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Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas André João Antonil

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Cultura e opulência do Brasilpor suas drogas e minas

André João Antonil

Cultura e opulência do Brasilpor suas drogas e minas

André João Antonil

Prefácio: Ilmar Rohloff de Mattos

América Latina: a pátria grandeDarcy Ribeiro

Prefácio: Eric Nepomuceno

Os Correios, reconhecidos por prestar serviços postais com

qualidade e excelência aos brasileiros, também investem em

açõesquetenhamaculturacomoinstrumentodeinclusãosocial,

pormeiodaconcessãodepatrocínios.Aatuaçãodaempresavisa,

cadavezmais,contribuirparaavalorizaçãodamemóriacultu-

ralbrasileira,ademocratizaçãodoacessoàculturaeofortaleci-

mentodacidadania.

ÉnessesentidoqueosCorreios,presentesemtodooterritório

nacional, apoiam, com grande satisfação, projetos da natureza

desta Biblioteca Básica Brasileira e ratificam seu compromisso

emaproximarosbrasileirosdasdiversas linguagensartísticase

experiênciasculturaisquenascemnasmaisdiferentesregiões

dopaís.

A empresa incentiva o hábito de ler, que é de fundamental

importância para a formação do ser humano. A leitura possibi-

litaenriquecerovocabulário,obterconhecimento,dinamizaro

raciocínioeainterpretação.Assim,osCorreiosseorgulhamem

disponibilizaràsociedadeoacessoalivrosindispensáveisparao

conhecimentodoBrasil.

Correios

O livro, essa tecnologia conquistada, já demonstrou ter a

maiorlongevidadeentreosprodutosculturais.Noentanto,mais

queossuportesfísicos,asideiasjádemonstraramsobreviverain-

damelhoraosanos.EsseéocasodaBibliotecaBásicaBrasileira.

EsseprojetoculturalepedagógicoidealizadoporDarcyRibeiro

tevesuassementeslançadasem1963,quandoforampublicados

osprimeirosdezvolumesdeumacoleçãoessencialparaoconhe-

cimentodopaís.SãotítuloscomoRaízes do Brasil,Casa-grande

& senzala,A formação econômica do Brasil,Os sertõeseMemórias de

um sargento de milícias.

Esse ideal foi retomado com a viabilização da primeira fase

dacoleçãocom50títulos.Aotodo,360milexemplaresserãodis-

tribuídos entre as unidades do Sistema Nacional de Bibliotecas

Públicas,contribuindoparaaformaçãodeacervoeparaoacesso

públicoegratuitoemcercade6.000bibliotecas.Trata-sedeuma

iniciativaousadaàqualaPetrobrasvemjuntarsuasforças,cola-

borandoparaacompreensãodaformaçãodopaís,deseuimagi-

nário e de seus ideais, especialmente num momento de grande

otimismoeprojeçãointernacional.

Petrobras - Petróleo Brasileiro S. A.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil ix

sumário

Apresentação xvii

Prefácio–IlmarRohloffdeMattos xix

Aos senhores de engenhos e lavradores do açúcar e do tabaco e aos que se ocupam em tirar ouro das minas do estado do Brasil 3

PRIMEIRAPARTE

Cultura e opulência do Brasil na lavra do açúcar

no engenho real moente e corrente 5

Proêmio 7

Licenças 9

Livro I

I– Docabedalquehádeterosenhordeum

engenhoreal 13

II – Comosehádehaverosenhordeengenho

nacompraeconservaçãodasterrasenos

arrendamentosdelas 17

III – Comosehádehaverosenhordoengenho

comoslavradoreseoutrosvizinhos,

eestescomosenhor 20

IV – Comosehádehaverosenhordoengenho

naeleiçãodaspessoaseoficiaisqueadmitir

aoseuserviço,eprincipalmentedaeleição

docapelão 23

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r ox

V – Dofeitor-mordoengenho,edosoutros

feitoresmenoresqueassistemnamoenda,

fazendasepartidosdacana:suasobrigações

esoldadas 27

VI – Domestredoaçúcaresoto-mestre,aquem

chamambanqueiro,edoseuajudante,a

quemchamamajuda-banqueiro 31

VII – Dopurgadordeaçúcar 34

VIII – Docaixeirodoengenho 35

IX – Comosehádehaverosenhordoengenho

comseusescravos 37

X – Comosehádehaverosenhordoengenho

nogovernodasuafamíliaenosgastos

ordináriosdecasa 43

XI– Comosehádehaverosenhordoengenho

norecebimentodoshóspedes,assim

religiososcomoseculares 45

XII – Comosehádehaverosenhordoengenho

comosmercadoreseoutrosseus

correspondentesnapraça;edealguns

modosdevenderecompraroaçúcar,

conformeoestilodoBrasil 47

Livro II

I – Daescolhadaterraparaplantar

canas-de-açúcareparaosmantimentos

necessárioseprovimentodoengenho 51

II – Daplantaelimpasdascanasedadiversidade

quehánelas 53

III – Dosinimigosdacana,enquantoestáno

canavial 56

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil xi

sumário IV – Docortedacanaesuaconduçãoparao

engenho 58

V – Doengenhooucasademoeracana,

ecomosemoveamoendacomágua 62

VI – Domododemoerascanas,

edequantaspessoasnecessitaamoenda 69

VII – Dasmadeirasdequesefazamoenda,

etodoomaismadeiramentodoengenho,

canoasebarcosedoquesecostumadaraos

carpinteiroseoutrossemelhantesoficiais 72

VIII – Dacasadasfornalhas,seuaparelhoelenha

dequehámister,edacinzaesuadecoada 75

IX – Dascaldeirasecobres,seuaparelho,

oficiaisegentedequenelashámister,

einstrumentosqueusam 79

X – Domododelimparepurificarocaldo

dacananascaldeirasenoparoldecoar,

atépassarparaastachas 83

XI – Domododecozerebateromeladonas

tachas 86

XII – Dastrêstêmperasdomeladoesuajusta

repartiçãopelasfôrmas 89

Livro III

I – Dasfôrmasdoaçúcaresuapassagem

dotendalparaacasadepurgar 93

II – Dacasadepurgaroaçúcarnasfôrmas 95

III – Depessoasqueseocupamempurgar,

mascavar,secareencaixaroaçúcar,edos

instrumentosqueparaissosãonecessários 97

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxii

IV – Dobarroquesebotanasfôrmasdoaçúcar:

qualdeveser,ecomosehádeamassar,

eseébomternoengenhoolaria 99

V – Domododepurgaroaçúcarnasfôrmas,

edetodoobenefícioqueselhefaznacasa

depurgar,atésetirar 101

VI – Domododetirar,mascavaresecaroaçúcar 105

VII – Dopeso,repartiçãoeencaixamentodo

açúcar 108

VIII – Deváriascastasdeaçúcar,que

separadamenteseencaixam;marcasdas

caixasesuaconduçãoaotrapiche 110

IX – Dospreçosantigosemodernosdoaçúcar 113

X – Donúmerodascaixasdeaçúcarquese

fazemcadaanoordinariamentenoBrasil 115

XI – Quecustaumacaixadeaçúcardetrintae

cincoarrobas,postanaalfândegadeLisboa

ejádespachada,edovalordetodooaçúcar

quecadaanosefaznoBrasil 116

XII – Doquepadeceoaçúcardesdeoseu

nascimentonacanaatésairdoBrasil 120

SEGUNDAPARTE

Cultura e opulência do Brasil na lavra do tabaco 125

I – ComosecomeçouatratarnoBrasilda

plantadotabaco,eaqueestimaçãotem

chegado 127

II – Emqueconsistealavradotabaco,ede

comosesemeia,plantaelimpa,eemque

temposehádeplantar 129

III – Comosetiramecuramasfolhasdotabaco;

comodelassefazemebeneficiamascordas 131

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil xiii

sumário IV – Comosecuraotabacodepoisdetorcido

emcorda 132

V – Comoseenrolaeencouraotabaco,eque

pessoasseocupamemtodaafábricadele,

desdeasuaplantaatéseenrolar 133

VI – Dasegundaeterceirafolhasdotabaco,e

dediversasqualidadesdele,parasemascar,

cachimbarepisar 136

VII – Comosepisaotabaco;dogranidoeempó;

ecomoselhedáocheiro 137

VIII – Dousomoderadodotabacoparaasaúde,

edademasianocivaàmesmasaúde,de

qualquermodoqueseusedele 139

IX – Domodocomquesedespachaotabaco

naalfândegadaBahia 141

X – Quecustaumrolodetabacodeoito

arrobaspostodaBahianaalfândegade

Lisboaejádespachadoecorrentepara

sairdela 143

XI – DaestimaçãodotabacodoBrasilnaEuropa

enasmaispartesdomundo,edosgrandes

emolumentosquedeletiraaFazendaReal 145

XII – Daspenasdosquelevamtabaconão

despachadonasalfândegas,edasindústrias

dequeseusaparaselevardecontrabando 147

TERCEIRAPARTE

Cultura e opulência do Brasil pelas minas do ouro 151

I – Dasminasdoouroquesedescobriram

noBrasil 153

II – Dasminasdeouro,quechamamgerais,

edosdescobridoresdelas 155

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxiv

III – DeoutrasminasdeouronoriodasVelhas

enoCaeté 157

IV – Dorendimentodosribeirosedediversas

qualidadesdeouroquedelessetira 158

V–Daspessoasqueandamnasminasetiram

ourodosribeiros 161

VI – Dasdatasourepartiçõesdasminas 163

VII – Daabundânciademantimentos,ede

todoousualquehojehánasminas,edo

poucocasoquesefazdospreços

extraordinariamentealtos 165

VIII – Dediversospreçosdoourovendidono

Brasiledoqueimportaoquecadaano

ordinariamentesetiradasminas 169

IX – DaobrigaçãodepagaraEl-Reinossosenhor

aquintapartedoouroquesetiradas

minasdoBrasil 172

X – RoteirodocaminhodaviladeSãoPaulo

paraasminasgeraiseparaoriodasVelhas 185

XI – Roteirodocaminhovelhodacidadedo

RiodeJaneiroparaasminasgeraisdos

CataguásedoriodasVelhas 189

XII – Roteirodocaminhonovodacidadedo

RiodeJaneiroparaasminas 190

XIII – RoteirodocaminhodacidadedaBahia

paraasminasdoriodasVelhas 193

XIV – Mododetiraroourodasminasdo

Brasileribeirosdelas,observadodequem

nelasassistiucomogovernadorArturdeSá 195

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil xv

sumário XV – Notíciasparaseconheceremasminasde

prata 200

XVI – Mododeconheceraprataedebeneficiar

osmetais 203

XVII– DosdanosquetemcausadoaoBrasila

cobiçadepoisdodescobrimentodoouro

nasminas 206

QUARTAPARTE

Cultura e opulência do Brasil pela abundância do gado e courama e outros contratos reais que se rematam

nesta conquista 209

I – Dagrandeextensãodeterrasparapasto,

cheiasdegado,quehánoBrasil 211

II – Dasboiadasqueordinariamentesetiram

cadaanodoscurraisparaascidades,vilas

erecôncavosdoBrasil,assimparaoaçougue

comoparaofornecimentodasfábricas 214

III – Daconduçãodasboiadasdosertãodo

Brasil;preçoordináriodogadoquesemata

edoquevaiparaasfábricas 216

IV – Quecustamumcouroemcabeloeummeio

desolabeneficiadoatésepôrdoBrasilna

alfândegadeLisboa 218

V – Resumodetudooquevaiordinariamente

cadaanodoBrasilparaPortugal,edoseu

valor 220

ÚLTIMO– QuantoéjustoquesefavoreçaoBrasil,

porserdetantautilidadeaoreino

dePortugal 222

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil xvii

apresentação

a m é r i c a l at i n a – a pát r i a g r a n d e | d a r c � r i b e i r o xi

apresentação

AFundaçãoDarcyRibeirorealiza,depoisde50anos,osonho

sonhado pelo professor Darcy Ribeiro, de publicar a Coleção

BibliotecaBásicaBrasileira–aBBB.

A BBB foi formulada em 1962, quando Darcy tornou-se o

primeiroreitordaUniversidadedeBrasília–UnB.Foiconcebida

comoobjetivodeproporcionaraosbrasileirosumconhecimento

maisprofundodesuahistóriaecultura.

Darcy reuniu um brilhante grupo de intelectuais e profes-

sorespara, juntos,criaremoqueseriaauniversidadedofuturo.

Eraosonhodeumageraçãoqueconfiavaemsi,quereivindicava

–comoDarcyfezaolongodavida–odireitodetomarodestino

emsuasmãos.DessaentregagenerosanasceuaUniversidadede

Brasíliae,comela,muitosoutrossonhoseprojetos,comoaBBB.

Em1963,quandoministrodaEducação,DarcyRibeiroviabili-

zouapublicaçãodosprimeiros10volumesdaBBB,comtiragem

de15.000coleções,ouseja,150millivros.

A proposta previa a publicação de 9 outras edições com 10

volumescada,poisaBibliotecaBásicaBrasileiraseriacomposta

por100títulos.AcontinuidadedoprogramadeediçõespelaUnB

foiinviabilizadadevidoàtruculênciapolíticadoregimemilitar.

Comamissãodemantervivosopensamentoeaobradeseu

instituidore,sobretudo,comprometidaemdarprosseguimento

àssuaslutas,aFundaçãoDarcyRibeiroretomouapropostaea

atualizou,configurando,assim,umanovaBBB.

Aliada aos parceiros Fundação Biblioteca Nacional e Editora

UnB, a Fundação Darcy Ribeiro constituiu um comitê editorial

que redesenhou o projeto. Com a inclusão de 50 novos títulos,

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxviii b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxii

a Coleção atualmente apresenta 150 obras, totalizando 18 mil

coleções, o que perfaz um total de 2.700.000 exemplares, cuja

distribuiçãoserágratuitaparatodasasbibliotecasqueintegram

oSistemaNacionaldeBibliotecasPúblicas,eocorreráaolongo

detrêsanos.

A BBB tem como base os temas gerais definidos por Darcy

Ribeiro: O Brasil e os brasileiros; Os cronistas da edificação;

Culturapopulareculturaerudita;EstudosbrasileiroseCriação

literária.

Impulsionados pelas utopias do professor Darcy, apresenta-

mos ao Brasil e aos brasileiros, com o apoio dos Correios e da

Petrobras, no âmbito da Lei Rouanet, um valioso trabalho de

pesquisa,comodesejodequenosreconheçamoscomoaNova

Roma, porém melhor, porque lavada em sangue negro, sangue

índio, tropical.ANaçãoMestiçaqueserevelaaomundocomo

uma civilização vocacionada para a alegria, a tolerância e a

solidariedade.

Paulo de F. RibeiroPresidente

FundaçãoDarcyRibeiro

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil xix

prefácio – Ilmar Rohloff de Mattos

Um curioso e útil livro em quatro momentos

I – Lisboa, março de 1711

Demodoexcessivamenteapressado,talvezporquedesacostu-

madosaandardevagar,percorreramruasevielasatéchegarao

pontodesejado.Lá,naoficina real deslandesiana,deveriamrecolher

osexemplaresdeumaobrarecentementeimpressa,haviauma

ou duas semanas apenas, para sua posterior destruição, pelo

pilãooupelaschamas–porordemdoRei!Dentreaquelesdes-

conhecidos, cujos nomes ali ninguém sabia e não se mostrava

interessadoemsaber,umdelestalveztenhaindagadoaValentim

daCosta,o tipógraforeale responsávelpelaoficina,a respeito

doautordolivroquebuscavam,umcertoAndréJoãoAntonil,

tendoouvidoemrespostaumnadasei,aomesmotempoemque

Valentim talvez tenha considerado a possibilidade de exibir a

páginaquecontinhaoProêmiodaobra,naqualerapossíveller:

E se alguém quiser saber o Autor desse curioso e útil traba-

lho, ele é um amigo do bem público chamado O Anônimo

Toscano.

Masnãoofez.Ouporquenãoignoravaqueaqueleshomens

de falas arrogantes e atitudes truculentas não estavam ali para

tal,ouporquenãosoubessemler,ouaindaporambasasrazões.

Otipógrafo–queestudaraemCoimbraeeracavaleiroprofesso

da Ordem de Cristo – talvez tenha lamentado a oportunidade

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxx

perdida por aqueles homens de, percorrendo aquelas páginas

iniciais,aindaquedemodotambémapressado,saberaquemera

dedicadoCultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas,pois

esteeraotítulodolivroquebuscavam,assimcomodetomarco-

nhecimentodasLicenças–doSantoOfício,doOrdinárioedoPaço

–nelascontidasporobrigação,expedidasentre8denovembrode

1710e17dejaneirodoanoseguinte,autorizandoaimpressãoda

obra,aqualumavezrealizada“tornaria para se conferir, e dar licen-

ça que corra, e sem ela não correrá”,ouseja,alicençaparacircular,

tornando-sedeconhecimentopúblico.Poderiamtambémterlido

que da licença do Santo Ofício constava uma afirmativa pouco

comum,aodizerseraobra“muito merecedora da licença que pede;

porque por este meio saberão os que se quiserem passar ao Estado do

Brasil o muito que custam as Culturas do Açúcar, Tabaco e Ouro, que

são mais doces de possuir no Reino que de cavar no Brasil”.Todavia,a

presençadaqueleshomensalieraumaevidênciadequeaordem

doReisebaseavaemumaavaliaçãodiversa.

Emconsultadatadade17demarço,osmembrosdoConselho

Ultramarino expunham ao soberano português os inconve-

nientes,oumuitomaisdoqueisso,desedeixarcorrerumlivro

impresso“com o nome suposto”.Mastambém,esobretudo,porque

“... entre outras coisas... se expõem também muito distintamente todos

os caminhos que há para as minas do ouro descobertas, e se apontam

outras que ou estão para descobrir ou por beneficiar. E como estas par-

ticularidades e outras muitas de igual importância, que se manifestam

no mesmo livro, convém muito que não se façam públicas, nem possam

chegar à notícia das nações estranhas pelos graves prejuízos que disso

podem resultar à conservação daquele Estado, da qual dependem em

grande parte a deste Reino e a de toda a Monarquia”.Edaíresultaria,

trêsdiasdepois,aordemdeDomJoãoVpararecolherosexempla-

resimpressos,osquaisemsuaquasetotalidadeaindaseencon-

travamnaquelaoficina.Adecisãodaquelequeficariaconhecido

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil xxi

comoOMagnânimosomava-seatantasoutrasnoesforçotanto

deumamaiorcentralizaçãodeseupoderquantodepreservação

deumimpériocrescentementeameaçadoporinimigosexternos

eporinstabilidadeinterna,particularmenteemsuaparteameri-

cana.Naquelemomento,restava,então,–sempreporordemdo

Rei–identificarO Anônimo Toscano.Mastalsóaconteceriacerca

de170anosdepois...

II – Luca, 1649 – Rio de Janeiro, 1886

Foi em 1649, em Luca, na Toscana, que nasceu João Antônio

Andreoni. Quase nada se sabe de seus pais, Clara Maria e João

MariaAndreoni,assimcomodosprimeirosanosdesuavida.Sabe-

-se,porém,queapósterestudadoDireitoCivilnaUniversidadede

Perúgia,durantetrêsanos,ingressounaCompanhiadeJesus,em

Roma,malcompletara18anosdeidade.Ali,durantesuaforma-

ção,conviveuintensamentecomoPadreAntônioVieira,aquem

deveria muitos dos ensinamentos e orientações que pautariam

suavidanasconquistasamericanasdoReidePortugal;juntamen-

tecomele,embarcariaemLisboaparaaAméricaportuguesa,no

iníciode1681.NacidadedoSalvador,nacapitaniarealdaBahia,

em1683,fezaprofissãosolenedosquatrovotos,recebendo-ado

Padre Alexandre de Gusmão, e na América portuguesa perma-

neceriaatésuamorte,em1716,noRealColégiodosJesuítas,em

Salvador.

Os35anosdeumavidaintensanoEstadodoBrasilcoincidi-

riam,emgrandeparte,comosanosdedeslocamentodoeixodo

ImpérioportuguêsparaoAtlântico,reveladorquerdovaloreda

importânciaassumidospelosdomínioseconquistasnaAmérica

portuguesanoconjuntodaMonarquia,querdodeslocamentoda

aventuramarítimaparaado“sertão”,oquereafirmavaalógica

dopoderterritorialistaquecaracterizavaosgovernantesibéricos

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxxii

emsuatendênciaaidentificaropodercomaextensãoeadensi-

dadepopulacionaldeseusdomínios.DaHistória da companhia de

Jesus no Brasil,doPadreSerafimLeite,S.J.(RiodeJaneiro,1949,v.

VII-VIII),redigidaapartirdeminuciosapesquisanosarquivosda

CompanhiaemRoma,emergea faina lúcidaesempredetermi-

nadadaqueleque,comforteformaçãojurídicaeexímioconhe-

cimentodalíngualatina,foimestredenoviços,reitordoColégio

da Bahia, secretário de vários provinciais, confessor de dois go-

vernadores-gerais,ProvincialdoBrasil...Na“Introdução”deAlice

CanabravaaumadasediçõesbrasileirasdeCultura e opulência do

Brasil(Cia.EditoraNacional,1967),aanáliseprimorosadasdiver-

sasfacesdavidadaqueleque,sendo“bomreligioso,oseumundo,

entretanto,nãoéodaoração,dapenitência,doapostolado.Sua

mentenãosealheiadaesferadosecular,decujaobservaçãocons-

trutivaseentretémenacuriosidadedelaseinquieta”.Múltiplas

e não raro estafantes atividades, expressas e desdobradas em

inúmerostextos,elesprópriosoutramaneiradeestarnomundo

–atributodefinidordocorpoaoqualpertencia.Umavidainten-

sa cujos momentos significativos se apresentam, antes de tudo,

comoíndicesdeumdeslocamentoquemotivavaprojetosepo-

líticas,esperançasetemores,divergênciasedisputastraduzidas

emtensõesqueconduziamaaproximaçõeseafastamentosentre

osdiferentesinteressesenvolvidos.Masmomentossignificativos

deumavidaintensaqueeramtambém,esobretudo,fatorescons-

titutivosdaqueledeslocamento,esboçandoumquadronovoque

fariaDomJoãoVdizer,emcertaocasião,seroBrasil“avacade

leitedaMonarquia”.

Assim,JoãoAntônioAndreoniparecianãosecansarderefletir

sobreasexperiênciasquevivia,quasesempretendoemvista“a

melhor e a mais útil Conquista, assim da administração do im-

périoparaaFazendaReal,comoparaobempúblico,dequantas

outrascontaoReinodePortugal”,comonãoduvidaemafirmar

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil xxiii

noúltimocapítulo–“Quanto é justo que se favoreça o Brasil, por ser

de tanta utilidade ao Reino de Portugal”–desuaobramaisconheci-

da,quevocê,leitor,oratememmãos.Reflexõesquesetraduziam

emproposiçõeseaçõesqueinstigavamseusparesdaCompanhia;

assimcomoasautoridadescoloniais,dasquaisemnãorarasopor-

tunidades esteve muito próximo; e ainda aquelas do Reino. Ou

nãoéoqueseapresentanoreferidocapítuloaoperguntarseos

moradoresdoBrasilnãomerecem“lograr o favor de sua Majestade

e de todos os seus Ministros nos despachos das petições que oferecem, e

na aceitação dos meios que para alívio e conveniência dos Moradores

as Câmaras desse Estado humildemente propõem?”.Umaindagação

quetalveztenhasidointerpretadapelosmembrosdoConselho

Ultramarino como uma crítica à morosidade de suas decisões,

no momento em que, como evidência marcante das disputas e

tensõesentreosinteressespresentesnoReinoenasconquistas,

aqueleórgãodisputavaapreponderâncianoditarda“administra-

ção do império”,conformeapareciademodoinequívoconajárefe-

ridaconsultade1711emque,aoproporoconfiscodaobra“com o

nome suposto”,(re)afirmavaolugarprivilegiadoquereivindicava

emrelaçãoaostradicionaisórgãoscensoresdoEstadoportuguês.

Reflexões,proposiçõeseaçõesque,emdeterminadascircuns-

tâncias,acabavamporcolocaremcamposdistintoseopostosos

própriosmembrosdaCompanhia,comoareferenteàproibição

da escravização dos nativos americanos. Ou ainda aquelas con-

cernentes a decisões emanadas do Reino, no último decênio do

séculoXVII,queproibiamaidaaoBrasildepadresestrangeiros

elhesvedavaoexercíciodeinúmerasfunções,comoademestre

dosnoviços,superioresdecasas,colégiosoumissõesedesecre-

táriodoProvincial,asquaisseacrescentariaoutrade1711expul-

sandoosestrangeiroseoseclesiásticosdaregiãodasMinas.Em

todosessescasos,oPadreVieirasituou-seemcampoopostoaode

Andreoni.Senocasodasinterdiçõesaosreligiososestrangeiros

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxxiv

por um momento Andreoni pareceu revelar desânimo, muitorapidamente reagiria. No quadro de tensões que distinguiam oReinoeasconquistasdaAmérica,decorrentesdosinúmerosin-teressesemdisputa láecá,aquesesomavaa frágilposiçãodoReinonapolíticaeuropeia,evidenciadanosacontecimentosrela-cionadosàGuerradeSucessãodaEspanha,dosquaisaincursãodocorsáriofrancêsDuclercnoRiodeJaneiro,em1710,eraindícionãoexclusivo,adecisãodeseidentificarnoProêmiodeum curio-so e útil trabalhocomoO Anônimo Toscano serevelavacautela,porcertonãodeixava,talvez,deencerrarumpoucodedesafio.Desdeentãodeveterbuscadoumpseudônimo–“onomesuposto”dasautoridadescensoras–,tendosedecidoemcertomomento,tal-vez,porcomporumanagramadeseupróprionome–AndréJoãoAntonil.Umanagramaquaseperfeito,completadoporum“L”aofinal.Nãodeixavadereafirmar,assim,aindaquequaseunicamen-te para si próprio, sua condição de estrangeiro na terra em quedecidirapermanecer,o“L”de“Luquense”referindo-seàsuapátria,aterradeseuspais.

Pouco mais de sete décadas depois, no Rio de Janeiro, o his-toriador Capistrano de Abreu afirmava no prólogo de um pe-quenoopúsculo–Informações e fragmentos históricos do Padre José de Anchieta, S. J. –, publicado pela Imprensa Nacional, ser JoãoAntônioAndreonioverdadeironomedeAndréJoãoAntonil.Eestavaprontoparademonstrá-lodemodoincontestável,nomes-momovimentoemqueaoesclarecerumenigmapareciaproporoutro, tendo sido ou não proposital a decisão de anunciar suadescobertanaapresentaçãodaobradaqueleaquemCultura e opu-lência do Brasileradedicado.Todavia,oqueimportaéque,agora,aobramagistraldeAntonil/Andreoniseapresentavacompleta.Desdeentão,elapoderiacorrer deumamaneiradiversa,porquecorrerapresentar-se-ia justamentecomosignificadoqueporor-demdoReisetentarainterditar:“tornar-senotório,amplamente

conhecido”.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil xxv

III – Paris, 1965

Porque “ensinava o segredo do Brasil aos brasileiros, mostrando

toda a sua possança, justificando todas as suas pretensões, esclarecen-

do toda a sua grandeza” o livro de Antonil fora proibido, dizia

CapistranodeAbreu,emCapítulos de história colonial, publicado

em1907.Projetava,semdúvida,noAnônimo Toscano osentimento

nacionalqueconformavaoseufazerhistoriográfico.Pesquisador

incansável, afeito à leitura crítica de documentos conhecidos e

outros inéditos, Capistrano desconhecia, provavelmente, a con-

sultadoConselhoUltramarino,eaíresideoutradasrazõesdeum

equívoco. Para aquela consulta a historiadora francesa Andrée

Mansuy teve sua atenção despertada a partir de uma carta de

DiogoMendonçaLealaoDuquedeCadaval,presidentedaquele

Conselho,naqualindicavaasmedidastomadasparaaapreensão

daobra.

Essa e outras descobertas decorrentes de laboriosa pesquisa

fundamentamumaeruditatesededoutoramento,defendidana

Sorbonneem1965,esórecentementepublicadanoBrasil(Edusp,

2007).Nela,alémdeprocedimentosnormativosparaafixaçãodo

texto,oconhecimentodaobradeAntonilseamplia,afirmativase

conclusõesanterioressãoreavaliadas,edaanáliseinternadetre-

chosdaobraedoconfrontocomdocumentoscontemporâneos

emergemconclusõesinstigantes.

AbroCultura e opulência do Brasil.Comahistoriadorafrance-

sa,masnãoapenascomela,sigoporsuasdiferentespartes–Na

lavra do açúcar;Na lavra do tabaco;Pelas minas do ouro;ePela abun-

dância do gado e courama.Deimediato,aconstataçãodaintenção

explícita do autor de oferecer “estas notícias práticas, dirigidas a

obrar com acerto; que é o que em toda a ocupação se deve desejar”.

Quatrodiferentespartesnãoapenasemsuastemáticas,mas

também em sua extensão. A primeira delas distribuída em três

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxxvi

livros, com doze capítulos cada, num total de 105 páginas, um

poucomaisdametadedaspáginasdaediçãoprinceps,asquais

insinuam ter tido Antonil, inicialmente, a intenção de apenas

produzirumaobrasobreaLavra do açúcar.Umapartequesedis-

tingue, antes de tudo, por se diferenciar de modo marcante das

descrições e narrativas da América portuguesa que a antecede-

ram.Aexperiênciavividapeloautornelaserevelaplenamente,

nãoobstanteeleinformeaopresumidoleitorque–apenas–“no

espaço de oito ou dez dias, que aí estive, [pude] tomar notícia de tudo

o que o fazia tão celebrado, e quase Rei dos Engenhos Reais”.Referia-

-se ao engenho de Sergipe do Conde, um dos mais importantes

doEstadodoBrasil,depropriedadedaCompanhiadeJesus,que

foraobjetodedisputaentreospadresdoColégiodeSantoAntão

deLisboaeaquelesdoColégiodaBahia,duranteoséculoXVII.

Páginas e trechos inesquecíveis, plenos de imagens, metáforas

ealegoriasbarrocas–quemserácapazdeesqueceroúltimoca-

pítulodestaparte,noqualse fala Do que padece o açúcar desde o

seu nascimento na cana até sair do Brasil?–,contendoconselhose

reflexõesdeordemmoraleprática,asprimeirasnecessariamente

referidasàmoralcristã,easúltimasprovenientesdeumsabermais

antigo,ambaspossibilitandonoseuentrecruzarqueaquelaparte

setornasse,noentenderdeAndréeMansuy,aprimeiraetalvez

únicamanifestaçãoliteráriaemlínguaportuguesadeumatradi-

çãoliteráriaqueremontaaostextosdeVarrãoeCatão,oAntigo,

emparticularDe Re Rustica,osquaissustentavamreflexõesseme-

lhantesdeescritoresfrancesesdoséculoXVII,aosquaisAntonil

certamentetiveraacesso.

Partesredigidasemdiferentesmomentos,comoépossívelper-

cebernosdadosedatasnelasapresentados;mastambémpartes

cujasfraseseexpressõesnelaspresentesdemonstramqueaquilo

queéapresentadonãoéfrutosempredeumaexperiênciadireta,

esimdeinformaçõesdeterceiros,comoemPelas minas do ouro.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil xxvii

Alguns dos capítulos, agora. Como aquele em que o saber

jurídico que distinguia o autor foi mobilizado para valorizar a

lealdadedossúditosaoSoberano,expressana“obrigação de pagar

a El-Rei Nosso Senhor a quinta parte do Ouro que se tira das Minas

do Brasil”. Ou também os que apresentavam, detalhadamente,

os quatro Roteiros dos caminhos para as Minas, o que despertaria

apreensãoentreasautoridadesdoReino.Ouaindaocapítuloque,

seestendendoporcincopáginas,cuidavade“Como se há de haver

o Senhor de Engenho com seus escravos”, mobilizando ali também

valorescristãoseconsideraçõespráticasparaogovernodaCasa

–entenda-se,dosescravos–,lembrandoaossenhoresque“o que

pertence ao sustento, vestido e moderação do trabalho, claro está, que se

lhes não deve negar”,aoladodaobservaçãodequenaescolhados

mesmos,procedentesde“naçõesdiversaseunsmaisboçaisque

outros,edeforçasmuitodiferentes”,deveriamserpreferidos“os

quenasceramnoBrasilousecriaramdesdepequenosemcasados

brancos”,porque,“levandobomcativeiro,qualquerdelesvalepor

quatroboçais”.

“Útil e curioso trabalho”,ondeemcadapassagem,emtodasas

páginas,o amigo do bem públicofalavaaseusprováveisleitores–

masnãoporordemdoRei.

IV – Recife, 1967

Quantos exemplares de Cultura e opulência do Brasil por suas

drogas e minasescaparamàsanhadoRei?Hoje,temosnotíciade

setedeles!Dosoriginaismanuscritosnãomaissetevenotícia.

Aoqueparece,umexemplarteriachegadoaoBrasilaindano

séculoXVIII,noseuinício,poraparecerdeleumtrechotranscrito

emdocumentoredigidoporumIntendentedasMinas,em1738.

A parte primeira da obra, dedicada à Lavra do açúcar, foi reim-

pressanoReino,pelaTipografiadoArcodoCego,em1800,como

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxxviii

partedotomoIdeO fazendeiro do Brasil,defreiJoséMarianoda

ConceiçãoVeloso.Desdeentão,parcialouintegralmente,emedi-

çõesbemoumalcuidadas,olivrodeAntonilapresenta-seàdispo-

siçãodasquestões formuladasporestudiosos,pesquisadoresou

simplesleitoresinteressados.

Dentreelas,umaediçãosedestacademodoespecial:aedição

realizadapeloMuseudoAçúcar,em1967–umaediçãofac-similar.

Porque,pormaisbemcuidadassejamas(re)ediçõesdeumtexto,

nenhuma delas restitui o conjunto de informações da edição

princeps de um livro. Como se fosse completada uma viagem

redonda, esta permite voltar à oficina real Deslandesiana, nela

ingressandoporoutraporta.Acapa;afolhaderosto,ondedia-

logamaspalavrasea imagemcuidadosamenteescolhidapelo

tipógraforeal;adedicatória,redigidanomomentodasegunda

abertura do processo de canonização do Padre Anchieta, em

1708, implicando despesas que o autor tentava ajudar a cobrir

pormeiodeumconviteaosdevotos,principalmenteossenho-

resdeengenho–indíciosreveladoresdetudo(ouquasetudo)

quecercaotexto,foradotexto,agregando-lhesentidoepossibi-

litandosuaplenacaracterizaçãocomoobjetodecultura.Outros

tantoscaminhos,conduzindoaminasaindaemparteinexplo-

radas–eforadoalcancedasordensdoRei.

ilmar rohloff de mattos é professor da puc-rio – pontifícia universidade católica. doutor em história social pela usp – universidade de são paulo.

Cultura e opulência do Brasilpor suas drogas e minas

André João Antonil

CULTURA E OPULÊNCIA DO BRASILPOR SUAS DROGAS E MINAS

Comváriasnotíciascuriosasdomododefazeroaçúcar;

plantarebeneficiarotabaco;tirarourodasminas;

edescobrirasdaprata;

e dos grandes emolumentos que esta conquista da

América Meridional dá ao reino de Portugal, com

esses e outros gêneros, e contratos reais.

Obra de

ANDRÉJOÃOANTONIL

Oferecida

aosquedesejamverglorificadonosaltaresaovenerável

PadreJosédeAnchieta,sacerdotedaCompanhiadeJesus,

missionárioapostólicoenovotaumaturgodoBrasil.

LISBOAna Oficina Real Deslandesiana,

com as licenças necessárias, ano de 1711.

[Folhaderostoda1ª edição]

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 5

aos senhores de engenhos e lavradores do açúcar e do tabaco e aos que se ocupam

em tirar ouro das minas do estado do brasil

D evetantooBrasilaovenerávelPadreJosédeAnchieta,umdosprimeirosemaisfervorososmissionáriosdesta

AméricaMeridional,queàbocacheiaochamaseugrandeapós-tolo e novo taumaturgo pela luz evangélica que comunicou atantosmilharesdeíndiosepelosinumeráveismilagresqueobrouemvidaeobracontinuamente,invocadoparabenefíciodetodos.Porém,confessarestasobrigaçõesenãocooperaràglóriadetãoinsignebenfeitornãobastaparaumverdadeiroagradecimento,devido justamente e esperado. Para excitar, pois, este piedosoafetonosânimosdetodososquemaisfacilmentepodemajudarcomoagradecidoseliberaisobratãosanta,comoéacanonizaçãodeumvarãotãoilustre,procureiacompanharestajustapetiçãocomalgumadádivaquepudesseagradar,eserdealgumautilida-deaosquenosengenhosdoaçúcar,nospartidosenaslavourasdotabaco,enasminasdoouroexperimentamofavordocéucomnotávelaumentodosbenstemporais.Portanto,comestalimitadaofertaprovocoaquelagenerosaliberalidade,quenãoconsenteserrogada,pornãoparecerque,dando,quervenderbenefícios.EaomesmoVenerávelPadreJosédeAnchietapeçoencarecidamentequequeiraalcançardeDeuscentuplicadaremuneraçãonaTerraenoCéuaquemsedeterminarapromovercomalgumaesmolaassuashonras,paraquepublicadasnostemplosecelebradasnosaltares, acrescentem também maior glória àquele Senhor que éhonradonahonradossantos,eglorificadoemsuasglórias.

PRIMEIRA PARTE

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 7

cultura e opulência do brasil na lavra do açúcar no engenho real

moente e corrente

Trata-se:

• Dosenhordoengenhodoaçúcar,dosfeitoreseoutros

oficiaisqueneleseocupam,suasobrigaçõesesalários;

• Damoenda,fábricaeoficinasdoengenhoedoqueem

cadaumadelassefaz;

• Daplantadascanas,suaconduçãoemoagem;edecomo

sefaz,purgaeencaixaoaçúcarnoRecôncavodaBahia,

noBrasil,paraoreinodePortugal,eseusemolumentos.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 9

proêmio

Q uem chamou às oficinas, em que se fabrica o açúcar,

engenhos acertou verdadeiramente no nome. Porque

quemquerqueasvê,econsideracomareflexãoquemerecem,é

obrigadoaconfessarquesãoumdosprincipaispartoseinvenções

do engenho humano, o qual, como pequena porção do Divino,

sempresemostra,noseumododeobrar,admirável.

Dosengenhos,unssechamamreais,outros,inferiores,vulgar-

menteengenhocas.Osreaisganharamesteapelidoporteremtodas

aspartesdequesecompõemetodasasoficinas,perfeitas,cheias

degrandenúmerodeescravos,commuitoscanaviaisprópriose

outrosobrigadosàmoenda;eprincipalmenteporteremarealeza

demoeremcomágua,àdiferençadeoutros,quemoemcomcava-

-loseboisesãomenosprovidoseaparelhados;ou,pelomenos,

commenorperfeiçãoelargueza,dasoficinasnecessáriasecom

pouconúmerodeescravos,parafazerem,comodizem,oengenho

moenteecorrente.

E porque algum dia folguei de ver um dos mais afamados

que há no Recôncavo, à beira-mar da Bahia, a quem chamam o

engenhodeSergipedoConde,movidodeumalouvávelcuriosi-

dade,procurei,noespaçodeoitooudezdiasqueaíestive,tomar

notícia de tudo o que o fazia tão celebrado, e quase rei dos en-

genhos reais. E valendo-me das informações que me deu quem

oadministroumaisdetrintaanoscomconhecidainteligência,e

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o10

comacrescentamentoigualàindústria,edaexperiênciadeum

famosomestredeaçúcarquecinquentaanosseocupounesseofí-

ciocomventurososucesso,edosmaisoficiaisdenome,aosquais

miudamente perguntei o que a cada qual pertencia, me resolvi

adeixarnesteborrãotudoaquiloquenalimitaçãodotemposo-

breditoapressadamente,mascomatenção,ajunteieestendicom

omesmoestiloemododefalarclaroechãoqueseusanosenge-

nhos;paraqueosquenãosabemoquecustaadoçuradoaçúcara

quemolavra,oconheçamesintammenosdarporeleopreçoque

vale;equemdenovoentrarnaadministraçãodealgumengenho,

tenhaestasnotíciaspráticas,dirigidasaobrarcomacerto,queé

oqueemtodaocupaçãosedevedesejareintentar.E,paramaior

clarezaeordem,repartiemvárioscapítulostudooquepertence

aestadrogaeaquemporelaenelatrabalha;começando,depois

derelatarasobrigaçõesdecadaqual,desdeaprimeiraorigemdo

açúcardacana,atéasuacabalperfeiçãonascaixas,conformeo

meulimitadocabedal,quepelomenosserviráparadaraoutros

demelhorcapacidadeepenamaisligeiraebem-aparadaalgum

estímulodeaperfeiçoaresteembrião.Esealguémquisersabero

autordestecuriosoeútiltrabalho,eleéumamigodobempúbli-

cochamado

O Anônimo Toscano

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 11

licenças

Do Santo Ofício

I lustríssimoSenhor

Revi este livro, intitulado Cultura e opulência do Brasil,

mencionadonapetiçãoacima,e,sendoaobradeengenho,pela

boadisposiçãocomqueoseuautorocompôs,émuitomerece-

dorada licençaquepede;porqueporestemeio, saberãoosque

se quiserem passar ao Estado do Brasil o muito que custam as

culturasdoaçúcar,tabacoeouro,quesãomaisdocesdepossuir

noReinoquedecavarnoBrasil.Nãocontémestelivrocoisaque

sejacontranossaSantaFéoubonscostumes,eporissosepode

estamparcomletrasdeouro.Esteéomeuparecer,queponhoaos

pésdeV.Ilustríssima,paramandarfazeroqueforservido.

SantaAnadeLisboa,em8denovembrode1710

Fr. Paulo de São Boaventura

NãocontémesteTratadocoisasuspeitosacontranossaSanta

Fé e pureza dos bons costumes, e, assim sendo, V. Ilustríssima

servidopodeconcederalicençaquepedeoAutor.

Trindade,em30denovembrode1710

Fr. Manuel da Conceição

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o12

Vistas as informações, pode-se imprimir o livro intitulado

Cultura e opulência do Brasil,e,impresso,tornaráparaseconferire

darlicençaquecorraesemelanãocorrerá.

Lisboa,5dedezembrode1710

Moniz. Hasse. Monteiro. RibeiroFr. Encarnação. Rocha. Barreto

Do Ordinário

Pode-seimprimirolivrointituladoCultura e opulência do Brasil

eimpressotorneparaseconferiredarlicençaquecorraesemela

nãocorrerá.

Lisboa,12dedezembrode1710

B. de Tagaste

Do Paço

Senhor:

ViolivroqueV.Majestadefoiservidoremeter-me;seuautor,

André João Antonil; e sobre não achar nele coisa que encontre

orealserviçodeV.Majestade,mepareceserámuitoútilparao

comércio,porquedespertaráasdiligênciaseincitaráaquesepro-

curem tão fáceis interesses. Julgo-o muito digno da licença que

pede;V.Majestadeordenaráoqueforservido.

SãoDomingosdeLisboa,15dejaneirode1711

Fr. Manuel Guilherme

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 13

Quesepossaimprimir,vistasaslicençasdoSantoOfícioe

OrdinárioedepoisdeimpressotornaráàMesa,paraseconferir

etaxar,esemissonãocorrerá.

Lisboa,17dejaneirode1711

Oliveira. Lacerda. Carneiro. Botelho. Costa

LIVRO I

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 15

ido cabedal que há de ter o senhor

de um engenho real

O sersenhordeengenhoétítuloaquemuitosaspiram,

porquetrazconsigooserservido,obedecidoerespeita-

dodemuitos.Esefor,qualdeveser,homemdecabedalegoverno,

bemsepodeestimarnoBrasilosersenhordeengenho,quanto

proporcionadamente se estimam os títulos entre os fidalgos do

Reino. Porque engenhos há na Bahia que dão ao senhor quatro

milpãesdeaçúcareoutrospoucomenos,comcanaobrigadaà

moenda,decujorendimentolograoengenhoaomenosametade,

comoqualqueroutra,quenelelivrementesemói;eemalgumas

pares,aindamaisqueametade.

Dossenhoresdependemoslavradoresquetêmpartidosarren-

dadosemterrasdomesmoengenho,comocidadãosdosfidalgos;

e quanto os senhores são mais possantes e bem-aparelhados de

todoonecessário,afáveiseverdadeiros,tantomaissãoprocura-

dos,aindadosquenãotêmacanacativa,ouporantigaobrigação,

ouporpreçoqueparaissorecebem.

Servemaosenhordoengenho,emváriosofícios,alémdoses-

cravosdeenxadaefoicequetêmnasfazendasenamoenda,efora

osmulatosemulatas,negrosenegrasdecasa,ouocupadosemou-

tras partes, barqueiros, canoeiros, calafates, carapinas, carreiros,

oleiros,vaqueiros,pastoresepescadores.Temmais,cadasenhor

destes,necessariamente,ummestredeaçúcar,umbanqueiro

eumcontrabanqueiro,umpurgador,umcaixeironoengenhoe

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o16

outronacidade, feitoresnospartidoseroças,umfeitor-mordo

engenho,eparaoespiritualumsacerdoteseucapelão,ecadaqual

destesoficiaistemsoldada.

Todaaescravaria(quenosmaioresengenhospassaonúmero

decentoecinquentaeduzentaspeças,contandoasdospartidos)

quermantimentosefarda,medicamentos,enfermariaeenfermei-

ro;e,paraisso,sãonecessáriasroçasdemuitasmilcovasdeman-

dioca.Queremosbarcosvelame,cabos,cordasebreu.Queremas

fornalhas,queporseteeoitomesesardemdediaedenoite,muita

lenha;e,paraisso,hámisterdoisbarcosvelejadosparasebuscar

nosportos,indoumatrásdooutrosemparar,emuitodinheiro

para a comprar; ou grandes matos com muitos carros e muitas

juntasdeboisparasetrazer.Queremoscanaviaistambémsuas

barcas,ecarroscomdobradasesquipaçõesdebois,queremenxa-

dasefoices.Queremasserrariasmachadoseserras.Queramoenda

detodaacastadepausdeleidesobressalente,emuitosquintais

de aço e ferro. Quer a carpintaria madeiras seletas e fortes para

esteios,vigas,aspaserodas;epelomenososinstrumentosmais

usuais,asaber,serras,trados,verrumas,compassos,regras,esco-

pros,enxós,goivas,machados,martelos,cantisejunteiras,pregos

eplainas.Querafábricadoaçúcarparóisecaldeiras,tachaseba-

ciaseoutrosmuitosinstrumentosmenores,todosdecobre,cujo

preçopassadeoitomilcruzados,aindaquandosevendenãotão

carocomonosanospresentes.Sãofinalmentenecessárias,além

dassenzalasdosescravos,ealémdasmoradasdocapelão,feitores,

mestre,purgador,banqueiroecaixeiro,umacapeladecentecom

seusornamentosetodooaparelhodoaltar,eumascasasparao

senhor do engenho, com seu quarto separado para os hóspedes

que,noBrasil,faltototalmentedeestalagens,sãocontínuos;eo

edifício do engenho, forte e espaçoso, com as mais oficinas e a

casadepurgar,caixaria,lambiqueeoutrascoisas,que,pormiú-

das,aquiseescusaapontá-las,edelassefalaráemseulugar.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 17

O que tudo bem considerado, assim como obriga a uns ho-

mens de bastante cabedal e de bom juízo a quererem antes ser

lavradores possantes de cana, com um ou dois partidos de mil

pãesdeaçúcar,comtrintaouquarentaescravosdeenxadaefoi-

ce,doquesersenhoresdeengenhoporpoucosanos,comalida

eatençãoquepedeogovernodetodaessafábrica;assim,épara

pasmar,comohojeseatrevemtantosalevantarengenhocastanto

quechegaramateralgumnúmerodeescravos,eacharamquem

lhesemprestassealgumaquantidadededinheiro,paracomeçar

atratardeumaobradequenãosãocapazesporfaltadegoverno

edeagência,emuitomaisporficaremlogonaprimeirasafratão

empenhadosemdívidasquenasegundaouterceira jásedecla-

raramperdidos;sendojuntamentecausaqueosquefiaramdeles

dando-lhes fazenda e dinheiro também quebrem e que outros

zombemdasuamalfundadapresunção,quetãodepressaconver-

teuempalhasecaaquelaprimeiraverduradeumaaparentemas

enganosaesperança.

Eaindaquenemtodososengenhossejamreais,nemtodospu-

xemportantosgastosquantosatéaquitemosapontado,contudo,

entendacadaqualque,comasmortesefugidasdeservos,ecom

aperdademuitoscavaloseboisecomassecasquedeimprovi-

soapertamemirramacanaecomosdesastresqueacadapasso

sucedem, crescem os gastos mais do que se cuidava. Entenda

tambémqueospedreirosecarapinaseoutrosoficiais,desejosos

deganharàcustaalheia,lhefacilitarãotudodetalsortequelhe

parecerá o mesmo levantar um engenho que uma senzala de

negros;equandocomeçaraajuntarosaviamentos,acharájáter

despendidotudooquetinha,antesdesepôrpedrasobrepedra,

enãoterácomquepagarassoldadas,crescendodeimprovisoos

gastos,comoporcausadasenxurradasosrios.

Também,senãotiveracapacidade,modoeagênciaquesere-

quernaboadisposiçãoegovernodetudo,naeleiçãodosfeitores

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o18

eoficiais,naboacorrespondênciacomoslavradores,notratoda

gentesujeita,naconservaçãoelavouradasterrasquepossui,ena

verdadeepontualidadecomosmercadoreseoutrosseuscorres-

pondentesnapraça,acharáconfusãoeignomínianotítulodese-

nhordeengenho,dondeesperavaacrescentamentodeestimação

edecrédito.Porisso,tendojáfaladodoquepertenceaocabedal

quehádeter,tratareiagoradecomosehádehavernogoverno;e

primeiramentedacompraeconservaçãodasterraseseusarren-

damentosaos lavradoresquetem;e logodaeleiçãodosoficiais

que há de admitir ao seu serviço, apontando as obrigações e as

soldadasdecadaumdeles,conformeoestilodosengenhosreais

daBahia;e,ultimamente,dogovernodomésticodasuafamília,

filhoseescravos, recebimentodoshóspedesepontualidadeem

darsatisfaçãoaquemdeve,doquedependeaconservaçãodoseu

créditoqueéomelhorcabedaldosqueseprezamdehonrados.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 19

iicomo se há de haver o senhor de engenho

na compra e conservação das terras e nos arrendamentos delas

S eosenhordoengenhonãoconheceraqualidadedaster-

ras,comprarásalõespormassapéseapicusporsalões.Por

isso,valha-sedasinformaçõesdoslavradoresmaisentendidos,e

atentenãosomenteàbaratezadopreço,mastambématodasas

conveniênciasquesehãodebuscarparater fazendacomcana-

viais,pastos,águas,roçasematos;e,emfaltadestes,comodidade

parateralenhamaispertoquepuderser,eparaescusaroutros

inconvenientes que os velhos lhe poderão apontar, que são os

mestresaquemensinaramotempoeaexperiência,oqueosmo-

çosignoram.

Muitos vendem as terras que têm, por cansadas, ou faltas de

lenha; outros, porque não se atrevem a ouvir tantos recados,

semelhantes aos que se davam a Jó, do partido queimado, dos

boisatolados,dosescravosmortosedoaçúcarperdido.Outros,

obrigadosavendercontraavontadeporcausadoscredoresque

osapertam,bempodeserqueofereçamterrasnovasefortes;po-

rém,ocompradorcorreentãooutroriscodecomprardemandas

eternas,pelasobrigaçõesehipotecasaqueestãorepetidasvezes

sujeitas.Portanto,nessecaso,faleocompradorcomosletrados,

pergunteaoscredoresqueéoquepretendem;e,sefornecessário,

comautoridadedojuizciteatodos,parasaberoquenaverdadese

deve;nemconcluaacompra,antesdevercomseusolhosqueéo

quecompra,quetítulosdedomíniotemovendedor,eseosditos

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o20

benssãovinculadosoulivres,esetêmpartenelesórfãos,mostei-

rosouigrejas,paraquesenãofalteaofazerdaescrituraaalguma

condiçãoousolenidadenecessária.Vejatambémasdemarcações

dasterras,seforammedidasporjustiça,eseosmarcosestãoem

ser,ousehámisteraviventá-los,quetaissãoosco-heréusasaber,

seamigosdejustiça,deverdadeedepaz,ou,pelocontrário,trapa-

ceirosdesinquietoseviolentos;porquenãohápiorpestequeum

mauvizinho.

Feitaacompra,nãofalteaseutempoàpalavraquedeu,pague

esejapontualnestaparte;eatenteàconservaçãoemelhoramen-

to do que comprou, e principalmente use de toda a diligência

para defender os marcos e as águas de que necessita para moer

oseuengenho;emostreaosfilhoseaosfeitoresosditosmarcos,

paraquesaibamoquelhespertenceepossamevitardemandas

e pleitos que são uma contínua desinquietação da alma e um

contínuosangradorderiosdedinheiroquevaiaentrarnascasas

dosadvogados,solicitadoreseescrivães,compoucoproveitode

quempromoveopleito,aindaquandoalcança,depoisdetantos

gastosedesgostos,emseufavorasentença.Nemdeixeospapéis

easescriturasquetemnacaixadamulherousobreumamesa

expostaaopó,aovento,àtraçaeaocupim,paraquedepoisnão

sejanecessáriomandardizermuitasmissasaSantoAntôniopara

acharalgumpapelimportantequedesapareceu,quandohouver

misterexibi-lo.Porquelheaconteceráqueacriadaouservatire

duasoutrêsfolhasdacaixadasenhoraparaembrulharcomelas

oquemaislheagradar;eofilhomaispequenotirarátambémal-

gumasdamesa,parapintarcaretas,ouparafazerbarquinhosde

papel,emquenaveguemmoscasegrilos;oufinalmente,ovento

faráquevoemforadacasasempenas.

Paraterlavradoresobrigadosaoengenho,énecessáriopassar-

-lhesarrendamentodasterrasemquehãodeplantar.Estescostu-

mamfazer-sepornoveanos,eumdedespejo,comobrigaçãode

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 21

deixarem plantadas tantas tarefas de cana, ou por dezoito anos

e mais, com as obrigações e número de tarefas que assentarem,

conformeocostumedaterra.Porém,há-sedeadvertirqueosque

pedem arrendamento sejam fazendeiros e não destruidores da

fazenda,desortequesejamdeproveitoenãodedano.E,naescri-

turadoarrendamento,sehãodepôrascondiçõesnecessárias,v. g.,

quenãotirempausreais,quenãoadmitamoutrosemseulugar

nasterrasquearrendam,semconsentimentodosenhordelas;e

outras que se julgarem necessárias para que algum deles, mais

confiado,delavradorsenãofaçalogosenhor.Eparaissoseriaboa

prevençãoterumafórmulaounotadearrendamentos,feitapor

algumletradodosmaisexperimentados,comdeclaraçãodecomo

sehaverãodespejandoacercadasbenfeitorias,paraqueofimdo

tempodoarrendamentonãosejaprincípiodedemandaseternas.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o22

iiicomo se há de haver o senhor do engenho com os lavradores e outros vizinhos, e estes com o senhor

O termuitafazendacria,comumente,noshomensricos

epoderosos,desprezodagentemaisnobre;e,porisso,

Deusfacilmentelhatira,paraquenãosesirvamdelaparacrescer

nasoberba.Quemchegoua ter títulodesenhorparecequeem

todosquerdependênciadeservos.Eistoprincipalmentesevêem

algunssenhoresquetêmlavradoresemterrasdoengenho,oude

canaobrigadaamoernele,tratando-oscomaltivezearrogância.

Dondenasceoseremmalquistosemurmuradosdosqueosnão

podemsofrer;equemuitossealegremcomasperdasedesastres

quederepentepadecem,pedindoosmiseráveisoprimidosacada

passojustiçaaDeus,porseveremtãoavexadosedesejandover

aosseusopressoreshumilhados,assimcomoomédicodesejae

procuratirarforaamalignidadeeabundânciadohumorpecante

quefazocorpoindispostoedoente,paralhedarestasortenão

somentevida,mastambémperfeitasaúde.

Nada,pois,tenhaosenhordoengenhodealtivo,nadadear-

roganteesoberbo,antes,sejamuitoafávelcomtodoseolhepara

osseuslavradorescomoparaverdadeirosamigos,poistaissãona

verdade,quandosedesentranhamparatrazeremosseuspartidos

bem-plantadoselimpos,comgrandeemolumentodoengenho,e

dê-lhestodooadjutórioquepuderemseusapertos,assimcoma

autoridadecomocomafazenda.Nemponhamenorcuidadoem

sermuitojustoeverdadeiro,quandochegarotempodemoera

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 23

cana e de fazer e encaixar os açúcares, porque não seria justiça

tomarparasiosdiasdemoerquedevedaraoslavradoresporseu

turno,oudaraummaisdiasqueaoutrooumisturaroaçúcarque

sefezdeumlavrador,comodatarefadeoutro,ouescolherparasi

omelhoredaraolavradorosomenos.E,paraevitarestasdúvidas

equalqueroutrasuspeitasemelhante,aviseoumandeavisarcom

tempoaquempordireitosesegue,paraquepossacortarecarrear

acanaetê-lanamoendaaoseudia,ehajanasformasseusinal

paraquesedistingamdasoutras.Nemestranhequeoslavradores

queiramvernotendalecasadepurgar,nobalcãoecasadeen-

caixar,aoseuaçúcar,poistantolhescustouchegá-loapôrnesse

estadoetantaamarguraprecedeuaestalimitadadoçura.

Tambémseriasinaldeterruimcoraçãofazermávizinhança

aosquemoemacanalivreemoutrosengenhos,sóporqueanão

moemnoseu,nemterboacorrespondênciacomossenhoresde

outrosengenhossóporquecadaqualdelesfolgademoertanto

comooutro,ouporqueaalgumdeleslhevaimelhorcommenos

gastoesemperdas.E,seainvejaentreosprimeirosirmãosque

houvenomundofoitãoarrojadaquechegouaensanguentaras

mãosdeCaimcomosanguedeAbel,porqueAbellevavaabênção

docéueCaimnão,porsuaculpa,quemduvidaquepoderiache-

gararenovarsemelhantestragédiasaindahojeentreosparentes,

poishánoBrasilmuitasparagensemqueossenhoresdeengenho

sãoentresimuitochegadosporsangueepoucounidosporca-

ridade,sendoointeresseacausadetodaadiscórdia,ebastando

talvezumpauquesetireouumboiqueentreemumcanavialpor

descuidoparadeclararoódioescondidoeparaarmardemandase

pendênciasmortais?Oúnicoremédio,pois,paraatalharpesados

desgostos é haver-se com toda a urbanidade e primor, pedindo

licençaparatudo,cadavezquefornecessáriovaler-sedoquetêm

osvizinhos,epersuadir-seque,senegamoquesepede,serápor-

queanecessidadeosobriga.Equandoaindaseconhecesseque

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o24

onegar-seépordesprimor,averdadeiraemaisnobrevingança

serádarlogoaquemnegouoquesepediunaprimeiraocasião,

dobradodoquepede,paraquedestasortecaiaporbommodona

contadecomodeviaproceder.

Sobre todos, porém, os que se devem haver com maior res-

peitoparacomosenhordoengenhosãooslavradoresquetêm

partidos obrigados à sua moenda; e muito mais os que lavram

emterrasemqueosenhorlhestemarrendado,particularmente

quandodestasortecomeçaramsuavidaechegaramporestavia

atercabedal,porqueaingratidãoeofaltaraorespeitoecortesia

devidasãonotadignadesermuitoestranhada,eumagradeci-

mentoobsequiosocativaaosânimosdetodoscomcorrentesde

ouro.Porém,esserespeitonuncahádesertalqueinclineaobrar

contra justiça, principalmente quando forem induzidos a fazer

coisa contrária à lei de Deus; como seria a jurar em demandas

crimes,oucíveiscontraaverdade,epôr-semalcomosquecom

razãosedefendem.Eoquetenhoditodossenhoresdoengenho

digotambémdassenhoras,asquais,postoquemereçammaior

respeitodasoutras,nãohãodepresumirquedevemsertratadas

como rainhas, nem que as mulheres dos lavradores hão de ser

suas criadas e aparecer entre elas como a lua entre as estrelas

menores.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 25

ivcomo se há de haver o senhor do engenho

na eleição das pessoas e oficiais que admitir ao seu serviço, e principalmente

da eleição do capelão

S e em alguma coisa mais que em outra há de mostrar o

senhor do engenho a sua capacidade e prudência, esta

semdúvidaéaboaeleiçãodaspessoaseoficiaisquehádeadmitir

aoseuserviçoparaobomgovernodoengenho.Porque,sendoa

eleiçãofilhadaprudência,comrazãosearguiráde imprudente

quemescolherpessoasouderuimvida,ouineptasparaoquehão

defazer.EclaroestáqueunscomaruimvidadesagradarãoaDeus

eaoshomenseserãocausademuitosebempesadosdesgostose

outroscomaineptidãocausarãodanonãoordinárioàfazenda.E

istolhepoderãoestranharcomrazão,nãosóosdecasa,pormais

chegadosaqueimar-seouachamuscar-secomoseutrato,mas

também os de fora e principalmente os lavradores, obrigados a

experimentarsemculpaosprejuízosqueseseguemaoseuma-

logradosuor,denãosaberemosoficiaisoquerequeroseuofício.

Oprimeiro,quesehádeescolhercomcircunspeçãoeinforma-

çãosecretaaoseuprocedimentoesaber,éocapelão,aquemse

hádeencomendaroensinodetudooquepertenceàvidacristã,

paradestasortesatisfazeràmaiordasobrigaçõesquetem,aqual

édoutrinaroumandardoutrinarafamíliaeescravos,nãojápor

umcriouloouporumfeitorque,quandomuito,poderáensinar-

-lhesvocalmenteasoraçõeseosmandamentosdaleideDeuseda

Igreja,masporquemsaibaexplicar-lhesoquehãodecrer,oque

hãodeobrar,ecomohãodepediraDeusaquilodequenecessitam.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o26

E,paraisso,sefornecessáriodaraocapelãoalgumacoisamais

doquesecostuma,entendaqueesteseráomelhordinheiroque

sedaráemboamão.

Tem,pois,ocapelãoobrigaçãodedizermissanacapeladoen-

genhoaosdomingosediassantos,ficando-lhelivreaaplicação

dasmissasnosoutrosdiasdasemanaporquemquiser,salvose

se concertar de outra sorte com o senhor da capela, recebendo

estipêndioproporcionadoaotrabalho.E,nosmesmosdomingos

e dias santos, ou pelo menos nos domingos, se se admitir com

estaobrigaçãoexplicaráadoutrinacristã,asaber,osprincipais

mistérios da fé e o que Deus e a santa Igreja mandam que se

guarde.Quãograndemaléopecadomortal.Quepenalhetem

Deus aparelhado nesta e na outra vida, onde a alma vive e vi-

verá imortalmente. Que remédio nos deu Deus na encarnação

e morte de Jesus Cristo, seu santíssimo Filho, para que se nos

perdoassemassimasculpas,comoaspenasquepelasculpasse

devem pagar. De que modo havemos de confessar os pecados

e pedir a Deus perdão deles com verdadeiro arrependimento e

propósito firme de não tornar a cometê-los, ajudados da graça

divina.Emqueconsistefazerpenitênciadeseuspecados.Quem

está no Santíssimo Sacramento do altar; porque está aí e se re-

cebe;comquedisposiçãosehádereceberemvidaeporviático

nadoençamortal.Quantoimportaganharasindulgências,para

descontaroquesedevepagarnoPurgatório.Comocadaqualse

há de encomendar a Deus para não cair em pecado e oferecer-

-lhe pela manhã todo o trabalho do dia. Quanto são dignos de

abominaçãoosfeiticeirosecuradoresdepalavras,eosqueaeles

recorrem,deixandoaDeus,dequemvemtodooremédio;osque

dãopeçonhaoubebidas(comodizem),paraabrandareinclinar

asvontades;osborrachos,osamancebados,osladrões,osvingati-

vos,osmurmuradoreseosquejuramfalso,oupormalignidade,

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 27

oupor interesse,ouporrespeitoshumanos.E,finalmente,que

prêmioequepenahádedarDeuseternamenteacadaqual,con-

formeobrounestavida.

Procurará também a aprovação para ouvir de confissão aos

seus aplicados e para que, sendo sacerdote e ministro de Deus,

lhespossaservirfrequentementederemédio,nãosecontentan-

do só com acudir no artigo da morte aos doentes. Mas advirta,

na administração deste sacramento, que não é o senhor dele,

pormuitaautoridadequetenha;porqueseopenitentenãofor

dispostoporcausadeestaramancebadoouandarcomódiodo

próximooupornãotratarderestituirafamaouafazendaque

deve,aindaquefosseomesmosenhordoengenho,onãoháde

absolver;enistopoderiahaver,porrespeitohumano,grandeen-

cargodeconsciência,eculpabemgrave.

Corretambémporsuacontapôrtodosempazeatalhardiscór-

diaseprocurarque,nacapelaemqueassiste,sejaDeushonradoe

aVirgem,senhoranossa,cantando-lhenossábadosasladainhas,

enosmesesemqueoengenhonãomói,oterçodorosário,não

consentindorisadas,nemconversaçõesepráticasindecentes,

não só na capela, mas nem ainda no copiar, particularmente

quandosecelebraosantosacrifíciodamissa.

Advirta,alémdisso,denãorecebernoivos,nembatizarforade

algumcasodenecessidade,nemdesobrigarnaquaresmapessoa

alguma,semlicençain scriptisdovigárioaquempertencerdá-la,

nemfazercoisaquetoqueàjurisdiçãodospárocos,paraquenão

incorranaspenasecensurasquesobreissosãodecretadas,ede-

baldesequeixedoseudescuidoouignorância.

Finalmente, façamuitopormorar foradacasadosenhordo

engenho,porqueassimconvémaambos,poisésacerdote,enão

criado, familiardeDeusenãodeoutrohomem,nemtenhaem

casaescravaparaoseuserviçoquenãosejaadiantadadeidade,

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o28

nemsefaçamercadoraodivinoouaohumano,porquetudoisto

muitoseopõeaoestadoclericalqueprofessa,eselheproíbepor

váriossumospontífices.

Oquesecostumadaraocapelãocadaano,peloseutrabalho,

quandotemasmissasdasemanalivres,sãoquarentaoucinquen-

tamil-réis;ecomoquelhedãoosaplicados,vemfazerumapor-

çãocompetente,bem-ganhada,seguardartudooqueacimaestá

dito.Esehouverdeensinaraosfilhosdosenhordoengenho,se

lheacrescentaráoqueforjustoecorrespondenteaotrabalho.

Nodiaemquesebotaacanaamoer,seosenhordoengenho

nãoconvidaraovigário,ocapelãobenzeráoengenhoepediráa

Deusquedêbomrendimento,equelivreosqueneletrabalham

de todo o desastre. E quando, no fim da safra, o engenho pejar,

procuraráquetodosdeemaDeusasgraçasnacapela.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 29

vdo feitor-mor do engenho,

e dos outros feitores menores que assistem na moenda, fazendas e partidos da cana:

suas obrigações e soldadas

O sbraçosdequesevaleosenhordoengenhoparaobomgovernodagenteedafazendasãoosfeitores.Porém,

secadaumdelesquisersercabeça,seráogovernomonstruosoeumverdadeiroretratodocãoCérbero,aquemospoetasfabulo-samentedãotrêscabeças.Eunãodigoquesenãodêautoridadeaos feitores; digo que esta autoridade há de ser bem-ordenadae dependente, não absoluta, de sorte que os menores se hajamcom subordinação ao maior, e todos ao senhor a quem servem.Convémqueosescravossepersuadamdequeofeitor-mortemmuito poder para lhes mandar e para os repreender e castigarquandofornecessário,porémdetalsortequetambémsaibamquepodemrecorreraosenhorequehãodeserouvidoscomopedeajustiça.Nemosoutrosfeitores,porteremmandado,hãodecrerque o seu poder não é coartado nem limitado, principalmenteno que é castigar e prender. Portanto, o senhor há de declararmuitobemaautoridadequedáacadaumdeles,emaisaomaior,e,seexcederem,hádepuxarpelasrédeascomarepreensãoqueosexcessosmerecem;masnãodiantedosescravos,paraqueou-travezsenão levantemcontrao feitor,eeste leveamaldeserrepreendidodiantedelesesenãoatrevaagoverná-los.Sóbastaráqueporterceirapessoasefaçaentenderaoescravoquepadeceueaalgunsoutrosdosmaisantigosdafazendaqueosenhorestra-nhoumuitoaofeitoroexcessoquecometeueque,quandosenãoemende,ohádedespedircertamente.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o30

Aosfeitoresdenenhumamaneirasedeveconsentirodarcoi-

ces,principalmentenasbarrigasdasmulheresqueandampejadas,

nemdarcompaunosescravos,porquenacólerasenãomedem

osgolpes,epodemferirmortalmentenacabeçaaumescravode

muitopréstimo,quevalemuitodinheiro,eperdê-lo.Repreendê-

-losechegar-lhescomumcipóàscostascomalgumasvarancadas

éoqueselhespodeedevepermitirparaensino.Prenderosfugi-

tivoseosquebrigaramcomferidasouseembebedaram,paraque

osenhorosmandecastigarcomomerecem,édiligênciadignade

louvor.Porém,amarrarecastigarcomcipóatécorrerosanguee

meter no tronco, ou em uma corrente por meses (estando o se-

nhornacidade)aescravaquenãoquisconsentirnopecadoou

ao escravo que deu fielmente conta da infidelidade, violência e

crueldadedofeitorqueparaissoarmoudelitosfingidos,istode

nenhummodosehádesofrer,porqueseriaterumlobocarniceiro

enãoumfeitormoderadoecristão.

Obrigação do feitor-mor do engenho é governar a gente e

reparti-laaseutempo,comoébem,paraoserviço.Aelepertence

saberdosenhoraquemsehádeavisarparaquecorteacanae

mandar-lhelogorecado.Tratardeaviarosbarcoseoscarrospara

buscaracana,fôrmaselenha.Darcontaaosenhordetudooqueé

necessárioparaoaparelhodoengenho,antesdecomeçaramoer,

e,logoacabadaasafra,arrumartudoemseulugar.Vigiarquenin-

guémfalteàsuaobrigação,eacudirdepressaaqualquerdesastre

quesuceda,paralhedar,quandopuderser,oremédio.Adoecendo

qualquer escravo, deve livrá-lo do trabalho e pôr outro em seu

lugaredarparteaosenhorparaquetratedeomandarcurar,eao

capelãoparaqueoouçadeconfissão,eodisponha,crescendoa

doença,comosmaissacramentosparamorrer.Advirtaquenão

semetamnocarroosboisquetrabalharammuitonosdiasantece-

dentes,equeemtodooserviço,assimcomosedáalgumdescanso

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 31

aosboiseaoscavalos,assimsedê,ecommaiorrazão,porsuas

esquipaçõesaosescravos.

Ofeitordamoendachamaaseutempoasescravas,recebea

canaeamandaviremeterbemnoseixosetirarobagaço,aten-

tandoqueasnegrasnãodurmam,peloperigoquehádeficarem

presasemoídas,selhesnãocortaremasmãos,quandoistosuce-

da,emandandojuntamentedivertiraáguadaroda,paraquepare.

Procuraquedevinteequatroemvinteequatrohorasselavea

moendaequeocaldoválimpoeseguindeparaoparol.Pergunta

quantocaldohámisternascaldeiras,paraquesaibacomesteavi-

sosehádemoermaiscanaoupararatéquesedêvazão,paraque

nãoazedeoquejáestánoparol.

Osfeitoresqueestãonopartidosenasfazendastêmàsuacon-

tadefenderasterraseavisarlogoaosenhorseháquemsemeta

dentrodasroças,canaviaisematos,paratomaroquenãoéseu.

Assistir onde os escravos trabalham, para que se faça o serviço

comoébem.Saberostemposdeplantar,limparecortaracanaede

fazerroças.Conheceradiversidadedasterrasqueháparaservir-

-sedelasparaoqueforemcapazesdedar.Tomaracadaescravoa

tarefaeasmãosqueéobrigadoaentregar.Atentarparaoscami-

nhosdoscarrosquesejamtaisqueporelessepossaconduzira

canaealenhadesortequenãofiquemnalama,equetambémos

carrosseconsertemquandofornecessário.Verquecadaescravo

tenhasuafoiceeenxadaeomaisquehámisterparaoserviço.E

estejamuitoatentoquesenãopegueofogonoscanaviaispordes-

cuidodosnegrosboçais,queàsvezesdeixamaoventootiçãode

fogoquelevaramconsigoparausaremdocachimbo;e,emvendo

qualquerlabareda,acuda-lhelogocomtodaagenteecortecom

foicesocaminhoàchamaquevaicrescendo,comgrandeperigo

deseperderememmeiahoramuitastarefasdecana.

Aindaquesesaibaatarefadacanaqueumnegrohádeplantar

emumdia,eaquehádecortar,quantascovasdemandiocaháde

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o32

fazerearrancarequemedidadelenhahádedar,comosediráem

seulugar,contudo,hãodeatentarosfeitoresàidadeeàsforças

decadaqual,paradiminuíremotrabalhoaosqueelesmanifes-

tamenteveemquenãopodemcomtanto,comosãoasmulheres

pejadas depois de seis meses, e as que há pouco que pariram e

criam,osvelhoseasvelhaseosquesaíramaindaconvalescentes

dealgumagravedoença.

Ao feitor-mor dão nos engenhos reais sessenta mil-réis. Ao

feitordamoenda,ondesemóiporseteeoitomeses,quarentaou

cinquentamil-réis,particularmenteseselheencomendaalgum

outroserviço,mas,ondehámenosquefazer,enãoseocuparem

outracoisa,dãotrintamil-réis.Aosqueassistemnospartidose

fazendas, também hoje, onde a lida é grande, dão quarenta ou

quarentaecincomil-réis.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 33

vido mestre do açúcar e soto-mestre,

a quem chamam banqueiro, e do seu ajudante, a quem chamam ajuda-banqueiro

A quemfazoaçúcar,comrazãosedáonomedemestre,porque o seu obrar pede inteligência, atenção e ex-

periência,eestanãobastaquesejaqualquer,masénecessáriaa experiência local, a saber, do lugar e qualidade da cana, ondeseplantaesemói;porqueoscanaviais,deumaparte,dãocanamuitoforte,edeoutra,muitofraca.Diversosumotemacanadasvárzeasdoquetemadosouteiros:adasvárzeasvemmuitoagua-centaeocaldodelatemmuitoquepurgarnascaldeiras,epedemais decoada; a dos outeiros vem bem açucarada e o seu caldopedemenostempoemenosdecoadaparasepurificareclarificar.Nastachashámelado,quequermaiorcozimentoeháoutrodemenor; um logo se condensa na batedeira, outro, mais devagar.Dastrêstêmperasquesehãodefazerparaencherasfôrmas,depen-deopurgar-seoaçúcarbemoumal,conformeelassão.Seomes-tresefiardoscaldeireirosedostacheiros,umasvezescansados,outrassonolentoseoutrasalegresmaisdoqueconvém,ecomacabeçaesquentada,acontecer-lhe-áverperdidaumaeoutramela-dura,semlhepoderdarremédio.Porisso,vigieemcoisadetantaimportância; e se o banqueiro e o ajuda-banqueiro não tiveremainteligênciaeaexperiêncianecessáriasparasuprirememsuaausência,nãodescansesobreeles,ensine-os,avise-ose,seforne-cessário,repreenda-os,pondo-lhesdiantedosolhosoprejuízodosenhor do engenho e dos lavradores, se se perder o melado nastachasouseformaltemperadoparaasfôrmas.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o34

Vejaqueofeitordamoendamoderedetalsorteomoerque

lhenãovenhaaoparolmaiscaldodoquehámister,parapoderlhe

darvazãoantesquesecomeceazedar,purgando-o,cozendo-oe

batendo-oquandoénecessário.

Antesdesebotaradecoadanascaldeirasdocaldo,experimen-

tequeelaé,edepoisvejacomooscaldeireirosabotam,equando

hãodeparar,nemconsintaqueameladurasecoeantesdeverse

ocaldoestápurificado,comohádeser;eomesmodigodapassa-

gemdeumaparaoutratacha,quandosehádecozerebater,sendo

aalmadetodoobomsucessoadiligenteatenção.

Ajustiçaeaverdadeoobrigamanãomisturaroaçúcardeum

lavradorcomodooutro;e,porisso,nasfôrmasquemandapôr

notendal,façaquehajasinalcomquesepossamdistinguirdas

outrasquepertencemaoutrosdonosparaqueomeueoteu,ini-

migosdapaz,nãosejamcausadebulhas.E,paraqueasuaobra

sejaperfeita,tenhaboacorrespondênciacomofeitordamoenda,

quelheenviaocaldo,comobanqueiroeosoto-banqueiro,que

lhesucedemdenoitenoofício,ecomopurgadordoaçúcar,para

quevejamjuntamentedondenasceopurgarbemoumalemas

fôrmas,esejamentresicomoosolhosqueigualmentevigiame

comoasmãosqueunidamentetrabalham.

O que até agora está dito pertence em grande parte ao ban-

queiro também, que é o soto-mestre, e ao soto-banqueiro, seu

ajudante.E,alémdisso,pertenceaestesdoisoficiaistercuidado

dotendaldasfôrmas,detapar-lhesosburacos,cavar-lhesascovas

debagaçocomcavadores,endireitá-lasebotarnelasoaçúcarfeito

comastrêstêmperas,dasquaissefalaráemseulugar;e,depoisde

trêsdias,enviá-lasparaacasadepurgar,ousobrepaviolas,ouàs

costasdosnegrosparaqueopurgadortratedelas.

Devem também procurar que se faça a repartição justa dos

clarosentreosescravos, conformeosenhorordenar, e quenes-

tacasahajatodaalimpezaeclaridade,água,decoadaetodosos

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 35

instrumentos dos quais nela se usa. E ao mestre pertence ver,

antesdecomeçaroengenhoamoer,seosfundosdascaldeirase

dastachastêmnecessidadedeserefazerem,eseosassentosdelas

pedemnovoemaisfirmeconserto.

Asoldadadomestredeaçúcarnosengenhosquefazemquatro

ou cinco mil pães, particularmente se ele visita também a casa

depurgar,édecentoetrintamil-réis;emoutrosdão-lhesócem

mil-réis.Aobanqueiro,nosmaiores,quarentamil-réis;nosmeno-

res,trintamil-réis.Aosoto-banqueiro(quecomumenteéalgum

mulatooucriouloescravodecasa)dá-setambémnofimdasafra

algummimo,seserviucomsatisfaçãonoseuofício,paraquea

esperança deste limitado prêmio o alente suavemente para o

trabalho.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o36

viido purgador de açúcar

A o purgador do açúcar pertence ver o barro que vem

paraojirauasecar-sesobreocinzeiro,seéqualdeveser,

comosediráemseulugar;olharparaoamassador,seandacomo

deve,comorodonococho,furarospãesnasfôrmaselevantá-las.

Conhecerquandooaçúcarestáenxutoequandoétempodelhe

botar o primeiro barro; e como este se há de estender e quanto

temposehádedeixar,antesdelhebotarosegundo;comoselhe

hãodedarasumidadesoulavagensequantasselhehãodedar;

equaissãoossinaisdepurgarounãopurgarbemoaçúcar,con-

formeasdiversasqualidadesetêmperas.Aeletambémpertence

tercuidadodosmeles,ajuntá-los,cozê-losefazerdelesbatidos,ou

guardá-losparafazeraguardente.Deve,juntamente,usardetoda

adiligênciaparaquenãosesujemostanquesdomel,edealguma

indústriaparaafugentaraosmorcegosquecomumentesãoapra-

gaquasedetodasascasasdepurgar.

Ao purgador de quatro mil pães de açúcar, dá-se soldada de

cinquenta mil-réis. Aos que têm menos trabalho dá-se também

menos,comadevidaproporção.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 37

viiido caixeiro do engenho

O queaquisediránãopertenceaocaixeirodacidade,

porqueestetratasódereceberoaçúcar,jáencaixado,

de o mandar ao trapiche, de o vender ou embarcar, conforme

o senhor do engenho o ordenar, e tem livro da razão de dar e

haver,ajustaascontaseservedeagente,contador,procurador

edepositáriodeseuamo,aoqual,sealidaégrande,dá-sesolda-

dadequarentaoucinquentamil-réis.Faloaquidocaixeiroque

encaixaoaçúcar,depoisdepurgado.Esuaobrigaçãoémandar

tiraroaçúcardasfôrmas,estandojápurgadoeenxuto,emdias

clarosedesol;assistirquandosemascavaequandosebeneficia

no balcão de secar, partindo-o, quebrando-o como se dirá em

seulugar.Eleéquepesaoaçúcarequeorepartecomfidelidade

entreoslavradoreseosenhordoengenho;etiraodízimoque

sedeveaDeuseavintenaouquintoquepagamosquelavram

emterrasdoengenho,conformeoconcertofeitonosarrenda-

mentoseoestiloordináriodaterra,oqualemvárioslugaresé

diverso; e tudo assenta, para dar conta exatamente de tudo. A

eletambémpertencelevantarascaixasemandá-lasbarrearnos

cantos,encaixaremandarpilaroaçúcarcomadivisãobranco

macho,dobatidoemascavo;fazerascaraseosfechos,quando

assimlhoencomendaremosdonosdoaçúcare,finalmente,pre-

garemarcarascaixaseguardaroaçúcarquesobejouparaseus

donosemlugarseguroenãoúmido,eosinstrumentosdeque

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o38

usa.Entregaascaixas,quandosehãodeembarcar,comordem

dequemasrecadaoucomodonodelas,ouporqueasalcançou

por justiça, como muitas vezes acontece, fazendo os credores

penhora do açúcar dos devedores, antes que saia do engenho;

edetudopediráreciboeclareza,parapodercontadesiaquem

lhapedir.

A soldada do caixeiro nos engenhos maiores é de quarenta

mil-réis;esefeitorizaalgumapartedodiaoudenoite,dão-se-

-lhecinquentamil-réis;nosmenores,dãotrintamil.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 39

ixcomo se há de haver o senhor do engenho

com seus escravos

O sescravossãoasmãoseospésdosenhordoengenho,

porquesemelesnoBrasilnãoépossívelfazer,conser-

var e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente. E do modo

comosehácomeles,dependetê-losbonsoumausparaoserviço.

Porisso,énecessáriocomprarcadaanoalgumaspeçasereparti-

-laspelospartidos,roças,serrariasebarcas.Eporquecomumente

sãodenaçõesdiversas,eunsmaisboçaisqueoutrosedeforças

muitodiferentes,sehádefazerarepartiçãocomreparoeescolha,

enãoàscegas.OsquevêmparaoBrasilsãoardas,minas,congos,

deSãoTomé,deAngola,deCaboVerdeealgunsdeMoçambique,

quevêmnasnausdaÍndia.Osardaseosminassãorobustos.Osde

CaboVerdeedeSãoTomésãomaisfracos.OsdeAngola,criados

emLuanda,sãomaiscapazesdeaprenderofíciosmecânicosque

osdasoutraspartes jánomeadas.Entreoscongos,hátambém

algunsbastantesindustriososebonsnãosomenteparaoserviço

dacana,masparaasoficinaseparaomeneiodacasa.

UnschegamaoBrasilmuitorudesemuitofechadoseassim

continuamportodaavida.Outrosempoucosanossaemladinos

e espertos, assim para aprenderem a doutrina cristã como para

buscaremmododepassaravidaeparaselhesencomendarum

barco, para levarem recados e fazerem qualquer diligência das

que costumam ordinariamente ocorrer. As mulheres usam de

foiceedeenxada,comooshomens;porém,nosmatos,somente

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o40

os escravos usam de machado. Dos ladinos, se faz escolha para

caldeireiros, carapinas, calafates, tacheiros, barqueiros e mari-

nheiros, porque estas ocupações querem maior advertência. Os

que desde novatos se meteram em alguma fazenda, não é bem

quesetiremdelacontrasuavontade,porquefacilmenteseamo-

finamemorrem.OsquenasceramnoBrasil,ousecriaramdesde

pequenosemcasadosbrancos,afeiçoando-seaseussenhores,dão

boacontadesi;elevandobomcativeiro,qualquerdelesvalepor

quatroboçais.

Melhoresaindasão,paraqualquerofício,osmulatos;porém,

muitosdeles,usandomaldofavordossenhores,sãosoberbose

viciosos,eprezam-sedevalentes,aparelhadosparaqualquerde-

saforo.E,contudo,eleseelasdamesmacor,ordinariamente le-

vamnoBrasilamelhorsorte;porque,comaquelapartedesangue

debrancosquetêmnasveiase,talvez,dosseusmesmossenhores,

osenfeitiçamdetalmaneira,quealgunstudolhessofrem,tudo

lhesperdoam;eparecequesenãoatrevemarepreendê-los:antes,

todososmimossãoseus.Enãoéfácilcoisadecidirsenestaparte

sãomaisremissosossenhoresouassenhoras,poisnãofaltaen-

treeleseelasquemsedeixegovernardemulatos,quenãosãoos

melhores,paraqueseverifiqueoprovérbioquediz:queoBrasilé

infernodosnegros,purgatóriodosbrancoseparaísodosmulatos

edasmulatas;salvoquandoporalgumadesconfiançaouciúme

oamorsemudaemódioesaiarmadodetodoogênerodecruel-

dadeerigor.Bomévaler-sedesuashabilidadesquandoquiserem

usarbemdelas,comoassimofazemalguns;porémnãoselheshá

dedartantoamãoquepeguemnobraço,edeescravossefaçam

senhores.Forrarmulatasdesinquietaséperdiçãomanifesta,por-

queodinheiroquedãoparaselivraremrarasvezessaideoutras

minasquedosseusmesmocorpos,comrepetidospecados;e,de-

poisdeforras,continuamaserruínademuitos.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 41

Opõem-se alguns senhores aos casamentos dos escravos e

escravas,enãosomentenãofazemcasodosseusamancebamen-

tos, mas quase claramente os consentem, e lhes dão princípio,

dizendo:Tu, fulano,aseutempo,casaráscomfulana;edaípor

dianteosdeixamconversarentresicomosejáfossemrecebidos

pormaridoemulher;edizemqueosnãocasamporquetemem

que, enfadando-se do casamento, se matem logo com peçonha

oucomfeitiços,não faltandoentreelesmestres insignesnesta

arte.Outros,depoisdeestaremcasadososescravos,osapartam

detalsorte,poranos,queficamcomosefossemsolteiros,oque

nãopodemfazeremconsciência.Outrossãotãopoucocuidado-

sosdoquepertenceàsalvaçãodosseusescravosqueostêmpor

muito tempo no canavial ou no engenho, sem batismo; e, dos

batizados,muitosnãosabemqueméoseuCriador,oquehãode

crer,queleihãodeguardar,comosehãodeencomendaraDeus,

aquevãooscristãosàigreja,porqueadoramahóstiaconsagra-

da, que vão a dizer ao padre, quando ajoelham e lhe falam aos

ouvidos,setêmalma,eseelamorre,eparaondevai,quandose

apartadocorpo.E,sabendologoosmaisboçaiscomosechama

e que é seu senhor, quantas covas de mandioca hão de plantar

cadadia,quantasmãosdecanahãodecortar,quantasmedidas

delenhahãodedar,eoutrascoisaspertencentesaoserviçoordi-

náriodeseusenhor,esabendotambémpedir-lheperdão,quan-

doerrarameencomendar-se-lheparaqueosnãocastigue,com

prometimentodeemenda,dizemossenhoresqueestesnãosão

capazesdeaprenderaconfessar-se,nemdepedirperdãoaDeus,

nemderezarpelascontas,nemdesaberosdezmandamentos;

tudoporfaltadeensino,epornãoconsideraremacontagrande

quede tudo istohãodedaraDeus,pois (comodizSãoPaulo),

sendo cristãos e descuidando-se dos seus escravos, se hão com

elespiordoquesefosseminfiéis.Nemosobrigamosdiassantos

aouvirmissa,antestalvezseocupamdesortequenãotêmlugar

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o42

paraisso;nemencomendamaocapelãodoutriná-los,dando-lhes

porestetrabalho,sefornecessário,maiorestipêndio.

Oquepertenceaosustento,vestidoemoderaçãodotrabalho,

claroestá,queselhesnãodevenegar,porqueaquemoservedeve

osenhor,dejustiça,darsuficientealimento,mezinhasnadoença

emodocomquedecentementesecubraevista,comopedeoesta-

dodoservo,enãoaparecendoquasenupelasruas;edevetambém

moderaroserviçodesortequenãosejasuperioràsforçasdosque

trabalham,sequerquepossamaturar.NoBrasil,costumamdizer

que para o escravo são necessários três PPP, a saber, pau, pão e

pano.E,postoquecomecemmal,principiandopelocastigoque

é o pau, contudo, provera a Deus que tão abundantes fossem o

comereovestircomomuitasvezeséocastigo,dadoporqualquer

causapoucoprovada,oulevantada;ecominstrumentosdemuito

rigor,aindaquandooscrimessãocertos,dequesenãousacom

osbrutosanimais,fazendoalgumsenhormaiscasodeumcavalo

quedemeiadúziadeescravos,poisocavaloéservido,etemquem

lhebusquecapim,tempanoparaosuor,eselaefreiodourado.

Dosescravosnovossehátermaiorcuidado,porqueaindanão

têmmododeviver,comoosquetratamdeplantarsuasroças;

eosqueastêmporsuaindústria,nãoconvémquesejamsóre-

conhecidosporescravosnarepartiçãodotrabalhoeesquecidos

nadoençaenafarda.OsdomingosediassantosdeDeus,elesos

recebem, e quando seu senhor lhos tira e os obriga a trabalhar,

comonosdiasdeserviço,seamofinamelherogammilpragas.

Costumam alguns senhores dar aos escravos um dia em cada

semana, para plantarem para si, mandando algumas vezes com

eles o feitor, para que se não descuidem; e isto serve para que

nãopadeçamfomenemcerquemcadadiaacasadeseusenhor,

pedindo-lhearaçãodefarinha.Porém,nãolhesdarfarinha,nem

diaparaaplantarem,equererquesirvamdesola solnoparti-

do,dedia,edenoitecompoucodescansonoengenho,comose

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 43

admitiránotribunaldeDeussemcastigo?Seonegaraesmola

aquemcomgravenecessidadeapedeénegá-laaCristoSenhor

nosso,comoEleodiznoEvangelho,queseránegarosustentoe

ovestidoaoseuescravo?Equerazãodarádesiquemdáserafina

esedaeoutrasgalas,asquesãoocasiãodasuaperdição,edepois

negaquatrooucincovarasdealgodãoeoutraspoucasdepano

da serra, a quem se derrete em suor para o servir e apenas tem

tempoparabuscarumaraizeumcaranguejoparacomer?Ese,

emcimadisto,ocastigoforfrequenteeexcessivo,ouseirãoem-

bora,fugindoparaomato,ousematarãopersi,comocostumam,

tomando a respiração ou enforcando-se, ou procurarão tirar a

vidaaosquelhadãotãomá,recorrendo(sefornecessário)aartes

diabólicas,ouchamarãodetalsorteaDeus,queosouviráefará

aossenhoresoquejáfezaosegípcios,quandoavexavamcomex-

traordináriotrabalhoaoshebreus,mandandoaspragasterríveis

contrasuas fazendasefilhos,quese leemnaSagradaEscritura,

oupermitiráque,assimcomooshebreusforamlevadoscativos

paraaBabilônia,empenadodurocativeiroquedavamaosseus

escravos,assimalgumcruelinimigoleveessessenhoresparasuas

terras,paraquenelasexperimentemquãopenosaéavidaqueeles

deramedãocontinuamenteaosseusescravos.

Não castigar os excessos que eles cometem seria culpa não

leve, porém estes se hão de averiguar antes, para não castigar

inocentes,esehãodeouvirosdelatadose,convencidos,castigar-

-se-ãocomacoitesmoderadosoucomosmeteremumacorrente

deferroporalgumtempooutronco.Castigarcomímpeto,com

ânimovingativo,pormãoprópriaecominstrumentosterríveise

chegartalvezaospobrescomfogooulacreardente,oumarcá-

-losnacara,nãoseriaparasesofrerentrebárbaros,muitomenos

entrecristãoscatólicos.Ocertoéque,seosenhorsehouvercom

osescravoscomopai,dando-lhesonecessárioparaosustentoe

vestido,ealgumdescansonotrabalho,sepoderátambémdepois

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o44

haver como senhor, e não estranharão, sendo convencidos das

culpasquecometeram,dereceberemcommisericórdiaojustoe

merecidocastigo.Ese,depoisdeerraremcomofracos,vierempor

simesmosapedirperdãoaosenhoroubuscarempadrinhosque

osacompanhem,emtalcasoécostume,noBrasil,perdoar-lhes.

Ebeméquesaibamqueistolheshádevaler,porque,deoutra

sorte,fugirãoporumavezparaalgummocambonomato,ese

foremapanhadospoderáserquesematemasimesmos,antes

queosenhorchegueaaçoitá-losouquealgumseuparentetome

àsuacontaavingança,oucomfeitiço,oucomveneno.

Negar-lhestotalmenteosseusfolguedos,quesãooúnicoalí-

viodoseucativeiro,équerê-losdesconsoladosemelancólicos,de

poucavidaesaúde.Portanto,nãolhesestranhemossenhoreso

criaremseusreis,cantarebailarporalgumashorashonestamen-

teemalgunsdiasdoano,eoalegrarem-seinocentementeàtarde

depoisdeteremfeitopelamanhãsuasfestasdeNossaSenhorado

Rosário,deSãoBeneditoedooráculodacapeladoengenho,sem

gastodosescravos,acudindoosenhorcomsualiberalidadeaos

juízes e dando-lhes algum prêmio do seu continuado trabalho.

Porqueseos juízese juízasda festahouveremdegastardoseu,

serácausademuitosinconvenienteseofensasaDeus,porserem

poucososqueopodemlicitamenteajuntar.

Oquesehádeevitarnosengenhoséoemborracharem-secom

garapa azeda, ou aguardente, bastando conceder-lhes a garapa

doce,quelhesnãofazdano,ecomelafazemseusresgatescomos

queatrocolhesdãofarinha,feijões,aipinsebatatas.

Verqueossenhorestêmcuidadodedaralgumacoisadossobe-

josdamesaaosseusfilhospequenosacausadequeosescravosos

sirvamdeboavontadeequesealegremdelhesmultiplicarservos

eservas.Pelocontrário,algumasescravasprocuramdepropósito

aborto, só para que não cheguem os filhos de suas entranhas a

padeceroqueelaspadecem.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 45

xcomo se há de haver o senhor do engenho

no governo da sua família e nos gastos ordinários de casa

P edindoafábricadoengenhotantosetãograndesgastos

quantosacima dissemos,bemsevê aparcimôniaqueé

necessárianosparticularesdecasa.Cavalosderespeitomaisdos

que bastam, charameleiros, trombeteiros, tangedores e lacaios

mimosos não servem para ajuntar fazenda, para diminuí-la em

pouco tempo com obrigações e empenhos. E muito menos ser-

vemasrecreaçõesamiudadas,osconvitessupérfluos,asgalas,as

serpentinaseojogo.E,porestecaminho,algunsempoucosanos

doestadodesenhoresricoschegaramaodepobresearrastados

lavradores,semteremquedardedoteàsfilhas,nemmodopara

encaminharhonestamenteaosfilhos.

Mau é ter nome de avarento, mas não é glória digna de lou-

vor o ser pródigo. Quem se resolve a lidar com engenho, ou se

háderetirardacidade,fugindodasocupaçõesdarepública,que

obrigamadivertir-se,ouhádeteratualmenteduascasasabertas,

comnotávelprejuízoondequerquefalteasuaassistência,ecom

dobradadespesa.Terosfilhossempreconsigonoengenhoécriá-

-los tabaréus, que nas conversações não saberão falar de outra

coisamaisquedocão,docavaloedoboi.Deixá-lossósnacidade

édar-lhesliberdadeparasefazeremlogoviciososeencherem-se

devergonhosasdoenças,quesenãopodemfacilmentecurar.Para

evitar,pois,umeoutroextremo,omelhorconselhoserápô-los

emcasadealgumparenteouamigograveehonrado,ondenão

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o46

hajaocasiõesdetropeçar,oqualfolguededarboacontadesi,e

comtodaafidelidadeavisedobomoumauprocedimentoedo

proveitoounegligêncianoestudo.Nemconsintaqueamãelhes

remetadinheirooumandesecretamenteordensparaissoaoseu

correspondenteouaocaixeiro,nemcreiaqueoquepedempara

livrosnãopossasertambémparajogos.E,porisso,aviseaoprocu-

radoreaomercadordequemsevalequelhesnãodêcoisaalguma

semsuaordem.Porque,parapedirem,serãomuitoespeculativos

esaberãocogitarrazõesepretextosverossímeis,principalmente

seforemdosquejáandamnocursoetêmvontadedelevartrês

anosdeboavidaàcustadopaioudotio,quenãosabemoquese

passa nacidade,estandonosseuscanaviais,equandose jactam

nas conversações de ter um Aristóteles nos pátios, pode ser que

tenhamnapraçaumAsínioouumAprício.Porém,seseresolvera

terosfilhosemcasa,contentando-secomquesaibamler,escrever

econtareteralgumatalqualnotíciadesucessosehistórias,para

falarementregente,nãosedescuidedevigiarsobreeles,quando

aidadeopedir,porquetambémocampolargoélugardemuitali-

berdadeepodedarabrolhoseespinhos.Esesefazcercadoaosbois

eaoscavalos,paraquenãovãoforadopasto,porquesenãoporá

tambémalgumlimiteaosfilhos,assimdentrocomoforadecasa,

mostrando a experiência ser assim necessário? Contando que a

circunspecçãosejaprudente,eademasianãoacrescentemalícia.

Omelhorensino,porém,éoexemplodobomprocedimentodos

pais,eodescansomaisseguroédaraseutempoestadoassimàs

filhascomoaosfilhos;esesecontentaremcomaigualdade,não

faltarãocasasondesepossamfazertrocasereceberrecompensas.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 47

xicomo se há de haver o senhor do engenho

no recebimento dos hóspedes, assim religiosos como seculares

A hospitalidade é uma ação cortês, e, também, virtude

cristã,enoBrasilmuitoexercitadaelouvada;porque,

faltando fora da cidade as estalagens, vão necessariamente os

passageirosadarconsigonosengenhos,etodosordinariamente

achamdegraçaoqueemoutrasterrascustadinheiro;assimos

religiososquebuscamsuasesmolas,quenãosãopoucos,eosmis-

sionáriosquevãopeloRecôncavoepelaterradentrocomgrande

proveitodasalmas,aexercitarseusministérios,comoossecula-

resque,oupornecessidade,ouporconhecimentoparticular,ou

porparentes,buscamdecaminhoagasalho.

Tercasaseparadaparahóspedeségrandeacerto,porqueme-

lhorserecebemecommenorestorvodafamíliaesemprejuízo

dorecolhimentoquehãodeguardarasmulhereseasfilhaseas

moças de serviço interior, ocupadas no aparelho do jantar e da

ceia.

Otratamentonãohádeexcederoestadodaspessoasquese

recebem,porquenodiscursodoanosãomuitas.Acriaçãomiúda,

oualgunspeixesdomarouriovizinho,comalgummariscodos

mangueseoquedáomesmoengenhoparadoce,bastaparaque

ninguém se possa queixar com razão. Avançar-se a mais (salvo

num caso particular por justos respeitos) é passar dos limites

e impossibilitar-se a poder continuar igualmente pelo tempo

futuro.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o48

Daresmolasédar juroaDeus,quepagacentoporum;mas,

emprimeiro lugar,estápagaroquesedevede justiça,edepois

estender-sepiamenteasesmolas,conformeocabedaleorendi-

mentodosanos.E,nestaparte,nuncasearrependeráosenhorde

engenho de ser esmoler e aprenderãoos filhos a imitar o pai; e

deixando-osinclinadosàsobrasdemisericórdia,osdeixarámuito

ricos,ecomriquezasseguras.

Paraosvadios,tenhaenxadasefoices,esesequiseremdeter

noengenho,mande-lhesdizerpelofeitorque,trabalhando,lhes

pagarãoseujornal.E,destasorte,ouseguirãoseucaminho,oude

vadiossefarãojornaleiros.

Tambémnãoconvémqueomestredoaçúcar,ocaixeiroeos

feitorestenhamemsuascasas,portemponotável,pessoasdaci-

dadeoudeoutraspartes,quevêmapassartempoociosamente;e

muitomaisseforemsolteirosemoços,porqueestesnãoservem

senão para estorvar aos mesmos oficiais que hão de atender ao

que lhes pertence, e para desinquietar as escravas do engenho,

quefacilmentesedeixamlevardoseupoucomoderadoapetitea

obrarmal.Eistoselhesdeveintimaraoprincípio,paraquenão

acarretematrásdesisobrinhosouprimos,quecomseusvícios

lhesdeempesadosdesgostos.

Osmissionários,quedesinteressadamentevãofazerseuofício,

devem ser recebidos com toda a boa vontade, para que, vendo

esquivanças,nãovenhamaentenderqueosenhordoengenho,

porpoucoafeiçoadoàscoisasdeDeus,oupormesquinho,oupor

outroqualquerrespeito,nãofolgacomamissão,naqualseajus-

tamasconsciênciascomDeus,sedáinstruçãoaosignorantes,se

atalhaminimizadeseocasiõesescandalosasdeanoseseprocura

quetodostratemdasalvaçãodesuasalmas.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 49

xiicomo se há de haver o senhor do engenho com os

mercadores e outros seus correspondentes na praça; e de alguns modos de vender e comprar

o açúcar, conforme o estilo do brasil

O créditodeumsenhordeengenhofunda-senasuaver-

dade,istoé,napontualidadeefidelidadeemguardar

aspromessas.E,assimcomoohãodeexperimentarfieloslavra-

doresnosdiasqueselhesdevemdarparamoerasuacana,ena

repartiçãodoaçúcarquelhescabe,osoficiaisnaspagasdassolda-

das,osquedãoalenhaparaasfornalhas,madeiraparaamoenda,

tijolosefôrmasparaacasadepurgar,tábuasparaencaixar,bois

ecavalosparaafábrica,assimtambémsehádeacreditarcomos

mercadoresecorrespondentesnapraça,quelhederamdinheiro,

paracomprarpeças,cobre,ferro,aço,enxárcias,breu,velaseou-

trasfazendasfiadas.Porque,seaoseutempodafrotanãopagarem

oquedevem,nãoterãocomqueseaparelhemparaasafravin-

doura,nemseacharáquemqueiradaroseudinheirooufazenda

nasmãosdequemlhanãohádepagar,outãotardeecomtanta

dificuldadequesearrisqueaquebrar.

Háanosemque,pelamuitamortalidadedosescravos,cavalos,

éguasebois,oupelopoucorendimentodacana,nãopodemos

senhoresdeengenhochegaradarasatisfaçãointeiradoquepro-

meteram.Porém,nãodandosequeralgumaparte,nãomerecem

alcançar as esperas que pedem, principalmente quando se sabe

quetiveramparadesperdiçareparajogaroquedeviamguardar

parapagaraosseuscredores.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o50

Nosoutrosanosderendimentossuficiente,ecomperdasmo-deradas,ousemelas,nãohárazãoparafaltaraosmercadoresoucomissários,quenegociamporseusamos,aosquaisdevemdarcontadesie,por isso,nãoémuitoparaseestranharse,experi-mentandofaltar-seportantotempoàpalavracomlucroverda-deiramentecessanteedanoemergente,levantamcomjustamo-deraçãoopreçoda fazenda,quevendemfiada,equeDeussabequandopoderãoarrecadar.

Comprar antecipadamente o açúcar por dois cruzados, v. g.,que a seu tempo comumente vale doze tostões e mais, tem suadificuldade,porqueocompradorestásegurodeganhar,eovende-dorémoralmentecertoquehádeperder,particularmentequan-dooquedáodinheiroantecipadonãoohaviadeempregaremoutracoisa,antesdotempodeoembarcarparaoReino.

Quemcompraouvendeantecipadamentepelopreçoqueva-leráoaçúcarnotempodafrotafazcontratojusto,porqueassimocomprador,comoovendedor,estãoigualmentearriscados.Eistoseentendepelomaiorpreçogeralqueentãooaçúcarvaler,enãopelo preço particular, em que algum se acomodar, obrigado danecessidadedevendê-lo.

Comprarapagamentosédarlogodecontadoalgumapartedopreço,edepoispagarporquartéis,outantoporcadaano,confor-meoconcerto,atéseinteirardetudo.Epoderápôr-seapenadetantoscruzadosmais,sesefaltaraalgumpagamento,masnãosepoderápretenderquesepaguejurodosjurosvencidos,porqueojurosósepagadoprincipal.

Quem diz: vendo o açúcar cativo quer dizer: vendo-o comobrigaçãodeocompradorpagartodasascustas, tirandoostrêstostõesquesepagamnaBahia,porqueestescorremporcontadequemocarrega.

Venderoaçúcarlivreadeztostões,v. g.,porcadaarroba,querdizer:queocompradorhádedaraovendedordeztostõesporcadaarroba,ehádefazertodososgastosàsuacusta.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 51

Quemcomprouoaçúcarcativoeodespachouovendedepois

livre,eocompradorfazosgastosqueseseguem.

Comprar o açúcar por cabeças quer dizer: comprar as caixas

deaçúcarpelonúmerodasarrobasquetemnamarca,commeia

arrobamenosdequebra.

Quandosepesaumacaixadeaçúcarparapagarosdireitos,se

o pesador pesa favorável diz, v. g., que a caixa de trinta arrobas

temvinteeoito.Eisto,El-Reiosofre,econsente,defavor.Porém,

essacaixanãosevendeporessepeso,maspeloquenaverdadese

acharquandovaiapesar-senabalançaforadaalfândega,queaí

está,parasetirartodaadúvida.

Venderas terraspormenosdoquevalem,comobrigaçãode

semoeracanaquenelasseplantar,noengenhodovendedor,é

contratolícitoejusto.

Comprarumsenhordeengenhoaumlavrador,quetemcana

livreparaamoerondequiser,aobrigaçãodeamoernoseuenge-

nho,enquantolhenãorestituirodinheiroqueparaissolhedeu

quandocomprouaditaobrigação,pratica-senoBrasilmuitasve-

zes,eosletradosodefendemporcontratojusto,porqueistonão

édardinheiroemprestadocomobrigaçãodemoer,masécom-

praraobrigaçãodemoernoseuengenhoparaganharametade

doaçúcar,ficandoaportaabertaaolavradorparaselivrardessa

obrigação todas as vezes que tornar a entregar ao comprador o

dinheiroquerecebeu.

LIVRO II

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 53

ida escolha da terra para plantar

canas-de-açúcar e para os mantimentos necessários e provimento do engenho

A sterrasboasoumássãoofundamentoprincipalpara

terumengenhorealbomoumaurendimento.Asque

chamammassapés,terrasnegrasefortes,sãoasmaisexcelentes

para a planta da cana. Seguem-se, atrás destas, os salões, terra

vermelha, capaz de poucos cortes, porque logo enfraquece. As

areíscas,quesãoumamisturadeareiaesalões,servemparaman-

diocaelegumes,masnãoparacanas.Eomesmodigodasterras

brancas,quechamamterrasdeareia,comosãoasdoCamamue

daSaubara.

Aterraqueseescolheparaopastoaoredordoengenhoháde

teráguaehádesercercada,oucomplantasvivas,comosãoas

depinhões,oucomestacasevarasdomato.Omelhorpastoéo

quetemmuitagrama,parteemouteiroeparteemvárzea,porque,

desta sorte, em todo o tempo, ou em uma ou em outra parte,

assimosboiscomoasbestasacharãoquecomer.Opastoseháde

conservarlimpodeoutraservas,quematamagrama,enotempo

doinvernosehãodebotarforadeleosporcos,porqueodestroem

fossando. Nele há de haver um ou dois currais, onde se metam

osboisparacomeremosolhosdacanaeparaestarempertodo

serviçodoscarros.Etambémasbestasserecolhemnoseucurral,

paraasnãohaverdebuscarespalhadas.

Andamnopasto,alémdaséguasebois,ovelhasecabras;eao

redor do engenho a criação miúda, como são perus, galinhas e

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o54

patos,quesãooremédiomaisprontoparaagasalharoshóspedes

quevêmdeimproviso.Mas,porqueasovelhaseoscavalosche-

gammuitocomodenteàraizdagrama,sãodeprejuízoaopasto

dosbois,eporissoseodestesfossediversoseriamelhor.

Osmatosdãoasmadeirasealenhaparaasfornalhas.Osman-

guesdãocaibrosemarisco.Eosapicus(quesãoascoroasquefaz

omarentresieaterrafirmeeascobredemaré)dãoobarro,para

purgaroaçúcarnasfôrmaseparaaolaria,quenaopiniãodeal-

gunssenãoescusanosengenhosreais.

Detodasestascastasde terras temnecessidadeumengenho

real,porqueumasservemparacanas,outrasparamantimentoda

genteeoutrasparaoaparelhoeprovimentodoengenho,alémdo

queseprocuradoreino.Porém,nemtodososengenhospodem

terestadita;antes,nenhumseacharáaquemnãofaltealguma

destascoisas.Porque,aosqueestãoàbeira-mar,comumentefal-

tamasroçasea lenha,eaosqueestãopela terradentro faltam

outras muitas conveniências que têm os que estão à beira-mar,

noRecôncavo.Contudo,deterounãoterosenhordoengenho

cabedalegente,feitoresfiéisedeexperiência,boisebestas,barcos

ecarros,dependeomenearegovernarbemoumaloseuenge-

nho.E,senãotivergenteparatrabalharebeneficiarasterrasaseu

tempo,seráomesmoquetermatobravocompoucoounenhum

rendimento,assimcomonãobastaparaavidapolíticaterbom

natural,senãohouvermestrequecomoensinotratedeoperfei-

çoar,ajudando-o.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 55

iida planta e limpas das canas e da diversidade

que há nelas

F eitaaescolhadamelhorterraparaacana,roça-se,quei-

ma-seelimpa-se,tirando-lhetudooquepodiaservirde

embaraço, e logo abre-se em regos, altos palmo e meio e largos

dois,comseucamalhãonomeio,paraquenascendoacananão

seabafe;enestesregosouseplantamosolhosempé,ousedeitam

ascanasempedaços, trêsouquatropalmoscompridos;ese for

canapequena,deita-setambéminteira,umajuntoàoutra,ponta

compé:cobrem-secomaterramoderadamente.E,depoisdepou-

cosdias,brotandopelosolhos,começampoucoapoucoamostrar

suaverduraàflordaterra,pegandofacilmenteecrescendomais,

oumenos,conformeaqualidadedaterraouofavoroucontrarie-

dadedostempos.Mas,seforemmuitojuntas,ousenalimpalhes

chegaremmuitoaterra,nãopoderãofilhar,comoébem.

Aplantadacana,noslugaresaltosdaBahia,começadesdeas

primeiraságuasnofimdefevereiroounosprincípiosdemarço

esecontinuaatéofimdemaio;enasbaixasevárzeas(quesão

mais frescas e úmidas), planta-se também nos meses de julho e

agosto,eporalgunsdiasdesetembro.Todaacanaquenãoforseca

ouviciada,nemdecanudosmuitopequenos,serveparaplantar.

Deseraterranovaeforte,segue-seocrescernelaacanamuito

viçosa,eaestachamamcanabrava,aqual,aprimeiraesegunda

vez que se corta, não costuma fazer bom açúcar, por ser muito

aguacenta. Porém, daí por diante, depois de esbravejar a terra,

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o56

aindaquecresçaextraordinariamente,étãoboanorendimento

comoformosanaaparência;edestas,àsvezesseachamalgumas

altassete,oitoenovepalmos,etãobempostasnocanavialcomo

oscapitãesnosexércitos.

Amelhorcanaéadecanudocompridoelimpo,easquetêm

canudospequenosebarbadossãoaspiores.Nasceoteremcanu-

dospequenos,oudaseca,oudofrio,porqueumaeoutracoisaas

apertam,eoterembarbasprocededelhesfaltaremcomalguma

limpa,aseutempo.Começa-seaalimparacana,tantoquetiver

mondaouervadetirar.Noinverno,aervaquesetiratornalogo

anascer,easlimpasmaisnecessáriassãoaquelasprimeirasque

se fazemparaqueacanapossacrescereocapimnãoaafogue,

porque, depois de crescidas, vencem melhor as ervas menores.

Eassimvemosqueosprimeirosvíciossãoosquebotamaper-

derumbomnatural.Ascanasqueseplantamnosouteirossão

ordinariamentemaislimpasqueasqueseplantamnasvárzeas,

porqueassimcomoocorreraáguadoouteiroécausaquesenão

criemneletãofacilmenteoutraservas,assimoajuntar-seelana

várzeaécausadeseterestasempremuitoúmidae,conseguinte-

mente,muitodispostaparacriardenovoocapim.

Porisso,emumasterrasàsvezesnãobastamtrêslimpaseem

outrao lavrador,comasegundadescansa,conformeos tempos

maisoumenoschuvosos.Assimcomoháfilhos tãodóceisque

comaprimeiraadmoestaçãoseemendameparaoutrosnãobas-

tamrepetidoscastigos.

Assocas também(quesãoasraízesdascanascortadasaseu

tempo ou queimadas por velhas ou por caídas de sorte que se

nãopossamcortar,oupordesastre)servemparaplantaporque,

senãomorrerempelomuitofrio,oupelamuitaseca,chegando-

-lhesaterra,tornamabrotarepodemdestasorterenovaraocana-

vialporcincoouseisanosemais.Tantovaleaindústriaparatirar

proveito,aindadoquepareceriainútilesedeixariaporperdido.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 57

Verdadeéque,descansandoaterra,perdetambémasocaovigor,

edepoisdeseisouseteanosacanaseacanhaefacilmentesemur-

chaatéficarsecaeazougada.Epor issonãosehádepretender

da terra nem da soca mais do que pode dar, particularmente se

não for ajudada com algum benefício, e a advertência do bom

lavradorconsisteemplantardetalsortesucessivamenteacana

que,cortando-seavelhaparaamoenda,fiqueanovaempépara

asafravindoura,edestasortealimentecomasuaverduraaes-

perança do rendimento que se prepara, que é o prêmio do seu

continuadotrabalho.Plantarumatarefadecanaséomesmoque

plantarnoespaçodetrintabraçasdeterraemquadra.Finalmente,

porqueadiversidadedasterrasedosclimaspedediversacultura,

énecessárioinformar-seeseguiroconselhodosvelhos,aosquais

ensinarammuitootempoeaexperiência,perguntandoemtudo

oqueseduvidar,paraobrarcomacerto.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o58

iiidos inimigos da cana, enquanto está no canavial

A sinclemênciasdocéusãooprincipalinimigoquetêm

ascanas,assimcomoosoutrosfrutosenovidadesda

terra,querendoDeus,commuitarazão,quesearmemcontranós

oselementos,porcastigodasnossasculpas,ouparaoexercícioda

paciênciaouparaquenoslembremosqueEleéoautordetodas

ascoisas,eaElerecorramosemsemelhantesapertos.

Os canaviais nos outeiros resistem mais às chuvas quando

sãodemasiadas,porémsãoosprimeirosaqueixar-sedaseca.Pelo

contrário,asvárzeasnãosentemtãodepressaaforçadoexcessivo

calor,masnaabundânciadaságuaschoramprimeirosuasperdas.

AcanadaBahiaqueráguanosmesesdeoutubro,novembroede-

zembroeparaaplantanovaemfevereiro,equertambém,suces-

sivamente,sol,oqualcomumentenãofalta;assimnãofaltassem

nossobreditosmesesaschuvas.Porém,oinimigomaismolestoe

maiscontínuoedomésticodacanaéocapim,pois,maisoume-

nosatéofim,apersegue.E,por isso, tendooplantareocortar

seus tempos certos, o limpar obriga os escravos dos lavradores

a iremsemprecomaenxadanamão;eacabadaqualqueroutra

ocupaçãoforadocanavial,nuncasemandamdebaldeaalimpar.

Exercício que deveria ser também contínuo nos que tratam da

boacriaçãodosfilhosedaculturadoânimo.E,aindaquesóeste

inimigobastepormuitos,nãofaltamoutrosdenãomenoresen-

fado e moléstia. As cabras, tanto que a cana começa a aparecer

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 59

foradaterra,logoavãoinvestir;osboiseoscavalos,aoprincípio,

lhecomemosolhosedepoisaderrubameapisam;osratoseos

porcosaroem;osladrõesafurtamafeixes,nempassarapazou

caminhantequesenãoqueirafartaredesenfadaràcustadequem

aplantou.E,postoqueoslavradoresseacomodemdequalquer

modoasofrerosfurtospequenosdosfrutosdoseusuor,veem-se

àsvezesobrigados,deumajustador,amatarporcos,cabrasebois,

queoutrosnãotratamdedivertireguardarnospastoscercados,

ouempartemaisremotaainda,depoisderogadoseavisadosque

ponhamcobroaestedano;dondeseseguemqueixas,inimizades

e ódios, que se rematam com mortes ou com sanguinolentas e

afrontosasvinganças.Porisso,cadaqualtratededefenderosseus

canaviaisedeevitarocasiõesdeoutrossequeixaremjustamente

do seu muito descuido, medindo os danos alheios com o senti-

mentodospróprios.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o60

ivdo corte da cana e sua condução para o engenho

C omeçandooengenhoamoer(oquenoRecôncavoda

Bahia costuma ter seu princípio em agosto), começa

também o tempo de meter a foice na cana que disto é capaz; e

parabem,antesdesecortar,hádeestardezesseteoudezoitome-

sesnaterraedaípordiante,seamuitasecanãoaapertar,pode

seguramenteestarnamesmaterraseteouoitomeses.Tanto,pois,

queestiverdevez,semandarápôrnelaafoice,tendojácertoo

diaemquesehádemoer,paraquenãofiquedepoisdecortadaa

murchar-senoengenho,ousenãoseque,expostaaosolnoporto,

seestefordistantedamoenda;preferindoolavradorque,avisado,

trouxeprimeiroacanaparaoengenho,atéseacabarinteiramen-

teasuatarefa,eperdendoovagarosoolugarquelhecabia,sepor

seudescuidodeixoupassarodiasinalado.Eosenhordoengenho

éoquereparteosdias,assimparamoerasuacana,comoadosla-

vradores,conformecabeacadaqualporseuturno,emandaaviso

pelofeitoraseutempo.

Quandosecortaacana,semetemdozeatédezoitofoicesno

canavial, conforme for a cana grande ou pequena. E a que se

mandaamoerdeumavezchama-seumatarefa,quevemaser

vinteequatrocarrosdecana,tendocadacarroajustamedidade

oitopalmosdealto,esetedelargo,capazdemaisoumenosfei-

xesdecana,conformeelaforgrandeoupequena,porquemenos

feixes de cana grande bastam para fazer a tarefa e mais hão de

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 61

sernecessáriosseforcanapequena,poisapequenaocupamenor

lugarassimnocarrocomonobarco,eagrandeocupaemumae

outrapartemaiorespaço,peloquetemdemaiorcomprimento

e grossura. Raro, porém, será o carro que traga mais de cento e

cinquentafeixesdecana,eossenhoresdospartidos,peloscortes

antecedentes, sabem muito bem quantas tarefas têm nos seus

canaviais.

Aprimeiracanaquesehádecortaréavelha,quenãopode

esperar,costumequenãoguardaamorte,cujafoicecortaindife-

rentementemoçosevelhos.Eesta,corte-seatempo,quesenão

façaprejuízoàsoca,conformeasterras,maisoumenosfrias,eos

diasdemaioroumenorcalor,esemchuva.Edistoprocedenão

sepodercortaracanaemumasterrasdepoisdofimdefevereiro,

eemoutrascortar-seaindaemmarçoeabril.Quantoaocorteda

cananova:seolavradorformuitoambicioso,edesejosodefazer

muitoaçúcar,cortarátudoemumasafra,eachar-se-ácompouco

ounadanaoutra.Porisso,ocortedanovahádetersuacontaese

hádeatentaraofuturo,conformeoquesetemplantado,usando

de uma repartição considerada e segura, que é o que ditam em

qualqueroutraobraounegócio,aboaeconomiaeprudência.

Assim, os escravos como as escravas se ocupam no corte da

cana;porém,comumenteosescravoscortameasescravasamar-

ramosfeixes.Constaofeixededozecanas,etemporobrigação

cadaescravocortarnumdiasetemãosdedezfeixesporcadadedo,

quesãotrezentosecinquentafeixes,eaescravahádeamarrarou-

trostantoscomosolhosdamesmacana;e,selhessobejartempo,

seráparaogastaremlivrementenoquequiserem.Oquenãose

concedenalimpadacana,cujotrabalhocomeçadesdeosolnas-

cidoatéosolposto,comotambémemqualqueroutraocupação

quesenãodáportarefa.Eocontaratarefadocorte,comoestá

dito,pormãosededos,éparaseacomodaràrudezadosescravos

boçais,quedeoutrasortenãoentendem,nemsabemcontar.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o62

Omododecortaréoseguinte:pega-secomamãoesquerdaem

tantascanasquantaspodeabarcar,ecomadireitaarmadadefoi-

ceselhetiraapalha,aqualdepoissequeimaoupelamadrugada,

oujádenoite,quando,acalmando,oventoderparaissolugar,e

serveparafazeraterramaisfértil;logo,levantandomaisacimaa

mãoesquerda,botam-seforacomafoiceosolhosdacana,eestes

dão-seaosboisacomer;e,ultimamente,tornandocomaesquerda

maisabaixo,corta-serenteaopé,equantoafoiceformaisrasteira

àterra,melhor.Quemsegueaoquecorta(quecomumenteéuma

escrava)ajuntaascanaslimpas,comoestádito,emfeixes,adoze

porfeixe,ecomosolhosdelaosvaiatando;e,assimatados,vão

noscarrosaoporto,ou,seoengenhoforpelaterradentro,chega

ocarroàmoenda.

A condução da cana por terra faz-se nos carros; e, para bem,

cadafazendahádeterdois,e,seforgrande,aindamais.Pormar,

vemnasbarcassemvela,comquatrovaras,queservememlugar

deremosnasmãosdeoutrostantosnegrosmarinheiroseoarrais,

quevaiaoleme;e,paraisso,hámisterduasbarcascapazes,como

as que chamam rodeiras. O lavrador tem obrigação de cortar a

canaedeaconduziràsuacustaatéoporto,ondeobarcodose-

nhordoengenhoarecebeelevadegraçaatéamoendapormar,

pondo-anoditobarcoosescravosdolavradorearrumando-ano

barcoosmarinheiros.Mas,seforengenhopelaterraadentro,toda

a condução por terra até a moenda corre por conta do dono da

cana,quersejalivrementedada,querobrigadaaoengenho.

Conduziracanaporterraemtempodechuvaselamaséque-

rermatarmuitosbois,particularmentesevieramdeoutraparte

magros e fracos, estranhando o pasto novo e o trabalho. O que

muito mais se há de advertir na condução das caixas, como se

diráemseulugar.Por isso,osbois,quevêmdosertãocansados

emaltratadosnocaminho,parabemnãosehãodepôrnocarro,

senãodepoisdeestarempelomenosanoemeionopastonovo,e

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 63

deseacostumarempoucoapoucoaotrabalhomaisleve,come-

çandopelotempodoverão,enãonodoinverno;deoutrasorte,

sucederáveroqueseviuemumdestesanospassados,emque

morreram,sóemumengenho,duzentoseonzebois,partenas

lamas,partenamoendaepartenopasto.Esemoendocomágua

eusandodebarcosparaaconduçãodacana,énecessárioterno

engenhoquatrooucincocarroscomdozeoucatorzejuntasde

boismuitofortes,quantoshaverámisterquemmóicombestas

eboisetemcanaprópriaparaseconduzirdelongeàmoenda?

Advirta-semuitonisso,parasecomprarematempoosboisetais

quais são necessários, dando antes oito mil-réis por um só boi

mansoeredondodoqueoutrotantopordoispequenosemagros,

quenãotêmforçasparaaturaremnotrabalho.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o64

vdo engenho ou casa de moer a cana, e como se move a moenda com água

A indaqueonomedeengenhocompreendatodooedi-

fício, com as oficinas e casas necessárias para moer a

cana,cozerepurgaroaçúcar,contudo,tomadomaisemparticu-

lar,omesmoédizercasadoengenhoquecasademoeracana,

comoartifícioqueengenhosamenteinventaram.Etendonósjá

chegadoaestacasacomacanaconduzidaparaamoenda,dare-

mosalgumanotíciadoqueelaéedoquenelaseobra,paraespre-

meroaçúcardacana,valendo-medoquevinoengenhorealde

SergipedoConde,queentretodososdaBahiaéomaisafamado.

Levanta-seàbordadoriosobredezessetegrandespilaresde

tijolo,largosquatropalmos,altosvinteedois,edistantesumdo

outroquinze,umaaltaeespaçosacasa,cujotetocobertodetelha

assentasobretirantes,frechaisevigasdepaus,quechamamde

lei,quesãodosmais fortesquehánoBrasil,aquemnenhuma

outraterralevanestapartevantagem,comduasvarandasaore-

dor:umapararecebercanaelenha,outraparaguardarmadeiras

usuaisdesobressalente.Eaestachamamcasadamoenda,capaz

derecebercomodamentequatrotarefasdecanasemperturbação

eembaraçodosquenecessariamentehãodelidarnaditacasa,e

dosqueporelapassam,sendocaminhoabertoparaqualquerou-

traoficina,eparticularmenteparaascasasimediatamentecon-

tíguasdasfornalhasedascaldeiras,contandodecomprimento

todoesteedifíciocentoenoventaetrêspalmoseoitentaeseisde

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 65

largo.Mói-senestacasaacanacomtalartifíciodeeixoserodas

quebemmereceparticularreflexãoemaisdistintanotícia.

Tomam para mover a moenda do rio acima, onde faz a sua

quedanatural,aquechamamlevada,quevemaserumaporção

bastantedeáguadoaçudeoutanque,queparaissotem,divertida

comrepresasdepedraetijolodoseucurso,elevadacomdeclina-

çãomoderadaporumregocapazefortenasmargens,paraque

aáguaváunidaemelhorseconserve,cobrandonadeclinação

cadavezmaiorímpetoeforça,comseusangradorparaadivertir,

sefornecessário,quandoporrazãodaschuvasoucheiasviesse

maisdoquesepretendeecomoutraaberturaparaduasbicas,

uma que leva água para a casa das caldeiras, e outra que vai a

refrescaroaguilhãodarodagrandedentrodamoenda,servindo-

-se,paraacomunicaraooutroaguilhão,deumatábua,eassim

vai a entrar no cano de pau, que chamam caliz, sustentado de

pilaresdetijoloenapartesuperiordescoberto,cujoextremoin-

clinadosobreoscubosdarodasechamaferidor,porqueporele

vaiaáguaaferirosditoscubos,dondeseoriginaecontinuaoseu

moto.Assentamosaguilhõesnoeixodestaroda,umapelaparte

deforaeoutropelapartededentrodacasadamoenda,sobreseus

chumaceirosdepau,comchapadebronze,eaestessustentam

duasvirgens,ouesteiosdefora,eduasdedentro,comseubrin-

quete,queéatravessaemqueosaguilhõesseencostam.E,sobre

estes, como dissemos, vai sempre caindo uma pequena porção

deágua,paraosrefrescar,desortequepelocontínuomotonão

ardam,temperando-secomaáguasuficientementeocalor.

Asaspasdarodalargaegrandesustentamosarcosoucírculos

dela,edentroaparecemoscubosoucovasfeitasnomeiodaroda

eunidosumaooutrocomofundofechadodoforrointeriorda

mesma roda entre os dois arcos dela, assegurados com muitas

cavilhasdeferro,ecomsuasarruelasechavetasmetidaseatra-

vessadas para enchavetar as pontas das cavilhas, causa de não

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o66

buliremosarcosnemoscubosaocairdaáguaedeirarodacom

suas voltas segura. Perto da roda, pela banda de fora, estão dois

esteios,altosegrossos,comtrês travessas,asseguradas também

de outra parte, uma das quais sustenta a extremidade do caliz,

duasaoferidoreoutraaopejadordoengenho.Éopejadoruma

tábua, pouco mais larga que a roda, de dez ou doze palmos de

comprimento, com suas bordas, semelhante a um grande tabu-

-leiro, debaixo do feridor, com uma cavilha chavetada, de sorte

quesepossajogarebulircomelasemresistênciae,porisso,se

fazoburacodacavilhabastantementelargo;enaparteinferior

tem,noladoquesevaiencostaràparededamoenda,umespigão

de ferro,preso tambémcomumaargolade ferro que, entrando

porumaaberturapeladitaparede,comsuamãooucabo,emo

qualseencavilhasobreumesteioquechamammourão,àma-

neiradeengonços,ficaàdisposiçãodequemestánamoendao

mandá-lopararouandarcomoquiser,empurrandooupuxando

pelopejador,oqual,pondo-sesobreoscubos,impedeaoferidor

odar-lheomotocomaquedadaágua;etornandoadescobrir

aoscubos,tornaamover-searodaecomarodaamoenda.Eisto

é muito necessário em qualquer desastre que pode acontecer,

paralheacudirdepressaeatalharosperigos.Echamamaesta

tábua pejador, porque também ao parar do engenho chamam

pejar;porventura,porsepejarumengenhorealdeserretardado

ouimpedido,aindaporuminstanteedenãosersempre,como

érazão,moenteecorrente.Eistoquantoàparteexteriordamo-

enda,dondeprincipiaoseumovimento.

Entrando,pois,nacasainterior,omodocomquesecomunica

o moto por suas partes à moenda é o seguinte. O eixo da roda

grandeque,comotemosdito,pelapartedeforasemetedentro

dacasadoengenho,temnoseuremateinterior,chegadoaonde

assenta o aguilhão sobre o brinquete e esteios, um rodete fixo

e armado de dentes, que o cerca; e este, virado ao redor pelo

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 67

caminho do dito eixo, apanha sucessivamente na volta que dá

comseusdentes,outrosdeoutrarodasuperior,tambémgrande,

quechamamvolandeira,porqueoseumododeandarcircular-

mentenoarsobreamoendaseparececomovoardeumpássaro,

quandodánoarseusrodeios.Osdentesdorodetequeeuvieram

trintaedois,eosdavolandeira,centoedoze.Eporqueasaspas

davolandeirapassampelopescoçodoeixograndedamoenda,

porelasselhecomunicaoimpulso,eeste,recebidododitoeixo

grande,cercadodeentrosasedentes,secomunicatambémadois

outros eixos menores que têm, de ambas as ilhargas, dentados

e abertos igualmente, com suas entrosas do mesmo modo que

temosditodogrande;ecomestesdenteseentrosassecausao

moto,comqueuniformementeoacompanham.

Asaspasdavolandeirasãooito,quatrosuperioresequatroinfe-

riores,easinferiorestêmsuascontra-aspas,paramaiorsegurança.

Ostrêseixosdamoendasãotrêspausredondosdecorpoesférico,

altonosmenoresiguaiscincopalmosemeio,enomaior,queéo

domeio,altoseispalmosetambémdeesferamaiorqueosoutros,

eporeleiçãoomelhor,porque,jogandocomosdois,quenasilhar-

gascontinuamenteoapertam,gasta-semaisqueosoutros,e,por

isso,porboaregra,osmenorestêmnovedenteseomaior,onze,e

sóeste(parafalarmoscomalínguadosoficiais)temseupescoçoe

cabeçaalta,conformeaalturadoengenho,e,comumente,aotodo

vemateroditoeixodozepalmosdealto,cujacabeçadedoispal-

mosemeio,maisdelgadaqueopescoço,entraporumpaufurado

quechamamporca,sustentadodeduasvigasdequarentaedois

palmos, as quais assentam sobre quatro esteios altos dezessete

palmos e grossos quatro, com suas travessas proporcionada-

mentedistantes.E,aindaqueosoutrosdoiseixosmenoresnão

têmpescoço,contudo,pelapartedecima,entramquantobasta

comsuapontaouaguilhão,porunspausfurados,quechamam

mesasougatos,comqueficamdireitosesegurosempé.Oscorpos

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o68

dostrêseixos,dametadeparabaixo,sãovestidosigualmentede

chapasdeferrounidasepregadascompregosfeitosparaestefim

comacabeçaquadradaebem-entrante,paraseigualaremcomas

chapas,debaixodasquaisoscorposdoseixossãotorneadoscom

tornosdepausdeleiparaquefiqueamadeiramaisduraemais

capazderesistiraocontínuoapertoquehádepadecernomoer.

Sobreaschapasapareceumcírculooufaixadepau,queéaoutra

partedocorpodosmesmoseixos,despidadeferro;elogoimedia-

tamentesesegueocírculodosdentesdepaudelei,encaixadosno

eixocomsuasentrosas(quesãoumascavadurasouvãosrepar-

tidosentredenteedente)paraentraremesaíremdelasosdentes

dosoutroseixoscolaterais,quepara issosão emtudo iguaisos

denteseasentrosas,asaber:osdentesnagrossuraenaalturaeas

entrosasnalarguraeprofundezadoencaixamentoouvazioque

comumente saem do corpo do eixo, comprimento de cinco ou

seisdedos,delarguradeumamão,edequatrooucincodedosde

costa,deformaquasechataenosextremosredonda.E,aindaque

entre dente e dente dos eixos menores haja espaço medido por

compasso de igual medida, que é um palmo grande, os do eixo

maior têm de mais a mais tanto espaço além do palmo quanto

ocupariaagrossuradeumamoedadedoiscruzados,eistosefaz

paraqueestejamemsuacontaenãoentremnomesmotempoos

dentesdoseixoscolaterais,masumsesigaatrásdeoutroedesta

sortesecontinueemtodosostrêsomotoquesepretende.E,por

isso,tambémosdenteseasentrosasdeumeixosehãodedesen-

contrardosdenteseentrosasdeoutro,asaber,aodentedoeixo

grandehádecorresponderaentrosadopequeno,eaodentedo

pequeno,aentrosadogrande.Sãoosdentes(comodizia)naparte

quesaiforadoeixoalgumtantochatos,enofimquaseredondos,

largos quatro ou cinco dedos, e outro tanto grossos, e entram

quaseoutrosquatrodedospelasuaraiznoeixo,ondeseassegu-

ram,alémdapartecomquefazemparedeàsentrosas,quesãona

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 69

mesmacontaquatrooucincodedosprofundas.Sobreosdentesdos

eixosmenoresficaaterceirapartedopaudescobertaeseremata

a modo de degraus em dois círculos menores, vestidos de duas

argolasde ferrodagrossuradeumdedoemeio, larguradetrês

dedos;enapontadopausevazadetalsortequeentreneleuma

buchaquadradadedoisoutrêspalmos,desapupira-mirim,aqual

buchatambémempartesevazaenelaseencaixaoaguilhãode

ferro,comprimentodetrêspalmos,grossuradeumcaibro,àforça

depancadas,comumvaivémdeferro.E,paramelhorsegurança

doaguilhãoedabucha,seabrenacabeçadosquatroladosdabu-

cha,comumapalmetadeferro,àforçadepancadasdovaivém,e

selhemetemumaspalmetasoucunhasmenoresdepaudelei,

paranãoaluir.E,pelomesmoestilodedegrauseargolas,buchae

aguilhão,comquetemosdito,seremataapartesuperiordosdois

eixosmenores,serematamtambémaspartesinferioresdetodos

três,ajuntando,demais,acadaaguilhão,seupiãodeferro,calçado

deaçodagrossuradeumamaçã,quetambémseencaixapelapar-

tesuperioratédoisdedosdentrodoaguilhãoepelaparteinferior

põemapontasobreoutroferrochato,quechamammancal,de

comprimentodeumpalmo,tambémcalçadodeaço,paraquese

nãofurecomocontínuovirarquesobreelefazopião.Etodos

estestrêseixosoucorposdamoenda,aondechegaopiãoaoman-

cal,assentamsobreumpau,quechamamponte,decomprimento

de quinze ou dezesseis palmos, e para sustentar toda a moenda

forteeseguraservemquatrovirgens,quesãoquatroesteios,altos

daterranovepalmos,egrossossete,semelhantesnoseuofíciode

susteraosquesustentamasvigasgrandeseaporcaoupaufurado,

porondepassaapontadoeixograndequesobreosoutroscolate-

raisselevantaatéaditaaltura,comoparteprincipaldamoenda.

Sobreestasvirgens,depontaaponta,vãounspaus,quechamam

mesas, quase um palmo de grossura, e vinte de comprimento,

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o70

sobreasquaisdescansamastravessas,quechamamgatos,emque

semovemoseixospelapartesuperior;e sobreestesvaioutro

andaraocomprido,detábuas,quechamamagulhas,asquaisser-

vemparasegurarascunhascomqueseapertaamoenda.

Olugarondesepõemosfeixesdecana,queimediatamente

hádepassarparaseespremerentreoseixos,sãodoistabuleiros,

um de uma parte, e outro de outra, que têm seus encaixes ou

meioscírculosaoredordoseixosdamoenda,afastadosdelestan-

to quanto basta para não lhes impedir suas voltas. E o estarem

ostabuleiroschegadosaoseixoséparaquenãocaiaacana,ou

obagaçodela,pertodosaguilhõeseretardedealgummodoaos

piões,eparaquesenãosujeocaldoquesaidacanamoída.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 71

vido modo de moer as canas,

e de quantas pessoas necessita a moenda

M oem-seascanasmetendoalgumasdelas,limpasda

palhaedalama(queparaisso,sefornecessário,se

lavam), entre dois eixos, onde, apertadas fortemente, se espre-

mem,metendo-senavoltaquedãooseixos,osdentesdamoenda

nasentrosas,paramaisasapertareespremerentreoscorposdos

eixos chapeados, que vêm a unir-se nas voltas; e, depois delas

passadas,torna-sedeoutraparteapassarobagaço,paraquesees-

premamais,edetodoosumo,oulicorqueconserva.Eestesumo

(aoqualdepoischamamcaldo)caidamoendaemumacochade

pau,queestádeitadadebaixodapontedosaguilhões,edaícorre

porumabicaaumparolmetidonaterra,quechamamparoldo

caldo,dondeseguindacomdoiscaldeirõesoucubosparacima,

comroda,eixoecorrentes,evaiparaoutroparol,queestáemum

sobradinhoalto,aquemchamamguinda,paradaípassarparaa

casadascaldeiras,ondesehádelimpar.

Noespaçodevinteequatrohoras,mói-seumatarefaredonda

devinteecincoatétrintacarrosdecana,eemumasemanadas

que chamam solteiras (que vem a ser sem dia santo) chegam a

moer sete tarefas, e o rendimento competente é uma fôrma ou

pãodeaçúcarporfoice,asaber,quantocortaumnegroemum

dia.Nemofazermaisaçúcardependedemoermaiscana,masser

acanadebomrendimento,asaber,bemaçucarada,nãoaguacen-

ta,nemvelha.Semeteremmaiscanaoubagaçodoqueconvém,

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o72

haveráriscodesequebrarorodete,eamoendadarádesierange-

ránapartedecima,epoderáserquesequebrealgumaguilhão.

Seaáguaquemovearodaformuita,moerátantacanaquenãose

lhepoderádarvazãonacasadascaldeiras,eocaldoazedaráno

paroldecoar,pornãosepodercozeremtantaquantidade,nemtão

depressanastachas.E,porisso,ofeitordamoendaeomestredo

açúcarhãodeveroqueconvém,paraquesenãopercaatarefa.

O lugardemaiorperigoquehánoengenho é o da moenda,

porquesepordesgraçaaescravaquemeteacanaentreoseixos,

ouporforçadosono,ouporcansada,ouporqualqueroutrodes-

cuido,meteudesatentamenteamãomaisadiantedoquedevia,

arrisca-seapassarmoídaentreoseixos,senãolhecortaremlogo

amãoouobraçoapanhado,tendoparaissojuntodamoendaum

facão,ounãoforemtãoligeirosemfazerpararamoenda,diver-

tindocomopejadoraáguaquefereoscubosdaroda,desorteque

deemdepressaaquempadece,dealgummodo,oremédio.Eeste

perigoéaindamaiornotempodanoite,emquesemóiigualmen-

tecomodedia,postoqueserevezemasquemetemacanapor

suasesquipações,particularmenteseasqueandamnestaocupa-

çãoforemboçaisoucostumadasaseemborracharem.

Asescravasdequenecessitaamoendasãoseteouoito,asa-

ber:trêsparatrazercana,umaparaameter,outraparapassaro

bagaço,outraparaconsertareacenderascandeias,quenamoen-

dasãocinco,eparalimparocochodocaldo(aquemchamamco-

cheiraoucalumbá)eosaguilhõesdamoendaerefrescá-loscom

águaparaquenãoardam,servindo-separaissodoparoldaágua,

quetemdebaixodorodete,tomadadaquecaidoaguilhão,como

também para lavar a cana enlodada, e outra, finalmente, para

botarforaobagaço,ounorio,ounabagaceira,parasequeimar

aseutempo.E,sefornecessáriobotá-loempartemaisdistante,

não bastará uma só escrava, mas haverá mister de outra que a

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 73

ajude,porque,deoutrasorte,nãosedariavazãoatempo,eficaria

embaraçadaamoenda.

Sobreoparoldocaldoque,comotemosdito,estámetidona

terra,háumaguindadeira,quecontinuamenteguindaparacima

comdoiscubosocaldo,etodasassobreditasescravastêmneces-

sidadedeoutrastantas,queasrevezemdepoisdeencheremoseu

tempo,quevemaserametadedeumdiaeametadedanoite,e

todasjuntaslavamdevinteequatroemvinteequatrohorascom

águaevasculhosdepiaçabatodaamoenda.Atarefadasguinda-

deiraséguindarcadaumatrêsparóisdecaldo,quandofortem-

po,paraencherascaldeiras,elogooutraoutrostrês,sucedendo

destasorteumaàoutra,paraquepossamaturarno trabalho.E

paraobomgovernodamoenda,alémdofeitorqueatendeatudo,

nestelugarmaisqueemoutros,partedediaepartedenoite,há

umguardaouvigiadordamoenda,cujoofícioéatentar,emlugar

dofeitor,queacanasemetaepassebementreoseixos,quese

despejeetireobagaço,queserefresquemelimpemosaguilhõese

aponte;e,sucedendoalgumdesastrenamoenda,eleéoquelogo

acodeemandaparar.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o74

viidas madeiras de que se faz a moenda, e todo o mais madeiramento do engenho, canoas e barcos e do que se costuma dar aos carpinteiros e outros semelhantes oficiais

A ntesdepassardamoendaparaasfornalhasecasadas

caldeiras,parece-menecessáriodarnotíciadospause

madeirasdequesefazamoendaetodoomaismadeiramentodo

engenho,quenoBrasilsepodefazercomescolha,pornãohaver

outrapartedomundotãoricadepausseletosefortes,nãosead-

mitindonestafábricapauquenãosejadelei,porqueaexperiência

temmostradoserassimnecessário.Chamampausdeleiaosmais

sólidos, de maior dura e mais aptos para serem lavrados, e tais

sãoosdesapucaia,desapupira,desapupira-cari,desapupira-

-mirim,desapupira-açu,devinhático,dearco,dejetaíamarelo,de

jetaípreto,demessetaúba,demaçaranduba,pau-brasil,jacarandá,

pau-de-óleo,picaíeoutrossemelhantesaestes.Omadeiramento

dacasadoengenho,casadasfornalhasecasadascaldeiraseade

purgarparabemhádeserdemaçaranduba,porqueédemuita

dura e serve para tudo, a saber, para tirantes, frechais, sobrefre-

chais,tesourasoupernasdeasna,espigõeseterças,edestacastade

pauháemtodooRecôncavodaBahiaeemtodaacostadoBrasil.

Os tirantes e frechais grandes valem três a quatro mil-réis, e às

vezesmais,conformeoseucomprimentoegrossura,assimtoscos

comovêmdomato,sócomaprimeiralavradura.Oseixosdamoen-

dasefazemdesapucaiaoudesapupira-cari;aponta,oucabodo

eixo grande, de pau-d’arco ou de sapupira, os dentes dos três

eixos da moenda, do rodete e da volandeira são de messetaúba.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 75

Asrodasdaágua,depau-d’arco,oudesapupiraoudevinhático.

Osarcosdorodeteevolandeiraeasaspasecontra-aspas,desapu-

pira.Asvirgensemaisesteiosevigas,dequalquerpaudelei.Os

carros,desapupira-mirim,oudejetaí,oudesapucaia.Acaliz,de

vinhático.Ascanoas,depicaí,joiarana,utussicaeangelim.Asca-

vernasebraçosdosbarcos,desapupiraoudelandim-carvalho,ou

desapupira-mirim;aquilha,desapupiraoudeperoba;osforros

ecostados,deutim,peroba,buranhémeunhuíba;osmastos,de

inhuibatam;asvergas,decamaçari;oleme,deavernoouangelim;

ascurvaseasrodasdaproaepopa,desapupira,comseuscorais

metidos;asvaras,demangue-branco,eosremos,delindiranaou

dejenipapo.

Ascaixasemquesemeteoaçúcarsefazemdejequitibáeca-

maçari;e,não,havendodestasduascastasdepauquantobasta,se

poderãovalerdeburissicaparafundosetampos.Eestastábuas

paraascaixasvêmdaserrariajáserradas,enoengenhosósele-

vantam,endireitameaparamehãode ternos lados,parabem,

doispalmosemeiodelargo,eomesmodecomprimento.Valia

umacaixa,nosanospassados,dezoudozetostões,agorasubiram

amaiorpreço.

Umeixodamoenda,tosconomato,etorradosónaspontas,

ou ainda, oitavado, vale quarenta, cinquenta e sessenta mil-réis

emais,conformeaqualidadedopaueanecessidadequehádele.

OsquevêmdePortoSeguroePatipesãosomenos,porseremcria-

dosemvárzeas;osmelhoressãoosquevêmdaPitangaedaTerra

NovaacimadeSantoAmaro.Todaamoendaimportamaisdemil

cruzados,alémdarodagrandedaágua,que,porsercheiadecavi-

lhasecubos,valemaisdeduzentosmil-réis.

Aocarapinadamoendasedãocincotostõescadadiaasecoe,

selhederemdecomer,dá-se-lheumcruzadoeaindamaisnestes

anos,emquetodosospreçossubiram.Quaseomesmosedáaos

carapinasdeobrabranca.Aoscarapinasdebarcoseaoscalafates

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o76

sedãoasecosetetostõesemeioeseistostõesouduaspatacas,se

lhes derem de comer. Um barco, velejado para carregar lenha e

caixas,custaquinhentosmil-réis;umbarcoparaconduzircana,

trezentosmil-réis;eumarodeira,quatrocentosmil-réis.Ascanoas

vendem-seconformeasuagrandezaequalidadedopau.Porisso,

sendoasdequecomumenteseusamnosengenhos,umaspeque-

naseoutrasmaiores,maioroumenortambémseráopreçodelas,

asaber,devinte,trinta,quarentaecinquentamil-réis.

Cortam-seospausnomatocommachadosnodiscursodetodo

oano,guardandoasconjunçõesdalua,asaber,trêsdiasantesda

luanova,outrêsdiasdepoisdelacheia,etiram-sedomatodiver-

samente,porquenasvárzeasunsosvãorolandosobreestivas;e

outrososarrastamapoderdeescravos,quepuxam;enosouteiros,

tambémsearrastampuxando.Istoseentendeondenãohálugar

deusarosbois,porseraparagemoumuitoapique,oumuitofun-

daeabertaemcovões.Mas,ondepodempuxarosbois,setiram

domatocomtiradeiras,amarrandocomcordasoucomcipósou

couros a tiradeira, segurada bem com chavelha; e, na lama, em

tempodechuva,dizemquesearrastammelhorqueemtempode

seca,porquecomachuvamaisfacilmenteescorregam.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 77

viiida casa das fornalhas, seu aparelho e lenha

de que há mister, e da cinza e sua decoada

J unto à casa da moenda, que chamam casa do engenho,

segue-seacasadasfornalhas,bocasverdadeiramentetraga-

dorasdematos,cárceredofogoefumoperpétuoevivaimagem

dosvulcões,VesúvioseEtnasequasedissedoPurgatóriooudo

Inferno.Nemfaltampertodestasfornalhasseuscondenados,que

sãoosescravosboubentoseosquetêmcorrimentos,obrigadosa

estapenosaassistênciaparapurgaremcomsuorviolentooshu-

moresgálicosdequetêmcheiosseuscorpos.Veem-seaí,também,

outrosescravos,facinorosos,que,presosemcompridasegrossas

correntesdeferro,pagamnestetrabalhosoexercícioosrepetidos

excessosdasuaextraordináriamaldade,compoucaounenhuma

esperançadaemenda.

Nosengenhosreais,costumahaverseisfornalhasenelasou-

trostantosescravosassistentes,quechamammetedoresdalenha.

Asbocasdasfornalhassãocercadascomarcosdeferro,nãosópara

que sustentem melhor os tijolos, mas para que os metedores, no

meterdalenha,nãopadeçamalgumdesastre.Temcadafornalha

sobreabocadoisbueiros,quesãocomoduasventas,porondeo

fogoresfolega.Ospilaresqueselevantamentreumaeoutrahão

desermuitofortes,detijoloecal,masocorpodasfornalhasfaz-se

detijolocombarro,pararesistirmelhoràveementeatividadedo

fogo,aoqualnãoresistirianemacal,nemapedramaisdura;e

asqueservemparaascaldeirassãoalgumacoisamaioresqueas

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o78

queservemparaastachas.Oalimentodofogoéalenha,esóo

Brasil,comaimensidadedosmatosquetem,podiafartar,como

fartouportantosanos,efartaránostemposvindouros,atantas

fornalhas,quantassãoasquesecontamnosengenhosdaBahia,

PernambucoeRiodeJaneiro,quecomumentemoemdediaede

noite,seis,sete,oitoenovemesesdoano.E,paraquesevejaquão

abundantessãoestesmatos,sóosdeJaguaripebastamparadar

lenhaaquantosengenhosháàbeira-marnoRecôncavodaBahia,

e,defato,quasetodosdestapartesóseproveem.Começaocortar

dalenhaemJaguaripenosprincípiosdejulho,porquenaBahiaos

engenhoscomeçamamoeremagosto.

Temobrigaçãocadaescravodecortarearrumar,cadadia,uma

medidadelenha,altasetepalmoselargaoito,eestaétambém

amedidadeumcarro,edeoitocarrosconstaatarefa.Ocortar,

carregar,arrumarebotaralenhanobarcopertenceaquemven-

de;oarrumá-lanobarcocorreporcontadosmarinheiros.Hábar-

coscapazesdecincotarefas,hádequatro,hádetrês,ecustacada

tarefadoismilequinhentosréis,quandoosenhordoengenhoa

mandabuscarcomoseubarco;e,seviernobarcodovendedor,

ajustar-se-á, demais, o frete, conforme a maior ou menor dis-

tânciadoporto.Umengenhoreal,quemóioitoounovemeses,

gasta,umanoporoutro,doismilcruzadosnalenha;ehouveano

emqueoengenhodeSergipedoCondegastoumaisdetrêsmil

cruzados,pormoermaistempo,eporcustaralenhamaiscaro.

Vemalenhaembarcosavela,comquatromarinheiroseoarrais,

e,parabem,osenhordoengenhohádeterdoisbarcos,paraque,

emchegandoum,volteooutro.Omelhorsortimentodalenha

é aquele cuja metade consta de rolos grandes e travessos, que

sãomenores,eoutradelenhamiúda,porqueagrossaservepara

armarasfornalhaseparacozeroaçúcarnastachas,ondeéneces-

sáriomaiorfogo,parasecoalhar;amedianaserveparafazerliga

comagrossa,eamiúdaserveparalimparbemocaldodacana

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 79

nascaldeiras,porque,paraselevantarbemaescuma,demandam

continuamentelabaredasdechama.E,porisso,agrossasecha-

malenhadetachas,eamiúda,lenhadecaldeiras.

Chegadaalenhaaoportodoengenho,arruma-senasuabaga-

ceira,esempreébemque,diante,oupertodasfornalhas,estejam

arrumadascincoouseistarefasdelenha.Gastamdoisbarcosde

cana,ordinariamente,umdelenha,seforlenhasortida,porque,

seformiúda,nãobasta.Oprimeiroaparelhodalenha,parasebotar

fogoàfornalha,chama-searmar,eistovemaserempurrarrolose

estendê-losnolastro(oquesefazcomvarasgrandes,quechamam

trasfogueiros) e sobre eles cruzar travessos e lenha miúda, para

que,levantada,cheguemaisfacilmentecomachamaaosfundos

dascaldeirasetachas.Eometedorhádeestaratentoaoquelhe

mandam os caldeireiros, botando precisamente a lenha, que os

de cima conhecem e avisam ser necessária, assim para que não

transbordeocaldooumeladodoscobres,comoparaquenãofalte

oferver.Porque,senãoferveremsuaconta,nãosepoderálimpar

bemdaimundíciaquehádeviracima,parasetirareescumardas

caldeiras.Porém,paraastachas,quantomaisfogo,melhor.

A cinza das fornalhas serve para fazer decoada, e esta para

limpar ao caldo da cana nas caldeiras, e para que saia o açúcar

maisforte.Paraisso,arrasta-secomrododeferroatéabocadas

fornalhas,poucoapouco,acinzaeborralho,edaí,comumapá

deferro,setiraeselevasobreamesmapáparaocinzeiro,queé

umtanquedetijolosobrepilaresdepedraecal,defiguraquadra-

da,comsuasparedesaoredor,eaquiseconservaquenteeassim

quente se põe nas tinas, que para isso estão levantadas da terra

sobre uns esteios de três palmos. Aí, depois de bem caldeada e

arrumada,selhebotaágua,tiradadeumtachogrande,queestá

fervendosobreasuaproporcionadafornalha,pertodocinzeiro.E

paraissoserveaáguaquepassapelabicaevaiàcasadascaldeiras;

ecoandoestaáguapelacinza,atépassarpelosburacosquetêmas

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o80

tinasnofundocobraonomededecoadaevaiacairnasfôrmas

ouvasilhasenterradasatéametade,edaísetiracomumcocoe

sepassaemumtachoparaacasadascaldeiras,ondesereparte

pelasfôrmasqueestãopostasentreascaldeiraseserveparaoscal-

deireirosajudaremcomelaaocaldo,comosediráemseulugar.

Há-seporémdeadvertirquenemtodaalenhaéboaparasefa-

zerdecoada,porquenemospausfortes,nemalenhasecaservem

paraisso.Earazãoéporqueospausfortesfazemmaiscarvãodo

quecinza,ealenhamiúdadápoucacinzaesemforça.Amelhor

éadosmangues-brancosedepaus-moles,asaber,adecajueiros,

aroeirasegameleiras.Eparaseconhecerseadecoadaéperfeita,

há-sedeprovar,tocandoalínguacomumapingadelasobreapon-

tadodedo,esearderseráboa;senãoarder,seráfraca.Também,se

sobejarcinzadeumanoparaoutronascaixasondeacostumam

guardar, antes de se pôr nas tinas, deve tornar a aquentar-se no

cinzeiro,oumisturar-secomaprimeiraquesetirardasfornalhas

comborralho,porque,seantesenfraqueceu,comestebenefício

tornaacobrarseuvigor.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 81

ixdas caldeiras e cobres, seu aparelho,

oficiais e gente de que nelas há mister, e instrumentos que usam

A terceira parte deste edifício superior às fornalhas é

a casa dos cobres; porque, ainda que esta se chame

comumenteacasadascaldeiras,nãosãoelassóquetêmlugar

nestaparte,masoutrosgrandesvasosdecobre,comosãoparóis,

baciasetachas;edestesvasostêmosengenhosreaisdoisternos

sempreemobra,porquedeoutrasortenãopoderiamdarvazão

ao caldo que vem da moenda. Estes são cobres postos sobre a

abóbadadasfornalhasemassentosouencostadoresdetijoloe

calaoredor,abertosdetalsorteque,comofundo,quemetem

dentrodamesmafornalha,tapacadaqualaaberturaemquese

recebe;eentraporelaproporcionadamenteaocorpoquetem,a

saber,menosastachasemuitomaisascaldeiras.Eassimcomo

temsuaparede,quedivideumadeoutra,eoutraparedequedi-

videestacasadaoutracontíguadoengenho,assimtemdiante

de si um ou dois degraus, por onde se sobe a obrar neles com

os instrumentos necessários nas mãos, e com bastante espaço

para dominar sobre eles com ajustada altura e distância; e, ao

redorde todaaparede dianteira,comcaminho desafogadono

meio,estáotendaldasfôrmasemquesebotaoaçúcarjácozido

acoalhareécapazdeoitentaemaisfôrmas.

Constaumtermoouordemdecobres(alémdoparoldocal-

doedoparoldaguinda,queficamnacasadamoenda)deduas

caldeiras,asaber,dadomeioedaoutrademelar,deumparolda

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escuma,deumparolgrande,quechamamparoldomelado,ede

outromenor,quesechamaparoldecoar,deumternodetachas,

quesãoquatro,asaber:adereceber,adaporta,adecozereade

bater;e,finalmente,deumabacia,queservepararepartiroaçúcar

nasfôrmas.Edeoutrostantoscobresdeigualoupoucomenor

grandezaconstaoutroandarsemelhante.

Leva o parol do caldo de um engenho real vinte arrobas de

cobre;oparoldaguinda,outrasvintearrobas;asduascaldeiras,

sessentaarrobas;oparoldaescuma,dozearrobas;oparoldome-

lado,quinzearrobas;oparoldecoar,oitoarrobas;oternodasqua-

trorachas,anovearrobascadauma,trintaeseisarrobas;abacia,

quatroarrobas,queemtudosãocentoesetentaecincoarrobasde

cobre,oqual,vendendo-selavrado,quandoébarato,aquatrocen-

tosréisalibra,importadoiscontoseduzentosequarentamil-réis,

quesãocincomileseiscentoscruzados.Eseseacrescentaroutro

ternodecobresmenores,ouiguais,cresceráproporcionadamente

oseuvalor.

Aparteemqueascaldeiraseastachasmaispadeceméofun-

do;e,seesteforderuimcobre,enãotiveragrossuranecessária,

nãosepoderálimparocaldocomoébem,nascaldeiras,eofogo

queimaránastachasaoaçúcar,antesdesecozerebater.Porisso,

nosengenhosreais,quemoemseteeoitomesesdoano,setor-

namarefazertodososfundosdascaldeirasetachas.

Aspessoasqueassistemnestacasasãoomestredoaçúcar,o

qualpresideatodaaobra;ecorreporsuacontajulgarseocaldo

estájálimpo,eoaçúcarcozidoebatidoquantopede,paraestar

em sua conta; assiste às têmperas e ao repartimento delas nas

fôrmas,alémdoquelhecabefazernacasadepurgar,dequefala-

remosnoseuprópriolugar.Asuaassistênciaprincipalédedia,

e,aochegardanoite,entraafazeromesmoobanqueiro,queé

comoocontramestredestacasa;edainteligência,experiênciae

vigilânciadeumeoutrodependeemgrandeparteofazer-sebom

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 83

oumauaçúcar.Porque,aindaqueacananãosejaqualdeveser,

muito pode ajudar a arte no que faltou à natureza. E, pelo con-

trário,poucoimportaqueacanasejaboa,seofrutodelaeotra-

balhodetantocustosebotaremaperderpordescuido,comnão

pequeno encargo de consciência para quem recebe avantajado

estipêndio.Temmais,porobrigação,obanqueiro,repartirdenoi-

teoaçúcarpelasfôrmas,assentá-lasnotendaleconsertá-lascom

cipó.E,paralhediminuirotrabalhonestasúltimasobrigações,

temumajudantededia,aquemchamamajuda-banqueiro,oqual

tambémreparteoaçúcarpelas fôrmas,assenta-aseconserta-as,

comoestádito.

Revezam-senascaldeirasoitocaldeireiros,divididosemduas

esquipações,umemcadauma,deassistênciacontínuaatéentre-

gá-laaoseusucessor,escumandoocaldoqueferve,comcubose

tachos.Obrigaçãodecadacaldeireiroéescumartrêscaldeirasde

caldo,quechamamtrêsmeladuras;eaúltimasechamadeentre-

ga,porqueadevedarmeiolimpaaocaldeireiroqueovemrender.

E,paraestastrêsmeladuras,lhehádedaraguindadeiraocaldode

quehámister,aseutempo,asaber,acabadodeescumarelimpar

umameladura,dar-lheoutra.

Nastachastrabalhamquatrotacheirosporesquipaçõesdeas-

sistência,umemcadaternodetachas;etêmporobrigação,cada

um deles, cozer e bater tanto açúcar quanto é necessário para

seencherumavendadefôrmas,quevemaserquatrooucinco

fôrmas.

Serve,finalmente,paravarreracasaeparaconsertareacen-

der as candeias (que são seis e ardem com azeite de peixe), e

paratirarassegundaseterceirasescumasdoseupróprioparol

etorná-lasabotarnacaldeira,umaescrava,aquemchamam,por

alcunha,acalcanha.

Étambémestacasalugardepenitentes,porquecomumentese

veemnelaunsmulatoseunsnegroscrioulosexercitaroofício

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o84

detacheirosecaldeireiros,amarradoscomgrandescorrentesde

ferroaumcepo,ouporfugitivos,ouporinsignesemalgumgêne-

rodemaldade,paraquedestasorteoferroeotrabalhoosaman-

sem.Mas,entreeles,hátambémàsvezesalgunsmenosculpados

e,ainda, inocentes,porserosenhoroudemasiadamentefácila

creroquelhedizem,oumuitovingativoecruel.

Osinstrumentosqueseusamnacasadascaldeirassãoescu-

madeiras, pombas, reminhóis, cubos, passadeiras, repartideiras,

tachos, vasculhos, batedeiras, bicas, cavadores, espátulas e pica-

deiras.Dasescumadeirasepombasgrandesusamoscaldeireiros;

servem as escumadeiras para limpar; as pombas, para botar o

caldodeumacaldeiraparaoutra,oudacaldeiraparaoparol;e,

por issooscabos,assimdeumascomodeoutras, têmquatorze

ouquinzepalmosdecomprido,parasepoderemmenearbem.Os

reminhóisservemparabotaráguaedecoadanascaldeiras,epara

ajudarostacheirosabotaroaçúcarnarepartideira,parairàsfôr-

mas.Dasescumadeirasmaispequenas,batedeirasepassadeiras,

picadeiras e vasculhos, usam os tacheiros da repartideira, cava-

dor e espátulas o banqueiro e o ajuda-banqueiro; e dos tachos,

cubosebicasusaacalcanha,paratiraraescumadoseupróprio

paroletorná-laapôrnacaldeira.Serveovasculhoparatiraralgu-

maimundíciaaoredordastachas,apicadeiraparatiraroaçúcar

queestácomogrudadonasmesmastachas,eocavadorparafazer

nobagaçodotendalascovasondesepõemasfôrmas.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 85

xdo modo de limpar e purificar o caldo da cana

nas caldeiras e no parol de coar, até passar para as tachas

G uindando-seosumodacana(quechamamcaldo)para

oparoldaguinda,daívaiporumabicaaentrarnacasa

doscobres;eoprimeirolugaremquecaiéacaldeira,quechamam

domeio,paranelaferverecomeçarabotarforaaimundíciacom

quevemdamoenda.Ofogofaznestetempooseuofício,eocaldo

botaforaaprimeiraescuma,aquechamamcachaça,eesta,por

serimundíssima,vaipelasbordasdascaldeirasbem-ladrilhadas

foradacasa,porumcanoenterrado,quearecebeporumabicade

pau,metidadentrodoladrilhoqueestáaoredordacaldeira,evai

caindopeloditocanoemumgrandecochodepaueservepara

asbestas,cabras,ovelhaseporcos;eemalgumaspartestambém

osboisalambem,porquetudooqueédoce,aindaqueimundo,

deleita. E, para que o fogo não levante a escuma mais do que é

justo, e dê lugar de se limpar o caldo, como é bem, botam-lhe

oscaldeireiros,dequandoemquando,águacomumreminhol,

edestasortesereprimeademasiadaforçadafervura,eocaldo

aindaimundoselimpa.

Saídaaprimeiraescumaporsimesma,começamoscaldeirei-

ros,comgrandesescumadeirasdeferro,aescumarocaldoeaju-

dá-lo,echamamajudarocaldoobotar-lhedequandoemquando

jáumreminholdedecoada,jáoutrodeágua,queaítêmperto:a

águanastinaseadecoadanasfôrmas.Serveaáguaparalavaro

caldoeadecoada,paraquetodaaimundíciaquerestanacaldeira

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o86

venhamaisdepressaarriba,enãoassentenofundo.Servetam-

bémparacondensaroaçúcarefazê-lomaisforte,incorporando-

-secomocaldo,domodoqueseincorporaosalcomaágua.Esta

segundaescumaseguardaecaiporoutrabicadamesmabordado

ladrilhoparaoparolmaisbaixoeafastadodofogo,quesechama

paroldaescuma;edaí,comcuboetachotornaabotá-loanegra

calcanha,quetemistoporofício,namesmacaldeiraparapurifi-

car,quechamamrepassar;evaiporumabicadepau,encavilhada

sobreumesteiodeigualalturadascaldeiras(aquechamamviola,

porimitarnofeitioaesteinstrumento),larganocorpoouparte

emquerecebeaescuma,eestreitanocano,porondecainacaldei-

ra.Etantoqueocaldoaparecebemlimpo(oqueseconhecepela

escumaepelosolhoseempolasquelevanta,cadavezmenorese

maisclaros)comumapombagrande(queéumvasocôncavode

cobre,comseupaudecobrecompridodozeouquinzepalmos),o

botamnasegundacaldeira,quechamamdemelar,eaquiseacaba

depurificar,comomesmobenefíciodeáguaedecoada,atéficar

totalmente limpo.Deixa-se limparocaldonacaldeiradomeio,

comumentepeloespaçodemeiahora;e,jámeiopurgado,passaa

cairnacaldeirademelarporumahora,oucincoquartos,atéaca-

bardeseescumar;enuncasetiratodoocaldodascaldeiras,por

razãodoscobres,quepadeceriamdetrimentodofogo,masselhes

deixamdoisoutrêspalmosdecaldoesobreestesebotaonovo.A

escuma,também,destasegundacaldeiravaiaoparoldaescuma,

edaítornaparaaprimeiraousegundacaldeira,atéofimdatare-

fa,edestaescumatomamosnegrosparafazeremsuagarapa,que

éabebidadequemaisgostamecomqueresgatamdeoutrosseus

parceirosfarinha,bananas,aipinsefeijões,guardando-aempotes

atéperderadoçuraeazedar-se,porqueentãodizemqueestáem

seupontoparasebeber,oxalácommedidaenãoatéseemborra-

charem.Àderradeiraescumadaúltimameladura,queéaúltima

purificação do caldo, chamam claros, e estes, misturados com

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 87

águafria,sãoumaregaladabebida,pararefrescaretirarasedenas

horasemquesefazmaiorcalma.Finalmente,tantoqueomestre

do açúcar julgar que a meladura está limpa, o caldeireiro, com

umapomba,botaocaldo,aquejáchamammel,noparolgrande,

que chamam parol do melado, e está fora do fogo, mas junto à

mesma caldeira, donde o coam para outro parol mais pequeno,

quechamamparoldecoar,companoscoadoresestendidossobre

umagrade.E,paraquenãocaiaalgumapartedelenapassagem

deumparolparaoutro,eseperca,botam-lheumatelha,defôrmade

purgar,que,comoseuarcoevoltaabarcaaosbeiçosdeambosos

paróisporondecorreocaldoquecainopassardapombaevai

daremumouemoutroparol,e,destasorte,nemumasópinga

seperdedaqueledocelicor,quebastantesuor,sangueelágrimas

custaparaseajuntar.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o88

xido modo de cozer e bater o melado nas tachas

E standojáocaldopurificadoecoado,passaacozer-senas

tachas,ajudadasdemaiorfogoechamadaquehãomister

ascaldeiras,contantoqueosfundostenhamagrossurabastante

para resistir à maior atividade que neste lugar se requer. E se o

meladoselevantardesortequeameacetransbordar,botando-lhe

umpoucodesebo,logoamainaesecala.Oquetalveztambém

fariaumaboarazão,sehouvessequemasugerissenotempoem

queaindignaçãoquersairforadeseuslimites.Dizemque,sese

botassequalquerlicorazedonascaldeirasounastachascomo,v. g.,

sumodelimãoououtrosemelhante,omeladonuncasepoderia

coalharnemcondensar,comosepretende,ealegamcasossegui-

dos.Porém,istonãoparecesercerto,falandodequalquercastade

licorazedo,senãododelimão,porquejáhouvequembotouno

caldocachaçaazedaemquantidadebastante,ouporfazerpeça,

ou por enfado ou impaciência, e, contudo, coalhou muito bem

a seu tempo. Só de alguns ânimos se verifica que, por um leve

desgosto,botamaperderumgrandecúmulo,enãodequaisquer

benefícios.Ocertoéque,empassandoomeladooumelparaas

tachas,pedemaiorvigilânciaeatençãodostacheiros,banqueiro

e soto-banqueiro e mestre, porque este propriamente é o lugar

emqueobracomomestreinteligenteeondeénecessáriotodoo

cuidadoeartifício.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 89

Passando,pois,omeladodoparoldecoarparaoternodastachas,

correporcadaumadelas,ordenadamente,eparaemcadauma

quantofornecessário,enãomais,paraofimqueemcadaqualse

pertence.Naprimeiratacha,quesechamaadereceber,fervee

começaacozer-se,eselhetiramasescumasmaisfinas,quecha-

mam netas, e se botam com uma pequena escumadeira numa

fôrmaqueaíestáposta,eseasquiseremaproveitar,comoébem,

farãodelas,nofimdasemana,umpãodeaçúcarsomenos,por-

que esta escuma não torna à tacha, como torna a do caldo às

caldeiras.Datachadereceber,ondeestápoucotempo,passa-se

omeladocomumapassadeiradecobre(queédofeitiodeuma

pombapequena)paraasegundatacha,quechamamdaporta,

eaqui,continuandoafervereengrossar;selançardesiparaa

borda alguma imundícia, tira-se e limpa-se ao redor com um

vasculho,queécomoumpincelouescovadeembira,amarrado

napontadeumavara;enestatachasedeixaestarmaistempo,

atéficarjámeiocozido.Daqui,comamesmapassadeira,sebota

naterceiratacha,quechamamdecozer,porqueaindaquenas

outrastambémsecoza,contudo,aquiacabadesecozeredese

condensarperfeitamente,atéestaremseupontoparasebater,

eistoohádejulgaromestre,ouemseulugarobanqueiro,pelo

corpoegrossuraquetem.Eestandodestasorte,chama-semel

emponto,grossosuficientementeecompacto,ejádispostopara

passaràquartatacha,quechamamtachadebaterondesemexe

comumabatedeira,queésemelhanteàescumadeira,mascom

seubeiçoesemfuros;ebate-se,parasenãoqueimar,equando

otembembatido,ecombastantecozimento,olevantamcom

amesmabatedeirasobreatachaaoalto,quepodeser;eaisso

chamam desafogar, no que os tacheiros mostram destreza sin-

gular,econtinuamassim,maisoumenos,conformepedemas

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o90

trêstêmperasquesehãodefazerdoaçúcar,quehádeirparaas

fôrmas.Dasquaistêmperas,porseremtãonecessáriasediferen-

tes,serábemfalarnocapítuloseguinte.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 91

xiidas três têmperas do melado

e sua justa repartição pelas fôrmas

A ntesdepassaromeladoparaasfôrmas,estandoainda

natachadebater,sehádeajustarocozimentoàstêm-

perasquepedealeidebemrepartir.Etrêssãoelas,eentresidi-

ferentes,ecadaumalevacozimentodiverso.Assim,pordiversos

modos,ecomrepetidasrazões,procuramostemperarosânimos

alteradosdequalquerpaixãoveemente.

Chama-se a primeira têmpera de principiar, ou têmpera de

bacia,aqualconstademelsolto,porquetemmenoscozimento;

eéoprimeiroquesetiradatachadebaterlogonoprincípio,ese

botaemumabaciaforadofogo,apardastachascomabatedeira,

ondesemexecomespátulaoucomreminholviradocomaboca

parabaixo.E tendo jáobanqueiroouoajuda-banqueiroapare-

lhado quatro ou cinco fôrmas no tendal, dentro de umas covas

debagaço,comseuburacofechado,eigualmentealtas,àsquais

chamam venda, se passa esta têmpera com reminhol dentro de

umarepartideira,earepartepelasditasquatrooucincofôrmaso

banqueiroouoajuda-banqueiro,oualgumtacheiro,porém,com

ordemdomestre,botandoigualmenteemcadaumadelasasua

porção,desortequefiquelugarparareceberasoutrasduastêm-

perasquelogosehãodeseguir.

Asegundachama-setêmperadeigualar,etemmaiorcozimen-

toporqueomelquetrazestevemaistemponatachadebatere,

aí,mexidoeengrossado,foimaisbatido.Eesta,tambémtiradada

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o92

tachaepostaemexidacomreminholnabacia,passaparaasditas

quatrofôrmasnarepartideira,ecomigualporçãoserepartepor

elas,ondecomespátulassemexemaisqueaprimeira.

Segue-se,porúltimo,aterceira,quechamamtêmperadeen-

cher,aqualtemjátodoocozimentoegrossuranecessária,ecom

elapassadaparaabaciaemexidaaindamaiscomoreminhole

levadanarepartideiraparaotendalseenchemasfôrmas,conti-

nuandocomaespátulaamexernelastodasastrêstêmperas,de

sortequeperfeitamenteseincorporemedetrêssefaçaumsócor-

po.Estebenefícioétãonecessárioque,semele,oaçúcarpostonas

ditasfôrmasnãosepoderiadepoisbranquearepurgar.Porque,se

sebotassenasfôrmassóatêmperaquetemcozimentoperfeito,

coalhariaesecondensariadetalsortequenãopoderiapassarpor

eleaáguaqueohádelavar,depoisdeserbarreado.Eseatêmpera

fossetotalmentesolta,escorreriatodooaçúcardasfôrmasnacasa

depurgaresedesfariatodoemmel.Eassim,comamisturadas

trêstêmperas,secoalhadetalsortequeficalugaràáguadepassar

poucoapouco,conservando-seoaçúcardensoe forte;e recebe

obenefíciodesebranquear,semoprejuízodesederreter,senão

quanto basta para perfeitamente se purgar. E achar este meio,

comacertarbemnastêmperas,éamelhorindústriaeartifíciodo

mestre, assim como esta é a maior dificuldade no exercício das

virtudes,queestãonomeiodedoisextremosviciosos.

O melado que se dá em pratos e vasilhas para comer é o da

primeiraesegundatêmperas.Doda terceira,bembatidonare-

partideira, se fazem as rapaduras, tão desejadas dos meninos, e

vemasermeladocoalhadosobreumquartodepapel,comtodas

as quatro partes levantadas como se fossem paredes dentro das

quaisendureceesfriando-se,decomprimentoelarguradapalma

damão.Ebem-aventuradoorapazquechegaaterumpardelas,

fazendo-semaisdeboavontadelambedordestesdocespapéisdo

queescrivãonosquelhedãoparatrasladaralfabetos.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 93

Comissoseentenderádondenasceoterestadocedrogatantos

nomesdiversos,antesdelograromaisnobreeomaisperfeitode

açúcar;porque,conformeoseuprincípio,melhoriaeperfeição,e

conformeosestadosdiversospelosquaispassa,vaitambémmu-

dando de nomes. E assim, na moenda, chama-se sumo da cana;

nosparóisdoengenho,atéentrarnacaldeiradomeio,caldo;nes-

ta,caldofervido;nacaldeirademelar,clarificado;nabacia,coado;

nastachas,melado;ultimamente,têmpera;enasfôrmas,açúcar,

decujasdiversasqualidadesfalaremos,quandochegarmosavê-lo

postonascaixas.

Osclaros,ouúltimaescumadasmeladuras,que,comotemos

dito,servemparaagarapadosnegros,selhesrepartemalternada-

menteporestaordem.Nofimdeumatarefa,sedãoaosqueassis-

temnacasadascaldeirasenasfornalhas;nofimdeoutratarefa,se

dãoàsescravasquetrabalhamnacasadamoenda;edepoisdesta,

sedãoaosquebuscamcaranguejosemariscos,paraserepartirem,

eaosbarqueirosquetrazemacanaealenhaaoengenho.Esem-

preserepeteadistribuiçãocomamesmaordem,paraquetodos

osquesentemopesodotrabalhocheguemtambémateroseu

pote,queéamedidacomquesereparteesteseudesejadonéctar

eambrosia.

Quandosemandapararoupejaroengenhoaosdomingose

diassantos,tira-sedosfundosdastachas,comumapicadeirade

ferro,omeladoqueficounelesgrudado,porquecomestenãopo-

deriamesfriar-se;e,alémdisto,selhesbotaágua,paraquesenão

queimemoscobres,eservejustamenteparaoslavar,eassimse

deixamasditastachas,atéentrarnelasomelquesehádecozer.

LIVRO III

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 95

idas fôrmas do açúcar e sua passagem

do tendal para a casa de purgar

S ãoasfôrmasdoaçúcarunsvasosdebarroqueimadona

fornalhadastelhas,etêmalgumasemelhançacomossi-

nos,altastrêspalmosemeio,eproporcionadamentelargas,com

maiorcircunferêncianaboca,emaisapertadasnofim,ondesão

furadas,paraselavarepurgaroaçúcarporesteburaco.Vendiam-

-se por quatro vinténs, salvo se a falta delas e o descuido de as

procuraraseutempolhesacrescentassemovalor.

O serem de ruim barro, e malqueimadas, é defeito notável,

comotambémoserempequenas.Asboassãocapazesdedarpães

detrêsarrobasemeia.Têmnacasadascaldeirasseutendal,cheio

debagaçodecanaquevemdabagaceira,oqual,cavadocomum

cavadordeferrooudepau,servedecamaoucova,paraneleseas-

sentaremasfôrmasdireitasemduasfileirasiguais;e,comotemos

dito acima, de cada quatro ou cinco fôrmas consta uma venda.

Antesdebotarnelasoaçúcar,selhestapaoburacoquetêmno

fundo,comseustacosdefolhadebanana,eseasseguramcomar-

cosdecipóecanabrava,paraquecomademasiadaquantidadedo

açúcarnãoarrebentem.Logoselhesbotaoaçúcarportêmperas,

comojá temosdito,oqual,noespaçodetrêsdias,endurecedi-

versamente,unsmais,outrosmenos;eaoquemaisseendurecee

dificultosamentesequebra,chamamaçúcardecarafechada;eao

quefacilmentecomqualquerpancadasequebra,chamamaçúcar

decaraquebrada.Metáforasquetambémexprimemasdiversas

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o96

naturezas e condições dos homens, uns tão vidrentos, e outros

tãotolerantes.E,deserbomoumauaçúcar,dependeofazeras

vendasdemaisoumenosfôrmas.Porqueparaobom,quecoalha

depressa,bastatomarquatrofôrmas;e,paraoquecoalhamaisde-

vagar,tomam-seseis,seteeoitofôrmas,paraquecriecomomaior

tempoqueénecessárioparaenchertodas,maisgrão.Daípassaàs

costasdosnegros,ousobrepaviolas,paraacasadepurgar,daqual

logofalaremos.

Fazumengenhoreal,dedoisternosdetachas,seacanaren-

der bem, cada semana solteira, perto e passante de duzentos

pães de açúcar; mas, se não render, apenas dá cento e vinte. E

orenderpouconasceoudeseracanamuitovelha,ouporser

muitoaguacenta,provabemclaradeseremosextremos,quais-

querquesejam,viciosos.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 97

iida casa de purgar o açúcar nas fôrmas

A casadepurgarécomumenteseparadadoedifíciodo

engenho,eamelhordequantashánoRecôncavoda

Bahia é, sem dúvida, a do engenho de Sergipe do Conde, fabri-

cadadepedraecaleemadeiradacompausdemaçaranduba,e

cobertacomtodooasseiodetelhas,decomprimentodequatro-

centos e quarenta e seis palmos e oitenta e seis de largura, di-

vididaemtrêscarreirasdeandainas,comvinteeseispilaresde

tijolonomeio,altosquinzepalmosemeio,elargosquatro,para

sustentaremoteto,queassentaaoredorsobreparedeslargase

fortes.Recebeestacasaaluzearnecessárioporcinquentaeduas

janelas,altaoitopalmoselargasseis,vinteetrêsdecadabanda,

trêsnafacha-dacomsuaportaetrêsnatestada.Repartem-seas

andainas por quartéis de tábuas abertas em redondo sobre pi-

laresdetijolo,altosdaterrasetepalmos;e levacadatábuadez

destasaberturas,parareceberoutrastantasfôrmas,desorteque

portodassãocapazesdepurgar,comodamente,nomesmotem-

po,atédoismilpães.Debaixodasditastábuasassimabertas,há

outrastantastábuasdomesmocomprimento,cavadasàmaneira

deregos,einclinadasnapartedianteira,queservemdebicasou

correntes,porondecorreomelquecaidosburacosdasfôrmas,

em que se purga o açúcar, aos tanques enterrados; e há no fim

umafornalhaparaocozeretornarafazerdeleaçúcar,comseu

tendal,capazdequarentafôrmas.Hátambémnaentrada,àmão

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o98

esquerda da porta, uma casinha de madeira, para nela guardar

o açúcar que sobejou ao encaixar, e quantos instrumentos são

necessáriosparabarrear,mascavar,secareencaixar;eoprimeiro

espaçodacasadepurgar,capazdetrezentascaixas,antesdeche-

garàsandainasdasfôrmas,servedecaixariamaisresguardadae

segura,comaportaaopoente,paraque,gozandotodaatardedo

sol,defendacomoseucaloraoaçúcardomaiorinimigoquetem,

depoisdefeitoeencaixado,queéaumidade.

Diantedaportadacasadepurgar,levanta-se,sobreseispilares,

umalpendredeoitentaedoispalmosdecomprimentoevintee

quatrodelargo,debaixodoqualestáobalcãodemascavar;eda

outraparteestáocochoparaamassarobarro,quesebotanasfôr-

mas,parapurgaroaçúcar;e,maisadiante,obalcãoparaosecar,

compridooitentapalmoselargocinquentaeseis,sustentadode

vinteecincopilaresdetijolo,maisaltonomeio,ecombastante

inclinaçãonoslados,paraescorrermelhoraáguaquecairdocéu,

eserdemaisdura.E,paraisso,servetambémserfeitodepaude

lei,asaber,demaçaranduba,devinhático,capazdesessentatol-

dosedesecarnomesmotempooutrostantospãesdeaçúcar.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 99

iiide pessoas que se ocupam em purgar,

mascavar, secar e encaixar o açúcar, e dos instrumentos que para isso são necessários

O nde não há purgador (que sempre seria bem tê-lo),

presidetambémnacasadepurgaromestredeaçúcar,a

quempertencejulgarquandosehádebotaroprimeiroeosegun-

dobarronasfôrmas,quandosehádeumedecereborrifarmais

ou menos, conforme a qualidade do açúcar, e quando se há de

tirarobarroeoaçúcardasfôrmas.Mas,aindaquehajapurgador

distinto,comsuasoldada,sempreserábemqueesteseaconselhe

comomestre,paraobrarcommaioracerto,equetenhamambos

entresitodaaboacorrespondência,paraquefiquemmaisbem

servidos assim o senhor do engenho como os lavradores, e eles

maisacreditadosemseusofícios.

Presideaobalcãodemascavaredesecareaopesoeaoencaixar

doaçúcarocaixeiro,ecorreporsuacontarepartireassentarcom

todaaverdadeefidelidadeoquecabeacadaqualdesuaparte:

pregaremarcarascaixaseentregá-lasaseusdonos.

Trabalhamnacasadepurgarquatroescravas,esãoasqueentai-

pamebotambarronasfôrmasdoaçúcarelhedãosuaslavagens.

Nobalcãodemascavarassistemduasnegrasdasmaisexperimen-

tadas,quechamammãesdobalcão,ecomoutrasomascavame

apartamoinferiordomelhorunsnegros,quetrazemeaventam

asfôrmasetiramdelasospãesdeaçúcar,eoamassadordobarro

depurgar,queétambémoutronegro.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o100

Nobalcãodesecar trabalhamasmesmasduasmães,comas

suascompanheiras,quesãoatédez,estendendoostoldoseque-

brandocomtoletesaslascaseostorrõesgrandesemoutrosme-

nores,atrásdosquebradoresdospães.E,nacaixaria,ajudamao

caixeironopesoeencaixamentodoaçúcarasnegrasenegrosque

sãonecessários,comotambémnopilar,igualar,pregaremarcar.

Osinstrumentosqueseusamnacasadepurgarsãofuradores

deferro,parafurarospãesemdireituradoburacodasfôrmas,ca-

vadorestambémdeferro,paracavaropãonomeiodaprimeira

cara,antesdelhebotaroprimeiroesegundobarros,emacetes,

para o entaipar. No balcão de mascavar, usam de couros para

aventarsobreelesasfôrmas,defacõesemachadinhos,paramas-

cavar,edetoletes,paraquebraroaçúcarmascavado.Nobalcão

desecarsãonecessáriosfacões,toleteserodoseopauquebrador

dequatroladosdecostaparaquebrarospãesdeaçúcar.Nopeso,

balanças,pesosdeduasarrobaseoutrosmenores,comodatara,

pásepanacus.Nacaixaria,pilões,rodo,paudeassentar,aoqual

unschamammolequedeassentar,eoutros,juiz;enxó,verrumas,

martelos e pregos, pé de cabra, para tirar pregos das caixas, e o

gastalho,queserveparaunirastábuasrachadasouabertas,me-

tendosuascunhasentreosladosdatábuaeosdentesoubraços

dogastalho,queaabraçaporcimaedescepelas ilhargas;eas

marcasdeferro,comquesemarcaedeclaraaqualidadedoaçú-

car,onúmerodasarrobaseosinaldoengenho,emquesefeze

encaixou.E,destasorte,qualquerartesevaledeseusinstrumen-

tos,parafacilitarotrabalho,esaircomsuasobrasperfeitas,oque

semelesnãopoderiaalcançar,nemesperar.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 101

ivdo barro que se bota nas fôrmas do açúcar:

qual deve ser, e como se há de amassar, e se é bom ter no engenho olaria

O barro com que se purga o açúcar tira-se dos apicus,

quecomotemosdito,sãoascoroasquefazomarentre

sieaterrafirme,eascobreamaré.Vemesteembarcos,canoasou

balsas,quesãoduascanoasjuntas,compausatravessados,esobre

elestábuas,nasquaisseamontoaobarro.Chegadoaoengenho,

põem-seemlugarseparado;e,daípassaasecar-sedentrodacasa

dasfornalhas,sobreumandardepausseguradocomesteios,que

chamamjirau,sobreocinzeiro,quandotemseuborralho,queé

a cinza misturada com brasas. E, ainda que se seque em quinze

dias,contudoaísedeixa,tomandoaseutempoaquantidadeque

fornecessáriaparabarrearasfôrmasjácheias,comosediráem

seulugar.Seco,sedesfazcommacetes,quesãopausparapisar,

edaísebotaemumacanoavelha,oucochogrande,depau,ese

vai desfazendo com água, movendo-o e amassando-o com seu

rodoonegroamassador,queseocupanestetristetrabalho,pois

osoutrosescravos,quecortametrazemcana,eosqueobramna

moenda,nascaldeiras,nastachas,nacasadepurgarenosbalcões,

sempretêmemquepetiscar,esóestemiserável,eosquemetem

lenhanasfornalhas,passamemseco.E,aindaquedepoistodos

tenhamsuapartenarepartiçãodagarapa,contudo,sentemmui-

tootrabalhosemestelimitadoalívioentredia.Mas,nãofaltam

parceiros que se compadeçam da sua sorte, dando-lhes já uma

cana,jáumpoucodemelouaçúcar;equandofaltassenosoutros

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o102

a compaixão, não faltaria a eles a indústria, para buscarem seu

remédio,tirandodondequerquantopodem.

Osinaldeestarbemamassadoobarroénãoterjágodilhões,

quesãounstorrõezinhosaindanãodesfeitos;entãoestáemseu

pontoquando,botando-lheumpedaçodetelha,ouumcacode

fôrma,sesustémnasuperfície,semiraofundo.Docochosetira

comumacuia,esebotaemtachosdecobre,enelesolevampara

acasadepurgar,onde,comumreminholdecobre,setirados

tachoseserepartepelasfôrmas,quandofortempo,domodoque

sedirámaisabaixo.

Terolarianoengenho,unsdizemqueescusamaioresgastos,

porque sempre no engenho há necessidade de fôrmas, tijolo e

te-lhas. Porém, outros entendem o contrário, porque a fornalha

daolariagastamuitalenhadearmar,emuitadecaldear,eade

caldearhádeserdemangues,osquais,tirados,sãoadestruição

do marisco, que é o remédio dos negros. E, além disso, a olaria

querserviçodeseis,ousetepeças,quemelhorseempregamno

canavialounoengenho,queroleirocomsoldada,rodaeapare-

lho,equerapicus,oubarreiro,dondesetirebombarro,etudoisto

pedemuitogasto,ecommuitomenossecompramasfôrmaseas

telhasquesãonecessárias.Omelhorconselhoémeterumcrioulo

emalgumaolaria,porqueesteganhaametadedoquefaz,eem

umanochegaafazertrêsmilfôrmas,dasquaisosenhorsepode

valercompoucodispêndio.Tendo,porém,osenhordoengenho

muita gente, lenha e mangues para mariscar de sobejo, poderá,

também,terolaria,eserviráestaoficinaparagrandeza,utilidade

ecomodidadedoengenho.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 103

vdo modo de purgar o açúcar nas fôrmas,

e de todo o benefício que se lhe faz na casa de purgar, até se tirar

E ntrandoasfôrmasnacasadepurgar,sedeitamsobreas

andainas,eselhestiraotacoquelhesmeteramnotendal;

elogocomumfuradoragudodeferro,decomprimentodedois

palmosemeio,sefuramospãesàforçadepancadas,usandopara

isso um macete; e, furados, se levantam e endireitam as fôrmas

sobreastábuas,quechamamdefuros,entrandoporelesquanto

bastaparasesusteremseguras;eassimsedeixamporquinzedias

sembarro,começandologoapurgar,epingandopeloburacoque

têmoprimeiromel,oqual,recebidodebaixo,nasbicas,correaté

darnoseutanque.Estemeléinferior,edá-senotempodoinver-

noaosescravosdoengenho,repartindoacadaqualcadasemana

umtacho,edoisacadacasal,queéomelhormimoeomelhor

remédioquetêm.Outros,porém,otornamacozer,ouovendem

para isso aos que fazem dele açúcar branco batido, ou estilam

aguardente.

Passadososquinzedias,daípordiantesepodebarrearsegu-

ramente,oquesefazdestemodo.Cavamprimeiroasquatroes-

cravaspurgadeiras,comcavadeirasdeferro,nomeiodacarada

fôrma(queéapartesuperior)oaçúcarjáseco,elogootornama

igualareentaiparmuitobem,commacetes;botam-lhe,então,o

primeirobarro,tirando-ocomumreminholdostachosquevie-

ramcheiosdeledoseucocho,estandojáamassadoemsuaconta,

ecomapalmadamãooestendemsobretodaacaradafôrma,alto

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o104

doisdedos.Aosegundoouterceirodia,botamemcimadomesmo

barromeioreminhol,ouumacuiaemeiadeágua,eparaquenão

caianobarrodepancada,ecaindofaçacovasnoaçúcar,recebem

sobreamãoesquerda,chegadaaobarro,aáguaquebotamcoma

direita,mexemlevementeobarrodesorteque,comosdedos,não

cheguem a bulir na cara do açúcar. E a este benefício chamam

umedecer, borrifar e dar lavagens, ou também dar umidades, e

destasoprimeirobarronãolevamaisqueuma,eestánafôrma

seisdias,dondesetirajáseco,ecava-seoutravezoaçúcarnomeio,

comosefezaoprincípio,eentaipa-se;e,comamesmadiligência,

selhebotaosegundobarro,oqualestánafôrmaquinzedias,e

levaseis,seteemaisumidades,conformeaqualidadedoaçúcar,

porqueoqueéfortequermaisumidades,resistindoàáguaquehá

decorrerporele,purgando-o,àsvezesaténoveedezumidades.

E,seforfraco,logoarecebe,eficaemmenostempolavado,mas

dissonãosealegraodonodoaçúcar,porqueantesoquiseramais

fortedoquetãodepressapurgado.Tambémnoverãoénecessário

repetiraslavagensmaisvezes,asaber,dedoisemdois,oudetrês

emtrêsdias,conformeocalordotempo,advertindode lhedar

estaslavagensantesqueobarrochegueaabrir-seemgretaspor

seco.Notempodoinverno,tambémsedeixaoprimeirobarroseis

dias,ealgunsnãolhedãooutraumidademaisqueatrazconsigo,

principalmenteseforemdiasdechuva.Porém,tiradooprimeiro

epostoosegundo,dão-lheseis,seteeoitoumidades,detrêsem

trêsdias,conformeaqualidadedoaçúcar,econformeobedeceràs

ditaslavagens.

Como o açúcar vai purgando, assim se vai branqueando por

seus graus, a saber, mais na parte superior, menos na do meio,

pouconaúltima,equasenadanospésdasfôrmas,aosquaischa-

mamcabuchos,eestemenospurgadoéoquesechamamasca-

vado.Também,comovaipurgando,vaidescendoobarropouco

apoucodentrodafôrma,e,sepurgarbemdevagar,descendosó

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 105

meiamão,quechamammedidadechave,evemaserdesdearaiz

dodedopolegaratéapontadodedomostrador,apurgaçãoserá

boa,ederendimentodemaisaçúcar,eforte;mas,sepurgarapres-

sadamente,renderápouco.

Opurgarmaisdepressaoumaisdevagaroaçúcarnasfôrmas

nascepartedaqualidadedacanaboaoumáepartedocozimento

feitoetemperadoemseuponto.Porque,seocozimentoformais

doqueéjusto,ficaráoaçúcarempanturrado,enuncasepoderá

purgarbem,resistindoàslavagens,nãoporforte,maspordema-

siadamentecozido,eistoseconhecerádenãopurgarenãodescer

obarrosnasfôrmas.Pelocontrário,seoaçúcarlevarpoucocozi-

mento,eatêmperaformuitosolta,irápelamaiorpartedesfeito

emmelparaascorrentes.Ofazeremospãesdoaçúcarolhos,isto

é,terementreoaçúcarbrancoveiasdemascavado,unsdizemque

procededebotarmalasumidadesnobarrodasfôrmas,eoutros

dastêmperasmaisoumenosquentes,oudesigualmentebotadas.

Omelquecaidasfôrmas,depoisdelhesbotarembarro,torna

acozer-se,eabater-senastachas,queparaissoestãodestinadas,

comsuabacia;esefazdeleaçúcar,quechamambrancobatido;e

dátambémseumascavado,quechamammascavadobatido.Ou

seestiladeleaguardente,queeununcaaconselhariaaosenhor

doengenho,paranãoterumacontínuadesinquietaçãonasenza-

ladosnegros,eparaqueosseusescravosnãosejamcomaaguar-

dentemaisborrachosdoqueosfazacachaça.

Oprimeirobarroquesepôsnafôrma,altodoisdedos,quando

setirajáseco,temsóalturadeumdedo,queédepoisdeseisdias;

quandosetiraosegundo(quesebotoucomamesmaalturade

dois dedos), depois de quinze dias, tem só meio dedo de altura.

Acabandooaçúcardepurgar,paramtambémaslavagens;e,três

ouquatrodiasdepoisdaúltima,tira-seosegundobarro,jáseco,e,

depoisdobarrofora,dão-lhemaisoitodiasparaacabardeenxu-

gareescorrer,eentãosepodetirar.Nemcarecedeadmiraçãooser

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o106

obarro,quedesuanaturezaéimundo,instrumentodepurgaro

açúcarcomsuaslavagens,assimcomocomalembrançadonosso

barro,ecomaslágrimassepurificamebranqueiamasalmas,que

anteseramimundas.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 107

vido modo de tirar, mascavar e secar o açúcar

C hegandootempodetiraroaçúcardasfôrmas,sepassa-

rãoemumdiamuitoclarotantasquantaspodereceber

obalcãodesecar;epassamàscostasdosnegros,ouempaviolas,

dacasadepurgarparaobalcãodemascavar.E,quantoaoserodia

muitoclaro,épontodegrandeadvertência,porqueseoaçúcarse

umedecer,aindaqueotornempôraosol,nuncamaistornaaser

perfeitocomoera,assimcomooqueficoudeumanoparaoutro

perde tal sorte o vigor e alvura que nunca mais torna a cobrar;

propriedadetambémdapurezaque,umavezofendida,nuncator-

naaseroquefoi.Presideatodoestebenefícioocaixeiro,ecorre

porsuacontaoqueagoradirei.Aopédobalcão,quechamamde

mascavar,seaventamasfôrmassobreumcouro,quevemaser

bulirnelasdevagarcomasbocasviradasparaoditocouro,para

quesaiambemospães,osquais,postossucessivamenteporum

negrosobreumtoldoqueestáestendidonestebalcão,pormãode

umanegra(àqualchamammãedobalcão),selhestiracomum

facãotodoaqueleaçúcarmalpurgado,edecorparda,quetêmna

parteinferior,eistosedizmascavar,eaotalaçúcarchamamde-

poismascavado.E,entretanto,outrasuacompanheira,queédas

maispráticas,tiracomummachadinhodomesmomascavado

omaisúmido,quechamampédafôrma,oucabucho,eestetorna

paraacasadepurgaremoutrasfôrmas,atéacabardeseenxugar;

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o108

elogooutrasnegrasquebramcomtoletesostorrõesdomascava-

dosobreumtoldo,quetambémhádeiraobalcãodesecar.

Aperfeiçãodospãesconsisteemterempoucomascavado,e

daremduasarrobasemeiadeaçúcarbranco,que,conformeame-

didadasfôrmasdaBahia,émuitobomrendimento.Sequiserem

fazercarasdeaçúcarparamimos,ocaixeirocortaráaquimesmo

comumfacãoaprimeirapartedopão,desorteque,endireitada

eaplainada,tenhaumaarrobadepeso;eestas,depoisdeestarem

aosol,empalham-seouencouram-seevãoparaoreino.Também,

sequiserfazerlascas,cortaráaopão(depoisdesetiraromascava-

do)emseisouoitopartes,easendireitarátodasdequatrocantos

emquadra,parairemtãovistosascomodoces.E,querendofazer

fechosoucaixasdeencomenda,escolherádapartedoaçúcarque

couberaquemasmandafazer,omaisfino,queéodascarasdas

fôrmas,atédezarrobasporfecho,etrintaatétrintaecincopor

caixa.E,doquetemosditoatéagora,seentenderábemoquerem

dizerestesnomes,quesignificamváriasrepartiçõesdeaçúcar,a

saber:caixa,fecho,pão,cara,lasca,torrãoemigalhas,guardando

paraoutrocapítuloodarnotíciadeváriasqualidadesediferenças

deaçúcar.

Passando,pois,dobalcãodemascavarparaobalcãodesecar:

levam-se,emprimeirolugar,paraele,tantostoldosquantossão

necessáriosparaoaçúcarquenaquelediasehádesecar.E,seforde

diversosdonos,conheceráarepartiçãoquecabeacadaqual,pelos

toldoscontinuadosnamesmafileira,sepertenceremaomesmo,

oudescontinuados,seforemdediversossenhores;eoquesediz

doaçúcarbrancosehádedizertambémdomascavado,repartido

pelomesmoestilonassuasprópriasfileiras.Istofeito,levamos

pães para os toldos, e, com um pau grande e redondo no cabo,

emquesepega,enorematedefeitiochato,comoumalançasem

ponta (aoqualchamamdequebrador,oumolequedequebrar),

quebramemquatropartesaospães,ecadaumadestasemoutras

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 109

quatro;elogooutros,comfacões,dividemasmesmasemtorrões;

eestessucessivamentesetornamapartircomtoletesemoutros

torrõesmenores;e,finalmente,depoisdeestaremjáporalgum

tempoaosol,acabam-sedequebraremtorrõezinhospequenos.

Eguarda-sedepropósitoestaordememquebraraoaçúcarpara

que,tendoalgumaumidade,quebradopoucoapouco,seentese

enãosefaçalogoemmigalhasouempó.Estandoassimesten-

dido, pegam nas pontas dos toldos, e, levantando-as, fazem em

cadatoldoummontão,eentretantoaquentam-seastábuaseos

toldos,elogotornamaabriraquelesmontescomrodos,e,des-

ta sorte, as partes que eram interiores ficam expostas ao sol, e

asoutrasestendidassobreaspontasdostoldos,sentemocalor

queeleseastábuasganharam.Espalhado,torna-seamexercom

rodos de camboá, como eles dizem, a saber: um de uma banda

eoutrodeoutra,empurrandocadaumdasuaparteoaçúcar,e

puxando por ele por modo oposto ao que faz no mesmo toldo

onegrofronteiro,atéacabardesecar.E,sederepenteaparecer

algumanuvemqueameacedarchuva,logoacodetodaagente

ainda (se for necessário) a que trabalha na moenda, pejando o

engenhoatéserecolhernosmesmostoldosoaçúcardentroda

casadeencaixar,ouemoutrapartecoberta;edaquitornaoutra

vezparaobalcão,emoutrodiaclaro,estandoastábuasenxutas.

Que,seotempoderlugardeenxugarperfeitamenteoaçúcarno

mesmodianobalcão,passarálogo(domodoqueagoradirei)ao

peso,eseencaixarácomsuaregra.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o110

viido peso, repartição e encaixamento do açúcar

D o balcão de secar vai o açúcar em toldos ao peso, es-

tandopresenteocaixeiro,quetudoassentacomfide-

lidade e verdade, para que se dê justamente a cada um o que é

seu.E,para isso,hábalançasgrandesepesosdeduasarrobas,e

outrosmenores,delibras,compesotambémdetaradopanacu,

emquevaioaçúcaraopeso,usandodepápequenaparatiraro

quesobeja,ouajuntaroquefalta.E,assimcomoasduasmãesdo

balcãoajudamaopeso,paradarlugaraocaixeiro,queestáassen-

tandooquepesa,assimdoisnegroslevamoaçúcarpesadoparaas

caixas,enxutasebem-aparelhadas,asaber,barreadaspordentro

nasuntascombarro,e folhassecasdebananeirasobreobarro,

pondoigualmentetantoaçúcarnacaixadosenhordoengenho

quantonacaixadolavradorcujacanasemoeunomesmoenge-

nho,sendolavradordesuasprópriasterrasenãodasdoengenho,

porque se as terras forem do engenho paga também o lavrador

vintena,ouquinto,quevemaser,alémdametadedecadacinco

pãesum,ouumdecadavinte,conformeousodasterras,porque,

emPernambuco,pagaquintoenaBahia,vintena,ouquindena,

quevemaserdequinzeum,conformeoqueseajustounosarren-

damentos,porseremasterrasjáderendimento,oupornecessita-

remdemenoslimpas.E,assimcomosepesaereparteigualmente

obranco,assimsepesaerepartedomesmomodoomascavado

entreosenhordoengenhoeolavradorquemói,comotemosdito,

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 111

demeias;esóficamosmelesporemcheioaosenhordoengenho,

porrazãodosmuitosgastosquefaz.Tira-setambémodízimoque

sedeveaDeus,oquevemaserdedezum,eesteficanoengenho,e

põe-senascaixasqueantecipadamentemandaocontratadordos

dízimosaocaixeirovazias,edeleastornaacobrarcheias.

Oaçúcarquesebotanascaixasaoprincípiosomenteseigua-

lacomrodoepilões,enãosepila,paraquesenãoquebremas

caixas.Porém,depoisdebotarnelasdoisoutrêspesos,quevêm

aserquatroouseisarrobas,entãosepilacomoitooudezpilões,

quatrooucincodecadabanda,paraqueassenteunidoigualmen-

te.E,aindaqueaderradeiraporçãodoaçúcar,quesechamacara

dacaixa,ébemquesejadomaisescolhido;contudo,seriagrande

descréditodoengenho,enganoemanifestainjustiçasenomeio

sebotassembatidosenacaraaçúcarmaisfino,paraencobrircom

bomoruim,efazertambémaoaçúcarhipócrita.

Acabadodeencheracaixa,iguala-secomrodoecomumpau

chatoegrosso,queunschamam-lhemolequedeassentar,outros,

juiz;e logoseprega,usandodeverruma,pregosemarteloedo

gastalho ou gato, para apertar alguma tábua rachada do modo

queacimaestádito.Levaumacaixaoitentaeseispregos,eulti-

mamentesemarcadomodoquediremos,conformeadiferença

doaçúcar,queagorasehádeexplicar.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o112

viiide várias castas de açúcar, que separadamente se encaixam; marcas das caixas e sua condução ao trapiche

A ntesdemarcarascaixas,énecessáriofalardeváriascas-tasdeaçúcar,queseparadamenteseencaixam,porque

tambémnestadrogahásuanobreza,hácastavil,hámistura.Há,primeiramente,açúcarbrancoemascavado;obrancotomaestenomedacorquetem,emuitoselouvaeestimanoaçúcarmaisadmirável,porquantoselhecomunicadobarro.Omascavadodecorpardaéoquesetiradofundodasfôrmas,aquechamampésoucabuchos.Dobrancoháfino,háredondoehábaixo;etodosestessãoaçúcaresmachos.Ofinoémaisalvo,maisfechadoedemaiorpeso,etaléordinariamenteaprimeiraparte,quechamamcara da fôrma. O redondo é algum tanto menos alvo, e menosfechado;etalécomumenteodasegundapartedafôrma;edigocomumenteporquenãoéestaregrainfalível,podendoacontecerqueacaradealgumasfôrmassejamenosalvaemenosfechadaqueasegundapartedeoutrafôrma.Obaixoéaindamenosalvoequasetrigueironacor;e,aindaquesejafechadoeforte,contudo,portermenosalvura,chama-sebaixoouinferior.

Alémdestastrêscastasdebranco,háoutro,quechamambran-cobatido,feitodomelqueescorreudasfôrmasdomachonacasadepurgar,cozidoebatidooutravez;esaiàsvezestãoalvoefortecomoomacho.E,assimcomohámascavadomacho,queéopédasfôrmasdobrancomacho,assimháomascavadobatido,queéopédas fôrmasdobrancobatido.Oquepingadas fôrmasdomacho,quandosepurga,chama-semel;eoqueescorredobatido

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 113

brancochama-seremel.Domel,unsfazemaguardente,estilando-

-o,outrosotornamacozer,parafazerembatidos,eoutrosoven-

demapanelasaosqueoestilamoucozem;eomesmodigodo

remel.

Vistaadiversidadedosaçúcares,segue-sefalardasmarcasque

sehãodepôrcomamesmadistinçãonascaixas.Marcam-seas

caixascomferroardenteoucomtinta;trêssãoasmarcasquehá

de levar cada caixa, a saber: a das arrobas, a do engenho e a do

senhoroumercadorporcujacontaseembarca.Amarcadefogo

donúmerodasarrobassepõeemcima,nacabeçadacaixa,junto

aotampo,começandodocantodabandadireita,detalsorteque

abarquejuntamenteacabeçadacaixaeotampo.Eistosefazpara

que,sedepoisseabrisseacaixa,seconheçamaisfacilmente,pelas

partesdamarca,queestãonacabeça,enãocorrespondemàsou-

traspartes,queestãonabordadotampo.

Amarcadoengenho,tambémdefogo,sepõenamesmatesta

dacaixa, juntoaofundo,nocantodabandadireita,paraquese

possam averiguar as faltas que poderia haver no encaixamento

doaçúcar.Porque,assimcomoàsvezesnaspipasdebreuquevêm

de Portugal se acham pedras breadas, e nas peças de linho fino

porforanomeioseachapanodeestopa,oumenornúmerode

varasqueasqueseapontamnafacedapeça,assimsepoderiam

mandarnascaixasdeaçúcarmenosarrobasdasqueseapontam

namarca,enomeiodacaixaaçúcarmascavadoporbranco,como

játemacontecido,porculpadealgumcaixeiroinfiel.

Amarcadosenhordoaçúcaroudomercador,porcujaconta

seembarca,sefordefogo,sepõenomeiodaditatestadacaixa;e,

senãofordefogo,põe-senomesmolugarcomtintaoseunome,

oqualsepoderátirarcomumaenxó,quandosevendesseacaixaa

outromercador,pondonaditaparteonomedequemacomprou.

Levaamarcadobrancomachoumsó“B”;obrancobatido,dois

“BB”.Omascavadomacho,um“M”;omascavadobatido,um“M”

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o114

eum“B”.Amarca,v. g.,doengenhodeSergipedoCondelevaum

“S”,daPitanga,um“P”.Eamarca,v. g.,docolégiodaCompanhia

deJesuslevaumacruzdentrodeumcírculodestafigura:+.

Nos engenhos à beira-mar, levam-se as caixas ao porto desta

sorte.Comroloseespequespassamumaatrásdeoutradacasa

dacaixariaparaumacarreta,feitaparaissomesmomaisbaixa,e

sobreestaselevacadacaixaatéoporto,puxandopelascordasos

negrosdequemamandaembarcarporsuaconta.

Dos engenhos, pela terra dentro, vem cada caixa sobre um

carro,comtrêsouquatrojuntasdebois,conformeaslamasque

hãodevencer;enistocustacaroodescuido,porque,pornãoas

trazerem no tempo do verão, depois do inverno, estazam-se e

matam-seosbois.

Doportopassamsobretábuasgrossasapiqueparaobarco;e,

aoentrar,hãodetermãonelacomsocairo,paraquenãocaiade

pancadaepadeçaalgumdetrimento.Nobarcosehãodearrumar

ascaixasmuitobem,paraquevãosegurasnemsemetammais,

antesmenosdasqueobarcopoderecebere levar;esejafortee

bem-velejado,ecomarraispráticodascoroasepedrasecomma-

rinheirosnãoatordoadosdaaguardente,saindocombomtempo

emaré.

Doengenhoatéotrapiche,ouatéanauemqueseembarca,

pagacadacaixaquevempormarumapatacadefrete.Aoentrar

esairdotrapiche,meiapataca.Noprimeiromês,quercomeçado

só,queracabado,aindaquenãofossemmaisquedoisdias,paga

doisvinténs;nosoutrosmesesseguintes,umvintémcadamês.E,

seotrapicheiroouocaixeirodotrapichevenderporcomissãodo

donoalgumaçúcar,ganhaumapatacaporcadacaixa.

E,comisso,temoslevadooaçúcardocanavial,ondenasce,até

osportosdoBrasil,dondenavegaparaPortugal,paraserepartir

pormuitascidadesdaEuropa.Faltaagoradizeralgumacoisados

preçosantigosemodernosporquesãohojetãoexcessivos.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 115

ixdos preços antigos e modernos do açúcar

D evinteanosaestapartemudaram-semuitoospreços,

assimdoaçúcarbrancocomodomascavadoebatido.

Porqueobrancomacho,quesevendiaporoito,noveedeztostões

aarroba,subiudepoisadoze,quinzeedezesseis,eultimamentea

dezoito, vinte e vinte e dois e vinte e quatro tostões; e depois

tornouadezesseis.Osbrancosbatidos,queselargavamporsete

eoitotostões,subiramadozeeacatorze.Omascavadomacho,

que valia cinco tostões, vendeu-se por dez e onze e ainda mais.

Eomascavadobatido,cujopreçoeraumcruzado,chegouaseis

tostões.

A necessidade obriga a vender barato e a queimar (como di-

zem) o açúcar fino, que tanto custa aos servos, aos senhores de

engenhoeaoslavradoresdacana,trabalhandoegastandodinhei-

ro.Tambémafaltadenaviosécausadesenãodarporeleoque

vale.Mas,otercrescidotantonestesanosopreçodocobre,ferroe

pano,edomaisdequenecessitamosengenhos,eparticularmen-

teovalordosescravosqueosnãoqueremlargarpormenosde

cemmil-réis,valendoantesquarentaecinquentamil-réisosme-

lhores,éaprincipalcausadehaversubidotantooaçúcardepois

dehavermoedaprovincialenacionaledepoisdedescobertasas

minasdeouro,queserviramparaenriquecerapoucoseparades-

truiramuitos,sendoasmelhoresminasdoBrasiloscanaviaiseas

malhadas,emqueplantaotabaco.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o116

Seseatentarparaovalorintrínsecoqueoaçúcarmereceter

pelasuamesmabondade,nãoháoutradrogaqueoiguale.E,se

tantosabeatodosasuadoçuraquandoocomem,nãohárazão

paraquesenãolhedêtalvalorextrínsecoquandosecomprae

vende, assim pelos senhores de engenho e pelos mercadores,

comopelomagistradoaquempertenceajustá-lo,quepossadar

portantadespesaalgumganhodignodeserestimado.Portanto,

sesereduziremospreçosdascoisasquevêmdoReinoedosescra-

vosquevêmdeAngolaecostadeGuiné,aumamoderaçãocom-

petente,poderãotambémtornarosaçúcaresaopreçomoderado

de dez e doze tostões, parecendo a todos impossível o poderem

continuardeumaeoutrapartetãodemasiadosexcessos,semse

perderoBrasil.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 117

xdo número das caixas de açúcar que se fazem

cada ano ordinariamente no brasil

C ontam-se no território da Bahia, ao presente, cento equarentaeseisengenhosdeaçúcarmoentesecorrentes,

alémdosquesevãofabricando,unsnoRecôncavo,àbeira-mar,eoutrospelaterradentro,quehojesãodemaiorrendimento.OsdePernambuco,postoquemenores,chegamaduzentosequarentaeseis,eosdoRiodeJaneiro,acentoetrintaeseis.

Fazem-se,umanoporoutro,nosengenhosdaBahia,catorzemilequinhentascaixasdeaçúcar.Destas,vãoparaoReinocator-zemil,asaber:oitomildebrancomacho,trêsmildemascavadomacho,mileoitocentasdebrancobatido,mileduzentasdemas-cavadobatido;equinhentasdeváriascastassegastamnaterra.

As que se fazem nos engenhos de Pernambuco, um ano poroutro,sãodozemiletrezentas.VãodozemilecemparaoReino,asaber:setemildebrancomacho,duasmileseiscentasdemas-cavadomacho,milequatrocentasdebrancobatido,milecemdemascavadobatido;egastam-senaterraduzentasdeváriascastas.

NoRiodeJaneiro,fazem-se,umanoporoutro,dezmiledu-zentasevinte.AsdezmilecemvãoparaoReino,asaber:cincomil e seiscentas de branco macho, duas mil e quinhentas demascavadomacho,mileduzentasdebrancobatido,oitocentasde mascavado batido; e ficam na terra cento e vinte de váriascastas,paraogastodela.

EjuntastodasestascaixasdeaçúcarquesefazemumanoporoutronoBrasil,vêmasertrintaesetemilevintecaixas.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o118

xique custa uma caixa de açúcar de trinta e cinco arrobas, posta na alfândega de lisboa e já despachada, e do valor de todo o açúcar que cada ano se faz no brasil

D orolquesesegue,constaráprimeiramente,comexata

distinção,ocustoquefazumacaixadeaçúcarbranco

machodetrintaecincoarrobas,desdequeselevantaemqualquer

engenhodaBahiaatésepôrnaalfândegadeLisboa,epelaporta

delafora;elogooquecustamumademascavadomacho,umade

brancobatidoeumademascavadobatido.Emsegundolugar,o

resumodovalordetodooaçúcarquecadaanosefaznassafrasda

Bahia,PernambucoeRiodeJaneiro.

Custosdeumacaixadeaçúcarbrancomachodetrintaecinco

arrobas

Pelocaixãonoengenho,aomenos.................... 1$200

Porselevantaroditocaixão........................... $050

Por86pregosparaoditocaixão....................... $320

Por35arrobasdeaçúcara1$600 . . . . .................. 56$000

Porcarretoàbeira-mar............................... 2$000

Porcarretodoportodomaratéotrapiche............ $320

Porguindastenotrapiche............................. $080

Porentradanomesmotrapiche....................... $080

Poralugueldomêsnoditotrapiche................... $020

Porsebotarforadotrapiche........................... $160

Pordireitosdosubsídiodaterra....................... $300

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 119

Pordireitoparaofortedomar ........................ $080

Porfretedonavioa20$ ................................11$520

PordescargaemLisboa,paraaalfândega.............. $200

Porguindastenapontedaalfândega.................. $040

Porserecolherdaponteparaoarmazém.............. $060

Porseguardarnaalfândega............................ $050

Porcascaveldearquear,porcadaarco................. $080

Porobras,tarasemarcas............................... $060

Poravaliaçãoedireitosgrandes,a800réis,ea20por100 . 5$600

Porconsuladoa3por100.............................. $840

Porcombóia140réisporarroba...................... 4$900

Pormaioria........................................... $600 ______

O que tudo importa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84$560

Custosdeumacaixadeaçúcarmascavadomachodetrintae

cincoarrobas

Por35arrobasdoditoaçúcara1$000.................. 35$000

Poravaliaçãoedireitos,a450réisea20por100....... 3$150

Porconsuladoa3por100............................. $472

Portodososmaisgastos .............................. 22$120 ______

O que tudo importa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60$742

Custosdeumacaixadeaçúcarbrancobatidodetrintaecinco

arrobas

Por35arrobasdoditoaçúcara1$200 ................. 42$000

Poravaliaçãoedireitosa600réisea20por100....... 4$720

Porconsuladoa3por100 ............................. $648

Portodososmaisgastos .............................. 22$120 ______

O que tudo importa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69$488

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o120

Custosdeumacaixadeaçúcarmascavadobatidodetrintae

cincoarrobas

Por35arrobasdoditoaçúcara640réis ............... 22$400

Poravaliaçãoedireitos,a300réisea20por100 ...... 2$100

Porconsuladoa3por100............................. $315

Portodososmaisgastos .............................. 22$120 ______

O que tudo importa ................................. 46$935

Caixas de açúcar que ordinariamente se tiram cada ano da

Bahia;eoqueimportaovalordelasatrintaecincoarrobas

Por8.000caixasdebrancomachoa84$560...... 676:480$000

Por3.000caixasdemascavadomachoa60$742.. 182:226$000

Por1.800caixasdebrancobatidoa69$488 ...... 125:078$400

Por1.200caixasdemascavadobatido,a46$935.. 56:322$000

Por500caixasquesegastamnaterra,a60$200.. 30:100$000 ____________

São 14.500caixas, e importam . . . . . . . . . . . . . . . . 1.070:206$400

Caixas de açúcar que ordinariamente se tiram cada ano de

Pernambuco;eoqueimportaovalordelas,atrintaecincoarrobas

Por 7.000caixasdebrancomachoa78$420...... 548:940$000

Por 2.600caixasdemascavadomachoa54$500.. 141:700$000

Por1.400caixasdebrancobatidoa63$200....... 88:480$000

Por1.100caixasdemascavadobatidoa39$800 .. 43:780$000

Por200caixasquesegastamnaterra,a56$200 .. 11:240$000 ___________

São 12.300caixas, e importam . . . . . . . . . . . . . . . . 834:140$000

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 121

CaixasdeaçúcarqueordinariamentesetiramcadaanodoRio

deJaneiro,eoqueimportaovalordelasatrintaecincoarrobas

Por5.600caixasdebrancomachoa72$340....... 405:104$000

Por2.500caixasdemascavadomachoa48$220 .. 120:550$000

Por1.200caixasdebrancobatidoa59$640 ....... 71:568$000

Por800caixasdemascavadobatidoa34$120..... 27:296$000

Por120caixasparaogastodaterra,a52$320..... 6:278$400 ___________

São 10.220caixas, e importam . . . . . . . . . . . . . . . . 630:796$100

Resumodoqueimportatodooaçúcar

OdaBahia,milesetentacontos,duzentoseseismilequatro-

centosréis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.070:206$400

OdePernambuco,oitocentosetrintaequatrocontos,centoe

quarentamil-réis. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 834:140$000

OdoRiode Janeiro, seiscentose trintacontos, setecentose

noventaeseisequatrocentosréis.............. 630:796$400 ____________

Soma tudo dois mil, quinhentos e trinta e cinco contos, cento

e quarenta e dois mil e oitocentos réis . . . . . . . . 2.535:142$800

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o122

xiido que padece o açúcar desde o seu nascimento na canaaté sair do brasil

É reparosingulardosquecontemplamascoisasnaturais

verqueasquesãodemaiorproveitodogênerohumano

nãosereduzemàsuaperfeiçãosempassaremprimeiropornotá-

veisapertos;eistosevêbemnaEuropanopanodelinho,nopão,

noazeiteenovinho,frutosdaterratãonecessários,enterrados,

arrastados,pisados,espremidosemoídosantesdechegaremaser

perfeitamenteoquesão.Enósmuitomaisovemosnafábricado

açúcar,oqual,desdeoprimeiroinstantedeseplantaratéchegar

àsmesasepassarentreosdentesasepultar-senoestômagodos

queocomem,levaumavidacheiadetaisetantosmartíriosque

osqueinventaramostiranoslhesnãoganhamvantagem.Porque

sea terra,obedecendoao impériodoCriador, deu liberalmente

acanapararegalarcomasuadoçuraospaladaresdoshomens,

estes,desejososdemultiplicaremsideleitesegostos,inventaram

contra a mesma cana, com seus artifícios, mais de cem instru-

mentosparalhemultiplicaremtormentosepenas.

Porisso,primeiramentefazemempedaçosasqueplantameas

sepultamassimcortadasnaterra.Mas,elastornandologoquase

milagrosamentearessuscitar,quenãopadecemdosqueaveem

saircomnovoalentoevigor?Jáabocanhadasdeváriosanimais,já

pisadasdasbestas,jáderrubadasdovento,eaofimdescabeçadase

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 123

cortadascomfoices.Saemdocanavialamarradas;e,oh!,quantas

vezes antes de saírem daí são vendidas! Levam-se, assim presas,

ounoscarrosounosbarcosàvistadasoutras,filhasdamesma

terra,comoosréus,quevãoalgemadosparaacadeia,ouparao

lugardosuplício,padecendoemsiconfusãoedandoamuitos

terror. Chegadas à moenda, com que força e aperto, postas en-

treoseixos,sãoobrigadasadarquantotêmdesubstância?Com

quedesprezoselançamseuscorposesmagadosedespedaçados

ao mar? Com que impiedade se queimam sem compaixão no

bagaço?Arrasta-sepelasbicasquantohumorsaiudesuasveias

e quanta substância tinham nos ossos; trateia-se e suspende-se

naguinda,vaiafervernascaldeiras,borrifado(paramaiorpena)

dosnegroscomdecoada;feitoquaselamanococho,passaàfar-

taràsbestaseaosporcos,saidoparolescumadoeselheimputaa

bebedicedosborrachos.Quantasvezesovãovirandoeagitando

com escumadeiras medonhas? Quantas, depois de passado por

coadores,obatemcombatedeiras,experimentandoeledetacha

emtachaofogomaisveemente,àsvezesquasequeimado,eàs

vezesdesafogueadoalgumtanto,sóparaquechegueapadecer

maistormentos?Crescemasbatedurasnastêmperas,multiplica-

-seaagitaçãocomasespátulas,deixa-seesfriarcomomortonas

fôrmas, leva-separaacasadepurgar,semteremcontraeleum

mínimo indício de crime, e nela chora, furado e ferido, a sua

tãomalogradadoçura.Aqui,dão-lhecombarronacara;e,para

maior ludíbrio,atéasescravas lhebotam,sobreobarrosujo,

aslavagens.Corremsuaslágrimasportantosriosquantassãoas

bicasqueasrecebem;etantassãoelasquebastamparaencher

tanquesprofundos.Oh,crueldadenuncaouvida!Asmesmaslá-

grimasdoinocentesepõemafervereabaterdenovonastachas,

asmesmas lágrimasseestilamà forçade fogoemlambique;e,

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o124

quantomaischorasuasorte,entãotornamadar-lhenacaracom

barro,etornamasescravasalançar-lheemrostoaslavagens.Sai

destasortedopurgatórioedocárceretãoalvocomoinocente;e

sobreumbaixobalcãoseentregaaoutrasmulheres,paraquelhe

cortemospéscomfacões;eestas,nãocontentesdelhoscortarem,

em companhia de outras escravas, armadas de toletes, folgam

delhesfazerosmesmospésemmigalhas.Daí,passaaoúltimo

teatrodeseustormentos,queéoutrobalcão,maioremaisalto,

onde,expostoaquemquisermaltratar,experimentaoquepodeo

furordetodaagentesentidaeenfadadadomuitoquetrabalhou

andandoatrásdele;e,porisso,partidocomquebradores,cortado

comfacões,despedaçadocomtoletes,arrastadocomrodos,pisa-

dodospésdosnegrossemcompaixão,fartaacrueldadedetantos

algozesquantossãoosquequeremsubiraobalcão.Examina-se

porrematenabalançadomaiorrigoroquepesa,depoisdefeito

em migalhas; mas os seus tormentos gravíssimos, assim como

nãotêmconta,assimnãoháquempossabastantementeponde-

rá-losoudescrevê-los.Cuidavaeuque,depoisdereduzidoelea

esteestadotãolastimoso,odeixassem;masvejoque,sepultado

emumacaixa,nãosefartamdeopisarcompilões,nemdelhe

darnacara,jáfeitaempó,comumpau.Pregam-nofinalmentee

marcamcomfogoaosepulcroemquejaz;e,assimpregadoese-

pultado,tornapormuitasvezesaservendidoerevendido,preso,

confiscadoearrastado;e,selivradasprisõesdoporto,nãolivra

dastormentasdomar,nemdodegredo,comimposiçõesetribu-

tos,tãosegurodesercompradoevendidoentrecristãoscomoar-

riscadoaserlevadoparaArgelentremouros.E,aindaassim,sem-

predoceevencedordeamarguras,vaiadargostoaopaladardos

seusinimigosnosbanquetes,saúdenasmezinhasaosenfermos

egrandeslucrosaossenhoresdeengenhoeaoslavra-doresque

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 125

operseguirameaosmercadoresqueocomprarameolevaram

degradadonosportosemuitomaioresemolumentosàFazenda

Realnasalfândegas.

SEGUNDA PARTE

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 127

cultura e opulência do brasil na lavra do tabaco

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 129

icomo se começou a tratar no brasil

da planta do tabaco, e a que estimação tem chegado

S eoaçúcardoBrasilotemdadoaconheceratodososrei-

nos e províncias da Europa, o tabaco o tem feito muito

mais afamado em todas as quatro partes do mundo, nas quais

hojetantosedeseja,ecomtantasdiligênciaseporqualquervia

seprocura.Hápoucomaisdecemanosqueestafolhasecomeçou

aplantarebeneficiarnaBahia;evendooprimeiroqueaplantou

olucro,postoquemoderado,queentãolhederamumaspoucas

arrobas, mandadas com alguma esperança de algum retorno a

Lisboa,animou-seaplantarmais,nãotantoporcobiçadenego-

ciante,quantoporselhepedirdosseuscorrespondenteseamigos

quearepartiamporpreçoacomodado,porémjámaislevantado.

Atéque, imitadoporvizinhos,quecomambiçãoaplantarame

enviaramemmaiorquantidade,e,depois,porgrandepartedos

moradores dos campos, que chamam da Cachoeira, e de outros

dosertãodaBahia,passoupoucoapoucoaserumdosgênerosde

maiorestimaçãoquehojesaemdestaAméricameridionalparao

ReinodePortugaleparaosoutrosreinoserepúblicasdenações

estranhas.E,destasorte,umafolhaantesdesprezada,equasedes-

conhecida,temdadoedáatualmentegrandescabedaisaosmora-

doresdoBrasileincríveisemolumentosaoseráriosdospríncipes.

Desta,pois,falaremosagora,mostrandoprimeiramentecomo

se semeia e planta, como se limpa e colhe, como se beneficia e

cura,comoseenrolaedespachanaalfândega.2.Comosepisaese

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o130

lhedáocheiro,qualémelhorparamascar,qualparaocachimbo

equalparasepisar,eseogranidoouoempó.3.Dousomoderado

deleparaasaúde,edoimoderadoeviciosonaquantidade,nolu-

garenotempo.4.Dosrolosquecadaanoordinariamenteseem-

barcamdoBrasilparaPortugal,dovalordelenaBahiaenoReino,

daspenasparasenãomandarouintroduzirsemdespacho,edos

artifíciosparasepassardecontrabando,nãoobstanteavigilância

dosguardas,assimdentrocomoforadePortugal.E,finalmente,

dorendimentodestecontratoedarepartiçãodotabacoportodas

aspartesdomundo.Tudoconformeasnotíciascertasqueprocu-

reiemederamosmaisinteligentesemaisversadosnestalavra,

aosquais,noquedirei,mereporto.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 131

iiem que consiste a lavra do tabaco,

e de como se semeia, planta e limpa, e em que tempo se há de plantar

T odaalavraeculturadotabacoconsiste,porsuaordem,

em se semear, plantar, limpar, capar, desfolhar, colher,

espinicar,torcer,virar,ajuntar,enrolar,encourarepisar;edetudo

istoiremosfalandonoscapítulosseguintes.E,começandoneste

pelaplanta: semeia-seestaemcanteirosbem-estercados,ouem

queimadasfeitasnomato,ondeháterraconvenienteparaissoe

aparelhadasnomesmoanoemquesehádesemear.Otempoem

quecomumentesesemeiasãoosmesesdemaio,junhoejulho;

e,depoisdenascidaasemente,nascetambémcomelaalgumca-

pim,oqualsetiracomtento,quesenãoarranquepordescuido

comocapimviciosoaplantainocente.

Tendo a planta já um palmo, ou pouco menos, de altura, se

passa dos canteiros, onde nasceu, para os cercados ou currais,

ondesehádecriar,cujaterra,quantomaisestercada,émelhor.

Mas,senosditoscurraismoroupormuitotempoogado,há-sede

tirarantesalgumapartedoesterco,paraqueaforçadele,ainda

nãocurtidodotempo,nãoqueimeaplanta,emvezdeaajudar.

Distribui-se a dita terra em regos, com riscador, para que a

plantafiquevistosa.Adistânciadeumregodeoutroédecinco

palmos,eadasplantasentresiédedoispalmosemeio,paraque

sepossamestenderecrescerfolgadamente,semumaserdeem-

baraçoàoutra.Planta-seemcovasdeumpalmo,quantocavaa

enxadametida;eestasseenchemdeterrabem-estercadaecom

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o132

vigilânciaecuidadosecorreaditaplantatodososdiasparaver

setemlagarta,eestalogosemata,paraanãocomer,sendotenra.

Os inimigos da planta são, ordinariamente, além da lagarta, a

formiga,opulgãoeogrilo.Alagarta,empequena,corta-lheopé

ouraizdebaixodaterra,e,emcrescendo,corta-lheasfolhas.O

mesmofaztambémaformiga,eporissosepõemnosregos,onde

estaaparece,outrasfolhasdemandiocaouaroeira,paraquede-

lascomamasformigasenãocheguemacortarecomerasdota-

baco,que,sendocortadasdestasorte,nãoservem.Opulgão,que

éummosquitopreto,poucomaiorqueumapulga,fazburacos

nasfolhas,eestas,assimfuradas,nãoprestamparasefazerdelas

torcida. O grilo, enquanto a planta é pequena, a corta rente da

terra,e,sendojácrescida,tambémseatreveacortar-lheasfolhas.

Sendo a folha já bastantemente crescida, se lhe chega ao pé

aquelaterraquesetiroudascovasemquefoiplantada,daquela

partequeficouarrumadamaisalta;porém,emtempodeinverno,

nãoseapertamuito,porquetodaestáúmida;noverão,aperta-se

mais,paraqueaterraadefendaeaumidade,postoquemenor,lhe

dêoprimeiroalimento.Eistofazquemaplanta.

Estandoaplantaemsuaconta,comoitoounovefolhas,con-

formeaforçacomquevemcrescendo,selhetiraoolhodecima,

ougrelo,antesdeespigar,oque,poroutrafrase,chamamcapar.E

porquefaltando-lheesteolho,nasceemcadapédasfolhasoutro

olho,todosestesolhossehãodebotarfora(eaistochamamde-

solhar)paraquenãotiremsustânciaàsfolhas.Eestadiligência

se faz pelo menos de oito em oito dias; e mais frequentemente

se visitam e correm os regos para tirar o capim, até estarem as

folhas sazonadas, o que se conhece por aparecerem nelas umas

nódoasamarelas,ouporestarjápretopordentroopédafolha,o

quecomumentesucedeaoquartomêsdepoisdepostasemsuas

covasasplantas.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 133

iiicomo se tiram e curam as folhas do tabaco; como delas se fazem e beneficiam as cordas

Q uebram-seasfolhasrentedahásteacomotalo,ejuntasemcasasedeixamestarassimporvinteequatrohoras,

poucomaisoumenos;elogoantesdeseesquentaremesecarem,sedependuramduaseduaspelopé,metidasentreapalha(dequeconstamascasasemquesebeneficiam)easvaras,ou,emoutraparte,ondelhesdêoventomaslhesnãochegueosol,porqueseestelheschegasse,logosesecariameperderiamasustância.E,tantoqueestiveremenxutasemsuaconta,quepoucomaisoumenosserádepoisdeestaremassimdependuradasdoisdias, sebotamnochão,eselhestiraamaiorpartedotalopelaparteinfe-rior,comodevidocuidado,paraquenãoserasguecomodesviodotalo;eaistochamamespinicar.Eentãosedobrampelomeioasmelhores,quehãodeservirdecapaparaacordaquesehádefa-zerdetodasasmaisfolhas.Eadvirta-sequeasfolhasquesetiraramemumdianãosehãodemisturarsenãocomasquesetiraremnodiaseguinte,paraquesejamigualmentesazonadas;e,senãoforemassim,umasprejudicarãoaobomconcertodasoutras.

Curadasasfolhasetiradojáotalo,comoestádito,delassefazuma corda da grossura quase de três dedos. E, para isso, haverárodaeumtorcedorestendido,paraqueacordafiqueunida,igualeforte,eatrásdeleestaráoutro,colhendoatorcidasobreumpauou sobre o aparelho, como qualquer outra corda simples e nãocomoasquesefazemdecordões;ejuntodotorcedorvãoosrapa-zes,quedãoasfolhasparasetorcerememcorda.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o134

ivcomo se cura o tabaco depois de torcido em corda

F eitaacordadocomprimentoquequiseremeenrodilhada

emumpau,sedesenrolacadadia,asaber,pelamanhãe

ànoite,epassa-seaoutropau,paraquenãoarda;enapassagem

sevaitorcendoeapertandobrandamente,paraquefiquebemli-

gadaedura.E,tantoqueficarpreta,vira-sesóumavezcadadia;

e,comosevaiaperfeiçoando,sediminuemasviraduras,atéficar

em estado que se possa recolher sem temor de que apodreça. E

comumente este benefício costuma durar quinze ou vinte dias,

conformevaiotempomaisoumenosúmidoouseco.

Segue-se atrás disto o que chamam ajuntar, que vem a ser

pôrtrêsbolasdecordadetabacoemumpau,ondeficaatéque

chegueotempodeenrolar.E,entretanto,guardam-seestasbolas

notendal,queécomoumandaimealto,comseusregosembaixo,

parareceberemacaldaquebotamdesiessasbolas,eestaseajunta

eguardaparadepoisusardela,quandofortempodeenrolar.

O último benefício que se lhe faz é o seguinte: tempera-se a

caldadomesmotabacocomseuscheirosdeerva-doce,alfavaca

emanteigadeporco;equemfazmanojosdeencomendabota-

-lhealmíscarouâmbar,seotem;eporestacaldamisturadacom

mel de açúcar (quanto mais grosso, melhor) se passa a mesma

cordadetabacoumavez,elogosefazemrolos,domodoseguinte.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 135

vcomo se enrola e encoura o tabaco,

e que pessoas se ocupam em toda a fábrica dele,

desde a sua planta até se enrolar

P araenrolarotabaco,dobramacordajácuradaemelada,

de comprimento de três palmos, sobre uma estaca não

muitogrossaeleve,quenasextremidadestemquatrotabuinhas

emcruz,sobreasquais,dobradaeseguradadeumaeoutraparte

aditacorda,sevaienrolandoatéofim,puxandosemprebeme

unindoumadobracomoutra,desortequenãofiquevãoalgum

entre as dobras. E para que as cabeças fiquem sempre direitas,

alémdascruzetasquelevam,lhesvãometendofolhasdeurucuri

nosvãos,paraquefiquembemunidascomasdobrasdedentro.

Acabado o rolo, se cobre primeiramente com folhas de cara-

vatásecas,amarradascomembira;edepoisselhefazumacapa

decourodamedidadorolo,aqual,cosidaeapertadamuitobem,

marca-se com a marca do seu dono. E desta sorte vão os rolos

porterraemcarrosepormarembarcosaseremdespachadosna

alfândega,antesdesemeteremnasnaus.Ecadarolopesacomu-

menteoitoarrobas.

Vindo agora a falar das pessoas que se ocupam na fábrica e

culturadotabaco,elaétalqueatodosdáquefazer,porquenela

trabalham grandes e pequenos, homens e mulheres, feitores e

servos.Mas,nemtodosservemparaqualquerministério,dosque

acima ficam referidos. Para semear e plantar a folha é necessá-

rioquesejapessoaqueentendadisso,paraqueseguardebemo

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o136

modo,adireituraeadistância,assimdoregocomodascovas.O

cavarascovaspertenceaosqueandamnoserviçocomaenxada;

osrapazesbotamospésdaplanta,asaber,umemcadaumadas

covas,quejáficamfeitas.Eoqueplantaaperta-lheaterraaopé

maisoumenos,conformeaumidadedela.Todaagenteseocupa

emcataralagartaduasvezesnodia,asaber,pelamadrugadae

depoisdeestarosolposto,porquedediaestádebaixodaterra,

eosinaldeestaraíéoachar-sealgumafolhacortadadenoite.

Chegar-lheaterracomaenxadaétrabalhodosgrandes.Capar

aplantajácrescida,istoé,tirar-lheoolhoougrelonapontada

hástea,éofíciodenegrosmestres.Desolhar,quevemasertirar

os outros olhos que nascem entre cada folha e a hástea, fazem

pequenosegrandes.Apanharoucolherasfolhasédequemsabe

conhecer quando é tempo, pelo sinal que tem a folha onde se

pegacomahástea, queéoseraíde corpreta.Toda a gentede

serviçoseocupaemdependurarasfolhasnosaltos,eistosefaz

comumentedenoite.Pinicarouespinicarouespicar,quetudo

éomesmo,evemasertirarotaloàsfolhasdotabaco,étraba-

lholeve,depequenosegrandes.Torcerasfolhas,fazendodelas

corda, encomenda-se a algum negro mestre; e o que anda com

arodaouengenhodetorcerhádesernegrorobusto;etambém

botaracapaàcorda,paraquefiquebemredonda,éobradenegro

experimentado.Osrapazesdãoaotorcedorasfolhasetambém

ascapasaoquevaicobrindocomasmelhoresacorda,eomes-

moquebotaascapaséoqueenrola.Opassarascordasdeum

pauparaoutrocorreporcontadedoisnegros,dosquaisumestá

noviradoreoutrovaidesandandoacordaenroladanopau.Os

queviramoumudamacordadeumpauparaoutrosãonegros

mestres,eemcadaviradorsãonecessários três:umque largue

acorda,outroqueacolhaeoutroqueandenovirador.Ajuntar,

queépôracordadetrêsbolasemumpau,éobradosnegrosmais

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 137

destros,esãotrês,eàsvezesquatro,porquenãobastaumsóno

virador, mas há mister de dois, para que apertem bem a corda.

Enrolar,finalmente,éocupaçãodebonsoficiais,paraquefique

aobrasegura.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o138

vida segunda e terceira folhas do tabaco, e de diversas qualidades dele, para se mascar, cachimbar e pisar

T udooqueestáditoatéaquidotabaco,quechamamda

primeirafolha,evaleomesmoqueodaprimeiracolhei-

ta,sehádeentendertambémdodasegundaeterceirafolhas,se

aterraajudarparatantoeforparaissoajudadacomobenefício

dotempoedoesterco.Portanto,tiradastodasasprimeirasfolhas,

corta-seahásteamenosdeumpalmosobreaterra,paraquebro-

temassegundas;e,crescendoelas,selhestiram(comoestádito

acima)osolhosdostroncoseocapimdosregos;eomesmobene-

fícioquesefezàsprimeirasfolhassefazàsdasegundacolheita.E,

seaterraforforte,faz-seaterceiraemultiplicam-seosrolos.

Otabacodaprimeirafolhaéomelhor,omaisforteeoquemais

dura,eesteserveparaocachimboeparasemascarepisar.Ofraco

parasemascarnãoserve,esóprestaparasebebernocachimbo.

Osqueoquiserempisarhãodeajuntaraomelhoraquelestalos

quesetiramdasfolhas,depoisdeestarembemsecos,porqueestes,

pisadoscomasfolhas,fazemaotabacoforteedeboacor.E,para

otabacoempó,odasAlagoasdePernambucoeodosCamposda

CachoeiraedasCapivarassãoosmelhores.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 139

viicomo se pisa o tabaco; do granido e em pó;

e como se lhe dá o cheiro

P ara se pisar o tabaco, há de ser bem seco, ou ao sol, ou

embacias,oufornosdecobre,comatençãoparaquenão

queime,e,porisso,sehádemexercontinuamente;eospilõesem

quesepisahãodeserdepedra-mármore,comasmãosdepisar

depau.Pisado,peneira-se,eoqueestivercapazsetiraàparte,e

omaisgrossosetornaapisar,atésereduzirempó.Eesteéoque

comumentemaisseprocuraeseestima.

DogranidoseusamuitonaItália,efaz-sedestasorte.Toma-se

o tabaco já feito em pó e põe-se em um alguidar vidrado, bota-

-se-lhe em quantidade moderada algum mel ou calda de tabaco, e

seestaformuitogrossasefarálíquida,comumpoucodevinho.

Depois,paraqueseváincorporando,semexemuitobeme,me-

xido, se levanta e meneia-se entre as mãos, como quem faz bo-

linhos;e,estandoassimúmido,sepassaporumaoropemafina,

enestapassagempelosburaquinhosdaoropemase formamos

granidos,comoosdapólvorafina,eficaotabacogranido.Eoque

nãopassapelooropema,porseraindagrosso,torna-seamenear,

comoestádito,entreasmãos,atésercapazdepassar.Passado,se

secaaosolsemsemexer,paraquenãotorneaamassar-seeperca

oserdegranido.

Depois de o tabaco granido estar seco, se lhe quiserem dar

algum cheiro, borrifa-se com água cheirosa, ou põe-se no mes-

mo vaso em que se recolheu uma baunilha inteira, ou alguma

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o140

quantidade de âmbar, ou de algália ou de almíscar. Porém, o

tabacoempónãoécapazdeserborrifadocomáguacheirosa,

porquecomelaseamassariaenãoficaria,comosepretendeu,

soltoempó.

OtabacoquesepisanoBrasilvaisemmistura,singeloelegíti-

moemtudo;e,porisso,tantoseestima.Mas,oquesepisaemal-

gumaspartesdaEuropavende-setãoviciadoqueapenasmerece

onomedetabaco,poiscomeleatéascascasdelaranjasepisam.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 141

viii

do uso moderado do tabaco para a saúde, e da demasia nociva à mesma saúde,

de qualquer modo que se use dele

O s que são demasiadamente afeiçoados ao tabaco o

chamam erva santa, nem há epíteto de louvor que

lhenãodeemparadefenderoexcessodignoderepreensãoede

nota.Homensháque,parece,nãopodemviversemestequinto

elemento, cachimbando a qualquer hora em casa e nos cami-

nhos, mascando as suas folhas, usando de torcidas e enchendo

osnarizesdestepó.Eestademasianãosomentesevênosmarí-

timosenostrabalhadoresdequalquercasta,forroseescravos,os

quaisestãopersuadidosdequesócomotabacohãodeteralento

e vigor, mas também em muitas pessoas nobres e ociosas, nos

soldadosdentrodocorpodaguarda,eemnãopoucoseclesiásti-

cos,clérigosereligiosos,naopiniãodosquaistodaessademasia

sedefende,aindaquandosevêmanifestamentequenãoseusa

pormezinha,maspordargostoaumexcessivoemal-habituado

prurito.Eu,quedemodoalgumusodele,ouvidizerqueofumo

do cachimbo, bebido pela manhã em jejum moderadamente,

desseca as umidades do estômago, ajuda para a digestão e não

menos para a evacuação ordinária, alivia ao peito que padece

fluxãoasmáticaediminuiadorinsuportáveldosdentes.

Omascá-lonãoétãosadio,porém,assimcomomascadopela

manhã, em jejum, moderadamente, serve para dessecar a abun-

dânciadoshumoresdoestômago,assimousoimoderadoorelaxa;

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o142

e,pelacontinuação,obramenos,alteraogosto,fazgraveobafo,

negrososdentes,edeixaosbeiçosimundos.

Usamalgunsdetorcidasdentrodosnarizes,parapurgarpor

estaviaacabeçaeparadivertiroestilicídioquevaiacairnas

gengivasecausadoresdedentes,e,postaspelamanhãeànoite,

nãodeixamdeserdeproveito.Sóseencomenda,aosqueusam

delas,oevitaremaindecênciaquecausaoaparecercomelasfora

dosnarizesecomumagotadeestilicídiosempremanante,que

sujaabarbaecausanojoaquemcomelesconversa.

Sendo o tabaco em pó o mais usado, é certamente o menos

sadio,assimpelademasiacomquesetoma,quepassademezi-

nhaaservício,comoporimpediromesmocostumeexcessivoos

bonsefeitosquesepretendemequetalvezcausariaseousofosse

maismoderado.Deixando,porém,derepararnestaviciosasuper-

fluidade, só lembro quando dois sumos pontífices, Urbano VIII

e Inocêncio X, estranharam o usar dele nas igrejas, pela grande

indecênciaquerepararame julgaramsereste intolerávelabuso

dignodesenotareestranharnossecularesemaisnoseclesiásti-

cospoucoacautelados,aindaquandoassistemnocoroaosofícios

divinos, e muito mais nos religiosos, que devem dar exemplo a

todos(emaiormentenoslugaressagrados)degravidadeemodés-

tia.E,porisso,ambosossobreditospontíficeschegaramaproibi-

-lo,comexcomunhãomaior;oprimeiro,comumbrevede30de

janeirodoanode1642,oproibiunaigrejadeSãoPedroemRoma

enoadroealpendredoditotemplo,osegundocomoutrobreve,

debaixodamesmapena,aos8dejaneirode1650,nasigrejasde

todoumarcebispadoemqueseiaintroduzindoestademasiacom

escândalo.E,emalgumasreligiõesmaisobservantes,seproibiu

ousopúblicodotabaconasigrejas,comprivaçãodevozativae

passiva,istoé,sobpenadenãopoderemsereleitosostransgresso-

resnempoderemescolheraoutrosparasuperioreseparaoutros

ofíciosdaOrdem.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 143

ixdo modo com que se despacha o tabaco

na alfândega da bahia

B eneficiado e enrolado o tabaco, e pago o seu dízimo

a Deus, que é de vinte arrobas uma (e rende este dízi-

mo, um ano por outro, dezoito mil cruzados, como consta do

arrendamento do dízimo que se tira da Cachoeira da Bahia, e

suasfreguesiasanexas,foraoqueselavrapelasmaispartesdo

sertãodelaemSergipeDel-Rei,Cotinguiba,RioReal,Ihambupe,

MontegordoeTorre,queapartadodorendimentododízimodo

açúcaremaismeunçasrendedezatédozemilcruzados),vem

pagandoseuscarretosefretesparaacidadedaBahiaatésemeter

emumasuaprópriaalfândega,ondesedespachamparaLisboa,

umanoporoutro,devinteecincomilrolosparacima,osquais

pagam,porumcontratodaCâmera,asetentaréisporcadarolo,

edestestemEl-Reiaterceiraparte,easduassãoparaopresídio

damesmacidade,queimportamcincomilcruzados.

Pagammaisaumabalançaatrêsréisporarroba,queaCâmera

arrenda da mesma forma já dita, e importa mil e duzentos

cruzados.

Destetabacosepermiteaextraçãodetrezemilarrobasparaa

navegaçãodacostadaMina,quesearrumamemcincomilrolos

pequenosdetrêsarrobas,osquaistambémpagamasetentaréis

porcadaroloparaosobreditocontratodaCâmera,eimportamil

cruzados.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o144

DestastrezemilarrobassepagampordízimoaEl-Reiquatro

vinténsporarrobaepagam-senaCasadosContos,oqueimporta

trêsmilcruzados.

VãoparaoRiode Janeiro, todososanos, trêsmilarrobas,as

quaisnadapagamnaBahia,masvãopagarnoditoRiodeJaneiro

vinteecincomilcruzadoscadaano,porcontratodeEl-Rei,oqual

poucomaisoumenosportantosearrenda.

Etudooquenestecapítulododespachodotabacoestádito

importasessentaecincomileduzentoscruzados.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 145

xque custa um rolo de tabaco de oito arrobas

posto da bahia na alfândega de lisboa e já despachado e corrente para sair dela

O rolodotabaco 8$000

Ocouroeoenroladonele 1$300

OfreteparaoportodaCachoeira $550

OaluguernoarmazémdaCachoeira $040

OfreteparaacidadedaBahia $080

Adescarganoarmazémdacidade $020

Oaluguernoarmazémdacidade $040

Ochegaràbalançadopeso $010

Opesar,adezréisporrolo,ebotarfora $010

Opesodabalança,atrêsréisporarroba $024

DireitosefretesemaisgastosemLisboa 2$050 ______

O que tudo importa doze mil, cento e vinte

e quatro réis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12$124

Vãoordinariamente,cadaano,daBahia,vinteecincomilrolos

detabaco;eadozemil,centoevinteequatroréis,importam

trezentosetrêscontosecemmil-réis. . . . . . . . . . 303:100$000

Vão, ordinariamente, cada ano, das Alagoas de Pernambuco,

dois mil e quinhentos rolos; e a dezesseis mil, seiscentos e

vinteréis,porsermelhorotabaco,importamquarentaeum

contos,quinhentosecinquentamil-réis . . . . . . . . . 41:550$000

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o146

Importatodoestetabacotrezentosequarentaequatrocontos,

seiscentosecinquentamil-réis .................. 344:650$000

E, reduzidos a cruzados, são oitocentos e sessenta e um mil,

seiscentosevinteecincocruzados.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 147

xida estimação do tabaco do brasil na europa

e nas mais partes do mundo, e dos grandes emolumentos que dele tira a fazenda real

D oqueatéagorasetemdito,facilmentesepodeenten-

deraestimaçãoevaloraquetemchegadootabaco,e,

maisparticularmente,odoBrasil.Pois(comodisseaoprincípio),

havendopoucomaisdecemanosquesecomeçouaplantarebe-

neficiarnaBahia, foramasprimeirasarrobasquesemandaram

aLisboa,comoumasementeiradedesejos,paraquecadaanose

pedissemlogoesemandassemmaisemaisarrobas.E,passando

demimoasermercancia,hojeapenasostantosmilharesdero-

losquelevamasfrotassãobastantesparasatisfazeraoapetitede

todasasnações,nãosomentedaEuropa,mastambémdasoutras

partes do mundo, donde encarecidamente se procuram. Vale

umalibradetabacopisado,emLisboa,devinteatévinteequatro

tostões,conformeémaisoumenosfino,eoqueEl-Reitiradeste

contratocadaanosãodoismilhõeseduzentosmilcruzados.Nem

hojetêmospríncipesdaEuropacontratodemaiorrendimento,

pelamuitaquantidadedetabacoquesegastaemtodasascidades

evilas.

Sirva deprova oquecontaEngelgraveno primeiro tomo da

Luz evangélica, na dominga quinta depois do Pentecoste, ao § I,

alegandopor testemunhodoquedizaohistoriadorBarnabéde

Rijcke,comocertamenteinformado.Diz,pois,esseautor,quena

cidadedeLondres,cabeçadaGrã-Bretanha,povoadademaisde

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o148

oitocentas mil almas, passam as vendas do tabaco o número

desetemil;e,dandoquecadaumadestasnãovendamaiscada

dia que um florim e meio de tabaco, importará o que se vende

cadadiadezmilequinhentosflorins,osquais,reduzidosàmoeda

portuguesa,emquecadaflorimsãodoistostões,importamcinco

mileduzentosecinquentacruzados.E,consequentemente,oque

se vende só em Londres, em um ano, que consta de trezentos e

sessenta e cinco dias, importa um milhão, novecentos e dezes-

seismil,duzentosecinquentacruzados.Eaquesomachegaráo

quesevendecadaanoemtodaaGrã-Bretanha,emFlandres,em

França,emtodaaEspanhaeemItália?Paranãofalaremoutras

partesedoquevaiparaforadaEuropa,particularmenteàsÍndias,

OrientaleOcidental,procurando-seodoBrasil,pormaisperfeito

emaisbemcurado,emmaiorquantidadedaqueselhepodeman-

dar,pornãofaltaremoscomissáriosaosmercadoresquetratam

deproveraspartesmaispróximas.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 149

xiidas penas dos que levam tabaco não

despachado nas alfândegas, e das indústrias de que se usa para

se levar de contrabando

Q ualquer descaminho do tabaco, por qualquer destas

partes do Brasil, fora do registro e guias, debaixo do

que tudo vai despachado, tem por pena a perda do tabaco e da

embarcaçãoemqueseacharemaiscincoanosdedegredopara

Angolaaoautordestaculpa.Porém,muitomaioressãoaspenas

quetêmostransgressoresdobandoemPortugal.Eemoutrosrei-

nossãotantasetãogravesqueacadapassosãocausadaruínade

muitas famílias. E quanto mais rigorosas são estas penas, tanto

maiorprovasãodomuitoaquesubiuocontratoedograndelu-

croquetêmdeletodosospríncipes.

Mas,aindamaiorprovadograndevalorelucroquedáotabaco

é o perderem muitos, por ambição, o temor destas penas, arris-

cando-seaelascomdesprezodoperigodeseveremcompreen-

didosnasmesmasmisériasaqueoutrossereduziramporserem

tãoconfiados.E,paraisso,parecequenãoháindústriadequese

nãouseparaoembarcaretirardasembarcaçõesàsescondidas,à

vistadosmesmosministrosquecomoArgosdecemolhosvigiam

quandonãosãojuntamenteBriaréusdecemmãospararecebere

maismudosqueospeixesparacalar.Paraapontaralgumasdestas

indústrias,direi,porrelaçãodoscasosemqueseapanharamnão

poucos,queunsmandaramotabacodentrodaspeçasdaartilharia,

outrosdentrodascaixasefechosdoaçúcar,outrosarremedando

ascarastambémdeaçúcar,muitobemencouradas.Serviram-se

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o150

outrosdosbarrisdefarinhadaterra,dosdebreuedosdemelado,

cobrindocomasuperfíciementirosaoqueiadentroemfolhas

deflandres.Outrosvaleram-sedascaixasderoupas,fabricadasa

dois sobrados, para dar lugar a esconderijos, de frasqueiras que

estãoàvista,pondoentreosfrascosdevinhooutrostambém,de

tabaco.Quantofoievaicadaanonasobrasmortase forrosdas

câmerasedasvarandasdasnaus?Quantonascurvasqueparaisso

naspartesmaisescurasseforram?Enãofaltouquemlhedesse

lugaratédentrodeumasimagensocasdesantos,assimcomouns

carpinteiros de navios o esconderam em paus ocos, misturados

entreosoutrosdequecostumamvaler-se.Deixooqueentraesai

emalgibeirasgrandesdecourodosquevãoevêmdasnauspara

osportos,comrepetidasidasevoltas,debaixodelobasetúnicas,

eoquesearrastadebaixodosbatéisedaspipasdaaguadapelas

ondasdomar.Nuncaacabaríamos,sequiséssemosrelatarasin-

vençõesquesugeriuacautelaambiciosa,porémsemprearriscada

emuitasvezesdescoberta,comsucessoinfeliz.Oqueclaramente

provaaestimação,oapetiteeaesperançadolucro,queaindaen-

treriscosacompanhaaotabaco.

TERCEIRA PARTE

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 153

cultura e opulência do brasil pelas minas do ouro

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 155

idas minas do ouro

que se descobriram no brasil

F oisemprefamaconstantequenoBrasilhaviaminasde

ferro,ouroeprata.Mas,também,houvesemprebastan-

te descuido de as descobrir e de aproveitar-se delas, ou porque,

contentando-seosmoradorescomosfrutosquedáaterraabun-

dantementenasuasuperfície,ecomospeixesquesepescamnos

riosgrandeseaprazíveis,nãotrataramdedivertirocursonatural

destes, para lhes examinarem o fundo, nem de abrir àquela as

entranhas,comopersuadiuaambiçãoinsaciávelaoutrasmuitas

nações,ouporqueogêniodebuscaríndiosnosmatososdesviou

destadiligênciamenosescrupulosaemaisútil.

NaviladeSãoPaulohámuitapedrausual,parafazerparedes

ecercas,aqual,comacor,comopesoecomasveiasquetemem

si, mostra manifestamente que não desmerece o nome que lhe

deramdepedra-ferro,equedondeelasetira,ohá.Oquetambém

confirmaatradiçãodequejásetirouquantidadedeleeseachou

sermuitobomparaasobrasordináriasqueseencomendamaos

ferreiros.E,ultimamente,naserraIbiraçoiaba,distanteoitodias

daviladeSorocaba,edozedaviladeSãoPaulo,ajornadasmode-

radas,ocapitãoLuísLopesdeCarvalho,indolápormandadodo

governadorArturdeSá,comumfundidorestrangeiro,tirouferro

etrouxebarras,dasquaissefizeramobrasexcelentes.

Quehaja,também,minasdepratanãoseduvida,porquena

serradasColunas,quarentaléguasalémdaviladeItu,queéuma

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o156

dasdeSãoPauloaolestedireito,hácertamentemuitaprata,e

fina.NaserradeSabarabuçutambémahá.DaserradeGuamuré,

defronte do Ceará, tiraram os holandeses quantidade dela, no

tempo em que estavam de posse de Pernambuco. E, na serra de

Itabaiana,hátradiçãoqueachouprataoavôdocapitãoBelchior

da Fonseca Dória. E em busca de outra, foi além do rio de São

FranciscoLopodeAlbuquerque,quefaleceunestasuamalograda

empresa.

Mas, deixando as minas de ferro e de prata, como inferiores,

passemosàsdoouro, tantasemnúmeroetãorendosasaosque

delasotiram.E,primeiramente,écertoquedeumouteiroalto,

distantetrêsléguasdaviladeSãoPaulo,aquemchamamJaraguá,

se tirou quantidade de ouro que passou de oitavas a libras. Em

Parnaíba, também junto da mesma vila, no cerro Ibituruna, se

achou ouro e tirou-se por oitavas. Muito mais, e por muitos

anos,secontinuouatiraremParanaguáeCuritiba,primeiropor

oitavas,depoisporlibras,quechegaramaalgumaarroba,posto

quecommuitotrabalhoparaoajuntar,sendoorendimentono

catarlimitado,atéqueselargaram,depoisdeseremdescobertas

pelospaulistasasminasgeraisdosCataguáseasquechamamdo

Caeté,easmaismodernasnoriodasVelhaseemoutraspartes

quedescobriramoutrospaulistas;edetodasestas iremosagora

distintamentefalando.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 157

iidas minas de ouro, que chamam gerais,

e dos descobridores delas

H á poucos anos que se começaram a descobrir as mi-

nasgeraisdosCataguás,governandooRiodeJaneiro

ArturdeSá;eoprimeirodescobridordizemquefoiummulato

que tinha estado nas minas de Paranaguá e Curitiba. Este, indo

aosertãocomunspaulistasabuscaríndios,echegandoaocerro

Tripuí,desceuabaixocomumagamelaparatiraráguadoribeiro

quehojechamamdoOuroPreto,e,metendoagamelanariban-

ceiraparatomarágua,eroçando-apelamargemdorio,viudepois

quehavianelagranitosdacordoaço,semsaberoqueeram,nem

oscompanheiros,aosquaismostrouosditosgranitos,souberam

conhecer e estimar o que se tinha achado tão facilmente, e só

cuidaram que aí haveria algum metal não bem formado, e por

issonãoconhecido.Chegando,porém,aTaubaté,nãodeixaram

deperguntarquecastademetalseriaaquele.E,semmaisexame,

venderamaMigueldeSousaalgunsdestesgranitos,pormeiapa-

tacaaoitava,semsaberemelesoquevendiam,nemocomprador

quecoisacomprava,atéqueseresolveramamandaralgunsdos

granitosaogovernadordoRiodeJaneiro,ArturdeSá;efazendo-se

examedeles,seachouqueeraourofiníssimo.

EmdistânciademeialéguadoribeirodoOuroPreto,achou-

-seoutramina,quesechamaadoribeirodeAntônioDias;edaí

a outra meia légua, a do ribeiro do Padre João de Faria; e, junto

desta, pouco mais de uma légua, a do ribeiro do Bueno e a de

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o158

BentoRodrigues.E,daíatrêsdiasdecaminhomoderadoatéo

jantar,adoribeirãodeNossaSenhoradoCarmo,descobertapor

João Lopes de Lima, além de outra, que chamam a do ribeiro

Ibupiranga.Etodasestastomaramonomedosseusdescobrido-

res,quetodosforampaulistas.

Também há uma paragem no caminho para as ditas minas

gerais, onze ou doze dias distante das primeiras, andando bem

atéas trêshorasda tarde,aqualparagemchamamadoriodas

Mortes,pormorreremnelaunshomensqueopassaramnadando,

eoutrosquesemataramàspelouradas,brigandoentresisobrea

repartiçãodosíndiosgentiosquetraziamdosertão.Enesterio,e

nosribeirosquedeleprocedem,eemoutrosquevêmadarnele,

seachaouro,eserveestaparagemcomodeestalagemdosquevão

àsminasgerais,eaíseproveemdonecessário,porteremhojeos

queaíassistemroçasecriaçãodevender.

NãofalodaminadaserradeItatiaia(asaber,doourobranco,

queéouroaindanãobemformado),distantedoribeirodoOuro

Pretooitodiasdecaminhomoderadoatéojantar,porquedesta

nãofazemcasoospaulistas,porteremasoutras,deouroformado

edemuitomelhorrendimento.Eestasgerais,dizemqueficamna

alturadacapitaniadoEspíritoSanto.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 159

iiide outras minas de ouro no rio das velhas

e no caeté

A lém das minas gerais dos Cataguás, descobriram-se

outras por outros paulistas no rio que chamam das

Velhas,eficam,comodizem,naalturadePortoSeguroedeSanta

Cruz.EestassãoadoribeirodoCampo,descobertapelosargento-

-mor Domingos Rodrigues da Fonseca, a do ribeiro da Roça dos

Penteados,adeNossaSenhoradoCabo,daqualfoidescobridoro

mesmosargento-morDomingosRodrigues, ade NossaSenhora

de Monserrate, a do ribeiro do Ajudante; e a principal do rio

das Velhas é a do cerro de Sabarabuçu, descoberta pelo tenente

ManuelBorbaGato,paulistaquefoioprimeiroqueseapoderou

delaedoseuterritório.

Hámuitasoutrasminasnovas,quechamamdoCaeté,entre

asminasgeraiseasdoriodasVelhas,cujosdescobridoresforam

vários,eentreelasháadoribeiroquedescobriuocapitãoLuís

do Couto, que da Bahia foi para essa paragem com três irmãos,

grandesmineiros,alémdeoutras,quesecretamenteseachame

senãopublicam,paraseaproveitaremosdescobridoresdelasto-

talmente,enãoassujeitaremàrepartição,easqueultimamente

descobriuocapitãoGarciaRodriguesPais,quandofoiabrircami-

nhonovodetrásdacordilheiradaserradosÓrgãos,nodistritodo

RiodeJaneiro,porondecortaorioParaíbadoSul.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o160

iv do rendimento dos ribeiros e de diversas qualidades de ouro que deles se tira

D asminasgeraisdosCataguásasmelhoresedemaior

rendimento foram, até agora, a do ribeiro do Ouro

Preto,adoribeirãodeNossaSenhoradoCarmoeadoribeirode

BentoRodrigues,doqual,empoucomaisdecincobraçasdeterra,

setiraramcincoarrobasdeouro.TambémoriodasVelhasémui-

toabundantedeouro,assimpelasmargenscomopelasilhasque

tem,epelamadreouveiodaágua,edelesetemtiradoesetira

ainda,emquantidadeabundante.

Chamamospaulistasribeirodebomrendimentooquedáem

cadabateadaduasoitavasdeouro.Porém,assimcomohábatea-

dasdemeiaoitavaedemeiapataca,assimhátambémbateadasde

três,quatro,cinco,oito,dez,quinze,vinteetrintaoitavasemais,

eistonãopoucasvezessucedeunadoribeirão,nadoOuroPreto,

nadeBentoRodriguesenadoriodasVelhas.

Osgrãosdemaiorpesoquesetiraramforamumdenoventae

cincooitavas, outrodetrêslibras,querepartiramentresitrêspes-

soascomummachado,outro,quepassoudecentoecinquenta

oitavas,emformadeumalínguadeboi,quesemandouaogover-

nadordaNovaColônia,eoutromaiordeseislibras.

Quantoàsqualidadesdiversasdoouro,sabe-sequeoouro,a

quemchamampreto,portemnasuperfícieumacorsemelhante

àdoaço,antesdeiraofogo,provando-secomodentelogoaparece

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 161

amarelo, vivo, gemado, e é o mais fino, porque chega quase a

vinteetrêsquilates;equandoselhepõeocunho,nafundição,

fazgretasnabarreta,comosearrebentassedetodasaspartes;e

pordentrodátaisreflexosqueparecemraiosdosol.Odoribei-

rãoémaismiúdoemaispolme,ecompetenabondadecomo

ouropreto,porquechegaavinteedoisquilates.Oourodori-

beirodeBentoRodrigues,postoquesejamaisgrossoepalpável,

ebemamarelo,contudonãotemaperfeiçãodoouropretoe

doourodoribeirão,mas,quandomuito,chegaavintequilates.O

ourodoribeirãodoCampo,eodoribeirãodeNossaSenhorado

Monserrate,égrosso,emuitoamarelo,etemvinteeumquilates

emeio.OourodoriodasVelhaséfiníssimoechegaavintee

doisquilates.Oouro,finalmente,doribeirodeItatiaiaédecor

branca,comoaprata,pornãoestaraindabem-formado,como

dissemosacima,edestesefazpoucocaso,postoquealgunsdi-

gamque,indoaofogoàsvezespormaisformado,foimostrando

acoramarela.

Houveanoemque,detodasestasminasouribeiros,setiraram

maisdecemarrobasdeouro,foraoquesetiravaetiraescondida-

mentedeoutrosribeirosqueosdescobridoresnãomanifestaram,

paraosnãosujeitaremlogoàrepartição.E,seosquintosdeEl-Rei

chegaramadezesseteeavintearrobas,sonegando-setantoouro

nãoquintado,bemsedeixaverqueoouroquecadaanosetira,

sem encarecimento algum, passa de cem arrobas, e que nestes

dezanospassadossetemtiradomasdemilarrobas.E,senospri-

meirosanosnãochegaramacemarrobas,nosoutroscertamente

passaram. E continuando ao presente o rendimento com igual

oumaiorabundânciaporrazãodomaiornúmerodosqueseem-

pregamemcatar,sóosquintosdevidosaSuaMajestadeseforam

notavelmentediminuindo,ouporsedivertirparaoutraspartes

o ouro em pó, ou por não ir à Casa do Quintos, ou por usarem

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algunsdecunhosfalsos,comenganomaisdetestável.Mas,ainda

assim,nãodeixouSuaMajestadedetergrandelucronaCasada

MoedadoRiodeJaneiro,porquecomprandooouroadozetostões

aoitava,ebatendo-seemdoisanostrêsmilhõesdemoedanacio-

naleprovincialdeouro,foilucrandoseiscentosmilcruzadosde

avanço.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 163

vdas pessoas que andam nas minas

e tiram ouro dos ribeiros

D asedeinsaciáveldoouroestimuloutantosadeixarem

suasterraseameterem-seporcaminhostãoásperos

comosãoosdasminas,quedificultosamentesepoderádarconta

donúmerodaspessoasqueatualmenteláestão.Contudo,osque

assistiramnelanestesúltimosanosporlargotempo,eascorre-

ramtodas,dizemquemaisdetrintamilalmasseocupam,umas

acatar,eoutrasamandarcatarnosribeirosdoouro,eoutrasem

negociar,vendendoecomprandooquesehámisternãosóparaa

vida,masparaoregalo,maisquenosportosdomar.

Cadaano,vemnasfrotasquantidadedeportuguesesedees-

trangeiros,parapassaremàsminas.Dascidades,vilas,recôncavos

esertõesdoBrasil,vãobrancos,pardosepretos,emuitosíndios,

dequeospaulistasseservem.Amisturaédetodaacondiçãode

pessoas:homensemulheres,moçosevelhos,pobresericos,no-

breseplebeus,seculareseclérigos,ereligiososdediversosinstitu-

tos,muitosdosquaisnãotêmnoBrasilconventonemcasa.

Sobreestagente,quantoaotemporal,nãohouveatéopresen-

tecoaçãoougovernoalgumbem-ordenado,eapenasseguardam

algumas leis, que pertencem às datas e repartições dos ribeiros.

No mais, não há ministros nem justiças que tratem ou possam

tratardocastigodoscrimes,quenãosãopoucos,principalmente

doshomicídiosefurtos.Quantoaoespiritual,havendoatéagora

dúvidas entre os prelados acerca da jurisdição, os mandados de

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umaeoutraparte,oucomocuras,oucomovisitadores,seacha-

ram bastantemente embaraçados, e não pouco embaraçaram a

outros,quenãoacabamdesaberaquepastorpertencemaqueles

novosrebanhos.E,quandoseaverigúeodireitodoprovimento

dospárocos,poucohãodesertemidoserespeitadosnaquelasfre-

guesiasmóveisdeumlugarparaoutro,comoosfilhosdeIsrael

nodeserto.

Teve El-Rei nas minas, por superintendente delas, ao desem-

bargadorJoséVazPinto,oqual,depoisdedoisoutrêsanos,tor-

nouarecolher-separaoRiodeJaneirocombastantecabedal,e

dele, suponho,ficariaplenamente informado do quepor lávai,

equeapontariaadesordemeoremédiodelas,sefossepossívela

execução.

Assiste também nas minas um Procurador da Coroa, e um

Guarda-mor, com seu estipêndio. Houve, até agora, Casa de

QuintaremTaubaté,naviladeSãoPaulo,emParati,enoRiode

Janeiro, e em cada uma destas casas há um provedor, um escri-

vãoeumfundidor,que,fundidooouroembarretas,lhepõemo

cunhoreal,sinaldoquintoquesepagouaEl-Reidesseouro.

HavendoCasadaMoedaedosQuintosnaBahia,enoRiode

Janeiro (por serem estes os dois polos aonde vai parar todo o

ouro), teria Sua Majestade muito maior lucro do que até agora

teve, e muito mais se nas Casas da Moeda, bem-fornecidas dos

aparelhos necessários, houvesse sempre dinheiro pronto para

compraroouroqueosmineirostrazemefolgamdeovendersem

detença.

AgorasoubemosqueSuaMajestademandagovernador,minis-

trosdeJustiça,e levantarumterçodesoldadosnasminas,para

quetudotomemelhorformaegoverno.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 165

vi das datas ou repartições das minas

P araevitaraconfusão,otumultoeasmortesquehaveria

nodescobrimentodosribeirosdeouro,seassentouoque

pertenceàsrepartiçõesdestasorte.Temodescobridoraprimeira

data,comodescobridor,eoutracomomineiro;segue-seaquecabe

aEl-Rei,e,atrásdesta,adoguarda-mor;asoutrassedistribuem

porsortes.Asquechamamdatasinteirassãodetrintabraçasem

quadra,etaissãoadeEl-Reieasdodescobridoreguarda-mor.As

outras, que se dão por sortes, têm a extensão proporcionada ao

número dos escravos que trazem para catar, dando duas braças

emquadraporcadaescravoouíndio,dequeseservemnascatas;

eassim,aquemtemquinzeescravossedáumadatainteirade

trintabraçasemquadra.Paraseradmitidoàrepartiçãoporsortes,

é necessário fazer petição ao superintendente das ditas reparti-

ções,aoqualsedápelodespachodapetiçãoumaoitavadeouroe

outraaoseuescrivão;eàsvezesaconteceoferecerem-sequinhen-

taspetiçõeselevaremorepartidoreoescrivãomiloitavasenão

tirarem todos os mineiros juntos outro tanto de tais datas, por

falharemnoseurendimento;e,porisso,procuramoutrasdatas,

havendodescobrimentodenovosribeiros.AdatadeEl-Reilogo

se vende a quem mais oferece e pode também qualquer vender

outrocarasuadata;enistosevirameveemacadapassováriose

diferentessucessos,tirandounsmineirosdepoucasbraçasmuito

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ouro,eoutros,demuitas,pouco;ejáhouvequemporpoucomais

demiloitavasvendeudata,daqualocompradortirousetearro-

basdeouro.Peloquesetemporjogodebemoumal-afortunado,

otirarounãotirarourodasdatas.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 167

viida abundância de mantimentos, e de todo o

usual que hoje há nas minas, e do pouco caso que se faz dos preços

extraordinariamente altos

S endoaterraquedáouroesterilíssimadetudoodequese

hámisterparaavidahumana,enãomenosestérilamaior

partedoscaminhosdasminas,nãosepodecreroquepadeceram

ao princípio os mineiros por falta de mantimentos, achando-se

nãopoucosmortoscomumaespigademilhonamão,semterem

outrosustento.Porém,tantoqueseviuaabundânciadoouroque

setiravaealarguezacomquesepagavatudooqueláia,logose

fizeramestalagenselogocomeçaramosmercadoresamandaràs

minasomelhorquecheganosnaviosdoReinoedeoutraspar-

tes,assimdemantimentos,comoderegaloedepomposoparase

vestirem,alémdemilbugiariasdeFrança,quelátambémforam

dar.E,aesterespeito,detodasaspartesdoBrasil,secomeçoua

enviartudooquedáaterra,comlucronãosomentegrande,mas

excessivo.E,nãohavendonasminasoutramoedamaisqueouro

empó,omenosquesepediaedavaporqualquercoisaeramoita-

vas.Daquiseseguiumandarem-seàsminasgeraisasboiadasde

Paranaguá,eàsdoriodasVelhasasboiadasdoscamposdaBahia,

etudoomaisqueosmoradoresimaginarampoderiaapetecer-se

de qualquer gênero de coisas naturais e industriais, adventícias

e próprias. E, ainda que hoje os preços sejam mais moderados,

contudoporeiaquiumrol,feitosinceramenteporquemassistiu

nasgeraistrêsanos,dospreçosdascoisasqueporcomumassento

lásevendiamnoano1703,repartindo-oemtrêsordens,asaber:

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ospreçosquepertencemàscoisascomestíveis;osdovestuárioe

armas;eosdosescravosecavalgaduras,quesãoosseguintes:

Preçosdascoisascomestíveis

Porumarês,oitentaoitavas.

Porumboi,cemoitavas.

Porumamãodesessentaespigasdemilho,trintaoitavas.

Porumalqueiredefarinhademandioca,quarentaoitavas.

Porseisbolosdefarinhademilho,trêsoitavas.

Porumpaio,trêsoitavas.

Porumpresuntodeoitolibras,dezesseisoitavas.

Porumpastelpequeno,umaoitava.

Porumalibrademanteigadevaca,duasoitavas.

Porumagalinha,trêsouquatrooitavas.

Porseislibrasdecarnedevaca,umaoitava.

Porumqueijodaterra,trêsouquatrooitavas,conformeopeso.

Porumqueijoflamengo,dezesseisoitavas.

PorumqueijodeAlentejo,trêsequatrooitavas.

Porumabocetademarmelada,trêsoitavas.

Porumfrascodeconfeitosdequatrolibras,dezesseisoitavas.

Porumacaradeaçúcardeumaarroba,32oitavas.

Porumalibradecidrão,trêsoitavas.

Por um barrilote de aguardente, carga de um escravo, cem

oitavas.

Por um barrilote de vinho, carga de um escravo, duzentas

oitavas.

Porumbarrilotedeazeite,duaslibras.

Porquatrooitavasdetabacoempócomcheiro,umaoitava.

Porseisoitavasdetabacosemcheiro,umaoitava.

Porumavaradetabacoemcorda,trêsoitavas.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 169

Preçodascoisasquepertencemaovestuárioearmas

Porumacasacadebaetaordinária,dozeoitavas.

Porumacasacadepanofino,vinteoitavas.

Porumavestedeseda,dezesseisoitavas.

Porunscalçõesdepanofino,noveoitavas.

Porunscalçõesdeseda,dozeoitavas.

Porumacamisadelinho,quatrooitavas.

Porumasceroulasdelinho,trêsoitavas.

Porumpardemeiasdeseda,oitooitavas.

Porumpardesapatosdecordovão,cincooitavas.

Porumchapéufinodecastor,dozeoitavas.

Porumchapéuordinário,seisoitavas.

Porumacarapuçadeseda,quatrooucincooitavas.

Porumacarapuçadepanoforradadeseda,cincooitavas.

Porumabocetadetartarugaparatabaco,seisoitavas.

Porumabocetadeprataderelevoparatabaco,setemoitooi-

tavasdeprata,dãodezoudoze,deouro,conformeofeitiodela.

Porumaespingardasemprata,dezesseisoitavas.

Porumaespingardabenfeitaeprateada,centoevinteoitavas.

Porumapistolaordinária,dezoitavas.

Porumapistolaprateada,quarentaoitavas.

Porumafacadepontacomcabocurioso,seisoitavas.

Porumcanivete,duasoitavas.

Porumatesoura,duasoitavas.

EtodaabugiariaquevemdeFrançaedeoutraspartes,vende-

-seconformeodesejoquemostramterdelaoscompradores.

Preçosdosescravosedascavalgaduras

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Porumnegrobenfeito,valenteeladino,trezentasoitavas.

Porummolecão,duzentasecinquentaoitavas.

Porummoleque,centoevinteoitavas.

Porumcrioulobomoficial,quinhentasoitavas.

Porummulatodepartes,ouoficial,quinhentasoitavas.

Porumbomtrombeteiro,quinhentasoitavas.

Porumamulatadepartes,seiscentasemaisoitavas.

Porumanegraladinacozinheira,trezentasecinquentaoitavas.

Porumcavalosendeiro,cemoitavas.

Porumcavaloandador,duaslibrasdeouro.

Eestespreços,tãoaltosetãocorrentesnasminas,foramcausa

desubiremospreçosdetodasascoisas,comoseexperimentanos

portos das cidades e vilas do Brasil, e de ficarem desfornecidos

muitosengenhosdeaçúcardaspeçasnecessáriasedepadecerem

os moradores grande carestia de mantimentos, por se levarem

quasetodosondevendidoshãodedarmaiorlucro.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 171

viiide diversos preços do ouro vendido no brasil

e do que importa o que cada ano ordinariamente se tira das minas

V ários foram os preços do ouro no discurso destes

anos,nãosóporrazãodaperfeiçãodeum,maiorque

adooutro,porserdemaissubidosquilates,mastambémares-

peitodoslugaresondesevendia,porquemaisbaratosevende

nasminasdoquenaviladeSãoPauloedeSantos;emuitomais

valenascidadesdoRiodeJaneiroedaBahiadoquenasvilas

referidas. Também muito mais vale quintado do que em pó,

porqueoquesevendeempósaidofogocombastantesquebras,

alémdoquevaidediferençaporrazãodoquesepagou,ounão

sepagoudequintos.

UmaarrobadeouroempópelopreçodaBahia,acatorzetos-

tõesaoitava,importacatorzemil,trezentosetrintaeseiscruza-

dos.Quintado,pelopreçodaBahia,adezesseis tostõesaoitava,

importadezesseismil,trezentoseoitentaequatrocruzados.

Umaarrobadeouroempó,pelopreçodoRiodeJaneiro,tre-

zetostõesaoitava,importatrezemil,trezentosedozecruzados.

Quintado,aquinzetostõesaoitava,importaquinzemil,trezentos

esessentacruzados.

Dondesesegueque,tirando-secadaanomaisdecemarrobas

deouro,aquinzetostõesaoitava,preçocorrentenaBahiaeno

RiodeJaneiro,sendoquintado,vemaimportarcadaanoummi-

lhão,quinhentosetrintaeseismilcruzados.Dasquaiscemarro-

bas,sesequintarem,comoéjusto,cabemaSuaMajestadevinte

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o172

arrobas,queimportamtrezentosesetemileduzentoscruzados,

masécertoquecadaanosetirammaisdetrezentasarrobas.

Ecomistonãopareceráincríveloqueporfamaconstantese

contahaveremajuntadoemdiversostemposassimunsdescobri-

dores dos ribeiros nomeados, como uns mais bem afortunados

nas datas, e também os que, metendo gados e negros para os

venderem por maior preço, e outros gêneros mais procurados,

ouplantando,oucomprandoroçasdemilhonasminas,seforam

aproveitandodoqueoutrostiraram.Nãofalando,pois,dogrande

cabedalquetirouogovernadorArturdeSá,queduasvezesfoia

elasdoRiodeJaneiro,nemdosqueajuntaramuma,duasetrês

arrobas,quenãoforampoucos.Tem-seporcertoqueBaltazarde

Godóideroçasecatasajuntouvintearrobasdeouro.Devários

ribeiros e da negociação com roças, negros e mantimentos, fez

Francisco de Amaral mais de cinquenta arrobas. Pouco menos,

Manuel Nunes Viana e Manuel Borba Gato, e com bastante ca-

bedalserecolheuparaSãoPauloJoséGóisdeAlmeidaeparao

CaminhoNovoGarciaRodriguesPais.JoãoLopesdeLimatirou

do seu ribeirão cinco arrobas; os Penteados, de suas lavras e in-

dústrias, sete arrobas; Domingos da Silva Moreira, de negócio e

lavra,cincoarrobas;RafaelCarvalho,cincoarrobas;JoãodeGóis,

cincoarrobas;AmadorBuenodaVeiga,doriodoOuroPreto,do

ribeirãoedeoutraspartes,oitoarrobas.E,finalmente,deixando

outrosmuitobemaproveitados,TomásFerreiraabarcandomui-

tasboiadasdegado,queiadoscamposdaBahiaparaasminas,e

comprandomuitasroças,eocupandomuitosescravosnascatas

deváriosribeiros,chegouatermaisdequarentaarrobasdeouro,

parteemsereparteparasecobrar.Mas,tratandodecobraroouro

quese lhedevia,houveentretantoquemlhedeupordesgostos

umas poucas balas de chumbo, que é o que sucede não poucas

vezesnasminas.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 173

Também com vender coisas comestíveis, aguardente e gara-

pas,muitosembrevetempoacumularamquantidadeconsiderá-

veldeouro.Porque,comoosnegroseíndiosescondembastantes

oitavasquandocatamnosribeirosenosdiassantosenasúltimas

horasdodia,tiramouroparasi,amaiorpartedesteourosegasta

emcomerebeber,e insensivelmentedáaosvendedoresgrande

lucro,comocostumadarachuvamiúdaaoscampos,aqual,con-

tinuandoaregá-lossemestrondo,osfazmuitoférteis.E,porisso,

atéoshomensdemaiorcabedalnãodeixaramde se aproveitar

por este caminho dessa mina à flor da terra, tendo negras cozi-

nheiras,mulatasdoceirasecrioulostaverneiros,ocupadosnesta

rendosíssimalavraemandandovirdosportosdomartudooque

agulacostumaapetecerebuscar.

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ixda obrigação de pagar a el-rei nosso senhor a quinta parte do ouro que se tira das minas do brasil

D edoismodossepodetrataresteponto,asaber:oupelo

quepertenceaoforoexternopelasleiseordenaçõesdo

Reino,oupeloquepertenceaoforointerno,atendendoàobriga-

çãoemconsciência.

Quanto à primeira parte, consta pela Ordenação de Portugal,

liv. 2 tít. 26 § 16 que entre os Direitos Reais se contam os veeiros e

minas de ouro e prata e qualquer outro metal.

Enotítulo28domesmolivro2,expressamentesedeclaraque,

nasdatasoudoaçõesfeitas,nuncaseentenderãocompreendidos

osveeiroseminas.Porquanto(dizaOrdenação) em muitas doações

feitas por Nós e pelos Reis nossos Antecessores, são postas algumas

cláusulas muito gerais e exuberantes; declaramos que por tais doações

e cláusulas nelas contidas nunca se entende serem dados os veeiros e

minas de qualquer sorte que sejam, salvo se expressamente forem no-

meadas e dadas na dita doação. E, para a prescrição das ditas coisas,

não se poderá alegar posse alguma, posto que seja imemorial.

Podendo,pois,El-Reitiraràsuacustadasminasquereserva

para si os metais que são o fruto delas, atendendo aos gastos

queparaissosãonecessários,equerendoanimaraosseusvas-

salos ao descobrimento das ditas minas e a participarem do

lucrodelas,assentou,comosediznotít.34,doditolivro2das

Ordenações,quede todos os metais que se tirarem, depois de fundidos

se apurados, paguem o quinto, em salvo de todos os custos.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 175

Eparasegurarquelhepagasseoditoquinto,mandouqueos

ditosmetaissemarcassemequesenãopudessemvenderantesde

seremquintados,nemforadoReino,sobpenadeperderafazenda

ededegredodedezanosparaoBrasil,comoconstadoditotít.

34,§5.E o que vender dos ditos metais antes de serem marcados, ou em

madre antes de fundidos, perderá a fazenda e será degredado dez anos

para o Brasil. AtéaquiaOrdenação.

E os doutores que falaram nesta matéria, assim portugueses

como de outras nações, afirmam concordemente serem de tal

sorteasminasdoDireitoReal,porrazãodosgastosqueEl-Reifaz

emproldarepública,queporestacausanãoospodealienar.Veja-

se,entreoutrosportugueses,PedroBarbosa,ad. L. Divortio,§“Sivir

ff.Solutomatrimonio”,anº17usquead21.Cabedo,parte2,decis.

55“devenismetallor”.Pegas,ad Ord. Regni Port.,lib.2,tít.28,nº24,

comosautoresdeoutrosreinos,quealegamparticularmentea

LucasdaPena,L.“Quicumquedesertum”,col.2postprincipium

Cod. de omni agro deserto, e Rebuffo, tom. 2, ad leges Galliae, tít.

“ut beneficia ante vacationem”, art. 1, glossa ult. post medium,

pág.346.E,alémdestes,veja-seSolorzano,deIndiar. Gubern.,tom.

2, lib.1,cap.13,nº55,&lib.5,cap.1,nº19,comoutrosmuitos,

quetraz:oqualdizseresteocostumedetodasasgentes.“Quade

causa(dizditonº55)metallorumfodiendorumjusipsiRomani&

postmodumaliaegentesinterRegaliacomputarunt&propriead

locorumsupremosPrincipespertineresanxerunt.”

Eporquenestamatériabeméouvirtambémaosteólogos,seja

oprimeirooP.Molina,De Justit. & Jure,disp.54, tãoversadono

direitocomonateologia,emuitoparticularmentenoDireitode

Portugal. “Regulariter (diz ele) de jure civili, vel communi, vel

particulariumRegnorum,ubicumquevenaemetallorumfuerint

repertae,meritosolentessedeputataePrincipi,autReipublicaead

sumptuspublicos,oneraqueReipublicaesustinenda”;unde§16,

tít.26, lib.2,Ord. Lusitaniae Regni, sichabet:Item Direito Real é os

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veeiros e minas de ouro e prata ou qualquer outro metal. “Ut tamen

lucri spe homines alliciantur ad eas in bonum publicum quae-

rendas,etaperiendas,statuisolentvariaelegesprotemporumet

locorumvarietate,quibusvelparsaliquaeorum,quaeindefue-

rintextracta,velpraemiaaliisinventoribusconstituuntur.”E in

terminis,pelaOrdenaçãodePortugal,diz:“Concessumetstatutum

estutdeductisexpensisquintametallorumparsquaeindeextrac-

tafuerit,Regipersolvatur.”

OpadreVasquez,in Opusculis Moralibus de Restitutione,cap.5,§

4,dub.2,falandodoreinodeCastela,diz:“Innostroregnoappli-

catasuntpatrimonioRegioquaecumquemineralia,ubimetalla

fiuntargenti,auri,etargentiviviper1”.6.Recop.,tít.13.1.4.“Sed

quojure(dizele)Rexpotueritsibiapplicaremineraliaomnia,in

fundisetiamprivatisprocreata,nullusauthorumdixitquoscitavi.

Mihi videtur ad haec dicendum, quod quamvis mineralia jure

naturalisintdominiipsiusagri,potuithocjusmineraliumaban-

tiquoesseinductum,quod sint Regii patrimonii:eaenimconditione

potuerunthujusregniterrae,etpraediadistribui,uttamenmine-

raliaregibusreservatamanerent,suopatrimonioannumerata.”

EamesmarazãodáMolina,De Just. et Jure,disp.56,§ult.,por

estaspalavras:“Licetenimstandoinsologentiumjure,eainventa

quae domino carent, sint primo occupantis, nihilominus que-

madmodumjuscivilestatuerepotuit,utquicasuthesaurumin

agroalienoinveniret,in interiori et exteriori foro tenereturtribuere

illiusdimidiumdominoagri,quiveroillumdeindustriainveni-

ret,tenereturtribuereeidemtotum;curetiamnonpoteritsimili

modostatuereutadsustinendaReipublicaeonera,thesauri,qui

deincepsinvenientur,pertineantintegriadRegem,aututinillis

certamaliquamhabeatpartem?Neque,enimideststatuereali-

quid contra jus gentium, sed rationabili ex causa impedire, ne

dominiumthesauriinventisitalicujus,cujusessetstandoinsolo

naturaliacgentiumjure;efficerequeutsitalterius:idquodpotest

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 177

optimeRespublicafacere,nonsecusacefficerepotest,utvenatio

aliquaillicita,utdisp.43ostensumest.”E,pelamesmarazão,se

há de dizer o mesmo das minas, ainda que fossem achadas em

terrasdeparticulares.

E,quandonãobastasseestarazão,quecertamenteéforçosa,o

CardealdeLugo,intractatu de Justitia et Jure,tom.I,disp.6,sect.10,

nº108,mostraqueEl-Reipodereservarparasiasminas(aindaque

seachememterradeparticulares)pormododetributoetributo

muitobem-posto,mandandoqueselhepaguealgumapartedo

quesetirardelas,paraosgastosdarepública.“Etdefacto(diz)jure

humanosolenthujusmodimineralia,quoadaliquamsaltempar-

temmaiorem,velmaiorem,Principiapplicare,quoadaliamvero

inventori,quodquidemfieripotuit,velquiaabinitioagriealege

singulisineaprovinciadistributifuerunt,utmineraliaPrincipis

dispositionireservarentur,utvultVasquezdeRestitutione,cap.5,

§4,dub.2,nº17,vel certe per modum tributi;sicutpotestPrincepsad

subsidiumetsumptuspublicosaliatributaexigere.Aliundevero

justificaturnonparumillemodustributiexeo,quodcumaurum

etargentumsintpotissimaeReipublicaevires;nonexpeditquod

iniisPrincepsipseettotaRespublicadependeataduobus,veltri-

busprivatis,quisolieametallainsuispraediiscolligant, ac collecta

reservent, et ad nutum distribuant.”

Ouseconsiderem,pois,asminascomopartedopatrimônio

real,oucomojustotributoparaosgastosemproldarepública,

écertoquesedeveaEl-Reioqueparasireservou,queéaquinta

partedoouroquedelassetirar,puroelivredetodososgastos;eo

quesemandanasOrdenaçõesacimareferidoestájustamenteorde-

nado;eque,prescindindodequalquerpena,oquintoex natura rei

selhedevenãomenosqueoutroqualquerjustotributo,ordenado

parabemdarepública,oucomocobraapensãoqueimpõemso-

brequalqueroutrapartedoseupatrimônio,comoéaqueselhe

deveeselhepagadosfeudos.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o178

Esealguémdisserquedeoutrasortesehádejulgarasminasdo

BrasilquedasdoReinodePortugal,porsermaiscertoodireito

dodomínioepossequecompeteaEl-ReidoreinodePortugalque

odasconquistasdoBrasil,seseexaminarasuaorigem,merecerá

comotemerárioamesmarespostaque,falandodasconquistasdas

ÍndiasOcidentais,dadasaosreisdeCastelapeloSumoPontífice

Alexandre VI, deram, depois de tratarem esta matéria com sin-

gular doutrina e atenção, varões doutíssimos em seus tratados,

trazendo as Bulas e ponderando e examinando a autoridade do

SumoPontíficeparasemelhantesdoações,eosjustosmotivosde

asfazerem,dizendoultimamentequejásenãodeviapermitiro

pôr-se isto em dúvida, por ser sentença do vigário de Cristo na

Terra,dadaepublicadalegitimamente,edepoisdemaduroconse-

lhoegrandeatenção,comopediaamatéria,edefendidaporjusta,

válidaelícitadetantosetãoinsignesdoutores.ItaSolorzano,de

Indiarum Gubernatione, tom. 1, lib. 2, cap. 24, nº 41. Avendanho,

inThesauro Indico, tom.1, tít.1,cap.1,pertotumetpraecipue§

4,nº17,ondetambémdizqueMascardo,inTractatu de Judaeis et

Infidelibus,Iparte,cap.14,nãoduvidaafirmarqueopoderdoPapa

parataldoaçãoétãocertoquedizerocontrárioparecequetem

sabordeheresia,oqueomesmoAvendanhoexplicaemquesen-

tidosedeveentender.

E que mereça a mesma resposta quem disser o mesmo da

conquista do Brasil, ninguém o poderá negar com razão, pos-

suindo os reis de Portugal pelos mesmos títulos o Brasil e as

outras conquistas, pelos quais todos esses autores, Solorzano e

Avendanho e outros, doutíssima e solidissimamente provam o

legítimo domínio e posse que compete aos reis de Castela, das

ÍndiasOcidentais,comoconstapelasBulasdosSumosPontífices

CalixtoIII,NicolauVeAlexandreVI,queseacharãonomesmo

cap.24deSolorzano,desdeapág.344atéapág.353eemtodoo

livro2 do dito primeiro tomo de Indiar. Gubern., que consta de

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 179

25 capítuloseno terceiro, queconstade8, onde,comsingular

erudição,provaunicamentea justiçacomqueseadquiriuese

conservaodomínioepossedestasconquistas.

E,falandoomesmoSolorzanonosegundotomo,liv.5,cap.1,

emparticulardasminasedosmetaisquedelassetiram,nº19,diz

queassimnasÍndiascomoemqualqueroutrapartepertencem

aodireitodeEl-Rei,comoseupatrimônioepartedoseusupre-

modomínio,querseachememlugarpúblico,queremterrasou

fazendasdeparticulares,desortequenuncaseentendemcom-

preendidasnasdatasedoações,aindaquegeralmentefeitas,se

senãofizerespecialmençãodelas.E,paraconfirmaroquediz,

trazvinteequatroautores,quetrataramdeRegalibus, de Metallis

et de Jure Fisci,ouinterpretaramocapítulo1,“Quaesintregalia”,

oualei2,Cod.deMetallar.Diztambém,nº20,queporrazãodos

gastosquesãonecessáriosparatirarosmetaisdasminasdestas

conquistas,contentam-seosreiscomqueselhespagueaquinta

partedometalquesetirar,proibindousardeleaténãosermarca-

docomocunhoreal,paraqueconstequesepagouaquintapar-

te.E,porquepodiahaverdúvidaseestaquintapartedemetalse

haviadeentendercomovemdaterra,nãolimpo,esesehaviam

decompreendernelaosgastosousesehaviadedarlivredeles,

traz no nº 16 a ordem de El-Rei, de 1504, que decidiu ambas as

dúvidasporestaspalavras:El quinto neto, y sin descuento de costas,

puesto em poder del nuestro Tesorero o Receptor, queéoquetambém

diza Ordenação dePortugal,tít.34dolivro2.Depois de fundido e

apurado, paguem o quinto em salvo de todos os custos.

Nota, mais, Solorzano, nº 27 do dito cap. 1 do livro 5, que

quando se fala de frutos da terra se entendem também os me-

tais, alegando para isso a João Garcia, de expensis, cap. 22, nº 47.

Lazarte, de Gabellis, cap. 19, nº 59. Barbosa, in dicto § “Si vir, L.

Divortio, ff. Soluto matrimonio”.Marquech,de divisione bonorum,lib.

2,cap.11,nº23etseq.Cabedo,decis.81,nº2,parte2.Gilken,de

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o180

expensis metallorum,in L. Certum Cod. de rei vendicat,cap.5,pág.722.

Farinac,quaest.104,nº62et63.Tusch,verboMinerae,concl.237

etverboPraeventio,ondetratadecomoasminas,dequemquer

que se ocupem, sempre passam com sua obrigação. Naevius, in

System.,adL.2,Cod.deMetallar.Pancirolus,in Thesaur.,lib.3,cap.

31,pág.214,327et372.Marsil,singul.531,etMenoch,cons.798

anº16.Eque,consequentemente,comoosoutrosfrutosdater-

ra,estãosujeitosaodízimoqueosPapasconcederamaosreisde

PortugaleaosdeCastela:utexL. Cuncti Cod. de Metallar.,Butrius

etaliiincap.Pervenitde decimis,Rebuffus,quaest.10,nº 23 et24,et

Solorzano,deIndiar. Gubern.tom.2,lib.3,cap.21,nº10,postoque

osreis(comodizomesmoSolorzano)nãotratemdecobrarestes

dízimosdosmineiros,contentando-seporrazãodosgastoscom

quelhepaguemaquintapartedoouroeprataquetiramdesuas

minas,quesãopartedoseupatrimônio,epartesemprereservada,

comoestádito.

Passandoagoraaooutroponto,emqueseperguntaseestalei

depagaraEl-Reiaquintapartedoouroquesetiradasminasobri-

ga em consciência: Digo que a resolução desta dúvida depende

detirarumafalsaimaginaçãodealgunsmenosatentoseacelera-

dosemresolver,osquais,porveremqueestaleiéacompanhada

dacominaçãodapenadaperdadafazendaedodegredopordez

anosedeoutraspelonovoregimentoacercadasminasdoBrasil,

cuidam que é lei meramente penal e que, como tal, não obriga

emconsciência,nemantesdasentençadojuiz,aostransgressores

dela,conformeocomumsentirdosteólogosemoralistasquetra-

tamdasleiseemparticulardaspenais.

Porém o P. Francisco Suarez, examinando mais profunda-

-mente(comocostuma)estepontono5ºlivrodeLegibus,cap.13,

anº2,resolvequeasimposiçõesepensõesquesepagamaosreis

e príncipes por coisas suas imóveis, e fruto delas, são tributos

reaisenaturais,fundadosemjustiça,porquesecobramdecoisas

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 181

próprias dos ditos príncipes, aos quais se deram para a sua sus-

tentaçãoeelesasderamaosseusvassaloscomobrigaçãodelhes

pagaremestaspensões;equeporissoasleisquemandampagar

estas pensões ou tributos, ainda que se lhes acrescente alguma

pena, sem dúvida não se podem chamar nem são puramente

penais,masdispositivasemorais,assimcomosãoasconvencio-

naisentrepartes,queparamaiorfirmezaadmitempenaentreos

contraentesparaqueseguardemoscontratoseaspromessasde

fazeroudepagarqualquerdívidaquealiundedejustiçasedeva.E

queconsequentementeestasleisobrigamemconsciênciaapagar

tais pensões e tributos inteiramente e espontaneamente, e sem

diminuiçãoalguma,ouengano,aindaquesenãopeçamporque

sedevemdejustiçacomutativa,quetrazconsigoestaintrínseca

obrigação,senãohouverpactoemcontrário.AtéaquioP.Suarez,

nº4,loco citato.

Edestefundamentocertíssimoseinferetambémcertamente

queosquintosdoouroquesetiradasminasdoBrasilsedevem

aEl-Reiemconsciência,equealeifeitaparaseguraracobrança

delesnãoémeramentepenal,aindaquetragaanexaacominação

dapenacontraostransgressores,masqueéleidispositivaemoral

equeobrigaantesdasentençado juiz,emconsciência.Porque,

sendoEl-Rei(comoestáprovadonaprimeirapartedestaquestão)

senhor legítimo das minas, por doação que lhe fez delas com a

conquistadoBrasiloSumoPontífice,eportodososoutrostítulos

quetrazSolorzanoemtodoolivro2doItomodeIndiar. Gubern.,

comumaosreisdePortugalcomoaosreisdeCastela;esendoas

ditasminasdodireitorealepartedoseupatrimônio,comoquais-

queroutrosbensqueselhederamparaasuasustentaçãoegastos

quefazemproldarepúblicaeparaaconservaçãoeaumentoda

fé,ereservando-asparasiemtodasasdatas,nemdandolicençade

tirarourodelas,senãocomcondiçãoquequemotirarlhepague

aquintapartedoquetirar,puroedessecado,elivredetodosos

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o182

gastos,epodendopertenderisto(prescindindodosoutrostítulos)

porjustoebem-ordenadotributo,comoestáprovadocomasra-

zões e autoridade de tantos doutores acima alegados, claro está

queestaobrigaçãoestáfundadaemjustiçacomutativa,comoade

quaisqueroutrospactosepromessasdequalquerjustocontrato

quecostumamadmitiroscontraentesemsuasconvençõeseque

aindaquealeinãoacrescentassepenaaostransgressoressempre

deviampagarestesquintosporserobrigaçãointrínseca,equeo

pôr-lheapenaéparafacilitarmaisacobrançadoqueselhedeve,

enãoparafazerumaleimeramentepenal.

“Nam adjectio poenae (diz Suarez, nº 10) non tollit obliga-

tionem,quameademlex,praecise latasinepoena, induceret in

conscientia:ergolicetilliaddaturpoenaobligatperseadtribu-

tum persolvendum, vel restituendum (si contra justitiam non

sit solutum) absque ulla condemnatione, vel sententia, etiamsi

tuncnemoobligetadpoenaesolutionemantesententiam,juxta

generalem doctriam datam de lege poenali.” E declarando isto

mais,dizqueestaleiémista,ouquasecompostadetributoede

penaequeseordenamadiversosfinsaimposiçãodapensãoou

tributoeapenaqueselheacrescenta,porqueotributoseordena

àsustentaçãodeEl-Reiouasatisfazeràobrigaçãonaturalquetêm

osvassalosdedarjustoestipêndioaEl-Rei,quetrabalhaemprol

darepública,eapenaseordenaaquesecumpraestaobrigação

esecastiguequemnãoacumprircomodeve;logo,aindaqueo

tributooupensãosejajustoeadequadoaoseufim,eaobrigação

fiqueinteira,justamenteselheacrescentaacominaçãodapena,e

justamenteseexecuta,sehouverculpa,alémdainteiracobrança

dotributo.Assimcomonaspenasquedecomumconsentimento

sepõempeloscontraentesemalgumjustocontrato,sepodejus-

tamenteobrigarovioladordapromessafeitanocontratoaque

pagueaditapenaalémdointeresseedanoquedatransgressão

seseguiu.Edizqueomesmosucedenonossocaso,porquesefaz

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 183

comoumcontratoentreEl-Reieosvassalos,paraqueEl-Reiosgo-

verneeossúditosossustentemcomostributosepensões.E,para

segurarquesepaguem,podeacrescentar-se-lheapena,aqualnão

diminuaaforçaeobrigaçãodocontrato,massirvadeumanova

coação,paraqueossúditospaguemoqueporjustiçalhedevem.

AtéaquioP.Suareznoditocap.13,nº10.

Eistoparecequebastavaparamostrarqueosquintosdoouro

quesetiradasminasdoBrasilsedevem,emconsciência,eantes

dacondenaçãoousentença,aEl-Reinossosenhordejustiça,enão

porumaleimeramentepenal,comoalgunserradamenteimagi-

nam.Acrescentarei,porém,outrosmotivosparaestabelecermais

estaresolução.Esejaoprimeiroqueestaleidosquintos(como

advertiuAvendanho,in Thesauro Indico,tom.I,tít.5,cap.8,nº43)

é muito racional pela razão que traz Molina, disp. 56, de Just. et

Jure,§ult.,evemaser:porqueestápostoemrazãoqueopríncipe

tenhaalgumapartemaisqueosoutrosparticularesemcoisasde

preçosingular,comotememoutrosbens,aindaquandoparece-

riasermelhordá-lasaopúblico.E,assim,faltandoosparentesaté

certograu,osbensdosquemorremab intestatovãoaofiscoreal;

eempenadealgunscrimes,lograEl-Reidetalsorteosbenscon-

fiscadosquesealguémporparente,aindaquemuitochegadoao

réu,ostirasseaofisco,pecariacontraajustiça,comobrigaçãode

osrestituir.Logo,quantomaissehádedizeromesmo,quandoo

reservarosquintosdoouroseordenanãosomenteàsustentação

deEl-Rei,mastambémaosgastosemproveitodarepública,epara

aconservaçãoeaumentodafé,ficandoaosmineirosomaisouro

dequesetiramosquintos?

Segundo.PorqueFilipeII,reideCastela,depoisdeterouvido

oparecerdos teólogoseconselheirosda Índia,escreveuresolu-

tamenteaoviso-reidoPeru,condedeVilar,noanode1584,desta

sorte:Y pudiera yo cobrar enteramente el quinto de todo ello: (asaber,

doouroepratalavrados) y las Personas, que le deben, están obligadas

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em consciencia a me lo pagar.Oquenãodiriadesuacabeça,contra

oparecerdosditosteólogoseconselheiros,seassimonãotives-

sementendido,comorefereAvendanhonoditocap.8,nº44,etraz

logoemconfirmaçãodistoaleidePortugalpelaqual(comodiz

o P. Rabelo) se devem os quintos a El-Rei antes da condenação

ousentença.DizmaisAvendanho,emprovadequesedevemos

quintosemconsciência,queassimotêmmaisdevinteautores

quealega,entreosquaissãoVasquez,Molina,Lugo,Rebelo,Azor,

Léssio, Castilho, Fragoso e outros quinze, todos da mesma opi-

nião.Edealgunsquecitaraspalavras,paraquemelhorconsteda

verdadeedaautoridadedaspessoasqueassimsentem.

Vasquez,inTract. de Restitutione,cap.5,§4,nº30,ait:“Arbitror,

quodpraedictaelegesnonfundenturinpraesumptione,necpo-

enalessint:etitanullaexpectatasententiasuntobservandae”.Et

nº 29citatCovarruviam,CaietanumetNavarrumitasentientes.

Lugo,tom.1,deJustitia et Jure,disp.6.sect11,nº131,diz:“Aliae

autemleges,quaepoenalesnonsunt,potueruntquidemtransfer-

redominiuminFiscum;etideovidenturinconscientiaobligare

anteomnemsetentiamjudicis.”

Molina,dictadisp.56,deJustitia et Jure,§ult.,ibi:In inferiori et

exteriori foro.

Terceiro.Porquedoouroedapratasedevepagarodízimo,do

mesmomodoquedosoutrosfrutosdaterra,comoestáprovado

acimacomosautoresque trazSolorzano, tom.2, lib.3, cap.21,

nº10,eoprovatambémoP.Suarez,tom.1,de Religione,lib.1,“de

divinocultu”,cap.34,nº3et6,eoP.Tancredi,tract.1,de Religione,

lib. 2, disp. 11, nº 7 “ex omnium mente”; e se infere ex generali

dispositioneincap.“Nonestdedecimis,ubiillahabenturverba”:

De omnibus bonis decimae sunt ministris Ecclesiae tribuendae; et ex

cap. “Transmissa” et ex cap. “Tua nobis”. Tendo, pois, os Sumos

Pontífices dado os dízimos do Brasil e de outras conquistas aos

reisdePortugal,pelasdespesasquefaziamefazemnasmesmas

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 185

conquistas,epelosoutrosmotivosquealegamemsuasbulas(o

quepodiamfazer,edefatoofizeramaoutrosreisepríncipes,

pelasrazõeseautoridadesquetrazeruditamenteSolorzano,com

asmesmasBulas, tom.2,deIndiar. Gubern., lib.3,cap.1), segue-

-sequetambémselhesderameselheshãodepagarosdízimos

doouroeprataquedasminasdoBrasilsetirarem,equeassim

estescomoosdízimosdosoutrosfrutosdaterraselhesdevemem

consciência.Eque,sendoasminasdosreis,atentandoaosgastos

quesefazememtirarosmetais,nãotratemdecobrarodízimo,e

secontentemcomapensãooutributodoquinto,nãosepodem

dizerrigorosos,masantesbenignos,comonotouAvendanhono

lugarcitadoanº 45,comFragoso,tom.1,pág.265,§alii addunt.

De tudo isto se segue que o dizer que os quintos do ouro se

devemaEl-Reiemconsciênciaéaopiniãoverdadeira,assimpelos

motivos intrínsecosdosseusfundamentos,particularmentepe-

losquetrazoP.Suarez,acimareferidos,comopelosextrínsecos,

daautoridadedosdoutoresalegados,quesãoteólogosdegrande

doutrinaereligião,deixandoaopiniãocontráriamuitoduvidosa,

muitofracaenadasegura.EqueosoficiaisdeputadosporEl-Reià

cobrançadosquintoseacunharoourotêmobrigaçãograve,em

consciência, de fazer bem, e finalmente, o seu ofício, e que não

podemdissimularosgravíssimosprejuízosquesefazemaopatri-

mônioreal,defraudadoporculpadeles,demuitolucro,receben-

doestipêndiodomesmorei,quetemasuatençãobem-fundada,

paraquecomfidelidadefaçamseuofício.ItaAvendanho,nº48.

Oqual,porém,nº56,édeopiniãodequeaproibiçãodenego-

-ciarcomouroempónãoobrigaemconsciência,comoobrigaa

lei de pagar os quintos, mas que o dito ouro em pó passa com

amesmaobrigaçãodeserquintadoaquemquerquevai,atése

satisfazeraestaintrínsecaobrigação.E,comisto,maisseconfir-

maoqueestáditodaleidosquintos,porserdispositivaepenal,

porque,enquantoédispositivadoquesedevedejustiça,aEl-Rei,

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quesãoosquintos,obrigaemconsciência,eenquantoépenal,

fazqueapenadostransgressoresnãosedevaemconsciênciase-

nãodepoisdasentença.Emumapalavra:oquintosempresedeve

dejustiçaeaperdadafazendaeodegredo,sópost sententiam.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 187

xroteiro do caminho da vila de são paulo

para as minas gerais e para o rio das velhas

G astam comumente os paulistas, desde a vila de São

Paulo até as minas gerais dos Cataguás, pelo menos

doismeses,porquenãomarchamdesolasol,masatéomeio-dia,

e quando muito até uma ou duas horas da tarde, assim para se

arrancharem,comoparateremtempodedescansaredebuscar

alguma caça ou peixe, onde o há, mel de pau e outro qualquer

mantimento.E,destasorte,aturamcomtãograndetrabalho.

Oroteirodoseucaminho,desdeaviladeSãoPauloatéaserra

deItatiaia,ondesedivideemdois,umparaasminasdoCaetéou

ribeirãodeNossaSenhoradoCarmoedoOuroPretoeoutropara

asminasdoriodasVelhas,éoseguinte,emqueseapontamos

pousoseparagensdoditocaminho,comasdistânciasquetemeos

diasquepoucomaisoumenossegastamdeumaestalagempara

outra,emqueosmineirospousame,seénecessário,descansam

eserefazemdoquehãomisterehojeseachaemtaisparagens.

No primeiro dia, saindo da vila de São Paulo, vão ordinaria-

menteapousaremNossaSenhoradaPenha,porser(comoeles

dizem)oprimeiroarrancodecasa,enãosãomaisqueduasléguas.

Daí,vãoàaldeiadeItaquequecetuba,caminhodeumdia.

Gastam,daditaaldeia,atéaviladeMoji,doisdias.

DeMojivãoàsLaranjeiras,caminhandoquatrooucincodias

atéojantar.

DasLaranjeirasatéaviladeJacareí,umdia,atéastrêshoras.

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DeJacareíatéaviladeTaubaté,doisdiasatéojantar.

DeTaubatéaPindamonhangaba,freguesiadeNossaSenhora

daConceição,diaemeio.

De Pindamonhangaba até a vila de Guaratinguetá, cinco ou

seisdiasatéojantar.

De Guaratinguetá até o porto de Guaipacaré, onde ficam as

roçasdeBentoRodrigues,doisdiasatéojantar.

DestasroçasatéopédaserraafamadadeAmantiqueira,pelas

cinco serras muito altas, que parecem os primeiros muros que

o ouro tem no caminho para que não cheguem lá os mineiros,

gastam-setrêsdiasatéojantar.

Daqui começam a passar o ribeiro que chamam Passa-vinte,

porque vinte vezes se passa e se sobe às serras sobreditas, para

passar as quais se descarregam as cavalgaduras, pelos grandes

riscosdosdespenhadeirosqueseencontram,eassimgastamdois

diasempassarcomgrandedificuldadeestasserras,edaísedesco-

bremmuitaseaprazíveisárvoresdepinhões,queaseutempodão

abundância deles para o sustento dos mineiros, como também

porcosmonteses,ararasepapagaios.

Logo,passandooutroribeiro,quechamamPassa-trinta,porque

trintaemaisvezessepassa,sevaiaosPinheirinhos,lugarassim

chamadoporseroprincípiodeles;eaquihároçasdemilho,abó-

borasefeijão,quesãoaslavourasfeitaspelosdescobridoresdas

minaseporoutros,queporaíqueremvoltar.Esódistoconstam

aquelas e outras roças nos caminhos e paragens das minas, e,

quandomuito,têmdemaisalgumasbatatas.Porém,emalgumas

delas,hojeacha-secriaçãodeporcosdomésticos,galinhasefran-

gões, que vendem por alto preço aos passageiros, levantando-o

tantomaisquantoémaioranecessidadedosquepassam.Edaí

vemodizeremquetodooquepassouaserradaAmantiqueiraaí

deixoudependuradaousepultadaaconsciência.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 189

DosPinheirinhossevaiàestalagemdoRioVerde,emoitodias,

poucomaisoumenos,atéojantar,eestaestalagemtemmuitas

roças e vendas de coisas comestíveis, sem lhe faltar o regalo de

doces.

Daí,caminhandotrêsouquatrodias,poucomaisoumenos,

atéojantar,sedánaafamadaBoaVista,aquembemsedeueste

nome,peloquesedescobredaquelemonte,quepareceummun-

donovo,muitoalegre:tudocampobemestendidoetodoregado

deribeirões,unsmaioresqueoutros,etodoscomseumato,que

vai fazendo sombra, com muito palmito que se come e mel de

pau,medicinalegostoso.Temestecamposeusaltosebaixos,po-

rémmoderados,eporelesecaminhacomalegria,porquetêmos

olhosqueverecontemplarnaprospectivadomonteCaxambu,

queselevantaàsnuvenscomadmirávelaltura.

DaBoaVistasevaiàestalagemchamadaUbaí,ondetambém

hároças,eserãooitodiasdecaminhomoderadoatéojantar.

DeUbaí,emtrêsouquatrodias,vãoaoIngaí.

DoIngaí,emquatrooucincodias,sevaiaoRioGrande,oqual,

quandoestácheio,causamedopelaviolênciacomquecorre,mas

temmuitopeixeeportocomcanoasequemquerpassarpagatrês

vinténsetemtambémpertosuasroças.

DoRioGrandesevaiemcincoouseisdiasaoriodasMortes,

assimchamadopelasquenelesefizeram,eestaéaprincipales-

talagemondeospassageirosserefazem,porchegaremjámuito

faltosdemantimentos.E,nesterio,enosribeirosecórregosque

neledão,hámuitoouroemuitosetemtiradoetira,eolugaré

muitoalegreecapazdesefazernelemoradaestável,senãofosse

tãolongedomar.

DestaestalagemvãoemseisouoitodiasàsplantasdeGarcia

Rodrigues.

Edaqui,emdoisdias,chegamàserradeItatiaia.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o190

Desta serra seguem-se dois caminhos: um, que vai dar nas

minasgeraisdoribeirãodeNossaSenhoradoCarmoedoOuro

Preto,eoutroquevaidarnasminasdoriodasVelhas,cadaum

delesdeseisdiasdeviagem.Edestaserratambémcomeçamas

roçariasdemilhoefeijão,aperderdevista,dondeseproveemos

queassistemelavramnasminas.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 191

xiroteiro do caminho velho da cidade

do rio de janeiro para as minas gerais dos cataguás e do rio das velhas

E m menos de trinta dias, marchando de sol a sol, po-

dem chegar os que partem da cidade do Rio de Janeiro

às minas gerais, porém raras vezes sucede poderem seguir esta

marcha, por ser o caminho mais áspero que o dos paulistas. E,

porrelaçãodequemandouporeleemcompanhiadogovernador

ArturdeSá,éoseguinte.Partindoaos23deagostodacidadedo

Rio de Janeiro foram a Paraty. De Paraty a Taubaté. De Taubaté

a Pindamonhangaba. De Pindamonhangaba a Guaratinguetá.

DeGuaratinguetáàsroçasdeGarciaRodrigues.Destasroçasao

Ribeirão.EdoRibeirão,comoitodiasmaisdesolasol,chegaram

aoriodasVelhasaos29denovembro,havendoparadonocaminho

oitodiasemParaty,dezoitoemTaubaté,doisemGuaratinguetá,

doisnasroçasdeGarciaRodriguesevinteeseisnoRibeirão,que

por todos são cinquenta e seis dias. E, tirando estes de noventa

enove,quesecontamdesde23deagostoaté29denovembro,

vieramagastarnestecaminhonãomaisquequarentaetrêsdias.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o192

xiiroteiro do caminho novo da cidade do rio de janeiro para as minas

P artindodacidadedoRiodeJaneiroporterracomgente

carregada,emarchandoàpaulista,aprimeirajornadase

vaiaIrajá;asegundaaoengenhodoalcaide-mor,ToméCorreia;

aterceiraaoportodoNóbreganorioIguaçu,ondehápassagem

decanoasesaveiros;aquartaaosítioquechamamdeManueldo

Couto.

Equemvaipormareembarcaçãoligeiraemumdiasepõeno

portodafreguesiadeNossaSenhoradoPilar;eemoutro,emca-

noa,subindopeloriodeMorobaíacima,ouindoporterra,chega

pelomeio-diaaoreferidosítiodoCouto.

Destesevaiàcachoeiradopédaserraesepousaemranchos.

E daqui se sobe à serra, que são duas boas léguas; e descendo o

cume,searranchanospousosquechamamFrios.Noditocume

fazumtabuleirodireitoemquesepodeformarumgrandebata-

lhão;eemdiaclaro,ésítiobemformoso,esedescobredeleoRio

deJaneiro,einteiramentetodooseurecôncavo.

DospousosFriossevaiàprimeiraroçadocapitãoMarcosda

Costa;edela,emduasjornadas,àsegundaroça,quechamamdo

Alferes.

DaroçadoAlferes,numajornadasevaiaoPauGrande,roça

queagoraprincipia,edaísevaipousarnomatoaopédeummor-

roquechamamCabaru.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 193

DestemorrosevaiaofamosorioParaíba,cujapassageméem

canoas.Dapartedeaquém,estáumavendadeGarciaRodriguese

hábastantesranchosparaospassageiros;edapartedalém,estáa

casadoditoGarciaRodrigues,comlarguíssimasroçarias.

DaquisepassaaorioParaibuna,emduasjornadas,aprimeira

nomato,easegundanoporto,ondehároçariaevendaimportan-

teeranchosparaospassageirosdeumaeoutraparte.Éesterio

poucomenoscaudalosoqueoParaíba;passa-seemcanoa.

Do rio Paraibuna fazem duas jornadas à roça do Contraste

de Simão Pereira; e o pouso da primeira é no mato. Da roça do

dito Simão Pereira se vai à de Matias Barbosa, e daí à roça de

AntôniodeAraújo,edestaàroçadocapitãoJosédeSousa,donde

sepassaàroçadoalcaide-morToméCorreia.Daroçadodito

alcaide-mor se vai a uma roça nova do Azevedo, e daí à roça

do juiz da alfândega Manuel Correia, e desta à de Manuel de

Araújo.Eemtodasestasjornadassevaisemprepelavizinhança

doParaibuna.

Da roça do dito Manuel Araújo se vai à outra rocinha do

mesmo.

DestarocinhasepassaàprimeiraroçadosenhorBispo,edaíà

segundadodito.

DasegundaroçadosenhorBispofazemumajornadapeque-

naàBordadoCampo,àroçadocoronelDomingosRodriguesda

Fonseca.

QuemvaiparaoriodasMortespassadestaroçaàdeAlberto

Dias,daíàdeManueldeAraújo,quechamamdaRessaca,edesta

àPontadoMorro,queéarraialbastante,commuitaslavras,don-

desetemtiradograndecópiadeouro;eaíestáumfortimcom

trincheirasefosso,quefizeramosemboabasnoprimeirolevanta-

mento.DestelugarsevaijantaraoarraialdoriodasMortes.

Equemsegueaestradadasminasgeraisdaroçasobreditade

ManueldeAraújodaRessacadoCampovaiàroçaquechamam

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o194

de João Batista; daí à de João da Silva Costa, e desta à roça dos

Congonhas,juntoaoRodeiodaItatiaia,daqualsepassaaocampo

do Ouro Preto, onde há várias roças e de qualquer delas é uma

jornadapequenaaoarraialdoOuroPreto,queficamatodentro,

ondeestãoaslavrasdeouro.

Todasasreferidasmarchasfarãodistânciadeoitentaléguas,a

respeitodosrodeiosquesefazememrazãodosmuitosegrandes

morros,eporrumodenorteasulnãosãomaisquedoisgrausde

distânciaaoRiodeJaneiro,porqueoOuroPretoestáemvintee

umgrauseoriodasVelhasestaráemvinte,poucomaisoume-

nos.Etodooditocaminhosepodeandaremdezatédozedias,

indoescoteiroquemforporele.

DocampodoOuroPretoaoriodasVelhassãocincojornadas,

pousandosempreemroças.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 195

xiiiroteiro do caminho da cidade da bahia

para as minas do rio das velhas

P artindo da cidade da Bahia, a primeira pousada é na

Cachoeira; da Cachoeira vão à aldeia de Santo Antônio

de João Amaro e daí à Tranqueira. Aqui divide-se o caminho, e

tomando-oàmãodireitavãoaoscurraisdoFigueira,logoànas-

cença do rio das Rãs. Daí passam ao curral do coronel Antônio

VieiraLima,edestecurralvãoaoarraialdeMatiasCardoso.

Mas,sequiseremseguirocaminhoàmãoesquerda,chegando

àTranqueira,metem-selogonocaminhonovoemaisbreve,que

fezJoãoGonçalvesdoPrado,evãoadianteatéànascençadorio

Verde. Da dita nascença vão ao campo da Garça, e daí, subindo

pelorioacima,vãoaoarraialdoBorba,dondebrevementeche-

gamàsminasgeraisdoriodasVelhas.

Os que seguiram o caminho da Tranqueira, à mão direita,

chegandoaoarraialdeMatiasCardoso,vãolongodoriodeSão

Franciscoacima,atédaremnabarradoriodasVelhas,edaí,como

estádito,logochegamàsminasdomesmorio.

Mas,porquenestajornadadaBahiaunscaminhamatéomeio-

-dia,outrosatéastrêsdatarde,eoutrosdesolasol,poreiadistân-

ciacertaporléguasdestesdoiscaminhosdaBahiaparaasminas

doriodasVelhas,queéaseguinte:

DacidadedaBahiaatéaCachoeira,dozeléguas.

DaCachoeiraatéaaldeiadeJoãoAmaro,vinteecincoléguas.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o196

Da aldeia de João Amaro até a Tranqueira, quarenta e três

léguas.

Da Tranqueira caminhando à mão direita até o arraial de

MatiasCardoso,cinquentaeduasléguas.

DoarraialdeMatiasCardosoatéabarradoriodasVelhas,cin-

quentaequatroléguas.

DabarradoriodasVelhasatéoarraialdoBorba,ondeestãoas

minas,cinquentaeumaléguas.Esãoportodasduzentasetrinta

eseteléguas.

Tomando o caminho da Tranqueira à mão esquerda, que da

Bahiaatéaíconstadeoitentaléguas,sãodaTranqueiraatéanas-

cençadorioGuararutibatrintaetrêsléguas.

DaditanascençaatéoúltimocurraldoriodasVelhas,quaren-

taeseisléguas.

DestecurralatéoBorba,vinteeseteléguas.Esão,portodas,

centoeoitentaeseisléguas.

EstecaminhodaBahiaparaasminasémuitomelhordoqueo

doRiodeJaneiroeodaviladeSãoPaulo,porque,postoquemais

comprido,émenosdificultoso,porsermaisabertoparaasboia-

das,maisabundanteparaosustentoemaisacomodadoparaas

cavalgaduraseparaascargas.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 197

xivmodo de tirar o ouro

das minas do brasil e ribeiros delas, observado de quem nelas assistiu

com o governador artur de sá

P oreiaquiarelaçãoqueomesmoautormemandoueéa

seguinte. Conforme as disposições que vi pessoalmente

nasminasdeourodeSãoPaulo,assimnaslavrasdeáguadosri-

beiros,comonasdaterracontíguaaeles,direibrevementeoque

podebastar,paraqueoscuriososindagadoresdanaturezamais

facilmenteconheçamemsuasexperiênciasqueterraequeribei-

rospossamterounãoterouro.Primeiramente,emtodasasminas

quevieemqueassisti,noteiqueas terrassãomontuosas,com

cerros e montes que vão às nuvens, por cujos centros correndo

ribeiros de bastante água, ou córregos mais pequenos, cercados

todosdearvoredograndeepequeno,emtodosestesribeirospin-

ta ouro com mais ou menos abundância. Os sinais por onde se

conheceráseotêmsãonãoteremáreasbrancasàbordadaágua,

senãounsseixosmiúdosepedrariadamesmacastanamargem

de algumas pontas dos ribeiros, e esta mesma formação de pe-

draslevapordebaixodaterra.Ecomeçandopelalavradesta,se

oribeirodepoisdeexaminadocomsocavãofaiscououro,ésinal

infalível que o tem também a terra, na qual, dando ou abrindo

catasecavando-aprimeiroemalturadedez,vinteoutrintapal-

mos, em se acabando de tirar esta terra, que de ordinário é ver-

melha,acha-selogoumpedregulho,aquechamamdesmonte,e

vemaserseixosmiúdoscomareia,unidosdetalsortecomaterra

que mais parece obra artificial do que obra da natureza; ainda

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o198

quetambémseachaalgumdesmontedestesoltoenãounido,e

commaisoumenosaltura.Essedesmonterompe-secomalavan-

cas,eseporacasotemouro,logoelecomeçaapintar,ou(como

dizem)afaiscaralgumasfaíscasdeouronabateia,lavandoodito

desmonte. Mas, ordinariamente, se pintou bem o desmonte, é

sinaldequeapiçarraterápoucoounenhumouro,edigoordina-

riamenteporquenãoháregrasemexceção.

Tiradoforaodesmonte,queàsvezestemaalturademaisde

braça,segue-seocascalho,evemaserunsseixosmaioresealguns

debomtamanho,quemalsepodemvirar,etãoqueimadosque

parecemdechaminé.E,tiradoestecascalho,apareceapiçarra,ou

piçarrão,queéduroedápouco,eesteéumbarroamareloouqua-

sebranco,muitomacio,eobrancoéomelhor,ealgumdestese

achaqueparecetalcooumalacacheta,aqualservecomodecama

onde está o ouro. E, tomando com almocafres nas bateias esta

piçarra,etambématerraqueestáentreocascalhosevailavarao

rio,e,botandoforaaterracomamesmabateia,andandocomela

àrodadentrodaáguapoucoapouco,oouro(seotem)vaificando

nofundodabateiaatéque,lavadatodaabateiadaterra,peloouro

quefica,sevêdequepintaéaterra.

Algumaterraháquetodapinta,outrasóempartes,eacada

passoseestávendoqueascatasemumapartepintambemeem

outraspoucoounada.Jáseaterratemveeiro,queéomesmoque

um caminho estreito e seguido, por onde vai correndo o ouro,

certamentenãopintapelasmaispartesdacataesevaientãose-

guindooveeiroatrásdoouro,eestasdeordináriosãoasmelhores

lavras,quandooouropegaemveeirosondeseencontramcom

grandezaeésinaldequetodaadatadaterra,paraondearremete

oveeiro,temouro.Ascatasordinárias,quesedãoemterra,sãode

quinze,vinteemaispalmosemquadra,epodemsermaioresou

menores,conformedálugaraterra.Esejuntodosribeirosaterra

fazalgumtabuleiropequeno(porqueordinariamenteosgrandes

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 199

nãoprovambem),estaéamelhorparagemparaselavrar.Posto

queocomumdoouroéestaraoliveldaágua,vimuitaslavras(e

nãodaspiores)quenãoguardamestaregra,senãoqueaoribeiro

iamsubindopelosouteirosacima,comtodasasdisposiçõesque

temosdito,decascalho,etc.,masnãoéistoordinário.

Atéaquioquetocaàslavrasdaterrajuntodaágua;porémas

dosribeiros,seelessãocapazesdeselhespoderdesviaraágua,se

lavramdivertindoestaporumabandadomesmoribeiro,comcer-

cofeitodepausmuitodireito,deitadosunssobreoutroscomesta-

casbemamarrados,feitoemformadecanoporumaeoutraparte,

paraquesepossaentupirdeterrapordentro,domodoqueaqui

sevê:

Margens

Cata Cata

Cerco Ribeiro

Cerco

Cata

Margens

Istoseentendequandosenãopodedesviartodooribeiropara

outraparte,paraoquerarasvezesdãolugaroscerros.Divertida

eesgotadaaáguacomasbateiasoucuias,setiramoscascalhos

ouseixosgrandesepequenosquenaáguanãoémuitoaltoese

dácomapiçarra;vê-seseoourodemandaparaaterradepoisde

lavadaacataesebuscaaterra,entrandoporelaesevaiseguindo

eabrindocatasumassobreoutras.E,ordinariamente,sedevepro-

varsempreemprimeirolugaroribeirodentrodamadreantesde

Cer

co

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o200

lavrarnaterra,paraversetemouro,porqueseotemquasesempre

ohádehaveremterracommaisoumenosabundância.Emuitas

vezes sucede (como se viu nas mais das lavras de Sabarabuçu)

que,pintandomuitopouconaáguaoumadre,emmuitaslavras

foradaáguasedeucommuitoouro.

Portanto,paraseexaminarseumribeirotemouro,vendo-lhe

asdisposiçõesquetemosditoentreaáguaeaterra,sedaráum

socavãodeseteouoitopalmosemquadraatéchegaraocascalho

epiçarra;esefaiscarésinaldeque,emterraenaágua,háouroe

pelaspintasdestessocavãosseconhecerásesãoderendimento.

Nemnestasminasserepartemribeirossemseremprimeiroexa-

minadoscomestessocavãosjuntodaágua.Nosribeiros,ondehá

areiapelomeioeanãohánasbarranceiras,tambémseachaouro,

havendocascalho;assimtambémnosribeiros,ondeháareiapor

entreaspedras,seacha.Oesmerilacha-secomareiapretaentre

oouro,eemqualquerpartequeseachaesmeril,tendooribeiro

cascalho,háouro.

Quandooourocorreemveeiro,deordináriocorredireitodo

ribeiroparaaterraadentro,enomesmoribeiro,sesucederacha-

rem-semuitosveeiros,serãodistantesunsdosoutros;esuposto

que perto do veeiro se ache formação, contudo, só no veeiro se

achamaisouro.Tambémseachammuitosseixoscomgranitos

deouro.

Estassãoalgumasdascoisasquesepodemdizerdestasminas,

paraquesepossaporaquifazerexameemalgunsribeirosonde

sesuspeitaquehaveráouro.Nãodeixarei,contudo,dereferiraqui

também o que vi no famoso rio das Velhas, porque parece fora

detodaaregradomineral.Emumapenínsulaquedaterraentra

norioquaseatéomeio,emquecomascheiasficatodacoberta

deágua,vilavrardoiscórregospequenosjuntodaágua,osquais,

abrindo-secomalavancas,eramtodosdeumpiçarrãoduroeclaro,

eporentreele,semseirlavaraorio,foitalagrandezadoourode

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 201

queestavamcheiosqueseestavavendoempedaçosegranitos

nasmesmasbateias.Ebateadahouveemquesetiravamdecada

vezquarenta,cinquentaemaisoitavas,sendoasordinárias,en-

quantoselavram,deoitoemaisoitavas.Aindaquelavrando-se

depois pela terra adentro na mesma península, foi diminuindo

cadavezmaisapintaeforamlogoaparecendoasdisposiçõesto-

dasquetemosdito,deterra,desmonte,cascalhoepiçarra,quenão

háregra,comojádisse,semexceção,emuitasvezesnãodácom

ouro quem mais cava, senão quem tem mais fortuna. Também

seachamuitasvezesumadisposiçãodedesmontequesechama

tapanhuacanga,quevaleomesmoquecabeçadenegro,pelote-

çumedaspedras,tãoduroquesóapoderdeferrosedesmancha,e

nãoémausinal,porquemuitasvezesocascalhoqueficaembaixo

dáouro.

De algumas particularidades mais destas minas, por serem

menos essenciais, não falo, e porque são mais para se verem

doqueparaseescreverem,eestassãoasquebastamparaoin-

tento dos que, ou por curiosidade, ou para acertar na lavra, as

procuram.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o202

xvnotícias para se conhecerem as minas de prata

P rimeiramente, pela maior parte, se acham as minas de

prata em terras vermelhas e brancas, limpas de árvores

edepoucaservas;esempresehãodebuscarnocumedosoutei-

rosoucerros,queéondearrebentamasbetasamododeparedes

velhas que correm sempre direitas, ou a modo de alicerces que

estãodebaixodaterra,oucomoummarachãodemuitaspedras

unidasemroda;e,seseachammuitojuntas,busque-sesemprea

maislarga,ouaqueestámaisnomeiodoouteiro.Emhavendo

cavadoumavaraoubraça,seguindosempreabeta,sepodefazer

experiênciadosgênerosdemetalquetiver,porquehábetasque

têmcincoouseisgênerosdepedras,aquechamamoscastelha-

nosmetais.Asditasbetascostumamterdelargoumabraça,ou

quatropalmos,outrês,oudois,ouum.Pelamaiorparte,entrea

betaseachaterradeváriascores,e,àsvezes,tudoépedramaciça,

eentãocostumasernegraebrancaaditapedra,amododeseixos;

equandoháterraentreapedra,pedraeterra,tudotemprata.Esta

betaordinariamenteestámetidaentrepenhascoagresteedesdea

superfíciedaterraatéofundosemprevaiencaixonada.

Apedraédeváriascores,diferentedasoutras,emuitoalegre:

branca, negra, a modo de malacacheta que se lança nas cartas,

cor de ouro, amarela, azul, esverdeada, parda, de cor de fígado,

alaranjada,leonada,eordinariamentetemocos,ondesecostuma

criarpratacomoemcubelos.Outraspedrassãotodasprateadas,

e outras com veias de prata, e só estas se conhecem logo que

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 203

têm prata. Porém, as acima nomeadas, só quem tem muita ex-

periênciaouquemasouberfazerviráemconhecimentoquea

têm.Também,àsvezes,seachaumamalacachetanegra,aqual

todatemprata,edeordinárioumalibradestamalacachetarende

duasonçasdeprata.Pelamaiorparte,nãohábetadeprataque

juntoaelasenãoachemalacachetabrancaouamarela ouem

pedrasagrestes,ouemterra.

Atodasestaspedraschamamoscastelhanosmetais,eaalgu-

masdãoestesnomes.Metal cobriço:eéumapedraquetiraaverde,

muito pesada, salgada ao gosto, estítica, e frange os beiços pelo

acredoantimônioevitríoloquetemmisturado.Metal polvorilha:

eéumapedraumtantoamarelaeédemaisleiqueoacima,eàs

vezes,paraofundo,costumadarempratamaciça.Metal negrilho

da primeira qualidadeépedranegracomresplendoresdelimadu-

rasgrossasdeferro,édepoucalei,porém,porquesaimisturado

commetalnegrodasegundaqualidade,queécomresplendores

deareiamiúda,ecomodaterceiraqualidade,queéaqueleque,

feito pó, a sua areia não tem resplendor algum, e é o melhor e

deve-sefazercasodele.Metal rosicleréumapedranegra,comoo

metalnegrilho,melhordeareia,comopóescurosemresplendor,

eseconheceserrosicleremque,lançandoáguasobreapedra,se

lhedácomumafacaouchave,comquemamóiefazummodode

barro,comoensanguentado;equantomaiscoradoobarro,tanto

melhoréorosicler,eémetaldemuitariqueza,efácildesetirar;e

dandoempartequehajadeságueaocerro,nãohámaisquepedir;

dáemcaixadebarrocomolama,epedrinhasdetodasascores.

Metal pacoétambémcomoorosicler,oqualéumapedraqua-

separda,comoopanopardooudefumadoemuitopesada.Seria

estender-semuito,sesehouvessedepôrseusgênerosdecaixa,de

qualidadeebenefícios,porqueéesefazdemuitosmodos,segun-

doosgênerosdepacos.Porém,sendoapedrasemgostoalgumao

mastigar-sepisada,serádeboaleiparaafundição,portermuito

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o204

chumbo,queajudaamesmafundição,eestegênerodemetale

onegrilhosãoosmaisabundantesnasminas,semseperderem

nem mudarem; e, quando muito, mudam de pacos a negrilhos,

edenegrilhosapacos.Metal plomo roncoéumapedradecorde

chumbo,porémmaisescura,emuitoduraepesada.Ériquezade

fundição,edestapedraafirmamalgunsquefazembolasdebolear

osíndiosCharruas,quevizinham,ouvizinhavam,comosportu-

guesesnanovaColôniadoSacramento.

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 205

xvimodo de conhecer a prata

e de beneficiar os metais

S e houver lenha (e melhor é bosta de gado, por ser mais

ativo o fogo dela) far-se-á uma fogueira, e no meio dela

se lancem as pedras do gênero que tiver a mina, e as deixarão

queimar,atéqueseponhamvermelhas,comosepõeo ferro.E,

estandovermelhas,selancememáguafria,cadaumaemdiversa

parte,paraseconhecerqualdascorestemmaisprata,quelogose

mostraránaágua,porque,setemprata,brotamportodaapedra

comocabeçasdealfinetesoucomogrãosdemunição.

Também se podem reconhecer com chumbo nesta forma.

Quandoosmetaissãonegros,compoucasveiasbrancas(que,se

sãomuitas,faz-secomazougue),sendomuitopesados,semoerão,

desortequeogrãomaiorfiquecomoodetrigo,eemumafur-

na,comoasquesefazemparaderretermetaisdesinos,sebotará

chumboese lhedará fogocomfole,atéqueaquelechumbose

derretaeponhacorado,eentãoselhebotaráapedramoída,asa-

ber,emmeiaarrobadechumbo,sepoderãobeneficiarseislibras

depedranestaforma.

Estando derretido e corado o chumbo, se lhe lançarão duas

libras de pedra, estendendo-as por cima do chumbo; e estando

tudoincorporadocomochumbo,amododeágua,para[a]fôrma

sevai lançandoamaisterra,atéqueseacabemasseis libras.E,

emseacabandoapedraoumetal, secontinuecomdar fogoao

chumbo,atéqueofogooconsuma,ouoconvertaemumfarelo

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o206

quevaicriandoporcima,oqualseirátirandocomaescumadeira,

eapartandoaosladosdovaso,atéqueaprataporúltimosedispa

deumateagemquetemporcima;eantesquedetodoofaça,faz

primeirotrêsouquatroacometimentos,comoquemabreecerra

osolhos,amododeondas,atéquedetodoseabreeficaaprata

líquida,semfazermovimentos.Eentãoseparacomofogo,ees-

tandoumpoucodura,semeteaescumadeiraporumladoeoutro,

paraadesapegardovasoesetirafora.

Sequiseremfazerensaioporazougue,far-se-ádosmetaisque

não forem negros; ou, se forem negros, queimar-se-ão primeiro

emfornodereverberação,atéqueselhestireamaldadedecoisas

acres que têm os metais ou pedras negras. E esta queima se faz

depoisdemoídos;esealgumdosoutrosmetaistiveracridades,se

deveprimeiroqueimartambém.Oqueposto,digoquetodosos

metaisoupedrassedevemmoerepeneirar,desortequefiquem

comofarinhadetrigo;apeneirahádeserdepanoepesar-se-ãoos

metais.Seforemseislibras,selhesbotaráumpunhadodesal,e

tudojuntosemolharácomágua,comoquemmisturaacalcom

areia.Depoisdebemunido,sefazummontinho,desortequees-

tejabrandocomaágua,paraqueseincorporecomeleosal,enes-

taformasedeixaráestarsobreumatábuaquatrooucincodiasao

sol.Epassadosestesdias,sedesfaráomontinhoesepisarámuito

bemaquelaterra,eemumpanofinodelinhosebotarãoduason-

çasdeazouguevivo,ecomomesmopanoseespremeráporcima

daditaterra,queestaráespalhadaebemfina;ejuntaseamassará

comamão,portempodeumahora,e,seestivermuitoseco,se

molharácomágua,atéquefiquecomobarrodefazertelha.

Depôsdistosetornaráafazermonteeapô-loaosoloutrostan-

tosdias,nocabodosquaissetemprataalguma,omostraránesta

forma,evemaserqueoazougueeaprataseconverterãoemum

farelobranco.E,estandoassim,selhelançarámaisazougue,ese

tornaráaamassar,comoestádito,eapô-loaosoloutrostantos

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 207

dias,edepoissetorneamolhareamassar.Istofeito,seboteem

umacuiaenvernizadaumpedacinhodaquelaterra,dotamanho

deumanoz,ecomágualimpaseirálavando,atéquefiquelimpaa

areianacuia,paraconhecerseoazouguehácolhidotodaaprata;

eseestiveraindacomfarelo,selancemaisazougue,comoacima.

Havendocolhidooazouguetodaaprata,jánãofaráfarelona

cuia,eestarátodaincorporada.Então,selavetodoomontecom

muitocuidado,eselanceemumpanodelinhonovoeseespre-

ma;eaquelabolaqueficarsequeimaráatéquesequeimetodoo

azougue,eficarálíquidaaprata,eseconhecerásesãoosmetais

derendimentoounão.

Seoazougueestiverfrio(oqueseconheceráestandometido

dentro como em um saquinho negro, que de si mesmo forma)

selhebotarámaissaloumagistral;eseestiverquente(oquese

conhecerádeestarmuitonegroofarelodaprata)selhebotará

cinzamolhadaesemisturarátudo,comoficaditoacima.Alguns

dizemqueasobreditamassaseháderevolvereamassartodosos

diasduasvezes,porespaçodequarentadias,equeacadaquintal

de pedra se lança um almude de sal de compás e dez libras de

azouguenaformaacima.

Ultimamente,dãoestasregrasgerais.Asminasdenorteasul

fixosãopermanentes.Asminasdeourocabeceiamdeorientea

poente,edãoemseixobrancoounegro,ouembarrovermelho,

sesãoboas.Nãohavendosaldepedrasjuntodasserrasdeminas

deprata,ésinaldequenãosãominasdepermanência,eaeste

chamam os castelhanos sal de compás. Só à vista de quem tem

experiênciasepodemdaraconhecerfixamenteosmetais,porque

háoutrosgênerosdepedrascomoeles,quenãosãodeprata.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o208

xviidos danos que tem causado ao brasil a cobiça depois do descobrimento do ouro nas minas

N ãohácoisatãoboaquenãopossaserocasiãodemui-

tosmales,porculpadequemnãousabemdela.Eaté

nassagradassecometemosmaioressacrilégios.Quemaravilha,

pois, que sendo o ouro tão formoso e tão precioso metal, tão

útil para o comércio humano, e tão digno de se empregar nos

vasos e ornamentos dos templos para o culto divino, seja pela

insaciávelcobiçadoshomenscontínuoinstrumentoecausade

muitos danos? Convidou a fama das minas tão abundantes do

Brasilhomensdetodacastaedetodasaspartes,unsdecabedal,

e outros vadios. Aos de cabedal, que tiraram muita quantidade

delenascatas,foicausadesehaveremcomaltivezearrogância,de

andarem sempre acompanhados de tropas de espingardeiros,

deânimoprontoparaexecutaremqualquerviolência,edetomar

sem temor algum da justiça grandes e estrondosas vinganças.

Convidou-osoouroajogarlargamenteeagastaremsuperfluida-

desquantiasextraordinárias,semreparo,comprando(porexem-

plo)umnegrotrombeteiropormilcruzados,eumamulatade

mautratopordobradopreço,paramultiplicarcomelacontínu-

oseescandalosospecados.Osvadiosquevãoàsminasparatirar

ouronãodosribeiros,masdoscanudosemqueoajuntameguar-

damosquetrabalhamnascatas,usaramdetraiçõeslamentáveis

e de mortes mais que cruéis, ficando estes crimes sem castigo,

porquenasminasajustiçahumananãoteveaindatribunalnem

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 209

o respeito de que em outras partes goza, onde há ministros de

suposição,assistidosdenumerosoeseguropresídio,esóagora

poderá esperar-se algum remédio, indo lá governador e minis-

tros.Eatéosbisposeospreladosdealgumasreligiõessentemsu-

mamenteonãosefazercontaalgumadascensurasparareduzir

aosseusbispadoseconventosnãopoucosclérigosereligiosos,

queescandalosamenteporláandam,ouapóstatas,oufugitivos.

Oirem,também,àsminasosmelhoresgênerosdetudooquese

podedesejarfoicausadequecrescessemdetalsorteospreçosde

tudooquesevendequeossenhoresdeengenhoseoslavradores

se achem grandemente empenhados e que por falta de negros

nãopossamtratardoaçúcarnemdotabaco,comofaziamfolga-

damentenostempospassados,queeramasverdadeirasminasdo

BrasiledePortugal.Eopioréqueamaiorpartedoouroquese

tiradasminaspassaempóeemmoedasparaosreinosestranhos

eamenoréaqueficaemPortugalenascidadesdoBrasil,salvoo

quesegastaemcordões,arrecadaseoutrosbrincos,dosquaisse

veemhojecarregadasasmulatasdemauvivereasnegras,muito

maisqueassenhoras.Nemhápessoaprudentequenãoconfesse

haverDeuspermitidoquesedescubranasminastantoouropara

castigarcomeleaoBrasil,assimcomoestácastigandonomesmo

tempotãoabundantedeguerrasaoseuropeuscomoferro.

QUARTA PARTE

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 211

cultura e opulência do brasil pela abundância do gado e courama

e outros contratos reais que se rematam nesta conquista

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 213

ida grande extensão de terras para pasto,

cheias de gado, que há no brasil

E stende-se o sertão da Bahia até a barra do rio de São

Francisco,oitentaléguaporcosta;eindoparaorioacima,

atéabarraquechamamdeÁguaGrande,ficadistanteaBahiada

ditaterracentoequinzeléguas;deCentocê,centoetrintaléguas;

de Rodelas por dentro, oitenta léguas; das Jacobinas, noventa; e

doTucano,cinquenta.Eporqueasfazendaseoscurraisdogado

sesituamondehálarguezadecampo,eáguasempremanantede

riosoulagoas,porissooscurraisdapartedaBahiaestãopostos

nabordadoriodeSãoFrancisco,nadoriodasVelhas,nadorio

dasRãs,nadorioVerde,nadorioParamirim,nadorioJacuípe,na

dorioIpojuca,nadorioInhambupe,nadorioItapicuru,nadorio

Real,nadorioVaza-barris,nadorioSergipeedeoutrosrios,em

osquais,porinformaçãotomadadeváriosquecorreramesteser-

tão,estãoatualmentemaisdequinhentoscurrais,e,sónaborda

aquémdoriodeSãoFrancisco,centoeseis.Enaoutrabordada

partedePernambuco,écertoquesãomuitosmais.Enãosomente

de todas estas partes e rios já nomeados vêm boiadas para a ci-

dadeeRecôncavodaBahia,eparaasfábricasdosengenhos,mas

também do rio Iguaçu, do rio Carainhaém, do rio Corrente, do

rioGuaraíraedorioPiauíGrande,porficaremmaisperto,vindo

caminhodireitoàBahia,doqueindoporvoltasaPernambuco.

E,postoquesejammuitososcurraisdapartedaBahia,chegam

amuitomaiornúmeroosdePernambuco,cujosertãoseestende

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o214

pelacostadesdeacidadedeOlindaatéoriodeSãoFranciscooi-

tentaléguas;econtinuandodabarradoriodeSãoFranciscoaté

abarradorioIguaçu,contam-seduzentasléguas.DeOlindapara

oeste,atéoPiauí,freguesiadeNossaSenhoradaVitória,centoe

sessentaléguas;epelapartedonorteestende-sedeOlindaaté

o Ceará-mirim oitenta léguas, e daí até o Açu, trinta e cinco; e

atéoCearáGrande,oitenta;e,portodas,vemaestender-sedesde

Olindaatéestapartequaseduzentasléguas.

OsriosdePernambuco,que,porteremjuntodesipastoscom-

petentes,estãopovoadoscomgado(foraorioPreto,orioGuaraíra,

orioIguaçu,orioCorrente,orioGuariguaê,alagoaAlegreeo

riodeSãoFranciscodabandadoNorte)sãooriodeCabaços,orio

deSãoMiguel,asduasAlagoascomoriodoPortodoCalvo,oda

Paraíba,odosCariris,odoAçu,odoApodi,odeJaguaribe,odas

Piranhas,oPajeú,oJacaré,oCanindé,odeParnaíba,odasPedras,

odosCamarõeseoPiauí.

Oscurraisdestapartehãodepassardeoitocentos,edetodos

estesvãoboiadasparaoRecifeeOlindaesuasvilaseparaoforne-

cimentodasfábricasdosengenhos,desdeoriodeSãoFrancisco

atéorioGrande,tirandoosqueacimaestãonomeados,desdeo

PiauíatéabarradeIguaçu,edeParnaguáerioPreto,porqueas

boiadas destes rios vão quase todas para a Bahia, por lhes ficar

melhorcaminhopelasJacobinas,porondepassamedescansam.

Assimcomoaítambémparamedescansamasqueàvezesvêm

demaislonge.Mas,quandonoscaminhosseachampastos,por-

quenãofaltaramaschuvas,emmenosdetrêsmeseschegamas

boiadasàBahia,quevêmdoscurraismaisdistantes.Porém,sepor

causadasecaforemobrigadosapararcomogadonasJacobinas,

aíovendemosqueolevameaídescansamseis,seteeoitomeses,

atépoderiràcidade.

Só no rio de Iguaçu estão hoje mais de trinta mil cabeças

de gado. As da parte da Bahia se tem por certo que passam de

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 215

meiomilhão,emaisdeoitocentasmilhãodeserasdapartedePernambuco, ainda que destas se aproveitem mais os da Bahia,paraaondevãomuitasboiadas,queospernambucanos.

ApartedoBrasilquetemmenosgadoéoRiodeJaneiro,porquetemcurraissomentenoscamposdeSantaCruz,distantecatorzeléguasdacidade,nosCamposNovosdoriodeSãoJoão,distantetrinta,enosGoitacazes,distantesoitentaléguas;eemtodosestescamposnãopassamdesessentamilascabeçasdegadoquenelespastam.

A capitania do Espírito Santo se provê limitadamente daMoribecaedealgunscurraisaquémdorioParaíbadoSul.

AsvilasdeSãoPaulomatamasresesquetêmemsuasfazen-das,quenãosãomuitograndes,esónoscamposdeCuritibavaicrescendoemultiplicandocadavezmaisogado.

Sendo o sertão da Bahia tão dilatado, como temos referido,quasetodopertenceaduasdasprincipaisfamíliasdamesmaci-dade,quesãoadaTorreeadodefuntomestredecampoAntônioGuedesdeBrito.PorqueacasadaTorrestemduzentasesessentaléguaspeloriodeSãoFrancisco,acimaàmãodireita,indoparaosul,eindododitorioparaonortechegaaoitentaléguas.EosherdeirosdomestredecampoAntônioGuedespossuemdesdeo morro dos Chapéus até a nascença do rio das Velhas cento esessentaléguas.Enestasterras,parteosdonosdelastêmcurraispróprios, e parte é dos que arrendam sítios delas, pagando porcadasítio,queordinariamenteédeumalégua,cadaano,dezmil--réisdeforo.E,assimcomohácurraisnoterritóriodaBahiaedePernambuco,edeoutrascapitanias,deduzentas,trezentas,qua-trocentas,quinhentas,oitocentasemilcabeças,assimháfazen-dasaquempertencemtantoscurraisquechegamaterseismil,oitomil,dezmil,quinzemilemaisdevintemilcabeçasdegado,dondesetiramcadaanomuitasboiadas,conformeostempossãomaisoumenosfavoráveisàpariçãoemultiplicaçãodomesmogado,eaospastosassimnossítioscomotambémnoscaminhos.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o216

iidas boiadas que ordinariamente se tiram cada ano dos currais para as cidades, vilas e recôncavos do brasil, assim para o açougue como para o fornecimento das fábricas

P ara que se faça justo conceito das boiadas que se tiram

cadaanodoscurraisdoBrasil,bastaadvertirquetodosos

rolosdetabacoqueseembarcamparaqualquerpartevãoencou-

rados.E,sendocadaumdeoitoarrobas,eosdaBahia,comovimos

emseulugar,ordinariamentecadaanopelomenosvinteecinco

mil,eosdasAlagoasdePernambucodoismilequinhentos,bem

sevêquantasresessãonecessáriasparaencourarvinteesetemil

equinhentosrolos.

Alémdisso,vãocadaanodaBahiaparaoReinoatécinquen-

tamilmeiosdesola;dePernambuco,quarentamil,edoRiode

Janeiro(nãoseisecomputandoosquevinhamdaNovaColônia

ousóosdomesmoRioeoutrascapitaniasdoSul)atévintemil,

quevêmaser,portodos,centoedezmilmeiosdesola.

Ocertoéquenãosomenteacidademasamaiorpartedosmo-

radoresdorecôncavomaisabundantessesustentamnosdiasnão

proibidosdecarnedoaçougue,edaquesevendenasfreguesias

evilas,equecomumenteosnegros,quesãoumnúmeromuito

grande nas cidades, vivem de fressuras, bofes e tripas, sangue e

maisfatodasreses,equenosertãomaisaltoacarneeoleitesão

oordináriomantimentodetodos.

SendotambémtantososengenhosdoBrasilquecadaanose

fornecemdeboisparaoscarroseosdequenecessitamoslavrado-

resdecanas,tabaco,mandioca,serrariaselenhas,daquisepoderá

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 217

facilmenteinferirdequantohaverãomisterdeanoemano,para

conservarestetrabalhosomeneio.Portanto,deixaristoàconside-

raçãodequemlerestecapítulojulgoqueserámelhoracertodo

queafirmarprecisamenteonúmerodasboiadas,porquenemos

mesmosmarchantes,quesãotantosetãodivididosportodasas

partespovoadasdoBrasil,opodemdizercomcerteza;e,dizendo-

-o, temo que não pareça crível e que se julgue encarecimento

fantástico.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o218

iiida condução das boiadas do sertão do brasil; preço ordinário do gado que se mata e do que vai para as fábricas

C onstam as boiadas que ordinariamente vêm para a

Bahiadecem,centoecinquenta,duzentasetrezentas

cabeças de gado; e, destas, quase cada semana chegam algumas

aCapoame,lugardistantedacidadeoitoléguas,ondetêmpasto

eondeosmarchantesascompram;eemalgunstemposdoano

hásemanasemque,cadadia,chegamboiadas.Osqueastrazem

são brancos, mulatos e pretos, e também índios, que com este

trabalhoprocuramteralgumlucro.Guiam-se indounsadiante

cantando,paraseremdestasorteseguidosdogado,eoutrosvêm

atrás das reses, tangendo-as, e tendo cuidado que não saiam do

caminhoeseamontoem.Assuas jornadassãodequatro,cinco

eseisléguas,conformeacomodidadedospastosondevãoparar.

Porém,ondeháfaltadeágua,seguemocaminhodequinzeevin-

teléguas,marchandodediaedenoite,compoucodescanso,até

queachemparagemondepossamparar.Naspassagensdealguns

rios,umdosqueguiamaboiada,pondoumaarmaçãodeboina

cabeça,enadando,mostraàsresesovãoporondehãodepassar.

Quem quer que entrega sua boiada ao passador, para que a

levedasJacobinas,v. g.,atéCapoame,queéjornadadequinzeou

dezesseisatédezessetedias,lhedáporpagadoseutrabalhoum

cruzadoporcadacabeçadaditaboiada;eestecorrecomosgastos

dostangedoreseguias;etiradamesmaboiadaamatalotagemda

jornada.Desorteque,seaboiadaconstardeduzentascabeçasde

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 219

gado, dão-se-lhe outros tantos cruzados se com todas chegar ao

lugardestinado.Porém,senocaminhoalgumasfugirem,tantos

cruzados se diminuem quantas são as reses que faltam. Aos ín-

diosquedasJacobinasvêmparaCapoamesedãoquatroatécinco

mil-réis,eaohomemquecomseucavaloguiaaboiada,oitomil-

-réis.Sendoasdistânciasmaiores,cresceproporcionadamentea

pagade todos.E,por isso,doriodeSãoFranciscoacima,vindo

paraCapoame,algunsdosquetomamàsuacontatrazerboiadas

alheiasqueremseisousetetostõesporcadacabeça,emaissefor

maioradistância.

Uma rês, ordinariamente, se vende na Bahia por quatro até

cinco mil-réis; os bois mansos, por sete para oito mil-réis. Nas

Jacobinas vende-se uma rês por dois mil e quinhentos até três

mil-réis.Porém,noscurraisdoriodeSãoFrancisco,osquetêm

maiorconveniênciadevenderemgadoparaasminasovendem

naporteiradocurralpelomesmopreçoquesevendenacidade.

EoquetemosditoatéaquidasboiadasdaBahiasedevetambém

entendercompoucadiferençadasboiadasdePernambucoedo

RiodeJaneiro.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o220

ivque custam um couro em cabelo e um meio de sola beneficiado até se pôr do brasil na alfândega de lisboa

V alecadacouroemcabelo....................... 2$100

Deosalgaresecar.............................. $200

Deocarregaraocurtume .............................. $040

Deocurtir ............................................. $600 _____

Importa tudo dois mil, novecentos e quarenta réis . . . 2$940

Ummeiodesolavale.................................. 1$500

Deocarregaràpraia................................... $010

Defretedonavio ....................................... $120

Dedescargaparaaalfândega........................... $010

Portodososdireitos.................................... $340 _____

Importa tudo mil novecentos e oitenta réis . . . . . . . . . 1$980

OsmeiosdesolaqueordinariamentevãocadaanodoBrasil

paraoReinoimportamoseguinte:

DaBahia,cinquentamilmeiosdesola,a1$980 ... 99:000$000

DePernambuco,quarentamila1$750 ............ 70:000$000

DoRiodeJaneiroeoutrascapitaniasdoSul,vinte

mila1$640 ........................................ 32:800$000 _________

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 221

O que tudo importa duzentos e um contos

e oitocentos mil-réis, que, reduzidos a

cruzados, são quinhentos e quatro mil

e quinhentos cruzados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201:800$000

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o222

vresumo de tudo o que vai ordinariamente cada ano do brasil para portugal, e do seu valor

P orúltimademonstraçãodaopulênciadoBrasilempro-

veito do Reino de Portugal, porei aqui agora o resumo

doquenestasquatropartestenhoapontado,que,porjunto,não

deixarádecausarmaioradmiraçãodoquepodetercausadopor

partes.

Importa,pois,todooaçúcar.................... 2.535:142$800

Importaotabaco................................. 344:650$000

Importamaomenoscemarrobasdeouro........ 614:400$000

Importamosmeiosdesola....................... 201:800$000

Importaopau-brasildePernambuco.............. 48:000$000

O que tudo soma, como parece, três mil,

setecentos e quarenta e três contos, novecentos

e noventa e dois mil e oitocentos réis. Os quais,

reduzidos a cruzados, são nove milhões, trezentos

e cinquenta e nove mil, novecentos e oitenta e

dois cruzados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.743:992$800

Aosquais,seseacrescentaroquerendeocontratodasbaleias,

queporseisanosserematouultimamentenaBahiaporcentoe

dezmilcruzados,enoRiodeJaneiroportrêsanos,porquarenta

e cinco mil cruzados. O contrato anual dos Dízimos Reais que,

na Bahia, nestes últimos anos, fora as propinas, chegou perto

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 223

de duzentos mil cruzados, no Rio de Janeiro, por três anos, por

cento e noventa mil cruzados, em Pernambuco, por outros três

anos,pornoventaesetemilcruzados,emSãoPaulo,porsessenta

milcruzados,foraosdasoutrascapitaniasmenores,queemtodas

notavelmentecresceram.Ocontratodosvinhos,quenaBahiase

rematouporseisanosemcentoenoventaecincomilcruzados,

emPernambuco,portrêsanos,emquarentaeseismilcruzados,

enoRiodeJaneiro,porquatroanos,pormaisdecinquentamil

cruzados.Ocontratodosal,naBahia,arrematadopordozeanos,

avinteeoitomilcruzadoscadaano.Ocontratodasaguardentes

da terraede fora,avaliadopor juntoemtrintamilcruzados.O

rendimento da Casa da Moeda do Rio de Janeiro, que, fazendo

em dois anos três milhões de moedas de ouro, deu de lucro a

El-Rei,queocompraadozetostõesaoitava,maisdeseiscentos

milcruzados,alémdasarrobasdosquintos,quecadaanolhevão.

Osdireitosquesepagamnasalfândegasdosnegrosquevêmcada

anodeAngola,SãoToméeMinaemtãograndenúmeroaospor-

tosdaBahia,RecifeeRiodeJaneiro,atrêsmilequinhentosréis

por cabeça. E os dez por cento das fazendas do Rio de Janeiro,

queimportam,umanoporoutro,oitentamilcruzados,bemse

vê a utilidade que resulta continuamente do Estado do Brasil à

FazendaReal,aosportosereinodePortugal;etambémàsnações

estrangeirasquecomtodaaindústriaprocuramaproveitar-sede

tudooquevaidesteEstado.

b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o224

últimoquanto é justo que se favoreça o brasil, por ser de tanta utilidade ao reino de portugal

P eloquetemosditoatéagora,nãohaveráquempossadu-

vidardeserhojeoBrasilamelhoremaisútilconquista,

assimparaaFazendaRealcomoparaobempúblico,dequantas

outrascontao reinodePortugal,atendendoao muitoquecada

ano sai destes portos, que são minas certas e abundantemente

rendosas.E,seassimé,quemduvidatambémqueestetãogrande

econtínuoemolumentomerecejustamentelograrofavordeSua

Majestadeedetodososseusministrosnodespachodaspetições

queoferecemenaaceitaçãodosmeiosque,paraalívioeconve-

niênciadosmoradores,asCâmerasdesteEstadohumildemente

propõem?Seossenhoresdeengenhoseoslavradoresdoaçúcar

edotabacosãoosquemaispromovemumlucrotãoestimável,

parecequemerecemmaisqueosoutrospreferirnofavoreachar

emtodosostribunaisaquelaprontaexpediçãoqueatalhaasdi-

laçõesdosrequerimentoseoenfadoeosgastosdeprolongadas

demandas.Secrescetãocopiosoonúmerodosmoradores,natu-

raisdePortugal,quecadavezmaispovoamaspartesqueantes

eram desertas, ficando muito distantes das igrejas, é justo que

estassemultipliquem,paraquetodostenhammaispertoone-

cessário remédio de suas almas. Pagando-se tão pontualmente

a soldadesca que assiste nas praças e nas fortalezas marítimas,

não poderiam deixar de sentir os que para isso concorrem, se

com serviços iguais não fossem adiantados nos postos. Se pelo

cultura e opulênc ia do bras i l - por suas drogas e minas | andré joão antonil 225

seutrabalhotantocresceramosdízimosqueseoferecemaDeus,

pedearazãoqueosseusfilhosidôneosnãosejampospostosnos

concursoseprovimentosdasigrejasvacantesdoEstado.E,sendo

comumentetãoesmolerescomospobres,etãoliberaisparao

cultodivino,merecemteraDeuspropícionaterraeremunera-

doreternonocéu.

Patrocínio: Realização:

ProduçãoEditora BatelCoordenação editorialCarlos BarbosaProjeto gráfi coSolange Trevisan zc

DiagramaçãoSolange Trevisan zcIlustrarte Design e Produção Editorial

© 2012, Fundação Darcy RibeiroDireitos desta edição pertencentes à Fundação Darcy RibeiroRua Almirante Alexandrino, 199120241-263 - Rio de Janeiro – RJwww.fundar.org.br

1ª Edição. 1ª Impressão. 2014.

Texto estabelecido segundo o Acordo Ortográfi co da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.

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Ribeiro, Darcy, 1922-1997 América Lati na: a pátria grande / Darcy Ribeiro. - Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2012. – (Biblioteca básica brasileira). ISBN 978-85-63574-14-5 1. América Lati na – Civilização. 2. América Lati na - Políti ca e governo. I. Fundação Darcy Ribeiro. II. Título. III. Série.

12-6980. CDD: 980 CDU: 94(8) 25.09.12 09.10.12 039335

BIBLIOTECA BÁSICA BRASILEIRA – CULTIVE UM LIVRO

CuradoriaPaulo de F. Ribeiro – Coordenação Geral Godofredo de Oliveira NetoAntonio Edmilson Marti ns Rodrigues

Comitê Editorial Eric Nepomuceno – Fundação Darcy RibeiroOscar Gonçalves – Fundação Biblioteca NacionalNorberto Abreu e Silva Neto – Editora Universidade de BrasíliaAníbal Bragança – Fundação Biblioteca NacionalLucia Pulino – Editora Universidade de Brasília

Tratamento de textos da coleçãoClara DiamentEdmilson CarneiroCerise Gurgel C. da SilveiraCarina LessaLéia Elias CoelhoMaria Edite Freire RochaProjeto de capaLeonardo VianaAssessoria de Comunicação Fundar Laura Murta

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Antonil, André João, 1650-1716 Cultura e opulência do Brasil / André João Antonil. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2013. 262 p.; 21 cm. – (Coleção Biblioteca Básica Brasileira; 7). ISBN 978-85-63574-20-6

1. Ouro – Minas e mineração – Brasil – Séc. XVIII. 2. Plantas açucareiras – Cultivo – Brasil. 3. Fumo – Brasil. 4. Brasil – Condições econômicas – História – Séc. XVIII. I. Fundação Darcy Ribeiro. II. Título. III. Série. CDD-981.03

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Maria Vera Teixeira BrantPaulo de F. Ribeiro

Paulo Sergio DuarteSergio Pereira da Silva

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Mauro Justi no da CostaTrajano Ricardo Monteiro Ribeiro

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