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O mês de abril é conhecido como o mês de falar da cultura indígena por causa do dia 19 de Abril, que
é “o Dia do Índio”. Por ocasião da data, é comum encontrar nas escolas comemorações com fantasias,
crianças pintadas, músicas e atividades culturais. No entanto, temos que tomar muito cuidado e
questionar a maneira como algumas dessas práticas são conduzidas, pois além de reproduzir antigos
preconceitos e estereótipos, não geram aprendizagem alguma.
Como afirma a antropóloga Majoí Gongora “Ser
índio não é estar nu ou pintado, não é algo que se
veste. A cultura indígena faz parte da essência da
pessoa. Não se deixa de ser índio por viver na
sociedade contemporânea”.
É muito comum caracterizarmos os povos através
de gravuras de livros que representam povos do
século XV e XVI, reproduzindo mais estereótipos.
Hoje, muitos têm acesso à tecnologia, à
universidade e a tudo o que a cidade proporciona
e nem por isso deixam de ser indígenas e de
preservar a cultura e os costumes.
Além disso, precisamos entender que o Brasil tem cerca de 305 povos, que falam cerca de 274 línguas
e que cada etnia tem sua identidade, rituais, modo de vestir e de se organizar. Não devemos tratar todas
como iguais ou se prender a uma única.
É necessário que conheçamos os povos indígenas para além do olhar “branco”. Tem um monte de
coisas que podemos aprender com eles, como nos sentir parte da terra e a cuidar melhor dela, tal como
fazem e valorizam as sociedades indígenas.
Apesar de em nosso cronograma, do cursinho VIA, os encontros sobre a história, a cultura e a atual
condição indígena estarem marcados para o mês de abril, acreditamos que é necessário aprender e
conhecer sobre esses povos durante todo ano. Retomaremos as questões que os envolvem diversas
vezes durante o cronograma porque, para eles, esse mês e essa data não são mais que dias comuns, já
que tantos dezenoves de abril já se passaram e esses povos continuam lutando incessantemente por
suas terras e seus direitos que são negados com frequência e conquistados e reconquistados com muitas
dificuldades.
Fonte: Indioeduca – textos de Marina Cândido Marcos e Alex Makuxi – adaptado.
“O dia do Índio” e o mês de abril
“A minha professora falava que Pedro Álvares Cabral
descobriu o Brasil, mas ele invadiu. Ela tocava muito no
nome da Princesa Isabel, porque próximo ao Morro do
Preventório [ onde Carol vive] existe a casa de bonecas onde ela
brincava. E lá também existe um cemitério onde os escravos
eram enterrados. E mesmo assim a professora repetia que ela
foi a salvadora dos negros, e não foi. Dandara e Zumbi
representam tudo. Se hoje eu estou aqui nessa mesa, tranquila,
dando uma entrevista, é graças a eles e não graças à Princesa
Isabel. Como os escravos já deveriam ser libertados naquela
época, resolveram colocar uma branca como ‘rainha dos
negros’. Mas eram Dandara e Zumbi que lutavam”, completa
Carol.
Segundo a FUNAI, a
população do Brasil PRÉ-
CABRALINO (antes de 1500)
era estimada em 4 milhões de
indígenas. Até o final do
BRASIL COLÔNIA (1815), essa
população já havia sido
reduzida a 360 mil e
representava apenas 9% do
total de habitantes.
Não Foi
Cabral
MC Carol
Professora me desculpe Mas agora vou falar Esse ano na escola As coisas vão mudar Nada contra ti Não me leve a mal Quem descobriu o Brasil Não foi Cabral Pedro Álvares Cabral Chegou 22 de abril Depois colonizou Chamando de Pau-Brasil Ninguém trouxe família Muito menos filho
Porque já sabia Que ia matar vários índios Treze Caravelas Trouxe muita morte Um milhão de índio Morreu de tuberculose Falando de sofrimento Dos tupis e guaranis Lembrei do guerreiro Quilombo Zumbi Zumbi dos Palmares Vitima de uma emboscada Se não fosse a Dandara Eu levava chicotada
“Sou do morro, sou
favelada, nunca vou
perder a essência do
funk e vou ser pra
sempre a Carol de
Niterói.”
Sarampo, varíola,
gripe, entre outras
doenças trazidas da
Europa dizimaram
os nativos, além das
guerras entre as
tribos e o massacre
dos colonizadores.
O Brasil tem cerca de
305 povos indígenas
que falam cerca de
274 línguas. Os
tupinambás foram
os primeiros que
tiveram contato com
os europeus porque
ocupavam o litoral
do país.
Comandante militar
português de família
nobre que invadiu o
Brasil com suas
caravelas em 1532.
Árvore que os portugueses
extraíram quando chegaram
ao Brasil. Eles utilizaram a
mão de obra indígena em
troca de objetos baratos em
Portugal, como espelhos e
pentes, enquanto vendiam a
tinta e a madeira por um alto
preço na Europa.
A história que não aprendemos
“Os portugueses descobriram o Brasil!” É com essa frase que inicia a história do país. A
descoberta do Brasil aconteceu em 1500, mais precisamente em 26 de janeiro, quando o
português chamado Vicente Pizón e seus homens chegaram a uma praia deserta do cabo
de Santo Agostinho no litoral do Estado de Pernambuco.
Porém, a “descoberta oficial” se deu com a
chegada de Pedro Álvares Cabral, em 22 de
abril do mesmo ano, com todo seu comando,
representando Portugal.
E o que encontraram ao chegarem?
ÍNDIOS, nus, com língua estranha,
selvagens.
É assim que aprendemos na escola, com os professores e livros didáticos, “O
descobrimento do Brasil”. Pois bem, se já havia povos habitando essa região, porque então
da “descoberta”?
Isso só nos remete uma visão etnocêntrica de uma história europeia e que ignora
qualquer outra história, sendo a sua de maior valor.
Os povos indígenas que aqui viviam tinham sua história, sua própria vivência, sua
cultura e seus costumes. E, isso não se leva em conta nos livros didáticos que os colocam
em uma posição de “inferioridade”.
Esse conceito usado de “descoberta” remete a uma concepção de que a história anterior a
1500 não existia. Então surge a pergunta: o que foi descoberto?
A retirada das riquezas naturais do brasil realmente começou em 1500, e é justamente
em decorrência desse fato que o Brasil foi descoberto.
Descoberto no sentido literal e, para exemplar esse significado, usarei as palavras
contidas no dicionário de língua portuguesa da editora Avenida, que diz o seguinte:
“Descoberto: que não tem coberta, destapado, divulgado”.
Foi dessa forma que ficou o nosso querido Brasil após 1500 - descoberto, sem sua
cobertura verde original. Eis que de lá pra cá o descobrimento só veio a continuar.
Começou pela retirada da madeira vermelha, o pau-Brasil - depois outras plantas nativas
deram lugares as imensas plantações de cana de açúcar, soja, algodão e, por último, as
lindas e imensas árvores deram lugar aos pastos de criação de gado bovino.
Fonte: Indioeduca – texto de Alex Makuxi – adaptado.
Quem descobriu o Brasil?
Quando os portugueses chegaram ao Brasil, em 1500, eles buscavam ouro e prata. Em
um primeiro momento, não encontraram esses metais preciosos no território brasileiro e
não tiveram muito interesse em colonizar o país. Começaram, então, explorando o pau-
brasil para comercializar sua madeira e sua tinta de tom avermelhado. Apesar de
parecer a mesma coisa, explorar é uma atividade muito mais simples do que colonizar.
Colonizar exige ocupação, povoamento e organização de uma lógica produtiva dentro do
território.
Os portugueses realizavam a
exploração do pau-brasil
através de um sistema de
feitorias, que eram armazéns
onde realizavam o escambo -
a troca da árvore retirada
pelos povos indígenas por
objetos supérfluos e baratos
dos europeus. Isso aconteceu
de 1500 a 1530, sem que os
portugueses invadissem, em
grande número, o território
dos povos indígenas.
Para os lusos, era muito mais lucrativo negociar temperos e especiarias com os indianos,
já que compravam barato e vendiam muito caro na Europa.
O fato de os portugueses não darem tanta “atenção” assim ao Brasil, fez com que outros
países, como a França, começassem a invadir o território também. Por medo de “perder”
as terras que havia invadido, Portugal começou, enfim, a colonizar o país.
Essa política de invadir territórios e formar colônias era reflexo do sistema econômico
que predominava na Europa do século XV até a Revolução Industrial – o mercantilismo.
A base desse sistema era o acúmulo riqueza, baseada na quantidade de metal precioso
(ouro e prata) que cada país possuía. Esse acúmulo era medido pelo lucro nacional,
nomeado balança comercial favorável – quando o país exportava mais do que
importava, ou seja, “vendia mais que comprava”.
Por que Portugal invadiu o Brasil?
Para manter essa balança favorável, as metrópoles tomavam algumas medidas como
aumentar os impostos para a importação e formar monopólios comerciais com as
colônias, através de pactos. Esses pactos determinavam que as colônias só podiam
negociar com as metrópoles. O Brasil, por exemplo, só podia negociar com Portugal.
Evidentemente, esse comércio era benéfico apenas para os portugueses, já que eles
exploravam as riquezas brasileiras que iam de graça ou praticamente de graça para lá.
Todo o sistema de exportações e importações era
controlado pelo rei de cada metrópole, que tinha poder
total sobre todas as decisões tomadas dentro do país e
em suas colônias. Esse modelo de governo é chamado de
monarquia absolutista – exatamente o poder absoluto
do rei, que, apoiado pela burguesia (comerciantes ricos)
e pelo clero (igreja), controlava todas as esferas de poder
do Estado – o legislativo, o executivo e o judiciário.
A maneira mais fácil de acumular riquezas e formar
monopólios que os reis encontravam era invadir países e
colonizá-los e era isso que faziam as grandes potências
europeias da época, como Portugal.
Em 1532 começou, de fato, a colonização do Brasil, quando se criou, em São Vicente, a
primeira Câmara Municipal. Pelo medo de que outros países tomassem o território
brasileiro, Portugal começou a povoá-lo, dividindo o litoral em 15 faixas horizontais de
terra nomeadas Capitanias Hereditárias. Quem tomava conta dessas faixas eram os
donatários – homens ricos que faziam favores ao rei português, cobrando os impostos
encaminhados à metrópole e governando as regiões. Em 1548, devido a alguns problemas
de administração nas capitanias, foi criado o Governo-geral, com sede em Salvador e
posse de Tomé de Souza, de modo que Portugal pudesse ampliar o controle sobre a
colônia.
Dessa forma, cada vez mais Portugal ia
invadindo e tomando conta dos
territórios indígenas, roubando suas
riquezas e sua paz. Em 1549, chegaram
ao país os jesuítas, com o intuito de
cristianizar os nativos, como se sua
religião fosse a “certa”, a “única”,
explorando e destruindo a cultura dos
povos que aqui viviam. Obviamente a
ação dos jesuítas foi extremamente
violenta e a colonização não foi pacífica
como alguns livros colocam, sendo que os
povos indígenas lutaram bravamente.
Rei Luís XIV da França, o rei Sol
A exploração e a destruição que começou há 500 anos parece nunca terminar e os povos
indígenas continuam perdendo seus territórios para os “colonizadores”, que hoje são os
grandes fazendeiros ou latifundiários - homens muito ricos que exploram o território
brasileiro e ficam ainda mais ricos vendendo os produtos para o exterior.
Os Guarani Kaiowá, do Mato Grosso Sul, por exemplo, denunciam que estão sendo
obrigados a deixar a terra que sempre ocuparam. Ao todo, são mais de 40 mil deles
ameaçados pela monocultura de cana de açúcar, que devido ao alto lucro, se espalha
rapidamente na região. Mesmo os territórios já reconhecidos como de propriedade
indígena no estado estão sendo desocupados.
Os latifundiários roubam as terras indígenas para plantar cana e produzir etanol – o
“combustível completão” que a mídia tanto valoriza. Sem contar os que mantêm a
monocultura da soja e a criação de gado, todos ligados a mesma classe. Quem deveria
garantir a demarcação dos territórios indígenas – o Estado – possui uma grande bancada
de latifundiários que só pensa em garantir a preservação e ampliação de seus negócios.
Em uma comparação simples, é como se os três porquinhos tivessem que depender do
Lobo Mau pra proteger sua casa. Lógico que isso é impossível, por isso os povos indígenas
se organizam de diversas formas, interna e externamente, porque sabem que estão
praticamente sozinhos em sua luta.
A propriedade indígena é muito diferente, até hoje, da propriedade privada – herança
europeia. É uma propriedade coletiva, delimitada de modo que haja preservação dos
recursos ambientais necessários a seu bem-estar e necessária à sua reprodução física e
cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Complicado é pensar que, hoje, a propriedade indígena precisa ser delimitada,
demarcada, limitada por um Estado que não valoriza sua cultura. Há dois séculos, os
Como estão os povos indígenas hoje?
Guarani Kaiowá ocupavam cerca de 8 milhões de hectares no Mato Grosso do Sul e
atualmente, ocupam menos de 1% disso.
No Mato Grosso do Sul, os povos que antes
viviam da caça, da coleta junto à natureza
natureza, agora são obrigados a trabalhar
em regime semiescravo ou escravo nas
plantações de cana ou na criação de gado.
São removidos de seu ambiente e jogados
em outro mundo completamente diferente e
extremamente nocivo.
O mesmo acontece em várias regiões do Brasil, como no município de Altamira, no Pará,
onde está sendo construída a hidrelétrica de Belo Monte, com barragens no rio Xingu.
Será a 3º maior hidrelétrica do mundo e é necessário inundar uma grande área para
construí-la. Boa parte dessa área corresponde a terras indígenas, da tribo Kayapó e o
projeto estava pronto sem que ao menos eles tivessem sido consultados. Só depois que
estava tudo pronto para ser construído que foram avisar a tribo dos impactos ambientais
no local e não houve diálogo – as populações ribeirinhas (que moram próximo ao rio)
seriam removidas e realocadas. Muitas pessoas foram obrigadas a morar em pequenas
cidades, precisando trabalhar para pagar pela moradia, fazendo dívidas e contas que elas
nunca tiveram enquanto viviam do rio Xingu.
Ainda que muitos povos indígenas, devido a
um processo histórico, tenham incorporado
parte da cultura imposta pelos europeus,
boa parte ainda mantém seus costumes e
crenças. Não viver nos moldes do mundo
ocidental e globalizado não é demérito
algum - pelo contrário. Lutar para
preservar sua história e cultura é algo
muito digno e nós, que vivemos nas cidades,
deveríamos pensar no quanto podemos
aprender com eles – obviamente sem
romantiza-los, tratando-os com distância e,
sim, entendendo suas tradições e seus
valores. Um bom começo seria passar a
enxergar a natureza como parte da vida,
deixando de considera-la um recurso a ser
explorado.
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