currículo escolar em debate

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Currículo escolar em debate: Uma outra escola é possível “ Que continuo pensando que para falar de mudanças na educação é necessário, primeiro, um profundo silencio, uma longa espera, uma estética não tão pulcra, uma ética mais alinhada, deixar-se vibrar pelo outro mais do que pretender multiculturalizá-lo, abandonar a homodidática para heterorrelacionar-se.” (Carlos Skliar - Pedagogia improvável da diferença) No texto acima, Carlos Skliar, propõe pensarmos um currículo escolar que atenda as demandas culturais em constantes conflitos no espaço escolar. Em conflito, pois é neste ambiente onde nos defrontamos com o outro, um outro diferente do eu, tido como referencial. E, no que tange o currículo atual, este não compreende a dinâmica da diversidade cultural, tendendo a uma homogeneização do ensino, sempre reforçado nas palavras como uma cultura, uma história, etc., ou seja, é escolhido um modelo cultural e este sobrepõe às demais culturas locais. Esse processo de unificação cultural é um discurso inerente a tendência de globalização, que propõe a unidade das culturas nacionais. Entretanto, como defende Kevin Robins, o fluxo da globalização tem uma direção desequilibrada, onde a relação de poder possibilita a continuação da diferença cultural, sendo classificado entre o “Ocidente” é o “Resto”, ou seja, o autor defende a globalização como um processo de ocidentalização. Nesse sentido, percebemos um movimento de imposição cultural dos países centrais, principalmente, a cultura estadunidense, sobre os demais países, revelando uma geometria do poder da globalização, segundo Doreen Massey.

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Currículo escolar em debate: Uma outra escola é possível

“ Que continuo pensando que para falar de mudanças na educação é necessário, primeiro, um profundo silencio, uma longa espera, uma estética não tão pulcra, uma ética mais alinhada, deixar-se vibrar pelo outro mais do que pretender multiculturalizá-lo, abandonar a homodidática para heterorrelacionar-se.”  (Carlos Skliar - Pedagogia improvável da diferença) No texto acima, Carlos Skliar, propõe pensarmos um currículo escolar que atenda as demandas culturais em constantes conflitos no espaço escolar.  Em conflito,  pois é neste ambiente onde nos defrontamos com o outro,   um   outro   diferente   do   eu,   tido   como   referencial.   E,   no   que   tange   o   currículo   atual,   este   não compreende   a   dinâmica   da   diversidade   cultural,   tendendo   a   uma   homogeneização   do   ensino,   sempre reforçado nas palavras como uma cultura, uma história, etc., ou seja, é escolhido um modelo cultural e este sobrepõe às demais culturas locais.

Esse processo de unificação cultural é um discurso inerente a tendência de globalização, que propõe a unidade das culturas nacionais. Entretanto, como defende Kevin Robins, o fluxo da globalização tem uma direção desequilibrada, onde a relação de poder possibilita a continuação da diferença cultural, sendo classificado entre o “Ocidente” é o “Resto”, ou seja, o autor defende a globalização como um processo de ocidentalização. Nesse sentido, percebemos um movimento de imposição cultural dos países centrais, principalmente, a cultura estadunidense, sobre os demais países, revelando uma geometria do poder da globalização, segundo Doreen Massey.

  Partindo desta premissa, o currículo escolar nas escolas brasileiras está amplamente servindo como instrumento para homogeneização cultural, social e político da sociedade em benefício da manutenção do sistema vigente, como no período colonial, onde a educação era privilégio dos filhos da oliguarquia, assim como no período da ditadura, que tirou do currículo o ensino da Filosofia e tornou obrigatório o ensino da matéria Moral e Cívica, política e nomeou de “disciplina” e “grade” seus conteúdos (marcas do período militar), impondo valores e um modo de vida inerente aos seus interesses de acumulação de riqueza, e, portanto, é interligado ao modelo de produção capitalista. Com isto, temos uma modelo educacional arcaico, que não atende as demandas sociais das múltiplas regiões, se distanciando da realidade dos educandos, e impondo uma educação que não lhes serve, pois não contextualiza o ambiente social e não considera as experiências já acumuladas que estes estudantes levam para a sala de aula.         Portando, quando nos propomos elucubrar uma mudança curricular, é necessário uma reflexão sobre: qual a educação que estamos planejando? Se visarmos uma

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aprendizagem que fortaleça o modelo socioeconômico atual, tendemos a meras formulações niilistas que não possibilita uma real transformação no processo educacional, ficando no campo da superficialidade. Contudo, se a discussão se pauta pela função da educação como processo de emancipação, uma estratégia perfomática para o ensino se faz necessário, visando maximizar o indivíduo como ser humano, em toda sua potencialidade, tornando mulheres e homens detentores de sua própria história, a partir do momento que passam a serem sujeitos ativos na sociedade e não mais objetos manipuláveis.         Portanto, o currículo deve ser uma construção social dinâmica, considerando todos que dele participam, possibilitando uma troca de experiências que formula novas identidades, cria o novo, pois mesmo que o ambiente escolar tenha uma tendência à homogeneização, pode também ser um espaço subversivo, criando condições para uma transformação na sociedade e a verdadeira implantação do Estado de bem-estar social (hoje existente apenas em discursos que primam pela “democracia” representativa), que possibilite a manutenção da vida e da igualdade entres os seres humanos, pois de acordo com Lefebvre “o cotidiano está cada vez mais difícil de ser vivido pelos caminhos pelos quais estamos indo, que tem levado à miséria a maior parte dos seres humanos do planeta e a possibilidade de usa extinção pelo consumo irresponsável de seus bens matérias e até mesmo por uma guerra” .

Para tanto, esse currículo, hoje, é uma prática ainda, individual, de educadores que pesquisam e se propõe, em constante atenção desperta, a trabalhar a relação ensino-aprendizagem a partir da realidade dos educandos, rompendo com o modelo de ensino tradicional, confrontando a relação de poder que impera no espaço da escola, assumindo um lado neste jogo, como proposto por Silva (Documentos de identidades: uma introdução ás teorias do currículo - 1999), e contrapondo a concepção ideológica do conceito de educação (difundir a cultura dominante), que meramente tem serviço como meio para adaptar o indivíduo à uma realidade desumana, sobre a égide do capital, cujo o interesse atualmente está voltado para atender a demanda do mercado que necessita de mão-de-obra qualificada para operar suas maquinas, ou

 seja, técnicos. Com isto, temos uma expansão da educação considerando a preparação técnica, e não uma educação de qualidade, que amplie os conhecimentos dos educandos, e que seja voltado para atender as demandas dos seus cotidianos, sendo que, a própria educação tornou-se mercadoria, submetendo-se aos princípios do mercado, haja vista a forte expansão do ensino privado frente ao ensino público, cada vez mais sucateado. O currículo atual é reformulado com essa perspectiva, e vai se utiliza dos

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recursos tecnológicos para trabalhar nesta direção, e como exemplo podemos citar a nova modalidade de ensino a distância, que fortalece valores como o individualismo e competição, afastando qualquer forma de interação social, um marca forte do espaço escolar. Essa modalidade de ensino vem crescendo no Brasil, que, de acordo com o Censo EAD.br(2008), foram realizadas 310 mil matrículas em 2004, tendo um aumento de 1.075.272 em quatro anos. O número de instituições que passaram a oferecer cursos a distância passou de 166 para 376. Ou seja, essa modalidade é uma tendência na educação atual, porém, está longe de ser uma educação que reforce a função do ensino/aprendizagem como um todo. E, apesar de está sendo posto como uma evolução do currículo escolar, é inerente a tentativa de massificação da educação, pois rechaça qualquer tentativa emancipatória do sujeito a partir de uma educação reflexiva e crítica. A integração currículo – tecnologia é um avanço na educação, mas é fundamental saber trabalhar esse processo visando a aproximação do ensino à realidade, visto que está presente no cotidiano do educando, como exemplo temos uma fonte de pesquisa inesgotável através da internet, que nos possibilita ampliar nos conhecimentos. Outro benefício da utilização da tecnologia na educação é poder levar para sala de aula imagens ou filmes que trabalhem o conteúdo da matéria, como mostrar uma réplica do movimento de rotação e translação que vai possibilitar consolidar o conceito a partir do visual.Enfim, para muitos esse currículo pode ser uma utopia, mas de acordo com Santos (Pela mão de Alice: o social e o político da pós-modernidade - 1995): a utopia pode existir quando colocamos nossos desejos no que nos é mais próximo. Nesse sentido o que é proposto por Skliar torna-se fundamental para começarmos uma mudança, mesmo que individual ou de poucos, no cotidiano escolar que estamos inseridos, a partir do entendimento do que é este espaço: dinâmico, multicultural, onde nos encontramos com o diferente, o outro, e, conscientes da submissão da subjetividade frente a uma tendência à homogeneização, se faz necessário“abandonar a homodidática para heterorrelacionar-se”, e estar disponível para construir novas identidades a partir da junção cultural que o cotidiano escolar nos possibilita, com respeito a diferença individual. E com isto, proporcionar um movimento de emancipação do ser humano em direção a elaboração de uma nova forma de ser e viver a realidade, em equilíbrio com o meio ambiente e pela manutenção da vida.Luciana Alves.