cronicas imaginárias:"todo-mundo e ninguem"

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Entertainment & Humor


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O Diabo e seu companheiro passeavam durante o casamento do cavaleiro Portugal com a Princesa

Lusitânia, filha de Lisboa, esposa do Sol. Muito curiosamente, observavam

a conversa entre dois distintos cavalheiros, um nobre mercador

chamado “Todo-Mundo”, e um pobre João-Ninguém, chamado, justamente, “Ninguém”.

Todo-Mundo chegou procurando por algo, então Ninguém lhe perguntou:

“ O que anda procurando, meu amigo?”,

no que Todo-Mundo lhe responde: “ busco coisas que nunca consigo

encontrar, mas continuo procurando, pois um homem teimoso é honroso

em sempre teimar.”“ E qual seu nome, meu amigo?”

“Meu nome é Todo Mundo, passos os dias do ano inteiro

correndo atrás do imundo cheiro bom que tem o dinheiro.”

“ Já meu nome é Ninguém. Apenas espero por aqui com paciência,

pois tudo que anseio é por minha consciência.”

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Achando isso divertido, disse o Diabo a seu companheiro:

“Tome nota disso, meu companheiro”“ O que devo escrever?”“ Que Ninguém busca

a consciência, mas Todo Mundo busca o dinheiro”.

Ninguém volta então a perguntar: “Se nada aí encontra, porque

continua a procurar?”“Porque talvez aqui

Honra muito grande eu possa encontrar.”

“ Então irei lhe acompanhar, mas eu procurarei por virtudes que me

acompanhem por onde quer que eu andar!

“Outra coisa interessante”, disse o Diabo,

“ escreva aí, carrancudo, veja que a nós não se ilude,

pois busca as honras Todo Mundo,

enquanto Ninguém busca a virtude.” | 03

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Incomodado, perguntou Ninguém ao outro cavalheiro:

“ Busca por acaso algum outro bem maior que esse?”

“ Sim”, respondeu, “busco quem me louvasse em cada coisa

que eu fizesse”.“ E eu”, disse Ninguém,” quem me

repreendesse em cada coisa que eu errasse”.

Animado, disse o Diabo: “Escreve mais.”

“ E agora, o que me passou despercebido?”

“ Oras, que quer em extremo grado Todo Mundo ser louvado e Ninguém

em ser repreendido.”

“ Também quero o Paraíso”, disse Todo Mundo,” mas sem ter

quem me chatear”.“ E eu, por minha falta de juízo,

suando para minhas faltas pagar!”

E disse sorrindo o Diabo: “Pra que sirva de aviso, mais uma sentença se

escreve: Todo Mundo agora quer o Paraíso,

mas Ninguém paga o que deve.” | 04

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Continuou Todo Mundo: “Eu sou vidrado em tapear, e mentir nasceu comigo”.

“Sem nunca chantagear, a verdade eu sempre digo”, emendou

Ninguém.

O Diabo pediu a seu companheiro, com muito bom-humor e um sorriso malicioso:

“Bote anúncio na cidade, deste fato curioso: Aqui Ninguém

fala a verdade e Todo Mundo é mentiroso!”

Então voltaram ás bodas para brindar aos noivos, deixando

de lado os distintos cavalheiros, visto que notaram a

conclusão que se confirmara:

Dali, realmente Ninguém se importava

e Todo Mundo só queriamesmo era saber de nada.

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“Todo-Mundo e Ninguém”

Texto original de Gil Vicente, em “ O Auto da Lusitânia”, de 1531

Texto adaptado e Ilustrações por Marcio Batista

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