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88 ROMED Volume 2 | Número 2 | Set. 2016 CRÍTICAS MARXISTAS AO MODELO SOCIAL PÓS-REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E O DIREITO PENAL ECONÔMICO CRÍTICA MARXISTA PARA MODELO SOCIAL DESPUÉS DE LA REVOLUCIÓN INDUSTRIAL Y EL DERECHO PENAL ECONÓMICO Angela dos PRAZERES 1 RESUMO: Busca-se, com o presente trabalho, investigar sobre o pensamento crítico marxista ao modelo social pós-revolução industrial e o Direito penal econômico. Ou seja, investigar sobre a relação entre estes fenômenos históricos, socioeconômicos e jurídicos, quais sejam a instauração de um modelo social fabril, eminentemente capitalista, as críticas marxistas a este modelo e a necessidade de se aplicar a coercibilidade por meio da norma penal, na esfera econômica. Destarte, foram tratados os três eixos norteadores do trabalho, quais sejam: as análises acerca do modelo social pós-revolução industrial; as análises em relação às críticas marxistas sobre tal modelo social; e as análises atinentes à relação entre o modelo social pós-revolução e as críticas marxistas e a necessidade de aplicar o Direito penal econômico. Palavras-chave: Revolução Industrial, Pensamento marxista; e Direito penal econômico. RESUMEN: Pretende, con este trabajo, investigar la crítica marxista pensaba que la revolución modelo social post-industrial y el derecho penal económico. Es decir, para investigar la relación entre estos fenómenos históricos, socioeconómicos y legales, a saber, el establecimiento de un modelo social industrial, eminentemente capitalista, la crítica marxista a este modelo y la necesidad de aplicar la coercitividad mediante el Derecho penal en esfera económica. Por lo tanto, los tres principios rectores del estudio fueron tratados, a saber: el análisis sobre el modelo social de la revolución post- industrial; análisis en relación con la crítica marxista en un modelo de este tipo social; y el análisis sobre la relación entre el modelo social posterior a la revolución y marxistas críticos y la necesidad de aplicar el Derecho penal económico. Palabras clave: Revolución Industrial; Pensamiento marxista; Derecho penal económico. INTRODUÇÃO A história da humanidade é dividida em Idades, sendo que quando um determinado fato extremamente relevante ocorre, os historiadores identificam 1 Mestranda da disciplina de Economia nas empresas pelo PPGCONT da Universidade Federal do Paraná. Especialista em Auditoria Integral pela Universidade Federal do Paraná. Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Graduanda do Curso de Bacharelado em Direito da FAE Centro Universitário. E-mail [email protected]. Telefone (41) 9743-9855. Endereço Rua Domingos Nascimento, nº 500, Bom Retiro, CEP 80.520-200.

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ROMED Volume 2 | Número 2 | Set. 2016

CRÍTICAS MARXISTAS AO MODELO SOCIAL PÓS-REVOLUÇÃO

INDUSTRIAL E O DIREITO PENAL ECONÔMICO

CRÍTICA MARXISTA PARA MODELO SOCIAL DESPUÉS DE LA REVOLUCIÓN INDUSTRIAL Y EL DERECHO PENAL ECONÓMICO

Angela dos PRAZERES1

RESUMO: Busca-se, com o presente trabalho, investigar sobre o pensamento crítico

marxista ao modelo social pós-revolução industrial e o Direito penal econômico. Ou seja, investigar sobre a relação entre estes fenômenos históricos, socioeconômicos e jurídicos, quais sejam a instauração de um modelo social fabril, eminentemente capitalista, as críticas marxistas a este modelo e a necessidade de se aplicar a coercibilidade por meio da norma penal, na esfera econômica. Destarte, foram tratados os três eixos norteadores do trabalho, quais sejam: as análises acerca do modelo social pós-revolução industrial; as análises em relação às críticas marxistas sobre tal modelo social; e as análises atinentes à relação entre o modelo social pós-revolução e as críticas marxistas e a necessidade de aplicar o Direito penal econômico. Palavras-chave: Revolução Industrial, Pensamento marxista; e Direito penal econômico.

RESUMEN: Pretende, con este trabajo, investigar la crítica marxista pensaba que la

revolución modelo social post-industrial y el derecho penal económico. Es decir, para investigar la relación entre estos fenómenos históricos, socioeconómicos y legales, a saber, el establecimiento de un modelo social industrial, eminentemente capitalista, la crítica marxista a este modelo y la necesidad de aplicar la coercitividad mediante el Derecho penal en esfera económica. Por lo tanto, los tres principios rectores del estudio fueron tratados, a saber: el análisis sobre el modelo social de la revolución post-industrial; análisis en relación con la crítica marxista en un modelo de este tipo social; y el análisis sobre la relación entre el modelo social posterior a la revolución y marxistas críticos y la necesidad de aplicar el Derecho penal económico. Palabras clave: Revolución Industrial; Pensamiento marxista; Derecho penal económico.

INTRODUÇÃO

A história da humanidade é dividida em Idades, sendo que quando um

determinado fato extremamente relevante ocorre, os historiadores identificam

1 Mestranda da disciplina de Economia nas empresas pelo PPGCONT da Universidade Federal do Paraná. Especialista em Auditoria Integral pela Universidade Federal do Paraná. Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Graduanda do Curso de Bacharelado em Direito da FAE – Centro Universitário. E-mail [email protected]. Telefone (41) 9743-9855. Endereço Rua Domingos Nascimento, nº 500, Bom Retiro, CEP 80.520-200.

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uma mudança de Idade na história. No que concerne ao sistema econômico e

social, durante o período que compreende a Idade Média e a Idade Moderna,

estes se basearam no modo de produção e organização feudal, o chamado

feudalismo. Nesse sistema a riqueza de uma sociedade e os modos de produção

por esta empregados estavam ligados a terra2.

Contudo, como é se esperar, as sociedades se modificam, surgem novos

interesses, nossas tecnologias, por vezes até uma nova forma de se enxergar o

mundo. E é justamente nesse contexto, que ocorreu a chamada evolução técnica

das sociedades humanas, principalmente no continente europeu, de modo que

novas tecnologias foram sendo criadas, em maior velocidade na Idade Moderna,

fato que culminou na Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra no final do

século XVIII3.

A Revolução Industrial, fomentada pelo espírito capitalista, modificou toda

a estrutura econômica e social da Europa e, por conseguinte, de todo o mundo.

Porém, essa mudança não se mostrou de todo, satisfatória. Portanto, é a partir

das questões envoltas as mudanças decorrentes da Revolução Industrial, as

quais levaram a formação de um novo modelo de sociedade, que o presente

trabalho inicia-se na investigação acerca do pensamento crítico marxista ao

modelo social pós-revolução industrial e o Direito penal econômico. Ou seja,

busca-se investigar sobre a relação entre estes fenômenos históricos,

socioeconômicos e jurídicos, quais sejam a deflagração de sistema

eminentemente capitalista, as críticas marxistas a este modelo e a necessidade

de se aplicar a coercibilidade por meio da norma penal, na esfera econômica.

1. MODELO SOCIAL PÓS-REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

2 MIRANDA, Fernando Silveira Melo Plentz. A Mudança do Paradigma Econômico, a Revolução Industrial e a Positivação do Direito do Trabalho. Revista Eletrônica Direito, Justiça e Cidadania – Volume 03 – nº 1 – 2012, p. 4. 3 Idem, Ibidem.

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O processo de industrialização na Europa não era nenhuma novidade em

meados do século XVIII, entretanto, a indústria e a produção eram limitadas por

questões tecnológicas, haja vista que as forças motrizes dos meios de produção

eram fundamentalmente, humana ou animal. No instante que o intelecto humano

passa a conceber máquinas, não mais se faz necessária de forma

preponderante, a força humana ou animal. Com o surgimento das máquinas a

vapor, a história estava sendo escrita e uma nova revolução “explodia”, a

chamada Revolução Industrial4. Sobre este momento histórico, se tem as

seguintes narrativas:

O que significa a frase ‘a revolução industrial explodiu’? Significa que a certa altura da década de 1780, e pela primeira vez na história da humanidade, foram retirados os grilhões do poder produtivo das sociedades humanas, que daí em diante se tornaram capazes da multiplicação rápida, constante, e até o presente ilimitada, de homens, mercadorias e serviços. Este fato é hoje tecnicamente conhecido pelos economistas como a ‘partida para o crescimento autossustentável’. Nenhuma sociedade anterior tinha sido capaz de transpor o teto que a estrutura social pré-industrial, uma tecnologia e uma ciência deficientes, e consequentemente o colapso, a fome e a mortes periódicas, impunham à produção. A ‘partida’ não foi logicamente um desses fenômenos que, como os terremotos e os cometas, assaltam o mundo não técnico de surpresa. Sua pré- história na Europa pode ser traçada, dependendo do gosto do historiador e do seu particular interesse, até do ano 1000 de nossa era, se não antes, e tentativas anteriores de alçar voo, desajeitadas como as primeiras experiências dos patinhos, foram exaltadas com o nome de ‘revolução industrial’ – no século XIII, no XVI e nas últimas décadas do XVII. A partir da metade do século XVIII, o processo de acumulação de velocidade para partida é tão nítido que historiadores mais velhos tenderam a datar a revolução industrial de 1760. Mas uma investigação cuidadosa levou a maioria dos estudiosos a localizar como decisiva a década de 1780 e não a de 1760, pois foi então que, até onde se podem distinguir, todos os índices estatísticos relevantes deram uma guinada repentina, brusca e quase vertical para a ‘partida’. A economia, por assim dizer, voava5.

O capitalismo e a produção industrial em massa foram implementados e

desenvolvidos inicialmente na Inglaterra, logo depois, expandiu-se para outros

países europeus e Estados Unidos da América. Com o desenvolvimento do

capitalismo, o conceito de riqueza foi modificado. Se antes, o nível de riqueza de

4 MIRANDA, Fernando Silveira Melo Plentz. Op. Cit., p. 14. 5 HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções 1789-1848. São Paulo: Paz e Terra, 2010, p. 60.

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uma nação era medido pela acumulação de metais preciosos ligados ao

comércio exterior. Agora, prosperam as teses de Adam Smith, que ligam a

riqueza a objetos úteis que podem ser produzidos por uma determinada

sociedade. A forma de obtenção da riqueza dá-se pelo trabalho, ou seja, pelo

esforço humano para obter tais objetos6.

A produção em massa do período da Revolução Industrial encerra o

antigo modelo de produção fundado na vinculação do produto a terra, o sistema

econômico feudal, que persistiu até então. Com a criação das grandes indústrias

e da larga produção, a forma de produzir e comercializar foi alterada, cidades

produzem um tipo de objeto, outras cidades produzem outros objetos e, assim,

há a necessidade do incessante comércio entre locais diferentes7.

Além disso, os centros urbanos industrializados passaram a concentrar a

oferta de postos trabalho, uma vez que os detentores do capital; os burgueses;

que investiam na construção das fábricas; acabavam por escolher determinadas

regiões em função dos fatores de produção. Estes fatos são determinantes para

a consolidação do liberalismo econômico, em que todos os meios de produção;

inclusive o trabalho humano; são colocados a serviço da produção em massa e

da acumulação do capital, independentemente de qualquer outro fator8.

Destarte, torna-se cediço que no século XIX o mundo havia mudado

radicalmente, de uma forma avassaladora. Os fatores de produção haviam

mudado, a produção em massa era o padrão e os países europeus que se

industrializaram primeiramente, assim como os Estados Unidos da América9.

Da mesma forma, o trabalho havia mudado. Antes da Revolução

Industrial, a produção estava ligada a terra. A maioria das pessoas vivia como

servos no campo. Mas, com as mudanças sociais e a urbanização crescente das

cidades em virtude da industrialização, uma nova categoria de pessoas surgiu,

os proletários. Estes viviam nas cidades e se sujeitavam a trabalhar nas fábricas

6 MIRANDA, Fernando Silveira Melo Plentz. Op. Cit., p. 14. 7 MIRANDA, Fernando Silveira Melo Plentz. Op. Cit., p. 15. 8 MIRANDA, Fernando Silveira Melo Plentz. Op. Cit., p. 15. 9 MIRANDA, Fernando Silveira Melo Plentz. Op. Cit., p. 16.

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porque precisavam dos salários para sobreviver. É certo que o contingente

humano aumentava nas cidades, uma vez que no campo, as novas tecnologias

de produção bem como a divisão das terras, haviam acabado de vez com o

modelo de produção feudal. Nas cidades, as máquinas substituíam muitos

homens na produção. Estas eram extremamente eficientes e velozes em

comparação ao trabalho humano, e, em virtude deste fato, os proletários

deveriam ter longas jornadas de trabalho em condições que consideradas

degradantes10.

Como reflexo da rápida urbanização e da crescente industrialização,

principalmente na Inglaterra do século XIX, houve um aumento descomunal da

pobreza das cidades:

A rápida industrialização que acompanhou o processo de industrialização capitalista exerceu também uma influência considerável sobre o padrão de vida da classe operária. Em 1750, somente em duas cidades na Inglaterra a população alcançava 50.000 habitantes. Em 1850, 29 cidades com a mesma população. Em meados do século XIX, aproximadamente de cada três pessoas, uma vivia numa cidade com mais de 50.000 habitantes. As condições de vida nas cidades desta época eram terríveis. A violenta destruição do modo de vida tradicional dos trabalhadores, a dura disciplina implantada sob o novo sistema fabril combinada às condições deploráveis de vida nas cidades geraram muita inquietação política, econômica e social11.

As condições de vida nas cidades eram terríveis. O trabalho, por assim

dizer, passou a ser desumanizado. Os proletários, não eram resguardados de

nenhuma forma, não tinham direito algum. Deste modo, estavam destinados a

uma vida miserável, a obedecer e a aceitar a subordinação sem discussões12.

Por fim, pode-se dizer que a Revolução Industrial introduziu no mundo

uma nova forma de economia mediante a invenção da indústria, mas não foi só

isso, haja vista que esse período pautou-se em doutrinas como a de Adam Smith,

o qual pregava que o Estado deveria interferir o mínimo possível na economia.

10 MIRANDA, Fernando Silveira Melo Plentz. Op. Cit., p. 16. 11 HUNT, E. K; SHERMAN, Howard J. História do pensamento econômico. Tradução de Jaime Larry Benchimol. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 74. 12 MIRANDA, Fernando Silveira Melo Plentz. Op. Cit., p. 17.

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Verificou-se então, naquela oportunidade, a supremacia da classe burguesa e a

deturpação da classe trabalhadora13.

Alexis de Tocqueville, em suas memoráveis anotações acerca de

Manchester, 1835 (uma cidade considerada como uma das aglomerações mais

industrial e sem lei, e, por conseguinte, mais triste da Inglaterra moderna),

registrou quais foram os efeitos decorrentes da Revolução Industrial e o quanto

estes foram nefastos em termos de desigualdade social:

Olhe para cima e em torno deste lugar você vai ver os enormes palácios da indústria. Você vai ouvir o ruído dos fornos, o apito de vapor. Estas vastas estruturas mantem o ar e a luz fora das habitações humanas que dominam; eles os envolveram na névoa perpétua; aqui não há o escravo, o mestre; há a riqueza de alguns, há a pobreza da maioria; há o esforço organizado de milhares para produzir, ao lucro de um homem, o que a sociedade ainda não aprendeu a dar. Aqui, a fraqueza do indivíduo parece mais débil e impotente do que até mesmo no meio de um deserto; aqui os efeitos, não as causas. […] e desta vala imunda a maior corrente da indústria humana flui para fertilizar o mundo todo. Deste esgoto imundo jorra ouro puro. Aqui a humanidade atinge o seu mais completo desenvolvimento e sua maior brutalidade, aqui a civilização faz milagres e o homem civilizado torna-se quase um selvagem14.

Ante ao exposto, foi possível compreender o que significou a supremacia

da classe burguesa frente à classe trabalhadora, a partir do período pós-

revolução industrial; a nítida formação de grupos economicamente dominantes,

capazes de violar as condições mais essenciais ao indivíduo, condições

13 GUARAGNI, Fábio André. As razões históricas do Direito Penal Econômico. EOS, Revista Jurídica da Faculdade de Direito, V. II, n. 1, ano 01, ISSN 1980-7430, p. 31. 14 “Levez la tête, et tout autour de cette place, vous verrez s'élever les immenses palais de l'industrie. Vous entendez le bruit des fourneaux, les sifflements de la vapeur. Ces vastes demeures empêchent l'air et la lumière de pénétrer dans les demeures humaines qu'elles dominent; elles les enveloppent d'un perpétuel brouillard ; ici est l'esclave, là est le maître; là, les richesses de quelques-uns; ici, la misère du plus grand nombre; là, les forces organisées d'une multitude produisent, au profit d'un seul, ce que la société n'avait pas encore su donner; ici, la faiblesse individuelle se montre plus débile et plus dépourvue encore qu'au milieu des déserts; ici les effets, là les causes. C'est au milieu de ce cloaque infect que le plus grand fleuve de l'industrie humaine prend sa source et va féconder l'univers. De cet égout immonde, l'or pur s'écoule. C'est là que l'esprit humain se perfectionne et s’abrutit; que la civilisation produit ses merveilles et que l'homme civilisé redevient presque sauvage”. TOCQUEVILLE, Alexis. Voyage en Angleterre, Irlande, Suisse et Algérie. Paris: Gallimard, 1958, p. 107-108. Tradução. HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções 1789-1848. 10ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997, p. 43.

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essenciais a sua própria dignidade. Ademais, restou claro, que a formação de

tais grupos ocorreu em face do modelo estatal adotado na época, um Estado

liberal-burguês. De sorte, que se começou a discutir que tal modelo precisava

ser revisto, ou seja, o pensamento de que o Estado deveria intervir minimamente

nas relações econômicas e de trabalhos, precisava ceder espaço a uma visão

mais intervencionista.

2. CRITÍCAS MARXISTAS AO MODELO SOCIAL PÓS-REVOLUÇÃO

INDUSTRIAL

Para Paulo César Busato, a Revolução Francesa, a Revolução Industrial

e a instauração do modelo fabril deflagraram uma fórmula geral da dominação

burguesa. O afastamento da nobreza do centro do poder estatal a partir do

movimento iluminista não culminou propriamente um vácuo, mas sim, um espaço

que foi imediatamente ocupado por outra classe de domínio, a saber, o domínio

econômico, ou seja, o domínio exercido pela classe burguesa15.

A Revolução Industrial ocasionará amplo sofrimento e benefícios

desproporcionais a poucos. Esse quadro mostrou-se tão contundente, que a

crítica ao modelo de Estado liberal burguês passou a permear o pensamento

europeu do século XIX. Então, surgiu o discurso marxista, um discurso que tinha

como base, duras críticas, verdadeiros ataques a sistema capitalista.16.

15 BUSATO, Paulo César. Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. Curitiba: Juruá, 2013, p. 28-29. Sobre o mesmo tema: “Uma excepcional aceleração do ritmo do desenvolvimento econômico, o fenômeno da Revolução Industrial, rompe com todos os tradicionais equilíbrios sociais precedentes. Uma repentina inclinação da curva do crescimento demográfico, juntamente com a introdução das máquinas e a passagem do sistema manufatureiro para o sistema de fábrica propriamente dito, serve para assinalar contemporaneamente a idade de ouro do jovem capitalismo, acompanhado pelo período mais escuros da história do proletariado. Ingressa-se na era do liberalismo, quando o capital, agora capaz de caminhar com suas próprias pernas, proclama-se orgulhosamente seguro de si mesmo e, autossuficiente, zomba do sistema de privilégios, desigual e autoritário, que nos séculos anteriores o havia alimentado. Os acontecimentos revolucionários na França são bastante claros a esse respeito e o novo Estado napoleônico mostra-se muito mais forte, centralizador e eficiente do que o do Antigo Regime. Desde o início, o liberalismo significa que o capitalismo é livre do estado, que o estado é coisa sua e deve, portanto, prestar seus serviços a Monsieur le Capital”. MELOSSI, Dario; PAVARINI Massimo. Cárcere e fábrica. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2006, p. 64-65. 16 GUARAGNI, Fábio André. Op. Cit., p. 31.

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Segundo Marx, onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia

calcou aos pés as relações feudais, patriarcais e idílicas. Todos os complexos e

variados laços que prendiam o homem feudal a seus "superiores naturais" ela os

despedaçou sem piedade, para só deixar subsistir, de homem para homem, o

laço do frio interesse, as duras exigências do "pagamento à vista". Afogou os

fervores sagrados do êxtase religioso, do entusiasmo cavalheiresco, do

sentimentalismo pequeno-burguês nas águas geladas do cálculo egoísta. Fez

da dignidade pessoal um simples valor de troca; substituiu as numerosas

liberdades, conquistadas com tanto esforço, pela única e implacável liberdade

de comércio17.

Em uma palavra, em lugar da exploração velada por ilusões religiosas e

políticas, a burguesia colocou uma exploração aberta, cínica, direta e brutal. A

burguesia suprimiu cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da

propriedade e da população. Aglomerou as populações, centralizou os meios de

produção e concentrou a propriedade em poucas mãos18.

De acordo com Marx, o modelo social pós-revolução industrial, é marcado

por uma segregação social, a separação entre o capital e o trabalho, estes

apresentam um movimento constituído de três momentos fundamentais:

primeiramente, a unidade imediata e mediata de ambos; isso equivale dizer que,

num primeiro momento estão unidos, separam-se depois e tornam-se estranhos

um ao outro, mas sustentando-se reciprocamente e promovendo-se um ao outro

como condições positivas; na sequência, a oposição de ambo, já que se excluem

reciprocamente e o operário conhece o capitalista como a negação da sua

existência e vice-versa; por fim, a oposição de cada um contra si mesmo, já que

o capital é simultaneamente ele próprio e o seu oposto contraditório, sendo

17 MARX, Karl; FRIEDRICH, Engels. O Manifesto Comunista. Brasília: Portal Domínio Público. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000042.pdf. Acesso em: 10 de mar. De 2016. 18 MARX, Karl; FRIEDRICH, Engels. Idem, Ibidem.

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trabalho; e o trabalho, por sua vez, é ele próprio e o seu oposto contraditório,

sendo mercadoria, isto é, capital19.

O capital se encarna em coisas: instrumentos de produção criados pelo

homem. Contudo, no processo de produção capitalista, não é o trabalhador que

usa os instrumentos de produção. Ao contrário: os instrumentos de produção;

convertidos em capital pela relação social da propriedade privada; é que usam o

trabalhador. Dentro da fábrica, o trabalhador se torna um apêndice da máquina

e se subordina aos movimentos dela, em obediência a uma finalidade; a do lucro;

que lhe é alheia. O trabalho morto, acumulado no instrumento de produção, suga

o trabalhador como um vampiro20. Já o trabalho é uma categoria que ultrapassa

suas significações econômicas ou seus detalhes técnicos; antes de tudo, ele

significa a atividade vital da realização do homem como ser prático, como ser

universal construtor da sua realidade social. Marx acusa a economia política de

reduzir o trabalho ao emprego e o trabalhador à condição de mão-de-obra, de

instrumento de produção, e vai propor uma nova concepção do homem, baseada

numa nova concepção do trabalho21.

Marx defendia a implantação de um novo modelo estatal, o qual na esfera

econômica deveria ser amplamente interventor. Para tanto, era necessário à

adoção de certas medidas, tais como centralização do crédito nas mãos do

Estado por meio de um banco nacional com capital do Estado e monopólio e

multiplicação das fábricas e dos instrumentos de produção pertencentes ao

Estado, arroteamento das terras incultas e melhoramento das terras cultivadas,

segundo um plano geral22.

3. DIREITO PENAL ECONÔMICO

O Direito penal econômico em sentido estrito trata-se de um conjunto de

normas penais que tutela a ordem econômica, tratada como regulação jurídica

19 BRANCO, Rodrigo Castelo. A “questão social” na origem do capitalismo: pauperismo e luta operária na teoria social de Marx e Engels. Rio de janeiro: UFRJ, 2006, p. 123. 20 Gorender, Jacob; Singer, Paul; et. al. Os economistas. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda., 1996, p. 34. 21 BRANCO, Rodrigo Castelo. Op. Cit., p. 132. 22 MARX, Karl; FRIEDRICH, Engels. Idem, ibidem.

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do intervencionismo estatal na economia. Dentro dessa concepção, a ordem

econômica, configurada como regulamentação legal, constitui-se, portanto, em

objeto de proteção do direito penal em sentido estrito, sendo que os tipos penais

nessa ordem resultam do interesse do Estado, de modo que a definição legal

dos bens jurídicos protegidos será em sentido técnico, específico. Por outro lado,

Direito penal econômico em sentido amplo, é concedido como conjunto de

normas jurídicas penais que tutela a ordem econômica entendida como

regulação jurídica da produção, distribuição de bens de consumo e serviços,

sendo que a diferença para concepção anterior é que não se trata aqui de tutelar

o intervencionismo estatal, mas sim salvaguardar a atividade econômica no

âmbito da economia de mercado 23.

Para Carlos Martínez-Buján Peréz, o Direito penal econômico surgiu a

partir do fenômeno da expansão do Direito penal, o qual promoveu a criação de

novos delitos, sobretudo, no âmbito econômico24. Para explicar os motivos que

levaram a ocorrência, de tal fenômeno Carlos Martínez-Buján Peréz se utilizou

dos argumentos orquestrados por Jesús-María Silva Sanches, quando da

23 “Derecho penal em económico en sentido estricto, concebido como el conjunto de normas jurídico-penales que protegen el orden económico entendido como regulación jurídica del intervencionismo estatal en la economía; dentro de esta concepción, el orden económico, configurado como regulación jurídica, constituye, pues, el objeto de protección del derecho penal en sentido estricto, aunque en cada figura delictiva dicho orden aparezca concretado normalmente en un determinado interés del Estado, que es el que mercera la calificación de bien jurídico en sentido técnico directamente protegido. Por otro lado, frente a esta noción estricta, cabría hablar asimismo de un Derecho penal económico en sentido amplio, concebido como el conjunto de normas jurídico-penales que protegen el orden económica entendido como regulación jurídica de la producción, distribución y consumo de bienes y servicios, a diferencia de la noción anterior no se trata aquí de tutelar el intervencionismo estatal, sino de salvaguardar la actividad económica en el marco de la economía de mercado”. MARTÍNEZ-BUJÁN PERÉZ, Carlos. Derecho Penal Económico y de la empresa parte general. 2ª Ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2007, p. 96-97. 24 “En los últimos años el denominado fenómeno de la "expansión" del Derecho penal se ha revelado como fenómeno claramente perceptible en detrimento de otros sectores del Ordenamiento jurídico o incluso en detraimiento de otros sistemas no jurídicos de control social. Ello se comprueba, en particular, en lo que a nosotros nos afecta en las legislaciones penales vigentes de los países de la U.E., v.g. gr., em países como Alemana e Italia. Hay que reconocer que esta tendencia a la expansión del Derecho penal haberse impuesto en el movimiento de reforma penal que se elabora en el ámbito de los países de nuestro entorno jurídico, y, en concreto, en el marco de los trabajos desarrollados en el seno da U.E., especialmente en el aspecto socioeconómicos MARTÍNEZ-BUJÁN ”. PERÉZ, Carlos. Op. Cit., p. 73.

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publicação da obra “La expansión del Derecho penal aspectos de la politica

criminal em las sociedades postindustriales”25. Naquela oportunidade, Silva

Sanchez, apontou como causas da expansão do Direito penal - o surgimento de

novos interesses; a efetiva aparição de novos riscos; a institucionalização da

insegurança; a sensação social de insegurança; a configuração de uma

sociedade de sujeitos passivos; et. al.26.

Em relação ao surgimento de novos interesses, o Direito penal é um

instrumento qualificado de proteção de bens jurídicos particularmente

importantes. A partir disso, o autor passou a considerar que a possibilidade de

expansão do Direito penal obedece, pelo menos em parte, ao aparecimento de

novos bens jurídicos, os quais podem ser constituídos a partir de novos

interesses ou de novas valorações de interesses preexistentes. Ao analisar as

causas que poderiam levar a provável existência de novos bens jurídico-penais,

ressaltou que estas são, seguramente, distintas. Por um lado, tais causas,

podem ser consideradas conformação ou generalização das novas realidades,

que antes não existiam, ao menos, não com o mesmo efeito valorativo; v.g.,

instituições econômicas de crédito ou investimento. Por outro lado, pode-se

aludir à deterioração das realidades tradicionalmente abundantes e que

hodiernamente começam a se manifestar como bens escassos. Desse modo,

passa-se a atribuir a tais bens, um valor não atribuído anteriormente, ao menos,

não de forma expressa; v.g., o meio ambiente. E em terceiro lugar, há de se

contemplar o aumento essencial de valores que surgem como resultado de

mudanças sociais e culturais, certas realidades que sempre existiram, porém,

25 MARTÍNEZ-BUJÁN PERÉZ, Carlos. Op. Cit., p. 79. 26 “Los nuevos intereses, la efectiva aparición de nuevos riesgos, la institucionalización de la inseguridad, la sensación social de inseguridad, la configuración de una sociedad de sujetos pasivos, la identificación de la mayoría social con la víctima del delito, el descrédito de otras instancias de protección, los gestores atípicos de la moral”. SILVA SANCHEZ, Jesús-María. La expansión del Derecho penal aspectos de la política criminal em las sociedades postindustriales. 2ª ed. Madrid: Civitas Ediciones, S. L., 2001, p. 26-61.

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sem denotar grande notoriedade; v.g., o património histórico e artístico. Entre

outros fatores27.

No que se refere à efetiva aparição de novos riscos, a partir da enorme

difusão do trabalho de Ulrich Beck, se tornou comum caracterizar o modelo social

pós-industrial, modelo este presente até os dias hodiernos, como sociedade de

risco (risikogesellschaft). Com efeito, a sociedade moderna aparece

caracterizada, basicamente, por um quadro econômico que rapidamente se

altera e pelo surgimento de extraordinários avanços tecnológicos. Estas

características da sociedade moderna têm demonstrado grande capacidade de

promover impactos diretos no aumento do bem-estar individual, bem como de

proporcionar o dinamismo dos fenômenos econômicos. Entretanto, não deve

ignorar as suas consequências negativas. Dentre as possíveis consequências,

Silva Sánchez, destaca a configuração do risco de procedência humana, como

fenômeno social estrutural. Esta, pelo fato de que grande parte das ameaças a

que os cidadãos estão expostos, são provenientes precisamente de decisões

que outros cidadãos adotam em termos de gestão dos avanços tecnológicos:

trata-se dos riscos diretos para certa parcela dos cidadãos (como consumidores,

usuários, beneficiários de serviços públicos, etc.) que derivam de aplicações

tecnológicas no de desenvolvimentos da indústria, da biologia, da genética, da

energia nuclear, da computação, das comunicações e assim por diante28.

27 “El Derecho penal es un instrumento cualificado de protección de bienes jurídicos especialmente importantes. Sentado esto, parece obligado tener en cuenta la posibilidad de que su expansión obedezca, al menos en parte, ya a la aparición de nuevos bienes jurídicos — de nuevos intereses o de nuevas valoraciones de intereses preexistentes. Las causas de la probable existencia de nuevos bienes jurídico-penales son, seguramente, distintas. Por un lado, cabe considerar la conformación o generalización de nuevas realidades que antes no existían — o no con la misma incidencia. Por otro lado, debe aludirse al deterioro de realidades tradicionalmente abundantes y que en nuestros días empiezan a manifestarse como bienes escasos, atribuyéndoseles ahora un valor que anteriormente no se les asignaba, al menos de modo expreso; por ejemplo, el medio ambiente. En tercer lugar, hay que contemplar el incremento esencial de valor que experimentan, como consecuencia del cambio social y cultural, ciertas realidades que siempre estuvieron ahí, sin que se reparara en las mismas; por ejemplo, el patrimonio histórico-artístico. Entre otros factores”. SILVA SANCHEZ, Jesús-María. Op. Cit., p. 25. 28 Desde la enorme difusión de la obra de Ulrich BECK, es un lugar común caracterizar el modelo social postindustrial en que vivimos como sociedad del riesgo o sociedad de riesgos (Risikogesellschaft). En efecto, la sociedad actual aparece caracterizada, básicamente, por un

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Quanto à chamada institucionalização da insegurança, destaca-se que a

sociedade pós-industrial transcendeu a sociedade risco de tecnologia, tornou-se

de uma sociedade com outros personagens individualizados, que convergem em

sua caracterização como uma sociedade de inseguridade objetiva. Isto equivale

dizer que circunstâncias como o uso de meios tecnológicos, a comercialização

de produtos ou a utilização de substâncias cujos possíveis efeitos prejudiciais

não são conhecidos com segurança e, em qualquer caso, se manifestarão anos

após a realização da conduta, introduzem um importante fator de incerteza na

vida social.

Ademais, a sociedade pós-industrial Européia mostrou tratar-se de uma

sociedade que expressa à crise do modelo de estado de bem-estar, uma

sociedade competitiva com níveis de desemprego e de marginalização

especialmente juvenil irredutível. É certo que todos estes elementos geram

frequentes episódios de violência. O fenómeno da “criminalidade de massa", o

qual determina que o outro se mostre muitas vezes como um risco29.

marco económico rápidamente cambiante y por la aparición de avances tecnológicos sin parangón en toda la historia de la humanidad. El extraordinario desarrollo de la técnica ha tenido y sigue teniendo, obviamente, repercusiones directas en un incremento del bienestar individual. Como también las tiene la dinamicidad de los fenómenos económicos. Sin embargo, conviene no ignorar sus consecuencias negativas. De entre ellas, la que aquí interesa resaltar es la configuración del riesgo de procedencia humana como fenómeno social estructural. Ello, por el hecho de que buena parte de las amenazas a que los ciudadanos estamos expuestos provienen precisamente de decisiones que otros conciudadanos adoptan en el manejo de los avances técnicos: riesgos más o menos directos para los ciudadanos (como consumidores, usuarios, beneficiarios de prestaciones públicas, etc.) que derivan de las aplicaciones técnicas de los desarrollos en la industria, la biología, la genética, la energía nuclear, la informática, las comunicaciones, etcétera”. SILVA SANCHEZ, Jesús-María. Op. Cit., p. 27-28. 29 “La sociedad postindustrial es, además de la sociedad del riesgo tecnológico, una sociedad con otros caracteres individualizadores, que convergen en su caracterización como una sociedad de objetiva inseguridad. De entrada, debe significarse que el empleo de medios técnicos, la comercialización de productos o la utilización de sustancias cuyos posibles efectos nocivos no se conocen de modo seguro y, en todo caso, se manifestarán años después de la realización de la conducta introducen un importante factor de incertidumbre en la vida social”. “Además, la sociedad postindustrial europea es una sociedad que expresa la crisis del modelo del Estado del bienestar, una sociedad competitiva con bolsas de desempleo o marginalidad —especialmente juvenil— irreductibles, de migraciones voluntarias o forzosas, de choque de culturas. Una sociedad, en suma, con importantes problemas de vertebración interna. Entre otros efectos, que ahora podemos dejar de lado, es lo cierto que todos estos elementos generan episodios frecuentes de violencia (en su acepción más ordinaria de «criminalidad callejera» individual y en otras manifestaciones) más o menos explícita. En este modelo, en efecto, la propia convivencia aparece como una fuente de conflictos interindividuales. El fenómeno de la «criminalidad de

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A respeito do sentimento social de insegurança, mais importante do que

tais os aspectos objetivos, é certamente a dimensão subjetiva do modelo de

configurações sociais. Deste ponto de vista, a sociedade melhor pode ser

definida como a sociedade que tem a insegurança sentida (ou sociedade do

medo). De fato, uma das características mais importantes das sociedades da era

pós-industrial é o sentimento geral de insegurança30.

Quanto à configuração de sociedade de sujeitos passivos, a Estado de

bem-estar social se configura cada vez mais como uma sociedade de sujeitos

passivos, no sentido mais amplo do termo. Pensionistas, desempregados,

destinatários de prestações públicas educativas, sanitárias, etc., pessoas ou

entidades subvencionadas (beneficiários, em definitivo, da transferência de

riqueza, em vez de criadores de criadores de superávit), se convertem em os

cidadãos, eleitores por excelência. Incluso no cidadão abstrato é sublinhado, sua

dimensão passiva de consumidor, o de sujeito paciente aos efeitos nocivos do

desenvolvimento. Em razão disso, e provavelmente, pelo menos em parte, pelo

fenômeno da concentração de capital, as classes ativas, dinâmicas, tais como

empresários, são cada vez menos numerosos. E em toda caso, a sua relevância

(e até mesmo o seu prestígio) em questões sociais são mais baixos; é claro,

muito menor do que o que eles tinham a centena ou cinquenta anos atrás31.

masas» determina que el «otro» se muestre muchas veces precisamente, ante todo, como un riesgo, lo que constituye la otra dimensión (no tecnológica) de nuestra «sociedad del riesgo”. SILVA SANCHEZ, Jesús-María. Op. Cit., p. 29. 30 “De cualquier manera, más importante que tales aspectos objetivos es seguramente la dimensión subjetiva de dicho modelo de configuración social. Desde esta última perspectiva, nuestra sociedad puede definirse todavía mejor como la sociedad de la «inseguridad sentida» (o como la sociedad del miedo). En efecto, uno de los rasgos más significativos de las sociedades de la era postindustrial es la sensación general de inseguridad”. SILVA SANCHEZ, Jesús-María. Op. Cit., p. 33 31 “La sociedad del Estado del bienestar se configura cada vez más como una sociedad de clases pasivas, en el sentido amplio del término. Pensionistas, desempleados, destinatarios de prestaciones públicas educativas, sanitarias, etc., personas o entidades subvencionadas (beneficiarios, en definitiva, de la transferencia de riqueza, más que creadores de los excedentes objeto de transferencia) se convierten en los ciudadanos, los electores por excelencia. Incluso respecto al ciudadano abstracto se subraya su dimensión «pasiva» de consumidor, o de sujeto paciente de los efectos nocivos del desarrollo (sobre el medio ambiente, por ejemplo). Frente a ello, y seguramente, al menos en parte, por el fenómeno de la concentración del capital, las clases activas, dinámicas, emprendedoras, son cada vez menos numerosas. Y, en todo caso, su relevancia (e incluso su prestigio) en el concierto social son inferiores; desde luego, muy

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Quanto à configuração de sociedade de sujeitos passivos, a Estado de

bem-estar social se configura cada vez mais como uma sociedade de sujeitos

passivos, no sentido mais amplo do termo. Pensionistas, desempregados,

destinatários de prestações públicas educativas, sanitárias, etc., pessoas ou

entidades subvencionadas (beneficiários, em definitivo, da transferência de

riqueza, em vez de criadores de criadores de superávit), se convertem em os

cidadãos, eleitores por excelência. Incluso no cidadão abstrato é sublinhado, sua

dimensão passiva de consumidor, o de sujeito paciente aos efeitos nocivos do

desenvolvimento. Em razão disso, e provavelmente, pelo menos em parte, pelo

fenômeno da concentração de capital, as classes ativas, dinâmicas, tais como

empresários, são cada vez menos numerosos. E em toda caso, a sua relevância

(e até mesmo o seu prestígio) em questões sociais são mais baixos; é claro,

muito menor do que o que eles tinham a centena ou cinquenta anos atrás32.

Diante de todo o exposto, é fácil perceber a relação entre o Direito penal

econômico, enquanto instrumento qualificado de proteção de bens jurídicos

particularmente importantes e os efeitos decorrentes de um modelo social

adotado a partir da Revolução Industrial, efeitos estes que foram

veementemente criticados pela corrente marxista.

Ora, se é cediço que a Revolução Industrial ocasionará amplo sofrimento

e benefícios desproporcionais a poucos, conforme bem esclareceu Marx e,

também o próprio Silva Sánchez, ao destacar que a sociedade pós-industrial

inferiores a lo que habían sido hace cien o cincuenta años. SILVA SANCHEZ, Jesús-María. Op. Cit., p. 42. 32 “La sociedad del Estado del bienestar se configura cada vez más como una sociedad de clases pasivas, en el sentido amplio del término. Pensionistas, desempleados, destinatarios de prestaciones públicas educativas, sanitarias, etc., personas o entidades subvencionadas (beneficiarios, en definitiva, de la transferencia de riqueza, más que creadores de los excedentes objeto de transferencia) se convierten en los ciudadanos, los electores por excelencia. Incluso respecto al ciudadano abstracto se subraya su dimensión «pasiva» de consumidor, o de sujeto paciente de los efectos nocivos del desarrollo (sobre el medio ambiente, por ejemplo). Frente a ello, y seguramente, al menos en parte, por el fenómeno de la concentración del capital, las clases activas, dinámicas, emprendedoras, son cada vez menos numerosas. Y, en todo caso, su relevancia (e incluso su prestigio) en el concierto social son inferiores; desde luego, muy inferiores a lo que habían sido hace cien o cincuenta años. SILVA SANCHEZ, Jesús-María. Op. Cit., p. 42.

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mostrou tratar-se de uma sociedade que expressa à crise do modelo de Estado

de bem-estar, uma sociedade competitiva com níveis de desemprego e de

marginalização especialmente juvenil irredutível. Resta claro e evidente, a

necessidade de intervenção estatal no âmbito da ordem econômica.

Tal intervenção tornou-se necessária para fins de controle social frente o

desenvolvimento das atividades econômicas, uma vez que a total ausência de

controle nessa seara mostrou ser capaz de causar profundas desigualdades

sociais, capaz de criar uma conjuntura econômica e social, na qual grupos

economicamente dominantes sentem-se livres para adotar condutas de seu

interesse, a despeito do quanto isso, pode ser prejudicial aos grupos dominados.

Essa intervenção deu-se por meio do Direito penal.

Nesse sentido, o Direito penal econômico busca proteger a ordem

econômica, um bem jurídico de extrema relevância, uma vez que é

compartilhado por toda a sociedade. Além do mais, deve-se destacar que

determinada classe social, os chamados agentes econômicos, detêm amplo

poder de efetuar os ataques eminentemente graves a tal bem jurídico, de modo

a gerar ampla desigualdade social, ou seja, promover um modelo social, que se

opera conforme as críticas marxistas. Destarte, cabe ao Estado, enquanto

detentor legítimo do jus puniendi (poder-dever), coagir comportamentos que

impliquem na violação ou ameaça da ordem econômica e, isso, para ter um

mínimo de efetividade, dever ser feito por meio da coercibilidade da norma penal.

CONCLUSÃO

Diante dos resultados obtidos, foi possível atingir as pretensões do

presente trabalho, uma vez que se verificou que foi possível compreender o que

significou a supremacia da classe burguesa frente à classe trabalhadora, a partir

do período pós-revolução industrial; a nítida formação de grupos

economicamente dominantes, capazes de violar as condições mais essenciais

ao indivíduo, condições essenciais a sua própria dignidade.

Verificou-se ainda, que a Revolução Industrial ocasionará amplo

sofrimento e benefícios desproporcionais a poucos. E que esse quadro mostrou-

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se tão contundente, que a crítica ao modelo de Estado liberal burguês passou a

permear o pensamento europeu do século XIX, de modo que surgiu um discurso

marxista, verdadeiros ataques a sistema capitalista. Ademais, o modelo social

pós-revolução industrial, foi marcado por uma segregação social, a separação

entre o capital e o trabalho. Para além de suas críticas, Marx defendia a

implantação de um novo modelo estatal, o qual na esfera econômica deveria ser

amplamente interventor, mediante a adoção de determinadas medidas como, a

centralização do crédito nas mãos do Estado por meio de um banco nacional

com capital do Estado e monopólio e multiplicação das fábricas e dos

instrumentos de produção pertencentes ao Estado, arroteamento das terras

incultas e melhoramento das terras cultivadas.

Por fim, percebeu-se que o Direito penal econômico em sentido estrito

trata-se de um conjunto de normas penais que tutela a ordem econômica, tratada

como regulação jurídica do intervencionismo estatal na economia.

Por outro lado, em sentido amplo, é concedido como conjunto de normas

jurídicas penais que tutela a ordem econômica entendida como regulação

jurídica da produção, distribuição de bens de consumo e serviços, sendo que a

diferença para concepção anterior é que não se trata aqui de tutelar o

intervencionismo estatal, mas sim salvaguardar a atividade econômica no âmbito

da economia de mercado.

O Direito penal econômico surgiu a partir do fenômeno da expansão do

Direito penal, o qual promoveu a criação de novos delitos, sobretudo, no âmbito

econômico. Dentre as que levaram a tal expansão estão, o surgimento de novos

interesses, a efetiva aparição de novos riscos, a institucionalização da

insegurança; a sensação social de insegurança, a configuração de uma

sociedade de sujeitos passivos.

O Direito penal econômico busca proteger a ordem econômica, um bem

jurídico de extrema relevância, uma vez que é compartilhado por toda a

sociedade. Busca coagir por meio da coercibilidade da norma penal, condutas

que atentem contra a esfera da ordem econômica.

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