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Curso de Análise Matemática I Parte Omar Catunda

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Page 1: Curso de Analise Matematica 1

Curso de Análise Matemática

I Parte

Omar Catunda

Page 2: Curso de Analise Matematica 1
Page 3: Curso de Analise Matematica 1

Prefácio

Os primeiros capítulos do presente Curso de Análise Matemática já são

bastante conhecidos dos estudantes de São Paulo, pois durante vários anos

têm sido divulgados sob forma de apostilas mimeográficas.

A presente edição, que tencionamos completar, incluindo toda a matéria

fundamental dada nos três anos da cadeira de Análise Matemática da Facul-

dade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, foi cui-

dadosamente revista e atualizada. O autor preocupou-se, particularmente,

em simplificar as demonstrações, sem sacrifício do rigor matemático, e ao

mesmo tempo em manter a constante aproximação da Análise com a intui-

ção geométrica; neste sentido, este curso, vem se afastando pouco a pouco

do caráter excessivamente abstrato que o Professor Luigi Fantappiè impri-

miu ao seu curso, quando aqui lecionou de 1943 a 1939. No entanto, em

suas linhas gerais, o curso segue ainda a orientação daquele professor. Além

disto, devemos ainda assinalar as constantes consultas que temos feito aos

tratados clássicos de F. SEVERI, E. GOURSAT, J. HADAMARD, CH. DE LA

VALÉE POUSSIN, etc., e a outros mais recentes, como os de L. GODEAUX, G.

VALIRON, PH. FRANKLIN, etc..

Devemos também advertir que o curso que é dado na Faculdade de Fi-

losofia não segue exatamente a exposição do atual curso. É assim que, no

primeiro ano da Faculdade, o curso tem um caráter mais prático, dando-se,

além das definições de limites e os teoremas mais elementares, toda a parte

algorítmica de derivação e integração das funções elementares, de uma ou

mais variáveis, as aplicações geométricas, o cálculo de integrais duplas e os

tipos elementares de equações diferenciais lineares. No segundo ano retoma-

mos o curso, expondo a teoria dos campos de números e os teoremas mais

delicados contidos no Capítulo IV - de Borel-Lebesgue, de Weierstrass, de

Heine e o critério de convergência de Cauchy; segue-se o estudo das séries

numéricas e de funções, de integrais múltiplas e os teoremas de existência

das equações diferenciais. Esta alteração da ordem foi reconhecida absoluta-

mente necessária, dada a falta de amadurecimento com que os estudantes se

apresentam às escolas superiores.

i

Page 4: Curso de Analise Matematica 1

ii PREFÁCIO

O autor aceita, e mesmo solicita encarecidamente, toda e qualquer crítica

tendente a melhorar o curso, para futuras edições.

São Paulo, abril de 1952.

Page 5: Curso de Analise Matematica 1

Sumário

Prefácio i

Capítulo I. Teoria dos Números Reais 1

§ 1. Fundamentos intuitivos do conceito de número 1

§ 2. Postulados de PEANO 2

§ 3. Operações fundamentais. Desigualdade 3

§ 4. Números reais absolutos 4

§ 5. Números inteiros relativos 5

§ 6. Números racionais relativos 7

§ 7. Secções no campo racional absoluto 7

§ 8. Operações entre os números reais absolutos 10

§ 9. Desigualdades 11

§ 10. Números reais relativos 11

§ 11. Propriedades das desigualdades 12

§ 12. Conjuntos ordenados e densos 13

§ 13. Conjuntos contínuos. Continuidade do campo real 14

§ 14. Classes minorantes e majorantes 15

§ 15. Classes contíguas. Representação decimal 15

§ 16. Representação dos números reais sobre uma reta 17

§ 17. Intervalos e entornos 18

§ 18. Elementos infinitos 19

Exercícios 20

Capítulo II. Potências e Logaritmos dos Números Reais 23

§ 1. Potência com expoente inteiro e positivo 23

§ 2. Potência com expoente negativo ou nulo 23

§ 3. Propriedades das potências em relação às desigualdades 24

§ 4. Raízes e propriedades dos radicais 26

§ 5. Potências com expoente fracionário 29

§ 6. Potências com expoente real 31

§ 7. Função exponencial 32

§ 8. Logaritmos e suas propriedades 32

iii

Page 6: Curso de Analise Matematica 1

iv SUMÁRIO

Exercícios 35

Capítulo III. Números Complexos 37

§ 1. Definição e operações 37

§ 2. Complexos conjugados. Norma e módulo 39

§ 3. Aplicações 41

§ 4. Forma trigonométrica dos números complexos, fórmula de

MOIVRE 42

§ 5. Representação geométrica dos números complexos 43

§ 6. Raiz de um número complexo 46

§ 7. Raízes da unidade 47

§ 8. Equações binômias 50

Exercícios 50

Capítulo IV. Conjuntos Lineares. Funções e Limites no Campo Real 53

§ 1. Conjunto linear. Extremos 53

§ 2. Pontos de acumulação. Teorema de BOLZANO 56

§ 3. Conjuntos derivados 57

§ 4. Teorema de BOREL-LEBESGUE 58

§ 5. Conceito de função segundo DIRICHLET 59

§ 6. Gráfico de uma função 61

§ 7. Funções elementares 61

§ 8. Exemplos de funções não elementares 64

§ 9. Extremos das funções. Teorema de WEIERSTRASS 66

§ 10. Noção geral de limite 67

§ 11. Limites sobre conjuntos parciais. Limite à esquerda e limite à

direita 70

§ 12. Continuidade 71

§ 13. Teoremas sobre limites e funções contínuas 73

§ 14. Continuidade das funções elementares 77

§ 15. Limite da razão do seno para o arco 80

§ 16. Funções monótonas 82

§ 17. Conjunto linear. Extremos 85

§ 18. Número e. Logaritmos neperianos 86

§ 19. Funções contínuas em um intervalo fechado 89

§ 20. Continuidade uniforme. Teorema de HEINE 91

§ 21. Critério de convergência de Cauchy 92

§ 22. Limite máximo, limite mínimo e oscilação em um ponto 94

§ 23. Funções com valores complexos 95

Page 7: Curso de Analise Matematica 1

SUMÁRIO v

§ 24. Funções de variável complexa 96

Exercícios e Complementos 96

Índice Remissivo 101

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Page 9: Curso de Analise Matematica 1

CAPÍTULO I

Teoria dos Números Reais

§ 1. Fundamentos intuitivos do conceito de número. Na Matemática ele-

mentar a noção de número se apresenta sob dois aspectos distintos: De um

lado, como resultado da operação de contar os elementos de um conjunto,

como um grupo de pessoas, uma coleção de objetos, etc., e sob este ponto de

vista pode-se dizer que um número é um atributo de um conjunto, que não

depende nem da natureza nem da ordem de colocação dos elementos desse

conjunto, sendo que dois conjuntos têm o mesmo número quando (e somente

quando) os seus elementos podem ser postos em correspondência um a um,

sem exceção. Assim se obtêm os números naturais, 1, 2, 3, . . . , para os quais

se definem, pela consideração de reunião de dois ou mais conjuntos, as ope-

rações de soma e multiplicação, assim como as duas inversas, subtração e

divisão.

Mas quando se estuda a teoria das grandezas chega-se à noção de nú-

mero como razão de duas grandezas homogêneas ou como medida de uma

grandeza em relação a outra da mesma espécie, tomada como unidade. Sob

esse ponto de vista podem-se obter como casos particulares os mesmos nú-

meros naturais, quando somando grandezas iguais à unidade se obtém uma

grandeza igual àquela que se quer medir: neste caso, a medida é o número de

grandezas iguais que se somaram. Se esta operação é impossível, pode acon-

tecer que a grandeza dada e a unidade sejam comensuráveis, isto é, que exista

uma outra grandeza contida em um número exato n de vezes na unidade e ao

mesmo tempo um número exato m de vezes na grandeza dada, cuja medida

será então o número racional mn, que pode ser inteiro, se m for múltiplo

de n, ou fracionário, no caso contrário. Existem porém grandezas incomen-

suráveis com a unidade,1 para as quais a medida se introduz abstratamente,

pela consideração das medidas (números racionais) aproximadas por falta e

1Por exemplo, a diagonal do quadrado construído sobre a unidade de comprimento é

incomensurável com esta, pois se houvesse uma medida comum contida n vezes no lado do

quadrado em vezes na diagonal, do teorema de PITÁGORAS se deduziriam2 “ 2n2, igualdade

impossível entre números inteiros, pois o primeiro membro só pode contar o fator primo 2

com expoente par, e o segundo membro contém certamente este fator com expoente ímpar.

1

Page 10: Curso de Analise Matematica 1

2 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS

por excesso, admitindo que a medida exata de uma tal grandeza é um nú-

mero maior que todas as medidas aproximadas por falta e menor que todas

as medidas aproximadas por excesso. Essas medidas de grandezas incomen-

suráveis com a unidade chamam-se números incomensuráveis, e os números

racionais e irracionais chamam-se em geral números reais. Enfim, pode-se

também introduzir a noção de grandeza nula, ou de medida zero, e de gran-

dezas contadas em sentido oposto ao da unidade, obtendo-se assim a noção

de número negativo.

Desta maneira, já na matemática elementar se introduzem os números

reais relativos, com suas operações, relações de desigualdade, etc.

§ 2. Postulados de PEANO. Mas para a construção de um edifício lógico

como é a Análise Matemática, é conveniente fazer uma revisão do conceito

de número, introduzindo esse conceito, a partir do de número natural, de ma-

neira puramente lógica, sem fazer nenhum apelo a noções exteriores, como a

de grandeza ou a de conjunto de objetos.

Para isto, se introduzem, sem definição, como conceitos primitivos: uma

classe - a classe dos números (subentende-se, neste parágrafo e no seguinte -

números naturais); um indivíduo - o número 1; e uma relação expressa pelo

qualificativo “sucessor”. Para esses entes, toma-se como ponto de partida o

seguinte sistema de postulados, chamados postulados de PEANO:

I) 1 é um número.

II) Todo número tem um sucessor, que é um número.

III) 1 não é sucessor de nenhum número.

IV) Números distintos têm sucessores distintos.

V) Se um conjunto de números contém o número 1 e se, do fato dele

contar um número n, se deduz que ele contém o sucessor de n, esse conjunto

contém todos os números.

Este último tem o nome de postulado ou princípio de indução, e é usado

frequentemente nas demonstrações.

É fácil verificar que os números já introduzidos como atributos de con-

juntos gozam dessas cinco propriedades, o que justifica o emprego da expres-

são - “número de elementos de um conjunto”, que se usa também em Análise

Matemática; os conjuntos que se consideram em matemática elementar para

a definição de número e de operações entre números são justamente aqueles,

chamados conjuntos finitos, aos quais é possível associar um dos números

naturais, que se deduzem dos postulados de PEANO. Os conjuntos para os

quais essa operação é impossível, isto é, aqueles para os quais a operação de

Page 11: Curso de Analise Matematica 1

I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS 3

contagem dos seus elementos não tem fim, chamam-se conjuntos infinitos. O

próprio sistema constituído por todos os números naturais é infinito.

Enfim, pode-se verificar também que os postulados I) a V) contêm em si

todas as propriedades essenciais dos números naturais.

§ 3. Operações fundamentais. Desigualdade. Para a introdução das ope-

rações entre os números naturais, usaremos o processo de recorrência; assim,

para definir, de modo geral, a soma a ` b de dois números quaisquer a e b,

pomos:

a` 1 “ sucessor de a

a` pb` 1q “ sucessor de a` b.

Pelo postulado V, vê-se que estas duas definições permitem definir a soma

de dois números naturais quaisquer.

Quando, dados dois números a e b, existe um terceiro número c tal que

a “ b ` c, diz-se que a é maior que b (a ą b) ou que b é menor que a

(b ă a), e que c é a diferença entre a e b: c “ a´ b.

Analogamente se pode definir o produto a.b ou ab de dois números na-

turais, pondo:

a.1 “ a

a pb` 1q “ ab` a.

Das definições dadas acima e do princípio de indução, segue-se que a

soma e o produto de números naturais gozam das seguintes propriedades:1. pa`bq ` c “ a` pb` cq,

pabqc “ apbcq2. a` b “ b` a, ab “ ba

3. pa` bqc “ ac` bc,apb` cq “ ab` ac

4. Se a` b “ a` c, b “ c;

se ab “ ac, b “ c

(propriedade associativa)

(propriedade comutativa)

(propriedade distributiva do

produto em relação à soma)

(lei de cancelamento da soma e do

produto).A desigualdade, definida acima pelas relações “maior” e “menor”, goza

das seguintes propriedades, que se deduzem dos postulados e das proprieda-

des anteriores da soma:

5. Entre dois números quaisquer a e b, subsiste sempre uma e uma única

das seguintes relações:

a ą b, a “ b, a ă b.

6. Se a ă b e b ă c, tem-se certamente a ă c (propriedade transitiva da

desigualdade).

Page 12: Curso de Analise Matematica 1

4 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS

7. Dados dois números quaisquer a e b, existe sempre um número natural

n tal que na ą b (teorema de ARQUIMEDES).2

Estas propriedades, que se baseiam estritamente nos postulados de PE-

ANO e na definição das operações e das relações de desigualdade, servem de

fundamento a toda a teoria dos números inteiros como o estudo dos sistemas

de numeração, a teoria da divisibilidade, e a dos números primos.

Mas a impossibilidade, em certos casos, das operações inversas de sub-

tração, divisão e extração de raiz (operação inversa da potenciação, que será

examinada no próximo capítulo) nos leva à construção de várias extensões

do campo dos números, que examinaremos resumidamente nos parágrafos

seguintes.

§ 4. Números reais absolutos. Tomemos um número natural n. Em vez

desse símbolo n, adotemos para esse número uma qualquer das notações

ana, em que a é um número natural qualquer; reciprocamente, dados dois

números naturais a e b, se a é divisível por b, escreveremos o quociente

sob a forma ab. Todo número natural n pode pois ser representado por

esta notação, desde que o par de números a e b satisfaça à relação a “bn; para que ab e cd representem o mesmo número n, devemos ter a “bn e c “ dn, donde se deduz, usando a propriedade comutativa e a lei do

cancelamento do produto, adn “ bnc, ou ad “ bc.

Vê-se também que: um número natural representado pelo símbolo abnão se altera, se multiplicarmos ou dividirmos a e b pelo mesmo número; que

para somar dois números naturais representados pelos símbolos ab e cb,

basta somar os primeiros números, e que portanto, usando a regra anterior

ab ` cd “ adbd ` bcbd “ pad ` bcqbd; que o produto dos números

naturais ab e cd é o número acbd.

Posto isto, dados dois números naturais quaisquer a e b, chamaremos de

fração ou número racional a esse par de números escrito sob a forma ab, e

diremos que outro par de números cd define a mesma fração, isto é, que

a

b“ c

dse tivermos ad “ bc.

Verifica-se imediatamente que a igualdade assim definida goza das pro-

priedades reflexiva (ab “ ab), simétrica (se ab “ cd, cd “ ab) e

transitiva (se ab “ cd e cd “ ef, ab “ ef). Os números que servem

2Chamaremos assim esta propriedade, em vista da sua semelhança com o postulado

sobre segmentos de retas (v. § 16), que é geralmente conhecido como postulado de ARQUI-

MEDES. No caso dos números naturais, basta notar que para quaisquer números naturais a e

b, temos sempre pb` 1qa ą b.

Page 13: Curso de Analise Matematica 1

I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS 5

para definir uma fração chamam-se termos da fração, sendo o primeiro o nu-

merador e o segundo o denominador. Da definição de igualdade segue-se que

uma fração não se altera quando se multiplicam ou dividem os seus termos

por um mesmo número, donde se deduz que é sempre possível transformar

duas frações dadas ab e cd em frações homogêneas, isto é, com o mesmo

denominador: adbd e bcbd. Definindo-se depois a soma de frações ho-

mogêneas pela soma dos numeradores (ab ` cb “ pa ` cqb), temos, em

geral,a

b` c

d“ ad

bd` bc

bd“ ad` bc

bd.

Define-se também o produto pondo ab ¨ cd “ acbd.

Definindo-se depois a desigualdade como anteriormente, isto é, pela afir-

mação de que a soma de dois números racionais é sempre maior que qualquer

das parcelas, pode-se facilmente verificar que para os números ab assim in-

troduzidos, valem as mesmas propriedades 1. a 7. do § 3; obtemos assim

um novo campo de números - o campo dos números racionais - que contém

o campo já conhecido dos números naturais, pois toda fração ab em que

a é divisível por b, representa um número natural. No novo campo valem

as mesmas operações e relações de desigualdade que no anterior, mas além

disto se obtêm outras propriedades importantíssimas:

1 1) No campo racional é sempre possível considerar a divisão como ope-

ração inversa da multiplicação, isto é, dados dois números racionais quais-

quer p “ ab e q “ cd, existe sempre um e um único número racional

x “ ab ¨ dc tal que qx “ p; esse número se chama quociente de p (divi-

dendo) por q (divisor) e se escreve sob a forma x “ pq.

2 1) No campo racional, dados dois números quaisquer p e q, existe sem-

pre outro número compreendido entre eles, pois se por exemplo é p ă q,

temos certamente p ă pp` qq2 ă q.

§ 5. Números inteiros relativos. Por um processo análogo ao do pará-

grafo anterior, podemos escrever todo número natural n sob a forma pa `nq´a, qualquer que seja o número natural a; por outro lado, dados dois nú-

meros naturais a e b tais que a ą b, fica determinada a diferença a´b. Vê-se

facilmente que: dois números naturais a ´ b e c ´ d são iguais se tivermos

a ` d “ b ` c; a soma dos números naturais a ´ b e c ´ d pode sempre ser

representada como a diferença pa` cq ´ pb` dq, e o produto, pela diferença

pac` bdq ´ pad` bcq.Posto isto, definimos como número inteiro relativo um par de números

naturais quaisquer a e b, escrito sob a forma a´b, e dizermos que outro par

c´d representa o mesmo número, isto é, que a´b “ c´d se a`d “ b` c.

Page 14: Curso de Analise Matematica 1

6 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS

A soma e o produto definem-se pelas igualdades pa ´ bq ` pc ´ dq “pa ` cq ´ pb ` dq; pa ´ bq ¨ pc ´ dq “ pac ` bdq ´ pad ` bcq das quais

se deduz facilmente que tais operações satisfazem também neste campo às

propriedades 1. a 4. do § 3.

Os números inteiros relativos a ´ b se classificam em três categorias,

conforme seja a ą b, a “ b ou a ă b. No primeiro caso, ponto a ´b “ n, obtemos, como já vimos, uma das representações do número n;

diremos que tal número é positivo e escreveremos a´ b “ `n. No segundo

caso, obtemos um único número, que chamaremos zero ou número nulo e

indicaremos com o símbolo 0 “ a´ a. Finalmente, no terceiro caso, pondo

b ´ a “ m, obtemos um número que indicaremos com ´m “ a ´ b e que

diremos número negativo, oposto do número `m “ b ´ a. Diremos que

os números positivos têm sinal mais (`) e que os números negativos têm

sinal menos (´). Chamaremos valor absoluto |p| de um número relativo p,

o próprio número se este for positivo ou nulo, ou o seu oposto, se p for

negativo.

Diremos que um número relativo p é maior que outro, q, quanto existir

um número positivo r tal que se tenha p “ q ` r. É fácil verificar que

além das propriedades 1. a 4., os números relativos satisfazem também às

propriedades 5. e 6. do § 3, relativas às desigualdades.3

Mas além disto, os novos números satisfazem também às seguintes pro-

priedades:

12) No novo campo está sempre definida a diferença como operação

inversa da soma, isto é, dados os números relativos p “ a ´ b e q “ c ´ d,

existe sempre um e um único número x “ pa ` dq ´ pb ` cq, que satisfaz

à condição p “ q ` x, e que se chama diferença p ´ q entre o número p

(minuendo) e o número q (subtraendo).

22) Existe nesse campo o número zero (0) que somado com qualquer

outro deixa este inalterado: pa ´ bq ` 0 “ pa ´ bq ` pc ´ cq “ pa ` cq ´pb` cq “ a´b, e que multiplicado por qualquer outro dá um produto nulo:

pa ´ bq.0 “ pa ´ bqpc ´ cq “ pac ` bcq ´ pac ` bcq “ 0. A soma de dois

números opostos é sempre zero.

3Para os números negativos e para o zero, não vale o teorema de ARQUIMEDES.

Page 15: Curso de Analise Matematica 1

I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS 7

32) Escrevendo-se os números relativos sob as formas simplificadas `n,

0, ´m, valem sempre as regras de sinais para a soma, subtração e multipli-

cação: (a e b são números naturais)

p`aq ` p`bq “ p`aq ´ p´bq “ `pa` bq,p`aq ` p´bq “ p´bq ` p`aq

“ p`aq ´ p`bq “ p´bq ` p`aq “ `pa´ bq “ ´pb´ aq,p´aq ` p´bq “ p´aq ´ p`bq “ ´pa` bq,

p`aq.p`bq “ p´aq.p´bq “ `ab,

p`aq.p´bq “ p´aq.p`bq “ ´ab.

§ 6. Números racionais relativos. Chamaremos números racionais ab-

solutos, os números racionais introduzidos no § 4, construídos a partir dos

números naturais. Construindo agora como no parágrafo anterior, os pa-

res p ´ q em que p e q são números racionais absolutos, e introduzindo do

mesmo modo as operações e relações de desigualdade, obtemos o campo dos

números racionais relativos, que contém os três campos definidos até aqui:

o campo dos números naturais, o dos números racionais absolutos e dos in-

teiros relativos. Neste novo campo as operações e relações de desigualdade

satisfazem às mesmas propriedades 1. a 6. do § 3, 2 1 do § 4 e 12) a 32) do

§ 5; a propriedade 1 1) do § 4 vale desde que se exclua o divisor nulo, pois se

q “ 0, a equação qx “ p ou é indeterminada (se p “ 0) ou não tem solução

(se p ‰ 0), pois qx “ 0x é igual a zero qualquer que seja x. O valor absoluto

de um número se define do mesmo modo que no parágrafo anterior.

A divisão no campo racional relativo obedece às mesmas regras de sinais

que a multiplicação, isto é, supondo sempre q ‰ 0 e sendo p e q números

racionais absolutos, temos:

`p`q “ ´p

´q “ `pq

`p´q “ ´p

`q “ ´pq

.

§ 7. Secções no campo racional absoluto. Tomemos um número r raci-

onal absoluto. Este número determina entre os restantes uma separação em

duas classes: A - a classe dos números a menores do que r, e A 1 - a dos nú-

meros a 1 maiores do que r. Essa divisão do campo racional em duas classes

chama-se uma secção racional ou secção imprópria, para distinguir de outras

que definiremos mais adiante; designaremos uma tal secção com o símbolo

a|a 1. A primeira classe A chama-se classe minorante, a segunda, A 1, classe

Page 16: Curso de Analise Matematica 1

8 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS

majorante da secção. É fácil verificar que toda secção racional pode ser defi-

nida pelas duas classesA, A 1, de números racionais absolutos, que satisfazem

às seguintes propriedades:

1) Todo número racional absoluto, com uma e uma única exceção, está

em uma e uma só das duas classes.

2) Todo número menor que um número da classe A, pertence a esta

classe; todo número maior que um número da classe A 1 pertence a esta.

3) A classe A não tem máximo; a classe A 1 não tem mínimo.

Com efeito, as propriedades 1) e 2) são evidentes e 3) se deduz da pro-

priedade 2 1) do § 4, pois sendo a ă r, existe outro número a1 compreendido

entre a e r, que pertence portanto à mesma classe A e é maior que a, o que

mostra que nenhum número a pode ser máximo na classe minorante; ana-

logamente se demonstra que nenhum número a 1 pode ser mínimo na classe

majorante. Por outro lado, se duas classes A e A 1 satisfazem às três proprie-

dades acima, é evidente, pela propriedade 2), que o número r que por 1) não

pertence a nenhuma dessas classes está compreendido entre elas, e portanto

as duas classes serão constituídas, respectivamente, pelos números menores

e pelos maiores que r.

Se aos números racionais r e s correspondem as secções a|a 1 e b|b 1, ao

número r` s corresponderá a secção a` b|a 1 ` b 1, cuja classe minorante se

compõe de todas as somas de um número qualquer a por um qualquer b, e

a classe majorante, de todas as somas a 1 ` b 1; ao produto rs corresponderá

analogamente a secção ab|a 1b 1. Com efeito, todo número c ă r` s pode ser

escrito sob a forma a`b, bastando por a “ pcr`sqr ă r e b “ pcr`sqs ă s.

Analogamente, sendo d ă rs, temos ds ă r, logo existe um número racional

a tal que ds ă a ă r, donde se deduz da “ b ă s, isto é, d é o produto de

um número a ă r por um número b ă s. A mesma demonstração se pode

fazer para os números c 1 ą r` s e d 1 ą rs. Isto prova que os pares de classes

a` b e a 1 ` b 1, ab e a 1b 1 constituem efetivamente as secções definidas pelos

números r` s e rs, respectivamente.

Vemos assim que é sempre possível caracterizar um número racional r

pelas duas classes da secção que ele determina e que as operações entre dois

números (e portanto entre mais de dois) estão perfeitamente determinadas

pelas operações entre os números componentes das duas classes determina-

das por cada um dos números dados. Podemos então dizer que a secção a|a 1

não é mais que um dos modos de representar o número r, o que autoriza a

escrever r “ a|a 1.

Page 17: Curso de Analise Matematica 1

I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS 9

Ora, vamos agora definir outras secções, ou pares de classes A (mino-

rante) e A 1 (majorante), que satisfazem às mesmas propriedades 2) e 3), e

que em vez de 1) satisfazem a

1 1) Todo número racional absoluto está em uma e uma só das duas clas-

ses.

O conjunto das duas classes nestas condições forma uma secção própria

no campo racional, ou número irracional, que se dirá definido pela secção;

chamando α esse número, pomos então α “ a|a 1.

Uma tal secção se obtém, por exemplo, pondo na classe A todos os nú-

meros racionais absolutos cujo quadrado é menor que 2, e na classe A 1 todos

aqueles cujo quadrado é maior que 2. Como não há nenhum número inteiro

nem fracionário que tenha por quadrado 2, a propriedade 1 1) está satisfeita;

a propriedade 2) também é evidente. Quanto a 3), basta ver que se a2 ă 2,

pondo 2 ´ a2 “ h e tomando o número racional absoluto k menor que a e

que h3a, temos

pa` kq2 “ a2 ` kp2a` kq ă a2 ` h

3ap2a` aq “ a2 ` h “ 2,

isto é, o número a ` k está também na classe A, o que mostra que nenhum

número a dessa classe pode ser máximo. De maneira análoga se demonstra

que a classe A 1 não tem mínimo. A secção assim construída é por definição

um número irracional que se indica com o símbolo?

2 (raiz quadrada de 2),

e cujo estudo faz parte do capítulo seguinte.

Podemos então definir como número real absoluto toda secção própria

ou imprópria do campo racional absoluto, isto é, todo par de classes A e A 1,

de números racionais absolutos a e a 1 respectivamente, que satisfazem às três

propriedades seguintes:

I) Todo número racional, no máximo com uma exceção, está em uma e

uma só das duas classes.

II) Se a está em A e a1 ă a, a1 está em A; se a 1 está em A 1, e a 11 ą a 1,

a 11 está em A 1.

III) A não tem máximo, A 1 não tem mínimo.

Da propriedade II) se deduz a ă a 1 quaisquer que sejam os elementos a

e a 1. Notemos porém que a recíproca só é verdadeira no caso das secções

próprias.

Uma propriedade das secções próprias ou impróprias que se deduz das

três anteriores é a seguinte:

Page 18: Curso de Analise Matematica 1

10 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS

I 1) Dado um número racional absoluto arbitrário ε, há sempre um nú-

mero a da classe minorante e outro, a 1, da classe majorante, tais que a 1 ´a ăε.

Para demonstrá-lo, tomemos outro número racional δ ă ε2, e seja a1

um número da classe A. Consideremos os números a1, a1 ` δ, a1 ` 2δ, . . . ;

do teorema de ARQUIMEDES (§ 3) aplicado aos números racionais absolutos,

deduz-se que este conjunto contém elementos da classe A 1; entre esses ele-

mentos existe um mínimo, seja a1 `nδ. Neste caso, o número a1 ` pn´ 1qδpode quando muito ser o elemento de separação das duas classes, mas em

qualquer caso a1 ` pn ´ 2qδ pertencerá certamente à classe A. Os números

a1`pn´2qδ e a1`nδ satisfazem à condição do teorema, pois a sua diferença

é 2δ ă ε.

Esta propriedade I 1) pode substituir a propriedade I) das secções, uma

vez supostas satisfeitas II) e III); com efeito, suposta satisfeita essa condição

I 1), existirá no máximo um número não pertencente a nenhuma das classes,

pois se houvesse dois números racionais excetuados, p e q, supondo p ă q,

teríamos pela propriedade 2), a ă p ă q ă a 1, donde a 1 ´ a ą q ´ p ą 0,

quaisquer que fossem a e a 1, o que contradiz a condição I 1) suposta satisfeita.

§ 8. Operações entre os números reais absolutos. Dados dois números

reais α “ a|a 1 e β “ b|b 1, ponhamos numa classe C as somas c “ a ` b e

numa classe C 1 as somas c 1 “ a 1 `b 1; essas duas classes formam uma secção,

segundo a definição dada no parágrafo anterior. Com efeito, a propriedade

III) é evidente, pois é satisfeita pelas secções dadas. Para a propriedade II),

basta notar que todo número c ă a ` b pode ser representado sob a forma

c “ pca`bqa`pca`bqb, isto é, como soma de um número racional menor

que a com outro menor que b, e esses números pertencem respectivamente

às classes minorantes de α e β; analogamente se demonstra que todo número

c 1 ą a 1 ` b 1 está na classe C 1. Para a propriedade I), basta notar que as

diferenças pa 1 `b 1q ´ pa`bq “ pa 1 ´aq ` pb 1 ´bq satisfazem à condição I 1),

pois é sempre possível escolher cada uma das diferenças a 1 ´a e b 1 ´bmenor

que um número racional absoluto dado, qualquer que seja este; e sendo essas

diferenças positivas, nenhuma soma a ` b pode coincidir com uma soma

a 1 ` b 1. Concluímos pois que as classes C e C 1, formam uma secção, que é o

número γ “ c|c 1, que chamaremos soma dos números dados: γ “ α` β.

De maneira análoga se pode verificar que as classes dos números d “ ab

e d 1 “ a 1b 1 formam uma secção, que se define como produto dos números

dados δ “ αβ.

Page 19: Curso de Analise Matematica 1

I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS 11

Como já vimos, essas duas operações assim definidas se reduzem às ope-

rações já conhecidas no caso dos números α e β serem racionais. É fácil

verificar que as propriedades 1. a 4. do § 3 subsistem aqui, assim como a

propriedade 1 1) do § 4. Também se verifica que a secção racional que de-

fine o número 1 continua a gozar da mesma propriedade α.1 “ α, qualquer

que seja o número real α, e que o produto deste número α por um número

natural n pode também ser definido como a soma de n parcelas iguais a α.

§ 9. Desigualdades. Entre os números reais absolutos a desigualdade se

define do mesmo modo que no § 3. Ora, é fácil ver que dados os dois núme-

ros α “ a|a 1 e β “ b|b 1, para que se tenha α ą β é necessário e suficiente

que um número a coincida com um b 1; com efeito, se existir um número

γ “ c|c 1 tal que seja α “ β` γ, a um número c da classe minorante de γ se

podem associar, pela propriedade I 1), dois números b e b 1 tais que b 1 ´b ă c,

donde b 1 ă b` c, que é por definição um número da classe minorante de α.

Reciprocamente, se existe um número a1 “ b 11, existirão certamente núme-

ros amaiores que números b 1; verifica-se então que a classe constituída pelos

números racionais absolutos c “ a ´ b 1 e a classe constituída por todas as

diferenças c 1 “ a 1 ´b formam uma secção, que define a diferença γ “ α´β,

que satisfaz à igualdade α “ β` γ, e portanto, temos α ą β.

Dessa observação se deduz que entre os números reais absolutos vale a

propriedade 5. do § 3. As propriedades 6. e 7. do mesmo parágrafo se

deduzem com facilidade, assim como a propriedade 2 1) do § 4.

Também se verifica imediatamente que todo número real é maior que

todos os números da sua classe minorante e menor que todos os da sua classe

majorante.

Veremos daqui a pouco (§ 13 e seg.) que novas propriedades se obtêm

no campo real.

§ 10. Números reais relativos. Se tomarmos como ponto de partido o

campo dos números racionais relativos, podemos facilmente definir nesse

campo secções racionais e irracionais, com as mesmas propriedades I) ou

I 1), II) e III) do § 7. As secções racionais definirão o próprio número racional

relativo excluído das duas classes, ao passo que as secções irracionais definem

números irracionais relativos; os números relativos, racionais e irracionais

formam o campo dos números reais relativos, ou o campo real relativo. A

soma e a desigualdade se definem como nos § 8 e § 9. Verifica-se facilmente

que existe sempre a diferença de dois números quaisquer e que o número

racional 0 (zero) continua a gozar das propriedades α` 0 “ α, qualquer que

seja o número α.

Page 20: Curso de Analise Matematica 1

12 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS

Um número real relativo α “ a|a 1 se diz positivo se o número 0 está na

sua classe minorante, negativo se está na classe majorante. No primeiro caso,

desprezando na classe minorante todos os elementos não positivos, obtemos

evidentemente uma secção no campo racional absoluto, isto é, um número

real absoluto, que por definição é o mesmo número α; esta definição não

implica em nenhuma contradição, pois é claro que as operações de soma e

desigualdade entre números positivos conduzem ao mesmo resultado, quer

se considerem ou não os números negativos e o 0 das classes minorantes.

O valor absoluto se define como no § 5. Desta maneira, todo número real

diferente de zero está perfeitamente determinado pelo seu valor absoluto, que

é um número real positivo, e pelo seu sinal.

Levando então em conta a definição do produto de números absolutos

podemos definir o produto de números reais relativos pelas seguintes igual-

dades (em que α, β são números absolutos);

`α. ` β “ ´α. ´ β “ `αβ; ´α. ` β “ `α. ´ β “ ´αβ;

α.0 “ 0.α “ 0.

Com estas definições verifica-se que no campo real relativo, como no

campo racional relativo, estão definidas as quatro operações elementares,

chamadas operações racionais: soma, subtração, multiplicação e divisão

(com divisor diferente de zero). Estas operações e as relações de desigual-

dade satisfazem às propriedades 1. a 6. do § 3, 1 1. e 2 1. do § 4 e 12., 22. e

32. do § 5.

§ 11. Propriedades das desigualdades. Vamos enumerar as propriedades

mais importantes das relações de desigualdade no campo real relativo, que

se demonstram facilmente fazendo uso da definição e das propriedades das

operações (α, β, γ, δ são números reais relativos, e o símbolo ď indica que o

número à esquerda pode ser menor ou igual ao da direita):

1. De α S β segue-se, respectivamente,

α˘ γ S β˘ γ e γ´ α T γ´ β.

2. De α ď β e γ ď δ segue-se α` γ ď β` δ.3. De α ě β e γ ď δ segue-se α´ γ ě β´ δ(em 2. e 3. só vale a igualdade no caso α “ β e γ “ δ).

4. De α ą β e γ S 0 segue-se, respectivamente, αγ S βγ.

5. |α| ´ |β| ď |α˘ β| ď |α| ` |β|.

Page 21: Curso de Analise Matematica 1

I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS 13

Esta última propriedade é de uso frequente nas demonstrações; a segunda

relação se estende a um número qualquer de parcelas:

|α˘ β˘ γ˘ . . . | ď |α| ` |β| ` |γ| ` . . .

§ 12. Conjuntos ordenados e densos. As palavras conjunto, coleção, fa-

mília, classe, etc., são palavras sinônimas em matemática; só o uso é que

determina, em certos capítulos desta ciência, qual destas palavras deve ser

empregada, de preferência, em cada caso particular. De qualquer maneira,

sempre que falarmos em conjunto, suporemos que ele esteja bem definido,

ou pelo conhecimento individual dos seus elementos ou por um critério em

virtude do qual, dado um elemento, se possa dizer com segurança se ele faz

parte ou não do conjunto dado.

Vimos nos números anteriores vários exemplos de conjuntos: o conjunto

dos números naturais, dos números inteiros relativos, dos números reais ab-

solutos, etc.. Assim também podemos considerar, em Geometria, o conjunto

dos pontos de um segmento, o conjunto das retas de um plano, o conjunto

das curvas planas de 2a. ordem, etc., em Álgebra, o conjunto dos polinômios

com coeficientes inteiros, o conjunto das raízes de uma equação, etc..

Dizemos que um conjunto C está ordenado, quando é dado um critério

segundo o qual, dados dois elementos distintos quaisquer a e b de C, se

pode sempre afirmar que ou a precede b ou a segue b, estas duas relações

excluindo-se mutuamente e satisfazendo à propriedade transitiva, isto é: “Se

a precede b e b precede c, então a precede c”.

Do fato dessas relações de ordem se excluírem, segue-se que a precede b,

b segue a, e da propriedade transitiva admitida para a relação “preceder” se

deduz facilmente que a relação “seguir” goza da mesma propriedade.

Todos os campos de números estudados atrás podem ser ordenados se-

gundo o critério do valor algébrico, isto é, dizendo-se que um número a

precede ou segue outro número b, segundo seja a ă b ou a ą b. Os pontos

de uma reta também podem ser ordenados, dando-se para esta um sentido

de percurso. Os pontos de um círculo, ao contrário, não ficam ordenados,

mesmo que se dê o sentido de percurso.

OBSERVAÇÃO. Se um conjunto está ordenado, podemos sempre ordená-

lo de outra maneira, permutando as palavras “segue” e “precede”, pois as

considerações anteriores mostram que estas duas relações estão em perfeita

simetria. Dizemos então que o conjunto fica ordenado de maneira inversa da

precedente. É claro que invertendo de novo a ordem, obtemos o conjunto

ordenado segundo o critério primitivo.

Page 22: Curso de Analise Matematica 1

14 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS

Em um conjunto ordenado, dizemos que um elemento está compreendido

entre dois outros, ou mais simplesmente, que ele está entre eles, se ele segue

um deles e precede o outro.

Dado um conjunto ordenado C, dizemos que ele é denso se, dados dois

elementos distintos quaisquer a e b, existe sempre um outro elemento e com-

preendido entre eles. Os números inteiros, ordenados pelo critério do valor

algébrico, não formam um conjunto denso, pois entre dois inteiros consecu-

tivos não há nenhum número inteiro. Mas os números racionais, ordenados

segundo o mesmo critério, formam um conjunto denso, pois entre dois nú-

meros racionais distintos está sempre a sua média aritmética, que também é

racional. Nota-se porém que esse mesmo conjunto, ordenado segundo outro

critério, pode não ser mais denso.

§ 13. Conjuntos contínuos. Continuidade do campo real. Tomemos um

conjunto C, ordenado e denso. Distribuamos os seus elementos em duas

classes K e K 1, tais que; 1) todo elemento da classe K preceda todo elemento

da classe K 1. Todo par de classes que satisfaça a essas duas condições chama-

se uma partição do conjunto C. O conjunto C se diz contínuo quando toda

partição nele efetuada determina de modo unívoco um elemento α de C,

chamado elemento de separação das duas classes, tal que todos os elementos

que o precedem estão na classe K e todos os que o seguem estão na classe K 1,

(O próprio elemento α pode pertencer a K ou a K 1).

O conjunto dos números racionais absolutos, ordenado pelo critério do

valor algébrico, é denso, mas não é contínuo, pois qualquer secção própria

satisfaz às duas propriedades 1) e 2) acima, e no entanto não tem elemento

de separação racional.

Ora, a propriedade fundamental do campo real, que o distingue dos cam-

pos inteiros e racionais é a seguinte: O campo real (absoluto ou relativo),

ordenado pelo critério de valor algébrico, é um conjunto denso e contínuo.

Com efeito, efetuemos uma partição pK,K 1q no campo real, e vamos cons-

truir uma secção no campo racional que define o elemento de separação des-

sas duas classes. Para isto, ponhamos em uma classe A todo número racional

a que seja superado por algum número real de K, e noutra classe A 1, todo

número racional que supere algum elemento de K 1. É claro que essas duas

classes A e A 1 satisfazem às propriedades II) e III) das secções, enunciadas

no § 7; quanto à propriedade I), se houvesse dois números racionais p e q

não pertencentes a nenhuma das classes A ou A 1, supondo p ă q, haveria

certamente um número real λ tal que p ă λ ă q; ora pela propriedade 1) da

partição, λ está ou em K ou em K 1; no primeiro caso, p ă λ estaria em A, no

Page 23: Curso de Analise Matematica 1

I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS 15

segundo caso q ą λ estaria em A 1, o que contradiz a hipótese feita. Logo, A

e A 1 formam uma secção que define um número real α.

Todo número real k ă α é superado por um elemento a da classe A,

o qual pertence a K, logo k também pertence a K. Da mesma forma, todo

número real k 1 ą α pertence à classe K 1, o que demonstra que α é o elemento

de separação das duas classes; este número pode pertencer a K, como máximo

desta classe, ou a K 1, como mínimo desta. Como tomamos uma partição,

K,K 1 arbitrária, fica assim demonstrada a continuidade do campo real.

§ 14. Classes minorantes e majorantes. Vimos no parágrafo anterior que

toda partição do campo real determina um número real que ou é o máximo

da primeira classe (classe minorante) ou é o mínimo da segunda (classe majo-

rante). Mas uma partição fica perfeitamente determinada pelo conhecimento

de uma das suas classes. É fácil ver que uma classe minorante K pode ser

definida como uma classe de números reais que satisfaz às seguintes proprie-

dades:

1) K não contém todos os números reais.

2) Todo número menor que um número de K, pertence a K.

Se uma classe K satisfaz a estas condições, chamando K 1 a classe consti-

tuída pelos números reais que não estão em K, é claro que as duas classes K

e K 1, formam uma partição.

De maneira análoga se pode definir uma classe majorante como uma

classe de números reais satisfazendo às condições:

1 1) K 1 não contém todos os números reais.

2 1) Todo número maior que um número K 1 pertence a esta classe.

Um dos processos que usaremos frequentemente para demonstrar a exis-

tência de um número real consiste em definir um tal número por meio de

uma classe minorante ou majorante.

§ 15. Classes contíguas. Representação decimal. Outro processo dos

mais usados para definir um determinado número real, consiste na cons-

trução de duas classes contíguas. Chamam-se assim duas classes H e H 1 de

números reais, que gozam das seguintes propriedades:

1) Todo número de H é menor que todo número de H 1.

2) Dado um número real positivo arbitrário ε, existe sempre um número

h de H e um número h 1 de H 1, que satisfazem à condição h 1 ´ h ă ε.

Essas duas classes definem sempre um único número real β que satisfaz às

desigualdades h ď β ď h 1, quaisquer que sejam h e h 1 nas classes respectivas.

Para demonstrá-lo, ponhamos numa classe B todo número racional b que

seja superado por algum número h e numa classe B 1 todo número racional

Page 24: Curso de Analise Matematica 1

16 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS

b 1 que supere algum elemento h 1. Estas duas classes B e B 1 formam uma

secção, segundo a definição do § 7; vê-se, com efeito, que as propriedades II)

e III) estão satisfeitas, e quanto à propriedade I), basta notar que se houvesse

dois números p e q excetuados, teríamos sempre, supondo p ă q, h ă p ăq ă h 1, donde h 1 ´ h ą q ´ p, o que contraria a condição 2). O número

β “ b|b 1 assim definido, não pode ser menor que nenhum número h, pois do

contrário haveria números racionais b tais que β ă b ă h, o que é absurdo:

da mesma forma se verifica que β não pode ser maior que nenhum número

h 1, e portanto temos, como queríamos demonstrar, h ď β ď h 1. Pode porém

acontecer que β pertença à classe H, como máximo, ou à classe H 1, como

mínimo.

Notemos que todas as secções próprias ou impróprias, assim como todas

as partições, são classes contíguas.

Outro exemplo importante é dado pela representação decimal de um nú-

mero real. Dado um número real qualquer α, impõe-se o problema prático

de representá-lo de uma maneira cômoda, adaptável ao cálculo numérico.

Para isto, pondo de parte o caso de número zero, já indicado com o sím-

bolo 0, damos o sinal e o valor absoluto |α| que é um número positivo;

para representar este número positivo, procuramos o máximo número in-

teiro a0 ď |α|, que supomos como sempre escrito no sistema decimal. Tere-

mos então, a0 ` 1 ą |α|. Se for a0 “ |α|, a0 será a representação exata do

número |α|. Mas se for a0 ă |α|, tomaremos o maior dos números

a0, a0 ` 110

, a0 ` 210

, . . . , a0 ` 910

que seja ainda ď |α|, que podemos indicar com a0 ` a110 ou a0,a1, sendo

a1 um dos algarismos 0, 1, 2, . . . , 9. Prosseguindo da mesma maneira,

sucessivamente, se chegarmos a um número decimal a0,a1a2 . . .an “ |α|,dizemos que α é um número decimal exato e sua representação está determi-

nada por essa expressão precedida do sinal de α. Mas se o processo continua

indefinidamente, teremos em qualquer caso uma lei pela qual se determi-

nam sucessivamente e de modo unívoco os algarismos a1, a2, . . . , an, . . . .

Mesmo neste caso, o número α está perfeitamente determinado. Com efeito,

consideremos a classe H dos números decimais

a0; a0,a1; a0,a1a2; . . . ; a0,a1a2 . . .an; . . .

e a classe H 1 dos números

a0 ` 1; a0 ` a1 ` 110

; a0,a1 ` a2 ` 1102 ; . . . ; a0,a1a2 . . .an´1 ` an ` 1

10n; . . .

Page 25: Curso de Analise Matematica 1

I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS 17

É claro que todos os números de H são menores que qualquer número

de H 1, e que dado o número real ε ą 0 arbitrário, basta tomar n tal que seja

10n ą 1ε para que se tenha

ˆ

a0,a1a2 . . .an´1 ` an ` 110n

˙

´ pa0,a1a2 . . .anq “ 110n

ă ε.

Temos assim um par de classes contíguas que determina, como vimos,

um único número real absoluto que, devendo ser maior ou igual a todos

os números de H e menor ou igual a todos os de H 1, deve forçosamente

coincidir com |α|, que satisfaz às mesmas condições. O número real α terá

então a representação decimal

α “ ˘a0,a1a2 . . .an . . . .

§ 16. Representação dos números reais sobre uma reta. Sabemos da Ge-

ometria que a definição de reta como conjunto de pontos pode ser estabele-

cida sobre os seguintes sistemas de postulados:

1) Postulados da ordem, que dizem que o conjunto de pontos que cons-

titui uma reta pode ser ordenado segundo dois critérios opostos; a cada um

desses critérios corresponde um sentido da reta; em qualquer caso, a reta é

um conjunto denso (v. § 12).

2) Postulado da continuidade de DEDEKIND, segundo o qual, efetuada

uma partição entre os pontos da reta orientada, isto é, à qual se assinalou um

critério de ordem, existe sempre um ponto P tal que todo ponto que precede

P está na primeira classe e todo ponto que segue P está na segunda classe da

partição.

3) Postulado da igualdade de segmentos, que assegura que em toda semi-

reta de origem O existe um e um único ponto P tal que o segmento OP seja

igual a um segmento dado, essa relação de igualdade satisfazendo às propri-

edades reflexiva, simétrica e transitiva (cf. § 4). Com base nesses postulados,

definem-se as operações de soma, subtração e multiplicação de segmentos por

um número inteiro positivo. Do postulado da continuidade pode-se deduzir

facilmente a divisibilidade de segmentos.

4) Postulado de ARQUIMEDES. Dados dois segmentos de uma reta AB

e AC ą AB, existe sempre um múltiplo conveniente de AB que é maior que

AC. Este último postulado é indispensável para caracterizar as propriedades

da reta na Geometria Métrica.

Page 26: Curso de Analise Matematica 1

18 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS

Entre os números reais relativos, ordenados segundo o critério do valor

algébrico e os pontos de uma reta orientada, pode-se estabelecer uma corres-

pondência biunívoca perfeita, tal que se um ponto A segue um ponto B, o

número real que corresponde a A é maior que o que corresponde a B.

Com efeito, fixemos sobre a reta, suposta horizontal, o ponto O e um

ponto sucessivo, U, que, segundo a convenção universalmente usada, supo-

mos colocado à direita de O. Ao ponto O fazemos corresponder o número

zero; a um ponto P distinto deO, fazermos corresponder a razão dos segmen-

tos OP e OU, definida como no § 1, se esses segmentos forem comensuráveis,

e no caso contrário, definida pela secção própria das medidas por falta e por

excesso, atribuindo a essa razão o sinal ` ou ´, segundo P esteja à direita ou

à esquerda de O. O número real assim definido chama-se abscissa do ponto

P. É fácil ver que a abscissa do ponto U é 1 e que se um ponto P está à direita

de outro ponto Q, as suas abscissas p e q satisfazem à relação p ą q.

Reciprocamente, dado o número real α, dividamos os pontos da reta em

duas classes, pondo na primeira os pontos cuja abscissa é menor que α e na

segunda, aqueles cuja abscissa é maior ou igual a α. Obtemos assim uma

partição da reta que, pelo postulado da continuidade, determina um ponto P

de separação. A abscissa β de P não pode ser maior que α, pois neste caso,

um número racional r compreendido entre eles corresponderia certamente a

um ponto B da reta que, sendo r ą α, deveria estar na segunda classe, e

sendo r ă β, deveria preceder P, isto é, pertencer à primeira classe, o que é

absurdo. Analogamente se demonstra que não pode ser β ă α, e portanto

ao ponto P corresponde a abscissa α “ β.

Em virtude dessa correspondência, que conserva a ordem, podemos re-

presentar os números reais por meio de pontos sobre a reta; daqui por diante

falaremos indiferentemente, de pondo de uma reta ou do número real corres-

pondente, que é a sua abscissa, designando-os sempre pelo mesmo símbolo,

desde que não haja perigo de confusão.

§ 17. Intervalos e entornos. Dados dois pontos (ou números reais) a e

b, sendo a ă b, chama-se intervalo a $% b o conjunto dos pontos a, b

e dos pontos compreendidos entre a e b; em outras palavras, tomando os

números reais correspondentes, chama-se intervalo a $% b o conjunto dos

números x que satisfazem às desigualdades a ď x ď b. Este conjunto chama-

se também intervalo fechado, para distingui-lo dos outros intervalos que se

podem definir excluindo um ou outro dos números a ou b; temos assim mais

três espécies de intervalos:

a $ b - conjuntos dos números x tais que a ď x ă b

Page 27: Curso de Analise Matematica 1

I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS 19

a % b - conjuntos dos números x tais que a ă x ď b

a ´ b - conjuntos dos números x tais que a ă x ă b;

este último chama-se também intervalo aberto. Em qualquer caso, os pon-

tos a e b são chamados, respectivamente, extremo inferior ou esquerdo e

extremo superior ou direito, do intervalo.

Chama-se entorno de um ponto a qualquer intervalo aberto que conte-

nha a. Pela própria definição vê-se que a não pode ser extremo de um seu

entorno. Dado, por exemplo, um número positivo arbitrário ε, o intervalo

a´ ε ´ a` ε é um entorno de a; como ele é dividido ao meio pelo ponto a,

chama-se também entorno simétrico de a, ou ainda, entorno (ε) de a. Estes

entornos simétricos têm grande importância na teoria dos limites.

Define-se também como entorno esquerdo de a qualquer intervalo c % a,

sendo c ă a, e entorno direito de a qualquer intervalo a $ d, sendo d ą a.

Todo entorno c ´ d de a (entorno completo) pode ser considerado como a

reunião de um entorno esquerdo c % a e um entorno direito a $ d de a, este

sendo o único ponto comum aos dois.

Quase todas as aplicações do conceito de entorno de um ponto são base-

adas nas seguintes propriedades;

1. Todo ponto tem uma infinidade de entornos, que o contêm.

2. Dados dois entornos de um mesmo ponto, existe sempre um outro

entorno deste ponto que é contido nos entornos dados.

3. Se um ponto b pertence a um entorno α de outro ponto a, existe um

entorno de b todo contido em α.

4. Dados dois pontos distintos a e b, pode-se sempre achar um entorno

α de a e um entorno β de b, sem pontos comuns.

Verifica-se facilmente que estas quatro propriedades são satisfeitas pelo

sistema de entornos completos, ou pelo sistema de entornos esquerdos ou

pelo sistema de entornos direitos.

§ 18. Elementos infinitos. Suponhamos que, definida uma classe mino-

rante com a propriedade 2), do § 14, se verifique que todos os números reais

pertencem a esta classe, isto é, que essa classe não satisfaça à propriedade 1).

Diremos então que tal classe define o elemento `8 (mais infinito, ou infinito

positivo), que por definição é maior que todos os números reais; o mesmo

elemento pode ser definido por uma classe majorante que, pela sua defini-

ção, não contenha nenhum elemento, ou, como diremos por uma extensão

de linguagem, por uma classe majorante que seja vazia.

Da mesma forma, se, definida uma classe majorante, reconhecermos que

ela contém todos os números reais, dizemos que essa classe define o elemento

Page 28: Curso de Analise Matematica 1

20 I. TEORIA DOS NÚMEROS REAIS

´8 (menos infinito ou infinito negativo), que também é definido por qual-

quer classe minorante que seja vazia, e que é menor que qualquer número

real relativo.

Essas classes que definem os elementos infinitos chamam-se classes mino-

rantes ou majorantes impróprias.

Note-se porém que esses elementos infinitos não são números e portanto

não podem intervir em operações nem fazer parte de conjuntos de números

reais.

O par de elementos `8 e ´8 chama-se simplesmente infinito (8) e para

ele não se definem as desigualdades. Para esclarecimento chamaremos algu-

mas vezes ponto ou número finito, qualquer ponto ou número real propria-

mente dito.

Estende-se a noção de intervalo dada no parágrafo anterior, admitindo

que um dos extremos seja `8 ou ´8, não podendo este elemento fazer parte

do intervalo, pois não é um número real. Um intervalo nestas condições diz-

se infinto ou ilimitado,, e em contraposição, um intervalo cujos extremos são

finitos diz-se finito ou limitado. O intervalo aberto ´8 ´ ` 8 coincide com

o campo real.

Chama-se entorno direito do infinito, todo intervalo aberto ´8 ´ a e

entorno esquerdo do infinito, todo intervalo b ´ ` 8. A reunião de um

entorno direito ´8 ´ a e de um entorno esquerdo b ´ ` 8, em que seja

a ă b, chama-se simplesmente entorno do infinito, que também se pode

definir como o conjunto de pontos externos a um intervalo fechado a $% b.

Se os extremos deste intervalo são ´k e `k, com k ą 0, obtemos o conjunto

dos números x tais que |x| ą k, que se chama entorno simétrico ou entorno

(k) do infinito.

Exercícios

1. Demonstrar, usando exclusivamente os postulados de PEANO, as pro-

priedades das operações, de que trata o § 3.

2. Demonstrar a propriedade distributiva do produto de números racio-

nais.

3. Desenvolver, baseando exclusivamente nas definições dadas, as propri-

edades da desigualdade entre números reais positivos (§ 11).

4. Chama-se enumerável todo conjunto cujos elementos podem ser pos-

tos em correspondência com os números naturais, correspondendo a cada

elemento um número e vice-versa. Demonstrar a) que toda parte infinita

de um conjunto enumerável é enumerável; b) que o conjunto dos pares de

Page 29: Curso de Analise Matematica 1

EXERCÍCIOS 21

números naturais é enumerável (basta colocá-los na ordem: p1, 1q, p2, 1q,p1, 2q, p3, 1q, p2, 2q, p1, 3q, p4, 1q, p3, 2q, . . . ); c) que o conjunto dos números

racionais é enumerável.

5. O campo real não é enumerável. (Basta considerar os números re-

ais entre 0 e 1. Se esse conjunto fosse enumerável, a cada número natural

n corresponderia um número real an, representável como número decimal

0,an1an2 . . . e com esse processo todos os números entre 0 e 1 estariam

computados. Ora, o número b “ 0,b1b2 . . .bn . . . em que bn “ ann ` 1,

para ann ‰ 9 e bn “ 8 para ann “ 9 não pode coincidir com nenhum

número an, pois o seu enésimo algarismo da parte decimal é certamente dis-

tinto do de an; logo b não está computado entre os an, o que demonstra a

contradição.)

6. Representar sobre a reta o conjunto dos números

anm “ n´ 1n

` m´ 1m

ˆ

n

n` 1´ n´ 1

n

˙

em que m e n são números naturais.

Mostrar que cada elemento desse conjunto tem um sucessor bem deter-

minado.

Page 30: Curso de Analise Matematica 1
Page 31: Curso de Analise Matematica 1

CAPÍTULO II

Potências e Logaritmos dos Números Reais

§ 1. Potência com expoente inteiro e positivo. Seja a um número real

qualquer. As igualdades

(1) a1 “ a e an`1 “ an.a

definem, para qualquer número natural n, a expressão an, que se chama

potência nª (enésima) de a, em que a é a base e n é o expoente. Para n ą 1,

an pode ser definido como o produto de n fatores iguais a a. Da definição

(1) e da propriedade associativa do produto, se deduz, quaisquer que sejam

os números naturais n e p,

(2) an.ap “ an`p,

propriedade que se estende a um número qualquer de potências da mesma

base a. Se tivermos q fatores iguais a an, resulta

(3) panqq “ anq.

Enfim, das propriedades comutativa e associativa do produto segue-se tam-

bém

(4) pabqn “ an.bn,

pois temos n fatores iguais a a e n iguais a b; esta última propriedade (pro-

priedade distributiva da potenciação em relação ao produto) se estende a um

número qualquer de fatores. Se nesta fórmula (4) pusermos ab “ c, supondo

b ‰ 0, deduzimos an “ cnbn, ou

(5)´ c

b

¯n

“ cn

bn

o que também se poderia deduzir diretamente da definição.

§ 2. Potência com expoente negativo ou nulo. Da fórmula (2) do pará-

grafo anterior, se deduz, pondo n` p “ m sendo a ‰ 0,

(1) am´p “ am

ap

23

Page 32: Curso de Analise Matematica 1

24 II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS

esta fórmula só tem significação para m ą p, pois até aqui só definimos

potências com expoente positivo; temos portanto liberdade de dar uma defi-

nição de potência com expoente negativo ou nulo; mas essa definição só terá

utilidade se for mantida a propriedade formal (1). Para isso, notemos que se

em (1) pusermos m “ p, obteremos

(2) a0 “ 1

fórmula que adotamos para definição de potência com expoente nulo, qual-

quer que seja a ‰ 0. Pondo depois em (1) m “ 0, obtemos, para cada

número natural p, a fórmula

(3) a´p “ 1ap

que adotamos também para definição de potência com expoente negativo,

para a ‰ 0. Desta maneira fica definida a potência ap, sendo p um número

inteiro relativo qualquer. Se p ą 0, esse conceito se aplica qualquer que seja

o número real a. Se p ď 0, devemos ter sempre a ‰ 0.

É fácil ver que as potências com expoente inteiro relativo gozam das

propriedades fundamentais (2), (3) e (4) do parágrafo anterior. Com efeito, a

primeira dessas fórmulas serviu para a extensão desse conceito, para n`p “m ă p, isto é, quando n é negativo ou nulo. Temos depois

a´n.a´p “ 1an

.1ap

“ 1an.ap

“ 1an`p “ a´n´p.

As fórmulas (3) e (4) se demonstram com facilidade, em todos os casos.

§ 3. Propriedades das potências em relação às desigualdades. Notemos

antes de tudo que das definições dadas se deduz que a) uma potência com

expoente positivo só se anula quando a base é nula; b) uma potência com

expoente nulo ou negativo não se anula nunca; c) se a base a é diferente

de zero, a potência an terá o mesmo sinal que a ou será sempre positiva,

conforme seja n ímpar ou par; d) para a “ 1, todas as potências de a são

iguais a 1.

Suponhamos agora a ą 0. Todas as potências de a com expoente inteiro

relativo são positivas. Quanto às relações de desigualdade, temos três casos

a considerar:

1) a ą 1. Neste caso temos sempre an`1 “ an.a ą an, e portanto, para

n ą 1, temos an ą 1. Em geral, sendo n e p dois números relativos tais

que n ą p, temos an´p ą 1, logo, an “ ap.an´p ą ap, isto é, quando o

expoente cresce, a potência também cresce.

Page 33: Curso de Analise Matematica 1

II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS 25

2) a ă 1. O raciocínio anterior se aplica ao número 1a ą 1, donde se

conclui que quando o expoente cresce a potência decresce, isto é se p ă q

temos sempre ap ą aq.

3) a “ 1. Neste caso, qualquer que seja n temos sempre an “ 1n “ 1, e

não há relações de desigualdade a considerar.

TEOREMA. Sendo a ą 1, dado um número positivo arbitrário A, há

sempre um número inteiro n tal que

(1) an ą A.

Ponhamos, com efeito, a “ 1`h (h ą 0). Temos evidentemente, supondo

n ą 1,

an ´ 1 “ pa´ 1qpan´1 ` an´2 ` ¨ ¨ ¨ ` a` 1q ą h.n ou an ą 1 ` h.n.

Para que seja satisfeita a desigualdade (1) basta fazer com que seja 1 `nh ą A, ou

n ą A´ 1h

.

COROLÁRIO. Sendo a ă 1, dado um número positivo arbitrário h, há

sempre um número inteiro n tal que se tenha an ă h; basta tomar n tal

que seja p1aqn “ 1an ą 1h, o que é possível pelo teorema anterior, pois

temos aqui 1a ą 1.

Recordando ainda a definição que demos em (3) no § 2, vemos que as

propriedades anteriores se podem resumir como segue (supondo sempre a ą0):

Dado o número arbitrariamente grande A é sempre possível achar um

número natural n tal que se tenha an ą A, se a ą 1 e a´n ă A se a ă 1;

dado o número positivo h arbitrariamente pequeno, é sempre possível achar

um número natural n satisfazendo às desigualdades a´n ă h se a ą 1 e

an ă h se a ă 1. Determinado esse número n, as mesmas desigualdades são

satisfeitas para qualquer outro natural maior que n.

Vemos ainda que qualquer que seja o número natural n temos sempre

(2) an T 1 e a´n S 1, conforme seja a T 1.

Daqui se deduz que de

(3) a T b segue-se, respectivamente, an T bn

pois temos, respectivamente, ab T 1. (a e b positivos.)

Page 34: Curso de Analise Matematica 1

26 II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS

§ 4. Raízes e propriedades dos radicais. Seja a um número real qualquer

e n um número natural ą 1. Vamos ver se é possível determinar um número

real b que satisfaça à condição

bn “ a.

Quando esse número b existe, chama-se raiz de índice n, ou raiz enésima

(nª) de a, e indica-se com a notação n?a. Esta expressão chama-se também

um radical e a a quantidade sub-radical ou o radicando. Antes de prosseguir,

façamos algumas observações.

a) Se a “ 0, temos sempre uma e uma única solução b “ 0.

b) Se a é negativo e n é par, não existe nenhuma solução, pois qualquer

número real positivo ou negativo elevado a uma potência com expoente par

dá um resultado positivo.

c) Se a é positivo e n par, se existir uma solução positiva b, existirá

forçosamente outra, negativa, ´b, pois temos p´bqn “ bn “ a.

d) Se n é ímpar, se existir uma solução b, o número ´b satisfará à condi-

ção p´bqn “ ´a.

Vemos pois que basta examinar o problema da pesquisa de uma raiz

positiva de um número a positivo, isto é, estudar o problema da extração

da raiz de índice n no campo real absoluto. Neste caso, como passamos a

demonstrar, existe sempre um e um único número real absoluto que é solução

do problema.

Para isto, separemos os números reais absolutos em duas classes K e K 1,

caracterizadas respectivamente pelas condições

kn ď a e kn ě a.

É fácil ver que essas duas classes formam uma partição (I, § 13) desse

campo; com efeito, essas classes não são vazias, já que todo número menor

que 1 e que a pertence a K e todo número maior que 1 e que a pertence a K 1,

e além disto temos sempre k ă k 1, pois se fosse k ą k 1, elevando à potência n

teríamos kn ą k 1n, o que é absurdo. Seja b o elemento de separação dessas

duas classes. Se tivéssemos a ă bn, pela definição de produto haveria n

números racionais menores que b (da classe minorante de b) cujo produto

seria maior que a, e sendo ξ o maior deles, teríamos a ă ξn ă bn, o que

é absurdo, pois ξ (ă b) deve pertencer à classe K. Da mesma maneira se

demonstra que não podemos ter bn ă a, logo temos forçosamente bn “ a.

Determinada assim, para a positivo, a raiz positiva b “ n?a, das obser-

vações anteriores a) e d), deduzimos que a equação,

xn “ a,

Page 35: Curso de Analise Matematica 1

II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS 27

tem uma única raiz x “ 0, se a “ 0; não admite solução, para a ă 0 e n

par; tem duas raízes opostas, ˘ n?a, se a ą 0 e n é par; tem uma única raiz,

do mesmo sinal que a, se n é ímpar. Em geral, no símbolo n?a, quando a é

positivo e n par, subentende-se o sinal positivo, designando-se as duas raízes

com n?a “ ` n

?a e ´ n

?a.

No caso de ser n “ 1, é evidente que a única solução é b “ a, neste caso

o símbolo?¨ torna-se inútil. Quando n “ 2, escreve-se apenas

?a.

Demonstrada a existência de uma e uma única raiz nª de um número

real absoluto, no campo real absoluto, vamos estudar algumas propriedades

desta nova operação - a extração de raiz.

TEOREMA I. Multiplicando-se ou dividindo-se por um mesmo número o

índice da raiz e o expoente da quantidade sub-radical, o radical não se altera.

Seja b “ n?am, isto é, bn “ am. Elevando à potência p, temos

bnp “ amp

e portanto

b “ n?am “ np

?amp.

Esta propriedade dos radicais permite fazer sobre os mesmos duas ope-

rações importantes:

1) Simplificar um radical, dividindo por um mesmo número o índice e o

expoente, exemplo:6

?25 “ 6

a

52 “ 3?

5.

2) Reduzir radicais ao mesmo índice (m.m.c. dos índices dos radicais

dados). Sejam os radicais m?a, n

?b, p

?c. Seja r o m.m.c. dos índices m, n,

p, e seja r “ m.m 1 “ n.n 1 “ p.p 1. Os três radicais podem ser escritos sob a

forma

mm 1?am

1 “ r?am

1 ,nn 1?bn

1 “ r?bn

1 ,pp 1?cp

1 “ r?cp

1 .

Antes de efetuar esta redução é conveniente fazer, se for possível, a sim-

plificação anterior.

Esta última operação pode servir para a comparação de radicais de ín-

dices diferentes, pois quando os radicais têm índices iguais, as relações de

desigualdade são as mesmas que entre as quantidades sub-radicais, como re-

sulta da propriedade (3), no fim do § anterior.

TEOREMA II. O produto e o quociente de radicais do mesmo índice

acham-se efetuando essas operações sobre as quantidades sub-radicais.

Page 36: Curso de Analise Matematica 1

28 II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS

Sejam para multiplicar n?a. n

?b. Elevando à potência n, temos ((4), § 1),

p n?aqn.p n?bqn “ a.b e portanto n

?a. n

?b “ n

?ab. Para o quociente se aplica

analogamente a fórmula (5) do § 1.

Uma aplicação importante deste teorema consiste em fazer sair ou entrar

um fator no radical, ex.:

3?

135 “ 3?

5.27 “ 3?

5. 3?

27 “ 3. 3?

5

x

c

a´ 1x

“a

ax2 ´ x.

Vemos que para introduzir um fator ou um divisor dentro do símbolo do

radical, é preciso elevar esse fator ou divisor a um expoente igual ao índice

do radical.

TEOREMA III. Para elevar um radical a uma potência pode-se elevar a

essa potência a quantidade sub-radical.

Esse teorema se deduz imediatamente do anterior, aplicando este ao caso

de um maior número de fatores iguais. Se o índice do radical for divisível

pelo expoente, pode-se fazer depois a simplificação 1), e portanto neste caso

pode-se diretamente dividir o índice pelo expoente dado.

TEOREMA IV. Para extrair a raiz nª de um radical pode-se multiplicar

por n o índice do radical.

Este teorema se deduz imediatamente aplicando a fórmula (3), § 1, pois

temosˆ

n

b

p?a

˙np

“ p p?aqp “ a.

Este teorema se estende a um número qualquer de radicais superpostos:

n

c

p

b

q?a “ npq

?a.

Quanto às propriedades das raízes em relação às desigualdades, deduzem-

se imediatamente do § anterior:

1) De a ą 1 segue-se, qualquer que seja n ą 1, a ą n?a ą 1.

2) De a ă 1 segue-se, qualquer que seja n ą 1, a ă n?a ă 1.

3) Sendo a e b números reais positivos e a ą b, temos, qualquer que seja

o número natural n, n?a ą n

?b.

TEOREMA V. Sendo a ą 1, dado o número ε ą 0 arbitrário, é sempre

possível determinar um número natural n tal que se tenha

n?a ă 1 ` ε.

Page 37: Curso de Analise Matematica 1

II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS 29

Basta, com efeito, notar que pelo teorema do parágrafo anterior, pode-se

determinar n tal que seja satisfeita a desigualdade

p1 ` εqn ą a.

TEOREMA VI. Sendo 0 ă a ă 1, dado o número ε ą 0 arbitrário, pode-

se sempre determinar um número natural n tal que tenha

n?a ą 1 ´ ε

que se deduz do corolário do teorema citado. Estas duas propriedades são

também satisfeitas para todo número natural maior que o número n deter-

minado.

Note-se que todas essas propriedades se referem sempre ao campo real

absoluto. Para o campo real relativo basta levar em conta as observações a)

e d) do princípio deste parágrafo.

§ 5. Potências com expoente fracionário. O teorema I do parágrafo an-

terior e as aplicações 1) e 2) oferecem evidentes analogias com a propriedade

das frações, que não se alteram multiplicando-se numerador e denominador

por um mesmo número, assim como as aplicações desta propriedade, isto é:

simplificar uma fração e reduzir várias frações ao mesmo denominador. Por

outro lado, se m é divisível por p, temos

(1) p?am “ a

mp

pois o 2º membro, elevado à potência p, reproduz am. Esta fórmula só

tem significação, por enquanto, se mp for um número inteiro. Para maior

generalidade, pomos por definição a igualdade (1) mesmo para o caso em

que m não seja múltiplo de p. A legitimidade dessa definição é consequência

do teorema I citado, pois se mp “ nq, reduzida essa fração à expressão

mais simples rs, vemos que os dois radicais p?am e q

?an, simplificados, se

reduzem ao mesmo radical s?ar, sendo portanto,

amp “ a

nq “ a

rs .

O produto e o quociente de potências fracionárias de mesma base se

fazem de acordo com o teorema II do parágrafo anterior, reduzindo previa-

mente os expoentes fracionários ao mesmo denominador, que é o índice do

radical. Obtemos assim:

amn .a

pq “ n

?am. q

?ap “ nq

?amq. nq

?anp “ nq

?amq`np “ a

mq`npnq “ a

mn `p

q

e da mesma forma obtemos também

amn : a

pq “ a

mn ´p

q .

Page 38: Curso de Analise Matematica 1

30 II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS

Estes resultados demonstram que a propriedade fundamental das potên-

cias (§ 1, fórmula (2)) se estende ao caso dos expoentes fracionários. Daqui

resulta imediatamente a propriedade (3), § 1, para o caso de n fracionário

e q inteiro; se q “ rs, basta pôr em evidência o número s como índice e

fazer as operações sob o radical; esta propriedade é portanto geral. Para a

propriedade (4), § 1, temos pondo n “ rs,

pabq rs “ sa

pabqr “ s?arbr “ s

?ar

s?br “ a

rsb

rs .

Enfim, todas as considerações do § 2 se aplicam ao caso dos expoentes

fracionários e portanto podemos definir em geral potência com expoente ra-

cional relativo qualquer, satisfazendo às mesmas propriedades formais que

as potências com expoente inteiro positivo.

Quanto às propriedades relativas às desigualdades, deduzem-se também

com facilidade das propriedades 1), 2) e 3) do § anterior: Qualquer que seja

o número racional positivo h, de

a T 1 segue-se, respectivamente, ah T 1,

donde se deduz que de

a T b segue-se, respectivamente, ah T bh.

Deduz-se que, sendo p e q dois números racionais quaisquer e a ą 1 um

número real, se tivermos p ą q, teremos ap ą aq; com efeito, ponhamos

p “ q` h, (h ą 0); temos, como já vimos, ap “ aq.ah, e como ah ą 1, etc.

Se tivermos 0 ă a ă 1, teremos, na mesma hipótese, ap ă aq.

Enfim, usando expoentes fracionários, podemos dar outra forma aos te-

oremas V e VI do § anterior:

TEOREMA I. Sendo a ą 1, dado o número ε ą 0 arbitrário, pode-se

sempre achar um número racional positivo h tal que se tenha

ah ă 1 ` ε.

TEOREMA II. Sendo 0 ă a ă 1, dado o número ε ą 0 arbitrário, pode-se

determinar um número racional positivo h tal que se tenha

ah ą 1 ´ ε.

Estas desigualdades são também satisfeitas para todo expoente menor

que o número h determinado. Para satisfazê-las basta pôr h “ 1n e aplicar

os teoremas já demonstrados.

Page 39: Curso de Analise Matematica 1

II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS 31

§ 6. Potências com expoente real. No parágrafo anterior definimos a

operação de potenciação para uma base a - número real absoluto qualquer

- e um expoente racional relativo. Vamos estender esta definição ao caso de

um expoente real relativo; para isto nos basearemos nas propriedades das

desigualdades. Seja α “ a|a 1 um número qualquer definido por uma secção

do campo racional e b ą 1 um número real positivo. Consideremos as duas

classes de números reais positivos: H - dos números ba e H 1 - dos núme-

ros ba1. As duas classes são portanto separadas. Para demonstrar que são

contíguas basta verificar que dado ε ą 0 arbitrário é possível determinar um

número a e um número a 1 tais que

ba1 ´ ba ă ε.

Ora, 1º membro desta desigualdade pode-se escrever, como já foi de-

monstrado para expoentes racionais,

bapba 1´a ´ 1q;

seja M um número maior que algum número ba1; teremos também ba ă M

e portanto a desigualdade anterior será satisfeita se tivermos

ba1´a ă 1 ` ε

M

e isto é possível, pois a diferença a 1 ´ a pode-se tornar tão pequena quanto

se queira.

Vemos assim que as classes H e H 1 atrás definidas formam um par de

classes contíguas que definem um número real positivo que se designa com o

símbolo bα, estendendo assim a definição de potência ao caso de um expo-

ente real qualquer. Este número bα satisfaz às desigualdades ba ă bα ă ba1.

Para b “ 1, pomos por definição bα “ 1α “ 1.

Para b ă 1, mantendo a definição das potências com expoente negativo,

pomos

bα “ˆ

1b

˙´α“ 1 :

ˆ

1b

˙α

.

Da definição dada, deduz-se facilmente que de α ă β segue-se bα ă bβ,

quaisquer que sejam os números reais relativos α e β, sendo b ą 1. As outras

propriedades das desigualdades se deduzem da mesma maneira que para os

expoentes racionais.

Quando α “ a|a 1 é racional, as desigualdades ba ă bα ă ba1

mos-

tram que o número bα definido por elas deve forçosamente coincidir com o

número bα já definido para o caso das potências com expoente racional; o

mesmo resultado se estende para o caso em que b ď 1.

Page 40: Curso de Analise Matematica 1

32 II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS

Estabelecidas as propriedades das desigualdades, pelo mesmo raciocínio,

empregado várias vezes no estudo dos números reais, verificam-se as outras

propriedades das potências. Assim, sendo α “ a|a 1 e γ “ c|c 1, temos, su-

pondo b ą 1,

ba ă bα ă ba1

bc ă bγ ă bc1

donde

ba.bc “ ba`c ă bα.bγ ă ba1.bc

1 “ ba1`c 1

.

Mas por outro lado temos também

a` c ă α` γ ă a 1 ` c 1

donde

ba`c ă bα`γ ă ba1`c 1

e como os membros extremos destas desigualdades formam um par de classes

contíguas, temos enfim,

bα.bγ “ gα`γ.

De maneira análoga se demonstram as outras propriedades das potên-

cias:

pbαqγ “ bαγ pb.dqα “ bα.bγ.

§ 7. Função exponencial. Tomemos agora a expressão em que bx é um

número real ą 1 e x um número variável que toma todos os valores reais, en-

tre ´8 e `8. Como já vimos, quando x cresce, bx também cresce. Quando

x é negativo e aumenta em valor absoluto, bx se aproxima de zero, podendo-

se tornar menor que qualquer número positivo dado. Se x tende a zero, bx se

aproxima de 1; se x aumenta indefinidamente por valores positivos, o mesmo

acontece com bx, que se pode tornar maior que qualquer número dado. Es-

tas propriedades são ilustradas na figura, onde está desenhada a curva de

equação y “ bx.

A expressão bx tem o nome de função exponencial. No parágrafo se-

guinte examinaremos o problema que consiste em determinar x de modo a

satisfazer à relação bx “ a, sendo a um número real positivo.

§ 8. Logaritmos e suas propriedades. Seja dado um número real positivo

b ą 1. Vamos demonstrar que a cada número real e positivo a corresponde

um e um único número real relativo x que satisfaz à condição

(1) bx “ a.

Page 41: Curso de Analise Matematica 1

II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS 33

0

1

1

b

x

y

y “ bx

Separemos o campo real relativo

em duas classes: K, de números k, e

K 1, de números k 1, tais que se tenha

sempre bk ď a ď bk1.

Pelo que vimos atrás, sendo a ą0 e b ą 1, existem certamente nú-

meros nas duas classes e temos sem-

pre k ă k 1. Essas classes formam

pois uma partição, que determina o

número real ξ; vê-se como no § 4

que bξ não pode diferir de a, e por-

tanto a equação acima tem uma solução. Esta aliás é única, pois sabemos

que de x ‰ ξ, segue-se bx ‰ bξ.

O número assim determinado chama-se logaritmo de a na base b e de-

signa-se com a notação logb a. A base é sempre suposta maior que 1; podia-

se também considerar uma base b 1 ă 1, mas como temos b 1x “ p1b 1q´x,

o problema se reconduziria facilmente ao da pesquisa do logaritmo em uma

base 1b 1 maior que 1. Enfim, para b “ 1, o problema só é possível se a “ 1,

e neste caso é indeterminado.

As propriedades dos logaritmos se deduzem imediatamente das proprie-

dades das potências com expoente real. Vê-se que quando um número varia

de 0 a `8 o seu logaritmo (em base b ą 1) varia de ´8 a `8. Qualquer

que seja a base, o logaritmo de 1 é sempre zero e o logaritmo de base é 1,

pois temos

b0 “ 1 e b1 “ b.

Fixada a base b, podemos como atrás considerar a expressão logb x. Esta

expressão tem o nome de função logarítmica e só é definida para x positivo,

e se anula para x “ 1. A curva de equação y “ logb x, chamada curva

logarítmica, se obtém da curva exponencial considerada atrás, trocando sim-

plesmente as coordenadas x e y, pois essa equação é equivalente a x “ by.

Essa troca corresponde geometricamente a fazer uma simetria da figura em

torno da bissetriz do primeiro quadrante.

Tomemos agora dois números positivos quaisquer a e c, e seja x “ logb a

e y “ logb c, isto é,

a “ bx e c “ by.

Das igualdades

ac “ bxby “ bx`y ea

c“ bx

by“ bx´y

Page 42: Curso de Analise Matematica 1

34 II. POTÊNCIAS E LOGARITMOS DOS NÚMEROS REAIS

deduz-se:

I. O logaritmo de um produto é a soma dos logaritmos dos fatores. (Este

teorema se estende, naturalmente, a um número qualquer de fatores.)

II. O logaritmo de um quociente é igual à diferença entre o logaritmo do

dividendo e o do divisor.

Temos também, sendo r um número real qualquer,

ar “ pbxqr “ brx,

donde

III. O logaritmo de uma potência é igual ao logaritmo da base multipli-

cado pelo expoente.

No caso particular em que r “ 1n, sendo n inteiro, temos:

IV. O logaritmo de uma raiz é igual ao logaritmo do radicando dividido

pelo índice da raiz.

Estas quatro regras mostram a grande vantagem prática que se pode tirar

dos logaritmos, pois reduzem operações complicadas a operações mais sim-

ples, bastando para isso ter uma táboa de logaritmos, isto é, uma tabela que

ao lado de cada número dê o seu logaritmo (aproximado até uma certa casa

decimal, pois os logaritmos de números racionais são em geral irracionais).

As táboas mais comuns são as que dão os logaritmos de base 10, tam-

bém chamados logaritmos vulgares ou de BRIGGS. Também se usam os

chamados logaritmos naturais ou neperianos, que têm por base o número

e “ 2, 71828183 . . . que será definido no capítulo IV. Os logaritmos de um

mesmo número x em dois sistemas de bases b e b 1 estão ligados por uma

relação da forma

logb 1 x “ M logb x,

sendo M um número independente de x, chamado módulo da mudança de

base. Com efeito, de y “ logb x, ou x “ by, tira-se, tomando nesta última

igualdade, os logaritmos na base b 1,

logb 1 x “ y logb 1 b “ logb 1 b. logb x.

Vemos assim que o módulo da mudança de base é o logaritmo da base

antiga no novo sistema. Em particular, temos, para a passagem dos logarit-

mos vulgares para os neperianos e vice-versa,

loge 10 “ 2, 30258509 . . . log10 e “ 0, 43429448 . . . .

Se na relação acima fazemos x “ b 1, temos logb 1 x “ 1, donde se deduz,

para b e b 1 quaisquer, a relação logb 1 b. logb b1 “ 1, que aliás era evidente

pela regra anterior.

Page 43: Curso de Analise Matematica 1

EXERCÍCIOS 35

Sobre o uso das táboas não nos estenderemos, pois esse estudo faz parte

do curso de álgebra elementar.

Exercícios

1. Sendo a e b dois números positivos quaisquer, mostrar que a sua média

geométrica?ab é sempre menor que a média aritmética 12pa ` bq, a não

ser que esses números sejam iguais.

2. Demonstrar que a seguinte desigualdade é válida quaisquer que sejam

os números reais a1, b1, a2, etc.:

pa1b1 ` ¨ ¨ ¨ ` anbnq2 ď pa21 ` ¨ ¨ ¨ ` a2

nqpb21 ` ¨ ¨ ¨ ` b2

nq

(basta considerar a expressãoř

paix` biq2, que ordenada em relação a x dá

um trinômio do segundo grau, que não pode tomar valores negativos).

3. Demonstrar, por indução, que para x ą ´1 e ‰ 0, vale sempre a

seguinte relação (chamada desigualdade de BERNOULLI):

p1 ` xqn ą 1 ` nx.

4. Mostrar que todo polinômio em?x pode ser posto sob a forma Ppxq`

Qpxq?x, sendo P eQ polinômios em x; o mesmo teorema vale para qualquer

função racional de x.

5. Demonstrar a igualdade

1

3?

2 ` 13?

2 ` 1

` 3?

2 “3

?2

3?

2 ´ 1´ 3.

6. Mostrar que o número 213 ` 2´ 1

3 é raiz da equação

x3 ´ 3x “ 52

.

7. Mostrar que a diferença?n` 1´?

n diminui tendendo a zero, quando

n aumenta, e que essa diferença é menor que o número positivo h se tomar-

mos n ą 14h2.

8. Provar que, quaisquer que sejam a, b, c, diferentes de 1, temos sempre

loga b. logb c. logc a “ 1.

9. Esboçar o gráfico da função y “ logx a, para a ą 0.

10. Resolver o sistema: xx´y “ y4a, yx´y “ xa.

11. Conhecendo o valor de log10 2 “ 0, 301030, calcular o logaritmo, na

mesma base 10, de7

a

0, 0128. 3a

6, 25.

Page 44: Curso de Analise Matematica 1
Page 45: Curso de Analise Matematica 1

CAPÍTULO III

Números Complexos

§ 1. Definição e operações. Procedendo como no capítulo I, vamos pri-

meiramente designar um número real relativo qualquer a pela notação pa, 0q.É claro que para efetuar qualquer operação entre os números reais pa, 0q e

pb, 0q, basta efetuar essas operações entre os primeiros números de cada par,

deixando o zero inalterado.

Posto isto, chamaremos número complexo a todo par ordenado pa,bq de

números reais; dois números complexos só são iguais quando forem iguais

respectivamente os primeiros e segundos números que os definem, isto é,

temos pa,bq “ pc,dq, quando e somente quando a “ c e b “ d; por essa de-

finição ficam mantidas evidentemente as propriedades da igualdade. Vemos

que os números reais relativos são particulares números complexos, com se-

gundo número nulo; os números complexos não reais, serão chamados ima-

ginários, e aqueles para os quais o primeiro número é nulo, isto é, os números

da forma p0,bq, com b ‰ 0, serão chamados imaginários puros.

A soma de números complexos se define pela igualdade

pa,bq ` pc,dq “ pa` c,b` dq,

que se estende a um número qualquer de parcelas. Esta operação é comu-

tativa e associativa, e tem uma inversa, que é a diferença pa,bq ´ pc,dq “pa´ c,b´ dq, que goza das mesmas propriedades que no campo real.

O número real 0 “ p0, 0q, mantém aqui a sua propriedade fundamental:

é o único número que somado com qualquer outro dá uma soma igual a este.

O produto de um número complexo por um número real é definido por

c.pa,bq “ pa,bq.c “ pca, cbq;

daqui se deduz que o produto de qualquer número complexo por 0 é 0.

Pelas definições dadas até agora se vê que todo número complexo α “pa,bq pode ser decomposto como segue:

pa,bq “ pa, 0q ` p0,bq “ a` b.p0, 1q.37

Page 46: Curso de Analise Matematica 1

38 III. NÚMEROS COMPLEXOS

Este número p0, 1q chama-se unidade imaginária e se designa pelo sím-

bolo i. A expressão

a` bi

chama-se forma algébrica do número complexo α. A parcela a chama-se

parte real de α e designa-se com R pαq, e a parcela bi, parte imaginária; o

número real b é o coeficiente do imaginário e designa-se com I pαq. Daqui

por diante escreveremos o número complexo sempre sob a forma algébrica.

Para definir o produto de dois números complexos, basta agora impôr a

propriedade distributiva e definir o quadrado da unidade imaginária; pomos

então, por definição, i2 “ ´1, donde se deduz

pa` biqpc` diq “ ac` pad` bcqi ` bdi2 “ pac´ bdq ` pad` bcqi.

Assim fica definido o produto de dois números complexos como um nú-

mero complexo, e esta operação goza, pela própria definição, das proprie-

dades comutativa e distributiva; facilmente se verifica também a propriedade

associativa.

Chama-se quociente de dois números complexos a ` bi (dividendo) e

c ` di (divisor), um número x ` yi que multiplicado por c ` di reproduza

a`bi; vê-se logo que se tivermos a`bi ‰ 0 e c`di “ 0, não existe solução.

Supondo então c` di ‰ 0, devemos ter pc` diqpx` yiq “ a` bi, e portanto

cx´ dy “ a dx` cy “ b.

O determinante desse sistema é c2 ` d2, número positivo, já que excluí-

mos a hipótese de ser c “ d “ 0; temos portanto uma única solução:

x` yi “ a` bi

c` di“ ac` bdc2 ` d2 ` bc´ ad

c2 ` d2 i.

Aliás, esse quociente acha-se mais facilmente multiplicando o dividendo

e o divisor por c´ di, o que não altera o resultado e torna o divisor real:

a` bi

c` di“ pa` biqpc´ diq

pc` diqpc´ diq “ ac` bd` pbc´ adqi

c2 ` d2 .

Se tivermos a` bi “ 0, teremos também x` yi “ 0. Verificamos assim a

propriedade do produto, válida em todos os campos de números (que contêm

o zero) estudados até aqui: o produto de dois números complexos só se anula

quando um dos fatores é nulo.

Assim ficam definidas para os números complexos todas as operações

racionais, para as quais são mantidas as mesmas propriedades formais que

no campo real, com exceção das que se referem aos conceitos de maior e

menor, que não são definidos neste novo campo. Para o cálculo com os

Page 47: Curso de Analise Matematica 1

III. NÚMEROS COMPLEXOS 39

números complexos sob a forma algébrica, note-se que de i2 “ ´1, segue-

se i3 “ i2.i “ ´1.i “ ´i, e i4 “ pi2q2 “ p´1q2 “ 1; para outra potência

qualquer im, sendo q o quociente e r o resto da divisão de m por 4, temos,

usando a propriedade associativa do produto e a igualdade i4q “ 1q “ q,

válida para qualquer número inteiro q,

im “ i

4q`r “ i4q

ir “ i

r “ 1, i, ´1, ´i

conforme seja o resto 0, 1, 2 ou 3.

Deduz-se também que todas as propriedades das potências inteiras rela-

tivas que se deduzem das propriedades associativa e comutativa do produto

se estendem ao campo complexo. Quanto à extração de raízes, veremos no

fim deste capítulo.

§ 2. Complexos conjugados. Norma e módulo. Dado um número com-

plexo α “ a ` bi, chama-se número complexo conjugado de α, e indica-se

com a notação α, o número a´bi obtido de αmudando o sinal do coeficiente

do imaginário, ou mudando i em ´i. Evidentemente, o conjugado de α é o

próprio α; diz-se também, por isso, que os números α e α são conjugados.

O conjugado da soma ou diferença de dois números complexos α “a` a 1i e β “ b` b 1i é a soma ou diferença dos conjugados, pois temos

pa˘ bq ´ pa 1 ˘ b 1qi “ pa´ a 1iq ˘ pb´ b 1

iq.

O conjugado de um produto αβ é o produto dos conjugados. Basta,

para prová-lo, recordar a definição do produto; também se pode observar

que mudando i em ´i, o produto i2 não se altera e portanto a parte real do

produto dos conjugados é a mesma que a do produto dos números dados, ao

passo que o coeficiente de i muda de sinal.

Daqui se deduz que o conjugado do quociente de dois complexos é o

quociente dos seus conjugados, pois de

αβ “ α.β

segue-se, pondo αβ “ γ, e supondo α ‰ 0,

β “´γ

α

¯

“ γ

α.

Aplicando repetidamente esses teoremas se deduz que o conjugado de

qualquer expressão racional se obtém substituindo cada número complexo

que intervém na expressão pelo seu conjugado.

Para que um número α “ a`bi seja igual ao seu conjugado é necessário

e suficiente que seja b “ 0, isto é, que o número α seja real, pois devemos ter

b “ ´b.

Page 48: Curso de Analise Matematica 1

40 III. NÚMEROS COMPLEXOS

A soma e o produto de dois complexos conjugados a`bi e a´bi são os

números reais 2a e a2 ` b2. Reciprocamente, se a soma e o produto de dois

números complexos a` bi e c` di são reais e se um desses números a` bi

não é real, eles são complexos conjugados. Com efeito, devendo a soma ser

real, temos b ` d “ 0, ou ´ab ` bc “ 0, donde, dividindo por b, que por

hipótese não é nulo, resulta a “ c.

O produto de um número complexo α “ a ` bi pelo seu conjugado é,

como acabamos de ver, pa ` biqpa ´ biq “ a2 ` b2, isto é, um número real

não negativo, que se chama norma do número α. A sua raiz quadrada não

negativa chama-se módulo desse mesmo número α e indica-se com a notação

|α|:

(1) |α| “ |a` bi| “ `a

a2 ` b2.

Tanto o módulo como a norma de um número complexo só se anulam

quando o número dado é nulo, isto é, se a “ b “ 0. É evidente também que

os quatro números

α “ a` bi ´ α “ ´a´ bi

α “ a´ bi ´ α “ ´a` bi

têm a mesma norma e o mesmo módulo. De (1) se deduz também |a| ď |α| e

|b| ď |α|, isto é, o valor absoluto da parte real e do coeficiente do imaginário

de um número complexo não pode superar o módulo desse número.

No caso de um número real, o módulo se confunde com o valor abso-

luto, como se deduz de (1), pondo b “ 0. É por esta razão que se usa a

mesma notação para esses dois entes. Mas além disto, as propriedades são

formalmente as mesmas em todo o campo complexo, como vamos ver:

1. O módulo de um produto é igual ao produto dos módulos dos fatores.

Sejam dados os dois fatores α e β. Sendo αβ “ α.β, temos

αβ.αβ “ α.β.α.β “ αα.ββ

oub

αβ.αβ “?αα.

b

ββ

isto é, pela definição do módulo,

(2) |αβ| “ |α|.|β|.

Pondo nessa igualdade αβ “ γ obtemos como consequência,

2. O módulo do quociente de dois números é igual ao quociente dos

módulos desses números.

Page 49: Curso de Analise Matematica 1

III. NÚMEROS COMPLEXOS 41

3. O módulo de uma soma é no máximo igual à soma dos módulos das

parcelas.

Esta propriedade é imediata se α ` β “ 0. Para α` β ‰ 0, partimos da

identidadeα

α` β ` β

α` β “ 1;

sendo o segundo membro real, temos aqui, R pαpα` βqq ` R pβpα` βqq “1, e pela propriedade demonstrada acima para qualquer número γ (|γ| ě|R pγq | ě R pγq), temos

ˇ

ˇ

ˇ

ˇ

α

α` β

ˇ

ˇ

ˇ

ˇ

ˇ

ˇ

ˇ

β

α` β

ˇ

ˇ

ˇ

ˇ

“ |α||α` β| ` |β|

|α` β| ě 1

e multiplicando pelo número positivo |α` β|,

(3) |α| ` |β| ě |α` β|

como queríamos demonstrar.

4. O módulo de uma diferença é maior ou igual à diferença dos módulos.

Basta pôr em (3) α` β “ γ, donde β “ γ´ α, e

(4) |γ´ α| ě |γ| ´ |α|.

Notando que em (3) e (4) podemos substituir α por ´α, pois |´α| “ |α|,concluimos as seguintes desigualdades, que resumem os teoremas 3. e 4.:

(5) |β| ´ |α| ď |β˘ α| ď |β| ` |α|.

§ 3. Aplicações. Das propriedades dos complexos conjugados se deduz

o seguinte teorema: se uma equação algébrica de coeficientes reais

(1) a0xn ` a1x

n´1 ` ¨ ¨ ¨ ` an´1x` an “ 0

tem uma raiz imaginária α, o conjugado α também é raiz dessa equação,

com a mesma multiplicidade. Com efeito, o conjugado da expressão a0αn`

¨ ¨ ¨ ` an é a0αn ` a1α

n´1 ¨ ¨ ¨ ` an, e se uma dessas expressões é nula, a

outra também o é, o que demonstra a primeira parte do teorema. Mas nesta

hipótese, o primeiro da equação (1) é divisível pelos dois binômios px´ αq e

px ´ αq, e portanto pelo seu produto, que é o trinômio de coeficientes reais

x2 ´ pα` αqx` αα; o quociente terá portanto coeficientes reais, logo se α é

raiz múltipla, isto é, se anular esse quociente, α terá a mesma propriedade,

e vice-versa; procedendo desta maneira, vemos que a multiplicidade de uma

dessas raízes é certamente igual à da outra.

Deduz-se deste resultado que se uma equação de 3º grau tem uma raiz

dupla, esta é forçosamente real, pois do contrário essa equação deveria ter

Page 50: Curso de Analise Matematica 1

42 III. NÚMEROS COMPLEXOS

duas raízes duplas imaginárias conjugadas, o que não é possível para equa-

ções de grau menor que 4. Vemos também que toda equação algébrica de

coeficientes reais de grau ímpar, tem ao menos uma raiz real, pois a soma das

multiplicidades das raízes imaginárias é certamente um número par.

§ 4. Forma trigonométrica dos números complexos, fórmula de MOI-

VRE. Tomemos um número complexo qualquer α “ a ` bi não nulo e seja

ρ o seu módulo. Como já vimos, temos sempre

ρ ě |a| ρ ě |b|

e portanto as duas frações aρ e bρ estão sempre compreendidas no inter-

valo ´1 $% `1. Estas frações satisfazem ainda à relaçãoˆ

a

ρ

˙2

b

ρ

˙2

“ a2 ` b2

ρ2 “ 1.

Podemos pois achar um ângulo ϕ tal que se tenha

(1) cosϕ “ a

ρe senϕ “ b

ρ.

Este ângulo ϕ pode ser determinado pela sua tangente ba, e o quadrante

a que pertence, pelos sinais do seno e do coseno, isto é, dos números a e b.

Evidentemente o ângulo ϕ, medido em radianos, está assim determinado a

menos de um múltiplo inteiro de 2π; se o ângulo ϕ satisfaz às igualdades (1),

o mesmo acontece com todos os ângulos compreendidos na fórmula ϕ`2kπ,

sendo k um número inteiro relativo qualquer. Qualquer um desses ângulos

se chama argumento do número complexo dado.

Das fórmulas (1), tiramos

(2) a “ ρ cosϕ e b “ ρ senϕ

donde

(3) α “ ρpcosϕ` i senϕq.

Esta é a forma trigonométrica do número complexo, em que se põem em

evidência o módulo e o argumento. As vantagens dessa forma trigonométrica

aparecem principalmente no produto e nas potências: tomemos os números

α “ ρpcosϕ` i senϕq e β “ σpcosψ` i senψq

fazendo o produto e pondo em evidência os módulos ρ e σ, temos

αβ “ ρσpcosϕ` i senϕqpcosψ` i senψq “ ρσrpcosϕ cosψ´ senϕ senψq `ipsenϕ cosψ` cosϕ senψqs ou

(4) αβ “ pcospϕ`ψq ` i senpϕ`ψqq

Page 51: Curso de Analise Matematica 1

III. NÚMEROS COMPLEXOS 43

como o 2º membro já está sob a forma trigonométrica, verificamos nova-

mente que o módulo do produto αβ é igual ao produto dos módulos dos

fatores. Verificamos ainda mais, que o argumento de um produto é a soma

dos argumentos dos fatores. Daqui se deduz imediatamente que o argumento

de um quociente é igual à diferença entre o argumento do dividendo e o ar-

gumento do divisor.

A fórmula (4) se estende evidentemente a qualquer número de fatores.

Em particular, se tivermos n fatores iguais a α, obtemos a importante fór-

mula de MOIVRE:

αn “ ρnpcosnϕ` i sennϕq.Se pusermos, como para os números reais, α´n “ 1αn, aplicando a

este quociente a regra precedente, tomando para 1 o argumento 0, temos

imediatamente

α´n “ ρ´npcos ´nϕ` i sen ´nϕq,o que estende a fórmula de MOIVRE ao caso das potências negativas; para

n “ 0, a mesma fórmula dá também, α0 “ 1 de acordo com a definição.

Mais adiante examinaremos a operação inversa da potenciação.

É útil também introduzir a notação

(5) eiϕ “ cosϕ` i senϕ

em que ϕ é um número real qualquer, sendo portanto i um imaginário puro,

salvo para ϕ “ 0, em que obtemos, como no campo real, e0 “ 1. Nessa

notação a letra e entra somente como um símbolo; mas as propriedades de-

monstradas acima mostram que se tem eiϕ.eiψ “ eipϕ`ψq, isto é, a expres-

são eiϕ goza da mesma propriedade fundamental de uma potência. Mais

tarde veremos a conveniência de identificar o símbolo e com o número real

e “ 2, 71828 . . . , base dos logaritmos neperianos, a que já nos referimos

no § 8 do capítulo anterior. Com a notação (5) obtemos para todo número

complexo α de módulo ρ e argumento ϕ a representação

α “ ρeiϕ

que se chama forma exponencial do número complexo α.

§ 5. Representação geométrica dos números complexos. Tomemos em

um plano dois eixos orientados e retangulares, dispostos segundo a conven-

ção usada em Geometria Analítica, e sobre esses eixos a mesma unidade de

medida. A cada número complexo α “ a` bi, podemos fazer corresponder

um ponto P do plano, de coordenadas a e b; reciprocamente, a cada ponto P

do plano corresponde um par de números reais, que são as suas coordenadas

a e b, e portanto o número complexo α “ a ` bi. O ponto P chama-se

Page 52: Curso de Analise Matematica 1

44 III. NÚMEROS COMPLEXOS

afixo do número complexo correspondente e o plano sobre o qual se faz a

representação chama-se plano de ARGAND-GAUSS (também chamado plano

de GAUSS, ou de CAUCHY). Quando não houver confusão possível, designa-

remos o número complexo e seu afixo com a mesma letra.

O a

b

ϕ

ρ

P

x

y

Nessa representação, os núme-

ros reais são representados pelos

pontos de Ox, e os imaginários pu-

ros pelos de Oy, razão pela qual es-

ses são chamados, respectivamente,

eixo real e eixo imaginário. Res-

salta também claramente a signifi-

cação geométrica do módulo, que,

pelo teorema de PITÁGORAS, é igual

ao comprimento do raio vetor OP,

e do argumento, que é o ângulo que

esse raio vetor faz com Ox. Estes

números são portanto as coordenadas polares (raio vetor e anomalia) do

afixo do número dado. Os números complexos que têm o mesmo módulo

estão representados pelos pontos da circunferência de centro na origem e raio

ρ; os que têm o mesmo argumento, pelos pontos de uma semi-reta partindo

da origem.

´α α

´α α

ϕ

x

y

Dado um número complexo α,

e o seu afixo no plano de ARGAND-

GAUSS, o seu conjugado α será re-

presentado pelo ponto simétrico de

α em relação ao eixo Ox; o número

´α, oposto de α, pelo ponto simé-

trico de α em relação à origem e o

número ´α, oposto do conjugado

ou conjugado do oposto de α, pelo

ponto simétrico de α em relação ao eixo Oy. Esses números têm como argu-

mentos, respectivamente, ´ϕ, ϕ` π, e π´ϕ, ou estes números aumentados

de um múltiplo inteiro de 2π, sendo ϕ o argumento de α.

Dados dois números complexos α “ a ` bi e α 1 “ a 1 ` b 1i, a sua soma

é representada pelo ponto α` α 1, cujas coordenadas são as somas das coor-

denadas homônimas dos afixos dos números dados. Ora, pela propriedade

fundamental das projeções, o mesmo resultado se obtém construindo a dia-

gonal do paralelogramo de lados Oα e Oα 1, ou por outra, fazendo a soma

Page 53: Curso de Analise Matematica 1

III. NÚMEROS COMPLEXOS 45

dos dois vetores representados pelos segmentos orientados Oα e Oα 1. Como

temos α´α 1 “ α`p´α 1q, é fácil ver que a diferença desses vetores é represen-

tada pelo ponto que se obtém tirando de O uma paralela à segunda diagonal

do mesmo paralelogramo. Vemos assim que a soma de números complexos

se interpreta como soma de vetores no plano de ARGAND-GAUSS. Por esta

razão, indica-se também com α o vetor representado pelo segmento orien-

tado Oα.

Quanto ao produto, seja primeiramente β um número complexo de mó-

dulo 1. Sendo ψ o seu argumento, temos β “ cosψ ` i senψ. O produto

desse número por outro número qualquer α “ ρpcosϕ ` i senϕq “ ρeiϕ dá

outro número complexo do mesmo módulo que α e argumento igual ao de

α acrescido de ψ:

αβ “ ρ rcospϕ`ψq ` i senpϕ`ψqs “ ρeipϕ`ψq

podemos interpretar esse resultado, dizendo que o produto de α por β se

obtém fazendo girar de um ângulo ψ o vetor α; em particular, para mul-

tiplicar um número α por i basta fazer girar o vetor α de um ângulo reto

no sentido positivo. Para multiplicar α por um número real qualquer β “σpcosψ ` i senψq “ σeiψ, podemos multiplicá-lo primeiro por eiψ e depois

pelo número real σ, o que equivale a fazer girar o vetor α de um ângulo ψ e

depois multiplicar o seu módulo por σ.

ψ

ψ

N

M

P

α

β

γ

Esta operação pode ser cons-

truída geometricamente, quando é

dado o círculo de raio 1 com cen-

tro na origem. Para isso, constróem-

se a semi-reta OP, que faz com o

vetor α o ângulo ψ e sobre ela

o segmento OM, de comprimento

|β|; traça-se depois αγ paralela a

NM, sendo ON o segmento uni-

tário sobre a semi-reta Oα. Com

esse processo, com efeito, construi-

mos a quarta proporcional dos nú-

meros 1, |α|, |β|, donde se deduz

|γ| “ |α|.|β|.Uma construção inversa se faz para a divisão. Basta supôr na figura

atrás conhecidos γ e α; para determinar β, traça-se NM paralela à reta αγ,

obtendo-se OM, de comprimento |β| “ |γ||α|; o argumento de β é o ângulo

que faz a semi-reta OP com o vetor α.

Page 54: Curso de Analise Matematica 1

46 III. NÚMEROS COMPLEXOS

Como aplicação, construimos na figura abaixo a 4ª potência de um nú-

mero complexo α de módulo maior que 1:

x

α

α2

α3

α4

ϕ

§ 6. Raiz de um número complexo. Seja dado um número complexo

α ‰ 0, sob a forma trigonométrica: α “ ρpcosϕ ` i senϕq. Propomo-

nos determinar um outro número complexo (raiz de índice n de α): β “σpcosψ` i senψq que elevado à potência inteira n dê em resultado α, isto é,

tal que se tenha βn “ α. Pela fórmula de MOIVRE, isto equivale a

σnpcosnψ` i sennψq “ ρpcosϕ` i senϕq

ou σn “ ρ e nψ “ ϕ` 2kπ, sendo k um número inteiro qualquer. Daqui se

tira

(1) σ “ n?ρ

(2) ψ “ ϕ

n` 2π

k

n.

A relação (1) determina univocamente σ, que deve ser um número real

absoluto. Fazendo depois em (2) k “ 0, 1, 2, . . . , n ´ 1, temos no segundo

termo n ângulos distintos diferindo uns dos outros de menos de 2π, aos quais

correspondem n complexos distintos β que satisfazem à condição requerida.

Para qualquer outro valor de k, sendo nq o maior múltiplo de n não maior

Page 55: Curso de Analise Matematica 1

III. NÚMEROS COMPLEXOS 47

que k, temos k “ nq ` r, com 0 ď r ă n. Substituindo em (2), obtemos o

ângulo

π “ ϕ

n` 2π

r

n` 2qπ

o qual difere de um dos ângulos já determinados de um múltiplo inteiro de

2π, e portanto não fornece nenhuma nova raiz.

Há, pois, exatamente n raízes nas distintas de um número complexo qual-

quer diferente de zero; os seus afixos estão todos no mesmo círculo com cen-

tro na origem e raio σ “ n?ϕ, e os raios vetores fazem entre si ângulos que

são sempre múltiplos inteiros de 2πn. Qualquer dessas raízes se pode de-

signar com o mesmo símbolo n?α. Para α “ 0, é evidente que há uma única

raiz, β “ 0. Para conservar a generalidade, dizemos que neste caso há n

raízes iguais a 0.

Para construir geometricamente essas n raízes, para α ‰ 0, começamos

por traçar um círculo com centro na origem e raio na

|α|. Depois tiramos

pela origem a semi-reta que faz com Ox o ângulo ϕn, a qual corta a cir-

cunferência em um ponto Q0 que é o afixo de uma das raízes. Dividindo

então a circunferência em n partes iguais, a partir de Q0, os outros pontos

de divisão, Q1, Q2, . . . , Qn´1 são os afixos das outras raízes.

Enfim, note-se que, fixado o valor de ϕ, uma das raízes é dada pela

fórmulan?α “ n

´

cosϕ

n` i sen

ϕ

n

¯

“ n?ρ e

iϕn

e elevando à potência m e introduzindo a noção de potência fracionária de

um número complexo, definida por αmn “ n?αm, obtemos a nova extensão

da fórmula de MOIVRE ao caso dos expoentes racionais

(3) αmn “ ρ

mn

´

cosm

nϕ` i sen

m

¯

“ ρmn ei

mnϕ.

§ 7. Raízes da unidade. Um caso particular importantíssimo é aquele em

que α “ 1; o argumento é aqui um qualquer dos números 2kπ, com k inteiro,

e a fórmula que dá todas as raízes é

(1) n?

1 “ cos2kπn

` i sen2kπn

.

Os seus afixos estão sobre o círculo de raio 1, com centro na origem.

Se tomarmos para o número 1 o argumento 0, o ponto Q0 da construção

anterior será o afixo de 1, isto é, a intersecção desse círculo com o eixo Ox.

O problema de determinar todas as raízes nas da unidade coincide pois com

o da divisão do círculo em n arcos iguais ou o de construir o polígono regular

de n lados inscrito no círculo de raio 1. Entre as raízes está sempre a raiz real

Page 56: Curso de Analise Matematica 1

48 III. NÚMEROS COMPLEXOS

1, e, se n é par, a raiz real ´1; as outras raízes são sempre conjugadas duas a

duas.

Vamos dar algumas propriedades das raízes da unidade.

1. Se ε é uma raiz na de 1, todas as potências de ε também o são. Com

efeito, sendo por hipótese εn “ 1, temos

pεpqn “ εpn “ pεnqp “ 1p “ 1.

Consideremos agora a sucessão

(2) ε0, ε1, ε2, . . . , εs, . . . .

Seja p o menor inteiro positivo que satisfaz à condição εp “ 1. Os

números ε0, . . . , εp´1 são todos distintos, pois se para 0 ď r ă s ă p

tivéssemos εr “ εs teríamos εs´r “ 1, o que não é possível, pois s ´ r ă p;

todos os outros elementos da sucessão (2) são iguais a esses p primeiros

repetidos na mesma ordem. Com efeito, sendo q e r o quociente e o resto da

divisão de s por p, temos

εs “ εpq`r “ pεpqq .εr “ εr.

Temos assim, εp “ ε0 “ 1, εp`1 “ ε, εp`2 “ ε2, etc.. Por esta razão esse

número p chama-se período da raiz ε; daqui se segue também que para que

se tenha εs “ 1, é preciso que s seja múltiplo de p. Em particular, n deve ser

múltiplo de p, isto é,

2. O período de uma raiz na da unidade é sempre um divisor de n.

Chama-se raiz primitiva aquela cujo período é n. É evidente que existe

ao menos uma raiz primitiva, a que tem por argumento 2πn; também é

primitiva a raiz de argumento ppn´ 1qnq.2π “ 2π´ 2πn, que é conjugada

da anterior. Do exposto, segue-se:

3. Se ε é raiz na primitiva da unidade, todas as n raízes são dadas por

ε0 “ 1, ε, ε2, . . . , εn´1,

pois esses números são raízes distintas em número de n.

É fácil achar o período de qualquer uma dessas raízes. Seja a raiz εq, com

0 ă q ă n. Se o seu período é p, temos pεqqp “ εqp “ 1, o que só é possível

se pq for divisível pelo período de ε, que é n; para que p seja o período de

εq, é preciso que pq seja o menor múltiplo de q nessas condições, isto é, o

mínimo múltiplo comum de q e n. Sendo d o máximo divisor comum de

q e n, devemos ter portanto, pq “ qnd, ou p “ nd. Para que εq seja

raiz primitiva é preciso que seja p “ n, ou d “ 1, isto é, que q seja primo

com n. Daqui se deduz que o número de raízes primitivas de índice n é igual

ao número de números inteiros positivos não maiores que n e primos com

Page 57: Curso de Analise Matematica 1

III. NÚMEROS COMPLEXOS 49

n, incluindo o número 1. Tal número é chamado indicador de GAUSS, e

indica-se com o símbolo ϕpnq. O cálculo elementar dá

ϕp1q “ 1 ϕp2q “ 1 ϕp3q “ 2 ϕp4q “ 2

ϕp5q “ 4 ϕp6q “ 2 ϕp7q “ 6 ϕp8q “ 4.

Note-se que todo este raciocínio só depende do número n e não da raiz

primitiva particular ε.

Seja ε uma raiz na primitiva (n ą 1). Da identidade´

1 ` ε` ¨ ¨ ¨ ` εn´1¯

p1 ´ εq “ 1 ´ εn

e sendo ε ‰ 1 e εn “ 1, vê-se que o primeiro parêntesis é nulo, isto é:

4. A soma das n raízes nas distintas da unidade é sempre nula.

Consideremos também o produto das raízes, que é evidentemente

ε1`2`¨¨¨`pn´1q “ εnpn´1q

2

se n é ímpar, pn´ 1q2 é inteiro, e esse produto é igual a pεnqpn´1q2 “ 1; se

n é par, εn2 é uma raiz de período 2 e portanto igual a ´1, e sendo n ´ 1

ímpar, temos pεn2qn´1 “ p´1qn´1 “ ´1; em resumo:

5. O produto das n raízes nas distintas da unidade é `1 ou ´1, conforme

seja n ímpar ou par.

Para determinar todas as raízes nas de um número complexo qualquer

α, basta determinar uma raiz particular β e multiplicá-la por cada uma das

raízes nas da unidade. Com efeito, sendo ε um raiz na de 1, temos

pβεqn “ βn.εn “ βn “ α

se tomarmos as n raízes distintas da unidade, teremos assim as n raízes dis-

tintas de α; se ε é uma raiz na primitiva, todas as raízes de α serão dadas

por

β, βε, βε2, . . . , βεn´1.

Deduz-se também aqui que a soma das raízes nas (n ą 1) distintas de um

número complexo qualquer α é sempre nula, e que o produto é ˘α, conforme

seja n ímpar ou par. Do primeiro desses resultados se deduz facilmente a

proposição geométrica:

Seja dado um polígono regular qualquer e uma reta passando pelo cen-

tro. A soma das distâncias a esta reta dos vértices que estão de um lado da

mesma é igual à soma das distâncias dos vértices que estão do lado oposto;

com efeito, fixado um sentido positivo na direção normal à reta, a medida

algébrica da distância de um vértice do polígono a esta reta pode sempre ser

Page 58: Curso de Analise Matematica 1

50 III. NÚMEROS COMPLEXOS

considerada como a parte real (ou coeficiente do imaginário) da raiz na de

um número complexo conveniente, sendo n o número de lados do polígono.

§ 8. Equações binômias. Cha-

ma-se equação binômia toda equa-

ção algébrica da forma

axm ` bxn “ 0

sendo a e b números complexos di-

ferentes de zero em e n números in-

teiros não negativos e distintos. Po-

demos sempre supor m ą n. Como

o primeiro membro se pode escrever xnpaxm´n`bq, a equação se decompõe

em duas, a não ser que se tenha n “ 0:

xn “ 0 e axm´n ` b “ 0, ou xm´n “ ´ba

.

À primeira dessas equações correspondem n raízes nulas. À segunda

correspondem todas as m ´ n raízes do número complexo ´ba, que se

constróem em geral como foi indicado no fim do parágrafo anterior. Por

exemplo, para resolver a equação

x5 ` p1 ´ iqx2 “ 0

além das duas raízes nulas x1 “ x2 “ 0, temos que achar as três raízes

cúbicas de ´1 ` i, que é um número complexo com módulo?

2 e argumento

3π4. Tais raízes têm módulo 6?

2 e o argumento de uma delas, x3, é π4,

logo temos

x3 “ 6?

cosπ

4` i sen

π

4

¯

“ 1 ` i

3?

2

as outras raízes se obtêm multiplicando esta última pelas duas raízes cúbicas

da unidade diferentes de 1, isto é, pelas duas raízes da equação x2 `x`1 “ 0;

temos assim,

x4 “ p1 ` iqp´1 ` i?

3q2 3

?2

“ ´1 ´?

3 ` ip´1 `?

3q2 3

?2

x5 “ p1 ` iqp´1 ´ i?

3q2 3

?2

“ ´1 `?

3 ` ip´1 ´?

3q2 3

?2

.

Exercícios

1. Mostrar que, qualquer que seja o número complexo α “ a`bi, temos

sempre |a| ` |b| ď |α|?

2.

Page 59: Curso de Analise Matematica 1

EXERCÍCIOS 51

2. Achar o módulo e o argumento de cada um dos números

˘1 ˘ i ˘ 1 ˘ i?

3 ˘?

3 ˘ i.

3. Representar o simétrico de um número complexo α, em relação ao

ponto β.

4. Resolver, usando o algoritmo algébrico e a resposta ao problema an-

terior, o seguinte problema de geometria plana: construir um polígono de n

lados, conhecendo os pontos médios desses lados. (A resposta é diferente,

conforme n seja par ou ímpar.)

5. Mostrar que a condição para que três pontos α, β, γ do plano estejam

em linha reta é que pα´ βqpα´ γq seja real.

6. Mostrar que a condição para que quatro pontos α, β, γ, δ estejam

sobre a mesma circunferência é que a razão anarmônica

α´ γα´ δ :

β´ γβ´ δ seja real.

7. Achar o ponto z 1 que se obtém de z pela homotetia de centro α e razão

r (r real ‰ 0).

8. Mostrar que a equação cartesiana de uma reta do plano

ax` by` c “ 0 pa, b, c reaisq

pode ser posta sob a forma seguinte, em que pomos z “ x` iy:

αz` αz` c “ 0

em que α é um número complexo. (α designando o conjugado de α.)

9. Mostrar que a equação de um círculo

x2 ` y2 ` 2ax` 2by` c “ 0

(a, b, c reais, a2 ` b2 ą c) pode ser posta sob a forma

z z` αz` αz` c “ 0 p|α|2 ą cq.

10. No problema anterior, dizer qual a significação do ponto α e discutir

a última equação em vista das posições particulares do círculo.

11. Mostrar que a equação

Azz` Bz` Bz` C “ 0 pA e C reais, AC ă BBq

representa um círculo ou uma reta no plano.

12. Mostrar que se pusermos z “ pαz 1 ` βqpγz 1 ` δq, sendo α, β, γ, δ

números complexos quaisquer e αδ´βγ ‰ 0, quando z descreve um círculo

Page 60: Curso de Analise Matematica 1

52 III. NÚMEROS COMPLEXOS

ou uma reta, z 1 descreverá um círculo ou uma reta, isto é, se z satisfaz à

equação

Azz` Bz` Bz` C “ 0 pA, C reais, AC ă BBqteremos também

A 1z 1z 1 ` B 1z 1 ` B 1 z 1 ` C 1 “ 0 pA 1, C 1 reais, A 1C 1 ă B 1B 1q.

Calcular A 1, B 1, C 1 e discutir a equação obtida.

13. No problema anterior, achar a condição para que a reta real se trans-

forme no círculo unitário com centro na origem, ou vice-versa.

14. Resolver completamente as seguintes equações binômias:

a) x6 ` ix3 “ 0 b) x10 ` 64x2 “ 0 c) 2x6 ` ix2

2“ 0.

15. Resolver completamente a equação trinômia x6 ` 3x3 ` 2 “ 0.

Page 61: Curso de Analise Matematica 1

CAPÍTULO IV

Conjuntos Lineares. Funções e Limites no Campo Real

§ 1. Conjunto linear. Extremos. Chama-se conjunto linear todo con-

junto de números reais relativos ou dos seus pontos representativos. Por

extensão de linguagem, podem-se considerar conjuntos que pela definição

não contenha nenhum elemento, e que se dizem conjuntos vazios (cf. cap. I,

§ 18). Por exemplo, a classe majorante que define o elemento 8 é um con-

junto vazio; também o é o “conjunto dos números positivos menores que

´1”.

Qualquer número P que seja maior que todos os elementos de um con-

junto C, chama-se limite superior de C. Quando existe um tal número, diz-se

que esse conjunto C é limitado superiormente. O conjunto dos pontos corres-

pondentes será então limitado à direita, pois haverá um ponto P à direita de

todos os pontos do conjunto (adotando-se a convenção usual para o sentido

da reta). Quando há um número p menor que todos os números de C, este é

limitado inferiormente (ou à esquerda) e p é um limite inferior de C. Quando

um conjunto é limitado superiormente e inferiormente, isto é, quando ele está

todo contido dentro de um intervalo p $% P, diz-se simplesmente que ele é

limitado.

Chama-se extremo superior de um conjunto C, um número L que goze

das seguintes propriedades:

1) nenhum número de C supera L;

2) dado um número real qualquer L 1 ă L, há sempre um número do

conjunto maior que L 1.

Se o extremo superior pertence ao conjunto, diremos que ele é o máximo

de C.

Chama-se igualmente extremo inferior de um conjunto C, um número l

que goze das seguintes propriedades:

1) nenhum número de C é menor que l;

2) dado um número real qualquer l 1 ą l, há sempre um número do

conjunto menor que l 1.

Se o extremo inferior pertence ao conjunto, dizemos que ele é um mí-

nimo.

53

Page 62: Curso de Analise Matematica 1

54 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

TEOREMA FUNDAMENTAL (teorema da existência e unicidade do ex-

tremo superior ou inferior). Todo conjunto limitado superiormente (inferi-

ormente) tem um extremo superior (inferior) e um só.

Com efeito, se C tem um limite superior P, é claro que todo número

maior que P é também limite superior de C, logo os limites superiores desse

conjunto formam uma classe majorante K, não vazia, que não contém todos

os números reais (pois os elementos de C não estão em K); seja L o número

determinado por K. Todo número maior que L está em K, e portanto, o

conjunto C não contém nenhum número maior que L; por outro lado, dado

o número L 1 ă L, qualquer número q compreendido entre L e L 1 está fora de

K, logo há em C ao menos um número c ě q, o qual é portanto maior que

L 1. Estão assim verificadas, para L, as duas propriedades características do

extremo superior. A fim de provar a unicidade desse extremo, suponhamos

que haja dois extremos superiores, L e L 1, sendo L 1 ă L. Neste caso, L 1

sendo extremo superior, não poderia ser superado por nenhum número do

conjunto; mas por outro lado, L sendo também extremo superior, haveria ao

menos um número do conjunto maior que L 1, o que é uma contradição.

Para o caso do conjunto limitado inferiormente faz-se um raciocínio aná-

logo, considerando a classe k (minorante) dos limites inferiores do conjunto

dado.

Se o conjunto é limitado superior e inferiormente, existem dois elemen-

tos l e L, e como para todo número c do conjunto temos l ď c ď L, será

l ď L, verificando-se a igualdade somente quando o conjunto tem um único

elemento; em caso contrário, o intervalo l $% L é o menor intervalo que

contém o conjunto dado.

Se o conjunto C não é limitado superiormente, a classe K 1 considerada

atrás é vazia e determina o elemento `8. Diz-se ainda neste caso que `8 é

o extremo superior. Analogamente, se C não é limitado inferiormente, diz-

se que ´8 é o extremo inferior de C. Com esta convenção o teorema de

existência e unicidade adquire a sua forma geral: Todo conjunto linear tem

um único extremo superior e um único extremo inferior (finito ou infinito).

Consideremos, por exemplo, o conjunto dos números

12

,23

,34

, . . . ,n´ 1n

, . . . .

Este conjunto é limitado superior e inferiormente. Seu extremo inferior é

12, que é o mínimo. O extremo superior é 1, pois de um lado, este número é

maior que todos os números do conjunto, e de outro, sendo a ă 1, podemos

Page 63: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 55

sempre satisfazer à desigualdade

n´ 1n

ą a ou 1 ´ 1n

ą a

bastando tomar

n ą 11 ´ a

que é um número positivo e finito. É interessante observar que temos aqui

um exemplo de conjunto limitado que não tem máximo, pois o seu extremo

superior não pertence ao conjunto.

Assim também podemos demonstrar que:

- O conjunto dos números naturais tem por extremo inferior 1, que é

mínimo, não sendo limitado superiormente (o extremo superior é `8).

- O conjunto das frações próprias positivas tem por extremo superior 1 e

inferior 0, que não pertencem ao conjunto, o qual portanto não tem máximo

nem mínimo.

- O conjunto dos números inteiros não negativos, menores que 10 tem

por extremo superior 9 e inferior 0.

Todo conjunto finito de números admite um máximo e um mínimo, que

são o primeiro e o último dos seus elementos, supostos ordenados segundo

o seu valor algébrico. Como o máximo tem todas as propriedades do ex-

tremo superior, vemos que este último conceito é uma generalização daquele,

generalização que se tornou necessária para o estudo de conjuntos com nú-

mero infinito de elementos. Para estes, pode não existir máximo, mas existe

sempre o extremo superior. O mesmo se pode dizer quanto ao mínimo.

Vamos demonstrar agora o seguinte teorema: Dado um número finito

de conjuntos limitados superiormente - C1, de extremo superior L1, C2, de

extremo superior L2, . . . , Cn, de extremo superior Ln, o conjunto C formado

pela reunião desses conjuntos tem por extremo superior o maior dos números

L1, L2, . . . , Ln. Com efeito, seja por exemplo L1 o maior desses números (se

fosse outro o maior, bastaria mudar a notação). Um número de C, estando

sempre em um dos conjuntos dados, não pode nunca ser maior que L1; por

outro lado, qualquer número menor que L1 é superado por um número de

C1, e portanto de C, o que prova a proposição. Uma consequência imediata

desta é o seguinte

COROLÁRIO. Dado um conjunto C de extremo superior L, e sendo C1,

C2, . . . , Cn conjuntos parciais de C que estogem este, (isto é, tais que todo

ponto de C esteja ao menos em um destes conjuntos), temos:

1) nenhum dos conjuntos parciais C1, . . . , Cn pode ter extremo superior

maior que L;

Page 64: Curso de Analise Matematica 1

56 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

2) ao menos um desses conjuntos tem extremo superior L.

O teorema enunciado e o seu corolário se aplicam, também, no caso de

conjuntos não limitados e valem, mudando as desigualdades, para o extremo

inferior, mas não se aplicam se os conjuntos componentes são em número

infinito. Por exemplo, se considerarmos os intervalos

12

´ 23

,23

´ 34

, . . . ,n´ 1n

´ n

n` 1, . . .

é claro que o extremo superior do conjunto formado pela reunião desses

intervalos é 1, que não é extremo superior de nenhum deles.

§ 2. Pontos de acumulação. Teorema de BOLZANO. Chama-se ponto de

acumulação de um conjunto C, um ponto P tal que em qualquer entorno do

mesmo se encontram pontos de C distintos de P. É fácil ver que neste caso,

em qualquer entorno de P existe uma infinidade de pontos do conjunto. Com

efeito, se no entorno a ´ b de P só existisse um número finito de pontos de

C, poderíamos determinar um deles, distinto de P cuja distância δ a P fosse

mínima. Mas neste caso, a parte do entorno (δ) de P contida em a ´ b

seria, evidentemente, um entorno de P sem nenhum ponto de C distinto de

P, contra a hipótese feita.

É fácil ver, por exemplo, que todo número real é ponto de acumulação

do conjunto de números racionais; com efeito seja p um número real e a´ b

um seu entorno; sendo a ă p, existem, como sabemos, números racionais

compreendidos entre a e p, e portanto contidos no entorno a ´ b, o que

prova a nossa asserção. Vê-se também facilmente que o conjunto formado

pelos pontos ˘12, ˘13, . . . , ˘1n, . . . tem um único ponto de acumulação,

que é 0.

Diz-se que um ponto a é ponto de acumulação à direita de um conjunto

C, quando em qualquer entorno esquerdo de a existe ao menos um ponto

de C distinto de a. Será ponto de acumulação à esquerda, se o mesmo acon-

tecer em qualquer entorno direito. Também se demonstra que em qualquer

entorno esquerdo (direito), de um ponto de acumulação à direita (esquerda)

cai uma infinidade de pontos de C.

É claro que um ponto de acumulação à direita ou à esquerda é sempre

um ponto de acumulação simplesmente; e que um ponto de acumulação é

sempre de acumulação ou à direita ou à esquerda, ou de ambos os tipos.

Estas definições se aplicam ao 8, tendo em vista as definições de entorno,

entorno direito e esquerdo do infinito.

Um ponto de um conjunto que não é de acumulação para o mesmo con-

junto chama-se ponto isolado.

Page 65: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 57

TEOREMA DE BOLZANO. Todo conjunto linear C, com um número infi-

nito de elementos, e limitado, tem ao menos um ponto de acumulação.

Com efeito, o conjunto C sendo limitado, será compreendido num inter-

valo a $% b; seja K a classe dos pontos tais que à sua esquerda haja somente

um número finito (ou nulo) de pontos de C. É evidente que o ponto a está em

K, e o ponto b fora de K; esta classe, portanto, não é vazia e não contém os

números reais. Além disto, se k é um ponto de K, todo número k1 ă k tam-

bém está na mesma classe, pois à sua esquerda não pode haver mais pontos

do que à esquerda de k. Trata-se pois de uma classe minorante, que deter-

mina um ponto ε. Seja então c ´ d um entorno arbitrário de ε; sendo d ą ε,

d está fora de K, logo, à sua esquerda há infinitos pontos do conjunto C;

entre c e d estarão portanto esses mesmos pontos menos os que estiverem à

esquerda de c, e eventualmente o próprio ponto c, isto é, menos um número

finito ou nulo, pois c (ă ε) pertence a K. Há, pois, infinitos pontos de C no

entorno arbitrário c ´ d de ε, o qual é, portanto, ponto de acumulação, o

que demonstra o teorema.

Este teorema foi demonstrado para conjuntos limitados. Mas, recor-

dando a definição que demos de entorno do infinito, vemos que todo con-

junto não limitado tem o infinito por ponto de acumulação.

Podemos pois enunciar o teorema sob a forma geral:

Todo conjunto infinito de pontos de uma reta tem ao menos um ponto

de acumulação. Se o conjunto é limitado, os seus pontos de acumulação são

finitos e estão no intervalo limitado pelos extremos do conjunto.

Por exemplo, o conjunto de números naturais tem como único ponto de

acumulação (à direita) o infinito. O conjunto dos números 12, 23, 14,

34, . . . , 1n, pn ´ 1qn, . . . tem como pontos de acumulação 0 e 1; como

não há nenhum número desse conjunto menor que 0 e nem maior que 1,

vemos que 0 é ponto de acumulação à esquerda e 1 à direita; aliás é fácil ver

que 0 é extremo inferior e 1 extremo superior do conjunto.

§ 3. Conjuntos derivados. Os pontos de acumulação finitos de um con-

junto C formam o conjunto derivado de C, que se indica com C 1; os pontos

de acumulação finitos de C 1 formam o segundo derivado de C, que se indica

com C2, e assim por diante. Note-se que sempre excluimos o infinito como

elemento de um conjunto linear.

Diz-se que um conjunto C é discreto quando ele não tem nenhum ponto

comum com o seu derivado C 1, isto é, quando ele só consta de pontos iso-

lados. Um conjunto C se diz fechado ou cerrado quando ele contém o seu

derivado C 1, isto é, quando ele contém todos os seus pontos de acumulação

Page 66: Curso de Analise Matematica 1

58 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

a distância finita. Um conjunto se diz denso em si quando ele está contido no

seu derivado, isto é, quando todos os seus pontos são pontos de acumulação.

Se um conjunto C contém o seu derivado e está contido nele, isto é, se C

coincide com C 1, diz-se que C é um conjunto perfeito.

Obtemos, por exemplo, um conjunto fechado, acrescentando os pontos

de acumulação 0 e 1 ao conjunto considerado no fim do parágrafo anterior.

Todo conjunto finito é fechado, pois o seu derivado é conjunto vazio, que

está contido em qualquer conjunto. Um exemplo de conjunto denso em si é o

conjunto dos números racionais. Enfim, é fácil demonstrar que um intervalo

fechado, assim como todo o campo real são conjuntos perfeitos.

TEOREMA. Todo conjunto derivado C 1 é fechado. Em outras palavras,

todo ponto de acumulação finito de C 1 faz parte de C 1, e portanto é também

ponto de acumulação de C.

Seja, com efeito, α um ponto de acumulação finito de C 1. Num entorno

arbitrário a ´ b de α há sempre um ponto β de C 1, diferente de α e esse

ponto β é de acumulação de C. Ora, sendo β interno ao intervalo a ´ b,

podemos sempre determinar um entorno c ´ d de β contido nesse intervalo;

nesse entorno há uma infinidade de pontos de C, e portanto há pontos de C

distintos de α no intervalo a ´ b, o que prova que α é ponto de acumulação

de C.

§ 4. Teorema de BOREL-LEBESGUE. Vamos dar primeiramente uma defi-

nição: diz-se que um conjunto C está coberto por uma família F de intervalos,

ou que esses intervalos cobrem o conjunto C, quando todo ponto de C é in-

terno a um ao menos dos intervalos da família F. Posto isto, o teorema de

BOREL-LEBESGUE é o seguinte:

Se um conjunto fechado e limitado C está coberto por uma família F

de intervalos, pode-se assinalar um número finito de intervalos de F com a

mesma propriedade.

Com efeito, suponhamos que o teorema não seja verdadeiro, isto é, que

sejam necessários infinitos intervalos de F para cobrir C. Seja a $% b um

intervalo que contém C internamente. Dividindo a $% b ao meio, obtemos

dois conjuntos parciais de C, contidos respectivamente nos dois intervalos

parciais obtidos. Evidentemente, ao menos um desses conjuntos parciais ne-

cessita também de uma infinidade de intervalos de F para ser coberto; tome-

mos, a contar da esquerda, o primeiro desses conjuntos em que isto acon-

tece, e chamemos a1 $% b1 o intervalo (metade de a $% b) em que ele está

contido. Repetindo esta operação sucessivamente, obteremos um conjunto

infinito de intervalos parciais a1 $% b1, a2 $% b2, . . . , an $% bn, . . . ,

Page 67: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 59

cada um contido no precedente, de amplitudes pb ´ aq2, pb ´ aq4, . . . ,

pb ´ aq2n, . . . e que satisfazem à seguinte condição: a parte do conjunto C

contida em cada um desses intervalos só pode ser coberta por uma infinidade

de intervalos de F. Ora, os extremos desses intervalos formam um par de

classes contíguas, que determina um ponto ξ, o qual, satisfazendo sempre às

desigualdades an ď ξ ď bn, pertence a todos os intervalos an $% bn; mas

como qualquer entorno pεq de ξ contém um desses intervalos, bastando que

seja pb ´ aq2n ă ε, é claro que ξ é ponto de acumulação de C, e portanto

pertence a este conjunto, que por hipótese é fechado. Mas daqui se segue

também que existe um intervalo α ´ β de F que contém ξ internamente, e

que portanto contém todo o intervalo an $% bn cuja amplitude seja menor

que as distâncias de ξ aos extremos α e β. Este resultado, porém contradiz a

condição anterior, e portanto a hipótese feita é absurda, o que demonstra o

teorema.

Note-se que a condição de ser o conjunto C fechado é essencial; por

exemplo, o teorema não se aplica quando se considera o intervalo aberto

0 ´ 1, que evidentemente está coberto pelos intervalos

13

´ 1,13

´ 12

, . . . ,1

n` 1´ 1

n´ 1, . . . .

Não é possível assinalar um número finito destes intervalos que cubra o

intervalo 0 ´ 1, e a razão é que este intervalo não contém o ponto 0, que é

de acumulação.

§ 5. Conceito de função segundo DIRICHLET. Consideremos um con-

junto linear C de números x. Se a cada número x de C corresponde, de um

modo bem determinado, um ou mais valores de uma outra quantidade y,

dizemos que y é uma função de x definida ao campo C, que se chama campo

de definição, e indicamos essa correspondência com a notação

y “ fpxq

ou por outro símbolo semelhante em que a letra f seja substituída por outra

qualquer. Usa-se frequentemente, por exemplo, a notação y “ ypxq.Se a função toma um só valor para cada valor de x, dizemos que ela é

monódroma ou univalente, ou univocamente determinada. Em caso contrá-

rio, será polídroma ou multivalente. Podendo x tomar qualquer valor no

conjunto C, dizemos que x é a variável independente; y é a variável depen-

dente.

Em todo este curso, no estudo de uma função fpxq definida num campo

C, designaremos com a letra x somente pontos de C.

Page 68: Curso de Analise Matematica 1

60 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

Suponhamos que variando x no campo C, a função y “ fpxq tome so-

mente valores pertencentes a um campo C1; seja u “ ϕpzq uma outra função

definida neste campo C1; se fizermos z “ y, isto é, se substituirmos z por

fpxq, a cada valor de x corresponderão valores bem determinados de z no

campo C1, aos quais por sua vez corresponderão certas determinações para

u; u será portanto uma função de x definida em todo campo C e este fato se

exprime dizendo que u é função de função de x, por intermédio da função y,

e pomos

u “ ϕpfpxqq.

A operação que consiste em exprimir uma função ϕpzq, da variável z,

como função de outra variável x, ligada a z pela relação z “ fpxq, chama-se

mudança de variável.

É evidente que se f e ϕ são funções monódromas, u será função monó-

droma de x.

Na mesma hipótese acima, suponhamos que todos os pontos do campo

C1 sejam atingidos, quando x varia no campo C. Neste caso, para cada

valor de y de C1 existirá um ou mais valores de x, aos quais corresponde

este valor de y, e portanto, se fizermos corresponder a cada valor y de C1

estes valores de x, ficara definida uma função de y no campo C1. Esta função

chama-se função inversa de fpxq e costuma-se indicar com a notação f´1pyq.Naturalmente a função inversa de f´1pyq será a própria fpxq definida no

campo C. Se cada valor de y corresponde a um único valor de x do campo

C, a função inversa x “ f´1pyq será evidentemente monódroma, e goza da

propriedade expressa pela equação

f´1 pfpxqq “ x

válida para qualquer valor de x no campo C.

Se tanto a função fpxq como a sua inversa f´1pxq são monódromas, di-

zemos que x e y se correspondem biunivocamente por meio da equação

y “ fpxq ou da equação equivalente x “ f´1pyq, e que essas equações

transformam o campo C no campo C1 e reciprocamente. Neste caso, a mu-

dança de variável definida por esta última equação permite fazer o estudo

de uma função qualquer Gpxq, definida no campo C, por meio da função

Gpf´1pyqq “ Hpyq, que é definida no campo C1, pois as duas funções Gpxq e

Hpyq tomam sempre os mesmos valores para valores correspondentes de x e

y.

Page 69: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 61

§ 6. Gráfico de uma função. Dada uma função, y “ fpxq, se pusermos os

valores de x como abcissas e os valores correspondentes de y como ordena-

das de pontos de um plano referido a um sistema cartesiano de coordenadas,

obtemos um conjunto G bem determinado de pontos do plano. Reciproca-

mente, dado qualquer conjunto G de pontos em um plano, podemos consi-

derar o conjunto C constituído pelos valores das abcissas x desses pontos. A

cada valor de x em C corresponde, de modo bem determinado, um ou mais

valores de y, que são as ordenadas dos pontos de G que têm a abcissa x, e

obtemos assim y como função de x, definida no campo C. Esse conjunto

G de pontos do plano, que corresponde a uma função y “ fpxq, chama-se

gráfico dessa função. Se o campo C é um intervalo e se são satisfeitas certas

condições que veremos mais adiante, o gráfico da função fpxq é uma curva,

no sentido corrente da palavra.

É conveniente observar que dado o gráfico G de uma função y “ fpxq,esta mesma figura pode ser interpretada como o gráfico da função inversa

x “ f´1pyq, pois basta encarar como campo de definição o conjunto dos

pontos do eixo Oy, projeções dos pontos do conjunto G.

O x

y

y “ ax` b

§ 7. Funções elementares. Ad-

mitimos conhecidas as chamadas

funções elementares, cuja lista da-

mos a seguir, com alguns gráficos

elucidativos:

1. Função linear y “ ax ` b

(a ‰ 0), cujo gráfico é uma reta não

paralela a nenhum dos eixos, de coe-

ficiente angular a e coeficiente linear

b. Evidentemente para a “ 0, obte-

mos a função constante y “ b, cujo gráfico é uma reta paralela ao eixo Ox.

2. Função racional inteira ou polinômio (de grau n ě 1)

y “ a0xn ` a1x

n´1 ` ¨ ¨ ¨ ` an´1x` an pa0 ‰ 0q

cujo gráfico se chama parábola de ordem n, e para n “ 2 é uma parábola

comum, com eixo paralelo a Oy.

O campo de definição de uma função inteira é todo o campo real (aliás

todo o campo complexo, mas por enquanto nos limitamos aos valores reais

de x).

3. Função racional (quociente de dois polinômios)

y “ a0xn ` a1x

n´1 ` ¨ ¨ ¨ ` anb0xm ` b1xm´1 ` ¨ ¨ ¨ ` bm

“ fpxqϕpxq pa0b0 ‰ 0q.

Page 70: Curso de Analise Matematica 1

62 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

O campo de definição é aqui o campo real, excluídos os zeros do deno-

minador. Note-se que se um número α anula ao mesmo tempo o numerador

e o denominador, podemos escrever

fpxq “ px´ αqf1pxq e ϕpxq “ px´ αqϕ1pxq;

neste caso, para todos os valores x ‰ α, a função y coincide com a função

y1 “ f1pxqϕ1pxq ;

se excluirmos o valor x “ α, que não pertence ao campo de definição de y,

podemos substituir a função y pela função mais simples y1. Assim podemos

sempre simplificar uma função racional, pois a única alteração que provoca

esta simplificação consiste, eventualmente, em incluir um número finito de

pontos no seu campo de definição.

4. Função algébrica. Chama-se assim a raiz de uma equação algébrica

cujos coeficientes são polinômios em x:

ϕ0pxqyn `ϕ1pxqyn´1 ` ¨ ¨ ¨ `ϕnpxq “ 0.

Supomos aqui que se tenha n ě 1, e que o polinômio ϕ0pxq não seja

identicamente nulo. Com esta hipótese, a cada valor de x corresponde um

número finito (no máximo n) de raízes y, que são as determinações da função

algébrica, ypxq, definida por essa equação. Por exemplo, a equação

y2 ´ 2xy´ 1 “ 0

define a função algébrica com dois valores y “ ˘?x2 ` 1, definida em todo

o campo real. Já a equação

xy4 ` 2x2y2 ´ 1 “ 0

define a função

y “ ˘

d

´x2 ˘?x4 ` x

x

cujo campo de definição é o conjunto dos valores x ď ´1 e x ą 0, sendo

que para x ą 0 há duas determinações, para x “ ´1, duas, e para x ă ´1,

quatro. Enfim, a equação

y2 ` x2 ` 1 “ 0

não tendo raiz em y para nenhum valor real de x, não define nenhuma fun-

ção algébrica no campo real. É claro que todas as funções consideradas nos

itens anteriores são particulares funções algébricas. Toda função que não é

algébrica é chamada função transcendente. As que damos a seguir são as cha-

madas funções transcendentes elementares, nome que se estende a todas as

Page 71: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 63

funções obtidas destas por meio de um número finito de operações algébricas

e de função de função.

5. Potência irracional (ou melhor, potência com expoente irracional) y “xα, sendo α um número irracional qualquer (se α fosse racional e “ ˘pq,

teríamos a função algébrica definida por uma das equações yq ´ xp “ 0 ou

xpyq ´ 1 “ 0). No campo real só se considera esta função para x ě 0, se

α ą 0 e só para x ą 0 se α ă 0.

Damos abaixo os gráficos correspondentes a dois exemplos:

xx

yy

y “ x?

2

y “ x´e

6. Função exponencial y “ ax, com a ą 0, definida em todo o campo

real, e que goza da propriedade fpx` x 1q “ fpxqfpx 1q.7. Função logarítmica y “ loga x, com 0 ă a ‰ 1, definida no campo

dos números reais positivos, e que goza da propriedade fpxx 1q “ fpxq ` fpx 1q.Estes dois tipos de foram estudadas no capítulo II, e a elas voltaremos

mais adiante.

8. Funções circulares diretas. Chamam-se assim as funções estudadas

em trigonometria, em que a variável independente x representa um ângulo

que, salvo aviso em contrário, suporemos sempre medido em radianos: sen x,

cos x, tg x, cot x, sec x e cosec x. Em geral nos limitaremos a considerar as

quatro primeiras.

9. Funções circulares inversas. São as funções inversas das anteriores,

mas nós só consideraremos as três primeiras:

y “ arcsen x px “ senyqy “ arccos x px “ cosyqy “ arctg x px “ tgyq.

As duas primeiras são definidas no intervalo ´1 $% `1 e têm para cada

valor de x uma infinidade de determinações. Duas determinações quaisquer

Page 72: Curso de Analise Matematica 1

64 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

de arcsen x, correspondentes a um mesmo valor de x, ou diferem de um múl-

tiplo de 2π ou têm por soma um múltiplo ímpar de π. Para arccos x, duas

determinações correspondentes ou diferem de um múltiplo de 2π ou têm por

soma um múltiplo par de π. A função arctg x é definida em todo o campo

real e tem para cada valor de x uma infinidade de determinações que diferem

umas das outras por múltiplos de π.

§ 8. Exemplos de funções não elementares. Para habituar o raciocínio à

noção de função em toda a sua generalidade, vamos dar alguns exemplos que

se afastam das funções já conhecidas e das combinações dessas por meio de

operações elementares:

1. Façamos corresponder a cada número racional x “ ˘mn, em quem é

inteiro não negativo e n inteiro e positivo, suposto reduzido à expressão mais

simples (isto é, sendo m e n primos entre si; se m “ 0 pomos n “ 1) a soma

m` n. Esta soma, que se chama altura do número racional x, é como se vê,

uma função de x definida no campo racional relativo, a qual designaremos

por αpxq; esta função só pode tomar valores inteiros e positivos.

2. Por meio da notação y “ rxs indicaremos o máximo número inteiro

não superior a x. Temos aqui o caso de uma função definida em todo o

campo real, que em cada intervalo cujos extremos sejam dois números intei-

ros consecutivos, da forma n $ n` 1, toma o valor constante y “ n.

3. Ponhamos

y “

$

&

%

αpxq, se x é racional

rxs, se x é irracional;

temos aqui outro exemplo de função, definida em todo o campo real, isto é,

no intervalo ´8 ´ ` 8.

4. Tomemos para cada número natural n, o número de números não

maiores que n e primos com n. Este número, que se indica com a notação

ϕpnq, é chamado o indicador de GAUSS, e é uma função de n, definida no

campo de números inteiros positivos.

5. Seja y “ 1´x para 0 ď x ď 1, exceto para os pontos do conjunto 12,

14, . . . , 1n, . . . para os quais y “ 0. Esta função está assim completamente

definida no intervalo 0 $% 1.

Todos os exemplos anteriores são de funções monódromas. Vejamos

algumas funções polídromas. Destas já são conhecidos alguns exemplos,

como y “ ˘?x, que para cada x positivo tem dois valores opostos, e as

funções circulares inversas.

Page 73: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 65

6. Ponhamos y “ ˘a

2x` r˘?xs (vide exemplo 2 acima). Esta função

só é definida no intervalo 0 $ 8. O número de valores distintos de y para

um mesmo valor de x depende deste último, p. ex.

para x “ 0, temos evidentemente, y “ 0;

para x “ 14, temos ˘x “ ˘12, donde r˘?xs “ 0 ou ´1, e temos

assim dois valores: y “ ˘a

12 pois 12 ´ 1 “ ´12, sendo negativo, não

tem raiz quadrada no campo real;

para x “ 1 temos 4 valores y “ ˘?

3 e y “ ˘1.

7. Para cada x positivo, definamos y pela condição

|y| ă x.

Temos uma função definida no campo real positivo, que a cada x desse

campo faz corresponder todos os valores reais do intervalo ´x ´ ` x.8. Seja y dado pela condição

py´ aq2 ď sen x.

Esta condição não pode evidentemente ser satisfeita para nenhum arco

x do 3º e 4º quadrantes. O campo de definição é portanto formado pelos

intervalos fechados ´2π $% ´π, 0 $% π, 2π $% 3π, . . . . Nos extremos de

cada um destes intervalos temos y “ a. Para qualquer x interno temos para

y todos os pontos do intervalo a´ ?sen x $% a` ?

sen x.

9. Exemplos de funções importantes nas aplicações são funções deter-

minadas por observações experimentais. Assim, a temperatura e a pressão

do ar em certo local são funções do tempo; a resistência elétrica e outras

grandezas características de um corpo são funções da temperatura. Pode-se

mesmo dizer que um dos principais instrumentos para o estudo das ciências

experimentais consiste em pesquisar as propriedades de certas funções deter-

minadas pela observação. Estas funções são de tipos variadíssimos, mas em

geral nos cálculos são substituídas por outras funções mais simples (funções

elementares ou combinações entre as mesmas) que as representam com um

erro suficientemente pequeno.

10. Sucessões. Um caso particular importantíssimo do conceito de fun-

ção é o conceito de sucessão. Esta pode-se definir como uma função monó-

droma definida no campo dos números naturais (aos quais algumas vezes se

acrescenta o zero). Neste caso, costuma-se pôr a variável independente como

índice na letra que indica a função: a1, a2, . . . , an, . . . . Designa-se também

a sucessão com a notação abreviada tanu.

Esta definição é equivalente à definição habitual: chama-se sucessão um

conjunto infinito e ordenado de números (não necessariamente distintos) em

Page 74: Curso de Analise Matematica 1

66 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

que cada elemento pode ser caracterizado por um número inteiro que é o seu

número de ordem ou índice, isto é, o número de elementos que o precedem,

se o primeiro elemento tiver número de ordem 0, ou por esse número mais

1, se o primeiro elemento tem índice 1.

No capítulo V faremos um estudo mais demorado das sucessões.

§ 9. Extremos das funções. Teorema de WEIERSTRASS. Dada uma fun-

ção y “ fpxq, definida num campo C, consideremos todos os valores que

toma y quando x varia no campo C. Esses valores de y formam um con-

junto linear I, ao qual podemos aplicar os teoremas e definições do princípio

deste capítulo. Se este conjunto é limitado, ou apenas limitado superior ou

inferiormente, diz-se que a função fpxq é, respectivamente, limitada, limitada

superiormente ou limitada inferiormente no campo C.

Em qualquer caso, esse conjunto terá sempre um extremo superior L e

um extremo inferior l, que se chamam, respectivamente, extremo superior

e inferior da função fpxq. Se ambos os extremos são finitos, a sua diferença

Ω “ L´l chama-se oscilação da função no campo C; sendo l ď L, vemos que

a oscilação de uma função não pode nunca ser negativa. Se um dos extremos

é infinito, diz-se que a oscilação da função é infinita. A oscilação é nula

quando, e somente quando a função é constante, pois só neste caso, tendo

o conjunto I um único elemento, este é ao mesmo tempo extremo superior e

inferior, isto é, temos L “ l, donde Ω “ 0.

Se a função fpxq atinge efetivamente o seu extremo superior L, isto é, se

há um ponto x de C tal que se tenha fpxq “ L, diz-se que L é o máximo

da função fpxq no campo C, e x é um ponto de máximo. Se fpxq atinge em

algum ponto x de C o seu extremo inferior l, diz-se que l é o mínimo de fpxqno campo C, e x é um ponto de mínimo.

Se decompomos o campo C em um número finito de campos parciais C1,

C2, . . . , Cn, a cada um desses campos corresponde um conjunto I1, I2, . . . Inde valores da função, e como os pontos que pertencem ao menos a um desses

conjuntos constituem o conjunto I, podemos aplicar o teorema demonstrado

no fim do § 1º e enunciar o seguinte lema: Se uma função fpxq definida num

campo C tem extremo superior L, o extremo superior dessa função em uma

parte de C é no máximo L, e se o campo C se decompõe em um número finito

de campos parciais, em um ao menos desses campos o extremo superior de

fpxq é igual a L.

Vamos agora dar o importante teorema de WEIERSTRASS: Dada uma

função fpxq definida um campo C, sendo L o seu extremo superior, existe ao

menos um ponto ξ (finito ou infinito) tal que nos pontos de C contidos em

Page 75: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 67

um entorno arbitrário de ξ o extremo superior de fpxq é ainda L. Um ponto

ξ nestas condições chama-se ponto de WEIERSTRASS relativo ao extremo

superior.

Com efeito, chamemos Ck o conjunto dos pontos x de C que são menores

que um número real k. Consideremos a classe K formada pelos números k

tais que ou Ck seja vazio ou nesse conjunto o extremo superior de fpxq seja

menor que L. Se um número k pertence a K, todo número k 1 ă k também

pertence a esta classe, o que é evidente se Ck é vazio, e em caso contrário,

deduz-se do lema anterior, pois Ck 1 está contido em Ck. A classe K é portanto

uma classe minorante. Se K é vazia, em qualquer entorno direito do infinito

haverá pontos de C e nesses pontos o extremo superior de fpxq é L, logo

temos neste caso, ξ “ ´8. Analogamente se demonstra que se K contém

todos os números reais, temos ξ “ `8. Enfim, se a classe K não é vazia

nem contém todos os números reais, ela determina um número real ξ, tal

que todo número menor que ξ pertence a K e todo número maior que ξ está

fora de K. Seja então a ´ b um entorno arbitrário de ξ, isto é, a ă ξ ă b.

Estando b fora de K, o extremo superior de fpxq em Cb é L. Mas neste campo

Cb é separado por qualquer número c compreendido entre a e ξ, em uma

parte Cc, no qual o extremo superior de fpxq é ă L e outra parte contida

no intervalo c $ b, e portanto no entorno a ´ b de ξ, em que o extremo

superior é L, o que demonstra o teorema.

É evidente que se ξ não faz parte de C, ξ é necessariamente ponto de

acumulação desse campo. Se for ponto isolado de C, haverá um entorno

de ξ sem nenhum ponto de C além de ξ; e se a função for monódroma,

teremos neste caso fpξq “ L, e L será o máximo. Conclui-se que se uma

função monódroma não tem máximo, todo ponto de WEIERSTRASS relativo

ao extremo superior é ponto de acumulação do seu campo de definição.

Analogamente se pode demonstrar a existência de um ponto de WEIERS-

TRASS relativo ao extremo inferior.

Notemos também que pode haver outros pontos de WEIERSTRASS; a

classe K atrás construída define o mínimo do conjunto desses pontos. É fácil

demonstrar também que os pontos de WEIERSTRASS de qualquer função,

relativos ao extremo superior ou ao extremo inferior, formam sempre um

conjunto fechado.

§ 10. Noção geral de limite. Seja y “ fpxq uma função definida num

campo C, e seja a um ponto de acumulação desse campo. Dizemos que y

tem por limite o número real b, ou que y tende a b, para x tendendo a a, e

Page 76: Curso de Analise Matematica 1

68 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

escrevemos

limxÑa

y “ b

quando a cada entorno β de b se pode fazer corresponder um entorno conve-

niente α de a, tal que para todo ponto x, de C, diferente de a, contido em α,

o valor y “ fpxq correspondente pertença ao entorno β. No caso de função

polídroma aplica-se a mesma definição de limite, devendo a última condição

ser satisfeita para todos os valores de y “ fpxq, correspondentes ao mesmo

valor de x.

Podemos dar outra forma a essa definição, pois a condição acima é evi-

dentemente satisfeita se nos limitarmos aos entornos simétricos de b e de a,

pois dentro de qualquer entorno há sempre um entorno simétrico, e o ele-

mento que estiver neste estará dentro do entorno primitivo. Ora, x estará

no entorno simétrico pδq de a, se tivermos a ´ δ ă x ă a ` δ, donde se tira

a ´ x ă δ e x ´ a ă δ, ou |x ´ a| ă δ; a condição x ‰ a pode ser expressa

por |x´ a| ą 0.

Podemos dizer, portanto, que y tende a b para x tendendo a a, quando,

dado o número ε ą 0 arbitrário, se pode determinar em correspondência um

número positivo δ, tal que para todo x, satisfazendo à condição

0 ă |x´ a| ă δ

temos, para o valor (ou valores) de y “ fpxq correspondente,

|y´ b| ă ε.

Um caso em que o limite existe sempre é o de uma função constante

monódroma, isto é, a que toma o mesmo valor k para todo ponto x. Neste

caso, qualquer que seja o ponto de acumulação a de C, temos limxÑa k “ k.

A condição de se tomar x ‰ a é essencial, pois há muitos casos em que,

embora a pertença ao campo C, o limite de fpxq para x Ñ a é diferente de

fpaq; seja, por exemplo, fpxq “ 1 para x ‰ 0 e fp0q “ 0; o campo C é aqui o

campo real, de que 0 é ponto de acumulação. Ora, qualquer que seja ε ą 0,

temos, para x ‰ 0, fpxq ´ 1 “ 0 ă ε, e portanto,

limxÑ0

fpxq “ 1,

ao passo que, pela definição, fp0q “ 0.

A primeira definição que demos de limite, expressa em linguagem de en-

tornos, tem a vantagem de servir para o caso em que a ou b ou ambos, são

infinitos, e também para outras generalizações da noção de função, como

veremos no capítulo VIII.

No caso em que entra o infinito, pode-se também adotar as definições:

Page 77: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 69

Dizemos que

limxÑ8

y “ b (finito)

quando, dado o número ε positivo arbitrário, é possível achar um número

positivo K tal que para todo ponto x satisfazendo à condição |x| ą K, se

tenha, em correspondência, |y´ b| ă ε. Analogamente, dizemos que

limxÑa

y “ 8 (a finito)

quando a cada número positivo K podemos fazer corresponder um número

δ ą 0 tal que se tivermos 0 ă |x´a| ă δ, tenhamos, para o valor (ou valores)

correspondente de y, |y| ą K. Também se interpreta facilmente a afirmação

expressa por

limxÑ8

y “ 8.

Mas nesses casos é conveniente em geral fazer a distinção entre o limite

`8 e o limite ´8, substituindo a desigualdade |y| ą K por y ą K ou y ă´K, respectivamente.

NOTA. Diz-se que uma função fpxq é convergente num ponto a (finito ou

infinito) quando ela tem um limite finito para x Ñ a; divergente, quando esse

limite existe e é infinito; se não existe limite, diz-se que ela é indeterminada

para x Ñ a.

TEOREMA DE UNICIDADE. Uma função y “ fpxq não pode ter dois li-

mites diferentes quando x tende ao mesmo ponto de acumulação a do seu

campo de definição.

Com efeito, se houvesse dois limites b1 e b2 distintos, poderíamos deter-

minar dois entornos δ1 e δ2 de a, tais que para todo valor de x ‰ a dentro

de cada um deles, tivéssemos, respectivamente,

|y´ b1| ă 12

|b1 ´ b2| e |y´ b2| ă 12

|b1 ´ b2|,

pois o segundo membro dessas desigualdades é positivo. Ora, num entorno

de a comum aos dois intervalos δ1 e δ2, valeriam simultaneamente essas duas

desigualdades, donde deduziríamos

|b1 ´ b2| “ |pb1 ´ yq ´ pb2 ´ yq| ă |b1 ´ b2|,

o que é absurdo. Também se vê facilmente que uma função não pode ser ao

mesmo tempo convergente e divergente no mesmo ponto a.

Page 78: Curso de Analise Matematica 1

70 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

§ 11. Limites sobre conjuntos parciais. Limite à esquerda e limite à di-

reita. Tomemos uma função y “ fpxq definida num campo C, de que a é

ponto de acumulação. Se C1 é um conjunto parcial de C que tem ainda a

como ponto de acumulação, podemos restringir a variação de x aos pontos

de C1, e neste caso pode ser que exista o limite de fpxq para x Ñ a, indepen-

dentemente da existência desse limite, quando x varia em C. Tal limite será

designado com a notação

limxÑa pC1q

fpxq.

Se existe o limite de fpxq para x tendendo a a em C, é claro que as desi-

gualdades acima continuam válidas se limitarmos a variação de x ao conjunto

C1, logo temos

limxÑa pC1q

fpxq “ limxÑa

fpxq.

Por outro lado, se o conjunto C se decompõe em dois conjuntos parciais

C1 e C2, ambos com ponto de acumulação a e se nos dois conjuntos a função

fpxq tem o mesmo limite b, então fpxq tem limite b para x Ñ a em C; pois

neste caso, dado ε ą 0, existem entornos α1 e α2 de a tais que nos pontos

x ‰ a desses entornos, pertencentes a C1 e C2 respectivamente, temos |fpxq ´b| ă ε. Esta desigualdade estará então satisfeita para qualquer x ‰ a do

conjunto C, contido num entorno α de a comum a α1 e α2, o que prova a

nossa afirmação. Este teorema se estende a um número finito de conjuntos

parciais.

É claro também que em todas as considerações de limite, podemos res-

tringir a variação de x aos pontos de C que estão num entorno arbitrário α0

de a, dado a priori, pois sempre podemos substituir o entorno de α de a por

um entorno contido ao mesmo tempo em α e em α0.

Esses teoremas valem evidentemente, com pequenas modificações na de-

monstração, se a ou b ou ambos, são infinitos.

Consideremos, em particular, o conjunto dos pontos de C que estão à

esquerda de a. Tal conjunto terá ponto de acumulação a, se a for ponto

de acumulação à direita, em C. O limite de fpxq correspondente aos pontos

x ă a, chama-se limite à esquerda, e designa-se com uma das notações

(1) limxÑa´

fpxq ou fpa´q.

Analogamente, se pode considerar o limite à direita

(1) limxÑa`

fpxq ou fpa`q

Page 79: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 71

O 1 2 3 x

y

quando a é ponto de acumulação à esquerda e só se consideram os valores

de fpxq para x ą a. No caso do ponto de acumulação infinito, obtemos

o limite à esquerda e o limite à direita, restringindo a variação de x só aos

valores positivos ou só aos valores negativos, respectivamente. Tais limites

designam-se com as notações

limxÑ`8

fpxq ou fp`8q e limxÑ´8

fpxq ou fp´8q.

Os dois limites (1) acima podem não coincidir, e neste caso fpxq não terá

limite no ponto a. Mas se esses limites coincidem, pelo teorema II o seu valor

comum dá exatamente o limite de fpxq para x Ñ a.

Tomemos por exemplo, a seguinte função definida no campo dos núme-

ros reais não negativos:

y “ 0 para x inteiro

y “ rxs para x não inteiro (§ 8, exemplo 2q.

A representação gráfica desta função consta de uma série de segmentos

paralelos a Ox e de pontos isolados sobre este eixo.

É fácil ver que sendo n um número natural qualquer temos

limxÑn´

“ n´ 1 limxÑn`

“ n,

isto é, os dois limites existem e são diferentes; eles diferem também do valor

da função no ponto n, exceto para n “ 0, e 1 pois temos

limxÑ0`

y “ limxÑ1´

y “ 0.

§ 12. Continuidade. Suponhamos agora que o campo de definição C, de

fpxq, contenha o seu ponto de acumulação x0. Se tivermos

(1) limxÑx0

fpxq “ fpx0q,

diremos que a função fpxq é contínua em x0. Isto equivale à seguinte defini-

ção: Diz-se que uma função fpxq, definida no campo C, é contínua no ponto

x0 (ponto de acumulação de C e pertencente a C) se, dado arbitrariamente o

Page 80: Curso de Analise Matematica 1

72 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

número ε ą 0, é possível determinar δ ą 0 tal que para |x´x0| ă δ, se tenha

como consequência,

|fpxq ´ fpx0q| ă ε.

Aqui é evidentemente desnecessária a exclusão x ‰ x0.

Verifica-se que se uma função é contínua em um ponto, há sempre um

entorno desse ponto em que ela é limitada.

Se a função fpxq é definida no ponto de acumulação x0 do seu campo de

definição e se a condição (1) não está satisfeita, diz-se que ela é descontínua

em x0 e que este é um ponto de descontinuidade de fpxq.Se a função fpxq é contínua em todos os pontos de acumulação de C

pertencentes a C, diz-se que ela é contínua nesse campo. É evidente que toda

função constante é contínua.

O teorema de WEIERSTRASS, aplicado às funções contínuas, permite de-

duzir, como resultado importantíssimo, o seguinte

TEOREMA. Toda função monódroma, contínua em um campo C limi-

tado e fechado, tem um máximo e um mínimo nesse campo.

Com efeito, seja ξ um ponto de WEIERSTRASS relativo ao extremo su-

perior L de fpxq. Se ξ é ponto isolado de C, temos, como já vimos (§ 9),

fpξq “ L. Se ξ é de acumulação de C, pertence a C, que é fechado, e da

continuidade se deduz que dado ε ą 0 arbitrário, existe um entorno de ξ tal

que para todo x dentro dele se tenha

fpξq ´ ε ă fpxq ă fpξq ` ε;

e como nesse entorno o extremo superior é ainda L, teremos também

fpξq ´ ε ă L ď fpξq ` ε,

donde

|L´ fpξq| ď ε.

Mas |L´ fpξq| é um número determinado não negativo, e ε é um número

positivo arbitrário, logo temos forçosamente, L´ fpξq “ 0, isto é,

fpξq “ L;

conclui-se que, em qualquer caso, todo ponto de WEIERSTRASS para o ex-

tremo superior é um ponto de máximo.

A mesma demonstração se pode fazer para o extremo inferior l, dedu-

zindo assim a existência de um ponto de mínimo η, isto é, tal que fpηq “ l.

Page 81: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 73

Se, sendo x0 um ponto de acumulação à direita, ou à esquerda, tivermos

apenas

limxÑx0´

“ fpx0´q “ fpx0q ou limxÑx0`

fpxq “ fpx0`q “ fpx0q

diremos que fpxq é, respectivamente, contínua à esquerda ou contínua à di-

reita, do ponto x0. Evidentemente, se uma função é, ao mesmo tempo, con-

tínua à direita e à esquerda no mesmo ponto, ela é contínua nesse ponto, e

reciprocamente.

A função definida no último exemplo do parágrafo anterior é contínua

para todos os valores não inteiros de x, e é contínua à direita no ponto 0 e

à esquerda no ponto 1, sendo descontínua para os outros números inteiros.

A função y “ rxs, definida no § 8, exemplo 2, é contínua só à direita para

todos os valores inteiros de x.

§ 13. Teoremas sobre limites e funções contínuas. Vamos estabelecer

uma série de teoremas simples que servem de base ao cálculo de limites.

1. Se a função y tem um limite b ‰ 0 para x Ñ a, existe um entorno

conveniente de a, tal que para todo ponto x ‰ a dentro dele, y conserva o

mesmo sinal do seu limite b. Basta, com efeito, determinar um entorno de a

tal que para os pontos x ‰ a dentro dele, tenhamos b´ ε ă y ă b` ε, sendo

0 ă ε ă |b|, o que é sempre possível, dada a definição de limite. É claro que

os dois números b ´ ε e b ` ε são do mesmo sinal que b. Em particular, se

uma função fpxq é contínua no ponto x0 e não se anula neste ponto, existe

um entorno de x0 em que a função tem constantemente o sinal de fpx0q.2. Se para x Ñ a, y tem limite b, a função |y| tem limite |b|: Com efeito,

dado ε ą 0 arbitrário, podemos determinar um entorno α de a tal que para

todo x ‰ a dentro de α se tenha |y´b| ă ε; e como temos ||y| ´ |b|| ď |y´b|,segue-se, para o mesmo entorno α, ||y| ´ |b|| ă ε, o que prova o teorema.

3. Se duas funções y1 e y2 de x, definidas no mesmo campo C, de que a

é ponto de acumulação, têm limites finitos para x Ñ a temos também,

(1) limxÑa

py1 ` y2q “ limxÑa

y1 ` limxÑa

y2

(2) limxÑa

y1 ¨ y2 “ limxÑa

y1 ¨ limxÑa

y2.

Com efeito, seja

limxÑa

y1 “ b1 e limxÑa

y2 “ b2.

Dado então ε ą 0 arbitrário, podemos determinar um entorno α1 de a

para o qual se tenha |y1 ´ b1| ă ε2 e um entorno α2 de a para o qual seja

Page 82: Curso de Analise Matematica 1

74 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

|y2 ´ b2| ă ε2. Destas desigualdades segue-se a condição

|py1 ˘ y2q ´ pb1 ˘ b2q| ă ε

para todo ponto x ‰ a de um entorno α de a contido em α1 e α2, o que

demonstra (1). Para demonstrar a fórmula (2), notemos que a diferença

y1y2 ´ b1b2 pode-se pôr sob a forma

y1y2 ´ y1b2 ` y1b2 ´ b1b2 “ y1py2 ´ b2q ` b2py1 ´ b1q;

pelo teorema 2, temos

limxÑa

|y1| “ |b1|e daqui se deduz que tomado um número M maior que |b1| e que |b2|, pode-

mos determinar três entornos, α1, α2, α3, de a tais que

para x ‰ a dentro de α1 tenhamos |y1| ă M

para x ‰ a dentro de α2 tenhamos |y1 ´ b1| ă 12

¨ εM

para x ‰ a dentro de α3 tenhamos |y2 ´ b2| ă 12

¨ εM

;

em um entorno α de a, comum a α1, α2, α3, temos então

|y1y2 ´ b1b2| ď |y1|.|y2 ´ b2| ` |y1 ´ b1|.|b2| ď Mε

2M`M ε

2M“ ε,

o que demonstra a fórmula (2).

Em particular, se y “ k (constante), temos como já vimos,

limxÑa

y “ k,

donde

limxÑa

ky “ k limxÑa

y

e se k “ ´1,

limxÑa

p´yq “ ´ limxÑa

y.

Estes teoremas se estendem evidentemente a um número finito qualquer

de parcelas ou de fatores. Em particular, se existe

limxÑa

y “ b,

temos, sendo n um número natural qualquer,

limxÑa

yn “ bn.

Dos teoremas anteriores se deduz que o valor absoluto de uma função

contínua, assim como a soma, diferença e produto de funções contínuas em

número finito qualquer, em um mesmo ponto, são funções contínuas nesse

ponto.

Page 83: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 75

4. Se y “ fpxq tem um limite b ‰ 0 para x Ñ a, temos também

(3) limxÑa

1y

“ 1b

.

Com efeito, sendo m um número compreendido entre 0 e b, podemos

determinar um entorno α1 de a para o qual seja |y| ą |m|. Dado então

ε ą 0 arbitrário, podemos determinar outro entorno α2 no qual se tenha,

para x ‰ a, |y´b| ă m2ε. Num entorno α comum a α1 e α2, teremos entãoˇ

ˇ

ˇ

ˇ

1y

´ 1b

ˇ

ˇ

ˇ

ˇ

“ |b´ y||b|.|y| ă m2ε.

1m2 “ ε

o que demonstra o teorema.

Deste teorema e do anterior, segue-se

5. Na hipótese do teorema 3, se tivermos

limxÑa

y2 “ b2 ‰ 0,

temos também

limxÑa

y1

y2“ limxÑa

y1 ¨ 1y2

“ b1

b2.

Daqui se deduz que o quociente de funções contínuas é uma função con-

tínua em todos os pontos que não anulem o denominador.

6. Se tivermos

limxÑa

y “ 0

e se a é ponto de acumulação do conjunto parcial C de C para o qual seja

y ‰ 0, então temos nesse conjunto,

limxÑa pCq

1y

“ 8

pois pela hipótese, dado K ą 0 arbitrário, pode-se determinar um entorno α

de a tal que para x ‰ a dentro dele se tenha |y| ă 1K. Considerando em

particular os pontos de C dentro de α teremos pois,ˇ

ˇ

ˇ

ˇ

1y

ˇ

ˇ

ˇ

ˇ

ą K

o que demonstra o teorema.

7. Se num produto de funções limitadas, definidas no mesmo campo C,

uma delas tem limite 0 para x Ñ a, o produto tem limite 0 no mesmo ponto.

Sejam y e z as funções dadas. Sendo por hipótese |z| ă K e y Ñ 0 para

x Ñ a, então dado ε ą 0 podemos determinar um entorno α de a para o

qual se tenha |y| ă εK, logo temos nesse entorno,

|yz| “ |y|.|z| ă Kε

K“ ε

Page 84: Curso de Analise Matematica 1

76 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

o que demonstra o enunciado. Quando há mais de dois fatores (sempre em

número finito) basta notar que o produto de um número finito de funções

limitadas é sempre uma função limitada, que podemos chamar z.

Este resultado se aplica em particular quando a segunda função z tem um

limite finito para x Ñ a.

8. Se num produto de duas funções uma delas tem limite infinito e a outra

se conserva, em valor absoluto, maior que um número positivo k, o produto

tem limite infinito. Com efeito, sendo |z| ą k ą 0 e y Ñ 8, há um entorno

α de a para o qual temos |y| ą Kk, logo temos nesse entorno

|yz| ą K

k¨ k “ K

o que demonstra o enunciado, pois K é um número arbitrário.

Este teorema se aplica no caso em que a segunda função z tem, para

x Ñ a, um limite diferente de zero.

Também se demonstra facilmente o seguinte teorema:

9. Se uma função y tem limite infinito, a função 1y tem limite zero.

Em todos esses teoremas é conveniente distinguir os dois casos particula-

res: y Ñ `8 e y Ñ ´8, o que se faz sem dificuldade.

10. (Função de função). Seja y “ fpxq uma função definida num campo

C e a um ponto de acumulação deste campo. Seja x “ xptq uma função de

t definida em certo campo D com um ponto de acumulação a e tal que para

todos os valores t de D, os valores correspondentes de xptq estejam em C.

Suponhamos também que seja

limxÑa

fpxq “ b

limtÑa

xptq “ a.

Consideremos o conjunto D dos números t para os quais se tenha xptq ‰a. Vamos demonstrar que para a função de função fpxpyqq temos sempre

(4) limxÑa pDq

f pxptqq “ b.

Com efeito, dado ε ą 0 arbitrário, podemos determinar um entorno α

de a tal que para todo x ‰ a de C dentro de α se tenha

|fpxq ´ b| ă ε;

mas pelas hipóteses feitas há um entorno α de a tal que para todo t ‰ a

de D dentro dele o valor (ou valores) correspondente de x seja interno a α e

diferente de a. Para tais valores de t temos pois,

(5) |fpxptqq ´ b| ă ε

Page 85: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 77

o que prova a relação (4).

Há dois casos muito gerais em que não é preciso considerar o conjunto

D.

a) se num entorno α de a, tivermos sempre, para t ‰ a, xptq ‰ a; neste

caso, todos os pontos t contidos nesse entorno e distintos de a fazem parte

de D e limitando a variação de t a esse entorno temos pois

(6) limtÑa

fpxptqq “ b.

b) se tivermos fpxq “ b, isto é, se a função fpxq for contínua no ponto

a; neste caso, mesmo nos pontos t para os quais seja x “ a, a condição (5)

está satisfeita, e portanto vale também aqui a fórmula geral (6). Neste último

caso, podemos também escrever

limtÑa

fpxptqq “ f

ˆ

limtÑa

xptq˙

isto é, os símbolos f e limtÑa podem-se inverter. Vê-se assim em particular

que uma função contínua de uma função contínua é sempre uma função

contínua.

Os teoremas anteriores, baseados somente no conceito de entorno de um

ponto, se estendem, como veremos, a outros campos de variabilidade, além

do campo real. O teorema seguinte, ao contrário, baseia-se essencialmente

no conceito de ordem.

11. (Critério de confronto). Se uma função ypxq definida num campo

C com ponto de acumulação a, está, em todo um entorno α1 desse ponto,

compreendida entre duas outras definidas no mesmo campo e tendo o mesmo

limite para x Ñ a, então a função ypxq tem também esse limite para x Ñ a.

Com efeito, sejam u e v as duas funções. De u ď y ď v, segue-se 0 ď y´u ďv´ u. Como a última diferença tem limite zero para x Ñ a, a cada ε ą 0 se

pode fazer corresponder um entorno α2 de a no qual temos |v ´ u| ă ε; em

um entorno α de a comum a α1 e α2 teremos então 0 ď y´ u ă ε, donde

limxÑa

py´ uq “ 0

segue-se daqui,

limxÑa

y “ limxÑa

ru` py´ uqs “ limxÑa

u` limxÑa

py´ uq “ limxÑa

u

o que prova o enunciado.

§ 14. Continuidade das funções elementares. Dos teoremas do § 13 e da

igualdade evidente

limxÑa

x “ a,

Page 86: Curso de Analise Matematica 1

78 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

segue-se imediatamente que:

1. O limite de um polinômio a0x2 ` ¨ ¨ ¨ ` an para x tendendo a um

número real c qualquer, é a0cn ` a1c

n´1 ` ¨ ¨ ¨ ` an isto é, um polinômio é

uma função contínua em todo o campo real.

2. Uma função racional

y “ a0xn ` ¨ ¨ ¨ ` an

b0xm ` ¨ ¨ ¨ ` bmpa0,b0 ‰ 0q

é contínua em todo ponto real c que não seja raiz do denominador. Em

particular, se for bm ‰ 0, temos

limxÑ0

y “ an

bm.

3. Na hipótese anterior, se c é raiz do denominador e não do numerador,

temos (§ 13, teoremas 6 e 8)

limxÑc

a0xn ` ¨ ¨ ¨ ` an

b0xm ` ¨ ¨ ¨ ` bm“ 8.

Se c é raiz ao mesmo tempo do denominador e do numerador, há um

fator comum aos dois termos da fração que se pode eliminar, obtendo-se

uma função igual à anterior, salvo para os valores de x que anulem esse fator.

Mas no cálculo do limite essas duas funções se comportam identicamente.

4. Supondo sempre a0b0 ‰ 0, conforme seja m ă, “ ou ą n, a função

anterior pode ser escrita, para x ‰ 0, respectivamente sob as formas

a0xn´m ` a1x

n´m´1 ` ¨ ¨ ¨ ` anxm

b0 ` b1x

` ¨ ¨ ¨ ` bmxm

,a0 ` a1

x` . . .

b0 ` b1x

` . . .

oua0 ` a1

x` . . .

b0xm´n ` b1xm´n´1 ` . . .e aplicando os teoremas anteriores, vemos que a tais hipóteses, correspondem

respectivamente, as igualdades

limxÑ8

y “ 8 limxÑ8

y “ a0

b0limxÑ8

y “ 0.

É fácil distinguir, em cada exemplo particular, se y tende a `8 ou a ´8,

quando x tende a infinito por valores positivos ou negativos.

5. Consideremos agora a função y “ m?x, sendo m inteiro e positivo.

Se m é ímpar, esta é uma função monódroma definida em todo o campo

real; se m é par, temos uma função com dois valores (exceto para x “ 0)

definida no campo dos números não negativos; neste caso, consideraremos

somente a determinação não negativa, y “ ` m?x. Vamos demonstrar a

continuidade dessa função em todo o seu campo de definição. No ponto

Page 87: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 79

zero, basta limitar a variação de x ao entorno |x| ă εm, para que se tenha

|y ´ 0| “ |y| “ ma

|x| ă ε. Para a ‰ 0, ponhamos m?a “ b e tomemos um

número positivo, c ă |b|. Se x e a são do mesmo sinal, y e b também o serão

e se |x| ą cm, teremos também |y| ą c. Destas desigualdades e de

y´ b “ ym ´ bmym´1 ` ym´2b` ¨ ¨ ¨ ` bm´1

deduzimos

|y´ b| ă |x´ a|mcm´1

e basta tomar |x´ a| ă mcm´1ε para se deduzir

|y´ b| ă ε

o que demonstra a continuidade da função.

Combinando este resultado com a elevação a potência inteira e positiva

e com o teorema sobre o limite do inverso de uma função, temos, qualquer

que seja o número racional relativo p ‰ 0,

limxÑa

xp “ ap;

mas se p “ 0, xp é constante e igual a 1, logo a última fórmula vale para p

racional qualquer.

6. Consideremos enfim, a função y “ xβ, definida para x ě 0, sendo β

um número real que supomos positivo. Para x Ñ 1, basta notar que, fixado

o número racional p ą β, temos, para x ≷ 1, respectivamente xp ≷ x ≷ 1, e

sendo lim xp “ 1, obtemos pela aplicação do critério de confronto,

limxÑ1

xβ “ 1.

Seja agora a um número positivo qualquer. Ponhamos x “ at, donde

y “ aβyβ. Temos aqui,

limtÑ1

y “ aβ e limxÑa

t “ 1

e além disto, para x ‰ a, t ‰ 1, logo, pela regra de função de função,

(1) limxÑa

xβ “ aβ,

o que demonstra a continuidade desta função. O caso em que β é negativo,

se reconduz a este imediatamente, pois temos, ´β sendo positivo,

limxÑa

xβ “ limxÑa

1x´β “ 1

a´β “ aβ

e portanto a fórmula (1) é válida para β real qualquer.

Page 88: Curso de Analise Matematica 1

80 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

Também se pode verificar que, supondo sempre x ą 0 e β real, temos

limxÑ`8

xβ “

$

&

%

8, se β ą 0

1, se β “ 0

0, se β ă 0.

7. Consideremos as funções sen x e cos x, que são definidas no campo

real. As fórmulas da trigonometria dão

sen x´ sena “ 2 cosx` a

2sen

x´ a2

cos x´ cosa “ ´2 senx` a

2sen

x´ a2

.

Em ambos os segundos membros temos um fator limitado, respectiva-

mente

2 cospx ` aq2 e ´2 senpx ` aq2, cujo valor absoluto não pode ser maior

que 2. O outro fator, senpx ´ aq2, está sempre compreendido entre 0 e

px ´ aq2, e portanto tem limite 0 para x Ñ a. Pelo teorema 7 do § 13,

deduzimos pois que os dois primeiros membros têm limite 0 para x Ñ a, e

portanto,

limxÑa

sen x “ sena e limxÑa

cos x “ cosa,

isto é, as funções sen x e cos x são contínuas em todo o campo real. Deduz-se

daqui que a função tg x é contínua em todos os pontos que não anulem cos x,

ao passo que em tal ponto, que é da forma a “ π2 ` nπ, com n inteiro,

como o coseno tem limite 0 e o seno tem limite ˘1, temos limxÑa tg x “ 8,

e mais precisamente,

limxÑa´

tg x “ `8 limxÑa`

tg x “ ´8.

Também se deduz facilmente, para qualquer ponto b da forma nπ,

limxÑb´

cot x “ ´8 limxÑb`

cot x “ `8

sendo a cotangente função contínua em todos os outros pontos do campo

real. Quanto às funções elementares ax, log x, arcsen x, etc., veremos no

§ 17.

§ 15. Limite da razão do seno para o arco. Tomemos agora

Tomemos agora a função

y “ sen xx

que é definida e contínua em todo o campo real, excetuado o ponto 0. Este

porém é ponto de acumulação desse campo, logo podemos indagar se a fun-

ção y tem limite e nesta hipótese, calcular este, para x Ñ 0. Limitemos a

Page 89: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 81

O A

B

B 1

C D

variação x ao entorno π2 de 0; seja primeiramente x ą 0 e tomemos a re-

presentação geométrica; medindo o ângulo em radianos e sendo OA “ 1,

temos pela figura,

"

AB“ x CB “ sen x DB “ tg x.

Construindo o ponto B 1 simétrico de B em relação a OA, e lembrando

que o comprimento do arco BB 1 “ 2x está, por definição, compreendido

entre o de toda poligonal inscrita e o de toda poligonal circunscrita, em par-

ticular entre BB 1 e BDB 1, temos

2. sen x ă 2x ă 2. tg x

ou, dividindo por 2 e tomando os inversos,

cot x ă 1x

ă 1sen x

;

multiplicando por sen x, vem

cos x ă sen xx

ă 1.

Ora, a última fórmula é válida também para x negativo, pois nenhum

dos membros da desigualdade se altera mudando o sinal de x. A função y

está assim compreendida entre a constante 1, e cos x, cujo limite para x Ñ 0

é cos 0 “ 1. Pelo critério de confronto, resulta pois,

limxÑ0

sen xx

“ 1.

Daqui se deduz

limxÑ0

tg xx

“ limxÑ0

sen xx

¨ 1cos x

“ 1,

pois ambos os fatores do segundo membro têm o mesmo limite 1.

Page 90: Curso de Analise Matematica 1

82 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

§ 16. Funções monótonas. Seja y “ fpxq uma função monódroma defi-

nida num campo C. Se, quaisquer que sejam os pontos x1 e x2 de C, com

x1 ă x2, tivermos sempre

fpx1q ď fpx2q,diz-se que fpxq é função não decrescente. Se na mesma hipótese for sempre

fpx1q ě fpx2q,

diz-se que fpxq é função não crescente. Tanto as funções não decrescentes

quando as não crescentes, chamam-se funções monótonas. Se nas desigual-

dades acima só vale o sinal de igualdade para x1 “ x2, a função chama-se,

respectivamente, função crescente ou função decrescente.

TEOREMA FUNDAMENTAL SOBRE FUNÇÕES MONÓTONAS. Se y “ fpxqé uma função monótona em um campo C e se a é um ponto de acumulação

à direita de C, existe o limite de y à esquerda de a, isto é, fpa´q.

Suponhamos fpxq não decrescente e seja L o extremo superior, que supo-

mos finito por enquanto, de fpxq no conjunto dos pontos x ă a, de C. Para

todos esses pontos teremos então, fpxq ď L. Dado ε ą 0 arbitrário, podemos

achar x1 ă a tal que se tenha fpx1q ą L ´ ε; então, para todo ponto x ‰ a,

do entorno x1 % a, isto é, tal que seja x1 ă x ă a, teremos fpx1q ď fpxq, e

portanto,

L´ ε ă fpxq ď L,

isto é, fpxq cai no entorno pεq arbitrário de L, donde

limxÑa

fpxq “ fpa´q “ L.

Se L fosse infinito, bastaria substituir L´ ε por um número arbitrário K,

repetindo a mesma demonstração, chega-se neste caso a

limxÑa´

fpxq “ `8.

Se fpxq é função não crescente, com extremo inferior l no mesmo campo

C, demonstra-se analogamente que

limxÑa´

fpxq “ fpa´q “ l.

A uma conclusão semelhante se chega no caso em que a é ponto de acu-

mulação à esquerda de C, pois basta fazer a mudança de variável x “ ´x 1,

donde fpxq “ fp´x 1q “ ϕpx 1q, para se recair no caso anterior. Nesta hipótese,

se a função é não decrescente com extremo inferior l à direita de a, temos

limxÑa` fpxq “ l, e se é não crescente, com extremo superior L no mesmo

campo, temos limxÑa` fpxq “ L.

Page 91: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 83

Esses teoremas se aplicam evidentemente ao caso em que o ponto de

acumulação considerado é infinito positivo ou negativo. Também se aplicam

no caso em que, sendo a ponto de acumulação à direita, a função fpxq é

monótona somente nos pontos de C que caem num certo entorno esquerdo

de a, assim como em outros casos análogos. Vemos assim que se uma função

é monótona e limitada em um entorno esquerdo de um ponto de acumulação

à direita a do seu campo de definição, ela é convergente para x tendendo a a

pela esquerda, enunciado que se estende para todos os casos análogos.

Suponhamos enfim que o número a, finito, seja ponto de acumulação

de C tanto à direita como à esquerda, e que a função fpxq seja monótona

nos pontos de C de um entorno completo α de a. Como já vimos, existem

neste caso os dois limites fpa´q e fpa`q. Se a função é não decrescente,

temos fpa´q ď fpa`q, e o contrário se é não crescente. Com efeito, no

entorno α os valores de fpxq para x Ñ a são todos menores ou iguais (se f

é não decrescente) aos valores para x ą a; o mesmo acontece portanto com

o extremo superior à esquerda de a e o inferior à direita, e esses extremos

coincidem com os limites acima.

Podemos ver, além disto, que se a pertence ao campo C, e se os limites

acima são iguais, o seu valor comum coincide com fpaq, isto é, fpxq é contínua

em a. Com efeito, neste caso, para x ă a ă x 1, temos fpxq ď fpaq ď fpx 1q, e

estas desigualdades devem valer também para o extremo superior fpa´q de

fpxq para x ă a, assim como para o extremo inferior fpa`q de fpx 1q para

x 1 ą a, logo fpa´q ď fpaq ď fpa`q, e sendo iguais os extremos destas

igualdades, temos

limxÑa

fpxq “ fpaq

como queríamos demonstrar.

Suponhamos ainda que a seja ponto de acumulação à direita de C e que

para os pontos x ‰ a de um entorno esquerdo de a tenhamos sempre fpxq ďb, sendo fpxq função não-decrescente. Neste caso, para se concluir que

limxÑa´

fpxq “ b,

basta que, dado ε ą 0 arbitrário, se possa achar um desses pontos x ă a para

o qual se tenha fpxq ą b ´ ε, pois da existência de um tal ponto se deduz a

de todo um entorno x % a no qual esta propriedade é satisfeita. O mesmo

raciocínio se aplica a uma função não crescente, assim como para os pontos

de acumulação à esquerda.

Page 92: Curso de Analise Matematica 1

84 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

Se uma função y “ fpxq é crescente no campo C, a sua inversa é monó-

tona do mesmo tipo; pois, designando como mesmo índice os valores corres-

pondentes de x e y, sendo x1 e x2 dois pontos quaisquer de C, de x1 S x2

segue-se, respectivamente, y1 S y2; logo, inversamente, sendo y1 e y2 dois

valores quaisquer de fpxq que correspondem, respectivamente, a x1 e x2, de

y1 S y2 deduz-se, respectivamente, x1 S x2, isto é, x “ f´1pyq é função

monódroma e crescente de y, definida no conjunto I dos valores que toma

fpxq quanto x varia em C. Da mesma maneira se demonstra que se fpxq é

função decrescente, a sua inversa é também monódroma decrescente.

Tomemos o caso da função crescente e seja a um ponto de acumulação à

direita de C. Vamos demonstrar que de

(1) limxÑa´

y “ b

segue-se, para a função inversa x “ f´1pyq definida no campo I,

limyÑb´

x “ a.

Em primeiro lugar, vê-se que b é ponto de acumulação à direita de I, pois

é extremo superior de fpxq no conjunto dos pontos x ă a e não é máximo,

porque se tivéssemos, por exemplo, fpx1q “ b, com x1 ă a, em todos os

pontos x do intervalo x1 ´ a fpxq seria constante, contra a hipótese. Temos

pois, para x ă a, y ă b. De outro lado, dado o entorno esquerdo arbitrário

c % a de a, sendo x1 ‰ a um ponto de C desse entorno, todos os pontos

y ‰ b de I que estão no entorno y1 % b de b correspondem a pontos x de

c ´ a, pois de y1 ă y ă b, segue-se c ă x1 ă x ă a, o que demonstra o

teorema.

No caso da função decrescente, basta tomas como função intermediária

y “ ´y para se cair no caso anterior e deduzir de (1), que

limyÑb`

x “ a.

Se a é ponto de acumulação à esquerda e se é

limxÑa`

y “ b,

deduzimos também, se y é crescente,

limyÑb`

x “ a

e se y é decrescente,

limyÑb´

x “ a.

Page 93: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 85

Se a é ponto de acumulação à esquerda e à direita e pertence a C, e se

além da hipótese anterior tivermos

fpa´q “ fpa`q “ fpaq “ b,

isto é, se fpxq for contínua no ponto a, a função inversa será contínua no

ponto b, pois teremos

limyÑb´

f´1pyq “ a “ limyÑb`

f´1pyq “ f´1pbq;

em outras palavras, se uma função é crescente e contínua, a sua inversa é

também crescente e contínua. Uma proposição análoga vale para toda fun-

ção decrescente e contínua.

§ 17. Conjunto linear. Extremos. Vamos aplicar os resultados do pará-

grafo anterior ao estudo da continuidade das funções elementares que não

foram ainda consideradas no § 14:

1) Função exponencial y “ bx, em que tomamos b ą 1. Já vimos no

capítulo III as propriedades desta função: ela é definida em todo o campo

real, é crescente e toma todos os valores reais positivos. Deduz-se daqui

imediatamente

limxÑ´8

bx “ 0 e limxÑ`8

bx “ `8.

Seja agora a um número real qualquer; sabemos que dado ε ą 0, é

sempre possível achar um número x ă a tal que seja ba ´ bx ă ε, ou bx ąba ´ ε, e analogamente para x ą a, donde se conclui

limxÑa

bx “ ba.

Para b “ 1, a função bx é constante “ 1, e portanto contínua.

Se fosse b ă 1, bastaria considerar a função p1bqx “ 1bx, pois teríamos

1b ą 1. Deduz-se pois que a última fórmula é válida qualquer que seja

b ‰ 0, isto é, para todo valor positivo de b a função bx é contínua em todo

o campo real.

2) Função logaritmo logb x. Das propriedades da função exponencial se

deduz que para b ą 1 a função logaritmo é definida e monódroma no campo

real absoluto e é crescente e contínua em todo esse campo. Para os extremos

0 e 8, temos

limxÑ0`

logb x “ ´8 e limxÑ`8

logb x “ `8.

O caso b ă 1, que dá para logb x uma função decrescente, reduz-se

facilmente ao anterior, pois temos

logb x “ ´ log 1bx.

Page 94: Curso de Analise Matematica 1

86 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

3) Funções circulares inversas. Consideremos a função

x “ seny

definida no intervalo ´π2 $% `π2; sabemos já que essa função é monó-

droma, crescente e contínua neste intervalo, e por conseguinte está definida

uma função inversa, y “ arcsen x, monódroma, crescente e contínua no in-

tervalo ´1 $% `1, cujos valores pertencem ao intervalo anterior. Além disto,

temos, para os valores extremos,

limxÑ1´

arcsen x “ π

2e lim

xÑ´1`arcsen x “ ´π

2.

Para a função inversa do coseno, temos que considerar a função

x “ cosy

definida no intervalo 0 $% π onde ela é decrescente e contínua; a função

inversa y “ arccos x será definida, decrescente e contínua no intervalo ´1 $% 1, sendo para os valores extremos,

limxÑ1´

arccos x “ 0 e limxÑ´1`

arccos x “ π.

Finalmente, pode-se também considerar a função arctg x, inversa da fun-

ção x “ tgy, que é crescente e contínua no intervalo ´π2´ `π2; a função

arctg x será uma função crescente e contínua em todo o campo real, e para

os elementos infinitos, temos

limxÑ´8

arctg x “ ´π2

e limxÑ`8

arctg x “ `π2

.

§ 18. Número e. Logaritmos neperianos. Consideremos a função

fpxq “ˆ

1 ` 1x

˙x

definida para x externo ao intervalo ´1 $% 0. Vamos demonstrar que esta

função é convergente para x Ñ 8. Com efeito, consideremos primeiramente

os valores inteiros positivos de x. Pondo x “ n, temos pela fórmula do

binômio de Newton,

(1) fpnq “ 1`n.1n

`npn´ 1q2

`¨ ¨ ¨`npn´ 1q . . . pn´ r` 1qr!

.1nr

`¨ ¨ ¨` 1nn

;

o termo geral desta soma pode ser posto sob a formaˆ

1 ´ 1n

˙

.

ˆ

1 ´ 2n

˙

. . .

ˆ

1 ´ n´ 1n

˙

.1r!

pela qual se vê que fixado r ą 1, este termo é um produto de 1r! por r ´ 1

fatores positivos e menores que 1, que crescem tendendo a 1, para n Ñ 8.

Logo, no segundo membro de (1), quando n cresce, cresce também cada

Page 95: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 87

termo a partir do 3º e ao mesmo tempo o número de termos; por outro lado,

essa soma é sempre menor que

1 ` 1 ` 12!

` 13!

` ¨ ¨ ¨ ` 1n!

ă 1 `ˆ

1 ` 12

` 122 ` ¨ ¨ ¨ ` 1

2n´1

˙

“ 1 ` 1 ´ 12n

1 ´ 12

e como a última fração é sempre menor que 2, temos, para n ą 1, 2 ăfpnq ă 3. A sucessão fp1q, fp2q, . . . é portanto crescente e limitada, logo tem

um limite finito, que se costuma indicar com a letra e. Pode-se demonstrar

que esse número é irracional e transcendente (isto é, não pode ser raiz de ne-

nhuma equação algébrica com coeficientes inteiros). O seu valor aproximado

é

e “ 2, 718281828459 . . .

Note-se também que, fixado r, o limite da soma dos r ` 1 primeiros

termos do desenvolvimento de (1) é

sr “ 1 ` 1 ` 12!

` ¨ ¨ ¨ ` 1r!

logo temos sr ă lim fpnq “ e. Mas como temos também fpnq ă sn, donde

e “ lim fpnq ď lim sn, deduzimos, fazendo r Ñ 8, e “ lim sr, isto é, o

número e também se pode obter como soma da série (vide capítulo seguinte)

(2) 1 ` 11!

` 12!

` 13!

` ¨ ¨ ¨ ` 1n!

` . . .

Consideremos agora um valor positivo qualquer de x; pondo n “ rxs(§ 8, exemplo 2), temos evidentemente,

limxÑ8

n “ 8,

e sendo n ď x ă n` 1, deduzimosˆ

1 ` 1n` 1

˙n

“ˆ

1 ` 1n` 1

˙n`1 ˆ

1 ` 1n` 1

˙´1

ăˆ

1 ` 1x

˙x

ăˆ

1 ` 1n

˙n`1

“ˆ

1 ` 1n

˙nˆ

1 ` 1n

˙

;

ora, em cada um dos membros extremos destas desigualdades há um fator

que tende a e e outro que tende a 1, logo esses membros extremos tendem a

e para n Ñ 8, e pelo critério de confronto temos

limxÑ8

fpxq “ e.

Page 96: Curso de Analise Matematica 1

88 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

Para x negativo e ă ´1, pomos x “ ´p1 ` yq, donde

limxÑ8

y “ `8,

1 ` 1x

˙x

“ˆ

1 ´ 11 ` y

˙´1´y“

ˆ

y` 1y

˙1`y“

ˆ

1 ` 1y

˙yˆ

1 ` 1y

˙

donde

limxÑ8

ˆ

1 ` 1x

˙x

“ limyÑ8

ˆ

1 ` 1y

˙yˆ

1 ` 1y

˙

“ e.

Temos, pois, em geral, para x crescendo em valor absoluto, por valores

positivos ou negativos,

(3) limxÑ8

fpxq “ limxÑ8

ˆ

1 ` 1x

˙x

“ e.

Pondo x “ 1t, obtemos também

(4) limtÑ0

p1 ` tq1t “ e.

Seja α um número real qualquer ‰ 0; como xα tende a infinito ao

mesmo tempo que x, temos

limxÑ8

´

1 ` α

x

¯x

“ limxÑ8

«

ˆ

1 ` 1xα

˙xα

ffα

“«

limxÑ8

ˆ

1 ` 1xα

˙xα

ffα

“ eα

igualdade que é aliás evidente para α “ 0.

Chamam-se logaritmos neperianos, naturais ou hiperbólicos os que têm

por base o número e. Tais logaritmos, que são os mais importantes na análise

matemática, costumam-se escrever sem indicação da base;

log x “ loge x px ą 0q.

Vamos demonstrar a relação

(5) limxÑ0

ax ´ 1x

“ loga pa ą 0q

que é evidente para a “ 1. Suponhamos a ‰ 1. Pondo t “ ax ´ 1, temos

evidentemente

limxÑ0

t “ 0,

e tomando os logaritmos neperianos,

x “ logp1 ` tqloga

donde

limxÑ0

ax ´ 1x

“ limtÑ0

t. logalogp1 ` tq “ loga

limtÑ0 logp1 ` tq1t

Page 97: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 89

e como

limtÑ0

logp1 ` tq1t “ log limtÑ0

p1 ` tq1t

(conforme § 13, teorema 10), segue-se de (4) que o limite do denominador é

log e “ 1, o que prova a igualdade (5).

§ 19. Funções contínuas em um intervalo fechado. Já vimos que todas

as funções elementares são definidas e contínuas ou em todo o campo real

(polinômios, função exponencial, sen x, cos x, arctg x) ou nesse campo menos

um conjunto discreto de pontos (funções racionais, tg x, cot x) ou em interva-

los com ou sem inclusão dos pontos extremos (funções algébricas, potência

com expoente irracional, log x, arcsen x, arccos x). Vemos que o campo de

definição dessas funções é sempre composto de intervalos, abertos ou fecha-

dos. Mas tomados dois pontos dentro de um mesmo intervalo, a função

será certamente definida e contínua em todo o intervalo fechado que tem por

extremos esses dois pontos. Esta observação mostra a importância que têm

para o estudo das funções elementares as propriedades gerais das funções

que são definidas e contínuas em um intervalo fechado. Essas propriedades

se baseiam no seguinte

LEMA. Se uma função fpxq, definida e contínua em um intervalo fechado

a $% b, tem nos extremos a e b valores de sinal contrário, essa função fpxqse anula ao menos em um ponto interno desse intervalo.

Seja por exemplo fpaq ą 0 e portanto fpbq ă 0. Consideremos o con-

junto dos pontos de a $% b nos quais a função é positiva, e seja x0 o seu

extremo superior; temos, evidentemente, a ă x0 ă b, pois para cada um

dos extremos há um entorno (direito e esquerdo respectivamente) em que

fpxq tem um sinal constante. Em qualquer entorno de x0 existem pontos x

do conjunto C, para os quais fpxq ą 0, e pontos fora de C, por exemplo

os pontos x ą x0, para os quais fpxq ď 0. Se tivéssemos fpx0q ‰ 0, como

a função se supõe contínua, haveria ao menos um entorno completo de x0

em que fpxq teria sinal constante, o que não é possível; logo temos forço-

samente fpx0q “ 0. É claro que a mesma demonstração vale para o caso

fpaq ă 0 ă fpbq, e portanto o lema está demonstrado.

Já vimos no § 12, como aplicação do teorema de WEIERSTRASS, que

toda função contínua em um conjunto fechado e limitado, atinge os seus ex-

tremos superior e inferior; como um intervalo fechado é um conjunto nessas

condições, concluimos que existe sempre em tal intervalo e para toda função

contínua um ponto de máximo e um ponto de mínimo. Aplicando o lema

anterior, obtemos o seguinte

Page 98: Curso de Analise Matematica 1

90 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

TEOREMA. Uma função fpxq definida e contínua em um intervalo fe-

chado assume nesse intervalo todos os valores compreendidos entre o seu

máximo e o seu mínimo.

Com efeito, sejam l “ fpξq e L “ fpηq o mínimo e o máximo de fpxqno intervalo a $% b em que esta função é definida e contínua; podemos

supor l ă L, pois se esses valores fossem iguais, a função seria constante, e

o teorema evidente. Seja k um valor compreendido entre l e L. A função

fpxq ´ k é evidentemente contínua no intervalo que tem por extremos os

pontos ξ e η, o qual está contido no anterior; aplicando o lema, deduzimos

que existe entre esses pontos, e portanto no intervalo a $% b, um ponto x0

em que aquela função se anula, isto é, para o qual se tem fpx0q “ k.

Do último resultado do § 16, sobre funções monótonas, se deduz facil-

mente que uma função crescente e contínua em um intervalo a $% b, tem

sempre uma função inversa crescente e contínua no intervalo fpaq $% fpbq, e

que toma neste intervalo todos os valores do intervalo a $% b. Uma propo-

sição análoga vale para toda função decrescente e contínua em um intervalo.

Estas proposições admitem uma recíproca que é a seguinte: Se y “ fpxqé uma função definida e contínua no intervalo a $% b e se valores distintos

de x correspondem a valores distintos de y, essa função é ou crescente ou

decrescente nesse intervalo.

Interpretado geometricamente, este teorema pode-se enunciar da seguinte

maneira: Se os pontos de um segmento AB estão em correspondência con-

tínua e biunívoca com os pontos de um conjunto C de uma reta, então esse

conjunto C é também um segmento e a correspondência conserva a ordem,

no sentido de que, sendo P, Q, R, três pontos quaisquer de AB e P 1, Q 1,

R 1, os seus correspondentes, se Q está entre P e R, Q 1 estará entre P 1 e R 1.

Segue-se daqui que aos extremos de um segmento correspondem os extremos

do outro, e que a correspondência inversa é também contínua.

Para demonstrar este teorema basta provar que fpxq não pode ter máximo

nem mínimo interno em nenhum intervalo parcial de a $% b. Com efeito, se

fosse ξ um ponto de máximo, por exemplo, no intervalo x1 $% x2 contido

em a $% b, sendo x1 ă ξ ă x2, teríamos fpx1q ă fpξq ą fpx2q; mas então,

pela continuidade de fpxq, tomado um valor k compreendido entre o maior

dos números fpx1q e fpx2q e o valor máximo fpξq, haveria um ponto x 1 entre

x1 e ξ e outro, x2, entre ξ e x2, para os quais a função tomaria o mesmo valor

k, contra a hipótese de biunivocidade. Da mesma maneira se demonstra que

não há mínimo interno em nenhum intervalo parcial. Logo, em qualquer

intervalo parcial de a $% b o máximo de fpxq está num dos extremos e o

Page 99: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 91

mínimo no outro. Se a é ponto de mínimo para todo o intervalo a $% b,

dados dois pontos quaisquer x1 e x2 deste intervalo, com x1 ă x2, como fpaqé também mínimo de fpxq em a $% x2, fpx2q será o máximo, donde se deduz

fpx1q ă fpx2q. Se a fosse ponto de máximo, deduziríamos analogamente,

para dois pontos quaisquer x1 e x2 com x1 ă x2, fpx1q ą fpx2q, logo o

teorema está completamente demonstrado.

§ 20. Continuidade uniforme. Teorema de HEINE. Já vimos que uma

função fpxq definida em um intervalo qualquer é contínua num ponto z desse

intervalo quando, dado arbitrariamente ε ą 0, pode-se determinar o número

δ ą 0 tal que para todo ponto x satisfazendo à condição |x ´ z| ă δ se

tenha |fpxq ´ fpzq| ă ε. Nesta definição o número δ depende não só de ε,

mas também de z. Pode acontecer que mudando este ponto seja necessário

tomar outro valor de δ e assim por diante. Por exemplo, a função y “ 1xé definida e contínua em todos os pontos do intervalo 0 ´ 8, pois fixados

z ą 0 e ε ą 0, basta que se tome δ menor que o menor dos números z2 e

εz22 para se deduzir de |x´ z| ă δ (e portanto x ą z2),

ˇ

ˇ

ˇ

ˇ

1x

´ 1z

ˇ

ˇ

ˇ

ˇ

“ |z´ x|xz

ă εz2

2xză ε;

neste caso vemos que o valor de δ depende essencialmente de z.

Ora, se, dada uma função fpxq definida em um conjunto C e dado arbi-

trariamente ε ą 0, existe sempre um valor de δ independente do ponto z tal

que de |x ´ z| ă δ se deduza sempre |fpxq ´ fpzq| ă ε, a função fpxq diz-se

uniformemente contínua no campo C.

Esta definição pode tomar outra forma, introduzindo a oscilação da fun-

ção em um conjunto parcial. Com efeito, se fpxq satisfaz à condição anterior,

como nesta condição x e z entram simetricamente, podemos dizer que fixado

qualquer intervalo de amplitude menor que δ, a diferença dos valores de fpxqem dois pontos quaisquer de C que estejam nesse intervalo é menor que ε em

valor absoluto; segue-se daqui que a oscilação da função em um tal intervalo,

que é o extremo superior dessas diferenças, é menor ou igual a ε; reciproca-

mente, se esta condição está satisfeita para qualquer intervalo de amplitude

δ, basta fixar um ponto z de um tal intervalo para se obter a condição ante-

rior (a menos do sinal de igualdade na última condição, que se pode mudar

facilmente). Diremos então que uma função fpxq é uniformemente contínua

em um conjunto C, se dado ε ą 0 arbitrário, é possível determinar um nú-

mero δ ą 0 tal que em qualquer intervalo de amplitude ă δ, a oscilação de

fpxq nos pontos de C que caem nesse intervalo é menor que ε.

Page 100: Curso de Analise Matematica 1

92 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

Podemos agora demonstrar o teorema da continuidade uniforme, tam-

bém chamado teorema de HEINE:

Toda função contínua em um intervalo fechado a $% b, é uniformemente

contínua nesse intervalo.

Este teorema se demonstra facilmente por meio do teorema de BOREL-

LEBESGUE (§ 4). Com efeito, seja dado o número positivo arbitrário ε. Pela

continuidade da função fpxq, cada ponto x 1 do intervalo a $% b é interno

a ao menos um entorno pδ 1q de x 1, no qual a oscilação de fpxq é menor

que ε. Consideremos a família F de todos os intervalos x 1 ´ δ 1 ´ x 1 ` δ 1,

que satisfazem a esta condição, para todos os pontos x 1 e a $% b. Pelo

teorema citado, pode-se determinar um número finito n desses intervalos

que contém internamente todos os pontos de a $% b. Os extremos desses

intervalos formam um conjunto I com um número finito de pontos; seja δ

um número positivo menor que a mínima distância de dois pontos distintos

quaisquer de I. Qualquer intervalo α de amplitude δ contido em a $% b,

contém no máximo um ponto P de I, e portanto está contido em um dos

n intervalos determinados acima (se esse intervalo α contém um ponto P,

ele estará contido no intervalo que contém P, pois as distâncias de P aos

extremos deste intervalo são maiores que δ). Logo, a oscilação de fpxq em

qualquer intervalo de amplitude δ é sempre menor que ε, e sendo ε arbitrário,

o teorema está demonstrado.

§ 21. Critério de convergência de Cauchy. Até aqui temos considerado

as propriedades dos limites das funções, nos casos em que esses limites exis-

tem, supondo o seu valor conhecido. Mas em muitas questões de Análise

Matemática é preciso previamente saber se a função fpxq tem ou não um

limite finito quando x tende a um ponto a, isto é, se a função é ou não con-

vergente neste ponto, e para esta pesquisa prévia não podemos introduzir no

raciocínio o valor do limite, que ainda não sabemos nem mesmo se existe.

Desta consideração ressalta a importância fundamental do seguinte teorema,

ou

CRITÉRIO DE CONVERGÊNCIA DE CAUCHY. A condição necessária e

suficiente para que uma função fpxq tenha um limite finito em um ponto

de acumulação a do seu campo de definição é que, dado o número ε ą 0

arbitrário, se possa sempre achar em correspondência um entorno α de a tal

que para dois valores quaisquer x 1 e x2 dentro dele, e distintos de a, se tenha,

para os valores correspondentes da função

|fpx 1q ´ fpx2q| ă ε.

Page 101: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 93

A verificação desta condição não depende do conhecimento do limite cuja

existência se trata de provar. Passemos à demonstração.

a) Suponhamos que a função tenha um limite finito b; podemos então,

dado ε positivo arbitrário, determinar um entorno α de a dentro do qual,

para x ‰ a, se tenha sempre |fpxq ´ b| ă ε2; tomados então dois valores

quaisquer de x: x 1 e x2 dentro de α e distintos de a, temos

|fpx 1q ´ fpx2q| ď |fpx 1q ´ b| ` |fpx2q ´ b| ă ε

2` ε

2“ ε,

e portanto a condição enunciada é necessária.

b) Suponhamos que a condição seja satisfeita; dado um número ε ą 0

arbitrário, podemos então achar um entorno pγq de a, dentro do qual se

tenha, sendo x 1 e x2 valores quaisquer de x distintos de a, |fpx 1q ´ fpx2q| ăε2. Fixado o valor de x 1 nesse entorno, teremos, para todos os pontos x ‰ a

do mesmo, ´ε2 ă fpxq ´ fpx 1q ă ε2, e portanto,

fpxq ď fpx 1q ` ε

2e fpxq ě fpx 1q ´ ε

2.

Sejam agora Lpγq e lpγq, respectivamente, o extremo superior e o inferior

de fpxq para x ‰ a no entorno pγq de a. Pelas condições acima, teremos

evidentemente,

Lpγq ď fpx 1q ` ε

2lpγq ě fpx 1q ´ ε

2donde, sendo Lpγq ě lpγq,

(1) 0 ď Lpγq ´ lpγq ď ε.

Mas pelas propriedades dos extremos das funções, é fácil ver que Lpγqe lpγq são funções monótonas, a primeira não decrescente, a segunda não

crescente, de γ para γ ą 0. A oscilação Ωpγq “ Lpγq ´ lpγq é portanto

também função monótona não decrescente. Mas essas três funções de γ são

limitadas ao menos em um entorno de 0, e portanto têm limites finitos para

γ Ñ 0, e das desigualdades (1), deduzimos

limγÑ0

rLpγq ´ lpγqs “ limγÑ0

Lpγq ´ limγÑ0

lpγq “ 0

donde

limγÑ0

Lpγq “ limγÑ0

lpγq “ b.

Isto quer dizer que dado ε ą 0 pode-se achar um número δ ą 0, tal que

no entorno pδq de a se tenha

b´ ε ă lpδq ď Lpδq ă b` ε

Page 102: Curso de Analise Matematica 1

94 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

e como para todo x ‰ a desse entorno pδq é sempre lpδq ď fpxq ď Lpδq,obtemos finalmente, b´ ε ă fpxq ă b` ε, ou

|fpxq ´ b| ă ε

isto é,

limxÑa

fpxq “ b

o que prova que a condição enunciada é também suficiente.

Este teorema se aplica também para o limite à esquerda, se a é ponto

de acumulação à direita, bastando substituir o entorno pδq pelo entorno es-

querdo a ´ δ % a de a; igualmente se aplica ao limite à direita, assim como

ao caso do ponto de acumulação infinito, para o qual facilmente se adapta a

demonstração acima.

§ 22. Limite máximo, limite mínimo e oscilação em um ponto. Seja y “fpxq uma função qualquer definida em um campo linear C e a um ponto

de acumulação de C. O raciocínio que fizemos no parágrafo anterior em

relação às funções Lpγq e lpγq continua válido em qualquer caso, se admitir-

mos que essas funções possam valer ` ou ´8, isto é, admitindo isto, estas

quantidades são sempre funções monótonas de γ, respectivamente não de-

crescente e não crescente, e a sua diferença, a oscilação de fpxq no entorno

pγq de a, excluído o ponto a,Ωpγq “ Lpγq´lpγq é função não decrescente de

γ; esta oscilação deve ser considerada infinita quando Lpγq “ 8 ou quanto

lpγq “ ´8. Em qualquer caso, temos evidentemente Ωpγq ě 0, e portanto,

chamando L, l e Ω os limites destas funções monótonas para γ Ñ 0, temos

Ω ě 0 ou L ě l.

Os números L, l e γ chamam-se, respectivamente, limite máximo, limite

mínimo e oscilação de fpxq no ponto a. Considerando somente os pontos

de C à esquerda de a, no caso deste ser ponto de acumulação à direita,

definem-se analogamente, o limite máximo esquerdo Le e o limite mínimo

esquerdo le de fpxq em a, assim como a oscilação esquerda Ωe; também se

definem os mesmos elementos à direita de a, isto é, os números Ld, ld e Ωd,

respectivamente limite máximo e mínimo direito e oscilação direita de fpxqem a. Se a é ponto de acumulação à esquerda e à direita do campo C, existem

sempre os quatro limites (finitos ou infinitos), Le, le, Ld e ld. Evidentemente,

o maior e o menor dos quatro coincidem, respectivamente, com os limites L

e l definidos atrás.

Verifica-se, por exemplo, que para a função y “ ex sen 1x

temos no ponto

0, com as notações anteriores,

Le “ Ld “ L “ 1, le “ ld “ l “ ´1;

Page 103: Curso de Analise Matematica 1

IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL 95

e para a função

y “ 1 ´ e´1x

p1 ´ sen 1xq ,

e no mesmo ponto 0, temos

Le “ le “ ´8, Ld “ `8, ld “ 12

.

Pode-se dar outra definição para esses limites. Consideremos os números

M que têm a seguinte propriedade: existe um entorno de a no qual, para

todos os pontos x ‰ a, temos fpxq ă M. Naturalmente, o conjunto dos

números M nesta condição forma uma classe majorante, e é fácil ver que

essa classe define exatamente o limite máximo L. Analogamente o limite l

pode ser definido como o extremo superior do conjunto dos números m tais

que exista um entorno de a no qual para x ‰ a se tenha sempre fpxq ą m.

§ 23. Funções com valores complexos. Suponhamos que a cada valor de

x em um campo linear C correspondam, de modo bem determinado, um ou

mais valores complexos Z “ X ` iY. Diz-se então que Z é função complexa

de x. Ora, neste caso é claro que tanto a parte real X como o coeficiente do

imaginário Y são funções de x; assim, dar uma função Z “ Fpxq com valores

complexos é o mesmo que dar duas funções Xpxq e Ypxq com valores reais,

definidas no mesmo campo C. Mas a consideração da função Fpxq, além

da vantagem da notação abreviada tem a de admitir a mesma definição de

limite: diz-se que Fpxq tem para limite um número complexo Z0 quando x

tende a um ponto de acumulação a de C, se dado ε ą 0 arbitrário, existe em

correspondência um número positivo δ tal que, sendo |x´ a| ă δ e x ‰ a, se

tenha em correspondência |Fpxq´Z0| ă ε. No primeiro membro desta última

desigualdade intervém o módulo de um número complexo. Mas como as

propriedades da desigualdade para o módulo são as mesmas que para o valor

absoluto de números reais, facilmente se deduz que para estas funções valem

todos os teoremas sobre limites, com exceção do critério de confronto, pois

não definimos a desigualdade entre números complexos. Note-se também

que o teorema 1 do § 13 deve ter aqui o seguinte enunciado: Se Fpxq tem

limite Z0 ‰ 0 para x Ñ a, existe um entorno de a tal que para x nesse

entorno e ‰ a, Fpxq é constantemente diferente de zero. A demonstração se

adapta facilmente. Vê-se também que a condição necessária e suficiente para

que se tenha

limxÑa

Fpxq “ Z0 “ X0 ` iY0

é que se tenha ao mesmo tempo

limxÑa

Xpxq “ X0 e limxÑa

Ypxq “ Y0,

Page 104: Curso de Analise Matematica 1

96 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

o que facilmente se deduz das desigualdades

|X´ X0| ď |Z´ Z0|, |Y ´ Y0| ď |Z´ Z0||Z´ Z0| ď |X´ X0| ` |Y ´ Y0|.

Deduz-se imediatamente que para que a função Fpxq seja contínua (com

a mesma definição do § 12) é necessário e suficiente que o sejam as duas

funções Xpxq e Ypxq.Entre as funções desse tipo, podem-se assinalar os polinômios e funções

racionais com coeficientes complexos e as funções algébricas, como a função

definida pela equação

x2 ` y2 ` 1 “ 0

que para cada valor real de x admite dois valores imaginários puros

y “ ˘i

a

1 ` x2.

Uma das funções mais importantes é a função z “ eαx, com α “ a` bi,

a e b reais, que se define pela igualdade (vide capítulo III, § 4):

z “ eax`bix “ eaxebix “ eaxpcosbx` i senbxq,

em que e é o número definido no § 18. O emprego do mesmo símbolo e para

este número e para a indicação da função ebix, será justificado no capítulo

VI.

§ 24. Funções de variável complexa. Também se podem considerar fun-

ções (em geral com valores complexos), definidas em conjuntos de números

complexos, ou de pontos do plano de ARGAND-GAUSS. No capítulo VIII

daremos as noções fundamentais sobre conjuntos de pontos no plano. Aqui

podemos antecipar a noção de entorno pεq e de ponto de acumulação, que

se definem da mesma maneira que no campo real, substituindo o valor abso-

luto pelo módulo; assim, o entorno pεq do número complexo α é o conjunto

dos números complexos z que satisfazem à desigualdade |z ´ α| ă ε; esses

números têm como afixos os pontos do plano que são internos ao círculo de

centro α e raio ε. Toda a teoria dos limites e de funções contínuas, com exce-

ção do critério de confronto e dos teoremas em que intervêm as relações de

desigualdade entre os valores assumidos pelas funções, se aplica a este caso.

Exercícios e Complementos

1. Demonstrar a seguinte extensão do último teorema do § 1: Dada uma

família F de conjuntos, e chamando C o conjunto reunião dos conjuntos de

F, o extremo superior de C é o extremo superior do conjunto de extremos

Page 105: Curso de Analise Matematica 1

EXERCÍCIOS E COMPLEMENTOS 97

superiores dos conjuntos de F. Um teorema análogo vale para o extremo

inferior.

2. Se o extremo superior de um conjunto C não é máximo, ele é ponto de

acumulação à direita de C.

3. O conjunto dos números decimais finitos, compreendidos entre 0 e 1,

em cuja representação só entram os algarismos 0 e 5, é um conjunto denso

em si, pois todos os seus elementos são pontos de acumulação à esquerda.

Os pontos de acumulação à direita desse conjunto são os números decimais

infinitos, escritos com os mesmos algarismos 0 e 5.

4. O conjunto dos números reais compreendidos entre 0 e 1, em cuja

representação decimal só entram os algarismos 0 e 5, é um conjunto perfeito,

se incluirmos o número 0.

5. Achar o conjunto derivado do conjunto de números 1m ` 1n, em

que m e n são números naturais.

6. Seja a um número positivo irracional. Tomemos para cada número

inteiro n o resto por falta, rn, da divisão de n por a, isto é a diferença rn “n ´ ma, sendo ma ď n ă pm ` 1qa. Mostrar que os números rn formam

um conjunto denso em si, cujo derivado é o intervalo 0 $% a (utilizar o teor.

de BOLZANO e o fato que, se r e r 1 são números do conjunto, r´ r 1 também

o é, assim como todos os múltiplos menores que a deste último número).

7. A definição de função por meio de gráficos é a base do conceito de

função em geral: Consideremos dois conjuntos de entes quaisquer, X e Y (por

exemplo, X e Y sendo o campo dos números reais, ou X - campo dos números

reais e Y - conjunto de todas as curvas de um plano, ou vice-versa, ou X -

conjunto dos pontos do espaço e Y - conjunto dos vetores no espaço, etc).

Designa-se com XˆY o conjunto dos pares ordenados px, yq, em que x é um

elemento do conjunto X e y um elemento do conjunto Y. Um subconjunto

qualquer F desse conjunto X ˆ Y, define uma função y “ fpxq, cujo campo

de definição é o conjunto C dos elementos de X que fazem parte de pares

px, yq pertencentes a F, e que para cada elemento x de C, tem por valores

os elementos y tais que o par px, yq faça parte de F. Este mesmo conjunto F

define a função inversa x “ f´1pyq. Na definição dada no § 10, X e Y são o

campo real, ou o conjunto de pontos de uma reta, X ˆ Y está representado

pelo plano e F é uma figura plana qualquer.

8. Determinar o campo de definição das funções:

a) y “ arcsen log x

b) y “ 4a

1 ´ log tg x

c) y “ log sen 2x

Page 106: Curso de Analise Matematica 1

98 IV. CONJUNTOS LINEARES. FUNÇÕES E LIMITES NO CAMPO REAL

d) y “ log arcsenp1 ´ tg xq(em 8a) e 8d), tome-se para arcsen a função monódroma definida no § 17,

3).

9. Achar o extremo superior do conjunto dos números an “ sennc,

sendo c um número real fixo e n percorrendo o conjunto dos números in-

teiros; mostrar que esse conjunto só tem máximo quando πc é racional e

que esse máximo só é igual a 1 se esse número, representado como fração

irredutível, tem numerador par.

10. Seja y “ fpxq uma função definida no campo real absoluto da se-

guinte maneira: y “ 1q para todo x racional “ pq (fração irredutível);

y “ 0 para todo x irracional. Demonstrar que essa função é contínua nos

pontos irracionais e descontínua nos pontos racionais. (Basta notar que dado

ε ą 0, o conjunto dos números pq com 1q ą ε, ou q ă 1ε não tem ne-

nhum ponto de acumulação finito, logo, se a é irracional existe um entorno

de a sem ponto desse conjunto; para todo x desse entorno, racional ou irra-

cional, temos fpxq ă ε).

11. Demonstrar que se fpxq e gpxq são funções definidas em um entorno

de x “ 0 e se tivermos limxÑ0 fpxqx “ p ‰ 0 e limxÑ0 gpxqx “ q ‰ 0,

tomados dois números reais quaisquer α e β, não nulos, temos

limxÑ0

fpαxqgpβxq “ αp

βq.

12. Deduzir dos resultados do § 15, os seguintes limites:

a)

limxÑ0

1 ´ cos xx2 “ 1

2;

b)

limxÑπ

4

cos x´ sen xπ4 ´ x “

?2;

c)

limxÑ0

arcsen xx

“ limxÑ0

arctg xx

“ 1.

13. Aplicar os resultados do § 18 aos seguintes cálculos dos limites:

a)

limxÑ1

loga xx´ 1

“ loga e;

b)

limxÑ0

pcos xq2 cot2 x “ 1e

;

c)

limxÑπ

4

p2 2sen xqtg 2x “ 1

e.

Page 107: Curso de Analise Matematica 1

EXERCÍCIOS E COMPLEMENTOS 99

14. Mostrar que a sucessão tp1 ` 1nqn´1u é crescente.

15. Mostrar que a sucessão tp1 ` 1nqn`1u é decrescente. (Tomar o

quociente do termo geral pelo precedente e aplicar a desigualdade 1 ` 1n ăp1 ` 1n2qn).

16. Uma função definida num intervalo a $% b diz-se convexa quando,

dados nesse intervalo três pontos quaisquer x1, x2, x3 tais que x1 ă x2 ă x3,

fpx2q é sempre menor ou igual ao valor da função linear gpxq determinada

pelas condições gpx1q “ fpx1q e gpx3q “ fpx3q; em outras palavras, quando

qualquer arco da curva y “ fpxq fica abaixo ou coincide com a corda corres-

pondente. Mostrar que esta condição equivale à seguinte desigualdade:∣

fpx1q x1 1

fpx2q x2 1

fpx3q x3 1

ď 0.

17. Demonstrar que, quaisquer que sejam as funções ypxq e zpxq, defini-

das num mesmo conjunto C com ponto de acumulação a, temos (subenten-

dendo os limites para x Ñ a)

limy` lim z ď limpy` zq ď limpy` zq ď limy` lim z

limpy´ zq ď limy´ lim z.

18. Esboçar o gráfico e determinar os limites máximos e mínimos, tanto

à direita como à esquerda, no ponto x “ 0, das seguintes funções:

a)

exsen2 1x

b)

sen

ˆ„

1x

π

4

˙

c)cos 1

x

2 ´ e 1x

.

Page 108: Curso de Analise Matematica 1
Page 109: Curso de Analise Matematica 1

Índice Remissivo

A

altura de um número racional, 64

C

classe

majorante, 8

imprópria, 20

minorante, 7

imprópria, 20

classes contíguas, 15

conjunto

contínuo, 14

denso, 14

denso em si, 58

discreto, 57

enumerável, 20

fechado, 57

finito, 2

infinito, 3

limitado, 53

limitado inferiormente, 53

limitado superiormente, 53

ordenado, 13

partição de um, 14

perfeito, 58

conjunto derivado, 57

conjunto linear, 53

correspondência biunívoca, 60

critério de confronto, 77

Critério de convergência de CAUCHY, 92

D

desigualdade de BERNOULLI, 35

E

e, 87

entorno

de um ponto, 19

direito, 19

direito do infinito, 20

do infinito, 20

esquerdo, 19

esquerdo do infinito, 20

simétrico, 19

do infinito, 20

equação binômia, 50

F

fórmula de MOIVRE, 43

função, 59

algébrica, 62

circular

direta, 63

inversa, 63

contínua, 72

à direita em um ponto, 73

à esquerda em um ponto, 73

em um ponto, 71

convergente num ponto, 69

crescente, 82

decrescente, 82

descontínua em um ponto, 72

divergente num ponto, 69

exponencial, 63

indeterminada num ponto, 69

inversa, 60

limitada, 66

inferiormente, 66

superiormente, 66

101

Page 110: Curso de Analise Matematica 1

102 ÍNDICE REMISSIVO

linear, 61

logarítmica, 63

mínimo de uma, 66

máximo de uma, 66

monódroma, 59

monótona, 82

teorema fundamental, 82

não crescente, 82

não decrescente, 82

oscilação de uma, 66

polídroma, 59

ponto de mínimo de uma, 66

ponto de máximo de uma, 66

racional, 61

inteira, 61

transcendente, 62

elementar, 62

uniformemente contínua, 91

função exponencial, 32

função logarítmica, 33

funções elementares, 61

G

gráfico de uma função, 61

grandezas comensuráveis, 1

I

indicador de GAUSS, 49, 64

infinito, 20

negativo, 20

positivo, 19

intervalo, 18

aberto, 19

fechado, 18

finito, 20

ilimitado, 20

infinito, 20

limitado, 20

L

limite, 67

à direita, 70

à esquerda, 70

mínimo, 94

máximo, 94

sobre um conjunto parcial, 70

limite inferior de um conjunto, 53

limite superior de um conjunto, 53

logaritmo, 33

neperiano, 88

M

mais infinito, 19

menos infinito, 20

N

número, 1

decimal exato, 16

finito, 20

inteiro relativo, 5

irracional, 9

racional, 4

real absoluto, 9

número complexo, 37

coeficiente do imaginário, 38

conjugado, 39

forma exponencial, 43

forma trigonométrica, 42

imaginário, 37

imaginário puro, 37

módulo de um, 40

norma de um, 40

parte imaginária de um, 38

parte real de um, 38

números

incomensuráveis, 2

irracionais, 2

racionais, 2, 5

absolutos, 7

relativos, 7

reais, 2

relativos, 11

O

oscilação, 94

P

partição, 14

polinômio, 61

ponto

finito, 20

ponto de acumulação, 56

Page 111: Curso de Analise Matematica 1

ÍNDICE REMISSIVO 103

à direita, 56

à esquerda, 56

ponto de WEIERSTRASS, 67

ponto isolado, 56

postulados de PEANO, 2

potência, 23

potência irracional, 63

R

raiz de índice n, 26

raiz primitiva da unidade, 48

S

secção

própria, 9

racional, 7

sucessão, 65

T

Teorema de BOLZANO, 57

Teorema de BOREL-LEBESGUE, 58

Teorema de HEINE, 92

Teorema de WEIERSTRASS, 66

Teorema fundamental sobre funções

monótonas, 82

U

unidade imaginária, 38