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  • 7/27/2019 Cristaosnovos_cristaosvelhos - Ribeiro Sanches

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    Antnio Ribeiro Sanches

    Cristos Novos e Cristos Velhosem Portugal

    Universidade da Beira Interior

    Covilh Portugal2003

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    Contedo

    Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1Origem dos Cristos novos no Reino de Portugal . . . . . . . . . . . . . . . . 1Da causa da continuao do nome de Cristo novo e Cristo velho at os nossos

    tempos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3Da imediata causa da Cegueira judaica dos Cristos novos portugueses . . . . . 4

    Segunda causa do aumento do Judasmo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5Terceira causa do aumento do Judasmo de Portugal . . . . . . . . . . . . . . . 5Quarta causa do aumento dos X. N.s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7Leis que parece seriam necessrias em Portugal para acabar a distino de X. N.

    e X. V. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8Razes e autoridade para provar a necessidade destas Leis propostas e a sua

    utilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

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    iv Antnio Ribeiro Sanches

    Origem da denominao de Cristo Velho, e Cristo Novo, em Portugal,

    e as causas da continuao destes nomes, como tambm da cegueira

    judaica: como mtodo para se extinguir em poucos anos esta diferenaentre os mesmos sbditos, e cegueira judaica; tudo para aumento da

    Religio Catlica e utilidade do Estado.

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    Introduo

    Se no conservasse um sincero zelo para o aumento

    da Religio Catlica, e utilidade de Portugal, como possvel que sem pretender nem prmio, nem lou-vor deste trabalho, me determinasse a escrever nestamatria to difcil, e to ingrata? Faltam-me muitasnotcias que so absolutamente necessrias para res-ponder s objeces que faro aqueles que no pen-sam mais que a castigar o crime, sem jamais pensa-rem em prevenir o dano. Falta-me a propriedade, eenergia do estilo, para poder patentear no s a ver-dade do que refiro, mas tambm para atrair aquelesa quem pertence ler o que hei-de relatar. Mas o quefaltar destes enfeites, espero que o suprir a fora daverdade e da justia, que julgo tenho da minha parte.

    Permita Deus que os leitores deste papel tenhamtanto a peito o servio de Deus, e utilidade de Portu-gal, que se esqueam dos preceitos da retrica! Per-mita Deus que sejam to pios, e to fervorosos noaumento da Religio Catlica, e Salvao das almas,que se oponham torrente da plebe, governada pelocostume, e pela paixo!

    Vrios foram os projectos que se deram no tempode Felipe IV, enquanto governou Portugal, e o Sere-nssimo Dom Pedro Regente dEle, no somente pordoutssimos Prelados, mas ainda pelos trs Estadosdo Reino em Cortes, para se extinguirem os Cristosnovos, e o Judasmo; E em todos eles (coisa not-vel) no se v mtodo adequado para extinguir esta

    Nao, nem para acabar a sua cegueira, nem quempensasse verdadeiramente ao bem da Igreja, nem doEstado.

    Em todas aquelas propostas no se observam maisque vrios mtodos para castigar os culpados, masnenhum para prevenir o crime, e dar por este mtodoFiis Religio Catlica, e Sujeitos leais ao Estado.Ali se acha verificada a sentena de Quinto-Curcioquos dispicimus odio habemus. O desprezo uni-versal que tinham e tm todos os Portugueses peladesgraada Nao Judaica, arraigado no corao de-pois da mais tenra infncia, lhes cegava as grandesqualidades de juzo de que eram dotados para rom-

    perem todos na vingana que lhes persuadia o dio,mais que os crimes desta Nao. Aconselha a boapoltica, e a sagrada Religio que se castigue, e queperea o crime, e que os culpados se salvem: nestasreferidas consultas todo o intento, parece, era des-truir e fazer perecer os culpados puramente com oseu crime.

    Peo, portanto, a quem ler o que proponho, quedeponha por um pouco o desprezo, e dio que or-dinariamente se tem para esta Nao; que considere

    sem paixo se so ou no so sbditos do Reino dePortugal: e ultimamente peo que queiram dar fiis Igreja, e no mrtires ao Judasmo; que queiram quese castiguem os culpados e no peream os inocen-

    tes; e que queiram antes dar sbditos a Portugal, quetrnsfugos e inimigos a Ele.

    Origem dos Cristos novos no

    Reino de Portugal

    Ainda que nos Reinados dos Reis D. Dinis, D.Afonso IV, D. Joo I e D. Afonso V houvesse emPortugal Judeus no se l nas histrias dele o nomede Cristo velho nem de Cristo novo; como naque-les tempos se consentiam Judeus pblicos com liber-dade da sua Religio, aquele que se convertia F de

    Cristo ficava reputado por Cristo verdadeiro e leg-timo sbdito do Estado: perdia o nome de sua Nao,adquirindo o de Portugus, como hoje se pratica emFrana e Itlia.

    No se conheceu o nome de Cristo velho, e Cris-to novo em Portugal at o tempo de El Rei D. Ma-nuel, quando obrigou os Judeus que tinham sido ex-pulsos de Castela, no ano de 1492, a abraar a Reli-gio Crist. Refere aquele insigne Prelado, em vir-tude e letras, Jernimo Osrio, que El Rei D. JooII permitiu a muitos desta Nao expulsa de Castelaque ficassem por algum tempo em Portugal con-dio que cada um pagasse oito ducados de ouro, eque depois do tempo que se lhes assinaria que se-riam obrigados a sair do Reino; para o que se lhesdaria navios, e toda a comodidade para sarem dele,e que no caso que se vissem em Portugal depois dotempo, algum ou alguns Judeus, que ficariam Escra-vos. Cumpriu El Rei D. Joo II a dar navios nos Por-tos assinados para que os Judeus sassem do Reino, eque ningum os maltratasse, nem lhes impedisse sairfora dele; mas pela avareza e malcia dos mercado-res e marinheiros no se executaram as Reais ordens,porque logo que os Judeus estiveram a bordo, os queos conduziam os tratavam de modo o mais cruel eprfido, a tal ponto que diz este pradosssimo Pre-lado Christiani nominis, quod usurpabant obliti, in

    omni genere immanitatis, atque perfidiae versaban-tur o que foi logo conhecido aos Judeus que ficaramem Portugal, os quais como temessem ser tratados domesmo modo no se atreveram embarcar, juntando-se a necessidade de multides, ao pouco tempo; detal modo que se passou o tempo de sarem de Portu-gal, e ento os que ficaram, ficaram Escravos, con-forme o que tinham estipulado com El Rei quandosaram de Castela.

    Tanto que El Rei D. Manuel tomou posse do

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    Reino, considerando que os Judeus perderam a li-berdade injustamente logo lha restituiu; mas no anoseguinte publicou uma Lei, em que ordenava a to-dos os Judeus e Mouros de sarem fora do Reino se

    refuzassem o Santo baptismo, determinando-se-lheum tempo, fora do qual os que ficassem no Reino se-riam reputados realmente por Escravos. Chegado odito tempo resolveu El Rei, Diz Osrio, ren excogi-tat facto quidem iniquam, & injustam, animo tamen,

    & proposito fine laudabilem, ordenando que todosos filhos dos Judeus, que no passassem de 14 anos,fossem separados e tirados do poder de seus Pais, eque se baptizassem. Com tanto rigor se executou estaLei, e com tanta calamidade, como refere aquele in-signe Prelado, dando bem a conhecer o seu justo epiedoso nimo, bem apartado de aprovar semelhanteaco, que somente a adulao dos Cortesos suge-rira: diz, portanto, que fora com utilidade da Reli-gio, porque muitos daqueles convertidos, ainda quepor fora, pelo discurso do tempo, e com a comu-nicao, e trato dos verdadeiros cristos, viviam jcomo verdadeiros fiis da Religio Catlica.

    Esta foi a origem dos Cristos novos de Portu-gal, nome que conservam todos aqueles descenden-tes desta Nao. No lemos que no tempo dEl ReiD. Manuel fosse o nome de Cristo novo obstculoalgum para entrar no Estado Eclesistico, nem aosCargos honrosos do Estado; porque ento no era ne-cessrio, nem era costume tirar as inquiries; Sabe-mos certamente que muitos desta Nao at o tempode El Rei D. Sebastio, entravam tanto nos cargos

    honrosos do Estado, como nos Eclesisticos.Viviam estes novamente convertidos e seus des-

    cendentes sem distino entre os mais PortuguesesReputados, e Conhecidos por verdadeiros Sbditos,e assim viveram at o ano de 1536; ano no qual seintroduziu a Inquisio em Portugal por uma Bula dePaulo III. Logo que a Inquisio comeou a exerci-tar o que o seu Directrio ordenava, e que comeoua executar na Nao Judaica, avivou-se logo o nomede Cristo novo Judeu, e Cristo velho, e comeou ahaver diferena entre os mesmos Sbditos.

    Foi mais notria a diferena entre Cristo novo eCristo velho depois que se estabeleceu o costume de

    tirarem Inquiries, todos aquelesque queriam entrarno Estado Eclesistico, ou Cargos honrosos da Rep-blica. Parece que o costume de tirar Inquiries emPortugal, como em Castela, que no teve outra ori-gem, que o Decreto da S de Toledo feito no ano de1547, pelo qual se defendia entrar no Estado Ecle-sistico sem primeiro tirar as Inquiries, pelas quaisconstasse que o Requerente no descendia de sangueJudaico ou Mourisco. Para Confirmao, e fora dodito Decreto, alcanou aquele Cabido uma Bula de

    Paulo III, e uma Confirmao do Conselho Real deCastela.

    Este costume parece que foi abraado universal-mente, tanto em Portugal, como em Castela pelos

    Bispos destes Reinos; e que ao diante os mais Tri-bunais o imitram e seguiram, porque no se l Leialguma nas Ordenaes de Portugal, publicadas noano de 1643, e recopiladas no ano de 1595, publica-das pela primeira vez no ano de 1603, como constado Prlogo. Nem nelas se acha o nome de Cristonovo, nem Cristo velho; acha-se no Repertrio dasOrdenaes, mas falsamente; nem nas partidas de El-Rei D. Afonso o Sbio, nem na Coleco das Leis epragmticas impressas em Madrid no ano de 1726que obrigue a tirar as Inquiries.

    Os quatro perdes gerais que concederam os Su-mos Pontfices depois da introduo da Inquisio

    at o ano de 1604, no s introduziram maior distin-o e diferena entre os Sbditos Portugueses comos nomes de Cristo velho e Cristo novo, mas aindaaumentaram o nmero destes notavelmente; porqueno ltimo perdo geral concedido no ano de 1604,fizeram os da Nao Judaica um Donativo a El ReiFilipe III. Para receber estes Donativos foram finta-dos todos os Cristos novos. Daqui sucedeu que, oupor malcia ou por avareza daqueles que fizeram a re-partio, que fintaram muitas famlias, no eram domesmo sangue, mas como eram obrigadas a pagar,ficaram conhecidos e havidos como descendentes daNao Judaica: Multiplicou-se tanto o nmero dosCristos novos com esta infame tinta, que achando-

    se naquele ano somente seis mil famlias, que con-triburam para o donativo, nos anos 1621 e 1628 sefizeram em Portugal vrias consultas para diminuire exterminar o nmero excessivo dos Cristos novosque havia naquele Reino.

    Temos visto evidentemente a origem dos Cristosnovos de Portugal, e como at o ano de 1536 no sefazia distino alguma entre os Sbditos Portugue-ses; e que se acabaria e confundiria a dita Nao sese no levantasse a Inquisio, e comeasse a execu-tar o seu Directrio; Sucederia, se se no houvesseintroduzido a Inquisio, como sucedeu em Frana eNpoles; em Frana no tempo de Felipe Augusto, de

    S. Luis e de Luis Studin, em Npoles no tempo deCarlos III e Ladislau. Nos quais Reinos se conver-teram inumerveis Judeus, sem que deles haja hojeindcio desta Nao; no havendo nestes Reinos nemTribunal da Inquisio, nem o costume de tirar inqui-ries.

    Temos visto que depois da introduo da Inqui-sio, e das inquiries, juntamente com os perdesgerais, que no somente no se extinguiram os Cris-tos novos, mas que se aumentou muito mais o seu

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    Cristos Novos e Cristos Velhos em Portugal 3

    nmero, e que a distino e diferena de Cristo novoe de Cristo velho veio mais notria e mais distintivado que fora nos princpios, logo que os filhos dos Ju-deus foram baptizados por fora.

    Da causa da continuao do

    nome de Cristo novo e Cristo

    velho at os nossos tempos

    como tambm da cegueira judaica desta genteSeria necessrio para inteligncia desta matria fa-

    zer aqui meno distinta de um Cristo novo tido ehavido por tal e de quem os Pais saram no auto daF, e daqueles que no puderam tirar as suas inqui-ries para entrar no Estado Eclesistico. Descrever-

    se- a vida deles, e o seu Estado, e ento se ver cla-ramente quantos fiis perde a Igreja, e quantos bonsSbditos o Estado.

    Considero aqui um Portugus que se tem, e se sepersuade que Cristo velho pelo sangue, e que quertirar as suas inquiries para entrar no Estado Ecle-sistico, ou outros Estados honrosos do Reino. Faz asua petio ao Ordinrio, pedindo que se lhe tirem assuas inquiries; perguntam-se as testemunhas; de-pem trs que seus Pais e seus quatro avs eram nosomente Cristos velhos, mas que nunca ouviram fa-lar do contrrio: vem a quarta testemunha; depe queele ouvira dizer que seu Av descendia da Nao Ju-daica, ou de Mouros, ou de Mulatos: d o seu jura-

    mento, e acabados os autos vai o Suplicante procurara resposta, e a que recebe que h impedimento aodespacho que suplica.

    Fica este homem atnito porque sabe que ele etoda a sua descendncia fica excluda de todos osCargos honrosos de Sua Ptria para sempre: j selhe representa o desprezo com que ser tratado pelosvizinhos e conhecidos; j v como so desprezadose tratados os Cristos novos em todo o Reino; j sev separado da Sociedade onde nasceu. Ora diga-meagora o Portugus verdadeiro, quantas vezes suce-deu isto em Portugal? Quantas e quantas famlias seacham e se conhecem em todo o Reino, de quem os

    Pais e avs jamais estiveram na Inquisio, e que nopuderam tirar as suas Inquiries, vivendo apontadose distinguidos por infectados de sangue defendido?Como possvel que um Portugus, a quem o brio,e amor da honra to natural, no aborrea ento edeteste com tantas maldies quantas lhe sugerira oseu dio, as Leis de sua ptria, que o desnaturalizamdela? Eis que o Estado perde um sbdito, mas istono o pior: todos os descendentes, para sempre,deste homem, ficam perdidos para o Estado; e queira

    Deus, e queira Deus, que tambm a Igreja no venhaa fazer a mesma perda com o tempo! eis aqui quej tem o Reino demais um Cristo novo, e em trintaanos poder ter bastantes, por esta nica causa, para

    povoar uma Aldeia.Como o principal intento deste papel de fazer de

    Judeus Cristos, e de Cristos novos Cristos velhos,ser necessrio pr diante dos olhos todas as aces,com a educao de um Cristo novo, de quem seusPais saram na Inquisio penitenciados.

    Tanto que um Menino Cristo novo capaz debrincar com os seus iguais, logo comea a sentir adesgraa de seu nascimento, porque nas disputas quenascem dos brincos daquela idade, j comea a serinsultado com o nome de Judeu e de Cristo novo.Entra na Escola, e como costume Louvvel queestes Meninos vo, no s os dias de preceito, mas

    ainda de trabalho, Igreja j com o seu Mestre ou-vir missa, e ajudar a ela, acompanhar o SantssimoSacramento, e outras procisses, o mesmo Mestre, oClrigo ignorante, o Irmo da Confraria, e o pior o mesmo Proco, j fazem distino deste Menino edaqueles que so Cristos velhos; porque estes sopreferidos para ajudarem Missa, para levarem oCastial, ou vela branca, ou tomar a vara do Plio.Esta preferncia bem notada daquele Menino ouRapaz Cristo novo; agasta-se, peleja e chora por sever tratado com desprezo.

    Entra este Rapaz no Comrcio do mundo e a cadapasso observa que os Cristos velhos por trinta mo-dos o insultam e desprezam: quanto mais vil o nas-

    cimento e o ofcio do Cristo velho, tanto mais for-temente insulta o Cristo novo; porque como honrade ser Cristo velho, quem insulta e despreza a umda Nao, honra-se e distingue-se; por isso o Car-niceiro, o Marila, o Tambor, e o mesmo Algoz, oNegro escravo so os primeiros que insultam, e quedo a conhecer com infmia um Cristo novo: os quetm melhor educao, l do seus sinais de distino,mas com maior decncia: um quando fala com elelhe diz uma meia palavra de Co, outro por gria lhechama Judeu; outro pe a mo no nariz; outro antesque fale d uma Cutilada de dedos pelos bigodes; amaior parte faz acenos que tem rabo. Este o trato

    que tem um Cristo novo com os seus compatriotas;esta a satisfao com que vive na sua Ptria; e comoo ser desprezado incita vingana, no vive mais querodo do dio, e do fingimento.

    Casa-se este Cristo novo, bem quisera ele com-prar uma casa e bens de raiz, ou aumentar os poucosque ordinariamente herdou de seus Pais; mas sabe ev cada dia que os Cristos novos, sendo presos pelaInquisio, perdem tudo. Ouve que seus parentes, ev que seu Pai foi preso pelo Santo Ofcio, com tanto

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    rigor, como se costuma, que se perdem os bens, quese deitam travessas s portas, deixando os filhos e fi-lhas na rua, sem mais vestidos, nem bens, que aque-les que tem sobre o Corpo; que ningum se atreve,

    seno algum parente, a meter estes miserveis emCasa; viu-se que por falta deste socorro j Meninos eMeninas de dez anos dormiram e viveram pelos for-nos: todas estas aces fazem to grande impressono nimo, que por toda a vida fora que fique maldisposto para quem foi a causa; acresce a este malque a distino de Cristo novo, com suma desonra, publicamente notria, a todos aqueles que vivemnaquela Comarca, e que ficar para sempre na suamemria.

    Poucos so os lugares em Portugal (porque as Ci-dades e vilas esto cheias) que no tenham vriasconfrarias, como so principalmente a da Misericr-

    dia, a dos Ferreiros, do Carmo e outras. No per-mitido aos Cristos novos entrar nestas confrarias;daqui se segue correr com fervor o povo a alistar-senestas Sociedades, no por devoo ordinariamentemas por evitar o nome de Cristo novo e ficar auto-rizado com o de Cristo velho. Estas confrarias tmaumentado tanto o nmero daqueles que no podemtirar suas inquiries, como o costume de as tirar temaumentado o nmero dos judaizantes.

    Da imediata causa da Ce-

    gueira judaica dos Cristos no-vos portugueses

    Temos at agora considerado no somente a origemdos X. N.s, mas tambm as causas da sua conserva-o e aumento: veremos agora a origem da cegueirajudaica, e veremos aqui um circulo de misrias, por-que ao passo que se aumenta o Judasmo, se aumentatambm o nmero dos X. N.s e estes uma vez aumen-tados, se aumenta mais eficazmente a sua Cegueira.

    Todos sabem que os X. N.s que saem confessos, epenitenciados pelo Santo Ofcio, que devem ser rela-xados ao brao secular, se eles vm a recair nas mes-

    mas culpas. At o Costume do Tribunal do SantoOfcio de considerar as acusaes de Pais para filhose de filhos para Pais, Mulher e marido, Irmo e Ir-mos de maior peso e fora; para ser preso aqueleque for acusado por testemunhas do dito sangue:Deste modo aquele que sai penitenciado pelo SantoOfcio, sabe evidentemente que o maior dano, quelhe pode suceder que ser dos mais chegados paren-tes: para evitar este perigo, que certo da morte, noacha outro remdio mais adequado que comear a en-

    sinar a seus filhos, ou sobrinhos, o modo de processarda Inquisio com os culpados.

    A primeira coisa que o Pai confesso ensina a seusfilhos, ou sobrinhos, manifestar-lhe o perigo a queesto sujeitos os que sairo penitenciados pela Inqui-sio: o perigo de morte, no caso que seus parentesmais chegados os acusem no Santo Ofcio; por issolhes encarrega, que no Caso que sejam presos, quese vo apresentar para que os no delatem, nem acu-sem; porque nem ele penitenciado, nem outro qual-quer assim confesso, pode delatar a pessoa alguma,sem perigo de morte.

    Sobretudo encomenda inviolvel segredo, a quemassim instrui; persuade-o, que tudo o que lhe diz, eque lhe h-de dizer, que no somente para salvarbens e vida, no caso que for preso pela Inquisio;mas tambm para no fazer morrer a seus parentes

    mais chegados, se forem j sido confessos. Sucedemmuitas vezes em Portugal prises de um, ou muitosX. N.s; tanto que se prende um em uma vila ou co-marca j todos os X. N.s que so conhecidos daquelenovamente preso, temem com fundamento, e razo,que lhes suceder o mesmo em pouco tempo: paraevitar este dano, o penitenciado aconselha seu filho,ou de se apresentar, ou toma a resoluo de ensinara seu filho, como processa a Inquisio, com aquelesque so presos por ela.

    Apresentar-se um X. N. quando vai buscar umFamiliar, ou Comissrio do Santo Ofcio, e lhe diz:peo a V. Merc que d parte ao Tribunal do Santo

    Ofcio, que eu, Fulano, tenho que declarar na suaMesa as minhas culpas, e que estou pronto, quandome for ordenado por Ele. O Familiar toma o seunome, e morada, d parte Inquisio, e quando Elaacha a propsito, d ordem a um Familiar, que dparte, e ordene dita pessoa apresentada, que venhafazer confisso quele Tribunal. Esta pessoa parteainda que do Extremo do Reino, e se apresenta di-ante dos Inquisidores.

    Se o penitenciado teme que aqueles que prende-ram pela Inquisio denunciaro seu filho, v. g.,aconselha-o a que se v apresentar logo: dizendo-lhe,que deste modo poder escapar ser preso: quando

    aparecer na Mesa da Inquisio, que confesse logoque Cra na lei de Moiss, que no comia carne deporco, que dizia o Padre nosso, suprimindo no fim onome de Jesus; que declare tambm as testemunhascom quem judaizou; ensina-lhe as testemunhas queh-de declarar, e como se declarar reciprocamentena Lei de Moiss, e na sua observncia: Ordinaria-mente as pessoas que acusa primeiro so aquelas quel esto presas, porque no temor que estas falem nelee o delatem, ele, apresentando, as denuncia primei-

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    Cristos Novos e Cristos Velhos em Portugal 5

    ramente, para ver se por este caminho pode evitar deser preso.

    Como este filho, ou sobrinho ordinariamente ainda Cristo, e que cr verdadeiramente a f de

    Cristo, repugna logo aceitar o conselho, e faz as ob-jeces seguintes: Eu sou cristo, e creio na F deCristo, mentirei se disser, que creio na de Moiss, eque no como carne de porco: Quem o ensina lheinsinua a necessidade de confessar assim, ainda queseja falso o que lhe aconselha, mas que para salvara vida, e fazenda, no pode fazer outra coisa. Nes-tas, e outras prticas semelhantes se passam muitostempos, para ensinar aos seus parentes chegados, omodo de processar da Inquisio.

    Tambm lhe ensina que no caso, que venha a serpreso, que o melhor modo para sair com vida da In-quisio confessar logo aos primeiros interrogat-

    rios da Mesa dela, que era Judeu; que no declareaquelas pessoas que saram penitenciadas; porque secometer tal falta, que lev-las a morrer. Que tantoque na Mesa lhe lerem o libelo das testemunhas quetiver contra si, que as conte, as quais necessrionomear e acusar: que no costume do Santo Of-cio declarar o nome das testemunhas, e que por essacausa ele deve falar em todas aquelas que conheceu,ou ouviu somente, de nome, para sair com vida aomenos daquela priso; porque de outro modo vir aser tratado com quatro cordas, ou sair a morrer ne-gativo.

    O filho, ou filha que ouve toda esta narrao, inti-midada com segredo o mais reservado, no v mais

    que objeces a executar estes Conselhos, porquecr diferentemente tudo o que se lhe quer intimar;mas enfim vencido pelas urgentes razes de salvar avida, a fazenda, e os seus progenitores, e sair maisdepressa da Inquisio, persuade-se, e fica instrudo.

    Tanto quanto alcanou nesta matria, quem estepapel escreve, no soube que jamais Pai, ou Me emPortugal ensinasse puramente o Judasmo a seus fi-lhos; porque sabem que se tal ensino lhe dessem, ese declarasse, que seriam queimados sem remisso:tudo o que ensinam a seus filhos o horror da Inqui-sio, o modo que eles representam o mais injusto,como ela processa com os culpados, que necess-

    rio confessar que so Judeus, ainda que tal religiono crem, e sobretudo o segredo; quem assim ficainstrudo fcil vir a crer na Cegueira judaica, aindaque seja cristo verdadadeiro.

    J se v hospedado, odiado, e conhecido por. X.N.; j no tem comunicao, nem familiaridade comaqueles da sua Nao, e seus parentes; entre estesl se acha um que Judeu, e que por temor da In-quisio, ou levado da sua crena, ou por palavras,ou mostrando alguns livros que tratam da Lei antiga

    lhe persuade indirectamente o Judasmo; at que estemesmo Cristo novo, educado no desprezo e dio,com que foi tratado pelos Cristos velhos, vem por sino conhecimento errado da Lei de Moiss.

    Esta a causa imediata da Cegueira Judaica; esteo precipcio a que esto sujeitos os Cristos novos dePortugal.

    Segunda causa do aumento do

    Judasmo

    Temos mostrado, que todos aqueles que querem en-trar no Estado Eclesistico, ou Cargos do Estado, quedevem tirar suas inquiries de sangue, daqui se se-gue que os Cristos novos no s ficam privados des-tas vantagens, mas que ficam separados de todos os

    X. velhos; Jamais estes casaro suas filhas com aque-les; segue-se tambm que os X. N. s e toda a sua des-cendncia so obrigados a casarem-se e misturarem-se entre eles; e como no podem ser Clrigos, nemas filhas freiras, todos se casam, aumentam-se, aopasso que os Cristos velhos se diminuem. Segue-se que se em 50 famlias de X. N.s, houver, somentedois persuadidos de crena judaica, que em 50 anostodos viro da mesma crena; porque ao passo que semisturam e se multiplicam fora que venham a cairno erro daqueles dois, com quem se ligaram todos osdescendentes.

    Terceira causa do aumento do

    Judasmo de Portugal

    Se o justo intento com que se escreve este papel nodesculpasse o revelar como o Santo Ofcio procedecom os culpados, no se atreveria quem o escreve afalar nesta matria: mas sendo preciso entrar nela,para remediar tantos males ser desculpado todo oatrevimento justo, que nesta ocasio se toma.

    Tantos livros se escreveram em Inglaterra, e emFrana contra este Tribunal, to cheios de falsidades,e invectivas, que fazem horror, a quem verdadeira-

    mente experimentou como processa com os culpadoso Tribunal da Inquisio: to fora est de reprovar-se o estabelecimento do Santo Ofcio em Portugal,que por evidentes e demonstrativas razes que su-gerem a Disciplina Eclesistica, e a verdadeira Po-ltica do Estado, se deve conservar nele: o intentocom que foi fundado este Santo Tribunal, foi Santo,e justo; foi para conservar a F na sua pureza, semmisturas de outras seitas. Em cada livro que tratada Inquisio, escrito pelos Hereges, se vem to

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    difamados os Inquisidores, com calnias to atro-zes, que bem se v que somente o dio os induziua public-las; o contrrio notrio, queles que esti-veram presos na Inquisio, porque declararam aos

    seus confidentes, que s pela misericrdia dos In-quisidores saram com vida da Inquisio. No sepretende neste papel reprovar o Santo Ofcio nem assuas Leis; pretende-se que no sejam bastantes paraextinguir o Judasmo; e que acidentalmente, e forada inteno de quem as decretou, contriburam parao aumento dele; representa-se aqui o modo mais ade-quado, como a Igreja adquiria fiis, e o Estado leaisSbditos, modificando as Leis estabelecidas: por es-tes motivos ser excusvel a narrao seguinte.

    De cem X. N.s que foram presos pela Inquisio,no se acharam dois que foram denunciados, ou pe-los Cristos velhos ou pelos Cristos novos simples-

    mente, sem se acusarem reciprocamente do mesmocrime; quase todos os X. N.s que foram presos, e re-clusos nos Crceres do Santo Ofcio, foram denun-ciados pelos mesmos X. N.s, ou que estavam presos,ou por aqueles apresentados, quando vieram fazer asua confisso.

    Prende-se um X. N., entra nos Crceres do SantoOfcio, chamado ali Mesa, onde lhe perguntamquem a sua famlia, morada, e parentes; os Senho-res Inquisidores o admoestam que confesse as suasculpas, porque aquele Tribunal ter misericrdia comele.

    Consideremos este X.N. verdadeiramente Cris-to, de quem os Pais jamais estiveram na Inquisi-

    o. Consideremo-lo que no foi instrudo no m-todo como processa a Inquisio com os culpados;consideremos este homem to verdadeiramente Cris-to como ignorante nesta matria. certo que seme-lhantes j se viram tantos, que so a maior parte dosdesgraados que vo a morrer negativos.

    Continuemos referindo o modo como se processacom ele, e de que modo sai da Inquisio. Depoisque chamado uma e muitas vezes Mesa daqueleTribunal, onde admoestado com toda a brandura, ecaridade, que confesse as suas culpas; este homeminocente, e ignorante do estilo daquele Tribunal, dpor toda a resposta que no tem que confessar, que

    verdadeiro Cristo Catlico, e que jamais se apartouda verdadeira f de Jesus Cristo.Vendo ultimamente os Inquisidores a contumcia

    deste Ru, vem o Promotor com o libelo, no qual emsubstncia est escrito o seguinte:

    Prova que sendo Cristo baptizado, que se apartouda Lei da Graa, e que cria na de Moiss, observandoos Ritos dela. Prova que em tal lugar (v. g. Bragana)se declarou com certa pessoa da sua Nao recipro-camente, que criam, e viviam na Lei de Moiss.

    Prova que com certa, ou certas pessoas h dezanos, se declarou reciprocamente que cria na Lei deMoiss.

    Pelo que estando o Ru impenitente, negativo,

    pertinaz deve ser relaxado ao brao secular.Depois de lido este libelo os Senhores Inquisido-

    res o admoestam, e o fazem admoestar por pessoasdoutas, e Religiosas, e buscam todos os modos paraque confesse: depois de haverem usado com este mi-servel todos os meios possveis para salvar-lhe avida, sucede muitas vezes que este Ru persiste nasua contumcia pela ignorncia do modo como pro-cede aquele Tribunal, e pelo estado da sua f, que a verdadeira; neste caso quando o nmero das teste-munhas grande, com as circunstncias de sanguechegado, como de Pai, Irmos X. N.s ento rela-xado ao brao secular.

    Mas jamais os Senhores Inquisidores chegam aesta extremidade, que nos ltimos meios de todo opossvel remdio. Sucede s vezes que este miser-vel Ru, e inocente, persuadido, e aconselhado comlgrimas a confessar; e como no sabe o qu, e ou-viu que judaizar era aoutar Imagens, meter o poou um pastel debaixo do rabo de um animal e d-lo a um pobre e Cristo velho e outras superstiesdo vulgo, isso o que ento confessa aquele mise-rvel e se acusa de Judasmo: como j se ouvirampublicadas estas culpas nos autos da f, no se deveduvidar delas, e ainda que falsas e ridculas servirampela misericrdia dos Inquisidores para salvar a vidaa semelhantes miserveis.

    Consideremos agora um X. N. de quem os Pais,e parentes chegados estiveram na Inquisio, e quesaram penitenciados, instrudo por eles no modo deprocessar daquele Tribunal, e que cr ou no cr nacegueira judaica.

    Tanto que este X. N. preso, e levado Mesa dosSenhores Inquisidores, fazem-lhe as mesmas pergun-tas, e admoestaes ditas no28. Esse, estando ins-trudo, confessa logo que Judeu, e que observavaa Lei de Moiss; declara tambm haver-se declaradoreciprocamente com Fulano, e Fuo; Enfim tendo de-clarado as testemunhas, que se imagina o acusaram,ou ho-de acusar, e que sero bastantes estas decla-

    raes para satisfazer a sua Confisso, enviado parao Crcere. Quando os Inquisidores acham conveni-ente, chamam este Ru Mesa, e ali o admoestam,que confesse, representando-lhe que no confessaraainda cabalmente; muitos meses se passam s vezesnestas admoestaes, at que aquele Tribunal achaacertado de dar um libelo contra o Ru, semelhanteao mencionado no28.

    Este Ru acha-se ento perplexo, porque imagi-nando que falra em todas as pessoas que o acusa-

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    vam, ou podiam acusar, v-se que lhe cresceram tes-temunhas; j sabe evidentemente que no acertou na-quelas que o denunciaram, e propem-se-lhe o pe-rigo de morte, ou os tratos, se as no adivinhar: v-

    se tambm perplexo porque no primeiro libelo co-nheceu que tinha dez testemunhas, v. g. contra si;agora v neste segundo que est acusado por quinze,ou vinte; ento conhece claramente que este aumentolhe proveio enquanto estava preso.

    J acima vimos no19. que tanto que um X. N. preso pela Inquisio, que logo os mais que o co-nhecem pela maior parte se vo apresentar; e quequando vo Mesa, que falam sempre naquele queest preso. No somente por esta causa se aumen-tam as testemunhas aos presos, mas ainda por to-dos aqueles que esto presos na Inquisio. Destemodo sucede que se um X. N. foi acusado, e preso

    pela denncia de trs ou cinco testemunhas que de-pois que ele estiver dentro da Inquisio, pelo espaode um ano, que se achar com vinte que o acusaro;crescem-lhe as testemunhas da sua Nao por quatromodos, e so os seguintes:

    1. Pela acusao dos apresentados n.os 31 e 19.

    2. Pela acusao dos Rus presos, que sabem porhaverem sido companheiros dos crceres, ouque so obrigados de falarem em, todos que vi-ram, e ouviram nomear para atinar com as tes-temunhas que o denunciaram.

    3. Pelas faltas que o mesmo Ru cometeu nos Cr-

    ceres, jejuando conforme o Rito judaico.Consideremos agora a situao deste Ru que co-

    meou a confessar. Ele sabe evidentemente que necessrio que ele declare, e adivinhe os nomes da-queles que o acusaram, e vendo que os que nomeraat ali no eram bastantes para completar a sua Con-fisso (diz consigo) necessrio que eu denuncie, eacuse que judaizei com todos aqueles que conheci,ou ouvi nomear; denunciando assim todos virei aacertar com aqueles que me denunciaram, porquecertamente Fulano e Fuo pode ser que se apresen-tassem, e falariam em mim; pode ser que Fulano eFuo estejam presos com seus filhos, ou filhas, pois

    no fique pedra sobre pedra, quero renunciar a todosque vi, conheci, e ouvi nomear; porque quero saircom vida deste Crcere.

    Este Ru neste pensamento pede Mesa. Continuaa sua confisso do modo que se props: todas as pes-soas que nomeou, escrevem-se nos Livros do SantoOfcio, e quando h destas testemunhas duas ou trs,so bastantes para fazer prender ao denunciado, comtanto que seja X. N., ainda que seja verdadeiro cris-to, o que sucedeu muitas vezes.

    Deste modo supondo que na Inquisio se acha-rem cinco destes presos X. N., sero capazes de fazerprender em um ano todos os Cristos novos de Por-tugal, se estes cinco conhecerem os nomes de todos

    os mais, tanto do sexo masculino como feminino.V-se claramente deste modo de processar que os

    X. N.s verdadeiros Cristos, so os que tm maiorperigo de sarem penitenciados, e a morrer. E queos X. N.s instrudos no modo de processar da In-quisio, ou que crem na Lei de Moiss, que soaqueles que mais fielmente saem com vida, e em me-nos tempo; v-se claramente que pelas suas denun-ciaes falsas enquanto confessava, que contribui prisp de mais X. N.s que s vezes se acharam ino-centes. V-se claramente que o X. N. penitenciado,tanto que saiu no Auto da F sabe a quanto perigoest sujeito: enquanto vive em Portugal ensina a seusfilhos, ou sobrinhos o modo de processar da Inqui-sio (origem de todo o Judasmo): Logo que podesair do Reino o faz sem demora. A navegao maisfcil que acha para Holanda, Inglaterra ou Frana,onde chega ignorante da Lngua daquelas terras, semconhecimentos mais que dos Judeus portugueses, ouCastelhanos, entre os quais acha parentes e amigos; eou de boa vontade, ou forados da necessidade, comoj sucedeu algumas vezes, se fazem Judeus.

    Muito mais h que dizer da forma de processar daInquisio de Portugal; mas no o meu intento fa-zer a histria deste Tribunal; foi necessrio referir oque fica dito, somente para mostrar o modo de pro-cessar com os Rus X. N.s, como tambm a origem

    da desolao de tantas almas, e sbditos de Portugal.

    Quarta causa do aumento dos

    X. N.s

    Todos sabem com quanta celebridade se faz o Autoda F, e como as suas Listas se espalham por todo oReino e domnios dele: notrio que os retratos dosrelaxados so postos nas Parquias onde estes forambaptizados, ou em outras Igrejas. O intento destascelebridades foi bom para induzir horror, e dio con-tra o Judasmo; mas quem reflectir na histria clara,

    e sem afectao aqui dantes escrita, achar que estascelebridades contribuem mais a distinguir os X. N .s,e a disp-los mais parciais da sua crena errada.

    Tambm os que saem penitenciados ficam seis se-manas, ou dois meses nas Escolas da Inquisio; alise conhecem, ali sabem quem os acusou, de quemodo se confessaram e saram; nova matria de co-nhecimentos para aumentar o Judasmo, como ficaj referido. Tambm os retratos dos Relaxados nasIgrejas servem para eternizar o dio nesta Nao, e

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    averso para uma Religio que castigou seus ante-passados; no se persuadindo jamais que foram cas-tigados os originais conforme a justia.

    Quem tiver a peito o zelo Santo da verdadeira

    Religio, e o bem da sua Ptria, cuidar nos meiosmais adequados de prevenir tanta desordem. Entre-tanto que no vir este remdio, proponho o mtodoseguinte, oferecido considerao daqueles a quempertence emendar tanto mal, como sofre Portugal pe-las causas referidas.

    Leis que parece seriam neces-

    srias em Portugal para aca-

    bar a distino de X. N. e X. V.

    como tambm a cegueira judaicaQue todo aquele que quisesse, ou pretendesse pos-suir Dignidade Eclesistica de Cnego, Chantre, ououtra qualquer de Cabido, ou Colegiada, Bispo ouCargo honroso do Estado, como Juiz de fora atDesembargador, todos os Cargos das Cmaras doReino, Conselheiros, Hbitos de Cristo, Santiago, eAvis, eregir Morgados, instituir Capelas, ou empra-zar de qualquer modo bens Coroa, ou Igreja, queno seria obrigado a tirar Inquiries, como cos-tume; mas em seu lugar fossem obrigados todos aquinomeados a tirar provas de Nobreza, como constardos Livros de cada Cmara do Reino; e abaixo se diro modo.

    Que todo aquele que quisesse entrar no EstadoEclesistico para ser Clrigo, Frade, Freira, Tabelio,Secretrio ou outro qualquer ofcio, Comunidade, Ir-mandade, Eclesistica ou Secular, etc. que daqueledia por diante se lhe no tirassem inquiries de San-gue, como at ento era costume o qual pela presenteLei, ficaria abrogado, no obstante Lei, ou Costumeque para isso houvesse em contrrio. E que somenteseria necessrio ao pretendente certido do seu P-roco de vita et moribus, e outra do Comissrio doSanto Ofcio do mesmo Distrito: na primeira consta-ria o seu procedimento, e se vivia, como bom Cristo,e na segunda uma declarao que seus no tinham

    sido presos, nem sado penitenciados pela Inquisi-o; as quais duas certides juntas sendo assinadasa favor do Suplicante, seriam bastantes para entrarnos cargos a que os Cidados, e povo podem aspirar.

    Que a distino que at agora se fazia em todos osTribunais, tanto nos processos de lei, como em lit-gio, fosse absolutamente abrogada; e que aquele quese atrevesse a incorrer nela, que por este nome in-jurioso de X. N. lhe fosse impedido, ou interdito aprerrogativa de que gozam os sbditos portugueses,

    que seria castigado, conforme as Leis contra os Ca-luniadores.

    Que nenhuma pessoa de qualquer condio, ou es-

    tado, fosse presa por ordem do Santo Ofcio, semuma prvia inquirio da vida, e Costumes, se viviaou no conforme o que ordena a Santa Madre Igreja,a qual inquirio seria feita pelo Comissrio do SantoOfcio, com trs testemunhas fidedignas, juntamentecom a deposio e Certido do Proco da mesma pes-soa da qual se inquire. Cuja inquirio devidamentefeita, conforme as leis estabelecidas no Reino, se-ria enviada pelo dito Comissrio ao Santo Ofcio, oqual segundo o que nela se contivesse contra o pro-cedimento do inquirido, se devia determinar, pren-der ou fazer prender, ou deixar o inquirido, no obs-tante qualquer acusao, ou delao feita na Mesa do

    Santo Ofcio, por pessoa de qualquer qualidade, oucondio que fosse.

    Que todo aquele que se quisesse apresentar ou pe-rante algum familiar, ou na Mesa do mesmo Tribu-nal, que chegado Mesa no lhe seria permitido, semser preso depois, mais que confessar as culpas que ti-vesse cometido contra a Religio Catlica; e que nocaso que declarasse cmplices na sua apostasia, queseria logo recolhido nos Crceres do mesmo Tribu-nal.

    Que todo aquele que sasse penitenciado, ou peni-

    tenciada pelo Santo Ofcio, que seria imediatamenteenviado a uma priso do Reino, para dela ser dester-rado para as Colnias por toda a vida.

    Que os bens tanto mveis como imveis, daquelesque sassem na Inquisio penitenciados, que seriamconfiscados a seu dano somente. Mas que no seriamconfiscados para o Fisco.

    Deveriam somente passar os ditos bens ao imedi-ato sucessor ou herdeiro, logo que o possuidor fossepreso: fazendo-se logo dantes inventrio deles peloJuiz ordinrio, para entrar de posse o imediato suces-

    sor, ou herdeiro.

    Que no haveria Autos da f pblicos nem parti-culares, e muito menos que se no imprimissem Lis-tas dos que saem nas Inquisies. Que somente oTribunal do Santo Ofcio teria cuidado de indicar osnomes daqueles que foram presos, e que saram pe-nitenciados pelo Santo Ofcio, aos Comissrios desteTribunal para poderem dar f quando lhes fosse re-querida.

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    Razes e autoridade para pro-

    var a necessidade destas Leis

    propostas e a sua utilidade

    notrio como os Captulos de Alemanha Catlicase conservam com a maior nobreza, e Fidalguia detodo aquele Imprio. Quem pretende entrar naque-les Cabidos faz provas de Nobreza de 16 geraes,no se fazendo caso algum nestas severas provas dosnomes injuriosos de Judeu, Mouro e Mulato.

    Quando um Nobre Alemo contrata um Casa-mento, a primeira coisa que pergunta, antes do dote, a Genealogia da pessoa que pretende, e se no aachou com os requisitos de poder entrar nos Captu-los, no se casa, porque considera que seus filhos, edescendentes ficaro excludos para sempre daqueles

    honrosos, e lucrativos benefcios.Se em Portugal houvesse (o que facilssimo, eseria mais til Repblica) em cada Casa da C-mara, um livro, de que tivesse cuidado o Escrivodela, no qual estivessem apontadas todas as famliasnobres de cada vila, e termo, divididas nas classes deFidalgo de Solar, Fidalgo Ttulo adquirido, de No-breza conhecida por tal, e que vive conforme as Leisda Nobreza, tendo cuidado de indicar e assentar osfilhos actuais, e que lhe nasceram, e seus descenden-tes. E que somente com a Certido do Escrivo daCmara pudessem ter a qualificao para possuiremos Cargos Especificados no n.o36.

    Deste modo a Nobreza portuguesa se conservariacom lustre, como se conserva a Alem Catlica, pos-suindo os Cargos do Reino somente; quando hoje omais nfimo plebeu com as suas inquiries os pos-sui, como o mais qualificado Fidalgo. Teria entoa Nobreza mais cuidado de misturar-se com sangueque no fosse obstculo aos seus descendentes, parapossuir os Cargos da Igreja e do Estado.

    As objeces ao No37, que faro os Procos, etodo o bom portugus, so as seguintes: Se se notirarem as inquiries para entrar no Estado Eclesis-tico, todos seremos Judeus com o tempo; os Cristosnovos podero ser Clrigos e Frades, e as filhas frei-ras: podero ser Escrives e Tabelies. Teremos em

    cada freguesia um Rabino, em lugar de um Proco;em cada Convento uma Sinagoga, e no haver lugarsanto, onde nos possamos Confessar, e ouvir pregar oSanto Evangelho. Abrir-se- a porta a esta gente mal-vada, para administrar os Santos Sacramentos, com oCheiro do Sambenito, que traziam seus Pais. Quandoeles virem nas Parquias os retratos de seus Avsqueimados, como no ho-de vingar-se e enganar-nos, e dar-nos os Santos Sacramentos falsamente?Tero ento a liberdade de envenenarem as Santas

    partculas, as fontes, os Rios, como consta das His-trias que j fizeram.

    Ainda que o Povo no se governa pela razo, con-tudo faremos dela caso, mas principalmente da auto-

    ridade que o poder adequado, a quem deve obede-cer.

    No ficava a porta aberta ao Judasmo, nem apostasia, no se tirando as Inquiries, se se obser-vasse inviolavelmente o ser obrigatrio todo aqueleque quisesse ser Eclesistico ter certido do Proco, edo Comissrio do Santo Ofcio, como fica dito No37.

    notrio que em Itlia e toda a Frana no hsemelhante Lei, nem Costume de tirar as Inquiri-es, no obstante que os Judeus foram obrigados abaptizar-se no tempo de Felipe Augusto, ano 1180,como tambm no de S. Luis. Em Npoles sucedeuo mesmo pelos anos de 1386, quando reinavam osReis Ladislau, e Carlos 3o, e no se ouviu mais queda sua descendncia ficasse o mnimo indcio de Ju-dasmo; sendo a Causa, que como se no tirasseminquiries, nem houvesse Inquisio naqueles Rei-nos, se confundiram com os naturais.

    To sacrlego , e digno do mais horrendo castigo,que um X. N. admitido ao Sacerdcio conservasse naalma o Judasmo, como se o filho de um herege comOrdens Sacras cresse nos erros de seu Pai. Digam-me agora porque causa se permitem as ordens Sagra-das, e nos Conventos os filhos dos Irlandeses, Fran-ceses, Alemes nascidos em Portugal? Quando todossabem que estes Reinos esto infectados pela maiorparte com as heresias de Lutero, Calvino: Digam-

    me com que razo podero provar estes filhos destesEstrangeiros que no descendem de hereges, comodescendia o Inquisidor Geral Nitard, e Cardeal tam-bm no tempo de Carlos 2oem Castela? Pois se aosEstrangeiros; de quem no estamos certos que seusAvs foram hereges se lhes permite serem frades eClrigos, e ainda permitir-lhe, honras que pode as-pirar um Fidalgo, como teve e tem a famlia de Ran-gel, Burete, Cotrin, e outras; porque se h-de negar aum X. N. que vive e viveram seus Pais depois de 250anos como verdadeiros Cristos, se constar assim dasCertides do Proco e do Comissrio do Santo Of-cio?

    Bem diferentemente pensava nesta matria oGrande Afonso de Albuquerque, de quem Barros1

    diz que fez casar muitos portugueses em Goa comGentias, e que assistia, e fazia mesmo os Casamen-tos, no com a inteno s de dar sbditos ao Estado,mas fiis Igreja; e Deus abendioou to excelentee louvvel zelo, porque Diogo do Couto2 relata queno ano 1580, setenta anos depois, se acharam trinta

    1Decad. 2a2Decad. 8a

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    Aldeias povoadas com vinte freguesias de bons Ca-tlicos.

    Deste modo misturando aqueles que so suspeitosna F, com os verdadeiros fiis sem distino, nem

    desonra, nem presuno, todos com o tempo viroa ser Cristos, em lugar de se aumentar o Judasmo,para cuja expulso em vo se introduziram as Inqui-ries e a Inquisio, como nos ensina desgraada-mente a experincia.

    Se os X. N.oho-de ser privados para sempre dosprivilgios de Portugueses, ou a causa est no Sangueou no so sbditos do Reino: que sejam indignospelo sangue ignorncia, e cegueira de quem o afir-mar. Os Santos Apstolos, e todos os Santos Padresda primitiva Igreja foram todos Judeus. Se hoje hX. N.s que vivem na Crena Judaica, a educao acausa, e no o Sangue, porque todo vermelho; pois

    os filhos dos Judeus at idade de 14 anos que El ReiD. Manuel mandou baptizar, e que mandou criar nasIlhas, e em Alfama todos vieram to bons Cristosque jamais deles se ouviu que sasse um penitenci-ado pela Inquisio; confundiram-se estes meninos erapazes, porque naquele tempo no havia ainda nemInquiries, nem Inquisio.

    No necessrio provar que os X. N.s so sbdi-tos de Portugal, quando clarssimo que depois de250 anos vivem conforme as Leis do Reino pagandoos tributos e taxas, no vivendo como ciganos, ou embandos de ladres; vivem somente com o seu traba-lho e agncia, e pode ser com utilidade de Portugal.

    Quem poder duvidar que depois de El Rei D. Di-

    nis at o ano de 1603, que no estava determinadopor Lei o tirarem-se Inquiries? Quem poder du-vidar que naquele tempo se converteram muitos Ju-deus f de Cristo, e que eram os seus descendentesadmitidos ao Estado Eclesistico. As nossas hist-rias fazem f disto, e o temos nas Ordenaes Livro5opublicadas na ano de 1603, e confirmadas pelo Sr.D. Joo o 4ono ano de 1643.

    Em Castela houve muitas converses foradas deJudeus como se l nas partidas de El Rei D. Afonsoo Sbio, e at o tempo de Carlos 5ono foi costumetirarem-se Inquiries naqueles Reinos; e certo quenem em Portugal, nem em Castela, no se ouviu que

    dos novamente convertidos Lei de Cristo aposta-tassem naqueles tempos to frequentemente, comohoje os Cristos Novos, at que se introduziram asInquiries, e Inquisies, costume que escandalizoutanto alguns Prelados benemritos de Castela, queab-rogaram dos seus Cabides todo aquele formul-rio, o que se pudera mostrar aqui se fosse necessrio,e pertencesse a este papel.

    Pois se naqueles tempos no se infestou Portu-gal com os Judeus que se converteram por tantos

    anos, como temem agora serem infestados com qua-tro Cristos novos? E principalmente quando s aNobreza pode possuir os Cargos do Reino, e que osda Plebe para entrar no Estado Eclesistico tenham

    as Certides do Proco, e do Comissrio do SantoOfcio. Vemos todos os dias a raa de negro e mulatoextinguir-se em quatro geraes, e no fim delas todosvm a ser Portugueses: somente esta miservel raade X. N. h-de ser eterna pelo costume das Inqui-ries! H-de ser tambm a Crena judaica eternapelas leis de Portugal! Olhem aqueles a quem per-tence que conta daro a Deus de eternizarem a inf-mia com o judasmo em todo o Reino, e no seio daIgreja! Faa-se, pelo amor de Deus, do mesmo modocom os X. N.s, como se faz com os negros, e comos Irlandeses, e mais Estrangeiros ao menos; faa-seque em trs, ou quatro geraes, se acabem os Judeuse o Judasmo.

    A resposta ao No39. certamente parece mais dif-cil contra o costume daquele tribunal: mas como esteprocura somente a utilidade das almas e extinguir oJudasmo, e tenha experimentado pelo espao dila-tado de 200 anos, que foi intil o mtodo at agora;cr-se piamente, que ou h-de condescender ao m-todo proposto No39, ou seguir outro que remedeieaos males que experimentou, e experimenta a Igreja,e o Estado.

    Quando a Inquisio se introduziu em Castela, re-fere Mariana, que se julgou necessrio no seguir odireito Civil, nem Cannico na averiguao das tes-temunhas. Do mesmo mtodo usou o Cardeal Hen-

    rique, sendo Inquisidor-Geral, quando fez as Leis, eDirectrio, pelo qual se governam as Inquisies dePortugal. Talvez se fundou no Captulo De Hreti-cis fine 6odo Direito Cannico, onde se diz, que nesteCrime no houvesse o mesmo modo de processar quenos outros.

    As dificuldades que se oporiam Lei proposta se-riam as seguintes: Deste modo todos os X. N.s po-deriam viver na Cegueira judaica sem recearem cas-tigo, exercitando exteriormente a Religio Catlica,e guardando o Judasmo dentro da alma; o que po-deriam propagar to facilmente entre os seus descen-dentes, que no temeriam interrupo sua crena.

    Ao que se responde com a consulta que se fez noDesembargo do Pao a 2 de Junho de 1671, sobre osmeios que parecero convenientes para se extinguiro Judasmo, oferecida ao Prncipe D. Pedro, sobre aproposta que os Trs Estados do Reino Propuseramem Cortes de 1668, e foram as seguintes:

    1. Que os Cristos novos no pudessem ter ofciosde Justia, honras, Dignidades.

    2. Que no pudessem casar com Crists velhas.

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    3. Que fossem expulsos do Reino todos os quesassem penitenciados pelo Santo Ofcio; e sed a razo naquele memorvel memorial:

    assim:A razo porque se julga por mais eficaz este meio

    de expulso, porque esta gente no atende a maisque temporalidade e convenincias de seus interes-ses sendo to grandes os que tm em Portugal quecom o temor de os perderem se abstero de ensina-rem seus filhos, e quando assim no suceda, e lhe ser-vir (como se considera) para viverem com tanto maisrecato que seja deficultoso confessarem o Crime comdificuldade de descobrir-se; se responde que no infalvel que assim seja, antes se deve esperar dagrandssima vigilncia dos Ministros do Santo Ofciomaldade e dio, que os mesmos Judeus por Divina

    Providncia entre si tm que se descubram como an-tes; e dado que assim seja, e que no confessem tofacilmente, sempre se consegue a maior utilidade doque dos meios que facilitam a confisso, porque en-quanto no confessam que so Judeus, e vivem comoCatlicos, s a Deus pertence o Castigo, porque spara si reserva conhecer as Conscincias, e os Cora-es, e o no deixou Igreja, que por isso no julgaos interiores, cessa o escndalo de os ver confessar, esem Castigo, e se diminuir a extenso do Judasmo,que causa a multiplicao dos autos da F.

    Dos ltimos perodos desta Consulta, v-se clara-mente, que nenhum Mtodo mais eficaz para aca-bar o Judasmo do que o proposto No37: que nin-

    gum fosse preso pelo Santo Ofcio somente pelastestemunhas que delatam no Tribunal, sem prvia in-quirio feita pelo Comissrio do Santo Ofcio e doProco. Este mtodo uma vez sabido, e declarado,seria o maior freio de judaizarem os X. N.s, ou en-sinarem a sua Lei. E demais no seriam obrigadosensinar seus filhos, como processa a Inquisio (ori-gem de todo o judasmo de Portugal) e no caso queguardassem o judasmo no Corao, e viverem no ex-terior como Catlicos: Somente a Deus pertence ocastigo, porque s para si reserva conhecer as Cons-

    cincias, e os Coraes, e o no deixou Igreja, que

    por isso no julga interiores como diz a Consulta

    acima.o Directrio dos Inquisidores do R. P. NicolauEmerico impresso em Roma 1578, in folio Part. ter-tia no79 pag. 287 diz que no caso que algum fordelatado ao Santo Ofcio, ou houver rumor dele queno vive como Catlico: faciet citari testes, & ma-xime ipsi delato familiares, & banos, et fidei zelato-res, de quibus prsumat, quod favore delati non pe-jorabunt, & inquiret cum eis medio juramento, nonde fama, sed de re ipsa, praesentibus notariis, & dua-

    bus personis, religiosis, vel honestis, & continuabiturprocessus.

    Daqui se colige claramente que no novo, nemextraordinrio que a Inquisio no mande prenderaos denunciados sem prvia inquirio de vita et mo-ribus do denunciado. No insisto neste modo de pro-cessar, que aconselha, e ordena o dito Autor, porquea Inquisio de Portugal no obrigada a seguir Leisde outra alguma: quis somente pr diante dos olhos,o que em Itlia se pratica neste caso.

    Demais disto peo do ntimo do Corao que pen-sem os verdadeiros Cristos, e aqueles a quem per-tence cuidar na Salvao das almas, os males que seseguiram depois de 200 anos, pelo mtodo que to-mou a Inquisio de proceder com os culpados, pren-dendo pela denunciao simples dos Apresentados,e dos presos; quantas almas se perderam e que po-

    dendo talvez morrer na f de Cristo, se condenarammorrendo, ou na Cegueira judaica, ou na desespera-o? Quantos sbditos perdeu o Reino, que tinham oComrcio inteiro dele depois dEl Rei D. Sebastioat o tempo dEl Rei D. Joo IV? Quanta foi a deso-lao das Provncias de Trs-os-Montes e da Beira,onde tantas fbricas de seda, panos, baetas, estame-nhas, e sola correram a mesma fortuna? Quanto pro-veito tiraram as famlias de Portugal, mais distintas,da existncia destas famlias, a quem arrendavam assuas comendas, e morgados? Vejam se tm o mesmocomdo com os mercadores Estrangeiros que so osnicos que traficam em Portugal, os quais como to-

    dos sabem tanto que enriquecem retiram-se s suasPtrias, ficando em Portugal os seus Caixeiros, e Co-missrios, at fazerem a mesma retirada.

    As objeces ao no38 que todo aquele X. N. quese fosse apresentar, que seria imediatamente reco-lhido no Santo Ofcio, logo que comeasse a denun-ciar cmplices da mesma culpa de que se acusa: se-riam que deste modo se fecharia a porta ao arrepen-dimento, e que nenhum X. N. que houvesse cado nacegueira judaica se atreveria a confessar, e que ficariaimpenitente, privado de todo o remdio da Salvao.

    Ao que fcil responder; Se viesse a conheci-mento dos X. N.s que as apresentaes eram s um

    remdio espiritual e no para salvar a honra e a fa-zenda estou certo que aquele que fosse verdadeira-mente contrito e arrependido, que faria a sua confis-so sem nomear, nem denunciar outras testemunhas,que estivessem presas, ou livres, se no tivesse comelas judiado. Mas saibam todos os que lerem este pa-pel, e tambm o Santo Ofcio (que estou certo que osabe), saiba o Desembargo do Pao, mantedor e De-clarador das Leis do Reino, que todos os X. N. s quese apresentam, que no com outro intento, que sal-

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    var seus bens, e evitarem ser presos, e jamais de searrependerem pelo rigor desta confisso.

    Por esta razo tambm fundada, todos os que seapresentam, logo que comeassem a denunciar ou-

    tros X. N.s, deviam ser presos, porque evidente queeles no se apresentam estimulados de suas consci-ncias; no se acusaram logo depois que pecaram,porque passam dez, e vinte anos antes que se apre-sentem; e somente quando vem, ou ouvem que seprendeu pela Inquisio algum seu conhecido, ou pa-rente. Pois como possvel que o Tribunal do SantoOfcio a quem est encarregada a Salvao das al-mas, deixe em liberdade, e sem castigo, e com seusbens a um Apstata, que faz ainda a sua confissodissimulada?

    Quando os penitenciados saem da Inquisio, fi-cam detidos nas Escolas delas, para serem instrudos

    na doutrina Crist, como se fossem negros buesconvertidos, e baptizados h poucos dias: somenteo que faltava para aumentar o nmero dos X. N.s eCegueira judaica. Como naquele lugar todos so uns,pelo Sangue, Estado e Condio, todos se conhecemmutuamente, todos falam e se contam do que pas-saram l dentro da Inquisio, apesar de trinta miljuramentos que deram aos Santos Evangelhos, queguardariam segredo. Venceram esta barreira e pas-sam a mil outras, para cair no precipcio do judasmoem Portugal, ou fora dele.

    Este mtodo com a sua origem, que so os Autosda F, deviam ser abolidos. Tanto que os penitencia-dos pelo Santo Ofcio sassem dos Crceres dele, era

    necessrio mand-los a uma priso do Reino, paraque dali fossem desterrados para as Colnias de Ul-tramar. Seria necessrio espalh-los, e mandar umpara cada terra, desse modo se confundiriam comos Escravos, e alguns Portugueses que nelas vivem.Deste modo no perderia o Estado um Sbdito; estepenitenciado no ensinaria a seus parentes chegadoso mtodo de como processa a Inquisio. (repitoagora e mil vezes ser esta a origem de todo o Ju-dasmo de Portugal). A experincia tem mostradoa Portugal que os penitenciados, tanto que podem,e tm com qu, buscam outros Reinos aonde vivamem liberdade: e quem os acusar? Quando certo

    que vivem no perigo eminente de serem queimados.Concedeu El Rei D. Joo IV por Decreto que osbens dos penitenciados no fossem confiscados: notempo da Regncia de D. Afonso VI, revogou-se estaLei com a aprovao universal de todos os Trs Esta-dos: certo que pelas Leis do Reino os que incorremno crime de Lesa-Majestade, e no de Apostasia, de-vem os seus bens ser confiscados.

    A Repblica de Veneza decretou nesta matria toprudentemente, como costuma, determinando no Ca-

    ptulo 27, que um dos 39, pelos quais se governaaquela Inquisio da sua Repblica, o seguinte tradu-zido do Italiano: Os bens daqueles que sero Con-denados pela Inquisio, por causa de heresia, no

    lhe sero confiscados, mas passaro a seus filhos, eoutros herdeiros Legtimos, com ordem expressa que

    os condenados, ou penitenciados, no tenham nem

    fiquem com parte alguma deles. Assim foi determi-nado no Conselho dos Dez a 5 de Novembro de 1568.

    Deste modo, o no42 que se pode pr em prtica,satisfazendo a Lei do Reino, e ao proveito do Estado,principalmente, quando h exemplo em Portugal: Oinvictssimo Monarca D. Joo o 5ono ano 1728, or-denou que os Engenhos de aucar, no Rio de Janeiro,no fossem confiscados; mas que passassem ao ime-diato herdeiro, no caso que o possuidor incorresse nocrime de confiscao. Foi a causa desta lei a runa

    dos Engenhos daqueles Estados, como tambm doComrcio; porque comeando ali as prises pela In-quisio desde o ano 1708, e confiscando-se os bensdos presos, perderam-se os seus bens, e tambm osaucares, que faltavam para carregar os navios.

    No somente os Portugueses, mas ainda todos osEstrangeiros que comerceiam em Portugal, sabemque os bens dos presos devem e so confiscados; da-qui sucede, que os menos acautelados no queremter contas com os X. N.s e tambm com os Cristosvelhos: Os Estrangeiros no mandam em comiso fa-zenda alguma aos Portugueses, no s por esta causa,mas tambm por haver tantos da sua nao, a quemremetem as comisses. Estes Comissrios, e Caixei-

    ros Estrangeiros, depois que enriquecem, o que pra-ticam, como vemos cada dia, retirarem-se, e man-darem outros em seu lugar. E no bastante dizerque estes teriam recurso, se as suas dvidas fossemconfiscadas, porque poderiam hav-las do poder dofisco: Quem querer, porm, ter dois ou trs anosdemanda com o Fisco, para alcanar o que seu?

    Pode ser que haja quem faa insuperveis difi-culdades a esta proposta, dizendo que seno hou-ver Confiscaes no poder o Santo Ofcio deter ospresos nos Crceres, por falta de meios para o seusustento. Mas quando quiserem considerar os meiospropostos neste papel, vero evidentemente que den-

    tro de um ano no se prendero dois Cristos velhosou novos em Portugal, e sem que temo sirva de dano F, ou ao Reino.

    Somente aqueles que saram fora de Portugal, eque viajaram pela Frana, Alemanha e Itlia, sabema opinio que tm estas Naes dos Portugueses; comum voz naqueles Reinos que todos so Judeus; epara que um portugus no passe por tal, entre eles necessrio levar um hbito ao peito, ou ser das pri-meiras famlias do Reino; e s vezes no basta tudo

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    Cristos Novos e Cristos Velhos em Portugal 13

    isto, porque prevalece a fama mais qualificada des-cendncia.

    J ficou acima dito o efeito que fazem as Listasdo Auto da F em todo o Reino e em todas as Co-lnias; agora mostrarei aquele que fazem nos ReinosEstrangeiros. Quando se fazem os Autos da F, comose fazem com tanta celebridade acode todo o Por-tugus Cristo velho e tambm todo o Estrangeiro;Como em Lisboa h inmeros, ali ouvem as culpasdos Judeus, e como so ali tratados. Vem os Au-tos da F to repetidas vezes e to frequente o Crimede Judasmo, que se persuadem que em Portugal to-dos so Judeus. Imprimem-se na Gazeta de Lxa., deLondres, de Amsterdo, e de toda a Itlia e Alema-nha estas notcias repetidas, e como os Estrangeirosno tm individual conhecimento de Cristo novo eCristo velho, tm para si que em Portugal h tantos

    judeus como habitantes.Desta causa que so estas listas vem to ignomini-

    osa fama a todo o Portugus fora da sua Ptria, e porconsequncia a todo o Reino, que deve ser sensvelna verdade. Todos sabem que em Itlia as suas In-quisies no celebram Autos da F, ainda que delassaiam muitos penitenciados. Houveram muitos He-reziarcas em todos os tempos, e nos nossos, Deoda-tiokino, Blandata, Socino, com os seus sequazes, e,portanto, jamais entre os Italianos passaram por He-rejes; mas a causa porque o Povo no tem aquelesalegres dos Autos da F, como tem o de Portugal.Os Estrangeiros no lem nas Gazetas a Relao dos

    penitenciados da Inquisio de Roma, nem da de Bo-lonha, deste modo conservam o nome de bons Cris-tos, ainda que entre eles houvesse grande nmerode hereges.

    Tenho mostrado a origem dos Cristos novos ea causa da sua continuao e do Judasmo: propuzo remdio a tantos males em oito Leis ou Estatu-tos; Seno fosse notrio o poder, e autoridade quetem El Rei nesta matria, que pode determinar nelatudo o que for til, e conveniente ao Estado, e ao au-mento da Religio, sem intervir nela a autoridade doSumo Pontfice o demonstraria com provas irrefra-gveis. Mas suprfluo, porque a mesma Inquisio

    na resposta que deu a Sua Alteza o Prncipe D. Pe-dro, no ano de 1673, quando os Cristos novos pre-tendiam um perdo geral do Papa, diz assim ...pro-pem (os X. N.s) a V. Alteza este negcio para que

    o no contradiga, ou autorize com o Sumo Pontfice,

    mas quando S. Santidade mal informado o queira fa-

    zer, V. Alteza licitamente o h-de impedir, porque no

    tempo presente o perdo das culpas contra a con-

    servao do Reino, contra o Real crdito de V. Al-

    teza, e no devem os Prncipes concorrer no servio

    de Deus, em prejuzo da Repblica, e no descrdito

    da sua opinio. notrio tambm, que a Inquisio de Portugal

    depende totalmente dEl Rei; porque ele nomeia o

    Inquisidor Geral, e os Inquisidores e as Leis pelasquais se governa a dita Inquisio no foram insti-tudas pela Corte de Roma nem ela lhe d conta doseu proceder, nem relao, como fazem as Inquisi-es de Itlia. A Inquisio de Portugal um ramodo poder Real expresso nas Ordenaes do ReinoLo5otto1ono4o, aonde se l: Porm se algum Cris-to leigo, quer antes fosse Judeu, ou Mouro, quer

    nascesse Cristo, se tornar Judeu, Mouro, ou a outra

    seita, e assim lhe for provado, ns tomaremos conhe-

    cimento dele e lhe daremos a pena segundo direito;

    porque a Igreja no tem aqui que conhecer se erra

    na F, ou no; e se tal caso for, e que ele se torne

    a f, a fica oos Juizes Eclesisticos darem-lhe suaspenitncias espirituais.

    Daqui se v evidentemente, que a Inquisio foiautorizada pelos Reis de Portugal a julgar as causasde Apostasia, tirando este poder dos Juzes secula-res; de tal modo que estes no poderiam executar osrelaxados sem que os Juzes Eclesisticos lhos envi-assem com os seus processos, como se l nas Orde-naes, Lo5o, tto1o: O conhecimento do crime deheresia pertence principalmente aos Juzes Eclesis-

    ticos; e porque eles no podem fazer as execues

    nos condenados no dito crime por serem de Sangue,

    quando condenarem alguns herejes, os devem reme-

    ter a Ns com as sentenas que contra eles derem

    para os nossos Desembargadores as verem. Aindaque hoje so executados os relaxados pela sentenada Relao sem vista de processos; por especialDecreto dos Reis em favor da Inquisio.

    Em todos os tempos depois que a Inquisio foiestabelecida em Portugal, sempre os seus Reis con-servaram a Suprema autoridade nela. Assim usou ElRei D. Joo o 3o, que se ops ao Nncio, que envi-ava o Papa Paulo 3opara conhecer do procedimentoda Inquisio de Portugal, obrigando-o a deter-seem Castela, com declarao que no passasse adi-ante. Recusou o mesmo Rei mandar os processos aRoma que pediam os P.as Paulo 3oe Pio 5o, e acabou-

    se esta contenda somente pela autoridade Real. Domesmo modo sucedeu no tempo do Prncipe D. Pe-dro, quando o Papa Inocncio XI insistia que viessemos processos da Inquisio a Roma, para julgar o queintentaram os X. N.s contra o processar da Inquisi-o; e ainda que por ltimo foram mandados quatro Curia Romana, sempre prevaleceu o poder Real; por-que o seu Embaixador D. Luis de Sousa tudo dispsconforme a vontade, e poder do Prncipe; porque naCarta, que escreveu ao Inquisidor Geral a 16 de Se-

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    tembro de 1679, diz: Se eu mostrasse o processoque recebi ao Papa, mais serviria de embarao que

    de remdio; os que pedi espero que estejam j em ca-

    minho... e em chegando escolherei aqui o mais til

    conforme as circunstncias. E na carta que escre-veu ao Secretrio de Estado com data de 29 de Ou-tubro de 1679, diz que recebera os processos e que:Amanh comearei a v-los, e o que for mais conve-niente farei trasladar, e traduzir com toda a possvel

    pressa.

    Por onde se v, que quando o Sumo Pontfice in-tentou mudar, ou obrigar a Inquisio de Portugal,que jamais prevaleceu o seu poder, e que as resolu-es nesta matria sempre foram conformes ao queEl Rei ordenou e determinou.

    vista da perda de tantas almas, que perde aIgreja, baptizadas e criadas entre Cristos; vista

    da perda to considervel para o Estado e das rique-zas dele, que fiel patriota no ter uma firme e cons-tante esperana, que El Rei nico Senhor e Pai doseu Povo no queira dar remdio a esta desordem? Apiedade, e Santo zelo, dos Invictssimos Reis de Por-tugal, obrigou e obriga ainda custa de mil perigos etrabalhos plantar e aumentar a Religio Catlica nasquatro partes do mundo; Convertem-se os Idlatrasmais brbaros, as Naes mais remotas, e at agorano se deu mtodo eficaz fundado no amor e Cari-dade Evanglica para se salvarem aqueles miserveisX. N.s que nascem em Portugal!

    No pretendo que as Leis propostas acima sejam

    adequadas para se acabar o Judasmo, e a distinode X. N., e X. velho; atrevi-me a prop-las para se-rem motivo a quem conhece cuidar no bem Espiri-tual, e temporal do Reino, a decretar as mais conve-nientes e eficazes para remediar tanta calamidade.

    Pertence principalmente esta matria, a quem qui-ser ver o Estado firme pela unio; e poderoso; erico pelo nmero dos sbditos, e do seu trabalho:para adquirir estes bens, que so os fundamentais dosperenes estados, h-de-se fazer tudo, porque paraconserv-lo e aument-lo; e como no h unio dossbditos, nem fidelidade de vassalos, sem a obser-vncia; da Sagrada. Religio, com maior observn-

    cia se h-de cuidar, em que todos sigam esta invio-lvel regra: Parece que a matria tratada neste papelno devia ser julgada simplesmente pelos SagradosCnones, pois como ela poltica, as Leis do Reinoe as suas mximas, haviam somente de determinaro que se devia seguir. O zelo mal entendido de Fe-lipe 3ode Castela, e do Bispo de Saltzburg nos nos-sos tempos foi acusado por todos os Polticos Cris-tos, quando o primeiro expulsou 600 mil famliasde mouros, ficando desertas muitas Provncias da-

    quele Reino; e o segundo igualmente quando expul-sou trinta mil famlias de hereges.

    Louvaram todos, e mesmo os Catlicos a Felipe2ode no expulsar os sbditos que seu filho perdeu,

    apesar das instncias que lhe faziam os seus Con-selheiros, considerando como Religioso e Prudente,que se perderia o Estado, e que a Religio perderiasem remisso, para sempre, aquelas almas, e seusdescendentes.

    Paris, 8 de Novembro de 1748.Philopater.