artigos, escritos por juristas de escol, e que nos trazem

importantes abordagens de temas específicos da matéria em análise.

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Atividade Proposta

Comente em duas páginas a decisão do Superior Tribunal de Justiça

(arquivo separado em pdf.), Recurso Especial № 514.489 – MG (2003),

sobre o Termo de Ajuste de Conduta levando em conta os seguintes

pontos:

a) Resumo dos fatos;

b) Objeto do litígio (Quem quer O Quê, De Quem?);

c) Comentários pessoais sobre a decisão do Tribunal, se favorece ou não

à proteção do meio ambiente.

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LEITURA COMPLEMENTAR

4. Os meios judiciais de proteção do meio ambiente

4.1 A ação civil pública ambiental de conhecimento

Este efetivo instrumento de tutela do meio

ambiente teve sua primeira aparição na Lei Federal n° 6.938/81,

conhecida como Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, que em seu

artigo 14, § 1°, dispõe que “o Ministério Público da União e dos Estados

terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal,

por danos causados ao meio ambiente”.

Não há duvida de que esta previsão foi

embrião para a ação civil pública tal como hoje a conhecemos, e que

nasceu com a edição da Lei Federal n° 7.347/85, tendo como objeto não

apenas a tutela do meio ambiente, mas de todo e qualquer interesse ou

direito difuso ou coletivo.

A importância deste instrumento é tamanha,

que alcançou, como forma de reconhecimento pela sociedade, o status

constitucional, ao ser incluída como função institucional do Ministério

Público (art. 129, III, CF). Os números estatísticos demonstram de

forma clara que se trata de um forte instrumento de defesa da

coletividade, com extraordinários resultados.

4.1.1 Legitimidade

Aquela primeira ação para tutela do meio

ambiente, que era prevista na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente,

tinha como único legitimado o Ministério Público, situação que não era a

mais adequada, pois quando falamos de defesa de interesses tão

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especiais à sociedade, o melhor é que não haja a concentração da

legitimidade para a propositura da ação nas mãos de apenas um órgão,

posto que na omissão deste, a coletividade poderá estar desprotegida.

E, atento a este

aspecto, o legislador de 1985 previu na denominada Lei de Ação Civil

Pública uma legitimidade concorrente entre diversos órgãos, de natureza

pública e privada, ampliando, assim, o espectro de atuação na defesa dos

interesses difusos e coletivos.

Com efeito, prevê o artigo 5°, caput,

do referido diploma legal que “a ação principal e a cautelar poderão ser

propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios.

Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública, fundação,

sociedade de economia mista ou por associação”.

Apesar de naquele momento o

legislador não ter feito menção à legitimidade do Distrito Federal para a

propositura da ação civil pública, não há discussão na doutrina quanto

àquela possibilidade. Esta questão, entretanto, foi superada com a edição

do Código de Defesa do Consumidor, posto que sua parte processual é

aplicável à Lei n° 7.347/85, e expressamente permite que aquele ente

federado promova este instrumento de tutela coletiva.

O ápice, no entanto, ainda estava por

vir, posto que a Constituição Federal, num franco reconhecimento da

importância deste instrumento, veio a prever de forma clara e com

segurança que lhe é peculiar, que a propositura da ação civil pública é

função institucional do Ministério Público (art. 129, III) e que a lei

infraconstitucional poderá conferir legitimidade a terceiros (art. 129, §

1°).

A referida legitimidade de terceiros

encontra-se garantida pela recepção da Lei de Ação Civil Pública pela

Carta Magna, posto que com ela não se choca.

Importante destacar neste rol de legitimados

as associações civis, em clara intenção do legislador em incentivar a

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participação da sociedade civil organizada na defesa de seus próprios

interesses e direitos, exercendo a cidadania, de quem são os verdadeiros

titulares.

Entretanto, o legislador impôs alguns

requisitos para o exercício desta legitimidade, e que estão contidos nos

incisos I e II do artigo 5°, mas, que poderão ser dispensados pelo juiz

“quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou

característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido”

(§ 4°).

A doutrina tem, hodiernamente, aceitado

amplamente a legitimidade dos sindicatos para a propositura da ação civil

pública, com o que concordamos, posto que, como dispõe o artigo 8°,

inciso III, da Constituição Federal, “ao sindicato cabe a defesa dos direitos

e interesses coletivos e individuais da categoria, inclusive em questões

judiciais ou administrativas”.

4.1.2 Objeto

Quando da edição da Lei de Ação Civil

Pública, muito se questionou a cerca de seu possível objeto, na medida

em que o artigo 3° determina que “a ação civil poderá ter por objeto a

condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não

fazer”.

A polêmica maior foi em relação à

possibilidade de cumulação dos pedidos de obrigação de fazer e não fazer,

e estes e o pedido de indenização em dinheiro, sendo certo que, àquela

época, houve muita divisão doutrinária e jurisprudencial.

Referida discussão teve seu término com a

edição do Código de Defesa do Consumidor, que fez inserir o artigo 21° à

Lei de Ação Civil Pública, dispondo que “aplicam-se à defesa dos direitos e

interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os

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dispositivos do Título III da Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990, que

instituiu o Código de Defesa do Consumidor”.

E, a referida parte integrante do Código

Consumerista prevê que “para a defesa dos direitos e interesses

protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações

capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”.

Assim, qualquer pedido ou espécie de ação é

possível ser intentada para a defesa do meio ambiente. Ações de

conhecimento (condenatória, constitutiva ou meramente declaratória),

cautelares (já havia previsão no art. 4°, da Lei n° 7.347/85), de

execução, mandamental, etc., poderão ser ajuizadas, desde que

necessárias à eficaz tutela do meio ambiente.

4.1.3 Competência

Pretendendo inovar também quanto à regra

de competência nas ações civis públicas, o legislador previu no artigo 2°

da Lei n° 7.347/85 que “as ações previstas nesta lei serão propostas no

foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional

para processar e julgar a causa”.

E, tratando-se de competência funcional,

temos que é de caráter absoluto, podendo ser suscitada a incompetência

de outro juízo que não o do local do dano pelas partes, ou ex officio.

Assim, não fica aquela competência sujeita a prorrogação por vontade das

partes, acarretando em nulidade do processo a não observância da regra.

Não raro, em razão das características dos

danos ambientais, poderá ocorrer que aquele se alastre, ou esteja a

ameaçar mais de um território, quando então, a competência será

estabelecida por meio dos critérios de prevenção.

Evidentemente que a regra contida na lei

infraconstitucional sofre os temperamentos das regras de competência

contidas na Carta de Regência, notadamente, no que tange a ações de

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natureza civil, aquela do artigo 109, inciso I, que dispõe no sentido de que

“aos juízes federais compete processar e julgar as causas em que a União,

entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na

condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência,

acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do

Trabalho”.

O dispositivo acima transcrito tem como

exceção, ainda, o conteúdo do parágrafo 3° daquela mesmo artigo, que

consigna que “serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro

do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem

parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca

não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei

poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas

pela justiça estadual”. Os recursos, entretanto, serão dirigidos ao Tribunal

Regional Federal, nos termos do parágrafo 4°.

A parte final da exceção acima mencionada

deu azo a que a jurisprudência entendesse que a regra de competência

absoluta do artigo 2° da Lei de Ação Civil Pública se encaixava naquela

hipótese, o que acabou se solidificando através da Súmula n° 183 do

Superior Tribunal de Justiça, cancelada, entretanto, em novembro de

2000.

Não obstante o cancelamento da mencionada

súmula, temos que seu conteúdo é o mais correto, e deve ser aplicado.

Vale transcrever as palavras de Celso

Antonio Pacheco Fiorillo, para quem “esse sistema de competência

encontra respaldo no princípio da efetividade da tutela dos interesses

metaindividuais, porque, além das dificuldades naturais do ajuizamento da

respectiva ação ambiental, regra diversa de competência prejudicaria o

exercício jurisdicional do magistrado, dada a maior facilidade de apuração

do dano e de suas provas na comarca em que os fatos ocorreram”.25

25 Obra citada, p. 332.

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4.1.4 Tutela antecipada e medidas liminares

A legislação que rege as ações civis públicas

não estabeleceu rito processual diferenciado, especial, de sorte que a

estas se aplicam as regras do processo de conhecimento ordinário,

previsto no Código de Processo Civil, por ser este diploma legal

subsidiário, nos termos do artigo 19 da Lei de Ação Civil Pública.

Neste diapasão, perfeitamente aplicável o

importante instituto da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional

pretendida, com previsão nos artigos 273 e 461 de nosso estatuto

processual civil.

Com efeito, dispõe o primeiro desses artigos

que “o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou

parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que,

existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação”,

e desde que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil

reparação, ou fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o

manifesto propósito protelatório do réu.

Já o segundo artigo mencionado, que trata

das ações que tenham como objeto obrigações de fazer e de não fazer,

consigna em seu parágrafo 3° que “sendo relevante o fundamento da

demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é

lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação

prévia, citado o réu”.

Levando-se em consideração os princípios da

prevenção e da precaução, de aplicação indispensável à tutela do meio

ambiente, podemos dizer que o instituto da antecipação de tutela se

coaduna de forma absoluta ao desiderato das ações desta natureza.

Com efeito, a medida ora em análise permite

que cesse de forma imediata a ocorrência dos danos ambientais, ou se

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afaste de plano os riscos que aqueles bens tutelados estejam sofrendo,

evitando-se, com isso, a degradação da qualidade ambiental.

Não obstante possam parecer diferentes os

requisitos para a concessão da antecipação de tutela quando as ações

tenham como pedido obrigações de fazer e de não fazer, ou não, é certo

que o juiz terá sempre de se deparar com provas muito robustas da

ocorrência do dano ou risco de sua verificação, assim como terá de

verificar o periculum in mora.

Portanto, cabe ao autor da ação instruí-la de

forma adequada, de sorte a que possa conferir ao julgador, initio litis,

elementos suficientes para que possa analisar pedido desta natureza.

É importante consignar que a medida pode

ser concedida a qualquer momento, bem como, da mesma forma, poderá

ser revogada a qualquer tempo.

Sabiamente o legislador previu a aplicação

de sanção pecuniária diária para o caso de descumprimento do comando

contido na decisão antecipatória (arts. 273, § 3° e 461, § 4°, CPC), que é

interlocutória, dela podendo ser tirado recurso de agravo de instrumento.

De se observar as novas peculiaridades do recurso de agravo trazidas pela

Lei n° 11.187/2005, que deu nova redação ao inciso II do artigo 527, do

Código de Processo Civil.

No que tange à possibilidade de concessão

de medidas liminares nas ações civis públicas, encontra-se esta

expressamente prevista no artigo 12 da Lei de Ação Civil Pública, que

também permitiu que o juiz fixe multa para o caso de não cumprimento

da decisão, que, da mesma forma, está sujeita a recurso de agravo.

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4.1.5 Questões de prova

Aqui certamente encontra-se um dos pontos

mais importantes a se discutir sobre a ação civil pública, na medida em

que reside na produção de provas em juízo a possibilidade êxito na

obtenção do provimento jurisdicional pretendido, e que levará à tutela do

meio ambiente.

Assim, temos que certos dogmas do

processo civil clássico hão de ser deixados para trás, em nome do dever

que o Poder Público possui de defender e preservar o meio ambiente.

Vale consignar a importância que terá a

prova produzida administrativamente pelos órgãos públicos co-

legitimados, pois, nem sempre será possível repetir a prova em juízo. Não

obstante haja certa resistência por parte de alguns tribunais em aceitar

certas provas não produzidas em juízo, notadamente as periciais, já existe

forte corrente doutrinária e jurisprudencial que admite que, quando

aquela tenha sido elaborada por órgão público com notório conhecimento

na matéria, poderá ela ser admitida, ainda que não tenha havido a

participação da parte contrária nos atos de verificação dos fatos

analisados.

Apenas a título exemplificativo, tomemos um

caso de poluição sonora advinda da emissão de sons e ruídos acima dos

níveis legalmente permitidos por parte de um bar. Se no curso da

investigação o órgão público comunicar que irá proceder à medição

daqueles, certamente os representantes do bar irão providenciar para

que, ao menos naquele dia, não haja sons e ruídos em demasia. Ao

contrário, ignorando que irá ocorrer a medição, será possível verificar o

que realmente acontece naquele local. Levada a juízo esta prova, se

produzida por órgão público, que goza de legitimidade, não há motivos

para não se aceitar aquela, notadamente porque, se for ser repetida,

agora sim sob o crivo do contraditório, certamente não se alcançará um

resultado adequado, pelos motivos já antes expedidos.

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Importante será, também, a prova produzida

em sede de medida cautelar de produção antecipada, nos termos, e

preenchendo os requisitos, dos artigos 846 e seguintes do Código de

Processo Civil.

Ainda no que tange à produção de prova,

outro relevante instrumento, quase nunca utilizado no dia-a-dia forense, é

o de inspeção judicial.

De fato, não podemos nos esquecer que a

regra de competência contida no artigo 2° da Lei de Ação Civil Pública se

deu justamente em face da necessidade do juiz poder estar mais perto do

local onde ocorreu o dano, ou estão ocorrendo os riscos de danos,

podendo facilitar seu contato pessoal com aqueles, sentir o que a

coletividade pensa sobre o caso, enfim, poder avaliar de forma mais

adequada a decisão que irá, ao final, tomar no processo.

Portanto, sempre que possível, deve o juiz

proceder na forma dos artigos 440 e seguintes de nosso estatuto

processual civil.

Outra importante observância diz respeito à

prova pericial, devendo o magistrado zelar pela nomeação de peritos com

capacitação técnica adequada para a correta verificação dos fatos.

Este alerta, que pode parecer óbvio, acaba

sendo relevante na medida em que, na prática, temos nos deparado com

nomeações que não atendem ao interesse difuso (tutela do meio

ambiente), posto que profissionais sem conhecimento técnico estão sendo

investidos nesta missão, acabando por levar o juízo a conclusões

equivocadas.

De fato, as áreas de conhecimento

necessárias para avaliação de danos ambientais não têm sido sempre

respeitadas, notadamente quanto à verificação de danos a vegetação.

Temos percebido que engenheiros civis têm se pronunciado em matéria

que, por força de leis federais, somente engenheiros agrônomos,

engenheiros florestais e biólogos poderiam lançar manifestações.

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Ora, certamente que o resultado destas

perícias não poderá ser satisfatório, na medida em que lançados por

pessoa sem habilidade técnica. A presunção neste sentido é da própria

legislação, que proíbe que outras classes profissionais se manifestem

sobre vegetação.

Evidentemente que a situação acima

retratada é apenas exemplificativa, ocorrendo em outras situações, sendo

um dever das partes não aceitar estas nomeações, impugnando-as por

meio de recurso de agravo.

4.1.6 Coisa julgada

A Lei de Ação Civil Pública, seguida do

Código de Defesa do Consumidor, superou a clássica determinação

contido no artigo 467 do Código de Processo Civil acerca da coisa julgada,

recriando este instituto de sorte a que seus efeitos, na ação civil pública,

sejam verificados erga omnes e secundum eventum litis.

Com efeito, dispõe o artigo 16 da Lei n°

7.347/85 que “a sentença fará coisa julgada erga omnes, nos limites da

competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado

improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer

legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-

se de nova prova”.

Assim, ao contrário do sistema instituído

como regra no Código de Processo Civil, onde a coisa julgada, como regra

gera seus efeitos apenas intra partes, e, como exceção, erga omnes, na

ação civil pública esta segunda hipótese está sempre presente.

Não fará coisa julgada, entretanto, a ação

julgada improcedente por insuficiência de provas, quando, então, surgindo

novos elementos que possam corroborar os fundamentos da inicial,

qualquer dos co-legitimados, inclusive aquele que intentou a ação

anterior, poderão renová-la.

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Este diferenciado sistema se dá em razão da

importância do bem jurídico tutelado, pois não se trata de direito

meramente individual, mas difuso ou coletivo, com uma repercussão

social intensa, que justifica a possibilidade de revisão dos argumentos

anteriormente já analisados pelo Poder Judiciário.

Quanto à lamentável tentativa de impor

limites territoriais aos efeitos da coisa julgada, trazidos pela redação

conferida ao artigo 16 do já mencionado diploma legal pela Lei n°

9.494/1997, a doutrina tem apontado a inconstitucionalidade da medida,

até porque, quem determina os limites subjetivos da coisa julgada é o

pedido.

Exemplo típico que se tem dado a esta

situação é a da ação de separação judicial. Pessoa separada na cidade de

São Paulo também o é em Belém, no Rio de Janeiro ou em qualquer outro

lugar do País, independentemente dos limites da competência territorial

do juiz que prolatou a sentença. O que interesse é o pedido, é ele quem

delimita os limites subjetivos da coisa julgada.

Bibliografia básica

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública: comentários

por artigo. 2. ed. rev.ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1999.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública – em defesa do

meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 7. ed.

rev.atual. São Paulo: RT, 2001.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 7.

ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Saraiva, 1995.

Obras simplesmente indispensáveis no estudo da ação civil pública, posto

que escritas por três dos precursores da tutela coletiva em nosso País.

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Bibliografia complementar

ALMEIDA, João Batista de. Aspectos controvertidos da ação civil

pública: doutrina e jurisprudência. São Paulo: RT, 2001.

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica. 2. ed. rev. São Paulo: RT,

2001.

RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação civil pública e termo de

ajustamento de conduta – Teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense,

2002.

VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Ação civil pública. 2. ed. São Paulo:

Atlas, 1998.

Ótimas obras sobre o tema em análise podendo servir em muito para o

aprofundamento do estudo deste instrumento de efetividade da proteção

do meio ambiente.

4.2. A ação civil pública ambiental de execução

4.2.1. Considerações gerais

Temos plena convicção de que na tutela dos

interesses e direitos difusos e coletivos, e notadamente do meio ambiente,

a ação de execução é tão importante quanto a de conhecimento, uma vez

que raramente o devedor acaba por adimplir voluntariamente suas

obrigações contidas no título executivo, em especial de ele for judicial.

Com efeito, a ação civil pública de execução

pode ter como título exeqüível uma sentença ou termo de ajustamento de

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conduta, sendo certo que este último, por ser estabelecido de forma

consensual, gera um número muito menor de inadimplência.

Portanto, o objetivo máximo de ação civil

pública ambiental, que é a obtenção da completa reparação do dano

ambiental, ou o total afastamento dos riscos de danos, somente ocorrerá

caso se busque o resultado de forma intransigente, o que passa pelo

ajuizamento da ação de execução.

4.2.2. Legitimidade ativa e passiva

No que pertine à legitimidade ativa para a

ação executória, entendemos que repouse nas mesmas pessoas jurídicas

legitimadas à propositura da ação de conhecimento, independentemente

de quem tenha obtido o título executivo a servir de sustentáculo para

aquela medida judicial.

De fato, mesmo se tratando de título

executivo extrajudicial, ou seja, de termo de ajustamento de conduta,

entendemos que qualquer legitimado a propor a ação civil pública possa

executá-lo, ainda que se trate de órgão de natureza privada, a saber,

fundações particulares e associações civis (aqui incluídos os sindicatos).

A conclusão acima externada se dá em razão

de que, diferentemente das lides privadas, o autor da ação civil pública,

ou o órgão público tomados do ajuste de conduta, não é o titular do

direito resguardado por estes instrumentos jurídicos, mas sim, a tão só,

são representantes da sociedade, motivo pelo qual qualquer um deles

poderá lançar mão de seu poder para garantir a efetividade das medidas

adotadas.

Quanto ao termo de ajustamento de

conduta, não obstante somente os órgãos público legitimados à

propositura da ação civil pública estejam legitimados a tomá-lo, todos os

previstos nos artigos 5° da Lei de Ação Civil Pública e 82 do Código de

Defesa do Consumidor poderão executar o título inadimplido. Isto se dá

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porque a restrição aos entes privados consignados nos citados artigos de

lei se dá apenas para formalizar aquele instrumento, mas para exigir,

através da ação de execução.

De outra banda, o pólo passivo da ação de

execução será composto na forma do artigo 568 do Código de Processo

Civil, especialmente aquele que figure como devedor no título executivo.

Entretanto, importante, e pouco utilizado,

dispositivo legal atinente a esta matéria é o artigo 4° da Lei n° 9.605/98

(Lei de Crimes Ambientais), que permite a despersonalização da pessoa

jurídica, quando esta esteja se mostrando como empecilho para a

reparação do dano ambiental.

A regra acima mencionada é de suma

importância, na medida em que não raro nos deparamos com ações de

execução propostas contra pessoas jurídicas que patrimônio algum

possuem para poder satisfazer as obrigações contidas no título executivo,

enquanto que seus sócios estão em excelente situação financeira, que, em

regra, se dá em razão do desvio de quantias pertencentes à pessoa moral

(empresa, associação, etc.).

4.2.3. Competência

Apesar da aplicação subsidiária do Código de

Processo Civil às ações civis públicas, por determinação do artigo 19 da

Lei n° 7.347/85, as regras de competência previstas nos artigos 576 do

estatuto processual não se adequam com a tutela do meio ambiente.

Conforme já manifestado neste trabalho, a

regra de competência das ações civis públicas é diferenciada, em razão do

objeto de tutela.

E, neste diapasão as regras especiais

contidas nos artigos 98, § 2°, inciso II, do Código de Defesa do

Consumidor e 2° da Lei de Ação Civil Pública, que impõem a competência

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da ação executória ao juízo da ação condenatória, e que devem ser

aplicadas.

Da mesma forma que é importante que a

ação de conhecimento seja proposta no local do dano, a execução

também deve seguir a mesma regra, com vistas a facilitar a verificação do

cumprimento das obrigações contidas no título executivo, e que lá

também deverão ser atendidas.

4.2.4. Procedimentos

Nesta seara, apesar de entendermos que os

diplomas legais que tratam das ações coletivas tenham perdido a chance

de criar procedimentos especiais para estas, inclusive as execuções, o

certo é que na falta da previsão legal, aplicar-se-á o Código de Processo

Civil.

Assim, as execuções de obrigações de

fazer, de não fazer, de dar, por quantia certa contra devedor solvente e

contra a Fazenda Pública irão seguir os ritos procedimentais previstos

naquele diploma legal.

Vale lembrar que a Lei n° 11.232/2005,

ainda em vacatio legis, trará profundas modificações no processo de

execução, em especial, no que tange àquela por quantia certa, e à defesa

do executado.

4.2.5. A extinção da execução

Uma vez intentada a ação de execução, esta

somente se extinguirá, com julgamento de mérito, nas hipóteses do artigo

794 do Código de Processo Civil.

Entretanto, em razão da natureza jurídica do

objeto de tutela das ações civis públicas ambientais, apenas a hipótese

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contida no inciso I do citado artigo de lei irá satisfazer a sociedade, qual

seja, a extinção da execução após a satisfação da obrigação.

As duas outras hipóteses de extinção não

atendem aos interesses da coletividade, pois não é possível perdoar a

obrigação, e nem renunciar a crédito.

Tal assertiva ocorre, como acima

mencionado, em razão do caráter de indisponibilidade do objeto tutelado,

e, não estando na esfera patrimonial dos exeqüentes, não podem estes

agir de sorte a favorecer o executado, em detrimento dos verdadeiros

titulares do bem jurídico em análise.

A extinção deverá ser declarada por

sentença, nos termos do artigo 795 de nosso estatuto processual civil,

sendo certo que a doutrina tem se posicionado no sentido de que esta

sentença não faz coisa julgada material, podendo reiniciar-se a execução

caso se verifique a posteriori que não ocorreu o adimplemento que se

pensava ter sido verificado.

Neste sentido a lição de Carlos Alberto de

Salles, que pontua no sentido de que esta sentença “não produz coisa

julgada quanto ao título em execução. Considere-se, por exemplo, a

execução de uma obrigação de descontaminação de solo. Extinta a

execução, meses (ou anos) depois, descobre-se que um novo

contaminante, produto do mesmo fato discutido naquele processo, não

fora eliminado daquela localidade. Pode-se, nesse caso, reabrir o processo

para completar a execução do título? Tendo em vista o alcance limitado da

decisão extintiva, referida no art. 795 do CPC, é claro que sim, desde que

se demonstre que a obrigação decorre do mesmo título, executado

anteriormente de maneira incompleta”.26

26 Execução judicial em matéria ambiental, p. 250.

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Bibliografia básica

AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal Akaoui. Compromisso de

ajustamento de conduta ambiental. São Paulo: RT, 2003.

SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental.

São Paulo: RT, 1998.

As obras indicadas trazem em seu conteúdo estudo específico a cerca das

ações de execução em matéria ambiental, sendo que a primeira foca-se

especialmente na execução do termo de ajustamento de conduta, e a

segunda, da sentença.

Bibliografia complementar

ASSIS, Araken de. Execução na ação civil pública. Revista de

Processo. São Paulo: RT, vol. 82, p. 46-52, abr.-jun., 1996.

_____. Manual do processo de execução. 7. ed. rev. ampl. E atual.

São Paulo: RT, 2001.

NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de

Processo Civil Comentado. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: RT, 1996.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execução. 16. ed. atual.

São Paulo: Leud, 1993.

VENTURI, Elton. Execução da tutela coletiva. São Paulo: Malheiros,

2000.

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Não obstante sejam obras que abordam a ação de execução de uma

forma genérica, mostram-se importantes para o aprofundamento do

tema, notadamente por detalharem os princípios gerais que regem a

matéria.

4.3. A ação popular constitucional ambiental

Este fantástico instrumento de tutela de

interesses e direitos difusos e coletivos conferido ao cidadão em pleno

regime militar (Lei n° 4.717/65), mas que atingia a defesa e proteção do

meio ambiente apenas indiretamente, quando o bem jurídico desta

natureza se constituísse em ato lesivo ao patrimônio da administração

direta e indireta, ganhou nova e poderosa roupagem com a Constituição

Federal de 1.988.

Com efeito, o artigo 5°, inciso LXXIII da

Carta de Regência previu que “qualquer cidadão é parte legítima para

propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de

entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio

ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo

comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.

Como já tivemos oportunidade de pontuar,

“esta previsão está em consonância com o comando contido no art. 225,

caput, do Texto Maior, pois, na medida em que impõe à coletividade o

ônus de defender e preservar o meio ambiente necessita conferir-lhe

instrumento hábil à tutela deste bem difuso, o que agora é alcançado com

a previsão constitucional”.27

Infelizmente este poderoso instrumento dado

à coletividade não tem sido utilizado com freqüência, o que acaba por

retratar uma faceta nada agradável de nossa sociedade, que é a de

27 Op.cit., p. 43.

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assistir passiva a determinadas condutas lesivas ao seu interesse, sem

que isto abale sua inércia.

No entanto, nos poucos casos28 em que a

ação popular foi utilizada para a defesa e proteção do meio ambiente,

mostrou-se instrumento de grande valia, e com resultado prático

semelhante ao da ação civil pública.

O sempre brilhante José Carlos Barbosa

Moreira nos recorda de casos importantíssimos em que a ação popular foi

utilizada com desfecho positivo: “Por essa via impugnou-se a legitimidade

de atos administrativos relacionados com o aterro parcial da Lagoa

Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, para erguer-se prédio destinado ao

comércio, alegando-se que a consumação do plano desfiguraria local de

particular beleza paisagística; procurou-se impedir, em São Paulo, a

demolição de edifício de suposto valor histórico e artístico, em cujo lugar

se projetara erguer uma das estações do Metropolitano, e bem assim a

construção do aeroporto internacional, em nome da preservação de matas

naturais; combateu-se a instalação de quiosques, tapumes e toldos,

ordenados a atividades comerciais, sobre o gramado da principal praça da

estância hidromineral de Águas de Lindóia, área reservado ao repouso e à

recreação dos habitantes e dos turistas; impugnou-se ato que permitiu a

determinada associação carnavalesca a utilização de praça pública no Rio

de Janeiro, para fins privados e incompatíveis com o uso normal do

logradouro pela população”.29

Não se olvide que a intervenção do Ministério

Público na ação popular é obrigatória, na condição de fiscal da lei, sob

pena de nulidade do processo.

Assim, aguardamos ansiosos o dia em que a

coletividade se utilizará com maior freqüência deste instrumento, podendo

28 Evidentemente que a expressão não é utilizada no intuito de afirmar que o número de ações populares foi baixo, mas sim que foi ínfimo em face dos problemas ambientais existentes em nossa sociedade, do número de habitantes de nosso País, e quando comparado com o número de ações civis públicas propostas com o mesmo objetivo. 29 Temas de direito processual – Terceira série, p. 212.

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colaborar mais efetivamente para a manutenção do equilíbrio ecológico,

pois, afinal, é ela seu destinatário maior.

Bibliografia básica

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação popular – proteção do erário;

do patrimônio público; da moralidade administrativa e do meio

ambiente. 2.ed. São Paulo: RT, 1996.

O autor acima indicado é, sem sombra de dúvidas, um dos mais

estudiosos doutrinadores na esfera da defesa dos interesses difusos e

coletivos, sendo que a obra indicada é obrigatória no tema em análise.

Bibliografia complementar

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual –

Terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984.

VITTA, Heraldo Garcia. O meio ambiente e a ação popular. São Paulo:

Saraiva, 2000.

São obras interessantes, que trazem uma visão diferenciada a cerca da

ação popular, valendo a consulta.