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SIMP.TCC/Sem.IC. 2018(13); 678-696 FACULDADE ICESP / ISSN: 2595-4210 678 CURSO DE DIREITO A REVOGAÇÃO DO SURSIS PROCESSUAL no JECRIM E O PRINCÍPIO do NON BIS IN IDEM THE REPEAL OF THE PROCEDURAL SURSIS AT JECRIM AND THE PRINCIPLE OF NON BIS IN IDEM Denise Corrêa da Silva . Resumo: O sursis processual é um benefício, trazido pela Lei 9099/95 em seu art. 89 com o nome de Suspensão Condicional do Processo, e é oferecido para o réu, autor de crime cuja pena mínima seja de até 2 anos para que este, preenchendo alguns requisitos, possa evitar uma possível condenação ao realizar certas condições elencadas na referida lei, suspendendo assim o processo penal. Porém, quando ocorre a revogação deste benefício, o processo deixa de estar suspenso e volta a correr, sendo assim, caso ocorra a condenação final e ao réu seja imputada uma pena restritiva de direito, pode ser que essa pena seja a mesma que ele cumpriu no momento da sursis. Desta forma, entende-se que o que, outrora se apresentava como benefício, tornou-se, agora, uma punição e sendo assim, ocorreria, então, uma ilegalidade constitucional. Pois, responder pelo mesmo crime duas vezes fere o princípio do non bis in idem que diz: ninguém poderá ser punido duas vezes pelo mesmo crime. Sendo assim, o presente trabalho tem por objetivo pesquisar os aspectos legais e as consequências da revogação de uma condição de suspensão do processo à luz do princípio do non bis in idem. Palavras-chave: Artigo científico, Processo Penal, Sursis Processual, Revogação, Princípio do non bis in idem. Abstract: The procedural sursis is a benefit, brought by Law 9099/95 in its art. 89 named Conditional Process Suspension, and is offered to the defendant, crime author whose minimum penalty is up to two years for this by completing certain requirements, can avoid a possible conviction when performing certain conditions listed in the Law, thus suspending the criminal proceedings. But when the repeal of this benefit occurs, the process becomes suspended and back to run, so in the event of a final conviction and the defendant a restrictive penalty law is imputed, it may be that the penalty is the same as he fulfilled at the time of probation. Thus, it is understood that what formerly appeared as effective, has become now a penalty and thus, occur, then a constitutional illegality. Therefore answer for the same crime twice hurts the principle of non bis in idem that says no one can be punished twice for the same crime. Thus, this paper aims to research the legal aspects and consequences of any withdrawal of process of the condition precedent to the principle of non bis in idem. Keywords: Scientific article, Criminal Procedure, Sursis Procedure, Revocation, non bis in idem principle. EMAIL: [email protected] INTRODUÇÃO A lei 9099/95 dispõe ao ordenamento jurídico vários princípios processuais específicos ao rito simplificado e informal. Estes princípios visam informar todo o trâmite junto a estes juízos especiais, e que tem como objetivo simplificar o acesso ao Judiciário, assim como possibilitar informalidade e agilidade no 1 HALBRITTER, Luciana de Oliveira Leal. Os princípios da lei 9.099/55. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 12, n.45, p. 242-247. julgamento 1 . Perante isso, a Lei 9099/95 foi editada com o intuito de propor a despenalização e por conseguinte, a desestigmatização sofridas pelo infrator. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 98, inc. I, ao introduzir em nosso ordenamento jurídico o Juizado Especial Criminal, criou também a idéia de consenso no processo penal. Dispõe o referido artigo, in verbis: Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: Como citar esse artigo: Silva DC. A revogação do SURSIS processual no JECRIM e o princípio do NON BIS IDEM. Anais do 13 Simpósio de TCC e 6 Seminário de IC da Faculdade ICESP. 2018(13); 678-696

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CURSO DE DIREITO A REVOGAÇÃO DO SURSIS PROCESSUAL no

JECRIM E O PRINCÍPIO do NON BIS IN IDEM THE REPEAL OF THE PROCEDURAL SURSIS

AT JECRIM AND THE PRINCIPLE OF NON BIS

IN IDEM

Denise Corrêa da Silva .

Resumo: O sursis processual é um benefício, trazido pela Lei 9099/95 em seu art. 89 com o nome de

Suspensão Condicional do Processo, e é oferecido para o réu, autor de crime cuja pena mínima seja de até

2 anos para que este, preenchendo alguns requisitos, possa evitar uma possível condenação ao realizar certas

condições elencadas na referida lei, suspendendo assim o processo penal. Porém, quando ocorre a

revogação deste benefício, o processo deixa de estar suspenso e volta a correr, sendo assim, caso ocorra a

condenação final e ao réu seja imputada uma pena restritiva de direito, pode ser que essa pena seja a mesma

que ele cumpriu no momento da sursis. Desta forma, entende-se que o que, outrora se apresentava como

benefício, tornou-se, agora, uma punição e sendo assim, ocorreria, então, uma ilegalidade constitucional.

Pois, responder pelo mesmo crime duas vezes fere o princípio do non bis in idem que diz: ninguém poderá

ser punido duas vezes pelo mesmo crime. Sendo assim, o presente trabalho tem por objetivo pesquisar os

aspectos legais e as consequências da revogação de uma condição de suspensão do processo à luz do

princípio do non bis in idem. Palavras-chave: Artigo científico, Processo Penal, Sursis Processual, Revogação, Princípio do non bis in

idem. Abstract: The procedural sursis is a benefit, brought by Law 9099/95 in its art. 89 named Conditional

Process Suspension, and is offered to the defendant, crime author whose minimum penalty is up to two

years for this by completing certain requirements, can avoid a possible conviction when performing certain

conditions listed in the Law, thus suspending the criminal proceedings. But when the repeal of this benefit

occurs, the process becomes suspended and back to run, so in the event of a final conviction and the

defendant a restrictive penalty law is imputed, it may be that the penalty is the same as he fulfilled at the

time of probation. Thus, it is understood that what formerly appeared as effective, has become now a penalty

and thus, occur, then a constitutional illegality. Therefore answer for the same crime twice hurts the

principle of non bis in idem that says no one can be punished twice for the same crime. Thus, this paper

aims to research the legal aspects and consequences of any withdrawal of process of the condition precedent

to the principle of non bis in idem. Keywords: Scientific article, Criminal Procedure, Sursis Procedure, Revocation, non bis in idem principle.

EMAIL: [email protected]

INTRODUÇÃO A lei 9099/95 dispõe ao ordenamento

jurídico vários princípios processuais

específicos ao rito simplificado e

informal. Estes princípios visam

informar todo o trâmite junto a estes

juízos especiais, e que tem como

objetivo simplificar o acesso ao

Judiciário, assim como possibilitar

informalidade e agilidade no

1 HALBRITTER, Luciana de Oliveira Leal. Os

princípios da lei 9.099/55. EMERJ, Rio de

Janeiro, v. 12, n.45, p. 242-247.

julgamento1 . Perante isso, a Lei 9099/95

foi editada com o intuito de propor a

despenalização e por conseguinte, a

desestigmatização sofridas pelo infrator. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 98,

inc. I, ao introduzir em nosso ordenamento

jurídico o Juizado Especial Criminal, criou

também a idéia de consenso no processo penal.

Dispõe o referido artigo, in verbis: Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos

Territórios, e os Estados criarão:

Como citar esse artigo:

Silva DC. A revogação do SURSIS processual no JECRIM e o princípio do NON

BIS IDEM. Anais do 13 Simpósio de TCC e 6 Seminário de IC da Faculdade

ICESP. 2018(13); 678-696

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I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.2

A opção do constituinte, como aponta parte da doutrina, enquadra-se na tendência mundial de despenalização, valorizando-se as vias extrapenais como forma de solução de conflitos.

Com o instituto da Suspensão Condicional do Processo, passou-se a aplicar aos infratores de delitos, cuja pena mínima atribuída seja igual ou inferior a dois anos, uma espécie de benefício, o qual ocorre mediante o cumprimento de determinadas condições, objetivas e subjetivas elencadas no art. 89 da Lei 9099/95 e no art. 77 do Código Penal, artigo este que trata dos requisitos da Suspensão Condicional da Pena. A suspensão condicional do processo é um dos avançados institutos adotados pela Lei 9.099/95, que trouxe para o nosso país o modelo da Justiça Criminal Consensual. Diz o artigo 89, FDSXW, da Lei 9.099/95 que, nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). A suspensão condicional do processo é uma exceção à rígida concepção do princípio da legalidade processual, já que adota o princípio da oportunidade regrada pela lei e condicionada a uma decisão judicial. Por razões de conveniência, o Estado pode renunciar à

2 ANDRADA, Doorgal Gustavo Borges de. A suspensão condicional do processo penal. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 18. 3 CALHAU, Lélio Braga. Suspensão condicional do processo: STJ reforma entendimento que ampliava os limites do instituto. Disponível em: <Jus.uol.com.br>. Acesso em 24/06/2018, v. 23, 2008.

investigação, à instauração e ao julgamento de processos penais.3

Para entender como funciona o benefício, bem como o problema da pesquisa, será analisado o rol das condições de suspensão do processo em combinação com as características das penas restritivas de direito. Ainda, serão abordados alguns critérios, princípios e o respeito às garantias constitucionais aplicadas ao Direito Penal.

Por fim, também caberá verificar o âmbito da aplicação da detração penal. Tudo isso sob à luz do princípio penal internacional do non bis in idem. Princípio este que visa impedir que se puna mais de uma vez, a mesma pessoa, pelo mesmo crime. Ninguém pode expor-se, em tema de liberdade individual, à situação de duplo risco. Essa é a razão pela qual a existência de situação configuradora de ‘double jeopardy’ atua como insuperável causa obstativa do atendimento do pedido extrajudicional. Trata-se de garantia que tem por objetivo conferir efetividade ao postulado que veda o bis in idem. 4

Justifica-se a elaboração deste trabalho pois tal questão é de alcance erga omnes, sendo que caso esteja havendo uma ilegalidade neste instituto, muitas pessoas podem estar sendo prejudicadas quando punidas duas vezes pelo mesmo crime, o que é inaceitável em nosso ordenamento jurídico. É importante salientar, que os princípios implícitos são tão importantes quanto os explícitos e constituem, como estes, verdadeiras normas jurídicas (normas e princípios), até porque não há uma hierarquia entre princípios e, ainda, a aplicação de um não exclui a aplicação de outro. Por isso, desconhecê-los é tão grave

4 BRAGA, Sérgio Jacob. Direito e ficção:. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1215, 29 out. 2006. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/9099>.Acessado em: 24/06/2018.

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quanto desconsiderar quaisquer outros princípios.5

Diante disso, várias leis e princípios do direito Brasileiro deverão ser analisados para que se possa concluir se há ou não ilegalidade na aplicação do sursis processual.

A hipótese levantada é que se, caso um indivíduo seja condenado a uma pena restritiva de direito após cumprir parte da sursis estará sendo violado o princípio do non bis in idem?

Caso essa pergunta seja respondida de forma positiva, o dispositivo que trata da aplicação da suspensão condicional do processo deverá ser reelaborado, para que não haja a inobservância de princípios constitucionais não só nacionais, como também internacionais e assim, proteger a dignidade da pessoa humana e a segurança jurídica tão importante para a paz social.

Sob este prisma questiona-se: Quais as consequências jurídicas da revogação da suspensão condicional do processo analisada com o enfoque de pena restritiva de direito, em detrimento ao princípio do non bis in idem?

Ao ser estudada, a lei 9.099/95, que versa sobre os Juizados Especiais, percebe-se que há uma desarmonia quanto à questão da condenação do réu após a revogação de uma condição de suspensão do processo e a possível ilegalidade presente neste contexto, já que o tempo cumprido do outrora benefício não seria computado na pena aplicada após a condenação. Assim, o réu estaria sendo “penalizado duas vezes pelo mesmo crime”.

Ser penalizado mais de uma vez pelo mesmo crime é vedado no ordenamento jurídico não só brasileiro, como também, internacional. Entende-se que se a pessoa for punida novamente, estará

5 DOS SANTOS, Maurício Macêdo; SEGA, Viviane Amaral. Sobrevivência do

caracterizando-se uma espécie de tortura imotivada.

Desta forma, o princípio da dignidade da pessoa humana e a segurança jurídica estariam sendo desrespeitados, fato que não é admissível no Direito Penal.

A natureza jurídica do dispositivo despenalizador que a Lei 9099/95 trouxe em seu art. 89 é de benefício, porém quando verificado o seu rol de possíveis condições, percebe-se que alguns direitos do réu podem ser restringidos. Assim, a natureza jurídica teórica, seria diferente da natureza da aplicação da norma. Portanto, o presente trabalho visa analisar essa importante questão jurídica, levando em consideração os aspectos já mencionados.

Como objetivo, procurou-se pesquisar os aspectos legais e as consequências da revogação de uma condição de suspensão do processo à luz do princípio do non bis in idem. Assim como verificar se o caráter de benefício do instituto da suspensão condicional do processo, formalmente previsto na Lei dos Juizados Especiais, deve ou não ter sua aplicação reavaliada, já que o rol de condições elencados no art. 89 da referida Lei traz algumas medidas restritivas como “opções” de condições que poderão ser oferecidas ao réu, pois, quando ocorre sua revogação, o processo deixa de estar suspenso e volta a tramitar, sendo assim, caso ocorra a condenação final e ao réu seja imputada uma pena restritiva de direito, pode ser que essa pena seja a mesma que ele cumpriu no momento da sursis.

Desta forma, entende-se que o que outrora se apresentava como benefício, tornou-se, agora, uma punição e sendo assim, ocorreria, então, uma ilegalidade constitucional. Pois, responder pelo mesmo crime duas vezes fere o princípio

princípio da insignificância diante das disposições da Lei 9099/95.

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do non bis in idem que traz a ideia de que ninguém poderá ser punido duas vezes pelo mesmo crime, como mencionado anteriormente.

Tendo em vista o grau de importância do assunto, a decisão foi de seguir por objetivos específicos para se alcançar uma melhor organização e desenvolvimento desta pesquisa, quais sejam: 1- Interpretar o rol exemplificativo das condições elencadas no artigo 89 da lei 9099/95 e sua revogação; 2- Identificar a relação e as diferenças das condições de suspensão do processo com as penas restritivas de direito; 3- Estudar a detração penal em relação ao sursis processual revogado e às penas restritivas de direito; 4- Evidenciar a ocorrência da inobservância ao princípio do non bis in idem quando aplicada uma pena restritiva de direito como condição de suspensão do processo e 5- Reconhecer a ilegalidade na aplicação de uma pena restritiva de direito no momento de aplicação de uma condição de suspensão do processo.

A metodologia aplicada, essencialmente, à esta pesquisa científica é de cunho qualitativo. Utilizando-se como fontes a pesquisa bibliográfica. Ademais, tendo em vista a especificidade do assunto, diversas doutrinas e julgados, bem como artigos científicos oriundos da rede mundial de computadores (Internet) serviram de base para o desenvolvimento desta pesquisa.

A pesquisa qualitativa é aquela que exige um conhecimento aprofundado do pesquisador, tendo em vista que este precisa conhecer o assunto de maneira profunda para dele poder discorrer.

6 NEVES, Luis José. Pesquisa Qualitativa:

características, usos e possibilidades. Caderno

Acerca da pesquisa qualitativa, preceitua NEVES apud MAANEN6 que: A expressão ‘pesquisa qualitativa’ assume diferentes significados no campo das ciências sociais. Compreende um estudo de diferentes técnicas interpretativas que visam a descrever e decodificar os componentes de um sistema complexo de significados. Tem por objetivo traduzir e expressar os sentidos do fenômeno social; trata-se de reduzir a distância entre o indicador e o indicado, entre teoria e dados, entre contexto e ação.

Esta pesquisa tem um caráter, também, exploratório trazendo o entendimento de vários doutrinadores brasileiros com referência ao tema, extraindo suas opiniões de forma a tentar entender as causas ensejadoras do problema aduzido bem como suas peculiaridades.

Diante do tema proposto, o método que mais se adapta à sua explicação é o estudo jurisprudencial, doutrinário e normativo, uma vez que é exatamente neste ponto a maior controvérsia apresentada no presente tema.

Para melhor esclarecer os conceitos aqui abordados, obras de autores renomados e de entendimento já estabilizado foram utilizadas para embasar as premissas contextuais a serem tratadas na pesquisa.

2. A SURSIS PROCESSUAL

Antes da criação da Lei 9099/95, o modelo político-criminal brasileiro sustentava a necessidade do aumento das penas, novas tipificações e o endurecimento da execução penal. Já hoje, desenvolveu-se um consenso de que delitos de menor potencial ofensivo possam ser mais rapidamente reparados através de uma desburocratização da justiça criminal e a satisfação da vítima desses pequenos delitos.

de Pesquisa em Administração. São Paulo, v.1, n.3, 2° sem,1992, p. 01.

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Entende-se assim, que toda a sociedade é beneficiada por este novo prisma penal, pois, na medida que ocorre a descarcerização, a despenalização e uma resposta rápida estatal aos danos sofridos pela vítima, evita-se também a prescrição de crimes que outrora recebiam a atenção relegada a segundo plano. Desta forma, viabiliza uma melhor ressocialização do autor do fato, bem como evita sua estigmatização.

2.1 Pena e espécies De acordo com o artigo 1º da Lei de

Introdução do Código Penal Brasileiro, toda a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, isoladamente ou em conjunto com a pena de multa é considerada crime e, da mesma forma, estabelece o conceito de contravenção como sendo a infração penal a qual a lei comina pena de prisão simples ou multa, em conjunto ou alternativamente.

Desta forma, o artigo 32 do Código Penal prevê três modalidades de pena, quais sejam: privativa de liberdade; restritiva de direitos; multa. Onde as penas privativas de liberdade, previstas legalmente, são a detenção e a reclusão relativas a crimes, bem como, segundo a Lei de Contravenções Penais (Lei n. 3.688, de 1941) a prisão simples inerente à estas. Na visão de Masson: As penas privativas de liberdade são aquelas que têm como objetivo privar o condenado do seu direito de locomoção (ir e vir) recolhendo-o à prisão por tempo determinado.7

A segunda modalidade de pena, as chamadas penas restritivas de direito, segundo o artigo 43 da Lei n. 9.714, de 1998, podem ser: prestação pecuniária; perda de bens; prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;

7 MASSON, Cleber. Direito Penal- Parte Geral-

Vol 1. São Paulo: Método, 2010, p. 204.

interdição temporária de direitos; limitação de fins de semana.

Elas são comumente chamadas de penas alternativas, e possuem o objetivo de evitar uma imposição de uma pena privativa de liberdade, em determinados casos indicados em lei. Tais casos referem-se a pessoas com condições pessoais favoráveis e envolvidas na prática de infrações penais de reduzida gravidade.

Esta modalidade de pena possui duas características: a substitutividade e a autonomia, pois primeiro é aplicada uma pena privativa de liberdade para, depois, haver uma permuta por uma das modalidades restritivas de direito previstas em lei, sendo que uma vez substituída, não podem ser cumuladas com a pena privativa de liberdade. Segundo leciona Rogério Grecco: Se a pena é um mal necessário, devemos, num Estado Social e Democrático de Direito, buscar aquela que seja suficientemente forte para a proteção dos bens jurídicos essenciais, mas que, por outro lado, não atinja de forma brutal a dignidade da pessoa humana.8

Percebe-se assim, que as penas restritivas de direito possuem uma proposta de imposição penal menos cruel e mais respeitadora dos direitos e garantias fundamentais.

Por fim, a terceira modalidade de pena é a multa penal que finda no pagamento ao fundo penitenciário da quantia que fora fixada na sentença, possui natureza pecuniária, é calculada considerando o quesito dias-multa, podendo variar entre um mínimo de 10 (dez) dias e o máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

O Código Penal, em seu artigo 59, é categórico ao afirmar que as penas devem ser necessárias e suficientes à reprovação e prevenção do crime, ou seja, que a pena aplicada esteja

8 GRECO, Rogério. Curso de Direito

Penal – Parte Geral. Niterói: Impetus, 2010, p. 530.

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balanceada e harmonizada como um resultado justo entre o mal praticado, a conduta realizada pelo agente e a prevenção de futuras infrações penais, sem, contudo, ofender os direitos de personalidade e a dignidade humana do condenado. Princípio brasileiro da Lei Penal.

Sendo assim, o Código Penal Brasileiro escolheu por adotar a teoria mista da pena, e na parte final do artigo 59 conjuga a necessidade de reprovação com a prevenção do crime, fazendo, assim, a união das teorias antes aplicadas. Nas palavras de Cleber Masson: A pena deve, simultaneamente, castigar o condenado pelo mal praticado e evitar a pratica de novos crimes, tanto em relação ao criminoso como no tocante a sociedade. Em síntese, fundem-se as teorias e finalidades anteriores. A pena assume um tríplice aspecto: retribuição, prevenção específica e prevenção geral.9

Entendendo que a teoria absoluta visa punir, e a relativa tem por objetivo prevenir e ressocializar, Mirabete faz a seguinte referência à teoria mista: Já para as teorias mistas (ecléticas) fundiram-se as duas correntes. Passou-se a entender a pena, por sua natureza, é retributiva, tem seu aspecto moral, mas sua finalidade é não só a prevenção, mas também um misto de educação e correção.10

Desta forma, a teoria mista possui o objetivo tanto de punir quanto de prevenir novas condutas delituosas. Isto ocorre por ela ser a junção de ambas teorias (absoluta e relativa).

O Direito Penal tem como premissa que seja aplicada uma pena adequada ao resultado cometido pelo agente da infração, recorrendo sempre ao princípio da proporcionalidade no momento de sua imposição. Tal premissa surge como uma garantia a todos os cidadãos, tanto para a sociedade/vítima de que o infrator será responsabilizado pelo ato ilícito

9 MASSON, Cleber. Op. Cit., p. 329. 10 MIRABETE, Julio Fabbrini e FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal – parte geral arts. 1° a 120 do CP. 26° Edição. Volume 1. São Paulo: Atlas, 2010, p. 231.

cometido, quanto para o próprio delinquente, que deverá ser reeducado e recolocado no convívio social. De forma geral, surge para que não seja confundida a tênue linha que separa a liberdade da impunidade.

Buscando abarcar os objetivos de repressão e prevenção, desenvolve-se a ideia de prevenir o crime de maneira geral e especial de forma a não mais ferir a dignidade humana. Assim, disserta Cesare Beccaria em seu livro Dos Delitos e das Penas: É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males da vida.11

Tal discussão foi tema de muitas observações que mostraram que o preso ao voltar à vida social normalmente voltava a delinquir, entendeu-se necessário adequar o condenado ao seu retorno à sociedade.

No atual ordenamento jurídico brasileiro, a função ressocializadora da pena pode ser observada através da concessão progressiva de privilégios ou liberdades e trabalhos sociais, para que o criminoso possa, aos poucos, readquirindo a confiança do Estado e da sociedade, assegurando, mediante sua conduta, que está apto ao convívio social novamente.

Para que essa situação seja modificada, é preciso que a sociedade desmistifique essa ideia de pena como castigo. Nesta atuação, o Estado possui papel fundamental, mostrando à sociedade que existe uma função social da pena, qual seja a reeducação e reinserção do preso na sociedade, não

11 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. 13. ed., Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, p. 125.

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mais a mera punição física e psicológica do condenado. Um dos primeiros passos perfaz a compreensão acerca das penas alternativas e as medidas os benefícios que são oferecidos ao autor do delito em busca da descarcerização e consequentemente, da desestigmatização do condenado.

2.2 O estigma (Labeling Approuch)

Ao longo da história da criminologia, três teorias surgiram com o fim de buscar uma melhor definição do que viria a ser conceituado e entendido como crime e criminoso. A Teoria do Labelling Approach, também conhecida como “Teoria do Etiquetamento Social” relaciona-se à fase de transição entre a criminologia clássica e a crítica, pois rompe com o modelo anterior (clássico), porém ainda não se equivale em todo ao modelo posterior, marxista.

Ela é uma teoria que traz uma ideia diferenciada acerca do objeto de estudo da criminologia clássica, uma vez que abandona o estudo etiológico do crime e do criminoso e passa a estudar como as formas de controle social baseiam tais conceitos.

Essa perspectiva etiológica, ou clássica, teve com o multifacetado (psiquiatra, higienista, criminologista e cientista social) Cesare Lombroso, seu maior expoente. Lombroso desenvolveu uma “técnica” de rotulação do perfil genético a partir das características fenotípicas de um criminoso nato. Desta forma, criou-se um padrão. Caso a pessoa apresentasse tais características, ela seria criminosa. Não é difícil imaginar que essa prévia definição de uma suposta futura conduta de alguém acabava por delimitar sua liberdade em

12 LISZT, Franz Von. Tratado de Direito Penal

Alemão. Trad. José Higino Duarte Pereira. Tomo I e II. Campinas: Russell Editores, 2003, p. 58.

agir diferente do padrão estipulado. Não tardou para que os degenerados fossem relacionados com todo tipo de indivíduo indesejável: os miseráveis, feios, vadios e, inclusive, os tatuados. A este respeito, são ilustrativas as palavras de Von Liszt: Assim como um membro doente envenena todo o organismo, o câncer cada vez mais rapidamente crescente dos delinqüentes habituais, penetra em nossa vida social (...). Trata-se de um membro, mas do mais importante e perigoso, nessa cadeia de fenômenos sociais patológicos que costumamos chamar com o nome genérico de proletariado. Mendigos e vagabundos, prostituídos de ambos os sexos e alcoólatras, vigaristas e gente licenciosa, no sentido mais amplo da palavra, degenerados psíquicos e físicos. Todos eles formam um exército de inimigos básicos da ordem social, do qual os delinqüentes habituais compõem o seu Estado Maior.12

Já na teoria do Labeling Approuch, como esclarece o sociólogo Alessandro Baratta, não existe uma conduta naturalmente delitiva e nem uma pessoa criminosa nata. Os conceitos de crime e criminoso são estudados a partir do prisma social em que estão inseridos, e essencialmente correlatos aos usos, costumes, praxes, práticas e valores de uma sociedade e do sistema penal que a rege, sendo que são esses tais institutos que criam os verdadeiros labels (rótulos/etiquetas) que passam a definir determinadas condutas como criminosas ou desviantes.

Sendo assim, as condutas entendidas como desviantes e as suas consequências são definidas e regidas pelo próprio ordenamento a que estão inseridas, por meio do exercício do controle social, seja este formal ou informal, sem que haja, como na teoria de Lombroso, critérios pré-estabelecidos de criminalização.

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A teoria criminológica crítica, origina-se na base teórica de Karl Marx que trata o direito como instrumento de dominação de classes. Karl Marx afirma que a sociedade vive: “uma guerra ininterrupta entre homens livres e escravos, patrícios e plebeus, burgueses e operários, enfim, entre dominantes e dominados”.13

É nessa linha que o professor

Roberto Aguiar afirma que a legislação segue a ideologia daqueles que a legislam: As normas jurídicas e os ordenamentos jurídicos, como todos os atos normativos editados pelo poder de um dado Estado, traduzem de forma explícita, seja em seu conteúdo, seja pelas práticas que o sustentam, as características, interesses, e ideologia dos grupos que legislam.14

A forma como o direito Penal Brasileiro trata as questões patrimoniais e, por assim dizer, as humanas, demonstra que a legislação brasileira atribui maior proteção ao patrimônio particular do que a integridade física de uma pessoa. É de se perceber, portanto, a manutenção da teoria criminológica crítica no cerne da criação das leis brasileiras.

Existem exemplos que fortalecem tal teoria e que podem ser observados no Código Penal Brasileiro. Ao fazer uma análise comparativa entre as penas dos crimes de furto e de lesão corporal, por exemplo, pode-se perceber que a pena máxima da lesão corporal (3 meses a um ano) equivale a pena mínima do crime de furto (1 a 4 anos).

13 MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Coleção a obra-prima de cada autor. Tradução de Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2000, p. 45. 14AGUIAR, Roberto A. R. O que é Justiça: uma Abordagem dialética. 5 ed. São Paulo: Alfa-ômega, 1999, p. 115.

Outro exemplo desta discrepância está na Lei 9.249/95 que prevê a extinção da punibilidade em crimes contra o sistema tributário caso o bem furtado seja devolvido antes da acusação pelo Ministério Público: Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.

Tal extinção da punibilidade não irá ocorrer, caso um miserável furte um pequeno valor de algum particular, se arrependa e devolva, isso é tido como arrependimento posterior, havendo apenas redução de 1/3 a 2/3 da pena, conforme o Art. 16 do Código Penal, vejamos: Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

Fomentando as formas como a teoria crítica age, o professor Nilo Batista defende que o capitalismo “recorreu ao sistema penal para duas operações essenciais: 1ª. Garantir a mão-de-obra; 2ª impedir a cessão do trabalho”.15

Tais teorias criminológicas passam por processos que foram caracterizados como primários, secundários e terciários.

As características de criminalização primária demonstram que o crime é uma escolha legislativa ao serem elaboradas Leis que irão definir os conceitos de crime e criminoso.

Nessa linha, o professor Sandro Sell afirma que a criminalização primária ocorre na medida que o legislador demonstra intolerância ao criar Leis

15 BATISTA, Nilo. Punidos e Mal Pagos – Violência, Justiça, Segurança Pública e Direito Humanos No Brasil de Hoje, Editora Revan, 1990, p. 35.

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desproporcionais somente as condutas dos mais pobres, vejamos: Ao criar leis, portanto, há um processo de criminalização primária, resultante da intolerância legislativa com a conduta dos mais pobres. Quando falamos de criminalização primária, falamos, em síntese, de duas coisas: a) O crime não é uma realidade natural, descoberta e declarada pelo Direito, mas uma invenção do legislador, algo é crime não necessariamente porque represente um conduta socialmente intolerável, mas porque os legisladores desejaram que assim fosse; b) E essa invenção segue critérios de preferência legislativa, cujos balizamentos não costumam respeitar princípios de razoabilidade ou proporcionalidade, gerando leis penais duríssimas contra as condutas dos mais pobres e rarefeitas em se tratando de crimes típicos dos estratos sociais elevados.16

Já a criminalização secundária se dá pela ação dos aparelhos de repressão do Estado, onde a aplicação da Lei utiliza de estigmas para fomentar sua atuação no combate ao crime. Na segunda distorção, chamada de criminalização secundária, entram em ação os órgãos de controle social (polícia, judiciário, imprensa etc.) que, ao investigarem prioritariamente os portadores de maior índice de marginalização, acharão – por óbvio – um maior número de condutas criminosas entre eles. Se mais vezes os pobres são tidos como suspeitos, se condições como possuir emprego e residência fixa influenciam nos rumos do processo penal, se muitos dos advogados que defendem os mais pobres chegam tarde às audiências e demonstram pouco interesse nessas causas, se não ter um modelo familiar idêntico ao das classes de onde provêm os juízes e seus auxiliares facilita, sobremaneira, o rótulo de" proveniente de família desestruturada ", se ter um passado tortuoso é capaz de suprir a ausência de provas na presente acusação, então, não há outra saída: os marginalizados serão facilmente convertidos em marginais. A etiqueta penal lhes aderirá à pele, e dela jamais sairá.17

A criminalização terciária ou interacionismo simbólico, utiliza os aparelhos ideológicos do Estado para criar estigmas que vão desde o mercado

16 SELL, Sandro César. A etiqueta do crime. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1507, 17 ago. 2007. Disponível em <http://jus.com.br/artigos/10290> Acesso em: 25/06/2018.

de trabalho até o próprio sistema penitenciário que rotula o indivíduo em seu interno.

Enquanto a criminologia clássica tinha como premissa o estudo do desvio primário, que disserta sobre a conduta que levou o agente a praticar um primeiro delito e a criminalização primária (standards de condutas que levam à tipificação delitiva), o labelling approach se debruça sobre os desvios secundários (as reações de controle que agem sobre o sujeito que pratica novo delito, rotulado como criminoso) e as criminalizações secundária (imputação do label de criminoso ao sujeito que comete o desvio) e terciária (manutenção do label no sujeito, impossibilitando sua recuperação). Desta forma, entende-se que as instâncias de controle acabam por tornar-se, per si, criminógenas, fomentando a prática de desvios secundários ante a retribuição e a rotulação dada ao sujeito desviante.18

A forma com que a sociedade age ao estigmatizar uma pessoa e afastá-la da harmonia com os demais entes da sociedade pode ser fracionada em sete etapas: 1. Criminalização primária; 2. Resposta ritualizada e estigmatização; 3. Distância social de oportunidades; 4. Surgimento de uma subcultura delinquente com reflexo na autoimagem; 5. Estigma decorrente da Institucionalização; 6. Carreira criminal; e 7. Criminalização secundária.

Esse ciclo finaliza com a resposta estatal em manter as ideias de criminalização secundária e terciária, pois, estabelecidos os rótulos, torna-se intrínseca ao agente a característica criminosa.

É neste momento que a teoria do labelling approach age buscando

17 Idem, ibidem. 18 Idem, ibidem.

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evitar a rotulação advinda dos desvios secundários, possibilitando com isso uma possível a reintegração do condenado à sociedade, o seu desencarceramento, a proibição da degradação da imagem do sujeito através da mídia, da sociedade, do cárcere e do próprio processo penal; e a manutenção da identidade do condenado, evitando o prejuízo de sua auto-imagem com o rótulo de criminoso.

Como avanço social, medidas despenalizantes vieram a trazer maior equidade na busca pela justiça social e por conseguinte, a desestigmatização do agente infrator perante a sociedade.

2.3 Medidas Despenalizantes A lei 9.099/95 traz em seu corpo uma

inovação no ordenamento jurídico pátrio, pois foi desenvolvida a partir de uma jurisdição consensual, isto é, fundamentada no acordo de vontades, diminuindo, assim, o enfoque na jurisdição de conflito.

Seu enfoque está também na reparação do dano, pois busca-se atingir todos os fins da pena embarcando elementos do direito civil e do direito penal. Possui, assim, uma característica ressocializadora que visa impedir que o autor de um pequeno delito venha a se “profissionalizar” e chegar a delitos maiores. Entende-se que a descarcerização ajude nesse viés.

A lei em comento trouxe três institutos despenalizadores, quais sejam: a composição civil, a transação penal e a suspensão condicional do processo, que recaem primordialmente nos delitos de menor potencial ofensivo, isto é, contravenções penais e crimes que a lei comine pena máxima não superior a dois anos (art.61 da Lei 9.099/95). Elas ocorrem em fase preliminar ao processo do Juizado Especial Criminal (JECRIM), quando ainda não há o processo

instaurado, portanto, neste momento ainda não se fala em “réu” e “vítima”, mas sim em “suposto autor do delito” e “suposta vítima”.

Nestes institutos, o acordo entre as partes é o principal mecanismo de alcance da paz social, trazendo a reparação voluntária dos danos sofridos pela vítima, a aplicação de pena não privativa de liberdade e, se possível, o não prosseguimento com uma ação penal. Desta forma, o princípio da intervenção mínima, um dos vetores da lei dos juizados criminais, é atendido.

2.3.1 Composição Civil dos Danos

Esta medida despenalizadora traz um novo enfoque. Agora, na vítima, ao invés da tradicional ênfase no ofensor. Aproximando assim, o Direito Penal da realidade social, cujo o interesse muitas vezes está na reparação integral do dano e não tão somente na punição.

A suposta vítima, neste momento, tem o poder de aceitar a composição que está sendo oferecida a ela ou manter a queixa ora realizada. Como na composição civil dos danos estão em voga interesses patrimoniais e, portanto, de natureza disponível, rescinde-se, assim, da participação do Ministério Público, salvo se envolver interesse de incapazes. Ela é conduzida por magistrado ou conciliador, sob a sua orientação.

A composição dos danos civis poderá ser feita em crimes de ação penal de iniciativa privada e de ação penal pública condicionada à representação, sendo que, em relação à ação penal de iniciativa privada, o acordo celebrado e homologado tem como consequência a renúncia ao direito de queixa, acarretando a extinção da punibilidade, nos termos do art.107, V, do Código Penal. O acordo é formalizado em ata e registrado em cartório tornando-se assim, título executivo passível de ação

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de execução caso o acordo ali registrado não venha a ser cumprido.

Caso o ofendido, ou “suposta vítima” não tenha interesse no acordo, o processo continuará normalmente no termos do art. 75 da lei: Não obtida a composição dos danos civis, será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzida a termo. Parágrafo único. O não oferecimento da representação na audiência preliminar não implica decadência do direito, que poderá ser exercido no prazo previsto em Lei.2

Assim, poderá a vítima ou seu representante, de imediato, exercer, verbalmente e, por conseguinte, reduzir a termo, a representação contra o suposto autor dos fatos.

2.3.2. Transação Penal Em alguns casos específicos, após

infrutífera a tentativa de acordo mediante a composição civil, um novo acordo poderá pactuado, agora, entre o Ministério Público ou querelante nos crimes de ação privada e o agente infrator, através do qual é proposta a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, fazendo com que não ocorra a instauração do processo.

Para aplicação da transação penal é preciso: a) tratar-se de infração de menor potencial ofensivo; b) não ser caso de arquivamento do termo circunstanciado; c) não ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva; d) antecedentes, conduta social, personalidade do agente, bem como os motivos e circunstâncias do delito favoráveis ao agente; e) crime de ação penal pública incondicionada, de ação penal pública condicionada à representação e de ação penal privada.

2.3.3. Suspensão

Condicional do Processo

Nos delitos cuja pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá apresentar proposta de suspensão do processo por dois a quatro anos, condicionada ao cumprimento de uma série de condições, quais sejam: a) reparação do dano, salvo a impossibilidade de fazê-lo; b) proibição de frequentar determinados lugares; c) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; d) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades; e) não instauração de outro processo em virtude da prática de crime ou de contravenção penal; f) outras condições, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.

A suspensão será revogada, obrigatoriamente, em caso de novo processo por crime ou não reparação injustificada do dano, e facultativamente em caso de processo por contravenção ou descumprimento das condições (art. 89, §§ 3º e 4º, Lei 9.099/95).

Com a revogação retoma-se o curso do processo. Vencido o período de prova sem revogação do benefício extingue-se a punibilidade. 2.4 Non Bis in Idem

O princípio non bis in idem, ne bis in idem ou o princípio da vedação à dupla incriminação compreende os princípios fundamentais do direito penal nacional e internacional. Ele pressupõe que uma pessoa não possa ser processada, julgada e condenada mais de uma vez pela mesma conduta. O princípio ne bis in idem, que vem do direito romano e faz parte da tradição democrática do direito penal, nada mais é do que corolário do ideal de justiça, uma vez que determina que

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jamais alguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato.19

Tal princípio está em acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, norma portanto validada pela Constituição Federal Brasileira de 88. Mascarenhas aponta que: É certo que a Constituição Federal de 1988, ao estatuir a garantia da coisa julgada (art. 5º, XXXVI) procurou assegurar a economia e certeza jurídica das decisões judiciais transitadas em julgado, servindo, em outro giro, como fundamento do princípio “ne bis in idem”, em seu aspecto processual. Por outro lado, o princípio da legalidade, insculpido na Carta Magna, em seu artigo 5º, XXXIX, serve de base ao aspecto substancial do princípio “ne bis in idem”, concretizando os valores da justiça e certeza a ele inerentes.20

No Direito Penal, este princípio resguarda a garantia de vedação ao jus puniendi estatal, bem como assegura a valorização da pessoa humana, visando garantir os direitos inerentes à condição humana. O princípio ne bis in idem ou non bis in idem constitui infranqueável limite ao poder punitivo do Estado, Através dele procura-se impedir mais de uma punição individual – compreendendo tanto a pena como o agravante – pelo mesmo fato (a dupla punição pelo mesmo fato).21

Este princípio não se encontra expressamente previsto no ordenamento jurídico brasileiro, de modo que é analisado pela doutrina. Tal princípio não está consolidado expressamente em preceito constitucional (se comparado com o modelo constitucional alemão, que o prevê expressamente 3). Porém, o próprio Supremo Tribunal Federal, em decisão do Pleno, cujo acórdão é da lavra do Ministro Ilmar Galvão, ressaltou que: “A

19 SILVA, Pablo Rodrigo Alflen da. Inconstitucionalidade do art. 40, inciso VII, da lei de drogas por inobservância ao ne bis in idem e violação à proibição de excesso. BDJur, Brasília, DF, 29 jul. 2009.[on line] Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/23186/Inconstitucionalidade_art.40.pdf?sequence=1>, Acessado em 26/06/18. 20 MASCARENHAS, Marcella Alves. O Princípio “Ne Bis In Idem” nos Âmbitos Material e Processual sob o Ponto de Vista do Direito Penal Interno. Revista de direito da

incorporação do princípio do ne bis in idem ao ordenamento jurídico pátrio, ainda que sem o caráter de preceito constitucional, vem, na realidade, complementar o rol dos direitos e garantias individuais já previsto pela Constituição Federal, cuja interpretação sistemática leva à conclusão de que a Lei Maior impõe a prevalência do direito à liberdade em detrimento do dever de acusar.22

Sendo assim, o princípio non bis in idem incide tanto no âmbito processual quanto no âmbito material. Sobre o tema, afirma MASCARENHAS: No tocante ao enfoque material, o instituto encontra fundamento nos valores da justiça e certeza das decisões, privilegiando o status de inocência, e se manifesta através da extraterritorialidade e do princípio da legalidade. Quanto ao aspecto processual, o princípio se baseia, mormente, em questões de ordem prática, quais sejam, economia e certeza com a finalidade de se evitar a eternização das demandas, manifestando-se na garantia da coisa julgada e no instituto da litispendência. Vale ressaltar que, no primeiro caso, o princípio possui caráter absoluto, e no segundo, possui caráter relativo.23

Fundada no princípio do No Bis In Idem, tendo a função de limitar a atuação do poder punitivo estatal, agindo, de forma direta, na defesa de direitos e garantias individuais, no processo penal, há o instituto da detração penal que irá garantir que o tempo já cumprido pelo agente que cometeu aquela conduta será computado ao final para ser decrescido o tempo restante de cumprimento da pena. Desta forma, configura-se num mecanismo que surgiu para assegurar que o agente da infração não cumprirá a mesma pena pelo mesmo delito

unigranrio. Volume 2 – Número 2 – 2009. [on line]. Disponível em<http://publicacoes.unigranrio.edu.br>, Acessado em 26/06/2018. 21 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, volume 1, parte geral arts. 1º a 120. 8ª ed. Rev., atual. E ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. – (Curso de Direito Penal Brasileiro; V1), p. 148. 22 Idem, ibidem 23 MASCARENHAS, Marcella Alves, Op. Cit., p.02.

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novamente. O professor NAGIMA relaciona a detração ao poder punitivo do Estado: A detração visa impedir que o Estado abuse de poder-dever de punir, sujeitando o responsável pelo fato punível a uma fração desnecessária da pena sempre que houver a perda da liberdade ou a internação em etapas anteriores à sentença condenatória.24

3. REVOGAÇÃO DO SURSIS PROCESSUAL E A CONDENAÇÃO À PENA RESTRITIVA DE DIREITOS

Consta expressamente do § 3º do artigo 89 da Lei 9099/95 que “A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano”. Entende-se assim que caso o suposto autor do delito venha a ser processado por outro crime ou não cumprir com as condições da sursis, ele terá revogado seu benefício e assim, o processo criminal irá tramitar.

Neste cenário de continuidade do curso processual, caso o réu venha a ser condenado à uma pena restritiva de direito, ele cumprirá a mesma medida anteriormente imposta quando o benefício de suspensão condicional do processo estava em curso.

Uma questão deve ser entendida para poder ser feita tal conclusão. Em relação à reincidência penal, deve-se estar claro que não atende ao caso específico do discutido neste artigo. Pois, aqui, trata-se do mesmo crime, que após a revogação de uma sursis processual parcialmente cumprida venha a condenar o réu à uma pena restritiva de direito.

3.1 Processamento e

Revogação

24 NAGIMA, Irving Marc Shikasho. Da detração penal. Revista Jus Navigandi, dez. 2004. [on line] Disponível

Quanto à revogabilidade da suspensão condicional do processo, a Lei nº 9.099/95 estabeleceu que: Art. 89. [...] §3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano. §4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta. §5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.

As causas de revogação da suspensão condicional do processo estão previstas no art. 89, §§ 3º e 4º, da Lei nº 9.099/1995, sendo que as previstas no primeiro dispositivo são causas de revogação obrigatória, ao passo que as que constam no segundo seriam causas de revogação facultativa. O art. 89, § 3º, acima apontado, estabelece que “a suspensão será revogada se, no curso do processo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano”.

No que tange ao fato de o acusado vir a ser processado, como já se assinalou ao tratar dos requisitos para a suspensão, entende-se tratar de norma inconstitucional, visto que ofende o princípio da presunção de inocência. Somente a condenação transitada em julgado seria causa apta para a revogação da suspensão concedida.

Quanto à reparação do dano, também já se assinalou que ela só seria cabível nos delitos de dano nos quais ele tenha efetivamente se configurado. Já que desta forma, ela de nada diferirá de uma pena de reparação de danos.

Deve-se ressaltar ainda, no que tange às causas ditas obrigatórias, que, embora obrigatória, a revogação não deve ser automática, ou seja, deve ser submetida

em: <http://jus.com.br/revista/texto/9560/da-detracao-penal>. Acessado em 26/06/18.

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ao contraditório, sendo imperativo ouvir o acusado, e a decisão no sentido da revogação deve estar devidamente fundamentada, atendendo à garantia da motivação das decisões judiciais, estudada no Capítulo 1, e prevista no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal.

As causas facultativas constam no art. 89, § 4º, da Lei n° 9.099/1995, que dispõe: “a suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado no curso do prazo por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta”.

No que se refere à primeira causa, aplicam-se inteiramente os comentários dispensados à hipótese de o acusado que vem ser processado por outro crime e isso constituir causa obrigatória de revogação, ou seja, somente a condenação definitiva por contravenção penal poderá ser avaliada pelo juiz como causa facultativa para a revogação da suspensão; necessidade de cumprimento

integral dos compromissos assumidos para a extinção da punibilidade; decurso

do período de prova sem revogação expressa.

A revogação, portanto, deve orientar-se pelos princípios da ampla defesa e do contraditório, como também, pelo princípio do non bis in idem.

3.2 Infringência ao princípio Non Bis in Idem e a detração penal

O princípio processual do non bis in idem traduz a ideia de que nenhuma pessoa poderá chegar a ser submetida à mesma pena pelo mesmo fato cometido. Questiona-se, portanto, se as condições da sursis processual seriam, também, consideradas como penas e caso não fosse, poderia ser considerada dupla imputação da mesma circunstância caso o indivíduo venha a ser condenado a uma

25DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal - Parte Geral. Rio de Janeiro: FORENSE, 2004, PP 604-5.

pena restritiva de direito após cumprir parte do benefício?

Esta é uma das maneiras de se proteger o indivíduo ante o jus puniendi do Estado. Na ocorrência de violação a tal princípio, é grave a falta que importará ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, pois desta forma, o indivíduo não terá a segurança jurídica necessária para ter assegurado seus direitos e garantias de que cumpriu os seus deveres diante da sanção imposta. Este princípio se relaciona ao fato em si, não sendo considerada a essência do autor, mas sim a conduta ora praticada. Assim, a garantia do non bis in idem, por ser um princípio cujo escopo refere-se à proteção de arbitrariedades por excesso do jus puniendi estatal, torna-se de análise imprescindível a sua ocorrência ante à condenação por pena restritiva de direito ao réu que cumpriu parte da sursis processual.

Sob o espectro das legislações ordinárias, encontramos manifestações explícitas do non bis in idem basicamente em três diplomas legais, a saber: o Estatuto do Estrangeiro e os Códigos Penal e de Processo Penal. Em relação aos tratados e convenções internacionais, destacam-se o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Convenção Americana de Direitos Humanos.

A respeito da detração penal e do princípio do non bis in idem, René Ariel Dotti, em singular explicação, diz que: Há um princípio clássico de justiça segundo o qual ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato. A detração visa impedir que o Estado abuse do poder-dever de punir, sujeitando o responsável pelo fato punível a uma fração desnecessária da pena sempre que houver a perda da liberdade ou a internação em etapas anteriores à sentença condenatória25.

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Tal princípio constitui a ideia de que uma pessoa não possa ser processada, julgada e condenada mais de uma vez pela mesma conduta26.

O princípio non bis in idem foi adotado, expressamente, em dois dispositivos da parte geral do Código Penal e a doutrina é unânime a indicar a possibilidade de detração para penas restritivas de direitos. Contudo, nem todas as espécies a admitem. Por isso, cita a prestação de serviços à comunidade, limitação de fim de semana e interdição temporária de direitos, únicas a substituírem a pena privativa de liberdade pelo mesmo tempo de sua duração27 (artigo 55 do Código Penal).

A lacuna legal do artigo 42 do Código Penal admite a analogia, ou seja, a norma penal que prevê situação semelhante aplica-se ao caso não previsto. É a analogia in bonan partem, que vem para impedir a dupla punição pelo mesmo fato criminoso.

São diversos os julgados que debatem acerca da violabilidade do princípio da não imputação de dupla penalidade pelo mesmo fato delituoso, como se pode observar:

Para o renomado jurista brasileiro Aníbal Bruno diz que a

detração evita que a privação da liberdade resultante da pena provisória constitua um acréscimo, contrário à justiça, do período de duração da pena decretada na sentença condenatória28. Pode-se concluir, portanto, que se um acusado já cumpriu parte de uma pena, ela deverá ser passível de detração penal, caso este seja, condenado posteriormente.

26MASCARENHAS, Marcella Alves. O princípio ne bis in idem nos âmbitos material e processual sob o ponto de vista do direito penal interno. Revista de direito unigranrio. Vol. 2. Número 2, 2009, p. 03. 27 BRASIL, Art. 55 – Código Penal Brasileiro: As penas restritivas de direitos referidas nos

Este é o mesmo entendimento que diversas turmas de tribunais superiores e estaduais estão seguindo, conforme julgado a seguir: TRF-4 - EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE ENUL 50018328320104047113 RS 5001832-83.2010.404.7113 (TRF-4)

Data de publicação: 11/11/2011 Ementa: EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. NÃO CABIMENTO. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA PARCIALMENTE CUMPRIDA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. - Descabe a imposição da prestação pecuniária e da prestação de serviços à comunidade como condição para a suspensão do processo, nos termos do artigo 89 da Lei nº 9.099 /95, uma vez que constituem pena restritiva de direitos, e, como tal, decorrem de sentença condenatória proferida em regular processo penal (precedente). - Cumprida grande parte da prestação pecuniária indevidamente imposta como condição para o sursis processual, impôs-se a extinção da punibilidade, tendo em vista que constitui aflitiva medida própria da condenação. - Hipótese na qual foi levada em consideração a suposta frágil condição econômica do acusado em adimplir a prestação pecuniária, circunstância que lhe tornou mais penoso o cumprimento da condição equivocadamente fixada.

incisos III, IV, V e VI do art. 43 terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída, ressalvado o disposto no § 4o do art. 46. (Redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998). 28 BRUNO, Aníbal. Comentários ao Código Penal, Volume II. Rio de Janeiro: Forense, 1969, p. 77.

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O ponto determinante está em impedir a dupla punição pelo Estado, pouco importando se a pena anterior foi privativa ou não de liberdade, já que a questão não gira na qualidade da sanção e sim na sua existência.

O dispositivo penal fez menção somente ao abatimento da prisão cautelar e tempo de internação da pena privativa de liberdade e medida de segurança, nada prevendo quanto à detração da pena restritiva de direitos ou pecuniária do tempo de prisão provisória.

Julio F. Mirabete aponta como inexplicável a omissão e afirma que deve se reconhecer a detração penal nessa hipótese por medida de equidade. Assim, se esteve o sentenciado preso preventivamente por três meses, tal prazo deverá ser descontado, por exemplo, dos quatro meses da limitação de fim de semana ou de prestação de serviços à comunidade que lhe forem aplicados em substituição à pena privativa de liberdade. Solução diversa implica tratamento mais severo para os que, por suas condições pessoais, merecem da lei o tratamento mais benigno da substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos29. No mesmo sentido é a posição de Cezar Roberto Bittencourt: Há entendimento respeitável de que, ´por necessária e permitida interpretação analógica´, deve ser admitida a detração também das penas restritivas de direitos, como limitação de fim de semana e prestação de serviços à comunidade. Acreditamos que as interdições temporárias de direitos também devem ser contempladas com o mesmo tratamento que for dispensado às outras duas espécies de penas restritivas de direitos.30

Procura-se, desta forma, saber se esse tempo de cumprimento da condição será ou não computado na pena condenatória caso o sursis seja revogado.

Para entender se há ou não ilegalidade na aplicação do sursis quanto

29 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal, Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2003, p. 263.

ao seu caráter punitivo versus sua natureza benéfica, deve-se estudar o princípio do non bis in idem juntamente do instituto da detração penal em relação à revogação da suspensão condicional do processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste trabalho, foram pesquisadas

quais as consequências jurídicas da revogação da suspensão condicional do processo analisada com o enfoque de pena restritiva de direito, em detrimento ao princípio do non bis in idem. Desta forma, foi procurado, primeiramente, conceituar cada palavra chave da questão levantada, bem como contextualizá-las.

No capítulo 2 desta obra, foi verificada a importância da lei 9099/95, da sursis processual e discutido os tipos de penas e espécies no código penal brasileiro. Além disso, neste capítulo, foi feita uma abordagem sobre as medidas despenalizantes, a suspensão condicional do processo e, por fim, o princípio Non Bis in Idem.

Após os conceitos abordados no capítulo 2, no capítulo 3 foi discutida a revogação do sursis processual e a condenação à pena restritiva de direitos e a infringência ao princípio Non Bis in Idem e a detração penal.

Assim, pudemos verificar que o instituto da suspensão condicional do processo é algo inovador, revolucionário, porém, ainda carece de certos ajustes para se adequar não só à sociedade brasileira, como ao seu ordenamento jurídico.

O princípio do Non Bis in Idem encontra-se diretamente ligado à limitação do poder punitivo do Estado, bem como à valorização e ao resguardo de garantias fundamentais da pessoa

30 BITTENCOURT, Cezar Roberto, op cit, p. 441.

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humana. Assim, mantém valorosa função de proteção ao status dignitatis do homem, na medida em que veda a possibilidade de que alguém seja processado e, principalmente, condenado em duas oportunidades pela prática do mesmo fato criminoso.

Conforme inicialmente levantada a hipótese de que a suspensão condicional do processo poderia configurar-se como uma punição, foi verificado que quando ocorre sua revogação, pode ser que a condição de suspensão acordada entre o suposto autor do delito e o MP, seja enquadrada, também, como uma pena restritiva de direito, o que findaria por violar tal princípio do nom bis in idem.

Desta forma, possíveis soluções podem ser apontadas como meios de se evitar que o dispositivo jurídico da sursis torne-se, na prática, uma pena restritiva de direito. Seja pela reelaboração do rol das condições expressas na Lei 9099/95, seja pela reformulação do Art. 44 do Código Penal, incluindo o inciso que determine que as penas restritivas de direito não possam ser imputadas a quem tiver sido, outrora, beneficiado pela sursis.

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setembro de 1995.

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