currÍculo e identidade social territÓrios contestados

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(;01.1\(;;\0 ES'l'lJl>uS :UI.'I'lmAIS EM I':I>II<:I\<,:I\() .oordcnadore : Tornaz Tadeu da Silva' Pablo : 'llIili - Alienígenas na sala de aula - Uma introdução aos estudos culturais em educação Tornaz Tadeu da Silva (org.) - Pedagogia da exclusão - Crítica ao neoliberalismo em educação Pablo Gentili (org.) - Territórios contestados - O currículo e os novos mapas políticos e culturais Tomaz Tadeu da Silva e Antonio Flávio Moreira (orgs.) - Educação e crise do trabalho - Perspectivas de final de século Gaudêncio Frigotto (org.) - Teoria e educação no labirinto do capital Gaudêncio Frigotto e Maria Ciavatta (orgs.) Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Alienígenas na sala de aula I Tomaz Tadeu da Silva (org.) 9. ed. - Petrópolis, RJ : Vozes, 2011 - (Coleção Estudos Culturais em Educação) Vários autores. ISBN 978-85-326-1497-1 1. Cultura - Estudo e ensino 2. Educação - Filosofia I. Silva, T omaz Tadeu da. 11. Série. 1), -2 97 CDD-370.192 Índices para catálogo sistemático: 1. Estudos culturais: Educação 370.192 \ ,1'0 mnz 'I',.d 'U da Si lvu (org.) Cary Nelson, Pauta A. Treichler, I awrcnce Grossberg, Angela McRobbie, Roger I. Simon, Henry A. Giroux, Douglas Kellner, Jurjo Torres Santomé, Glaude Grignon, Tomaz Tadeu da Silva, Bill Green, Chris Bigum Alienígenas na sala de aula Uma introdução aos estudos culturais em educação Tradução de Tomaz Tadeu da Silva EDITORA Y VOZES Petrópolis

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(;01.1\(;;\0 ES'l'lJl>uS :UI.'I'lmAIS EM I':I>II<:I\<,:I\().oordcnadore : Tornaz Tadeu da Silva' Pablo : 'llIili

- Alienígenas na sala de aula - Uma introdução aos estudos culturais emeducação

Tornaz Tadeu da Silva (org.)- Pedagogia da exclusão - Crítica ao neoliberalismo em educação

Pablo Gentili (org.)- Territórios contestados - O currículo e os novos mapas políticos e culturais

Tomaz Tadeu da Silva e Antonio Flávio Moreira (orgs.)- Educação e crise do trabalho - Perspectivas de final de século

Gaudêncio Frigotto (org.)- Teoria e educação no labirinto do capital

Gaudêncio Frigotto e Maria Ciavatta (orgs.)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Alienígenas na sala de aula I Tomaz Tadeu da Silva (org.)9. ed. - Petrópolis, RJ : Vozes, 2011 - (Coleção Estudos Culturaisem Educação)Vários autores.ISBN 978-85-326-1497-11. Cultura - Estudo e ensino 2. Educação - Filosofia

I. Silva, T omaz Tadeu da. 11. Série.

1), -2 97 CDD-370.192

Índices para catálogo sistemático:1. Estudos culturais: Educação 370.192

\

,1'0mnz 'I',.d 'U da Si lvu (org.)Cary Nelson, Pauta A. Treichler,

I awrcnce Grossberg, Angela McRobbie,Roger I. Simon, Henry A. Giroux,

Douglas Kellner, Jurjo Torres Santomé,Glaude Grignon, Tomaz Tadeu da Silva,

Bill Green, Chris Bigum

Alienígenas na sala de aulaUma introdução aos estudos culturais em educação

Tradução de Tomaz Tadeu da Silva

• EDITORAY VOZES

Petrópolis

9oW\az adeVl da Silva

CURRíCULO E IDENTIDADE SOCIAL:TERRITÓRIOS CONTESTADOS

A 'I' oria Crítica do Currículo tem contribuído para aumentar nossa'1I1l11 r ensão sobre as íntimas e estreitas relações entre conhecimento,1" li I 'r identidade social e, portanto, sobre as múltiplas formas pelas,,1I,tis urrículo está centralmente envolvido na produção do social. As11 Inin ' da reprodução social, por exemplo, mostraram-nos como a distri-luri '[io desigual de conhecimento, através do currículo e da escola, cons-11111t' 111 mecanismos centrais do processo de produção e reprodução dedi' i~'llaldade social. Perspectivas mais culturalistas, como a de Bourdieu,11m ' cmplo, contribuíram para nos fazer compreender como as desi-",11,tI lndes escolares escondem fundamentais relações entre cultura e po-,I, 1, I\p sar disso, entretanto, boa parte da teorização crítica do currículo1" 1111:111 ce presa a certas concepções, seja do saber, seja do poder, ou,uudn, da relação entre os dois, que têm sido questionadas pela teorização'11 ial ' ultural mais recente, particularmente, por aquilo que passou a se[i.uunr de "pós-estruturalismo". Assim, para dar um exemplo inicial,

11111 si I muito pouco questionada a própria noção realista e representa-It 111:11 I conhecimento, uma noção que continua implícita na maior par-

I1 tinI' análises neomarxistas sobre currículo. Nessas análises o nexo entre,di 'I' . p d r é concebido como uma relação externa, com o poder, geral- (

1I1I'llIe, listorcendo a distribuição de conhecimento, mas no qual sUPosi-j'H'. r ':11 istas sobre a natureza desse último permanecem inquestionadas,

I I,' ensaio uma tentativa de mapear e desenvolver algumas das com-1'1' ,'lI.' ) 'S mais r c ntes sobre as relações entre currículo, identidade el'"dl'I', Meu obj tivo ' o de estender alguns dos desenvolvimentos recen-I, ti" It'oriz:l '[io s ial p ra o campo do currículo, focalizando algumasdi (0111 riblliç() 'S 10 (16s- struturali mo do e tudos culturais.

/8

1111\ IlIlItI<til o: oNI! 111'1\111\ ( oVllINl\1t

, p ',.j 1i 'in ,111 I

I iovcrno 1:1 rll!!dlll:I humana.' própri discurso sobre o currí ul - a pr )prin '1't'OII I

do .urrf ul - que constitui um dos elem ntos do n x ntrc sal)!' I I

po 1'r anali ado por Foucault. A moderna "ciência edu a ional" 1(1111('I' nnali ada como um daqueles domínios de conhecimento sob r 01111

111-m m que a "vontade de saber" não pode ser separada da "vontad ' d,pu ler . A Teoria do Currículo, juntamente com a Psicologia Edu acio11 11, :1 P icologia do Desenvolvimento, a Orientação Educacional e a '()I' I,

I11li i~r centemente, a Psicopedagogia - mas também a Filosofía e a ocioInl,i:I da Educação - é um dos componentes centrais dessa "ciência du 'U

cional" voltada para o conhecimento da criança e do adolescente, c 111 ![iunlidade de melhor administrá-los. Conhecer para governar.

Para Foucault (1993), o que caracteriza as modernas formas de gOVC!110, entendido aqui não num sentido puramente administrativo ou buro.rritico, mas em seu sentido político de regulação e controle, é a sua dep .nd ência de formas de conhecimento sobre a população a ser goven :1

da. As modernas formas de governo da conduta humana dependem, assim, de formas de saber que definem e determinam quais condutas poI rn e devem ser governadas', que circunscrevem aquilo que pode ser p 11-

sado sobre essas condutas e que prescrevem os melhores meios para tor-ná-Ia governável. Além disso, esse saber, para ser útil nesse sentido de gov mo, não pode estar limitado a um conhecimento abstrato, teórico, masd ve fornecer elementos concretos, materiais, calculáveis, sobre os indi-víduos e as populações a serem governados, Daí a importância de exa-mes, medidas, inquéritos, questionários, cujos resultados devem se expres-ar de forma concreta em gráficos, diagramas, mapas, estatísticas, Se é co-

nhecível, se é calculável, é também governável.Obviamente, uma democracia liberal está baseada não em estratégias

puramente externas de controle, mas no pressuposto do autogoverno dosindivíduos. O controle externo da conduta - aquilo que Foucault chamale "tecnologias de dominação" - combina-se com o autocontrole - aqui-

I que Foucault chama de "tecnologias do eu" - para produzir o sujeitoautogovernável das sociedades modernas. A produção desse sujeito auto-r vernável é precisamente o objetivo da ação de instituições como a edu-a ão (o currículo), a Igreja, os meios de comunicação de massa, as insti-

tuições de "terapia" ... E aqui, outra vez, tornam-se importantes as formas

186

dt, "li/H'! illl 'filO,. 11qftl I 11 I dllll',ill.l.' no 'OldlVcilll{'fllU do JlIIIP' I"('lI. S' p:lr;I gov .rruu I' 1'1('11 ,,\ Illrlll'l 'I' os indiv dllm; n s '1'1.'111~'()V '1'11.1

dos, para ::1LII'Ol' v 'rl1<11' St' 'Ili." 'ss:11'10 .onhec r-s a si pr prio, I n () "

I mul a t nicas de auto onhecimcnto e a suas forma c 11 r .tns, nuuu-riais, de expressão: diários, autoexame, confissões, autoavalia 5 .. ,

O campo do currículo, o campo da Teoria do Currículo, é pr 'isnme nte um desses domínios particulares de conhecimento do indivíduo,implicados em estratégias de governo, A Teoria do Currículo con 'isll'precisamente nisso: em formular formas de melhor organizar exp ri '\"ias de conhecimento dirigidas à produção de formas particular S k

subjetividade: seja o sujeito conformista e essencializado das peda '0_

gias tradicionais, seja o sujeito "emancipado" e "libertado" das peda-gogias progressistas. A Teoria do Currículo é uma espécie muito e pccial de tecnologia de governo, na medida em que seu saber específ 'onão lida apenas com um conhecimento sobre o indivíduo (como a Psi o-logia, por exemplo), mas com um conhecimento sobre os nexos entreconhecimento e indivíduo,

O saber das "ciências humanas" em geral torna o indivíduo calculá v ,ipara melhor governá-lo. Ele tenta responder à pergunta: quem é esse in-divíduo? O saber da Teoria do Currículo torna calculável o próprio ne oentre saber e subjetividade. A Teoria do Currículo tenta responder à per-gunta: dado o objetivo da produção de uma subjetividade determinada,quais saberes - conhecimentos, atitudes, valores - são adequados paraobtê-Ia? A Teoria do Currículo é, assim, um saber especializado sobr osnexos entre o próprio saber e a subjetividade, O currículo está envolvidona produção de sujeitos particulares. A Teoria do Currículo está envolvi-da na busca da melhor forma de produzi-los.

Se é assim, a própria Teoria do Currículo, em sua pretensão de críti ndos currículos existentes, não apenas não está engajada, como se qu r,num processo de emancipação e libertação (que supõem uma impos ívclseparação entre indivíduo e sociedade, entre governo e sujeito), como esr.ativa e centralmente envolvida em estratégias de governo e regulação. I~essa cumplicidade com relações de poder é tanto maior quanto mais suaspretensões de emancipação tendem a ocultar precisamente seus asp rosde governo e regulação.

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o CURRI til ) )llU

1 II:\S '011' 'I" 'Õ " principais ,'oh, ' l'!)II11.cirn nt têm dOlllilHldll "1"'11.':\111.nt .obr O currículo e su prúti .u: o onhecim nt mo roi, I I

1/ I ouh .cirn nto como ideia, abstração - obviamente, elas e t50 '1'111''il I

1111'111. vin u ladas. A primeira delas é, talvez, a mais difundida p 'rsi,'1 'li

II', 'I' '111até ua expressão visual nas famosas listas de conteúdo. As Ii. I I·dI' -onr .údo não são mais que "coisas" destinadas a uma opcraçno d,11insporte: das listas para as cabeças dos/as estudantes. A segunda l'OIIj'p ':tO não está menos cristalizada. O conhecimento não é apenas 111111IlI,'n, ma uma coisa abstrata, ideal. Seu aspecto abstraído, idealiza 10 I I

I II j Iri n r alização do objetivo da educação expresso na metáfora do 1'1":11I

1'"11 '; oisas ideais, abstratas e abstraídas, só podem passar de :11)('1Ili 11.1 .ab ça. Essas concepções de conhecimento têm seu corr lat o '111111111'I ~ s paralelas de cultura.

M~1Snem o conhecimento nem a cultura podem ser reduzido à ':lI,",miu I isas. Isso equivaleria a conceber a sociedade como está ti ':I (' 'Iuuliv du como passivo. Em vez disso, o conhecimento e a cultura li~,I'1111(", .ito fundamentalmente, à produção, ao fazer algo com coisas. ;011

'lJ" .ntcrnente, também o currículo é centralmente produtivo. Con ' '111'111 -onh imento, a cultura e o currículo como produtivos permit ti ..I I\';11'1'1 '11 aráter político e seu caráter histórico: podem-se fazer difcr '111,('ois:ls c coisas dissidentes com eles, e essas atividades podem variar, d,n '()I' 100m as épocas e situações.

116 um outro sentido em que o caráter produtivo do currículo s OpOI

SU:1 oncepção como coisa. O currículo é também uma relação so 'i:II,110s '11ido de que a produção de conhecimento envolvida no currí 1110,•

. I -nliza através de uma relação entre pessoas. Mas uma relação social 1:111111'111n ) sentido de que aquele conhecimento que é visto como uma 01. Ifoi produzido através de relações sociais - e de relações sociais de POd('I,I':.. 111' r s e processo de produção - no qual estão envolvidas rcla '(I('

I(','igllnis d poder entre grupos sociais - significa reificar o conh im 'liIli (' r ,ifi ar urrfculo, significa destacar seus aspectos de consumo' 11:11I

. t'(,IIS:11'11 "I'OS d pr dução.Assim, m sm quando pensamos no currículo como uma c isa, 011111

11111I li.'I:1ti ' .onteúdos p r x mplo, ele acaba sendo, fundam ntnlnu-uI", illlllÍlo qu ' (:11'.'mos orn ssa oisa. Mesmo uma oisa .orn um" li. I Idi' 1llIldlt!ns lliio I .rin propriam ntc xistên ia se niio ... riz 'sS' 11111.,11111I{I, (;01110rnl, o CIII'I'Í<,',t!oni'io di/".I' 'sp -iro 1:111'11(1111Ii .'1I('II:1S:Ii 1"1I

. :th, (1.1'Ol'H qtH'1 :111. .1/11til 1111'1111'('111IIH'III~',IIlnS.1 ' p 'ri I1'ilt." li !l",lli'as. O que isso imp]] :I IHIII '11111:1l .oria s .nsualisra, prn Illwl'isla, do .ur-rí uloy mas.em vcz disso UIl1;) n pção de urrf ulo qu de ta a seu as-pecto político de contestação, de possibilidade de diferentes e divergen-t s construções e produções.

Por isso, é importante ver o currículo não apenas como sendo consti-tuído de "fazer coisas", mas também vê-lo como "fazendo coisas às pes-soas". O currículo é aquilo que nós, professores/as e estudantes, fazemoscom as coisas, mas é também aquilo que as coisas que fazemos fazem a nós.O currículo tem de ser visto em suas ações (aquilo que fazemos) e em seusefeitos (o que ele nos faz). Nós fazemos o currículo e o currículo nos faz.

O currículo é, pois, uma atividade produtiva nesses dois sentidos.Ambos os sentidos tendem a destacar o aspecto político do currículo. Ambosos sentidos chamam a atenção para seus vínculos com relações de po-der. Se o currículo é aquilo que fazemos com os materiais recebidos, en-tão, apesar de todos os vínculos desses materiais com relações de po-der, ao agir sobre eles, podemos desviá-los, refratá-los, subvertê-los, pa-rodiá-los, carnavalizá-los, contestá-los. Por outro lado, se, ao produzir ocurrículo, somos também produzidos, é porque podemos ser produzidosde formas muito particulares e específicas. E essas formas dependem derelações específicas de poder. Flagrá-las e identificá-Ias constitui, assim,uma ação fundamentalmente política. É para essas formas que me voltona próxima seção.

CURRíCULO E IDENTIDADE SOCIAL

Como qualquer outro artefato cultural, como qualquer outra práticacultural, o currículo nos constrói como sujeitos particulares, específicos.O currículo não é, assim, uma operação meramente cognitiva, em qu 'certos conhecimentos são transmitidos a sujeitos dados e formados de an-temão. O currículo tampouco pode ser entendido como uma operaçãodestinada a extrair, a fazer emergir, uma essência humana que preexi ta,linguagem, ao discurso e à cultura. Em vez disso, o currículo pode ser vis-to como um discurso que, ao corporificar narrativas particulare 011' ' ()indivíduo e a sociedade, constitui-nos como sujeitos - e suj ir s t:1l11b(-,1Imuito particulares. Pode-se dizer, assim, que o currículo nã 'SI':í mvolv]ti num pI'O o de transmissão ou de r v J âo, mas num pr(H.'('s.Ii d('

)I1S1ilui .111" lc posi i narn nt : d ' ns itui 50 10 illdiv(dllil VOIIII111111

!.'w----------------------~------------~ /8'1

IIj ·i(o ti' lllll 1'lcrnlÍll,1 10 li!,,, c d· "U Ill(dl;plo I os; .ionntn '11(0 IIlI IIIle'l iur d:ls liv .rsa ' divisô s s .iuis.

As unrrativas ontidas no currículo, explícita ou impli iV111l'fll " 1 (lIpmi n .am n ções particulares sobre conhecimento, obre formas dt, (11

I', 111Í1',íl'f1o.da sociedade, sobre os diferentes grupos sociai '. Elns diz!'111tllI,II conhe imento é legítimo e qual é ilegítimo, quais form s de '()flllI'1 'I suo v lidas e quais não o são, o que é certo e o que é errad ) o qllc' I111l1I':d. o que é imoral, o que é bom e o que é mau, o que é bel o tI"I'1I 'ill, quais vozes são autorizadas e quais não o são. As narrativas of1lÍd I

11(1\'1 I rrf ulo trazem embutidas noções sobre quais grupos sociais POdl'lll

1 'pl'S .ntar a si e aos outros e quais grupos sociais podem apena ' s 'I' I!PII', -nrndos ou até mesmo serem totalmente excluídos de qualqu r repu:1'111.1':'0. Elas, além disso, representam os diferentes grupos ini: dI

1111111:1diferente: enquanto as formas de vida e a cultura de alguns ll'l1l1110 valorizadas e instituídas como cânon, as de outros são desvaloriz.ul I

I' !l1'OSritas. Assim, as narrativas do currículo contam histórias qu fi 'i.11I11111'()'S particulares sobre gênero, raça, classe - noções que acabam 1:1111li -ru JlO fixando em posições muito particulares ao longo desses i o'

E não são apenas as narrativas contidas em disciplinas como II isl c I

1;:1, ; cografia, Português, que estão implicadas nesse processo. Dis ·iI 1IlJil. tão "inocentes" a esse respeito, como Matemática e Ciências, 1:1111h '111trazem, implícitas, narrativas muito particulares sobre o que '011I j( li; nhecimento legítimo, o que constituem formas válidás e I 'g II111:11'1I raciocínio, sobre o que é razão e o que não é, sobre quais rllp"WI:iO I gitimamente capacitados a racionar ou não, como tão b 111 1111mostrou Valerie Walkerdine (s.d.) para o caso da Educação Mat ll1:ílicn. Movimentos como o da Etnomatemática (KNIJNIK, 1995) nos 1110'Irum 1110 também aí - mas depois da explosão dos mitos modernist.t;s,'o I v ria realmente nos surpreender? - há saberes e conhecirn '11((1l'. cluíd ,também aí há aquilo que o sociólogo Boaventura de 011'/,,1'(\llrO' hama de "epistemicídio", isto é, o extermínio de formas "subo:

d; 1I:ldas' d conhecer.lis Ll r o do currículo, pois, autoriza ou desautoriza, Ie iti 111:1III1

dt",l 'gil'imo in lui ou exclui. E nesse processo somos produzidos '()IIIIIIIj~';I()S muit particulares, como sujeitos po icionados ao J n zo d ' ,I

11 ,,'d I ;plos 'i )$ d ut ridade, legitimida I " clivisâ ,repres nta '50. (': ,I,

;111qu ' o .urrf .ul n S int rp Ia 01110,'llk;(o,' (AL HU 'ER, I ( H \11.1 I\' ',' 1rOI'III:I, 11111fi' o muiro 'slr('i(ol'IIIII'IIIII' culo i aquilo VIII 1111

/'H I

\10,' 11:l1I,'/'O"WIIIIII. (111111 (1,111,ao I:ldo dI 111111/11tllllll), di.\III, ()"1':11',1l0S1'1.r o [uc SOIlII/ , l'i)1 isso, .urrf 1110'1IIIlilo 111,lÍ' [uc umn I\I\','

1:10 'o znitiv ,é muito 1,,:riS 11ICconstrução I '01111''illl '111'0,n s 'Ill;dopsi '01 gico. O curr.í ulo é a construção de nós mesmos como sujeitos.

LIGANDO CURRíCULO E IDENTIDADE SOCIAL: O PODER

Depois de Foucault, sabemos que conhecimento/saber e poder e tão. treitamente vinculados. Mas não no sentido convencional da equa 50" aber é poder". Nem tampouco no sentido tão corrente na literatura.ducacional crítica do poder como distorcendo, desviando, desvirtuando.lernentos da vida social e educacional que, na sua ausência, poderiamaparecer em sua pureza ou essência original, não contaminada. N ss.p rspectiva, saber e poder tampouco se opõem, com o saber constituindoLI ma espécie de antídoto ou freio ao poder. É essa última noção de pod rque leva às noções associadas de "libertação" e "emancipação".

Na perspectiva foucaultiana, saber e poder não existem numa relaçãcxterna, como na fórmula "saber é poder", por exemplo. Em vez disles estão mutuamente implicados numa relação necessária. A regulaçâ

da conduta, o governo dos indivíduos - e, portanto, o poder - pressupõseu conhecimento. Inversamente, o saber não está isento de intenções ..feitos de poder. Saber implica necessariamente dominação. E nessa r In-ão de mão dupla que saber e poder não podem ser separados.

É dessa forma que também currículo e poder estão mutuamente i111-

plicados. Não no sentido mais convencional, embora crítico, de que o 0-nhecimento corporificado no currículo está contaminado, via ideologia,pelo poder. Mas no sentido foucaultiano de que o currículo, como corpo-rificação de saber, está estreitamente vinculado ao poder. O poder 11ã

algo que, de fora, determina que forma assumirá o saber inscrito no currí-culo, O poder está inscrito no interior do currículo.

O poder está inscrito no currículo através das divisões entre saber s .narrativas inerentes ao processo de seleção do conhecimento e das r sul.rantes divisões entre os diferentes grupos sociais. Aquilo que divide "1ortanto, aquilo que inclui/exclui, isso é o poder. Aquilo que divid ) li I'I'Í .ulo - que diz o que é conhecimento e o que não é - e aquilo qu .ssndiVIS:'! lividc qlle stabelece desigualdades entr indiví 11Ios • gnq os 1'10~'h;s - isso I~!lll'ei 1111.nt o P I r.

I qlll.l'llllIl. (' "lldll,lI 111'11111 I .11 ' Iltln, l' 1111111"1 I di i'llI ~I' 'I)

111('llliln, :Hl'dlo qlll' :lSdivi.' 1<'1111'1 I1I 1111 ('1111 ')'IllOSd ' illelll' () (' (',1111

••!tI, ( u.iis onhc .iru 'lHO' 'Sl:l\) 1llllllfdw~ . quais '01111, .im '11(0,' ','('\11

(' '1'111 dos do .urrf ulo? Quais )'I"lq os so ,i is stâo in luíd S - ' de qlH

1()111l:\ .srâo in luídos - e quais grupos sociais estão excluídos? ;0\1111

Il'sltlrnclo dessas divisões, dessas inclusões e exclusões, que divisõ ·S SI!

I d.' - Ic gênero, raça, classe - são produzidas ou reforçadas? 11:\111

I tllll '111' , a pergunta mais importante a ser feita é: qual nosso papel(01110 .ducadores e educadoras, nesses processos de divisão e, portantodi' r '1~1ões de poder?

pOlíTICAS DE IDENTIDADE, REGIMESDE REPRESENTAÇÃO E CURRíCULO

/\ ntralidade dos múltiplos movimentos sociais na cena social c 11

u-ruporânea colocou em foco a questão da política da identidade. Em 'S

'I 11 'ia uma política da identidade pergunta: Como as diferentes identitI,HI 'S ociais são formadas? Que relações de poder estão envolvidas nessa101'11\:1 ão, ou seja, de que forma são criadas, mantidas e reproduzidas 1'(:

I.I~·()'S de dominação e subordinação entre os grupos sociais definidos p ,Irls diversas identidades sociais? Como as identidades sociais hegernôni-

:IS I dem ser contestadas e subvertidas?/\ questão da representação ocupa um lugar central na política de iden-

I i lnde. Identidades sociais e regimes de representação estão ligados atravéstil' um nexo íntimo e inseparável. Os diferentes regimes de representação1'11\1 i nam como formas de conhecimento que são dependentes das identi-tI:\ I s sociais daqueles grupos que os produzem e esses regimes, por suav 'z, fazem parte do processo de criação e manutenção de identidades soei-nis, Embora a política da identidade não possa ser reduzida às formas de re-I r' ntação, essas constituem um elemento crucial de sua dinâmica,

adas as relações de poder envolvidas na criação e manutenção dei I intidades sociais, é importante perguntar: Como os diferentes grupos.'0 .iai são representados? Quais grupos sociais têm o poder de represen-1:11' quais grupos sociais podem apenas ser representados? (MARX,I~82: 127). Que diferença faz ser sujeito da representação, em vez de seu(lhj 't ? Como essas representações fixam as posições desses grupos emposi ões subalternas e posições dominantes? Como o "outro" é "fabrica-do" através do processo de representação?

192

()llllliVilO !t'''I!'!,11 IlIliI dll',l.tI~()I1\(IIl,,,dlllll I I 111li\' (O,()pO Ij'

no til' I' -prcscnrnçâo t'()111ido lI:l '011' 'P '50 da lillglldl',('lIl t'01110 111 'ro t'.'I '''10 'r ,fi . I uma r .alidadc nt rior e ind p nd 'lI! ' 10 dis ur 'o qu •\ 110m 'ia, uma concepção que Stuart Hall (1995: 224) chama de "te I'i;\miméti a da representação". Enquanto nessa conotação de "repres Ma-'50" a linguagem é vista como exercendo um papel meramente expr .s-sivo, reflexivo, na concepção aqui enfatizada a linguagem é vista nãoapenas como o meio pelo qual a realidade se torna "acessível", ma "sobretudo, como constituindo, produzindo, formando a "realidad ,"(HALL, 1995: 224). Nessa perspectiva, as representações são "af ri-das" não através de um confronto com algum suposto "real" ao qua]elas corresponderiam mais ou menos acuradamente, mas em relação aistemas discursivos constituídos por relações de poder que lhes dão sua

credibilidade, seu caráter de verdade e sua sustentação. O que deve s '" I

questionado aqui não é a maior ou menor correspondência com o "real",mas as relações de poder que as instituem como "realidade". É o pr )-prio "real" que deve ser questionado como um produto da representa-ção (POLLOCK, 1990: 203). É nesse caráter constituidor, formativo,que a linguagem e, portanto, o discurso e a representação se vinculamcom o poder. Os processos, os dispositivos, os suportes, os meios de r '-presentação são dependentes, pois, do poder e, ao mesmo tempo, têmefeitos de poder.

A eficácia de sistemas e regimes de re resenta ão reside recisamcn-te em sua capacidade para ocultar sua cum licidade na constitui~ã~ 11:1

f71bricação do "rea ". A forçade evidência da representação depende d 'sua habilidade em apagar os rastros que a ligam, discursivamente, ao"real" e, portanto, em se apresentar como o "real". Um dos efeitos darepresentação consiste exatamente em ocultar as formas pelas quais o"real" é mediado através de códigos, estilísticas, convenções, dispositi-vos retóricos e nunca "expresso" de algum modo direto, não mediado.Esse conjunto de tecnologias e mecanismos discursivos nos quais se sus-t~nta a eficácia da representação é, por sua vez, função de relações dpoder. Desconstruir o entrelaçamento entre os sistemas de re resenta-ção e os ~emas de códigos e convenções "UeI es dão sua eficácia retó-rica é, ois tra ~caminho do poder na constituição daquilo gue n saparece como "real" ou "realidade".

A representação é, pois, um processo de produção de significad s so-ciais através dos diferentes discursos. Os significados têm, poi , qu ' S 'I'

193

II j 11I!) .101'/1li, Ii plI'nl. (1'0111111111111 I li!) 11Itllld() (lri il, E 'li I I'. do, i/',Idlit (Ido " '0111 idos li!)/'! di! '1\'111 (I ti l 111, OS, Itll' () 1IIIIIHlo soci:d t' 1('

/lI ('sl'lllndo e conlic 'ido ti' 111111\l'('lln 101'111:1, ti ' LIma forma bnst:lllt ' p 11

li .nlnr ' iuc O LI é produzi 10. I ssu "forma particular" i d I' .rrniu.ulu/lI' .cisam nt por relações de poder. O processo de significa ão ' um PI'!)'('SSO ocial de conhecimento. Os significados não são criado e olocn

dos '\11 irculaçâo de forma individual e desinteressada - eles sã produ:t,id ' são postos em circulação através de relações sociais de poder. O,

'. . Ni mificados carregam a marca do poder que os produziu. Esses signifi ':1dos, organizados em sistemas de representação, em sistemas de categorização, atuam para tornar o mundo social conhecível, pensável e, portou10, administrável, governável. É dessa forma que representação - comolima forma de saber - e poder estão estreitamente vinculados.

Como um processo semiótico, de produção de significados, a repr '.scntação opera através do estabelecimento de diferenças. É através daprodução de sistemas de diferenças e oposições que os grupos sociais sãotornados" diferentes", é através do processo de construção de diferençasque nós nos tornamos "nós" e eles, "eles", é em oposição à categoria "ne-gro" que a de "branco" é construída e é em contraste com a de "mulher"que a categoria "homem" adquire sentido. As "diferenças" não existemfora de um sistema de representação (LAURETIS, 1994: 214) que servepara criá-Ias e fixá-Ias e esse sistema de representação, por sua vez, nãoexiste fora de um sistema de poder. A "diferença" é dependente da repre-entação e do poder.

O currículo também pode ser analisado como uma forma de repre-sentação. Pode-se dizer mesmo que é através do processo de representa-ção que o currículo se vincula com a produção de identidades sociais. Éno currículo que o nexo entre representação e poder se realiza, se efetiva.As imagens, as narrativas, as estórias, as categorias, as concepções, as cul-turas dos diferentes grupos sociais - e sobre os diferentes grupos sociais -estão representadas no currículo de acordo com as relações de poder en-tre esses grupos sociais. Essas representações, por sua vez, criam e refor-çam relações de poder entre eles. As representações são tanto o efeito, oproduto e o resultado de relações de poder e identidades sociais quantoseus determinantes.

Fazer perguntas sobre representação é, pois, uma das formas centraisde uma estratégia crítica de análise do currículo. Quais grupos sociais es-tão representados no conhecimento corporificado no currículo? De que

194

CURRíCULO E REGULAÇÃO MORAL

101'111 , (,1(" ,': () di',' ,'ito,'? ()\I II I '. (I ns idei:l. ti\' 1,1111III d~' 1 \(,;:1, ti '111" (',

1l/l"L'Ht'lIladus nos diF 'r 'nl' '1' I' I'OS urricular 's? Ou ti" são os suj 'ito, ti"I' .pr 'S .ntação contida nos textos curriculares? .E quais são obj .ros] I >t'quais pontos de vista são descritos e representados os diferentes rrllpoS ciais? Quais estratégias são utilizadas para fazer passar as repr S '111 ,

ções como "realidade" ou "verdade"? Ou, nos termos de Foucault, 111:11

os "regimes de verdade" instituídos pelas diferentes formas de r pr IWII

tação contidas no discurso do currículo?É através de perguntas como essas que o currículo pode se tornar 1111'

território contestado. Na medida em que os significados expressos 11:\ ropresentação não são fixos e estáveis, mas flutuantes e indeterminados, ()currículo pode se transformar numa luta de representação, na qual t,l(,

podem ser redefinidos, questionados, contestados. As representaçõ 'S d('gênero, raça, classe, nação, contidas no currículo devem ser subv rtidru l

desconstruídas, disputadas. É através desse processo de contestação qlH'

as identidades hegemônicas constituídas pelos regimes atuais de r '1)('('

sentação podem ser desestabilizadas e implodidas. O currículo será, cntão, não apenas um regime de representação, mas um campo de luta 1)('111

representação (SCHOSTAK: 3, 6). O currículo poderá, então, cont I' n'.presentações que contem histórias bem diferentes das urdidas pelas \"('1 ,.

ções existentes de poder.

Há, em geral, uma tendência a identificar o conhecimento inscrito nocurrículo com o conhecimento produzido no campo científico, arrfs: it ()ou cultural. Nesse caso, o currículo e a pedagogia atuariam apenas OIllU

meios ou correias de transmissão. Como Bernstein (1990) tão bem nodemonstrou, essa identificação é problemática, na medida em qu () c()

nhecimento produzido naqueles campos sofre uma recontextualizu ': (I

ao passar para o campo da educação. Essa recontextualização consiste t'.'

sencialmente no estabelecimento de regras sobre qual conhecimento I odl'ser transmitido e a quem, quem está autorizado a transmiti-l o, quando ('em qual ritmo deve ser transmitido, e assim por diante. O discurso dI)

currículo, pois, não é apenas uma transposição do discurso científ 0, nI

tístico, cultural, para o campo da educação. Tampouco se trata ap 11111'1di'uma questão de "transposição didática", como querem algumas JhOl'd ,gens pedagógicas. As regras que estruturam sua transmissão transf rrn nm II \ I

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('111"1',(111111'('r.llh 1.1111.11111('111'01('11'1111'dll di, i 111',1'111i",lll ti, E ("li i ti1111'1111"('S;':! I'l" '(llll(' 11l~11i:t,:IÇ:o 11'n1l,'IOI'llI:1() 1111111pl W'I'.','O 1(" ('1\111.1II

111(11,11,() currf .ulo 1150 pois, UI11111io nutro I, transmissão ti' '()ldH'('j

11H'llIo,'()II inf 1"111Õ S. O currículo tampouco é 111 ran nt \ um pron ..1I irulivi lual I construção no sentido psicológico-cor. trutivista, 1\0 d('

I -ruriunr qu rn tá autorizado a falar, quando, sobre o quê, quais .onln-I IIllI'l!lOSsR autorizados, legítimos, o currículo controla, regula, J'OYl'111I. () 'OI1It, irnento inscrito no currículo não pode, assim, ser separadoti 1/ 1t"',I':ISd regulação e controle que definem suas formas de tran mis

II I' Wlla âo é inerente ao currículo e à pedagogia.I': , (' :ISp\ to de regulação moral do currículo está estreitamente Ii Y(1-

,I" \ PI'<"1ria história da escolarização de massa. Historicamente, a gên ('d,1 ("'COI~lc tá mais ligada à sua constituição como um dispositivo de g -i'llI() , r gulação moral dos indivíduos e populações do que a suposta s

IIIIH';) 'S de socialização de uma cultura comum. As funções cognitivas 'iIIslI'U ionais da escola sempre estiveram subordinadas às suas funções dcontrole e regulação moral. No centro desse processo está precisamente'U rrículo, como elo de ligação entre o conhecimento e as regras que de-I .rrninarn sua transmissão.

Ver o currículo como sendo necessariamente constituído por regula-'50 e controle não significa aceitar os regimes de controle e regulação.xistentes. Reconhecer a existência de um vínculo necessário entre currí-culo e governo significa, antes, apresentar uma disposição a examinar asformas pelas quais esse vínculo é realizado e efetivado. O vínculo podeer necessário, mas suas formas não. A diferença entre um regime de re-

gulação e outro pode significar a diferença entre mais exclusão e menosexclusão, entre maior discriminação e pouca ou nenhuma discriminação.Identificar e questionar os atuais regimes de regulação inscritos no currí-culo significa abrir a possibilidade de contestar e modificar aquelas rela-ções de poder que tendem a excluir certos saberes e grupos sociais, quetendem a estigmatizá-los e a inferiorizá-los.

CURRíCULO: CORPOS DOCENTES, CORPOS DISCENTES

Tendemos a ver o currículo como ligado ao cognitivo, a ideias, a con-ceitos, a informações. Com isso, deixamos de vê-lo em seus aspectos dedisciplinamento do corpo, de moldagem dos impulsos físicos. Na visão

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I .Iu ,I 11111.11I1 Idi 1(111,11,(I 111pll t· I '11i[(11jl) II11 IVII 1.1Hdll ,I ,111FI ,i'li, I':,'qlll' 'v S' 1'1" assim .omo . istc uma PUIIlI ,I 10 iorpo, um hiopu

der, OIllO I .m n str u Foucault, existe também uma políti a xlu 'U 'io11:11do corpo, d alcance muito mais amplo.

Basta examinar as organizações de tempo e espaço, os movim '11l0"S g stos regulados, os rituais e cerimônias - elementos centrais d 111:11

quer currículo - para compreender a extensão na qual o currículo diz I'V,'peito, em grande parte, ao processo de controle físico e corporal. A mo]dagem dos corpos, seu disciplinamento é não apenas um dos comp I ('11tes centrais do currículo, mas, provavelmente, um de seus efeitos 111:ti,duradouros e permanentes. Aqueles efeitos cognitivos, que consideramotão centrais e característicos do currículo, podem, há muito, ter se apagndo. Suas marcas corporais, com certeza, nos acompanharão até a rn ri',Como dizia Mauss (1992: 458), "acho que sou capaz de reconhecer umumoça que foi educada num convento".

É também através do currículo, entre outros processos sociais, 1111'nossos corpos são moldados aos papéis de gênero, raça, classe que IlOSsão "destinados". O currículo nos ensina posições, gestos, formas d . S'dirigir às outras pessoas (às autoridades, ao outro sexo, a outras ra 'as),movimentos, que nos fixam como indivíduos pertencentes a grupos so .jais específicos. O currículo torna controláveis corpos incontroláveis. I\()ter o corpo como seu objeto (invisível), o currículo permite torná-lo útil,produtivo, instrumental, capaz em determinadas direções e para detcrminados fins (FOUCAULT, 1977). Como disse Mauss bem antes de Fou ':1

ult, "as técnicas do corpo podem ser classificadas de acordo com sua ,ficiência, isto é, de acordo com os resultados de um treinamento. O tr j 11;1mento, tal como a montagem de uma máquina, é a busca e a aquisição dI'uma eficiência" (MAUSS, 1992 [1934]).

E não são apenas os corpos discentes que são objeto detalhado 'li idadoso de governo no currículo. Tende-se a esquecer o quanto os corpo,docentes estão submetidos a um processo similar de disciplinarnento, domesticação e sujeição. A separação entre mente e corpo - central a processo educacional e ao currículo - implica uma negação, um ocultam '111lido corpo docente, um processo de descorporificação e desencarnarn 'I)fO,

Na análise das formas pelas quais os corpos estudantis estão submetidos ,I

um processo rigoroso de disciplinamento, esquece-se os enquadram '1110físicos, espaciais e temporais a que estão submetidos os corpos profcss: Irais, num controle de sua proximidade de outros corpos, de seus Ill() I

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1I1t1l111,dl' ,('IIIIIII\(). 0111111 Ildll 'IIIPI), dW('IIII'.I'p,II('\ '1I11,lId.1li ,li III in (,(hlt':lciold c, pOli 111111dllllH I culo, ;OIlS(lIttl 11111,I 111('11

111\ 1'1111:11I:ls I' ,lu 'õ 's de poder ill, I il.l, 11:1práti '(1 .oridinnn Ia 1':11:1tilIId.1 ,do .urrf .ulo in tituind I, ,il im.m 10 . rcforçand hi rarquins ,'I)

\ 1.11,'t' r .pro luzindo relações de saber c aut ridade baseadas 111no' H',

!t. oucnrnndas descorporificadas de conhecimento.'I' .oria do Currículo tende simplesmente a ignorar a políti a lu' I·

I IlIil.lI do orpo. Para a Teoria Curricular, mesmo a crítica, o currf 1I1(J

. Ih, II" p .ito sobretudo, à troca - embora assimétrica - de conhecim ntOH11111(' ri 'r' seres assexuados, descorporificados, abstratos. A Teoria do( '\111f '1110 tá preocupada com conhecimentos, matérias, saberes, c nt 'lid" blt'llvolvimento cognitivo. E o corpo? É ignorado, escamotea 10,, I 111ItIido. E, talvez, com isso, melhor controlado, melhor disciplina 10,

ru.u 11jci1'0 a ser moldado como identidade hegemônica, como corp SlI

\J tllt·lldzado. A descorporificação implicada no currículo contribui t 111M

111'111pura reforçar a separação entre corpo e mente, por sua vez, ligada:I'p,II':1'5 ntre trabalho mental e trabalho manual. Trazer o corpo para n

'1'1\111in I Currículo significa, talvez, torná-lo mais subversivo e incontro-IIVI'I, .ontribuindo também para solapar a divisão entre trabalho mentalI' rrubnlh manual.

o CURRíCULO COMO NARRATIVA

As n rrativas constituem uma das práticas discursivas mais importan-. . I " ,El:ts ntam histórias sobre nós e o mundo que nos ajudam a dar senti-

10, OJ' I m, às coisas do mundo e a estabilizar e fixar nosso eu. O poder d ': .11.11'1':11'.stá estreitamente ligado à produção de nossas identidades sociais.

I (~ .onrando histórias, nossas próprias histórias, o que nos acontece e oI'II(ido que damos ao que nos acontece, que nos damos a nós próprios uma

illl'lll idade no tempo" (LARROSA, 1994: 69). É através das narrativas, en-1i(' outros processos, que o poder age para fixar as identidades dos grup s(tl'inis subalternos como "outro". Mas é também através das narrativas

....q\1 't'ss S 'TUpOSpodem afirmar identidades que sejam diferentes daqu Ias: li .ulns li .las narrativas hegemônicas (SAID, 1993: XII). Dessa forma ::1S

.11.11r.uivas nã apenas nos ajudam a dar sentido ao mundo, a torná-lo int '.~:111'.vI·I, 'Ias ontribuem para constituí-l o e a nós. É através de histórias so-'1111..'\I pnssndo - narrativas - que podemos dar $('111i 10 :10 ~ r ente OIlS

·tllli 111t' ramb '111 ssirn qu pod 111 imnuiruu 1111\1111(1'()futuro,

11111111\ 11 11I~•.II:tS P 'I:ls liuhn: du 1'".111 1111.,1,11111ItI ".jt '1111111111111'111111111iuilo I, imposi 50. Ao ('111\'", 1I 1(11L" 'ol1(:1I1dl1:1das p 'lo,','j/'.l1ili ':1<.10'clominant s, elas tentam 'stnh ,1\'1 er ,fi ar id 11-idades h ' I .m nicas. Entretanto, as identidades e as ~lIbj .tividad 'so-iais existem num terreno de indeterminação, num território de sign ifi·

cados flutuantes. Os significados produzidos e transportados pelas nar-rativas não são nunca fixos, decididos de uma vez por todas. O terr nodo significado é um terreno de luta e contestação. Há, assim, uma lutapelo significado e pela narrativa. Através das narrativas, identidades h '-gemônicas são fixadas, formadas e moldadas, mas também contestadas,questionadas e disputadas.

Podemos estender o conceito de narrativas para muito além daquel sgêneros formalmente conhecidos como tais: o romance, o conto, o film J

o drama. Existem muitas práticas discursivas não reconhecidas formal-mente como narrativas, mas que trazem implícita uma história, encadeiamos eventos no tempo, descrevem e posicionam personagens e atores, esta-belecemum cenário, organizam os "fatos" num enredo ou trama. Para t -dos os efeitos, funcionam como narrativas.

O currículo pode ser considerado como uma dessas narrativas. EI 'traz implícita uma trama sobre o mundo social, seus atores e personagenssobre o conhecimento. Mas, além de ser uma narrativa própria, o currí-culo contém muitas narrativas: a narrativa da Razão, da Moral, da Ciên-cia, da História, etc. Como tais, elas nos contam histórias muito particu-lares sobre o mundo, sobre nosso lugar e o dos vários grupos sociais ne s 'mundo, sobre nós mesmos e sobre o "outro" .

Reconhecer o currículo como narrativa e reconhecer o currículocomo constituído de múltiplas narrativas significa colocar a possibili-dade de desconstruí-las como narrativas preferidas, como narrativas do-minantes. Significa poder romper a trama que liga as narrativas domi-nantes, as formas dominantes de contar histórias, à produção de iden i-dades e subjetividades sociais hegemônicas. As narrativas do currí u10idevem ser desconstruídas como estruturas que fecham possibilidades al-ternativas de leitura, que fecham as possibilidades de construção de id 11-tidades alternativas. Mas as narrativas podem também ser vistas Ol1l0textos abertos, como histórias que podem ser invertidas, ubv rti lns,parodiadas, para contar histórias diferentes, plurais, múltiplas) hisr >ri:lHque abram para a produção de identidade e ubj tivida I S outrn-h '.

rnôn ir:ls, de opo ição.

/1) I)

( lJllltlt,UI o: A VJ\ IA III MtlllO (IIIAIII

Ap 'sílr ti ' lodos os :lV"11 'li, dt, lI.! \'1,,11'111,' cr Iic:\,:\ 're!)1 i:\ do (:111 I'

l'ltlo It'l\l pcrnuin "ido apc zadn ti 111 'llIlol :IH t':I ';H' iorias psicol{>gi ':IS ott" .k-fini 'õ 'S oficiais. Minha tentativa 11 .src .nsaio foi a d mostrar qUI'

lIo,'S:1 .ornprccn ão do currículo pode ser ampliada com a utiliza 50 dl'l('l'II I'SOS metáforas que têm sido colocados à nossa disposição p r delC'llvolvim ntos recentes na teorização social e na teorização lit rária. A•III,diSt ti um processo social complexo como o currículo não pode fi [Ir

pl 'sn n umas poucas categorias, que nos têm sido passadas pela tradi 50ulicinl, psicológica e pedagógica e que apenas estreitam nossa compreen-

,10 do que ocorre em seu interior.A 'reoria do Currículo tem se beneficiado enormemente de uma abor-

d,lg '111 voltada para sua economia política, uma abordagem que devmuito às influências marxistas. Essa abordagem nos permitiu analisar o'li rrículo em suas vinculações com a economia e a produção e a descrever

Sl'U nvolvimento em processos de produção de características pessoaispara o mercado de trabalho capitalista. Essas compreensões constituemainda hoje recursos importantes de uma Teoria Crítica do Currículo. Elas115 devem ser abandonadas. Continuamos a ser uma sociedade capitalis-1:1, uma sociedade governada pelo processo de produção de valor e demais-valia. Ligar o currículo a esse processo é um dos avanços fundamen-tais que devemos à vertente crítica da Teoria do Currículo. Isso não ex-clui, entretanto, outras abordagens, outras metáforas, outros conceitos,que possibilitem que ampliemos nossa compreensão daquilo que se passano nexo entre transmissão de conhecimento e produção de identidadesociais, isto é, no currículo. Acredito que o papel de uma Teoria Crítica

do Currículo é o de ampliar essa compreensão, não o de estreitá-Ia.

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Reunião Anual.

•Tomaz Tadeu da Silva é professor da Faculdade de Educação da Univer i I:1dl'

Federal do Rio Grande do Sul.

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