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CULTURAS JUVENIS: OS USOS, APROPRIAÇÕES DAS
TECNOLOGIAS INFORMACIONAIS, E AS EXPRESSÕES
COMUNICATIVAS E ESTÉTICAS ENTRE OS JOVENS.
Eliane Cristina Godoy (PPG/UEM),
Resumo: Este artigo tem como objetivo geral descrever e analisar as práticas culturais entre os
jovens alunos do ensino médio, a fim de interpretar a elaboração, a invenção, a criação de
suas expressões visuais, estéticas e comunicativas, mediadas pela cultura material – as
tecnologias informacionais e comunicacionais - (TICs). A tarefa de conhecer as realidades
juvenis ocorre pelo trabalho empírico e teórico. Com a utilização do método de estudo de caso
etnográfico, as técnicas de “participação observante” e a utilização de fotografias como
documento. Essa pesquisa torna-se relevante pela notória presença das (TICs) no âmbito
escolar, bem como pela hipótese levantada: de que tais elementos engendrados aos processos
de sociabilidades tenham trazido mudanças significativas nas formas pelas quais os jovens se
colocam, e se comunicam; isto nos permite empreender uma investigação acerca das
expressões comunicativas e estéticas, a partir da análise e interpretação da relação entre
objeto/pessoa, pessoas/objetos. Palavras - chaves: Comunicação. Estética. Fotografia. Jovem. Objetos.
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1 INTRODUÇÃO
As escolas, principalmente as públicas têm trabalhado, no sentido de observar os contextos
socioculturais e políticos dos quais os alunos fazem parte, pois, esse espaço é
majoritariamente o lugar de encontro das trajetórias da maioria (MARTÍN-BARBERO, 2014,
p.11). É neste lugar, de dicotomias, e de diversidades do qual faço parte a 10 anos, às vezes de
modo irregular, como professora de sociologia, que emergiu o interesse pelo tema:
Comunicação e educação: - tecnologias, expressão comunicativa e estética entre os jovens.
Como pesquisadora o processo de imersão (GEETZ, 2014, p.6) tonou-se algo continuo. O que
tem possibilitado compreender as realidades sociais juvenis de maneira holística, pelo menos
neste âmbito, que acredito ser representativo do “mundo juvenil”, em contextos de
mundialização da cultura (ORTIZ, 2005, p.140).
O presente trabalho tem como objeto de pesquisa os jovens estudantes do ensino
médio da escola pública, na contemporaneidade, especificamente os alunos do Colégio
Estadual Vercindes Gerotto Dos Reis, na cidade de Paiçandu, no Estado do Paraná. Este
colégio oferece a modalidade de ensino regular, nos três períodos (Matutino, vespertino e
noturno) e atende alunos entre 14 e 18 anos em média, embora exista a distorção idade, série,
fenômeno bastante comum em nosso país. A unidade de análise em questão é composta por
809 indivíduos e a pesquisa de campo terá a durabilidade de quinze meses (2015 e 2016).
É por meio da experiência de campo, que se tem procurado responder as seguintes
indagações: a) Em que medida os meios comunicativos, as (TICs) tecnologias informacionais
e comunicacionais (celulares, tabletes, computador, televisão) contribuem para a
compreensão, interpretação das relações sociais e por sua vez das expressões estéticas e
comunicativas dos jovens? b) Quais os efeitos dos meios (tecnologias) nos processos
comunicativos, estéticos e de sociabilidades entre os jovens?
As observações a respeito desses jovens têm permitido registros e descrições acerca do
diálogo destes com as (TICs), bem como as suas correlações com os aspectos material e
simbólico da cultura. Essa pesquisa tem como objetivo investigar os usos, as apropriações e os
efeitos das (TICs) nas expressões comunicativas e estéticas entre os jovens, a fim de conhecer
e interpretar as suas elaborações, criações estéticas e comunicativas.
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A tarefa de conhecer as realidades juvenis ocorre pelo trabalho empírico e teórico.
Com a utilização do método de estudo de caso etnográfico, as técnicas de “participação
observante” – entrevista aberta, a aplicação de questionários (Survey), e a utilização
fotografias como documento. Em busca de maior confiabilidade da pesquisa, optou-se pela
união entre a pesquisa qualitativa e a quantitativa, embora a ênfase seja para o método
qualitativo.
O tema de pesquisa se justifica pela notória presença dos elementos da cultura
material – as (TICs) no âmbito escolar, bem como pela hipótese levantada: de que esses
elementos da cultura material tenham trazido mudanças significativas para a vida cotidiana
dos jovens, o que nos permite compreender as expressões comunicativas e estéticas, a partir
da análise e interpretação da relação entre objeto/pessoa, pessoas/objetos.
Enquanto parte integrante de um contexto específico, os elementos da cultura
material são capazes de trazerem um referente, um significado, ou significados – de acordo
com cada época, ou cultura. São elementos materiais da cultura: os objetos, artefatos, as
coisas, os trecos de determinados grupos e que as coisas não apenas representam as pessoas,
mas as constitui (MILLER, 2013, p. 37).
Conforme Marcel Mauss (2003, p. 212), não há a dissociação entre os elementos da
cultura material, e de seus significados, isso ocorre pelo que o próprio autor denomina de
misturas, misturam-se as pessoas as coisas, e as coisas a pessoas. São, por meio dos elementos
da cultura material que se constroem relações, novos modos de ser e estar no mundo,
demonstrando a dimensão simbólica na elaboração de processos comunicativos e estéticos.
Devido ao que foi mencionado, percebe-se a relevância da temática proposta, e a
importância de tais elementos para pensar (CANCLINE, 2006, p. 66) e conhecer os jovens
alunos do ensino médio. Desse modo, essa pesquisa não tem a pretensão de compreender a
todos os jovens do ensino médio e suas expressões comunicativas, contudo, à medida que se
compreende uma parte da realidade; as ações, os significados, os usos, as apropriações e os
efeitos das (TICs), das quais os jovens partilham, pode-se aplicar os resultados obtidos nesta
unidade de análise, para compreender e interpretar outras realidades juvenis.
2 UMA “PARTIPAÇÃO OBSERVANTE”: ANTES PROFESSORA E AGORA
ANTROPÓLOGA?
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Eis o início. Para muitos, contraditório, para outros a possibilidade de compreensão acerca da
realidade evidenciada. Para uma antropóloga que vivencia o próprio ambiente observado,
fazer etnografia é colocar em prática um exercício contínuo de estranhamento do que lhe é
familiar, alias, do que é cotidianamente vivido e experimentado. Esta antropóloga que vos fala
esta em campo (escola pública) como professora, participante do universo de significações
investigado e como pesquisadora, observando o familiar. Como agente social não vê a
possibilidade de ser uma, ou outra, em momentos diferentes. É neste espaço de diversidades
que se procura investigar as expressões comunicativas dos jovens e suas relações com as
tecnologias, informacionais e comunicacionais (TICs).
Como pesquisadora tenho procurado imersão total, para como menciona (GEETZ,
2014, p.04-07) fazer uma descrição densa da população analisada, algo que exige esforços,
visto que o pesquisador é na verdade o “estranho” entre “os nativos” – pelo menos até a sua
aceitação. O fato de se auto-denominar antropóloga no âmbito pesquisado revelou certos
distanciamentos, especialmente entre observador/observados – mesmo que de forma
temporária.
A situação evidenciada com minha ida a campo, até o momento é a seguinte: quando o
pesquisador que também é professor deixa de ser visto como um colega de trabalho, pelos
professores, pela direção escolar, ou quando deixa de ser o educador de cada dia, para os
alunos, há um endurecimento, enrijecimento entre as fronteiras marcadoras entre o sujeito que
olha, observa e os sujeitos olhados, observados.
Essa situação acaba por um lado, dificultando a coleta de dados: assim tanto as
conversas informais são menos frequentes, como a participação do antropólogo vai sendo
delimitada em vários espaços que anteriormente eram permitidos para a professora. Isso
ocorre porque a professora/antropóloga passa ser imaginada, representada entre os “nativos”
como aquela que é alienígena, estrangeira e recebedora de memórias, ou ainda, inquisidora,
delatora a respeito do que se passa no âmbito da educação sistematizada. Indagando-se – Qual
uso fará dos discursos oral, escrito ou imagético coletados? Qual interpretação ou
representação fará da escola, das relações sociais observadas?
Quando a representação “antropóloga” é construída no “mundo nativo” as pessoas que
pertencem a esse espaço (escola) elaboram suas próprias concepções a respeito desta que
pretende ser conhecedora do ambiente e das relações
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observadas, implicando numa elaboração estereotipada ou não do próprio pesquisador. Por
outro lado, este enrijecimento de fronteiras permite ao pesquisador o estranhamento acerca
das ações realizadas por alunos e professores, contribuindo para desnaturalização e
interpretação do universo de significações daquilo que é cotidiano e familiar. Conforme
Damatta:
(...) estranhar alguma regra social familiar e assim descobrir (ou recolocar, como fazem as
crianças quando perguntam os “porquês”) o exótico do que está petrificado dentro de nós
pela reificação e pelos mecanismos de legitimação. (DAMATTA, p. 5, 1978).
Compreender as realidades sociais juvenis de maneira holística tem se tornado um
grande desafio. Cabe à antropóloga (o) engendrar suas explicações. Falar sobre o trabalho em
desenvolvimento bem como os objetivos gerais da pesquisa corrobora com a desconstrução
dos estereótipos construídos a respeito do pesquisador. Esse tipo de ação, dentro do campo
investigado contribuiu para a reabertura e a ampliação de espaços de participação e
observação anteriormente delimitados.
Existem assim, situações no trabalho de campo, que precisam de reflexão, e de certo
modo, até de desmistificação. A primeira indagação! Como é possível imergir, estranhar algo
tão familiar, e tão próximo? Esse questionamento, que ocorreu a priori foi tenso. Todavia,
autores como Gilberto Velho e Roberto Da Matta contribuem para o pensamento acerca do
que chamo “comportamento antropológico” – O estranhamento do familiar.
Estando em campo, e como membro docente, tenho observado. Faço minha
participação observante, digo isto porque sou agente social do ambiente investigado,
ocupando um lugar social – ser professora. Deste modo, e de acordo com Durham
(DURHAM, 2004, p. 369) tanto faz sentido narrar aqueles a qual observo como também é
particularmente importante narrar minha participação, assim como a observação efetuada
entre os pesquisados, não somente como pesquisadora, mas como professora/pesquisadora.
Passando então, da “observação participante” para a “participação observante”.
Diferente de muitos que fazem um deslocamento espacial e muitas vezes cultural. Meu
interesse não é a análise do está distante como ocorreu tradicionalmente nos primórdios da
antropologia, mas a análise do que é familiar, do que está próximo, do que é vivenciado,
inclusive pela antropóloga.
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Como tem sido esse processo? A vivência intima e prologada entre os nativos como
propunha Bronislaw Malinowski em seu clássico Argonautas do pacífico ocidental (1978) se
da de modo distinto. O antropólogo se coloca como instrumento de pesquisa, e olha de dentro
(SILVA, 2006, p. 13). Entretanto, este olhar desde dentro, ocorre por um “sujeito” que esta
dentro, é ele também um nativo.
O método etnográfico empregado nesta pesquisa bem como a compreensão da
relevância da participação do pesquisador enquanto ator social no âmbito observado tem se
mostrado importante. Primeiro porque estando em campo, observando, fotografando,
conversando, percebe-se a não neutralidade do pesquisador. Em segundo, porque a
familiaridade com o objeto estudado propicia um mapeamento deste espaço. No entanto, essas
informações do mapeamento são um tanto superficiais, o que torna legítimo aquilo que
anteriormente fora discutido por Gilberto Velho.
(...) O que sempre vemos e encontramos pode ser familiar mas não é necessariamente
conhecido e o que não vemos e encontramos pode ser exótico mas, até certo ponto,
conhecido. No entanto, estamos sempre pressupondo familiaridade e exotismos como
fontes de conhecimento ou desconhecimento, respectivamente. (VELLO, p. 126, 1999).
O Método etnográfico no âmbito escolar torna-se possível justamente porque existe
descontinuidade entre o mundo, a realidade vivenciada pelo pesquisador e a vida e
experimentada por um jovem aluno do ensino médio. Essas descontinuidades entre uma
realidade e outra (Pesquisador/professor e os alunos), esse desconhecimento fronteiriço entre
realidades que ocupam um mesmo “mundo” (o âmbito escolar) permite ao pesquisador
investigar mecanismos que sustentam, e que dão continuidades e significações a determinadas
situações, os modos de expressão e comunicação utilizados, criados e reelaborados pelo
nativo (jovem aluno) que estando em momento de liminaridade, instiga, ainda mais o
pesquisador a compreender a lógica das relações observadas.
O que se pretende desenvolver com está discussão? Em primeiro lugar colocar o leitor
a par da situação vivida pelo pesquisador, o que estando em campo, questiona, duvida, sobre
os métodos, sobre seus métodos. Apontando a humanidade do próprio pesquisador. Em
segundo, demonstrar com profícuo é o estudo do familiar, pois a realidade estudada seja qual
for: próxima, vivida e experimentada, não é necessariamente conhecida, pelo menos não
antropologicamente.
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A “realidade”, o que é familiar pode ser conhecido. O exercício do olhar para o que é
exótico, distinto, é uma possibilidade, e, é principalmente naquilo que se se acredita conhecer,
justamente por considerar familiar. É na tentativa deste olhar cruzado, desde dentro como
professora e de fora como antropóloga, sendo dentro e fora ao mesmo tempo, um jogo
contínuo, entre familiaridade e exotismos; relativizando e estranhando que busco inventariar
modos de expressão comunicativo e estético entre os jovens alunos do ensino médio.
3 FOTOGRAFIA COMO DOCUMENTO: OLHAR, FOTOGRAFAR, ESCREVER.
A montagem de uma etnografia (ou de um texto etnográfico) assemelha-se muito a de um
filme em que o resultado final é sempre uma seleção segundo critérios pré-estabelecidos de
uma quantidade muito maior de opções e enfoques. Por esses motivos, os registros
fotográficos, fílmicos e de sons deveriam ser vistos não apenas como meios que conduzem
a interpretação etnográfica (figurando geralmente na forma de anexos ao texto principal da
etnografia), mas serem também objetos de uma auto representação. (SILVA, 2006, p. 59).
Na prática etnográfica, o uso de imagens, tem possibilitado ao pesquisador registrar
falas, situações e imagens dos seus interlocutores de forma peculiar, principalmente quando se
compara com a transcrição efetuada na hora da pesquisa, ou posteriormente nos diários de
campo (SILVA, p. 60, 2006). Não se pretende aqui, contudo, abordar a ineficácia de um ou
outro método, não caberia a este trabalho fazê-lo, mesmo porque quando se esta em campo
sabe-se da relevância de várias técnicas para a composição do trabalho final.
Entretanto, a fotografia tem se mostrado uma excelente aliada e um importante recurso
para a captura de imagens e de “realidades” da vida cotidiana dos jovens dentro e fora do
espaço escolar. E, é através delas que se procura inventariar as formas pelas quais os jovens se
expressam como se colocam na presença do outro (s), como se comunicam entre si, e como se
relacionam com as tecnologias informacionais e comunicacionais (TICs) – os celulares,
computadores (...). Cabe ressaltar, que embora a utilização da imagem fotográfica como meio
para compreender esses jovens, seja ampla, este não é o único método utilizado. As
entrevistas, abertas e fechadas, os diários de campo, com observações contínuas são utilizados
nos processos de construção e interpretação do universo investigado.
A escolha desse caminho metodológico não foi aleatória, visto que as tecnologias
informacionais e comunicacionais são elementos da cultura material e estão imbricados nos
processos sociais de construção e reconstrução do ser jovem. Os elementos materiais (celular,
computadores (...)) são utilizados como
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instrumentos de representação pelo jovem, em muitos espaços sociais, inclusive na escola.
Desse modo, a utilização dos recursos tecnológicos (máquina fotográfica, ou celular) pelo
pesquisador, no intuito da captura visual e iconográfica dessa realidade social se deve a
familiaridade de ambos os atores sociais envolvidos no processo investigativo das narrativas
que se constroem nesses espaços.
Diante de tal situação, e como forma de aproximação entre pesquisador/pesquisados
foram sugeridos para os alunos (a) do 1º e 3º anos do ensino médio, no período matutino e
vespertino algumas atividades sobre representação e construção de si – ser jovem a partir da
perspectiva do nativo.
Essas atividades contribuíram para levantamento de dados “primários” que por sua vez
colaboraram tanto para o conhecimento prévio a respeito dos jovens como para o processo
interativo entre eles e com o pesquisador, pois, as atividades foram socializadas com a
presença do pesquisador que também é professor. Para os alunos do 1º ano foi sugerida uma
atividade, na qual cada aluno deveria por meio das fotografias de álbum familiar e os relatos
(entrevista oral com membros da família) fazer uma representação escrita e visual da sua vida
cotidiana rememorando passado e construindo presente. Para os alunos do 3º ano foi sugerido
que trouxessem fotografias, como representação si, do que é ser jovem. Nesta atividade, cada
o aluno (a) deveria escolher imagens fotográficas que o representasse, bem como descrever o
porquê de suas escolhas.
Essas atividades realizaram-se como processo criativo, mas também como processo
avaliativo o que implica em um olhar diferenciado pelo pesquisador na análise e interpretação
dos dados coletados. A escolha das turmas não se deu de modo aleatório, pois inicialmente a
análise ocorreu nas turmas e períodos em que os contatos são semanais. Para outras turmas,
séries e turnos serão aplicados outros métodos, em momentos distintos no decorrer da
pesquisa que ainda esta em andamento.
A captura de imagens também ocorre por meio da lente do pesquisador que de algum
modo direciona o olhar. O pesquisador seleciona o que deseja ver ou ouvir, seja nos
momentos em que os fatos se desenvolvem, seja posteriormente ao selecionar quais partes
desses registros (imagéticos ou não) serão significativas para a sua interpretação (SILVA,
2006, p. 58). Essa ação deve-se a busca para angariar informações suficientes e relevantes
para a comprovação da hipótese levantada anteriormente.
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Esses processos criativos elaborados pelos jovens, com a mediação do professor que
também é pesquisador (na sua participação observante) serviram como base inicial no
processo de análise interpretativa acerca da relação desses atores sociais com as tecnologias
informacionais e comunicacionais. Por meio dessas atividades foi possível desenvolver os
primeiros escritos sobre os jovens, seja por uma lente dupla do pesquisador: olho biológico,
mais olhar cultural – seus conhecimentos acadêmicos; seja pela lente tripla
(pesquisador/professor): olho biológico, olhar cultural, mais percepção fotográfica do nativo:
recurso responsável para captura de uma construção do imaginário social a partir da
perspectiva do nativo.
Com essas informações pretende-se dizer também que os atores sociais especialmente
os alunos (jovens), mas também professores, educadores, gestores educacionais e o
antropólogo - que é professora - ao estarem em campo alteram dinamicamente as relações
sociais, porque ao interagirem necessariamente modificam o conhecimento de senso comum
referencial das populações estudadas (MARTINS, 2008, p. 14).
Considerando a realidade como construção social (BERGER; LUCKMANN, p.11-34)
e a fotografia como possibilidade de ganhos de realidade. A algo mais nesta tecnologia
imagética que me atrai, é justamente a possibilidade de ser metodologia. Por intermédio dela
(fotografia) torna-se possível ver e rever ações capturadas, pois como bem observa Barthes
(2012, p. 15-16) “O que a fotografia reproduz ao infinito só acorreu uma vez: ela repete
mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente”.
Todavia, é importante dizer que a fotografia, assim como as técnicas de investigação
conhecidas e consagradas devem ser pensada e compreendida com certa relatividade, pois em
cada contexto, para cada trabalho os métodos devem ser testados, observados e contrapostos
se necessário. Para que possamos chegar mais próximo possível da realidade construída pelo
grupo pesquisado, pois tomar a imagem fotográfica como documento social em termos
absolutos envolvem as mesmas dificuldades que há quando se toma palavra falada, o
depoimento, a entrevista (MARTINS, 2008, p. 11).
4 O PROCESSO DE ACEITAÇÃO: ABERTURA DAS FRONTEIRAS.
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Os processos que envolvem a aceitação da figura do antropólogo vão aos poucos ocorrendo.
Primeiro entre os jovens alunos, esses são menos desconfiados, são espontâneos, permitem o
acesso, fazem convites. Depois entre os colegas de trabalho também professores. Que ora por
esquecimento, ou por conhecimentos dos objetivos da pesquisa vão permitindo de modo
tímido a proximidade.
O aceite acontece de modo diversificado, isso devido à multiplicidade de
“tipos” e “grupos” que ocupam o mesmo espaço. São meninos e meninas; calouros,
intermediários e veteranos; são católicos, evangélicos e os “que não são denominados”. São
roqueiros, estudiosos, indisciplinados; são ora vítimas, ora vitimados. São alunos que por
meio da cultura material e imaterial se expressam, comunicam, colocam-se na presença deste
ou daquele de modo muito distinto.
Diante dessa “realidade”, e das variabilidades de caminho que poderia seguir. Ficou-
me uma indagação. O que observar? Qual recorte fazer? Optei então por aquilo que me
instigava como professora: O que permite a não dissociação do sujeito, da pessoa; dos
elementos da cultura material?
Esse questionamento tornou-se problema de pesquisa. Que posteriormente ganhou
corpo e força, especificamente quando solicitei a uma aluna que guardasse o celular devido às
normas da escola. Foi quando a mesma respondeu-me: “estou sem créditos professora, não
tenho internet”. Neste dia voltei para casa e fiquei refletindo sobre o ocorrido. Pensei: “Se se
não tem créditos por que estar conectado a este aparelho?”.
A resposta veio algum tempo depois, lendo sobre cultura material (Daniel Miller,
2013). Estar em posse do celular significa algo, rememora sentimentos, possibilita relações,
valores, faz do jovem o que ele é, quem deseja ser. Segundo (MILLER, 2013, p. 37) as coisas
fazem das pessoas o que elas são. Assim como o objeto só é algo pela significação que a
pessoa, o grupo permite a ele. Desse modo, O celular sem crédito, utilizado na sala, só pode
ser compreendido se conseguimos “ver” o que este carrega: - seus significados, os valores de
outros espaços sociais, de outras relações - que na maioria das vezes não são permitidos no
espaço escolar.
A escola por sua estrutura física e sistêmica procura separar o aluno de outros espaços
sociais - dos valores locais. As grades dos portões, os muros altos, a proibição da utilização
dos aparelhos eletrônicos evidenciam de maneira dramática a separação entre a pessoa e o
objeto de significação – o celular. O objeto, o celular
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constitui-se com ou sem internet o elo de comunicação entre o jovem aluno e o mundo que o
cerca. Trazendo para esses os momentos vividos dentro ou fora da escola.
Durante os últimos anos as tecnologias informacionais tornou-se uma constante nos
âmbitos educacionais. Nos vários espaços o jovem se faz jovem com a presença dos
elementos da cultura material, que servem tanto como elemento de distintivo estético ou
comunicativo - pela ausência ou pela presença dos elementos que são autorizados ou negados.
Se há um elemento da cultura material que está conectado ao jovem este é o celular. E, é
justamente por aquilo que este pode possibilitar: comunicação, sociabilidades.
5 RELAÇÃO OBJETO PESSOA: TECNOLOGIAS INFORMACIONAIS E
COMUNICAIONAIS COMO ELEMENTO DA CULTURA MATERIAL.
Nessa discussão procura-se demonstrar - ainda que de modo parcial, visto que esta pesquisa
está em andamento - como a utilização de tecnologias informacionais e comunicacionais
(TICs), enquanto elementos da cultura material passam a ser algo imprescindível para a
captação de vários aspectos da vida social juvenil.
As tecnologias informacionais (celulares, computadores, tabletes (...)) são elementos
materiais da cultura: os objetos, artefatos, as coisas de determinados grupos, o que contribui
para análise desses objetos enquanto signos, no sentido em que seja possível interpreta-los, no
processo de interlocução, mediação e criação, comunicativa e estética dos jovens. Enquanto
parte integrante de um contexto específico, os elementos da cultura material são capazes de
trazerem um referente, um significado, ou significados - sendo observados de acordo com
uma determinada época, ou cultura, permitindo processos de expressão comunicativa, estética
e de sociabilidade.
No livro, Trecos, troços e coisas o autor Daniel Miller (2013), antropólogo e
arqueólogo mostra como os objetos, as coisas tornam-se extensão do humano, sendo de certo
modo indissociável da pessoa. O sári, indumentária indiana, é para criança (indiana) elemento
cultural que da vida social ao próprio corpo materno, fazendo com que ao lembrar-se da mãe:
corpo biológico e humano; o filho lembre-se ao mesmo tempo da coisa, o Sari - elemento da
cultura material, que medeia tanto o imaginário, como as memórias da experiência infantil. O
sári é ele próprio elemento que permite significação. Desse modo, à criança rememora fatos,
revivendo-os
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através da memoria visual e ou concreta. É o sári representando a mãe. É a figura materna,
sendo pensada, observada e construída por intermédio da cultura material. Assim, os
sentimentos, as sensações ficam evidenciadas no relacionamento entre a criança e a mãe por
meio da coisa - o sári, o que nos permite conhecer pessoas por intermédio do estudo das
coisas. A intenção do autor é explicar como o sári veste a mulher indiana, como faz dela o que
ela é – tanto mulher, quanto indiana (MILLER, 2013, p. 38).
No contexto escolar que é o lugar de encontro, podemos observar as tecnologias
informacionais e comunicacionais, enquanto elementos da cultura material ocupando um
lugar semelhante ao do sári, utilizado como exemplo da relação pessoa objeto no parágrafo
anterior. Durante a pesquisa de campo ficaram evidentes situações quase que rotineiras em
que se observava a não dissociação entre coisa – tecnologia - e pessoa.
Nas primeiras observações, especialmente nos trabalhos com a utilização da
fotografia para representação do que é ser jovem evidenciaram-se algumas contradições. O
que os alunos descreveram, sobre representação, sobre sua representação, divergia tanto na
imagem – que apresentava elementos da cultura material, pois, a maioria das fotografias foi
retirada com a utilização dos celulares – selfs, como também dos relatos sobre os problemas
para a obtenção das fotografias, visto que a grande maioria não revela as fotos.
Para a realização desse trabalho, durante a aula, utilizaram programa de celular para
transferir - sem o uso da internet - as fotografias, que posteriormente foram baixadas em um
computador. Na sequência transferiram para um pen drive, para que posteriormente fosse
impresso na biblioteca. Utilizaram as tecnologias em todo o processo para a obtenção da
imagem, todavia não falaram delas como representação do que é ser jovem.
Essa situação deixou algumas indagações. Abrindo questionamentos que dialogaram
diretamente com minha hipótese de pesquisa: de que esses elementos da cultura material
tenham trazido mudanças significativas para a vida cotidiana dos jovens, o que nos permite
compreender as expressões comunicativas e estéticas, a partir da análise e interpretação da
relação entre objeto/pessoa, pessoas/objetos.
A pergunta sobre o uso das tecnologias tornou-se justificável devido ao desejo de
saber: - Porque o celular (outras tecnologias) enquanto elemento da cultura material não havia
sido mencionado pelos nativos no trabalho realizado com
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fotografias - entre os alunos do 3º ano, a respeito da representação do que é ser jovem a partir
da perspectiva do nativo.
Quando perguntado aos jovens a respeito dessa contradição, respondiam
imediatamente: - “professora é tão “normal” que imaginamos que não tinha necessidade em
dizer, você já sabe que é importante, que faz parte da nossa vida”. Esses jovens tentaram
demostrar o que os representam sem mencionar as tecnologias, pois, estas “coisas” – as
tecnologias - estão de tal modo naturalizadas entre eles, fazendo parte dos sujeitos, de suas
ações cotidianas, que é como extensão do próprio corpo. “Faz parte e pronto” – como
costumam dizer. No entanto, através das observações e conversas sobre o processo de
construção do que é ser jovem podemos perceber como essas tecnologias fazem diferença nos
processos de sociabilidade e comunicação entre os jovens.
O celular (TICs) torna-se indissociável do aluno porque possibilita processos de
sociabilidade, afeto, estudo, entretenimento. Este (s) elemento (s) está engendrado nos
processos de sociabilidades do cotidiano juvenil.
Conforme a descrição acima, se observa a não dissociação entre a “coisa” (objeto) e
“valor” (significado), pois, cada elemento da cultura material carrega consigo significados. De
acordo com Marcel Mauss, a não dissociação entre os elementos da cultura material, e de seus
significados, ocorrem pelo que o próprio autor denomina de misturas (...) “trata-se no fundo
de misturas”.
(...) mistura se as almas nas coisas, misturas se, as coisas nas almas. Misturas se as vidas, e
assim as pessoas e as coisas misturadas saem cada qual de sua esfera e se misturam: o que é
precisamente o contrato e a troca. (MAUSS, 2003. p. 212).
Podemos considerar que enquanto elemento material da cultura, as tecnologias não
estão separadas dos valores, dos significados, dos sentidos a elas empregados, conectados.
São, por meio das coisas, dos elementos da cultura material que se constroem relações, novos
modos de ser e estar no mundo, demonstrando a dimensão simbólica, e a relação desta com a
própria coisa, na elaboração de processos comunicativos. Conforme as abordagens efetuadas
por MAUSS (2003, p. 212) “as coisas” - os objetos tem alma, “valor”, significado. E, é nestes
processos em que coisas e pessoas, o local e suas especificidades, dialogam com o mundo.
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A pesquisa, as observações a respeito desses jovens até o presente momento têm permitido
registros e descrições acerca do diálogo destes com as (TICs), bem como as suas correlações
com os aspectos material e simbólico da cultura.
Essa descrição ocorre por meio do trabalho de campo com a “participação
observante”. De maneira, que o observador sendo agente do processo estudado, descreve
sobre seus pesquisados, bem como sobre sua participação, compreendendo-se como agente de
modificação no âmbito analisado.
A utilização da fotografia como técnica e como metodologia de pesquisa, tem
possibilitado analisar a realidade social juvenil de maneira distinta. Visto que a imagem e os
aparelhos eletrônicos são “coisas” relevantes para os jovens. O que contribuiu inclusive para a
aceitação ou não da figura do antropólogo entre eles. Faz diferença usar uma máquina de
fotografia profissional ou fotografar com o celular. Durante a pesquisa tive que recorrer ao
celular, para conseguir fotografar. Quando estava com a máquina percebia os olhares
esquivando-se, a não aceitação era evidente.
Alguns resultados são possíveis, mesmo que de modo parcial, considerando que a
pesquisa esta em andamento. Desse modo, pode-se concluir que embora os (jovens) utilizem o
celular, e outras tecnologias de modo recorrente, não evidenciam como processo formador do
que é ser jovem. Isto ocorre devido à naturalidade com vivenciam essas tecnologias. Essas são
parte integrante da vida, das ações cotidianas, dos processos comunicativos. São como que
extensão dos próprios corpos.
Esse estudo de caso etnográfico não tem a pretensão de compreender a todos os jovens
do ensino médio e suas expressões comunicativas, contudo, à medida que se compreende uma
parte da realidade, as ações, os significados, os usos, as apropriações e os efeitos das
tecnologias informacionais e comunicacionais (TICs) pode-se aplicar os resultados obtidos
nessa unidade de análise, para refletir e ou compreender outras realidades juvenis.
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