"crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - theotonio dos santos

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE ECONOMIA GREMIMT Grupo de Estudo sobre Economia Mundial, Integração Regional & Mercado de Trabalho “Crises Econômicas e Ondas Longas na Economia Mundial” THEOTÔNIO DOS SANTOS RUA TIRADENTES, 17 - INGÁ, NITERÓI / RJ TEL.: (021) 717-1235 FAX: (021) 719-3286

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crises econômicas e ondas longas da economia mundial

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Page 1: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE ECONOMIA

GREMIMTGrupo de Estudo sobre Economia

Mundial, Integração Regional &

Mercado de Trabalho

“Crises Econômicas eOndas Longas na

Economia Mundial”

THEOTÔNIO DOS SANTOS

Textos para discussãoSérie 1 – Nº 5, 2002

Este texto é encontrado também no site da Cátedra e Rede UNESCO – UNU sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável – www.reggen.org.br

RUA TIRADENTES, 17 - INGÁ, NITERÓI / RJTEL.: (021) 717-1235FAX: (021) 719-3286

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TEXTOS PARA DISCUSSÃO

A S C R ISE S E C O N ÔM IC A S

Entre os temas que preocupam o mundo contemporâneo desde o século XIX,

dos formuladores de política aos analistas econômicos, está a questão do ciclo econômico, das

flutuações econômicas e das crises econômicas que se manifestam em períodos mais ou menos

sucessivos e identificáveis nas economias nacionais e na economia mundial, seja nos países

mais desenvolvidos ou seja no conjunto da economia mundial. Na medida em que a economia

neoclássica se orientou para a preocupação com o equilíbrio geral, a flutuação econômica

passava a ser uma anormalidade, conseqüência de alguma forma de rompimento desse

equilíbrio que só pode encontrar sua explicação em fatores externos aos fenômenos econômicos

analisados pela teoria. Não se pode afirmar, então, que exista uma teoria do ciclo econômico

produzida pela economia neoclássica, na medida em que as flutuações econômicas seriam

explicadas por fenômenos externos ao modelo econômico e, portanto, relativamente aleatórios.

Alguns economistas se dedicaram, contudo, a análise dos ciclos ou flutuações dos negócios, na

medida em que era impossível negar sua existência que, como dissemos, é uma parte muito

central da vida econômica contemporânea.

A teoria keynesiana surgiu após um período longo de estagnação, voltando-se

para a difícil tarefa de formular políticas capazes de impedir essa estagnação e retomar o

crescimento da economia, ou, mais especificamente, o pleno emprego, grande inquietação da

Humanidade naquele momento. Daí que grande parte das preocupações keynesianas, e

sobretudo pós-keynesianas, estivessem ligadas ao conceito do crescimento econômico, à busca

de explicações dos mecanismos do crescimento, cuja expressão mais bem-sucedida talvez esteja

no fenômeno do multiplicador. Não há propriamente, do ponto de vista keynesiano, uma visão

de ciclo econômico, mas predominantemente uma percepção aguda do fenômeno da estagnação

e da necessidade de combatê-la através da intervenção do Estado, que assume um caráter anti-

cíclico. Em seguida vêm as preocupações com o crescimento econômico e os possíveis

desequilíbrios que ele possa manifestar, enfatizando-se outra vez o papel da intervenção estatal

para regulá-lo e viabilizá-lo.

Devemos, contudo, constatar que a teoria da crise econômica e do ciclo

econômico tem sua origem basicamente no pensamento marxista, passando por influências

muito decisivas de historiadores econômicos que foram focalizando o fenômeno e buscando

explicações para eles. Na verdade, a questão da crise e do ciclo econômico passou a ser

fundamental para o pensamento marxista. Também o foi para alguns teóricos que seguiram um

caminho mais próximo da história e dos fatos econômicos, como este conjunto de economistas

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TEXTOS PARA DISCUSSÃO

que ficariam conhecidos como a Escola do Pensamento Institucional, e que tem em Schumpeter

sua principal figura.

Nosso objetivo neste capítulo será o de analisar a questão dos ciclos e das crises

econômicas, com uma ênfase particular nos ciclos longos. Estes devem ser analisados a nível

internacional, na medida em que eles se manifestam em conjuntos de países, permitindo

inclusive propor um mapeamento da sua trajetória a nível planetário. Neste sentido, a análise

dos ciclos ou ondas longas ultrapassa o marco nacional no qual os próprios teóricos marxistas

tinham situado as oscilações do ciclo econômico e a problemática da crise econômica.

Caminhamos, assim, de maneira decidida para incorporar esta dimensão nova

que vem se consolidando na análise dos fenômenos sociais, particularmente desde a década de

70 quando foi retomada a teoria das ondas longas, seja sob o ponto de vista da análise empírica,

da história econômica, ou seja sob o ponto de vista da análise teórica.

A questão das ondas longas se articula com uma visão mais global do

funcionamento da economia mundial. Na sucessão dessas ondas longas identifica-se cada vez

mais os períodos de retomada e crescimento econômico como períodos de incorporação maciça

de inovações tecnológicas, em geral, introduzidas no período de depressão e de recuperação, e

que se encontram em fase de difusão e expansão no período do crescimento. As teorias dos

ciclos econômicos longos ou ondas longas nos mostra que há mudanças estruturais no final de

cada ciclo longo, dando às crises dessa fase final um caráter estrutural, que as vinculam também

com a introdução de novos paradigmas tecnológicos que se identificam não somente pela

predominância de novos setores e ramos de produção dentro da economia, como também por

mudanças no próprio processo de trabalho, no próprio sistema de produção.

Vejamos, portanto, como se colocam essas questões tanto do ponto de vista

teórico como histórico que se faz necessário para testar o aparelho conceitual desenvolvido em

torno das flutuações econômicas seculares na análise concreta da história econômica

contemporânea e moderna.

T E OR IA D AS C R ISE S E C O N ÔM IC A S

Um primeiro tema a tratar é a diferença entre os ciclos e as crises econômicas.

As crises econômicas se referem a períodos de baixa da produção, aumento de desemprego e

queda dos negócios em geral. Elas foram detectadas desde a antiguidade e foram objeto de

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TEXTOS PARA DISCUSSÃO

muitas interpretações. Os ciclos econômicos supõem uma observação sucessiva de situações de

crises alternadas com situações de crescimento e auge das atividades econômicas. O conceito de

ciclo econômico está associado a uma certa regularidade e freqüência das oscilações entre os

períodos alternados de crescimento e descenso.

Apesar do tema ter sido objeto de muitas referência históricas poderíamos dizer

que a primeira tentativa de uma análise sistemática do mesmo do ponto de vista econômico

tenha sido realizada por Jean de Sismondi, um economista suíço que identificou, em 1919, o

fenômeno das crises econômicas, chegando a concebê-las como "uma sucessão de círculos". Na

sua obra Novos Princípio da Economia Política ele identifica a idéia de crise econômica com o

rompimento das proporções necessárias para a circulação da produção, da renda e do consumo.

Como este depende dos salários dos trabalhadores, que tendem a ser reduzidos pelos capitalistas

ou simplesmente podem desaparecer devido ao desemprego, encontramos aí uma razão

permanente para a criação de desproporções entre os elementos chaves da circulação

econômica, o que conduz à crise sob a forma da superprodução. Daí sua conclusão de que

"somente o crescimento do consumo pode prescindir o crescimento da reprodução" e que, por

sua vez, "o consumo não pode ser regulado senão pela renda dos consumidores". Mas, apesar

de encontrar a causa das crises ele não tenta explicar a regularidade das mesmas. Fica em aberto

a identificação do princípio regulador dos movimentos cíclicos.

Um novo passo para a compreensão destes fenômenos pode ser encontrado no

Manifesto Comunista de 1848, de autoria de Marx e Engels. Eles identificam a existência de

ciclos regulares de crescimento e crises alternadas a cada 4 anos. Porém, foi o economista

francês Clément Juglar (1819-1905) quem primeiro identificou as crises sucessivas ocorridas a

cada 10 anos, variando, contudo, entre 6 e 11 anos. Seu trabalho foi tão importante que no

futuro passou-se a identificar os ciclos de 10 anos com o seu nome: "ciclos Juglar".

Essas constatações empíricas a partir desses autores economistas e historiadores

não levavam necessariamente às causas das crises. Sismondi tentou uma primeira explicação

através de um esquema que partia das limitações da demanda por conseqüência da participação

inferior dos salários dentro da produção, que criaria um limite para a ela. Sismondi não via com

clareza o papel da acumulação dos gastos em investimentos, que supõem uma produção de

maquinárias e outros produtos que são consumidos pelo lucro quando ele é transformado em

investimento. Tampouco via que a outra parte do lucro, que não se transforma em investimento

e sim em consumo de luxo, pode gerar uma igualdade entre oferta e demanda. Mesmo que os

salários representem uma parte inferior no conjunto da renda nacional.

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TEXTOS PARA DISCUSSÃO

Contudo, quem vai incorporar a problemática da crise no interior do seu

sistema de pensamento será Marx. Isto justifica realizar uma revisão, ainda que geral, sobre o

enfoque marxista das crises econômicas, que conduzem inclusive à idéia dos ciclos e flutuações

econômicas mais ou menos permanentes, com a temporalidade que Marx constatou também em

torno dos 10 anos.

Marx foi o primeiro estudioso de economia que introduziu na visão econômica

o fenômeno da reprodução. Apesar da importância deste conceito, ele nunca foi assimilado por

autores estranhos ao marxismo, talvez porque supõe um pensamento dialético. Seu

funcionamento é o resultado da ação de setores econômicos diferenciados. Os agentes sociais,

por exemplo, diferenciam-se entre os proprietários dos meios de produção e os trabalhadores, e

se estabelece uma relação entre eles. No caso da economia capitalista, há uma relação definida

pelo salário, pela venda da força de trabalho. Nas economias pré-capitalistas, o proprietário da

terra estabelecerá também relações de produção com os camponeses - os produtores diretos. O

mesmo podendo ocorrer numa relação intersetorial, pois Marx fundamenta a possibilidade da

troca na existência de uma divisão de trabalho. Daí inclusive ele constatar que as primeiras

formas de intercâmbio se dão entre tribos que trocam seus excedentes entre elas.

Portanto, a própria noção do intercâmbio, a própria noção de uma produção que

se destina a setores distintos da população, supõe também que esses setores estão exercendo

atividades econômicas distintas e que há uma divisão de trabalho entre eles. A noção de

reprodução, então, é essencial para o funcionamento da economia, onde os seus agentes

acumulam quando há um excedente que pode ser investido. Esse processo produtivo é cíclico,

dependendo do sistema de produção e do produto mesmo. O produto agrícola é o caso típico de

ciclo que se reproduz da plantação e da colheita. A produção industrial também se faz

diariamente ou, conforme o tipo de produto, pode até supor um ciclo de mais de um ano para

produzir determinados produtos, sobretudo maquinárias.

Enquanto os ciclos naturais afetam tão decisivamente a economia agrícola, as

atividades manufatureiras estão submetidas a outros ciclos. A sua dependência das máquinas e

dos instrumentos de trabalho, por exemplo, submete-as aos ciclos de desgaste e desuso e à

necessidade de repô-las imediatamente para não deter o processo de produção. Marx o vê como

um processo em si mesmo, formado de ciclos de produção onde a noção de acumulação já se

coloca pois estes ciclos podem ser ampliados. Trata-se de uma noção absolutamente dinâmica

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TEXTOS PARA DISCUSSÃO

do processo produtivo que nada tem a ver com a visão de equilíbrio geral na qual esses ciclos

não são tomados em consideração.

Ao pensar o problema da reprodução e da circulação do capital, que se

apresenta sob várias formas dentro do processo de produção global, Marx já colocava o

problema dos ciclos e a questão mais específica da crise econômica. Para ele, a possibilidade da

crise surge com o aparecimento do dinheiro e do processo de circulação onde o produtor se

separa do consumidor. Em um certo momento pode haver uma interrupção no circuito

econômico, quando o consumidor deixa de comprar o produto do produtor. Cria-se então uma

situação de crise: um produto já produzido que não pode se realizar e que não trará a renda ao

produtor. Quanto mais esse produtor viver do mercado (ou seja, viver de produzir para que

outros comprem) mais ele será sensível à crise e à possibilidade da crise.

O esquema teórico de Marx, portanto, parte dessa noção de que o próprio

processo de circulação carrega dentro de si a possibilidade da crise, possibilidade que se fêz real

na história em várias circunstâncias. Mas o que nos interessa não é a possibilidade da crise em

geral (que existe em todo sistema mercantil), mas de um tipo de crise que se repete

sistematicamente e que está associada aos processos de produção, reprodução e de circulação.

Para que tal ocorra é necessário, contudo, que o capital seja já um elemento dominante e ocupe

o papel de organizador do processo produtivo. Já não se trata mais somente de um sistema do

capital mercantil ou financeiro. Trata-se do sistema de produção capitalista. A produção

capitalista significa que toda atividade econômica está submetida ao capital em suas diversas

formas (agrícola ou industrial, mercantil ou financeira, etc.). Caso qualquer uma delas sofra

uma paralisação, provocará a inviabilidade de circular a produção anteriormente realizada e uma

queda no processo de produção. O capital dinheiro tende a se converter em entesouramento; e

onde ele se converte em entesouramento, não se converte em capital produtivo. Daí inclusive a

importância do crédito no sistema capitalista: para permitir que o entesouramento não se

converta numa paralisia do processo produtivo no seu conjunto. O crédito permite que o seu

possuidor queira entesourá-lo. O capital produtivo pagará juros, ou seja, uma renda do capital

dinheiro.

Essa visão nos permite pensar o próprio movimento do capital como aquele que

traz no seu interior as possibilidades da crise. Ao nos aproximarmos para ver o movimento do

capital concluiremos que o problema da rotação do capital está associado à produção. Quando o

capital se liga ao sistema produtivo ele tem de seguir as regras e as leis da organização, do

trabalho, da tecnologia e do processo produtivo real. O tempo e o número de rotações do capital

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TEXTOS PARA DISCUSSÃO

vão depender do tipo de produto e da sua circulação como bem útil. Se ele vai diretamente ao

mercado e não consome capital fixo suas rotações serão imediatas. Enquanto o capital fixo tem

um processo de rotação de longo prazo, o capital circulante tem uma rotação de curto prazo.

Quanto mais a produção se aproxima do consumo final maior será a rotatividade do capital

circulante e, portanto, os ciclos de rotação serão muito mais rápidos e dependentes dos estoques

e de seu financiamento.

É evidente que nesses ciclos de rotação está permanentemente colocada a

possibilidade de uma deficiência de mercado que impeça a rotação do capital. Para que essa

rotação se dê, é preciso que se cumpra a passagem do capital produtivo ao capital mercantil, e

que se retome o dinheiro para iniciar uma nova produção e circulação. Estamos aqui diante do

problema dos estoques que, como vamos ver posteriormente, foi visto como uma das origens

dos ciclos de 3 a 5 anos, que foi descoberto posteriormente por autores que compreenderam a

importância da rotação e dos estoques dentro do processo de reprodução do sistema. Foi

Kitchin quem descobriu esse ciclo ligado à renovação dos estoques, com um ritmo de 3 a 5

anos que se apresenta quase sempre durante um longo período do funcionamento do sistema

capitalista.

Ao analisar a reprodução, Marx estabeleceu a relação entre ela e a circulação do

capital social global. Não se tratava simplesmente da reprodução de cada capital particular, mas

do conjunto do capital de uma nação, de uma unidade econômica determinada. O processo de

reprodução e a circulação do capital social global compõe-se de duas formas de reprodução: a

reprodução simples e a ampliada. A reprodução simples supõe que as partes que compõe o

sistema trocam seus produtos entre si. Inclui-se aí tanto o produtor direto como o produtor

indireto, que vende para o primeiro os meios de produção. A separação entre o setor I de bens

de produção e setor 2 de bens de consumo permite compreender o papel da reposição das

máquinas e matérias-primas na formação do equilíbrio econômico global. A noção da

reprodução ampliada, por sua vez, supõe que uma parte desse capital deverá ser aplicada não só

para repor o ciclo de desgaste das maquinárias, mas para adquirir uma quantidade maior de

maquinárias e mão-de-obra para criar novas unidades de produção. A reprodução ampliada é

capitalista por excelência posto que este sistema opera buscando sempre ampliar a base da sua

acumulação com o objetivo de aumentar o volume de mais-valia, que pode ficar na mão do

condutor desse sistema, o capitalista.

A teoria da crise econômica tem um papel fundamental dentro do sistema

marxiano. O ciclo econômico e as suas fases fazem parte essencial do funcionamento do modo

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de produção capitalista. Daí Marx ter podido distinguir, na sua obra, três tipos de crise, todas

ligadas ao funcionamento da taxa de lucro. As crises de acumulação resultam da relação entre a

taxa de lucro e o conjunto dos componentes do capital. Durante o auge econômico, a taxa de

lucro começa a ter dificuldades de se manter. O pleno emprego da força de trabalho conduz a

uma diminuição do exército industrial de reserva. Um auge econômico importante e duradouro

aumentará a demanda de força de trabalho em relação à oferta e, portanto, tende a elevar o

salário médio. O mesmo ocorre com a demanda de matérias-primas que tende também a

aumentar fazendo elevar-se o preço das matérias-primas. A demanda de maquinárias também

tende a aumentar com o auge econômico. Com os novos investimentos há uma tendência ao

aumento do preço do dinheiro e uma elevação da taxa de juros. Assim também a construção, a

energia e outros componentes do capital tendem a aumentar o seu preço devido à pressão da

demanda produtiva. Tudo isso faz com que a taxa de lucro tenda a cair. O auge econômico não

permite a criação de uma renda extra pela via do aumento de preços pois a competição torna-se

muito intensa, com uma forte pressão sobre os preços. Há uma oferta muito grande de produtos

e também o mercado, no seu conjunto, passa a ter um poder de barganha maior, tendendo a

haver uma queda de preços dos produtos finais.

Desta forma, o auge econômico produz uma tendência descrescente da taxa de

lucro. Nesse processo cíclico, é o pleno emprego que vai criar as condições para a interrupção

do auge econômico, na medida em que esses aumentos fazem cair a taxa de lucro e diminuem o

interesse de novos investimentos do capitalista, e isso começa a dar origem a um movimento

inverso. O investimento diminui e começam a aparecer os seus efeitos secundários: redução da

demanda, tendência ao desemprego e a uma queda em geral da produção. Primeiramente, há

uma tendência à recessão; depois à depressão.

Essa visão do processo de acumulação, em Marx, não está ligada

especificamente a períodos determinados, mas sim dentro da sua visão geral do processo de

acumulação. Não está, também, diretamente ligada à tendência secular a queda da taxa de lucro,

que é uma outra forma em que se apresenta a crise como fenômeno de dimensão histórica.

Nesse caso, a questão da mudança tecnológica está no centro da teoria econômica. Com a

evolução do sistema capitalista, a composição orgânica do capital tende a ser cada vez mais

intensiva em capital constante em relação a capital variável, o que os economistas neoclássicos

chamarão mais tarde de "intensiva em capital". A composição orgânica do capital tende a ser

crescente como resultado da própria evolução da tecnologia, que permite que a mão-de-obra

produza uma quantidade cada vez maior de produtos num mesmo período de tempo. Isto

ocorre, seja pela evolução da maquinária, seja pela evolução da divisão do trabalho, ou seja por

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TEXTOS PARA DISCUSSÃO

aplicação de outros elementos científicos na produção. O fato é que, com um número menor de

horas, é possível produzir uma maior quantidade de produtos.

Não devemos confundir a composição orgânica do capital com o investimento

intensivo em capital. Essas noções não são exatamente as mesmas porque quando se fala em

investimento intensivo em capital está se falando, sobretudo, em capital fixo: maquinárias e

gastos de instalação. Não se está incluindo o capital circulante, isto é, as matérias-primas, o

pagamento de energia, etc. Às vezes, com a própria evolução da tecnologia, as máquinas podem

passar a custar bem mais barato e um volume de máquinas menor pode operar um sistema

produtivo maior com um pequeno número de trabalhadores. Portanto, essa relação é mais

complexa do que a noção de intensidade em capital ou em trabalho, ou melhor, do que os

gastos em máquinas ou em remuneração da mão-de-obra. Deve-se considerar também a relação

do trabalhador com as matérias-primas. Quanto maior a produtividade como fruto do avanço

tecnológico, ele vai mover, num mesmo período de tempo, uma quantidade de matérias-primas

crescente, pelo menos se consideramos os seguintes fatos: ao valor dessa matéria-prima, que

pode cair como conseqüência do desenvolvimento do setor produtor de matérias-primas, que

através do desenvolvimento tecnológico também poderá, com um menor tempo de trabalho

socialmente necessário, produzir matérias-primas mais baratas.

Vemos assim a tendência da composição orgânica do capital a ser cada vez

mais intensiva em capital constante, em relação ao capital variável. Ou seja, em relação ao

salário (composição orgânica crescente do capital) está associada à tendência da acumulação

capitalista a buscar produtos de custo inferior, que ocupem um tempo de trabalho socialmente

necessário cada vez menor. Esta tendência tem no desenvolvimento tecnológico os meios para

lograr essa maior produtividade do trabalho e, portanto, baixar o custo dos produtos. Essa

lógica intrínseca na acumulação capitalista é que leva ao desenvolvimento científico e

tecnológico como alguns dos recursos de que dispõe o capital para conseguir o aumento da

mais-valia. Trata-se de ampliar a taxa de mais-valia pela diminuição do valor do capital

constante, ou mais-valia relativa, solução que tende a ser progressista e leva ao avanço das

forças produtivas da humanidade.

Contudo, essa tendência a uma composição orgânica crescente do capital

funciona a longo prazo na direção de diminuir a taxa média de lucro. Vemos assim uma

separação entre a ação do capitalista individual (microeconômica) e os seus resultados globais

(macroeconômicos). Uma realidade é a operação das empresas que dependa da ação do agente

econômico, o capitalista. Ele tem interesse em incorporar novas tecnologias que vão produzir

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TEXTOS PARA DISCUSSÃO

um custo mais baixo no seu produto, como uma forma de competir com os outros produtores.

Ao dispor de um produto com custo mais baixo, enquanto os outros produtores têm os produtos

a custo mais elevado com a velha tecnologia, ele venderá seus produtos a um preço mais baixo

e não pelo seu preço de custo. Dessa forma ele obterá uma taxa de lucro mais alta. Através do

monopólio da tecnologia ele recebe uma renda extra decorrente desse monopólio da tecnologia.

Essa renda tecnológica desaparece, contudo, com a difusão dessa tecnologia.

Quando ela se difunde aos demais produtores, e todos passam a adotá-la rebaixa-se, então, o

custo de todos os produtores e os preços tenderão a cair. Nesse momento a composição

orgânica crescente do capital vai provocar uma baixa na taxa de lucro, na medida em que o

capitalista terá de investir mais capital constante para, com o mesmo número de horas de

trabalho, alcançar um menor valor final do produto. Como a taxa de lucro é a relação entre o

lucro e o gasto de capital variável e capital constante (isto é, o conjunto do capital que o

capitalista adianta no processo de produção) e, havendo uma necessidade de um adiantamento

maior em capital constante para obter o mesmo lucro sobre o mesmo capital variável, o

resultado será uma taxa de lucro mais baixa. Historicamente, a composição orgânica crescente

do capital leva a uma tendência secular à baixa da taxa de lucro.

Mas, como nós mostramos, essa tendência se manifesta quando as inovações se

difundem e fazem com que o produto baixe de preço em geral, como resultado da quebra da

situação monopólica. Neste momento o produto tende a aproximar-se do seu preço de custo e o

conjunto dos capitalistas vai ter uma taxa de lucro mais baixa. Em resumo: a taxa média de

lucro baixará.

Esse comportamento complexo da mudança tecnológica e sua relação com o

monopólio e o mercado mais ou menos livre é extremamente importante para compreender os

ciclos longos porque as situações monopólicas estão ligadas ao tempo de difusão de uma

inovação, que hoje sabemos que é um tempo mais ou menos mensurável em torno de dez,

quinze, ou no máximo vinte anos, período em que vai completar a sua maturidade, terminar sua

difusão e, portanto, vai produzir uma tendência à baixa de custo, levando o preço do produto a

se aproximar do seu preço de custo. Ao criar uma situação de rompimento de monopólio vai

obrigar a algum tipo de reestruturação produtiva, na busca de custos mais baixos, mão-de-obra

e/ou matérias-primas mais baratas, buscando uma baixa de custo por uma via que permita

manter, de alguma forma, uma taxa de lucro mais alta. Como veremos posteriormente, é nesta

fase que vai-se produzir a passagem desse setor de produção em obsolescência para as frações

decadentes do capital, ou, em última instância, para o Estado, que vai assumir esses setores com

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TEXTOS PARA DISCUSSÃO

alta composição orgânica de capital e baixa taxa de lucro, que passam a ser de desinteresse dos

capitalistas em geral. O Estado toma esses setores para si para fazer aumentar a taxa média de

lucro porque a taxa de lucro do Estado não entra na formação da taxa média de lucro. Dessa

forma, quando o Estado entra para tomar essas empresas de baixa lucratividade ele provoca

uma elevação da taxa de lucro global e estimula os investimentos em novas tecnologias.

Este, como veremos, é um dos aspectos mais importantes do moderno

capitalismo de Estado, que se qualifica como um capitalismo monopolista de Estado. Trata-se

da intervenção crescente do Estado dentro do próprio processo de acumulação, aspecto muito

essencial da evolução da economia internacional contemporânea, na qual ele tem muitas outras

facetas.

Enquanto a crise de acumulação se liga a mudanças dos componentes do capital

que leva a uma tendência à queda da taxa de lucro nos auges econômicos quando se alcançam

situações de pleno emprego, existe uma tendência histórica à queda da taxa de lucro, como

conseqüência da incorporação de tecnologias cada vez mais produtivas que diminuem a

quantidade de trabalho necessária para reproduzir o conjunto do capital, levando portanto a uma

composição orgânica do capital crescente, que vai conduzir, como vimos, a uma tendência

secular à queda da taxa de lucro. No primeiro caso o ciclo é mais curto porque cria-se uma

situação de auge econômico e plena utilização da capacidade já instalada a curto prazo. No

segundo caso, supõe-se a incorporação de novas tecnologias e, portanto, um ciclo mais longo,

que está ligado inclusive a questões institucionais extremamente complexas, como é, por

exemplo, a intervenção do Estado para assegurar a mudança de comportamento da taxa média

de lucro.

Essa tendência secular à queda da taxa de lucro leva a uma busca por prolongar

a lucratividade do capital através da especulação financeira. O capital se retira dos setores onde

as taxas de lucro tendem a cair, para concentrar-se em atividades especulativas, particularmente

no setor financeiro. O Estado intervém novamente como criador desse setor financeiro pela via

clássica da dívida pública. A dívida pública é uma das fontes principais de criação do setor

financeiro. O pagamento de juros pelo Estado sobre a sua própria dívida é uma transferência de

recursos da população, no seu conjunto, daqueles que pagam os impostos ao Estado, para um

setor econômico específico, em geral o setor financeiro. Este está ligado às outras formas do

capital, através da tendência da evolução do sistema capitalista na direção de uma situação em

que o capital dinheiro (que se faz também capital crédito, financeiro, bancário, etc.) vá

hegemonizando o conjunto do capital. Ele submete o capital produtivo e o capital mercantil, na

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TEXTOS PARA DISCUSSÃO

medida em que o sistema capitalista vai se convertendo num sistema dominante a nível

nacional e internacional.

O outro tipo de crise que Marx analisou foram as de reprodução, que estão

ligadas à relação entre as partes que a compõem e a proporção em que estes setores se

intercambiem entre si. Cada setor vende aos demais setores, numa antecipação do que seria a

matriz de insumo produto de Leontief. Nesta situação, as proporções passam a ser essenciais. É

preciso que os setores que compõem o conjunto do sistema produtivo intercambiem seus

produtos entre si em proporções corretas. Para analisar tais relações, Marx distinguiu entre o

setor I, produtor de bens de produção, e o setor 2, produtor de bens de consumo, e dentro do

setor I, o capital constante (C), o capital variável (V), e a mais-valia (M). Todo seu esforço

teórico, constante do segundo volume de O Capital, será no sentido de provar que é possível

haver um equilíbrio entre esses setores. Na sua análise do esquema de reprodução, ele

demonstra que este equilíbrio é possível porque o setor de bens de produção produz, em parte,

para sua própria reprodução. (Uma parte se destina ao consumo de C1, e outra parte produz para

o setor C2 - o componente C, capital constante, dos meios de consumo). Dessa forma, toda a

produção do setor I, de meios de produção, será consumida por C1 e C2.

Quanto à produção do setor de bens de consumo, será consumida pelos

trabalhadores, (V-capital variável) e pelos capitalistas (M-mais-valia), tanto do setor I como do

setor 2. Portanto, se as proporções forem corretas, será possível reproduzir o conjunto, porque

as várias partes consumirão produtos diferentes que se complementam entre si formando um

conjunto que se fecha, onde as partes produzem umas para as outras, reproduzindo-se assim o

sistema no seu conjunto. Claro que, para isso são necessárias garantir estas proporções. Se

houver acumulação, tudo se resume em garantir as mesmas proporções na parte nova

acumulada.

Marx mostra, no segundo volume de O Capital, a viabilidade teórica desta

reprodução. O fato, contudo, de que essa reprodução seja viável não quer dizer que ela seja

provável e que aconteça sempre. Pelo contrário, há vários fatores rígidos que dificultam esse

processo de reprodução e a manutenção dessas proporções. Engels, por exemplo, chama a

atenção para alguns deles. Marx também, eventualmente. Quando surge um setor muito

lucrativo, por exemplo, há uma tendência do capital para migrar para esse setor e ao fazê-lo

produzir mais do que pode ser consumido deste produto. Cria-se então uma crise de proporção,

um excedente que não poderá ser consumido, gerando uma possibilidade de crise, de recessão e

depressão, sobretudo caso se trate de um movimento muito grande de investimento.

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 12

Page 13: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

De certa forma, o sistema capitalista procura neutralizar essas situações através

da criação de uma taxa média de lucro que evite o aparecimento de setores com lucratividade

muito acima da média do sistema. Mas quando aparece, por exemplo, uma inovação

importante, quando há transformações importantes, ou quando há acontecimentos especiais de

origem natural ou social ou histórica ou geográfica, criam-se situações em que a taxa de lucro

média não vai funcionar para esses setores que apresentarão lucratividade mais alta e tenderão a

produzir uma emigração do capital para eles muito superior às possibilidades do mercado.

O ciclo do capital sofre, assim, constantemente, as perturbações dessas

tendências à desproporção, dentro do sistema capitalista. Para refazer essa regulação do sistema

entra outra vez o Estado e o setor financeiro. Tanto um quanto o outro atuam no sentido de

estabelecer um certo grau de planejamento dos investimentos. Isto permite que o movimento de

capital neutralize, em parte, essas tendências à desproporção, produzindo movimentos de

capitais que tendem a criar taxas médias de lucro.

Em seu livro Acumulação de Capital, Rosa Luxemburgo demonstra a

inviabilidade da manutenção dessas proporções. Ela mostra que a tendência da evolução

tecnológica era criar uma desproporção entre os distintos setores econômicos a favor da

demanda de bens de produção e em detrimento da demanda de bens de consumo. O debate em

torno dos esquemas de reprodução teve a interessante participação de Tugan-Baranovisky e de

outros estudiosos do capital. Eles vão indicar que as tendências do desenvolvimento

tecnológico têm conseqüências sobre as proporções entre os setores; que essas tendências são

mais ou menos rígidas; e que não se pode pensar na sua supressão para chegar às proporções

adequadas à reprodução do sistema capitalista. Rosa Luxemburgo mostrou que o sistema

capitalista pode resolver, em parte, as dificuldades dessas desproporções através da sua

interação com setores externos a ele. Entre estes estão as economias pré-capitalistas e o Estado,

que além de entrar como um fator regulador dessas desproporções, produz demandas

específicas que fortalecem os investimentos no setor I. Neste caso, o crescimento dos gastos

militares tendiam a ser uma forma de restabelecer as proporções necessárias dos esquemas de

reprodução. Isto porque a maior dificuldade que o sistema encontra é lograr que a demanda de

consumo final acompanhe a tendência ao crescimento do setor I, determinado pelo avanço da

tecnologia.

Esta visão também levará Tugan-Baranovisky a pensar num sistema capitalista

que produza máquinas para produtores de máquinas. Rosa Luxemburgo, ao imaginar a ação do

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 13

Page 14: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

Estado, lembrou a sua importância como grande demandante de produtos de alta tecnologia. Ela

antecipou, assim, uma tendência que se manifestou com a Primeira e Segunda Guerra Mundial,

e depois no período de pós-guerra, ao se criar um setor militar permanente dentro do sistema

capitalista, que foi uma das maneiras que permitiu o ciclo econômico do pós-guerra.

A questão da proporcionalidade é, pois, um dos aspectos chave da interpretação

marxista da acumulação que deveria comprovar-se através de vários desdobramentos históricos

e que antecipou uma das formas possíveis de crise econômica e de ação anti-cíclica. Contudo,

elas tendem a afetar o sistema de regulação e o sistema institucional mais do que a produzir

propriamente uma forma cíclica bem definida. São tendências de ciclos médios ou longos, na

medida em que esses sistemas institucionais se montam e começam a entrar em crise dentro do

sistema global, internacional ou nacional.

A S C R ISE S D E R E A L IZ A Ç Ã O

A terceira modalidade de crise que aparece na obra de Marx é a de realização.

Muitos autores evocam os textos de Marx e Engels, que questionam a idéia do subconsumo

como uma réplica a qualquer explicação das crises pelo aspecto do consumo. Isto

particularmente depois de ter sido rejeitada drasticamente por Lenin a idéia do um

subconsumismo como origem das crises dentro do sistema capitalista. Segundo ele, crise de

subconsumo seria muito mais própria de colocações de economistas como Sismondi que, como

já assinalamos, não destacava a importância do setor I de bens de produção, nem do processo de

acumulação, nem a composição orgânica do capital e a taxa de lucro. Na realidade ele criou

grande parte dessas categorias de análise que permitem uma análise muito mais sofisticada das

crises. Portanto, o subconsumo é rejeitado pela teoria marxista, apesar de se manifestar, por

exemplo, na obra de Rosa Luxemburgo sob a forma de uma dificuldade do setor de consumo

final de manter o dinamismo da economia. Mas é preciso ver que quando Rosa afirma a

existência deste subconsumo não deixa de tomar em consideração os elementos que compõem o

processo de acumulação. Ela está afirmando somente que esses elementos do processo de

acumulação estão determinados por uma composição orgânica crescente do capital. Esta

impedirá a proporcionalidade entre os setores e levará a uma distribuição dos elementos que

compõem a produção (entre o capital variável e o capital constante, entre o capital constante e a

mais-valia) que tornará inviável o consumo final crescer de acordo com as necessidades da

reprodução global do sistema. Isto impedirá que ele seja a mola dinâmica do sistema capitalista.

O consumo final está associado a V e M, mas acontece que a mais-valia se desdobra entre

consumo de produtos de luxo e poupança para novos investimentos. Na medida em que o

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Page 15: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

sistema tende a criar uma poupança crescente para novos investimentos e entra num processo de

acumulação forte, a demanda de bens de consumo tende a decair, aumentando a demanda de

bens de produção. Mas, como a criação desses bens de produção segue certa leis técnicas,

haverá dificuldade de estabelecer as proporções entre os vários elementos. Não podemos,

portanto, assimilar Rosa Luxemburgo a um subconsumismo primitivo, mas sim a uma visão

das dificuldades da reprodução capitalista ser movida basicamente pelo setor de consumo final.

Quando se chama Rosa Luxemburgo de a rainha do subconsumismo estamos fazendo-lhe uma

injustiça.

As crises de realização têm sua origem nessas dificuldades de ampliação de

consumo dos bens de consumo dentro da sociedade capitalista. Quando introduzimos, por

exemplo, o monopólio como um fator crescente de organização da produção capitalista; quando

introduzimos a especulação financeira como um fator crescente do seu funcionamento, vamos

encontrar um efeito destes fenômenos sobre a distribuição de renda no sentido de ampliar a

margem de recursos possíveis para novos investimentos. Mas estes tendem a expressar-se em

composições orgânicas de capital extremamente elevadas gerando, portanto, pouco salário e

pouca mais-valia em forma de consumo final. A tendência a uma diminuição do dinamismo do

setor de bens de consumo leva, paradoxalmente, a um excedente muito grande no setor I de

bens de produção e à necessidade de procurar meios para saída desses bens de produção, que

finalmente existem para aumentar a produção de bens de consumo. Apesar de apoiar-se na

desproporção, esta forma de crise não deixa de ser uma manifestação das difuculdades de

realização porque num certo momento deste processo é a dificuldade de encontrar um mercado

para o que foi ou poderia ser produzido, que está na base da crise capitalista.

A tradição marxista vai se desenvolver posteriormente através de vários autores

e produzirá uma literatura muito consistente de análise das crises econômicas. Ela é de grande

atualidade, sobretudo ao demonstrar que é possível se fazer uma teoria econômica que seja ao

mesmo tempo uma teoria da mudança tecnológica e uma teoria do ciclo econômico. Enfim,

uma teoria que nos vincule com o processo real histórico e não com um modelo abstrato, a-

histórico, sem condições de explicar nenhuma realidade.

A evolução posterior da economia vai agregar aos ciclos econômicos elementos

novos de grande importância que Marx não conheceu. O mais significativo deles são os ciclos

longos ou as ondas longas que Kondratiev encontrará nos anos 20. O debate sobre as ondas

longas agregará uma realidade nova dentro da teoria marxista, mas extrapolará do campo do

marxismo para a economia ortodoxa, quando a combinação da crise do pós-guerra e a crise de

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 15

Page 16: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

1929 colocaram na ordem do dia não só o problema das crises econômicas mas também o seu

caráter de longo prazo. Schumpeter (1939) integrou essa problemática de maneira muito rica na

sua análise definitiva dos ciclos econômicos.

Na literatura marxista, a questão da crise, como vimos, tinha sido debatida no

final do século XIX, sobretudo pelos teóricos russos. Entre eles se destacaram Tugan-

Baranovisky , Lenin e Parvus, que foi um dos primeiros a visualizar as ondas longas em 1905,

e economistas holandeses que também trabalharam sobre os ciclos longos no começo do século.

Como veremos, contudo, estes ciclos apenas serão realmente sistematizados por Kondratiev nos

anos 20. Entre 1917 e 1930 há um debate muito intenso dentro do pensamento marxista.

Alguns autores sob a influência de Rosa Luxemburgo e outros sob a influência de Lenin vão

tentar explicar a crise de 1914-1918 pelos efeitos da Primeira Guerra Mundial, mas sobretudo a

crise que se manifestou depois da Primeira Guerra Mundial na Europa, levou a obras que

buscaram analisar a acumulação como uma tendência à estagnação. A visão de Rosa

Luxemburgo levava a enfatizar as dificuldades do sistema de se auto-reproduzir e a necessidade

de encontrar soluções institucionais externas, seja por mercados não capitalistas, ou seja pela

via do Estado e o setor militar como saída. Moscowska, Paul Mattick, Henrik Grossman têm

uma temática muita rica nas décadas de 30, 40, 50, retomada por Paul Sweezy no seu estudo

sobre o desenvolvimento capitalista, e posteriormente, na década de 60, quando junto com Paul

Baran escreve o seu Capital Monopolista.

Ao lado dessa tendência, encontramos também a tendência bolchevista que vai

desembocar no Instituto de Economia Mundial, com a tese da crise geral do capitalismo. Este

enfoque tende a assimilar o declínio da produção e uma certa estagnação da produção entre o

fim da Primeira Guerra Mundial e o fim da Segunda Guerra Mundial. Este longo período de

relativa estagnação, com fases de crescimento certas e crises muito longas, indicavam uma

tendência a estagnação e pareciam fundamentar essa visão na qual Eugenio Varga (1934) vai ter

um papel muito importante ao definir a crise do capitalismo em função do aparecimento da

revolução socialista na Rússia. Era o começo de um período histórico de retrocesso do sistema

capitalista, crise que levará inclusive ao surgimento do fascismo e do nazismo. A identificação

dessa crise final, com o aparecimento da contra-revolução fascista como uma forma de

sobrevivência do sistema capitalista, é parte da crise geral do capitalismo. Esta tese se reforçará,

de certa forma, quando retomada por Paul Sweezy e Paul Baran ao mostrarem o consumo

militar como a grande saída para a situação de subconsumo criada no pós-guerra e como

tendência natural da evolução do sistema capitalista.

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 16

Page 17: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

Não é o lugar aqui para fazermos uma história desses enfoques e dessas

contribuições teóricas, mas simplesmente quero apontar as grandes direções de interpretação

que vão marcar o pensamento marxista. Havia que assinalar, contudo, uma outra linha teórica

que vai desembocar em Ernest Mandel (1964), que produziu o seu Traité de Économie

Marxiste, e que vai escrever, na década de 70, Capitalismo Tardio, onde tentará articular a visão

marxista da acumulação e da tendência decrescente da taxa de lucro como elemento-chave para

a compreensão das crises econômicas com as contribuições de Kondratiev e das ondas longas.

No meu estudo A Crise do Capitalismo Norte-Americano e América Latina (1970) vou também

retomar o ciclo longo de Kondratiev, articulando-o com outras modalidade de análise do ciclo

econômico para tentar compreender a evolução do capitalismo de pós-guerra e particularmente

daquele período histórico. André Gunder Frank também busca nos ciclos longos um caminho

para a análise da economia mundial. Na sua visão da acumulação mundial, Samir Amin

aproxima-se dessa visão. Immanuel Wallerstein, no seu Centro de Estudos Fernand Braudel,

dará uma das mais rigorosas contribuições ao estudo das ondas longas.

Faz-se necessário, portanto, que analisemos com cuidado essa outra maneira de

enfocar a crise econômica. A análise das ondas longas ou dos possíveis ciclos longos, como

veremos, permitirá articular grande parte dos estudos sobre o ciclo econômico realizados

durante a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX, tendo em

Schumpeter um dos seus primeiros grandes sistematizadores. Na década de 70 e 80 encontram-

se novos elementos para a compreensão das ondas longas que procuraremos transmitir aqui.

A Q UE ST ÃO D AS O ND AS L O N GA S

A existência de longos períodos de crescimento econômico, sucedidos por

longos períodos de recessão, depressão ou baixo crescimento faz parte da literatura dos povos e

da percepção que a sociedade tem de sua experiência histórica. Porém, a sistematização

empírica sobre a existência dos ciclos longos foi produto de um trabalho de pesquisa bastante

difícil, que veio a se realizar com maior clareza somente na década de 20 deste século, através

da obra do economista russo Nikolai Kondratiev, que publicou em 1926, o seu ensaio "As

Ondas Longas na Vida Econômica." Neste ensaio, ele distinguiu vários ciclos ou ondas longas

(o termo onda pretende ser menos determinístico e menos mecânico do que o conceito de ciclo,

que supõe necessariamente períodos mais ou menos iguais de descenso e de ascenso).

Kondratiev distinguiu, na história econômica européia, um período que vai de 1780-1790 a

1810-1817, que registraria um ascenso nos dados sobre preço e sobre alguns produtos agrícolas,

escolhidos pela sua importância e pela facilidade para estabelecer uma série contínua. Em

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 17

Page 18: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

seguida, ele distinguiu um período de que vai de 1810-17 a 1844-51, caracterizado por um

declínio da economia européia. Logo em seguida, determinou a existência de um outro período

que vai de 1844-51 a 1870-75, que seria um período de ascenso econômico. Sucessivamente,

localizou um período de declínio econômico que foi de 1870-75 a 1890-96. Novamente

encontrou uma fase de crescimento econômico sustentado no final do século e início do século

XX, que pode ser enquadrado entre os anos de 1890-96 a 1914-20. Apesar de realizar seus

estudos na década de 20, antes do grande crack de 1929, ele constatava a existência de uma

nova fase de declínio que se iniciara em 1914-20.

Se completarmos os dados de Kondratiev, vamos encontrar que esse período de

declínio vai prolongar-se até 1940-45, quando a economia norte-americana começa a recuperar-

se durante a guerra. Em seguida, teríamos um período que se extende de 1940-45 até 1966-73,

caracterizado por um longo ascenso econômico. Desde 1966-73 até nossos dias, em 1993,

registra-se um período de declínio, que deveria extender-se, a se manterem as mesmas

tendências das ondas longas anteriores, até 1994-97, ou talvez até 98, para dar início então a um

novo período de ascenso.

Os dados de Kondratiev são até hoje objeto de ampla discussão, seja porque

haja propostas de diferentes datas para estabelecer os limites dos ciclos, seja porque haja

discussões metodológicas sobre o conceito mesmo dessas ondas longas. Mas a verdade é que os

dados parecem confirmar a existência destes períodos de ascenso e declínio de cerca de 25 anos

cada um, sobretudo quando se utiliza uma metodologia adequada, abarcando vários setores e

não somente aqueles que Kondratiev estudou originalmente. Há evidências suficientes para

comprovar não somente a existência dos ciclos longos por ele detectados, como, além disto

produziu-se uma confirmação desses ciclos no período posterior a seus estudos.

Dentro desta linha de aceitação dos dados como ponto de partida para a

reflexão teórica, foram vários os autores que confirmaram as constatações de Kondratiev. Entre

eles será exatamente Joseph Schumpeter, no seu livro Business Cycles, dois volumes, editado

pela Mc Graw Hill em Nova Iorque, em 1939, o economista que vai produzir a reflexão mais

sistemática sobre as ondas longas de Kondratiev. Ele vai inclusive demonstrar a existência de

uma combinação dos ciclos longos de 40 a 60 anos com dois outros ciclos menores. São eles,

os ciclos de investimentos, que se sucedem de 4 (quatro) em 4 (quatro) anos, determinados

pelos movimentos de estoques, que Kitchin havia encontrado em 1900, e os ciclos de nove a

onze anos, estudados por Juglar, no século passado, em torno de 1860.

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 18

Page 19: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

O economista holandês, Van Duijn ( 1983), procurou confirmar e desenvolver

esta linha de análise iniciada por Schumpeter, incorporando, contudo, um outro ciclo, que é o

ciclo de Kuznet, que identificou ciclos de 15 a 25 anos, ligados aos investimentos em transporte

e construção de casas, ocorridos sobretudo nos Estados Unidos. Segundo Van Duijn este ciclo

se combinaria com os ciclos anteriormente destacados, não em todas ocasiões nem em todos os

paises (pois haveria alterações dos mesmos, que foram encontrados sobretudo nos Estados

Unidos, particularmente quando descobertos em outros paises), pois eles estão muito ligados à

construção de casas e à instalação de transportes, devido à imigração nos períodos de ascenso

econômico, e formam um ciclo um pouco atípico.

O enfoque de Schumpeter, reafirmado por vários economistas atuais, permitiu

uma retomada da idéia do fenômeno econômico como um processo de mudança e

transformação. Schumpeter inicia sua análise definindo uma situação de equilíbrio, para

depois introduzir as mudanças de caráter cíclico, as quais estariam influenciadas por elementos

externos ao universo estritamente econômico. Ele buscará a explicação para os movimentos

cíclicos longos ou ondas longas na existência de uma capacidade empresarial criadora de

inovações significativas. Assim, para cada novo ciclo de 40 a 60 anos devemos supor o

aparecimento de uma geração de empresários inovadores, cuja ação decisiva e criativa seria a

base para a criação de um novo ciclo de inovações significativas.

Na década de 70, a temática dos ciclos longos foi retomada depois de um longo

abandono, devido ao crescimento econômico sutentado que ocorreu após a segunda Guerra

Mundial, e que parecia haver eliminado os ciclos econômicos. Este longo período de

crescimento deu origem inclusive a várias interpretações de que as economias nacionais já

teriam chegado a um estágio pós-cíclico, depois da segunda Guerra Mundial. Em outros estudos

analisamos com detalhes as características do período pós-Segunda Guerra. A verdade, porém,

é que o pensamento econômico só veio a redescobrir Kondratiev e os ciclos longos quando a

crise de 66-67 começou a gerar grandes questionamentos do sistema capitalista, que se

expressaram fundamentalmente nos grande movimentos de massa de 1968, que ocorreram no

mundo inteiro. Logo depois, em 1973, a ofensiva da OPEP para reajustar drasticamente os

preços do petróleo, não somente confirmou a tendência para o declínio das taxas de crescimento

já verificadas desde 1967, como apresentou uma grave depressão entre 1973-75. O aumento do

preço do petróleo colocava em cheque todo um modelo econômico baseado numa fonte

energética barata apesar de seu caráter não renovável. Tudo indicava que não seria possível

manter esta situação que passava pela subjugação dos povos coloniais. No mesmo período

apresentavam-se fenômenos políticos e militares que pareciam confirmar esta tendência do

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 19

Page 20: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

Terceiro Mundo sacudir em definitivo esta tutela , como a derrota militar dos Estados Unidos

no Vietnam e a queda do fascismo em Portugual, sucedida pelas revoluções em todo o seu

império.

É fácil entender portanto por que foi na década de 70 que o modelo das ondas

longas de Kondratiev voltou a ser estudado. Eu destacaria em primeiro lugar o meu próprio

trabalho no livro de 1970 sobre A Crise Norte-americana e a América Latina e em artigos

publicados numa coletânea dos textos apresentados na Conferência de Tilburg, na Holanda, em

1970, sob o título de O Capitalismo na Década de 70, assim como o texto que apresentei no

Congresso Internacional de Sociologia de Varna, em 1969, e que foi publicado em francês e

espanhol no livro de Anouar Abdel Malek sobre A Sociologia do Imperialismo,

Em 1972, Ernest Mandel vai publicar seu excelente livro sobre O Capitalismo

Tardio, no qual retomou a temática dos ciclos longos, logo seguido por André Frank nos seus

estudos sobre as ondas longas, a acumulação e a crise, nos quais tentou prolongar o fenômeno

dos ciclos longos até o período que vai da conquista da América até a Revolução Francesa,

numa análise de acumulação de longo prazo. Ele aplicou também o conceito aos estudos da

crise capitalista dos anos 70 . Como já assinalamos, foi nesta mesma época que Immanuel

Wallerstein iniciou seu estudo da formação do sistema-mundo formado pelo capitalismo

contemporâneo, utilizando o conceito das ondas longas de Kondratiev. Fernand Braudel

recupera em grande estilo as ondas longas propondo sua extensão não somente a períodos

anteriores como encontrando ondas de 200 anos. W.W.Rostow vai reencontrar Kondratiev no

seu The World Economy: History and Prospect, editado pela Universidade do Texas, em 1978.,

Daí em diante, foram milhares de artigos na imprensa especializada do mundo, chegando

inclusive ao grande público as exotéricas ondas longas de Kondratiev.

Fernand Braudel, como afirmamos, vai detectar ondas similares na Itália, no

período que vai de 1460 a 1621-1650. Ele vai detectar, de 1460 a 83, um período de ascenso na

Itália; entre 1483 e 1509 um período de descenso; entre 1509 e 29 outro ascenso; entre 1529 e

39, outro descenso; entre 1539 e 59 um ascenso; entre 1559 e 75, novo descenso; entre 1575 e

95 outro ascenso; entre 1595 e 1621, descenso; 1621 a 1650, novo ascenso. Este estudo,

publicado no livro de Romano e Vivanti (1974), Storia di Itália, volume 2, procura desenvolver

uma temática que será retomada por outros autores, que pretendem detectar a existência de

tendências seculares ou "logísticas" que podem ser assimiladas a ondas longas bastante mais

amplas do que aquelas detectadas por Kondratiev ou pelo próprio Braudel.

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 20

Page 21: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

Estes autores pretendem detectar a existência de uma tendência secular que se

prolonga do século IX e X, até meados do século XV, cujo auge se econtraria no século XII.

Em seguida se apresentaria uma nova onda secular da metade do século XV até meados do

século XVIII, cujo auge se localizaria no fim do século XVI. Da metade do século XVIII até a

metade do século XX teria havido outra onda secular cujo auge deve haver se localizado no

final do século XIX e início do século XX. Por fim, na metade do século XX, teria se iniciado

uma nova tendência secular ou "logística"que deverá se prolongar possivelmente até a metade

do século XXII, no caso de persistirem estes padrões cíclicos.

Teríamos assim ciclos compostos de 2 séculos e meio marcados pelo ascenso e

2 séculos e meio predominantemente de descenso. No seu estudo sobre o período de 1500 a

1789, André G. Frank dedica várias páginas à discussão sobre o período de descenso, e até

mesmo de depressão, que teria ocorrido na Europa no século XVII, e que foi objeto de amplas

discussões naquela época. A serem corretas estas análises, poder-se-ia aceitar a existência de

ciclos interconectados entre si de 3-4 anos, 9-11 anos, de 17-18 anos, de 15-25 anos, os ciclos

de 40 a 60 anos, e possivelmente os ciclos de 2 séculos a 2 séculos e meio que chegariam a

conformar ciclos de até 500 anos. No interior de cada um desses ciclos haveria períodos de

crescimento e descenso, mas eles seriam marcados por crescimentos maiores e descensos

menores nos períodos chamados de ascenso, e por crescimentos menores e descensos maiores

nos períodos chamados de descenso. Em conseqüência, não se mede os ciclos através de dados

absolutos de crescimento ou declínio do produto mas através das taxas de crescimento,

procurando detectar as oscilações que se dariam em torno de uma taxa média, o que permitiria

configurar um ciclo de ascenso e declínio mesmo quando, no seu conjunto, a economia

apresenta um movimento em geral ascendente.

Até o século XX nós podemos encontrar longos períodos de queda na

produção, períodos em que a depressão era um fato e não poderíamos pensar numa situação de

crescimento permanente. A tendência ao crescimento permanente em taxas cada vez maiores

só vai poder ocorrer depois do século XIX, com a Revolução Industrial. A partir da Revolução

Industrial, na verdade, vamos encontrar uma situação em que o crescimento tende a ser a

norma, e períodos de descenso de produção são períodos localizados no tempo e mesmo em

alguns países raramente se apresentam, o que revela que as forças produtivas dominadas pela

humanidade hoje permitiriam pensar tecnicamente numa situação de produção em ascenso

contínuo e portanto uma tendência a eliminar a situação de carências técnicas profundas, apesar

de que socialmente existam vários fatores que agem como forças contra-tendenciais.

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 21

Page 22: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

Muitos historiadores e particularmente os economistas recusam-se a aceitar a

existência dos fenômenos cíclicos descritos em nome da liberdade dos agentes sociais.

Particularmente a economia recusa este enfoque porque tem pretensões de intervenção e

comando sobre as variáveis macro e micro econômicas, pretensões que, por sinal, tem muito

pouco que ver com a prática das políticas econômicas, marcadas por erros crassos e fracassos

permanentes. Sem falar das dificuldades de integrar estes fenômenos na linguagem matemática

dominante nos modelos econômicos. Contudo, vários autores têm se ocupado dos fenômenos

cíclicos com grande rigor e precisão matemática. Trata-se mais de uma espécie de fenômeno

religioso: quem crê e quem não crê no rigor destes dados.

A partir do período da formação da economia européia moderna até nossos

dias, podemos identificar cada onda longa com:

a) a dominância de um determinado regime de produção (livre câmbio,

oligopólico, monopólico, globalizante).

b) a prevalência de determinadas relações sociais de produção e princípio de

organização social ( manufatura, grande indústria, fordismo, o chamado "toyotismo" no período

atual)

c) a hegemonia de certos centros econômicos ( como Espanha e Portugal,

Holanda, Inglaterra, Estados Unidos) que dominam zonas periféricas e semi-periféricas.

A partir da Revolução Industrial vai se estabelecer uma hegemonia do sistema-

mundo, que integra várias economias-mundo em um único sistema de caráter planetário. O

capitalismo industrial foi o primeiro sistema econômico capaz de implantar um sistema

mundial, mas ele supôs, até o presente momento um centro aglutinador do conjunto deste

sistema. Este não poderia ser mais as cidades-estado que exerceram este papel centralizados até

o renascimento. Fez-se necessário uma base nacional, um verdadeiro Estado Nação, como o foi

a Inglaterra para cumprir esta nova missão histórica. Essa visão nos leva a distinguir

cuidadosamente o centro, a semiperiferia e a periferia, para que a análise das ondas longas

ganhe outra dimensão.

Nos meus estudos da década de 70, sustentei a tese de que o ciclo econômico

adota diferentes formas no centro e na periferia, e apresentei alguns elementos chaves para a

análise dessas diferenças. Entre elas deve-se ressaltar o papel das economias de subsistência

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 22

Page 23: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

como amortecedoras dos efeitos mais dramáticos das depressões econômicas, a importância da

queda das iportações para a realização do mecanismo da substituição de importações durante os

períodos de crise do comércio internacional. Ao mesmo tempo, procurei distinguir as tipologias

dentro da periferia, separando aqueles países que haviam alcançado um desenvolvimento

industrial, a partir de uma nova divisão internacional do trabalho, e cujos elementos centrais se

esboçaram na crise de 67-68. A partir deste momento foi necessário distinguir os países

dependentes que se articulavam com a economia mundial como exportadores industriais, numa

posição subordinada à política das empresas transnacionais dos países da semiperiferia

propriamente dita do sistema mundo, apesar da aparente similitude de situações econômicas

que apresentavam e ainda apresentam em parte. Na semiperiferia deve-se incluir aqueles países

desenvolvidos que decaíram e/ou perderam sua posição relativa no sistema capitalista mundial,

como é o caso das economias do Sul da Europa.

O tema da semiperiferia foi estudado por Giovani Arrighi (1980), dentro do

Instituto Fernand Braudel, num livro extremamente interessante. A combinação das lutas

democráticas do Sul da Europa com as lutas democráticas latino-americanas e de vários países

em vias de desenvolvimento, os chamados Novos Países Industriais (New Industrial Countries)

na década de 70 mostrou que havia realmente um conjunto de elementos comuns entre estes

países. Nas minhas análises deste período chamava a atenção sobre os elos mais débeis do

sistema econômico mundial, utilizando a imagem de Lenin no seu Imperialismo, Fase Superior

do Capitalismo,,

Estes pontos débeis se situariam nos países em decadência, entre os países

desenvolvidos, e de outro lado, nos países em maior crescimento, entre os países

subdesenvolvidos e dependentes. Dentro desta faixa, onde se situavam paises chaves como a

Inglaterra e o sul da Europa, de um lado, e Brasil, Índia, China, Iran e Iraque, de outro lado,

estaria - vamos dizer assim - a faixa da crise institucional, a faixa crítica do sistema capitalista

mundial, onde a crise geral do sistema ou a fase b do ciclo de Kondratiev teria os seus efeitos

mais devastadores em termos de transformação social, econômica e política. Elas se fariam

necessárias para permitir a reintegração desses países na economia mundial.

Prevíamos também graves transformações nos países socialistas em vista da

necessidade de se integrarem na economia mundial, pois seu isolamento havia sido um

resultado da guerra fria e de uma política artificial de cerco aos paises que estavam sob a

influência da União Soviética. Sempre acreditei que durante o atual ciclo de Kondratiev esta

situação intolerável encontraria um caminho de saída, como de fato vem ocorrendo, apesar dos

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Page 24: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

trambulhões que vêm enfrentando por razões ideológicas, que deverão ser corrigidas nos

próximos anos, quando passe definitivamente este contexto neo-liberal em que se inscreveram

seus processos de liberalização política e sua luta por alcançar uma espécie de cidadania numa

economia internacional que lhes recusava qualquer papel no sistema-mundo.

Aceita a comprovação da existência dos ciclos longos através de vários estudos

empíricos, fica a questão bastante complexa da explicação da sua existência. Os ciclos curtos e

médios estão vinculados, como vimos, a fenômenos bastante concretos, como a existência de

estoques que se concentram mais ou menos em certos períodos, de 3 a 4 anos; a existência de

ciclos de investimentos ligados à incorporação de novas maquinárias e seu período de

maturação, de 7 a 11 anos; ou os ciclos devidos aos investimentos em construção, de 15 a 25

anos. Mas os ciclos de Kondratiev são mais difíceis de explicar, porque não parecem apoiar-se

num fenômeno cíclico muito evidente.

Kondratiev já apontava contudo para uma explicação dos ciclos longos ao

vinculá-los à introdução de inovações tecnológicas, à expansão do mercado internacional e aos

aumentos na oferta de dinheiro. São estes três elementos que explicariam, segundo ele, a

existência dos ciclos longos. A base para estes ciclos seriam exatamente as mudanças no

estoque total de capital social, ou o capital social total disponíve. Este aumentaria ou diminuiria

sob a ação dos três elementos que analisaremos em seguida.

As fases de ascenso mais ou menos contínuo são movimentos de arranque que

requerem grandes somas de capital líquido para empréstimo e que necessitam, portanto, da

prévia criação de taxas de lucro atrativas ou baixas. Estas condições ocorrem, em geral, quando

se alcança o ponto mais baixo das crises econômicas.

No seno do ciclo, os preços agrícolas são relativamente insensíveis à queda

generalizada da demanda que ocorre durante as depressões , mas os preços industriais são mais

sensíveis a esta situação e pode-se constatar uma forte baixa de preço. Esta queda é ainda mais

provável devido à tendência de incorporação de novas tecnologias nos pontos mais baixos da

crise estrutural. Criam-se, em consequência, termos de intercâmbio favoráveis às mercadorias

do tipo comercial, e isto conduz a uma poupança mais acelerada no setor urbano.

Devido à redução genralizada de preços ou deflação produz-se uma tendência

ao entesouramento. Tomando-se em conta a tendência à queda da taxa de juros, nestes

momentos, os poupadores tendem a defender-se através da compra de ouro Este aumenta o seu

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Page 25: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

preço, ao lado de outros investimentos de refúgio, como os ativos em moeda (reforçados pela

tendência à deflação apesar da queda da taxa de juros), os ativos imobiliários e outros ativos

fixos. Esta tendência ao entesouramento é um dos elementos mais importantes para produzir

um ímpeto favorável ao crescimento de longo prazo quando se apresentam as tendências

ascendentes do ciclo. Kondratiev tentou não somente explicar as ondas longas por estas

variáveis, mas procurou inclusive detectar sua presença nos seus estudos empíricos.

A publicação do artigo de Kondratiev produziu reações em geral bastante

desfavoráveis, particularmente de parte da direção política da União Soviética. Quem mais se

destacou na confrontação com Kondratiev foi Leon Trotsky. No seu artigo sobre a curva do

desenvolvimento capitalista, republicado na revista Críticas da Economia Política, Trotsky, que

naquele momento estava ocupando seu posto de comandante em chefe do Exército Vermelho -

vai atacar muito fortemente o artigo de Kondratiev. Assistimos assim um curioso debate entre

um dirigente revolucionário, ministro da guerra, e um acadêmico, economista, pesquisador

sobre questões bastante teóricas, como a teoria do ciclo econômico. Esta situação era contudo

uma realidade muito típica da vida intelectual da União Soviética, no seu período

revolucionário, que vai até a consolidação de Stalin, no fim da década de 20, quando estes

debates de idéias foram substituidos pela intervenção de burocratas na vida intelectual do país

para impor seus pontos de vista.

Richard Daves fêz um estudo comparativo sobre a teoria do ciclo prolongado

de Kondratiev, Trotsky e Mandel, no número seguinte desta mesma revista, chamando a

atenção para o interessante fenômeno de que seria exatamente Ernest Mandel, um dirigente

trotskista que recuperaria a obra de Kondratiev, na década de 70, revelando uma independência

intelectual frente a seu chefe político realmente excepcional. Deixando de lado estas ironias da

história, qual era a essência da argumentação de Trotsky contra Kondratiev?

Em primeiro lugar, Trotsky diferencia ciclos econômicos de épocas, no sentido

de que os ciclos se repetem necessariamente, enquanto que as épocas se sucedem em vez de

repetir-se. Por outro lado, Trotsky também vai afirmar que a relação entre crescimento baixo,

decadência, crescimento acima da média (ascenso) e crescimento igual (estacamento) se mede

em relação a um crescimento médio. E, diz Trotsky,

"A principal diferença entre eles está determinada pelas relações

qualitativas entre a crise e o período de auge de cada ciclo dado. Se o auge

restaura com esse excedente a destruição ou a construção que existiram

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 25

Page 26: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

durante a crise precedente, então o desenvolvimento capitalista tem uma

tendência ascendente. Se a crise que significa destruição ou, quando menos,

constricção ou restrição das forças produtivas, sobrepassa em intensidade

seu auge correspondente, então teremos como resultado uma tendência

descendente da economia. Por último, se a crise e o auge são equivalentes

em intensidade, teremos um equilíbrio temporal e uma economia

estancada".

A concepção de auge, ascenso e descenso de Trotsky tem um caráter absoluto,

contrariando a visão mais relativa do ciclo que tanto Kondratiev como seus seguidores

apresentaram. Como vimos, pode-se constatar um período de descenso, sem que haja, por

exemplo, um crescimento negativo ou decréscimo da produção. Claro que esta visão de Trotsky

restringe muito a possibilidade de utilizar-se os conceitos de ascenso, descenso, ao identificar o

conceito de descenso com decadência, ascenso com progresso histórico, e uma certa

estabilidade com estancamento. Daí que ele vai chegar a uma conclusão bastante radical de que

o caráter e duração das crises ou dos auges estão determinados por fatores externos e não pela

interrelação interna das forças que compõem a dinâmica capitalista. Ele chegava assim a uma

conclusão muito distante de Marx que havia se esforçado por compreender osciclos econômicos

como parte das leis de funcionamento do modo de produção capitalista. Na busca destes

elementos externos Trotsky ressaltará primeiramente a aquisição de novos países e continentes,

em segundo lugar, a descoberta de novos recursos naturais ou, como conseqüência de ambos,

mas com sua independência, as guerras e as revoluções.

Assim, segundo Trotsky, não existe um ritmo ou lei rígida ligando as épocas

entre si. Ademais, ele chama muito a atenção para o impacto dessas mudanças do ponto de vista

ideológico e superestrutural, reconhecendo que esses movimentos econômicos desencadeiam

mudanças na super-estrutura. Esta identificação das fases do ciclo com épocas históricas

sucessivas, nos conduz à idéia de uma transformação histórica global, à idéia de um processo

evolutivo em contraposição a um enfoque de tipo cíclico. Não devemos desprezar estas críticas

de Trotsky, porque realmente o enfoque dos ciclos longos não deve ignorar que estes

movimentos estão associados a estruturas econômicas e sociais que passam por mudanças

exatamente nos vários momentos dos ciclos. Eles estão associados a guerras, a revoluções e a

profundas mudanças institucionais, que ocorrem, em geral nas fases de depressão ou de auge

dos ciclos longos. Trotsky vai propor um quadro sintético desses elementos estruturais e

superestruturais que, como ele mesmo reconhece, ainda se mostrava bastante informal, e que

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 26

Page 27: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

necessitaria de muita pesquisa empírica e histórica para ganhar contornos de uma hipótese

científica..

Como vimos anteriormente, será com Schumpeter que as propostas teóricas de

Kondratiev alcançarão um desenvolvimento bastante sofisticado. Schumpeter, coerente com sua

visão de que "o fato principal na história econômica da sociedade capitalista é a inovação", vai

exatamente procurar explicar as ondas longas através da sua teoria da inovação. A possibilidade

da existência de novos investimentos está ligada à existência do empresário inovador. Também

a um segundo elemento, que é a existência de um estoque de tecnologias novas a serem

incorporados. Em terceiro lugar, mercados para que esta incorporação de novas tecnologias

tenha para onde fluir, com o resultado da sua produção. E em quarto, empresas em setores

particulares que buscarão aplicar estas inovações e difundi-las pela economia. Se há mais

empresas nestes setores, há uma tendência à competição e, portanto, a preços mais baixos. O

preço de venda tenderá então a igualar o custo com tendência, inclusive, à eliminação do lucro.

De qualquer forma, a possibilidade de vender a menor preço e competir, num

primeiro momento, é um impulso à inovação. Há uma pressão sobre os empréstimos que exige,

portanto, um prévio declínio das taxas de juros durante as fases de deflação e entezouramento.

Esta fases são acompanhadas por uma queda na demanda por novos investimentos e, portanto,

por novos empréstimos, gerando assim um certo excedente financeiro que vai levar, por sua

vez, a uma queda na taxa de juros. Schumpeter tem uma visão clara dessa relação entre o

decréscimo de investimento produtivo, baixa da taxa de lucro e surgimento de um excedente

financeiro que, através da especulação, tende inclusive a aumentar sugando recursos das

atividades produtivas, gerando assim grandes excedentes sem colocação o que produz as graves

crises financeiras típicas dos períodos finais dos ciclos longos, que concuzem a colossais

depressões, como a de 1929, cuja tarefa é a de desvalorizar os ativos existentes e pressionar por

um declínio radical das taxas de juros.

Os períodos de crescimento, segundo o próprio Schumpeter, apresentam uma

situação em que a renda total é superior ao produto total, e, portanto, que os ordenados e

salários são também inferiores à renda global, os gastos em bens e salários também são

inferiores ao total de salários e ordenados, e o resultado de tudo isso é que a demanda potencial

para a produção é crescente, e conseqüentemente os lucros estão em ascenso gerando então os

fatores da retomada do ciclo de inovações.

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 27

Page 28: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

Como vimos, Schumpeter integrou os três tipos de ciclos. Duijn (1983)

integrará num modelo mais complexo os quatro tipos de ciclo. Mais do que Schumpeter, Duijn

insistiu muito sobre a base dos ciclos em movimentos de estoques, de reposição de

maquinárias, de investimentos em construção e em inovações significativas. Como vários

economistas e estudiosos contemporâneos da mudança tecnológica, ele segue a linha de

Schumpeter, segundo a qual a inovação é apresentada como elemento-chave para os ciclos

longos. A literatura sobre o tema insiste cada vez mais no conceito de cachos de inovações,

segundo o qual as inovações mais importantes arrastam consigo não só a introdução de novos

produtos ou novos processos no seu próprio setor, mas elas provocam também outras

inovações em outros setores com os quais têm relações de complementariedade.

Podemos distinguir pois, como Sweezy e Baran, as inovações que "marcam

época " e que produzem efeitos secundários em todo o sistema produtivo, nos serviços, na

super-estrutura ideológica e cultural. Outros pesquisadores distinguem as inovações básicas das

secundárias, entendendo por inovações básicas aquelas que abrem caminho para inovações

complementares ou secundárias que se utilizam dos conhecimentos básicos trazidos pelas

primeiras. Pode-se constatar inclusiva uma onda de inovações terciárias que aplicariam os

conhecimentos desenvolvidos pelas anteriores. Seria esta sucessão de ondas de inovações que

formaria o ciclo entre 20 e 25 anos (30, no máximo), que explicariam as longas fases de

ascensão.

Por outro lado, as fases de decadência, ou fase b, devem se explicar pela

dificuldade de incorporar inovações quando o ciclo longo começa a perder a sua força

inovadora e alcança a sua maturidade. Neste momento, os novos investimentos necessários para

incorporar novas tecnologias supõem, de um lado, grandes investimentos de incorporação das

novas maquinárias e novas instalações que supõe a nova safra de inovações. Estas novas

instalações supõem também a obsolescência da capacidade já instalada. Portanto, os períodos

de descenso se explicam não só pelo grande volume de investimentos que representa a

incorporação de inovações realmente revolucionárias e que marcam época, mas talvez

principalmente pelo longo período de destruição do capital instalado, de desvalorização de

enormes massas de investimento, de derrubada das resistências às novas tecnologias, que

depende sobretudo da capacidade de negociação, sobretudo da força de trabalho, que tende a

aumentar durante a fase A do ciclo, quando ocorre um grande crescimento do produto baseado

num mesmo patamar tecnológico e portanto acompanhado de um crescimento do emprego,

gerando uma situação de pleno emprego, que favorece a organização sindical, favorece a

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 28

Page 29: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

capacidade de pressão do movimento trabalhista e a obtenção de salários mais elevados, que

vão também pesar de alguma forma sobre a taxa média de lucro

Vemos assim que é possível explicar o movimento ascendente do ciclo longo

por um conjunto de cachos de inovações que vão se sucedendo, dentro de uma visão do

processo de acumulação capitalista que nos permita associar esses cachos de inovações à taxa

de lucro média dentro do sistema, considerando inclusive com muito mais clareza a tendência

decrescente da taxa de lucro. Na medida em que essas inovações vão se instalando, sobretudo

na medida em que elas vão se difundindo - e aqui o conceito de difusão é central, porque é

exatamente a difusão que cria a situação em que o monopólio tecnológico vai desaparecer. A

única forma de evitar isso seria então uma situação monopólica que prolongasse o ciclo do

produto no interior do capital da própria empresa inovadora. Isto garantiria o monopólio

tecnológico e a renda que dele deriva durante o processo de difusão do produto da sua região de

origem para o resto do país e do mundo. Esta situação nem sempre é possível, já que, quando o

produto está alcançando uma certa maturidade, com grandes investimentos já feitos, a

introdução de novas empresas começam a ser mais fácil, desde que as barreiras de entrada

começam a cair, na medida em que as tecnologias necessárias para a criação de uma nova

empresa já tenderão a estar relativamente mais disponíveis a preços mais baixos. Ademais,

como os custos de inovação já foram quase que totalmente cobertos pela empresa líder,

aumentam as possibilidades de surgimento de empresas rivais incorporando novas tecnologias e

rompendo com o monopólio da empresa inovadora.

É pois lógico esperar que no ponto mais baixo do seno, haja uma tendência do

sistema capitalista a um forte aumento de competitividade. E não é difícil explicar por que

nesses momentos inclusive há uma tendência ao liberalismo econômico como forma de

reconhecimento dessa situação de competitividade aguda, onde as formas de protecionismo

tradicionais do Estado, as formas de subsídios estatais, etc., tornam-se obsoletas e tornam-se

débeis diante das grande forças de competitividade que se estão confrontando a nível

tecnológico. Na realidade, depois de um longo período de estagnação existem um estoque de

novas tecnologias muito significativo a ser incorporado na economia. Sua incorporação

depende em primeiro lugar da desvalorização da capacidade instalada, que se realiza através da

deflação e dos mecanismos já assinalados. Em seguida, ela depende da existência de excedentes

de capital que se interessem em utilizar esta nova vantagem. Somente em terceiro lugar, faz-se

necessário a existência do agente deste processo. Isto é uma nova geração com vontade de

inovar e conhecedora das novas tecnologias que pode ser um grupo de empresários inovadores

ou de tecnocratas audazes ou de líderes revolucionários.

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 29

Page 30: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

Estas inovações supõem que o Estado intervém para favorecer o avanço

tecnológico das suas firmas, supõe também que ele está aumentando o poder de

competitividade e derrubando as barreiras de entrada. Nos países onde dominam as firmas

apoiadas nas antigas tecnologias, o Estado tende a intervir para subsidiá-las permitindo que

mantenham o controle de seus mercados sem desenvolvimento tecnológico. Este tipo de

intervenção estatal adquire, portanto, um conteúdo muito reacionário. Ele é diferente daquela

outra intervenção em que o Estado atua para fortalecer a capacidade inovadora das empresas

que estão introduzindo as inovações. Deve-se distinguir contudo uma faixa média entre as

tecmologias de ponta e as obsoletas, que são empresas que estão difundindo as inovações

tecnológicas anteriores e que necessitam ainda de uma certa proteção estatal, sobretudo diante

do mercado externo que se coloca cada vez mais competitivo pelas mesmas razões defensivas.

O Estado nacional pode ajudá-las a fazer essa difusão, entregaando-lhes a cobertura legal para

que possam copiar os produtos e as inovações produzidas em outros países, por outras empresas

e em outras situações econômicas.

Vemos assim que a visão de Kondratiev nos leva a uma riqueza muito grande

na análise dos ciclos econômicos. Os ciclos longos são tanto uma possibilidade de enfoque, nos

dão portanto uma possibilidade de enfoque da dinâmica econômica extremamente rica. Isso se

dá em grande parte na obra de Ernest Mandel (1972), no seu estudo sobre o capitalismo tardio,

onde ele vai retomar o conceito das ondas longas e vai fundamentar seu movimento apelando

para o conceito das revoluções tecnológicas. Aqui há evidentemente um defeito no seu enfoque,

por não compreender que nos últimos anos a parte científica vai entrar também dentro das

revoluções tecnológicas, para fazer uma revolução própria, uma revolução científico-técnica.

Assumindo um conceito chave da perspectiva marxista, Mandel afirma que as

flutuações nas taxas de lucro são exatamente os fenômenos reguladores dos processos de

acumulação a curto e a longo prazo. Em consequência ele vincula as ondas sucessivas de

expansão e contração, descobertas por Kondratiev aos seguintes elementos: primeiro, às

mudanças na composição orgânica do capital, aspecto que nós já assinalamos anteriormente; b)

à taxa de exploração da força de trabalho, que também já estudamos; c) aos custos das

matérias-primas, que entram na composição do custo industrial e na formação da taxa de lucro

e d) pela disponibilidade do capital ou seja o funcionamento do capital financeiro.

Dessa forma, Mandel distingue na fase a, ascendente, a ação dos seguintes

elementos: o crescimento da taxa de lucro leva à maior acumulação de capital, que leva ao

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 30

Page 31: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

maior crescimento global e uma valorização contínua do capital que, por sua vez, leva a novos

investimentos e a um auge econômico. A fase b, descendente, será resultado então da queda da

taxa de lucro que pode ser exatamente uma conseqüência do próprio auge econômico. Como já

assinalamos anteriormente, o aumento da composição orgânica do capital faz cair a taxa média

de lucro, na medida em que, como já destacou-se, se generalizam as inovações através da sua

difusão pelo conjunto das empresas, de forma a fazer com que as empresas que iniciaram a

inovação percam suas vantagens iniciais obtidas através de uma renda tecnológica, assegurada

pelo monopólio de um processo ou produto.

Isso faz com que caiam os preços em geral, permitindo a entrada no mercado

de empresas de fora do monopólio, ou pelo menos a ameaça dessa entrada já é suficiente para

fazer cair os preços e fazer com que então a composição orgânica do capital se oriente no

sentido de uma baixa da taxa média de mais-valia. Também os custos das matérias-primas

tendem a elevar-se em conseqüência do aumento da demanda de matérias-primas durante o

auge, e a disponibilidade do capital investido também fica comprometida gerrando uma

escassês de capital. É bom destacar que Mandel chama a atenção muito particularmente para o

aspecto político-institucional e para o efeito da luta de classes, como um fator muito decisivo

no comportamento da taxa de mais-valia. Nos períodos de auge da fase A trava-se uma luta

muito forte entre as classes pela hegemonia do sistema político e pelo domínio da distribuição

da renda e, enfim, do processo de acumulação em seu conjunto. A posiçao e força dos

trabalhadores nas fases de ascenso permitem que obtenham importantes conquistas salariais,

nas concições de trabalho e outros aspectos, as quais levam a uma queda da taxa de lucro. A

queda da taxa de lucro leva à queda da acumulação e da taxa de crescimento que, por sua vez

leva a uma desvalorização do capital e portanto a uma situação de depressão.

Como vimos, esta situação de depressão criará condições favoráveis à

recuperação da economia através de um aumento da taxa do lucro em alguns setores, e depois

sucessivamente no resto da economia. Neste momento há uma tendência a racionalizar os

investimentos e portanto a buscar substituições tecnológicas. Com a desvalorização do capital

instalado fica mais favorável para alguns setores fazer novos investimentos com novas

tecnologias que significam custos mais baratos. A implantação desta tecnologia pode criar um

novo monopólio ou uma situação de monopólio tecnológico por um certo período. Os custos

das matérias-primas, com a queda da demanda, tendem a cair e isto estimula mudanças

tecnológicas para poder sustentar esses preços mais baixos. A disponibilidade de capitais sofre,

neste momento, as conseqüências da baixa dos investimentos. Do ponto de vista da luta de

classes, há um aumento muito importante do desemprego que provoca uma perda significativa

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 31

Page 32: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

da capacidade de negociação dos trabalhadores. Como resultado tem-se uma tendência à queda

dos salários, o que também favorece uma recuperação da taxa de lucro. Todo essa situação é

extremamente dura socialmente mas cria condições para que o capitalismo volte a florescer e

se inicie, com a introdução das revoluções tecnológicas, uma nova fase de crescimento.

W. W. Rostow (1978) interveio também nesta discussão, aceitando a tese das

ondas longas. Mas Rostow entende as ondas longas como um desvio do equilíbrio dinâmico de

crescimento. Este equilíbrio seria igual aos investimentos apropriados aos requerimentos do

produto por setor num determinado nível de renda real e de pleno emprego. Como vimos,

portanto, dentro dessa visão neoclássica, torna-se muito difícil incluir a dinâmica da mudança

tecnológica dentro dos modelos de funcionamento da economia. Na visão marxista, ao

contrário, é o próprio crescimento que gera o descenso, e é este que gera o crescimento.

Portanto, não há nenhuma questão metodológica a resolver, senão a análise do

próprio funcionamento da economia. Numa visão neoclássica, como a de Rostow, parte-se de

uma noção de equilíbrio e portanto o desequilíbrio, isto é, o ciclo, tem de ser explicado por

algum fator externo. Daí então a conduta do investidor aparecer como um elemento muito

importante, onde os indicadores do lucro esperado dão o fluxo de potencialidade de invenção, e

portanto nós teríamos uma situação de desequilíbrio toda vez que se produz uma brecha entre a

decisão de investir e a realização da inversão. Então, formam-se mais estoques de capital, que é

igual a mais investimento, que é igual a subprodução do setor, que é igual a custos mais

elevados. Tudo isso conduzindo portanto a uma situação de recessão. O novo boom sairia então

da continuação do fluxo de oportunidades de inovação, através também dos resultados dos

investimentos no início do boom. O fluxo de oportunidade de inovação levaria a uma renda real

mais alta, e aí se alcançaria uma lucratividade maior, e se teria uma lucratividade maior

esperada por setor, que é reforçada por custos mais baixos, como resultado dessas novas

inovações.

Produz-se, em conseqüência, uma taxa de estabilidade, uma tendência à

estabilidade no nível do consumo ou até mesmo um aumento no nível do consumo, há um

crescimento da força do trabalho por fatores não afetados pela depressão, e esse crescimento da

força do trabalho pode permitir exatamente também um crescimento da demanda do nível de

consumo, mantendo assim as condições para um novo boom econômico. Rostow teve um papel

importante na discussão da teoria do desenvolvimento, exatamente por estabelecer uma noção

do desenvolvimento como como estágios sucessivos. Ele estabelece cinco fases sucessivas que

todo país tem de seguir para alcançar o desenvolvimento, às quais agrega posteriormente uma

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 32

Page 33: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

sexta. Trata-se de uma mistura de uma visão evolucionista em que se apresenta a evolução da

sociedade capitalista moderna como um modelo ideal e ao mesmo tempo histórico. Este modelo

muito duvidoso de evolução deve servir de modelo para todos os outros paises. Desenvolver-

se seria assim repetir a bem sucedida experiência das economias capitalistas (claro que estas

experiências foram devidamente depuradas para retirar-se delas os Cromwel, as revoluções

como a francesa, as guerras, as revoluções anti-coloniais, o fascismo e o nazismo).

Nem Rostow, nem nenhum economista que parta das premissas neoclássicas

poderá jamais produzir um legítimo conceito de um sistema econômico mundial, um sistema

que se faz e se organiza a nível mundial. Também é impossível produzir uma história

econômica dos ciclos longos que encontre uma explicação científica adequada.

Outros autores trabalharam sobre o a temática das mudanças a longo prazo,

identificando inclusive uma sucessão de ondas de ascenso e descenso na economia mundial,

mas não necessariamente aceitaram o conceito das ondas longas de Kondratiev. Um caso

extremamente interessante é exatamente o dos autores franceses da teoria da regulação, entre os

quais se destaca Gérard Destanne de Bernis (1987) , que foi na verdade o grande inspirador da

escola da regulação e será também um dos que tentarão um enfoque da economia internacional

do ponto de vista da teoria da regulação. Ele distingue as variáveis de acumulação, as variáveis

de concentração e as variáveis de competição no conjunto da evolução capitalista

contemporânea, mostrando que os processos de regulação ocorrem na busca de um certo

equilíbrio entre essas variáveis, toda vez que o processo de produção capitalista está

permanentemente corroendo as possibilidades de equilíbrio no processo de acumulação, no

processo de concentração e portanto também no processo de competição.

Apesar de sua contribuição muito interessante para a análise da história recente

da economia internacional, este tipo de enfoque não aceita a idéia de que haja um movimento

regulado de ascenso e descenso dentro da economia mundial. Ele também não aceita a tese de

que nesse movimento haja um certo ritmo, ritmo este que seria explicável exatamente por

elementos da própria acumulação de capital, identificáveis através da análise do processo de

inovação. Nem incorpora o papel deste processo dentro da competição capitalista como

desestabilizador permanente dos equilíbrios parciais alcançados em cada um desses momentos

históricos do processo de acumulação.

A obra de De Bernis é, contudo, muito importante, não somente por sua

ambiciosa análise global das teorias e processos da economia mundial, sobretudo na edição de

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 33

Page 34: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

1987 de seu tratado sobre As Relações Econômicas Internacionais, onde ele procura analisar a

estruturação de dois sistemas de produção a nível mundial: os sistemas produtivos estruturados

em torno de uma industrialização voltada para o comércio mundial, a exportação de capitais, a

especulação financeira, a existência de uma moeda dominante, e onde se pode se ver as

contradições do processo de acumulação que levam a uma crise dos modos de regulação. Ele

parte do século XIX, mostrando a tendência a uma longa baixa dos preços no último quarto

deste século, a existência de uma nova modalidade de concorrência, uma transformação das

estruturas produtivas na direção de uma economia monopólica, e a desestruturação

conseqüente dos espaços dos sistemas produtivos e aparecimento do investimento direto no

exterior, cojunto de transformações que vão mudar o processo de regulação, afetando o

comércio, a relação metrópole-colônia e a estabilidade estrutural do processo de acumulação e

do sistema monetário internacional, que leva então a uma nova crise do processo de regulação

entre as duas guerras mundiais.

A partir da Primeira Guerra se estabelece uma nova estabilidade do processo de

acumulação no quadro das relações econômicas internacionais, em que novas regras do jogo

internacional são impostas, criam-se as premissas de uma Europa européia e se criam enfim as

relações internas a cada um dos sistemas produtivos, estabilizando os espaços dos dois sistemas

produtivos. Ao lado, geram-se novas forças de transformação muito importantes, como a

descolonização, a internacionalização do intercâmbio e a consciência da unidade do Terceiro

Mundo, o fenômeno de regionalização e a transnacionalização da produção. E, ao mesmo

tempo, desenvolvem-se também as relações entre os sistemas produtivos, emtre as quais a

questão da convertibilidade externa das moedas européias é um dos pontos importantes, a crise

do dólar reflete as conseqüências das dificuldades da balança de pagamento americana, e dá

nascimento a um amplo e crescente mercado de ouro e divisas, à extensão das firmas

internacionais, ao abandono da convertibilidade do dólar e por fim, levando ao

desenvolvimento do comércio internacional com a extensão do seu volume e à mudança das

suas características gerais com o nascimento da Europa e a explosão do Japão que leva ao

aumento do comércio entre os países industrializados.

Tudo isso nos leva à idéia de uma economia mundial, que se aproxima do

conceito de sistema do mundo. E à tentativa de analisar a crise dessa economia mundial dentro

da teoria da regulação, como transição de um equilíbrio internacional a outro. Desta maneira, a

crise se inscreve no movimento geral do capital, no qual as empresas multinacionais ocupam

um papel fundamental. Contudo, De Bernis será muito contundente em afirmar que a crise

mundial ainda está apoiada nos níveis nacionais. Para ele, as contradições da tecnologia

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 34

Page 35: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

transnacionalizada mostram os limites desse processo de transnacionalização. A

multinacionalização e a transnacionalização bancárias, por outro lado, procuram impulsar mais

ainda esse processo, mas a integração das economias nacionais e da economia internacional

continua a ser um processo complexo e contraditório. A internacionalização do capital é o

instrumento mais importante dessa economia mundial, mas é também uma das razões

fundamentais da sua crise, que se vê como sobretudo uma transição de um modo de extração da

mais-valia a outro.

Minha posição sobre essas questões deve ficar bastante clara ao finalizar este

balanço teórico. Parto da constatação empírica das ondas longas e proponho como explicação

dessas ondas longas o mecanismo das inovações, distinguidas entre as inovações primárias,

secundárias e terciárias, e coloco o processo de difusão ao lado do processo de inovação para

explicar o mercanismo das ondas longas e seus vínculo com os fatores micro-econômicos.

Nesta altura devo chamar a atenção para um excelente texto Nathan Rosenberg em que crítica a

Schumpeter por não considerar o processo de difusão como parte da formação do ciclo de

expansão capitalista a longo prazo.

Ao analisar o processo de inovações proponho uma distinção bastante clara do

papel dos instrumentos de produção como elemento mais dinâmico da mudança tecnológica.

Seus avanços afetam profundamente o conjunto do processo do trabalho e atuam sobre a oferta

de energia, os transportes e outros aspectos da produção e do consumo, e sobre os serviços em

geral que representam um papel cada vez mais crucial no processo da produção no seu conjunto

como reflexo da revolução científico-técnica.

Por isto dediquei em outros trabalhos um bom conjunto de estudos à

automação e seu papel na dinâmica sócio-econômica contemporânea. Ela tem uma posição

fundamental na conformação do processo de produção atual e seu impacto é fundamental sobre

o conjunto do sistema produtivo, a circulação de mercadorias, as mudanças institucionais e as

mudanças nas relações de classe. Daí ver com muito interesse, por exemplo, os estudos do

grupo de regulação sobre as mudanças do regime de produção fordista para o que eles chamam

toyotismo. Este elementos forma muito bem articulados com outros conceitos inovadores em

estudos menos ortodoxamente regulacionistas, sobretudo no informe sobre tecnologia da OCDE

ao qual já fizemos referências anteriormente.

Isso tudo nos conduz à necessidade de integrar essas variáveis econômicas

básicas do processo de acumulação, com o papel da ciência e da tecnologia e das estruturas

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 35

Page 36: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

científico-tecnológicas. Pois evoluimos das estruturas tecnológicas para as estruturas científico-

tecnológicas que organiam a nova fase do processo de produção no seu conjunto e em suas

implicações sobre as relações de trabalho, sobre a luta de classes, sobre a organização da classe

empresarial, sobre a organização do movimento dos trabalhadores, que deverá representar um

papel muito importante na reestruturação institucional do mundo contemporâneo, sobre as

unidades nacionais e as forças geopolíticas, que também estão em ação.

Desta forma, a construção de um modelo explicativo do funcionamento da

economia mundial passa necessariamente por essa combinação entre as ondas longas nas suas

fases A e B, os ciclos mais curtos, cuja evidência é indiscutível, as estruturas científico-

tecnológicas, os paradigmas tecnológicos, que é um conceito que se introduziu na década de 70,

80, com um valor heurístico muito forte, e as mudanças no processo de produção, com seus

impactos institucionais, com seus impactos sobre a luta de classes e seus impactos sobre as

estruturas de poder nacionais e mundiais, e seus impactos sobre a geopolítica mundial.

A S C R ISE S E C O N ÔM IC A S E S T R UT UR A IS . A F AS E b D AS O ND AS L O N GA S D E

K ON DR A T IE V E A S MU D AN Ç AS T E C NO L Ó G IC A S

Passamos agora à analise da relação entre as crises econômicas e as mudanças

tecnológicas. Para tal fim, é necessário destacar que a crise é um fenômeno estrutural ao

funcionamento do sistema capitalista.

Já desenvolvemos a nossa interpretação sobre o movimento cíclico e as crises

cíclicas, estudadas por Marx, que se repetem a cada 10 anos. Só nos interessa destacar que

Marx ressaltava a importância da relação entre estas crises e as mudanças tecnológicas.

Segundo ele, as crises desvalorizam fortemente o capital constante (sobretudo sob a forma de

maquinária utilizada), e o capital variável gerando as condições para novos investimentos que

substituem trabalho por maquinárias. Produz-se, em conseqüência, um incremento na

produtividade do trabalho e se recompõe a taxa de lucro dando origem à saída da crise, que gera

uma nova situação de auge e cria as condições para uma nova recessão.

Como vimos, Marx e outros autores do século XIX trabalharam sobretudo

sobre os ciclos de 10 anos, que foram estudados mais em detalhe por Juglar.

Somente no século XX Kondratiev descobrirá as ondas longas, que são ciclos

de aproximadamente 50 anos, nos quais se sucedem 25 anos de crescimento e 25 anos de crise.

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 36

Page 37: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

Na explicação destes ciclos longos Kondratiev incorpora os efeitos dos fatores tecnológicos. Ele

associa estes movimentos cíclicos à entrada de novas tecnologias e às ondas de investimento

que permitem os períodos de auge. Nas ondas longas, ele define uma fase a, de auge, e uma

fase b, de desaceleração ou de crises, na qual ocorre o esgotamento da base tecnológica

existente, tornando obsoleto o complexo de maquinárias e equipamentos diante das novas

possibilidades tecnológicas, e exigindo a sua substituição.

A saída das crises e o início dos auges estão associados a profundas mudanças

nesta base tecnológica. Trata-se, em primeiro lugar, da incorporação de novas tecnologias para

a produção que mudam as maquinárias e obrigam a substituir as anteriores, criando uma onda

de investimentos.

A tese de Kondratiev foi retomada por Schumpeter após a crise de 1929. Ele

desenvolveu uma associação mais clara entre a crise e os novos investimentos. Para ele, a

destruição das antigas tecnologias, ocorrida nos períodos de crise, abre caminho às novas

tecnologias, que se introduzem nos vários ramos produtivos, impactando o resto da economia e

dando origem a um novo auge.

Estudos mais recentes identificam a existência de inovações tecnológicas

primárias, secundárias e terciárias. Inovações primárias seriam aquelas que inauguram todo um

setor econômico novo e que dão origem a novas instalações, a novas demandas de matérias-

primas e a novos investimentos e adaptações, inclusive fora do seu próprio setor. Secundárias e

terciárias são aquelas inovações que dão origem a uma nova onda de investimentos, que se

inicia pelos setores que geram insumos para o núcleo inovador, e que se estende,

posteriormente, a novos usos e demandas geradas pelo novo produto ou processo. As inovações

terciárias seriam o resultado do impacto provocado pelas novas tecnologias primárias e

secundárias em novos setores, sem maiores vínculos com o núcleo das inovações primárias.

Nesses estudos, podemos identificar a existência de ondas de inovações que

afetam vários setores e se traduzem em milhares de novos produtos e processos que poderiam,

de alguma forma, explicar os movimentos de ondas longas de crescimento econômico, com

seus investimentos e seus impactos sobre a renda nacional.

É necessário notar que as conjunturas de alto investimento são precedidas por

longas fases de crise em que as recessões e as depressões predominam sobre os auges. Nestes

períodos, ocorre uma forte desvalorização do capital instalado, em decorrência das quebras e

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 37

Page 38: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

falências. Ao mesmo tempo, o aumento do desemprego desvaloriza o preço e até mesmo o

valor da força de trabalho. A recessão diminui também a demanda de matérias-primas e tende a

rebaixar seus preços. As maquinárias e instalações, as matérias-primas e a mão-de-obra são os

elementos básicos que compõem os custos de produção e influenciam a taxa de lucro. Uma

desvalorização maciça do capital instalado, das matérias-primas e da força de trabalho cria

condições favoráveis para a recomposição da taxa de lucro. Desta forma, a crise funciona como

um fator recuperador da economia. Esta é a "destruição criadora" de que nos fala Schumpeter.

Nestes períodos, as guerras, as crises sociais e as revoluções costumam apressar e radicalizar

estes processos de destruição, inaugurando novas formações sociais.

A dinâmica dos investimentos está associada, secundariamente, ao problema do

mercado e suas oscilações. A depressão do mercado por quebras de empresas e desemprego

aumenta a disponibilidade destas para aceitar e incorporar inovações importantes. Com isto,

elas passam a se diferenciar das demais e a diversificar seus produtos, deslocando as empresas

antigas, cujo capital imobilizado as impermeabiliza às inovações revolucionárias.

Na fase atual do capitalismo, onde a destruição de um setor econômico afeta

milhões de trabalhadores e gerando profundos problemas sociais, estas mudanças são

impensáveis sem a forte intervenção do Estado para desmobilizar as empresas, ressarcir os

trabalhadores e promover sua recapacitação para integrá-los em novos setores. Exemplos desta

nova fase do capitalismo monopolista do Estado estão na desativação dos setores siderúrgicos

nos EUA, França e Espanha, ou nas minas de carvão da Inglaterra, nas décadas de 70 e 80.

Somente através destes mecanismos globais é possível imaginar a possibilidade de novas ondas

longas de investimento. O Estado terá que assegurar os gastos de pesquisa e desenvolvimento

(P&D) e o estabelecimento de estratégias globais de investimento. Na verdade, estas

transformações do caráter do Estado estão em plena execução, como veremos adiante, apesar da

cortina de fumaça do "neoliberalismo".

As novas ondas longas de crescimento estão associadas à introdução destas

novas tecnologias. Esta introdução se realiza através de ondas sucessivas, que definem um novo

padrão ou paradigma tecnológico, que só assumirá sua configuração completa ao fim do

período de inovações. A partir de então, as economias de escalas não recomendam novos

investimentos. Cada novo investimento tenderá a ter uma taxa de lucro decrescente e dará

origem a uma tendência ao desinvestimento e a uma nova crise, com todos os seus efeitos já

analisados.

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 38

Page 39: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

Do ponto de vista internacional, o movimento de inovações é acompanhado

pela difusão das novas tecnologias para outros países, através do crescimento dos investimentos

no exterior. No primeiro momento de evolução do capitalismo, tendeu-se a produzir uma

divisão de trabalho a nível internacional, de tal forma que as inversões externas atendam as

demandas de matérias-primas e insumos intermediários, que têm sua origem nos países

centrais. Os países receptores dos investimentos introduzem inovações determinadas pelo

avanço tecnológico dos centros econômicos internacionais, dos quais conhece somente seus

efeitos em campos produtivos específicos ligados aos seus setores exportadores. Dessa forma, a

difusão das inovações para o exterior abre novas fases de investimento e estende os auges

capitalistas, mas não cria novos centros tecnológicos competitivos, que surgem paralelamente

aos países centrais e não em suas áreas de investimento.

Os portugueses e espanhóis, por exemplo, não difundiram sua tecnologia naval

para a América, África ou Ásia. Foram seus competidores holandeses e ingleses que dominaram

essa tecnologia, deslocando-os progressivamente dos mares nos séculos XVII e XVIII. Com a

Revolução Industrial no fim do século XVIII e na primeira metade do século XIX, a Inglaterra

assume a liderança. A acumulação capitalista na França fez-se paralelamente à inglesa e

holandesa, mas teve um impulso menos radical. A expansão do capitalismo alemão, que se deu

na segunda metade do século XIX, não necessitou do capital inglês ou holandês para incorporar

a onda de inovações produzidas pela segunda fase da Revolução Industrial com a produção de

máquinas em bases industriais. Houve inclusive, no caso da Alemanha e também do Japão, um

fechamento para o capital externo, só aceito como complementar ao nacional. Na Russia, no

final do século XIX, a expansão industrial se fez em grande parte com a participação do capital

francês e inglês, o que debilitou sua burguesia e sua revolução democrática, que terminou sendo

hegemonizada pelos partidos operários. Nos Estados Unidos, houve uma importação de capital

inglês, mas este foi posteriormente nacionalizado sem que se fossem dadas maiores satisfações.

Com o avanço posterior da integração da economia mundial, particularmente

depois da Segunda Guerra Mundial, fez-se mais direta a expansão das inovações para o exterior

pela via do investimento externo. Este fenômeno foi analisado por Raymond Vernon que

utilizou o conceito do "ciclo do produto". Segundo seus estudos, há uma maturação da curva de

difusão dentro de cada mercado, que dá origem ao surgimento de novas curvas de investimento

e difusão do mesmo produto no exterior, de tal forma que há um ciclo de expansão dos

produtos para o exterior, ao qual o próprio processo de internacionalização do capital está

associado. Desta forma, o movimento do capital tende a acompanhar a difusão dos novos

produtos ou processos que estão sob seu controle, na medida em que aumenta a integração entre

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 39

Page 40: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

a capacidade de monopólio do mercado e o monopólio de novas tecnologias. Quanto maior este

movimento de capitais, maior a difusão internacional das tecnologias e mais rápida a

internacionalização dos auges e das crises econômicas, que se difundiram primeiro na Europa

para o conjunto da economia mundial e depois nos Estados Unidos para uma economia mundial

cada vez mais integrada.

Nesta nova fase do capitalismo é o movimento de capital, apoiado no

monopólio tecnológico, que comanda a desestruturação e a reestruturação do comércio mundial

e que determina a divisão internacional do trabalho. Grande parte deste comércio se realiza no

interior das empresas, que localizam suas unidades produtivas em várias regiões do mundo,

importando partes e exportando produtos semi-acabados ou finais. Ou seja, existe um centro de

expansão na qual a inovação surge e de onde ela começa a se expandir para novos centros de

produção na semi-periferia e na periferia.

Este mecanismo de concentração das fontes de inovação está associado ao

imperialismo e à existência de uma potência hegemônica estruturando o comércio mundial e a

divisão internacional do trabalho. Ele é, em parte, resultado da ação do mercado mundial em

formação e, em parte, das instituições que comandam este mercado, essencialmente

oligopólico: as instituições econômicas dos Estados nacionais, os monopólios, os trustees, os

cartéis e os investimentos em carteira ou diretos.

Na fase inicial do sistema capitalista mundial, a questão da hegemonia teve que

ser resolvida pela força das armas. As guerras napoleônicas, a guerra franco-prussiana de 1870,

a guerra russo-japonesa, etc., foram antecipações das duas grandes guerras deste século. Estas

tentaram resolver definitivamente a crise da hegemonia inglesa provocada pelo surgimento de

novas potências com a ascensão dos EUA, da Alemanha e do Japão. Essa conjuntura só foi

superada com o estabelecimento de uma nova hegemonia mundial norte-americana após a

Segunda Guerra Mundial. Somente através desta hegemonia foi possível restabelecer uma

moeda de curso mundial e um sistema de liquidez capaz de estimular o comércio mundial.

Os períodos de crise se manifestam por uma desintegração da economia

mundial. Esta se realiza, contudo, de forma assimétrica. A crise tende a originar-se nos centros

onde as inovações já se esgotaram, enquanto países mais atrasados estão recebendo as ondas

inovativas e ainda estão em etapas de crescimento, enquanto a economia internacional já está

decaindo. Nestes períodos há uma forte luta entre protecionismo e liberalismo. Os países

hegemônicos da fase anterior tendem a fechar-se, enquanto as potências emergentes buscam

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 40

Page 41: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

impor princípios liberais. Na medida em que as novas potências se impõem, há uma tendência

para uma economia mundial liberal na qual o mercado estabelece os novos equilíbrios,

provocando uma dinamização das economias exportadoras. As novas ondas de inovação vão

rompendo com os padrões tecnológicos anteriores e surgem novas capacidades produtivas.

Aprofunda-se, em parte, o período de crise no qual as economias centrais da fase anterior já não

conseguem proteger seus mercados e sua tecnologia superada. Acirra-se dramaticamente a

concorrência e aumenta-se a incorporação de inovações importantes.

Analisando 80 inovações importantes durante 1921 e 1957, o economista

holandês J. Van Duijn encontrou os seguintes resultados, ao relacioná-las com as fases dos

ciclos longos de Kondratiev: durante o período de recessão de 1921-29 ocorreram 5 inovações;

na depressão de 1930-37 ocorreram 11 inovações; na recuperação de 1938-48 introduziram-se

15 inovações; e no período de prosperidade entre 1949-57 foram incorporadas 9 inovações.

Esta constatação de Van Duijn é confirmada por outros estudos e pela lógica

econômica que descrevemos acima. São os períodos de depressão e recuperação que mais

estimulam a introdução de mudanças tecnológicas, enquanto os períodos de prosperidade se

caracterizam pela difusão destas inovações e a introdução de um menor número de inovações,

em geral secundárias e terciárias.

É natural, pois, que os períodos de depressão e de recuperação se caracterizem

pela destruição das empresas que tentam preservar os padrões tecnológicos superados. Cada

retomada do processo expansivo é acompanhada por uma fase tecnológica nova e um novo

padrão ou paradigma tecnológico. A tendência de cada novo padrão tecnológico é apresentar,

no início, uma desconcentração industrial pela introdução de novas empresas competidoras.

Mas, no seu transcurso, estas empresas tendem a consolidar um novo monopólio e a criar uma

concentração tecnológica muitas vezes superior.

A concentração tecnológica assume, em alguns períodos, uma forma espacial de

grandes unidades de produção. Mas, em outros períodos, ela se diversifica em pequenas

unidades de produção integradas entre si e formando vastos complexos produtivos. A tendência

do capital tem sido procurar a diversificação das unidades produtivas e sua separação no

espaço, porque a concentração espacial é adversa ao capital. Toda concentração de produção é,

ao mesmo tempo, uma concentração dos trabalhadores. Isto aumenta sua organização e sua

capacidade de ação política. Então, o capital busca localizar de maneira desconcentrada suas

unidades produtivas. Mas é necessário manter a concentração tecnológica porque, mesmo

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 41

Page 42: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

separadas fisicamente, estas unidades produtivas são interdependentes entre si e formam partes

de uma mesma unidade final de produção.

O sistema produtivo que predominou até os anos 70 foi desenvolvido a partir da

Segunda Guerra Mundial e baseava-se em sistemas de montagem final de partes e compostos de

várias unidades dispersas dentro do país ou mesmo internacionalmente. Estas unidades podiam

pertencer a uma mesma firma ou serem empresas subcontratadas pela montadora. Em geral

estas empresas subcontratadas eram, e ainda são, pequenas e médias e sem nenhuma

independência econômica. Trata-se, muitas vezes, de assalariados disfarçados que correm o

risco dos investimentos básicos. São transmitidas para elas funções de gestão e riscos que as

grandes companhias não querem bancar. E isso ocorre tanto na cidade como no campo. No

setor agrícola, quem assume o risco da produção são os pequenos produtores, convertendo-se

em setores subordinados aos compradores dos produtos agrícolas e aos fornecedores de

insumos e de financiamentos.

Desta forma, cada nova onda tecnológica leva, de início, a uma

desconcentração mas finalmente a uma concentração tecnológica. Esta se expressa, porém,

numa complexidade crescente de elementos (partes e peças) que compõem os produtos e na

interdependência crescente dos setores e ramos de produção. Ela leva também a uma

concentração econômica e empresarial que, como foi mencionado, nem sempre se manifesta

numa concentração das unidades de produção, mas numa hierarquia e subordinação entre

pequenas, médias e grandes empresas.

É inevitável, também, a centralização do capital, posto que a possibilidade de

formar estas unidades empresariais maiores depende de que os capitais pequenos se concentrem

e se centralizem. É o fenômeno da socialização do capital já analisado por Marx no século XIX

quando surgiram as sociedades anônimas. Ele mostrava que a concentração da tecnologia e da

produção obrigava o capital a centralizar-se pela via da associação dos capitalistas. E a forma

mais perfeita dessa associação era a sociedade anônima. Mas não foi e não é suficiente que os

capitalistas individuais formem sociedades de capital. Com o tempo, as próprias empresas

passaram a se associar umas com as outras, dando origem às holdings e aos trustees, que

representavam formas de associação de capitais e de empresas cada vez mais complexas.

Na atualidade, as corporações multinacionais geram unidades empresariais com

diversas formas de associação. Surgem, ao mesmo tempo, os conglomerados, que unificam

empresas dos setores mais diversificados em função das estratégias de inversão de capital, e as

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 42

Page 43: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

redes empresariais, que são associações informais de empresas em torno de algum centro de

prestação de serviços, em geral associadas às novas tecnologias de comunicação e informática.

Também não devemos desprezar o aparecimento dos investidores institucionais,

entre eles os fundos de pensão dos trabalhadores, cujo imenso volume de recursos que

administram os converte em investidores privilegiados, sobretudo nos países desenvolvidos.

Apesar destes recursos serem geridos pelo sistema financeiro e se colocarem a serviço de suas

estratégias financeiras, em alguns países como a Suécia os trabalhadores vêm despertando para

o poder econômico que podem representar tais recursos se administrados pelos próprios

trabalhadores ou se convertidos em força de barganha com o capital.

Há ainda que se considerar o crescimento de formas empresariais e

institucionais coletivas como as cooperativas, as fundações e outras, que vêm introduzindo

desde o século passado elementos coletivizantes no universo econômico capitalista.

Mas entre todas estas formas de socialização da propriedade e da gestão no

interior do capitalismo, a mais importante é o crescimento do capitalismo de Estado. A

intervenção do Estado se explica devido a duas razões principais: primeiramente, porque o

processo de concentração da produção leva a uma composição orgânica do capital crescente, e

esta leva à baixa da taxa de lucros nos setores economicamente mais concentrados. Uma das

formas de que dispõe o capital privado para manter sua taxa média de lucros elevada é transferir

progressivamente para as mãos do Estado as atividades que apresentam taxas de lucros baixas.

Em segundo lugar, o desenvolvimento e a expansão das unidades de produção, provocando

maior concentração e centralização, exige a crescente intervenção do Estado para disciplinar o

intercâmbio, a circulação e o próprio processo de produção. Os monopólios, os preços

administrados das empresas estatais, os subsídios e os efeitos das taxas de juros artificiais

passam a violar constantemente a lei do valor como instrumento do intercâmbio capitalista. A

concentração da produção, o monopólio e a intervenção estatal rompem o funcionamento

normal do mercado. Dessa forma, o Estado tem que intervir cada vez mais para regular o

intercâmbio na economia.

Junto a tudo isso, aparece a internacionalização da produção, já que todo esse

processo é parte da expansão da economia capitalista internacional, como vimos anteriormente.

Cada nova onda de crescimento gera uma etapa superior de concentração

econômica, centralização de capitais, monopolização, internacionalização e intervenção do

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 43

Page 44: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

Estado. Estes níveis mais altos de socialização da produção no interior de um regime de

propriedade privada acentua as contradições globais do sistema. Mas estas não se manifestam

negativamente nas fases de expansão pois ela acomoda os interesses em confronto. Mas, na

medida em que se esgota o período de expansão, abre-se o caminho para a expressão aberta

dessas contradições que se acumulam através de processos sucessivos, cada vez mais

profundos, de confrontações entre patrões e assalariados, entre os monopólios e os pequenos e

médios proprietários, entre os centros de acumulação de capital distribuídos setorial ou

regionalmente (confrontos que se expressam, às vezes, em violências étnicas, regionais e

locais), e entre os países centrais entre si e destes com as zonas semi-periféricas e os países

dependentes.

Desta forma, os períodos de depressão são caracterizados por confrontações

crescentes e de natureza cada vez mais dura entre os vários componentes do sistema capitalista

mundial, das unidades econômicas regionais e nacionais e, dentro destas, entre classes, grupos

sociais e poderes locais.

As fases das depressões longas a nível internacional são caracterizadas por um

período inicial de inversões artificiais, de caráter especulativo, que sucedem a queda de

inversões produtivas. Logo em seguida, dá-se o crescimento da especulação financeira, com

aumento da inflação, até que, posteriormente, produzem-se as grandes quebras e a desinflação.

Nestes períodos, produz-se o aumento do protecionismo tentando impedir a redefinição da força

relativa dos países, que terminam cedendo a uma nova onda de "livre" comércio que visa

consolidar as novas lideranças criadas pelos novos investimentos. Eles são, assim, períodos de

"limpeza" das estruturas produtivas internas dos principais países, com a destruição dos ramos

obsoletos tecnologicamente e a afirmação dos novos ramos e setores viáveis nas condições do

novo padrão tecnológico.

Vemos, assim, que a análise dos períodos longos, com predominância das

depressões, consideradas a fase b dos ciclos longos de Kondratiev, exige um aparato analítico

que logre articular elementos micro e macroeconômicos. Ao mesmo tempo, na fase atual do

capitalismo monopolista de Estado, temos que considerar sempre a relação dos mecanismos

econômicos puros com a ação consciente dos homens através dos seus meios de ação sobre a

economia, que são cada vez mais sofisticados.

As chamadas "expectativas racionais" exercem uma influência crescente na

dinâmica econômica do capitalismo contemporâneo, mas mudam muito pouco as suas

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 44

Page 45: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

determinações básicas. Elas determinam o comportamento dos agentes econômicos, mas não o

resultado de suas ações, que podem ser o oposto das expectativas que as motivaram. O

marxismo e a psicanálise desenvolveram um novo paradigma científico exatamente porque

consideraram as motivações explícitas dos fatores um dado secundário e independente do

resultado de suas ações. Fazer "ciência" acreditando que as expectativas produzem resultados

esperados é um retrocesso metodológico. Acreditar que estas expectativas sejam variáveis e

independentes é também, no mínimo, infértil.

Outra série de fenômenos que alteram definitivamente as realidades micro e

macroeconômicas se ligam à ação consciente dos monopólios que possuem instrumentos de

medição dos mercados, que lhes permitem aumentar sua influência sobre ele, realizada através

da publicidade e do marketing, envolvendo inclusive a formação dos preços e a sua

administração. Neste campo minado, devemos considerar ações e decisões de ordem estrutural

tais como: a) as barreiras de entrada; b) as ações de dumping; c) a cartelização; d) as comissões;

e) as influências sobre as decisões das empresas e instituições compradoras ou fornecedoras,

que envolvem a política de relações públicas, a política financeira da empresa e as especulações

financeiras cambiais com seus recursos excedentes, o endividamento como instrumento

financeiro, e as políticas de inversões e fusões. Enfim, o nível microeconômico não pode

separar-se, hoje, da ação consciente da administração da empresa e de suas estratégias de

crescimento em relação aos fatores macroeconômicos.

Mais decisiva é, contudo, a articulação das decisões microeconômicas com a

ação do Estado. Este não somente determina o quadro macroeconômico em que operam as

grandes empresas (política de investimento estatal, estratégia de desenvolvimento, política

fiscal, taxa de juros, taxas de câmbio, política de salários, subsídios, etc.), como afetam

diretamente suas variáveis microeconômicas (contratos de venda para o setor público,

financiamentos da pesquisa e desenvolvimento, estratégias de mercado e políticas setoriais,

entre outras). Nos nossos dias, as práticas comerciais são cada vez mais um subproduto do

planejamento estatal articulado com as decisões das grandes empresas. Estas se vêem obrigadas

a definir políticas globais para os setores em que atuam, antecipando-se às tomadas de decisão

estatais. Estas se baseiam, na maioria dos casos, em dossiês e propostas de política e legislação

emanadas diretamente das empresas ou dos órgãos de classe do empresariado.

Forma-se, assim, uma interdependência crescente entre Estado e empresa, que

passa a reger o funcionamento do sistema no seu conjunto. Esta simbiose deve reconhecer,

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 45

Page 46: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

contudo, a lógica global deste funcionamento, tal como os ciclos longos, e ajustar a ação desses

agentes a estas circunstâncias estruturais.

É assim que as políticas estatais passam a dirigir os fenômenos típicos das

etapas recessivas. É através da ação do Estado que se organiza a desativação de setores inteiros.

O Estado assume os custos da desativação do setor, entende-se com os sindicatos para

reorientar a mão-de-obra afetada e promove a transferência destas indústrias para outros países

através dos ajustes econômicos, das políticas cambiais e tecnológicas e das ajudas econômicas.

Estes processos assumem, às vezes, dimensões determinantes para a economia

de países inteiros. Este foi o caso da transferência, no início da crise de longo prazo iniciada em

1967, dos centros produtores de petróleo para os Estados do Terceiro Mundo. Venezuela,

Equador e os países árabes assumiram o controle das empresas petroleiras num movimento

internacional mais ou menos sincronizado, ao fim da década de 60 e começo de 1970. Já nos

anos anteriores, havia se iniciado a transferência das empresas multinacionais de serviço

público e mineiras para a propriedade estatal dos países do Terceiro Mundo. Estas mudanças,

que aumentaram drasticamente o capitalismo de Estado nestes países, foram realizadas tanto

por governos progressistas, como por governos de direita militar sob hegemonia das

multinacionais.

No início da década de 70, tivemos a transferência da produção de petróleo das

multinacionais para o setor estatal. Na segunda metade da década, houve a desativação do setor

siderúrgico europeu e norte-americano e o financiamento a uma siderurgia substitutiva,

primeiro no Japão e, em seguida, nos NICs (financiamentos assumidos em geral pela ação dos

Estados destes países, mas através do endividamento internacional). A década de 70 foi

marcada também por outros fortes movimentos estatizantes, tais como a nacionalização do

cobre chileno (mantido pelo regime fascista de Pinochet); a nacionalização do sistema bancário

e financeiro português, mexicano e francês (revestidos em parte substancial nas décadas de 80 e

90); as reformas agrárias chilena e portuguesa; e as mudanças drásticas de propriedade em

Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde.

Neste processo de alargamento do capitalismo de Estado devemos inscrever

também o aumento dos gastos públicos nos Estados Unidos e na Europa (que ampliam ainda

mais nas décadas de 80 e 90, não havendo uma reversão radical à vista, apesar do consenso

sobre a necessidade de sua eliminação ou diminuição). Junto ao crescimento da dívida pública,

deu-se a entrada do Estado na definição das taxas de juros nos Estados Unidos e na Europa, ao

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Page 47: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

lado dos países devedores do Terceiro Mundo. Na verdade, apesar do clima neoliberal que

terminou triunfando nos anos 80, aumentou-se a intervenção estatal nos mecanismos

econômicos em áreas antes consideradas livres do controle público. Tudo isso vinha somar-se

ao crescimento da intervenção pública nos anos da pós-guerra até a década de 60, sob a égide da

formação do Estado do bem-estar e do planejamento indicativo.

Na verdade a década de 80 representou somente uma tentativa de correção deste

intervencionismo estatal através dos processos de desregulamentação de importantes setores,

como a aviação comercial; através da diminuição de barreiras alfandegárias e de alguns

subsídios estatais, sobretudo às populações pobres; representou também uma corrida ao

patrimônio público através da chamada "desestatização" ou privatização de empresas públicas.

Os dados revelam, contudo, a modesta dimensão dessas privatizações diante dos fenômenos

estatizantes gigantescos nas décadas anteriores e mesmo dos que ocorrem na época atual. O

mais importante deles foi o aumento do déficit público norte-americano, que comandou a

recuperação da economia norte-americana e mundial, através do aumento da demanda norte-

americana pelos produtos alemães, japoneses e dos NICs, como veremos adiante.

Ao lado desta gigantesca intervenção na economia mundial pela criação de uma

demanda artificial via aumento dos gastos públicos, foram necessários outros mecanismos para

corrigir os excessos de meios de pagamentos gerados nos Estados Unidos e na economia

mundial. Surgiram, assim, os títulos públicos capazes de absorver os excedentes gerados pelos

déficits, que se caracterizavam por uma enorme elevação da taxa de juros média a partir dos

Estados Unidos e, em seguida, em todo o mundo. Vimos, assim, surgir um endividamento

público colossal para cobrir os déficits e, em seguida, para pagar os juros gerados pelo próprio

endividamento.

Assim, os excedentes dos petrodólares haviam criado um mercado financeiro

colossal nos anos 70, que terminou assumindo a forma do inchaço da dívida do Terceiro

Mundo. Já na década de 80 tivemos os enormes excedentes do comércio do resto do mundo

com os Estados Unidos e o brutal endividamento internacional deste país para sustentar sua

demanda pela via da dívida pública.

Estes mecanismos de financiamento da dívida criaram um enorme movimento

financeiro, que gerou, por sua vez, imensos recursos financeiros sem nenhum respaldo

econômico real. Estes excessos especulativos não geraram uma onda inflacionária tão forte

como na década de 80 porque os estados europeus, o Japão e os NICs absorveram estes

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Page 48: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

excedentes em dólares sob a forma da compra de títulos da dívida pública norte-americana. A

partir de 1987, contudo, foram abandonando esta política suicida e passaram a comprar ativos

reais nos Estados Unidos, gerando uma onda anti-japonesa naquele país. No conjunto, Japão e

Alemanha mantiveram, a duras penas, uma austeridade econômica no contexto de uma

explosão financeira exportada desde os Estados Unidos, para onde dirigiram os excedentes

financeiros obtidos no comércio, ao lado de algumas outras praças financeiras artificiais, como

Londres e vários paraísos fiscais. Como os anos 80 se caracterizaram também pela consolidação

do tráfico de drogas, os seus gigantescos resultados financeiros também convergiram para o

sistema financeiro internacional, que criou mecanismos de "lavagem" de dinheiro da droga.

Este monumental aumento da liquidez mundial só poderia ter um destino: a

desinflação e o desaparecimento dos valores financeiros gerados artificialmente no período.

Esta etapa se iniciou, de fato, em 1987, com o deságio das dívidas externas, que deve chegar à

perda de cerca de 500 bilhões de dólares ou 50% do seu valor bancário; o crack das bolsas

mundiais, em setembro de 1987, que fez desaparecer 1 trilhão de dólares em um só dia; a

desvalorização em aproximadamente 40% do dólar em relação ao iene e outras moedas fortes,

que desvalorizou na mesma proporção as reservas em divisa de todos os países superavitários

no comércio com os Estados Unidos.

Caminhamos, assim, para uma desinflação e uma depressão extremamente

séria, que vem se configurando desde o início de 1990, devendo prolongar-se até 1994-95, que

exigirá um ajuste de contas definitivo do sistema capitalista mundial com a fase depressiva do

ciclo longo iniciado em 1967. As políticas econômicas terão que realizar estes reajustes para

permitir uma recuperação capitalista de longo prazo, que só poderá ser alcançada a partir da

desinflação, da quebra maciça da atual estrutura de especulação financeira, e da drástica

reestruturação das estruturas produtivas tradicionais, criando assim as condições de sua

transferência para os países periféricos e para a renovação tecnológica dos países centrais, que

deverão voltar-se para as novas tecnologias.

A partir deste ponto, faz-se necessária uma incursão nas novas direções da

revolução científico-técnica, nas suas repercussões sobre a economia internacional e sobre a

nova divisão internacional do trabalho. O avanço dos estudos sobre a relação das novas

tecnologias com o ciclo longo e os períodos de ascenso, ou fase a dos ciclos longos de

Kondratiev, têm sido objeto de um grande avanço nos últimos vinte anos, que se concentrou

nos trabalhos que já citamos, além dos quais, gostaria de mencionar aqui o grupo que trabalhou

comigo no 'Seminário de Ciência e Tecnologia', bem como nos vários estudos que produzimos.

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 48

Page 49: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

Ainda na América Latina, uma especial atenção deve ser dada ao estudo sobre 'As Novas

Tecnologias e o Futuro da América Latina', dirigido por Amílcar Herrera, do qual participei,

com outros cientistas sociais latino-americanos, nas discussões da sua orientação geral, e

também na pesquisa junto com Leonel Corona.

De outra parte, há também os estudos europeus, particularmente do grupo do

SPRU e do FAST, extremamente interessantes na produção de conhecimento efetivo sobre o

funcionamento das economias diante das ondas longas. Da mesma forma, o estudo do

Tecnology Economical Programme (TEP) da OECD, assim como vários outros trabalhos de

grande interesse também produzidos pelo seu Centro de Estudos do Desenvolvimento. Ainda

dentro desta linha, há que se considerar os estudos do Fernand Braudel Center, na State

University of New York, em Binghampton, EUA. Isto sem olvidar o estudo de Marshall sobre

os ciclos, que o leva, posteriormente, a assimilar a idéia dos ciclos longos (apesar de não ter

partido da hipótese dos ciclos longos). A obra de Mandel continuou sobre este tema, porém não

dispôs dos recursos para formar um grupo de pesquisa.

De tal forma que temos aí um conjunto de estudos que levam a uma visão

bastante consolidada sobre o papel das inovações no funcionamento da economia mundial, e

particularmente a sua articulação com as ondas longas. O aparelho conceitual que vem sendo

desenvolvido neste sentido consta de alguns elementos-chave que vou desenvolver em seguida,

para aplicar parte desse aparelho à análise histórica, relacionando a evolução da economia

mundial ao fenômeno da dependência econômica, particularmente o caso das novas economias

industriais. Com isto tentarei demonstrar até que ponto há uma confluência entre os esforços

que estavam na origem da problemática da teoria da dependência, da qual participamos, e os

esforços posteriores por uma teoria do sistema mundial e das ondas longas, que vão nos

conduzindo a conclusões comuns que devem ser objeto de uma articulação nesta oportunidade.

Inegavelmente, o conceito que mais permitiu avançar na articulação entre o

comportamento das ondas longas e o papel da tecnologia foi o de paradigmas tecnológicos,

desenvolvido pelo grupo de Christopher Freeman no SPRU. Este conceito procura mostrar que

nos vários períodos históricos há uma mudança na maneira como se articulam os elementos

fundamentais da pesquisa e desenvolvimento, das inovações, que criam estruturas setoriais,

comportamentos do sistema produtivo e relações de trabalho específicas e, portanto, processos

gerenciais e de organização das firmas e do sistema institucional no seu conjunto. Isto relaciona

muito diretamente, então, o desenvolvimento tecnológico com o conjunto do sistema

econômico, social, político e ideológico. Esta capacidade crescente de estabelecer estas relações

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 49

Page 50: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

são aceitas inclusive como elemento-chave para as políticas econômicas contemporâneas pelos

ministros da OSCD, orientando assim um programa de pesquisa sobre Technology Economical

Program (TEP), que faz uma tentativa de análise complexa desses fenômenos em 1991.

O primeiro elemento é essa idéia de que a inovação é um processo interativo.

Com o desenvolvimento dos modelos interativos na teoria econômico nos últimos anos para

poder captar este processo, ligou-se as pressões na demanda com as pressões tecnológicas (ou

oportunidades da oferta) gerando conceitos que permitiram ligações entre a ciência e a

tecnologia. Com isto, muitas das tecnologias-chave contemporâneas, que avançam num campo

genérico, podem ser integradas dentro das decisões econômicas a nível de empresa. Podemos

descrever cada vez mais este processo interativo que está por trás da produção de novos

produtos, de novos processos, e que exige estruturas organizacionais e mecanismos que

assegurem uma interação mais apropriada e um feedback entre as várias instituições, através dos

sistemas nacionais de inovação. Estes sistemas são extremamente decisivos, apesar de que a

colaboração entre Estados e entre empresas de vários países avançou muito na década de 80,

gerando fenômenos novos e uma espécie de sistema internacional (não podemos falar ainda de

um sistema mundial, mas de um sistema internacional de pesquisa e desenvolvimento e de

inovação, na medida em que as redes de inovações se deslocam dos planos nacionais para o

plano internacional).

Também no plano da relação entre ciência e tecnologia, vão-se desenvolvendo

estudos sobre as ciências de transferência, que permitem os mecanismos de interface entre o

conhecimento básico científico e a solução de problemas concretos e necessidades sociais

concretas que exigem soluções tecnológicas, que são específicas e práticas, ao contrário do

conhecimento científico, que tende a ser fundamental e abstrato.

A relação entre universidade e empresa tem sido um dos elementos mais

importantes para este processo, apesar de nos últimos anos o desenvolvimento de centros de

pesquisa básica dentro das próprias empresas começar também a gerar uma realidade totalmente

nova de ligação entre a evolução da empresa e a evolução da ciência contemporânea. E isto é o

resultado da revolução científico-técnica. A ciência tende a ser, cada vez mais, uma força

produtiva e um elemento-chave na solução dos problemas concretos da produção. Isso nos leva

a aceitar a idéia de uma acumulação como fundamento da história da Humanidade. A

capacidade de acumular conhecimento é, seguramente, o elemento-chave para dominar o

conhecimento científico e o desenvolvimento tecnológico e para o estabelecimento de

hegemonias dentro da economia mundial. Mas o que os estudos vêm demonstrando é que, ao

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 50

Page 51: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

lado destes conhecimentos gerais, desta combatividade no plano mais global, existem

instrumentos mais concretos que favorecem o processo de inovação e de difusão, que estão

ligados ao conhecimento, à aprendizagem, através de processos que incluem aprender fazendo,

aumentando a eficiência das operações de produção; aprender usando, o que aumenta a

eficiência do uso de sistemas complexos; aprender interagindo, que envolve o uso e a produção

interativa, que é o resultado das inovações.

Nessa idéia de um paradigma tecnológico, vemos também que há certas

tecnologias que ocupam uma posição genérica, atuando sobre o conjunto de setores

econômicos. São elas que garantem o avanço tecnológico no seu conjunto, e as conseqüências

em termos de poder econômico, de funcionamento e de mudanças estruturais do sistema. São

estas tecnologias que alguns autores chamam de ponta. Portanto, há uma conotação de estar na

frente, o que mais corretamente deveríamos chamar como tecnologias-chave, interativas e

genéricas, cujo aprendizado leva ao domínio de vários setores econômicos, permitindo aplicá-la

sobre outros setores, havendo assim uma generalização do processo de inovação.

Aqui temos um aspecto extremamente significativo: quanto mais as inovações

são socialmente geradas como produto de pesquisa e desenvolvimento de várias instituições,

mais difícil fica a apropriação dos conhecimentos gerados por ela e a apropriação das inovações

criadas pela aplicação dos conhecimentos em função das demandas propostas pela sociedade.

Isso tem duas conseqüências que pesam sobre os paradigmas tecnológicos, no sentido de

conduzir, de um lado, a uma necessidade crescente de interação entre os centros de pesquisa e

desenvolvimento e as empresas interessadas nas inovações, e, de outro lado, uma dificuldade

crescente de privatizar o conteúdo social destas inovações, exigindo comportamentos restritivos

de difusão cada vez mais difíceis de serem gerenciados.

Os efeitos das mudanças de paradigmas também são muito fortes quando

tomamos em consideração a necessidade de mudanças organizacionais. Ao mesmo tempo,

podemos distinguir o conceito de trajetórias tecnológicas que ligam a idéia da mudança

tecnológica ao processo social que vinculam as tecnologias usadas com seus potenciais de

aplicação diferentes, e a seleção dos quais depende de um grande campo de fatores econômicos

como preços relativos, os custos sobre a renda, os valores sociais, o que nos leva inclusive a

uma conclusão bastante importante, citando-a do Background Concluding to Technology

Economical Program, onde se afirma que:

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 51

Page 52: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

"A noção de taxas crescentes de adoção de novas tecnologias

expressa o fato de que as tecnologias podem, de fato, não tanto ser

selecionadas de acordo com a sua eficiência superior, mas, ao contrário,

tornarem-se eficientes porque foram selecionadas."

E selecionadas pelos atores sociais de acordo com interesses que são culturais e que

estão vinculados ao processo civilizatório no seu conjunto. Temos que concordar então com

estes autores quando afirmam que o progresso tecnológico não é uma questão de inovação e

difusão, mas sim de aceitação social. É claro que a ação das empresas e dos interesses

econômicos pode tentar deter a aceitação social de certos produtos e orientar a sociedade através

dos instrumentos da publicidade, mas a verdade é que, em última instância, serão os fatores

sociais globais que determinarão a tendência à adoção de tal ou tal tecnologia.

A questão do meio ambiente começa a influenciar seriamente a idéia das novas

tecnologias e a direção do processo de inovação. A crescente consciência da relação entre as

tecnologias e os ecossistemas leva a uma mudança na maneira de considerar o uso de certas

inovações e nas direções que a sociedade tende a orientar o fenômeno da produção de novas

tecnologias. Isto nos mostra também como esses fenômenos estão cada vez mais sob o impacto

de grandes processos de transformação social, que estão reorientando muitas decisões do

sistema gerencial das empresas. E aqui, muito particularmente, na formação da visão destes

paradigmas. Há de incorporar-se, então, o papel da pesquisa e desenvolvimento, da pesquisa de

longo termo, da educação e da infra-estrutura de telecomunicações, que asseguram o

funcionamento das novas tecnologias, com implicações também sobre o investimento tanto

tangível quanto intangível (incluindo este crescente papel dos investimentos intangíveis, que

trazem realidade nova para a relação entre a evolução e a organização da sociedade).

Não deixa de ser importante retomar o problema da relação entre tecnologia e o

crescimento posto que há um período histórico em que a questão da eficiência da tecnologia

para gerar crescimento econômico, assumiu um caráter muito determinante, particularmente no

século XIX até metade do século XX, associada ao desenvolvimento da produção em massa,

onde o aspecto quantitativo ganhou uma dimensão muito determinante sobre o conjunto do

modelo de funcionamento econômico, e, portanto, o paradigma tecnológico existente. O avanço

da globalização transforma esse sistema tecnológico num sistema cada vez mais planetário,

onde a relação entre os centros de produção da ciência e tecnologia, de produção de inovações e

a sua difusão para o resto do mundo, está relacionado com um sistema econômico mundial.

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 52

Page 53: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

Este conjunto de instrumentais teóricos nos leva a repensar o papel das novas

tecnologias na sociedade contemporânea, onde as novas estratégias de desenvolvimento,

baseadas em estratégias sócio-econômicas e em uma visão cultural do espaço social. No

período contemporâneo o que assistimos é o aparecimento de novas tecnologias, que na fase

final que estamos vivendo, da fase b de Kondratiev, poderão ser absorvidas para um novo

período de crescimento econômico. Como já assinalamos, as características principais dessas

novas tecnologias são dadas pelo sistema produtivo, que se fundamenta cada vez mais na

automação. Esta automação é resultado da aplicação da informática e da eletrônica ao sistema

produtivo contemporâneo, que vai liberando este sistema da ação do trabalhador direto, que vai

sendo substituído pelos sistemas complexos de produção automatizados, onde a ajuda da

robotização tem representado também um papel cada vez mais decisivo. Como são os novos

materiais que vão sendo incorporados e permitindo uma organização da produção cada vez mais

em termos de uma produção mais voltada para os princípios da química do que propriamente

mecânicos, o que fortalece as possibilidades da automação ao criar modelos e produtos cada vez

mais focados para demandas específicas.

É assim também que, neste contexto das novas tecnologias, coloca-se o papel da

biotecnologia. Ela rompe os marcos de produção tradicionais, não só da agricultura, como da

indústria alimentícia e farmacêutica, produzindo mudanças significativas nas condições

biológicas da humanidade, podendo até ser aplicada no campo da criação de materiais novos. O

avanço da biotecnologia representa uma potencialidade que os países do Terceiro Mundo,

particularmente os países das zonas tropicais, poderiam seguramente explorar. O exemplo de

Cuba é muito significativo nesse sentido, onde uma política científica, uma orientação firme e

muito poucos recursos, além de um bloqueio internacional muito sério, vem permitindo

conquistas importantes e inovações significativas no plano dessas biotecnologias. Também o

Brasil apresenta na sua política do pró-álcool a demonstração das grandes potencialidades da

biomassa, que poderão se desenvolver muito com o avanço da biotecnologia, indicando assim

que nosso país pode dar saltos revolucionários para a configuração de um novo paradigma

tecnológico do mundo.

Por fim, não devemos deixar de considerar o complexo eletrônico e

microeletrônico. Ele é a base material para o avanço da informática e para o avanço da ação

mais complexa e mais sistêmica, baseada no alto nível de informação, que representa um dos

aspectos centrais do novo paradigma que está sendo desenvolvido nas décadas de 70 e 80. Ele

servirá também como base para o avanço científico-tecnológico e para um novo período de

GRUPO DE ESTUDOS SOBRE ECONOMIA MUNDIAL, INTEGRAÇÃO REGIONAL & MERCADO DE TRABALHO 53

Page 54: "Crises econômicas e ondas longas da economia mundial" - Theotonio Dos Santos

TEXTOS PARA DISCUSSÃO

investimentos e crescimento econômico, que deve trazer uma nova fase a do ciclo de

Kondratiev.

Neste plano, nos cabe assinalar que, ao lado do hardware promovido pela

microeletrônica, está sobretudo o software ligado às matemáticas, à teoria do sistema, à teoria

do caos, à matemática louca e novos campos teóricos ligados à inteligência artificial. Isto

mostra que o campo propriamente científico e a evolução do conhecimento científico em si

mesmo devem constituir os elementos-chave do novo paradigma tecnológico. Também aí

podemos encontrar um campo muito interessante para a superação do povos do Terceiro

Mundo, pois os investimentos em educação e em transformação educacional podem ser feitos

por nações novas na estrutura econômica mundial, que saibam aproveitar ao máximo as suas

capacidades através de programas educacionais ambiciosos, como fizeram os coreanos e os

japoneses, se bem que não estiveram nessa condição de subdesenvolvimento. Aliás, por isso

mesmo estão diante de um dos pontos mais dramáticos da condição dependente ou

subdesenvolvida, porque uma política deste tipo supõe uma elite política extremamente

consciente, voltada para a distribuição da renda, para a criação de uma sociedade e uma cultura

novas, com conteúdo extremamente cooperativo, coletivizante. E essa visão coletivizante deve,

ao mesmo tempo, estar apoiada sobre o uso da coletividade e a colocação da coletividade a

serviço dos indivíduos. Desenvolvimento é, então, cada vez mais, neste contexto, um fato

cultural, social, político e só nessa proporção e nessa medida um fato econômico.

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